| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO CREDITOS TRIBUTÁRIOS PRINCÍPIO DA IGUALDADE SOLICITAÇÃO DE NÃO HOMOLOGAÇÃO RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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| Sumário: | Sumário[1] 1 – Num plano prestacional contido dentro dos estritos limites previstos na própria lei tributária como admissíveis, ou seja que a lei diretamente admite, a mera falta de autorização pela autoridade tributária não constitui violação de regra imperativa e não pode deixar de ser tida como uma violação negligenciável de uma norma puramente procedimental (trata-se de uma norma processual de definição de competência para processos e tramitação diversas das seguidas em processo de insolvência ou processo especial de revitalização, processos nos quais o juiz, oficiosamente, deve aferir da conformidade dos planos com os princípios da indisponibilidade e legalidade tributárias, quanto aos créditos dos credores públicos), e sob pena de o direito de voto dos credores públicos se tornar num direito de veto, de que claramente não dispõem. 2 - É hoje, sem dissensão, considerado que a lista de credores (e a decisão das impugnações da mesma) não produz efeitos fora do PER, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação. 3 - O facto de um determinado crédito ser tido como comum no seio do procedimento apenas releva politicamente, para os efeitos de votação e de composição do quórum deliberativo, e não substantivamente. Já o tratamento dado no Plano tem que ter em consideração a natureza substancial do crédito, até porque a respetiva satisfação, se dará, fora do PER, de acordo com as regras que lhe sejam aplicáveis, sem qualquer interferência da decisão quanto à lista de créditos. 4 - A diferente natureza dos créditos justifica diferente tratamento, sem prejuízo de desproporção merecedora de censura e de situações em que diferentes créditos são tratados de forma igual. 5 – O perdão de 90% dos créditos comuns surge como excessivo e desproporcional com o pagamento integral dos créditos garantidos. 6 - O credor que requer a não homologação do acordo de pagamento com o fundamento no disposto na al. a) do nº1 do art. 216º do CIRE tem o ónus de demonstrar, em termos plausíveis e concretos, que na ausência de plano ficaria em situação mais favorável de acordo com o cenário mais provável. [1] Da responsabilidade da relatora – art. 663º nº7 do CPC. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1. Processado prévio P1 intentou o presente processo especial de revitalização, enquanto produtor agrícola por conta própria, alegando encontrar-se em situação económica difícil. Foi nomeado Administrador Judicial Provisório e efetuadas as publicações previstas no nº5 do art. 17º-C do CIRE. Foram reclamados créditos, nos termos do nº2 do art. 17º-D do CIRE, vindo o Administrador Judicial Provisório a apresentar lista provisória de credores. Foram apresentadas impugnações à lista provisória, por Novo Banco, SA, Caixa Geral de Depósitos, SA, Banco BIC Português, SA e Scalabis – Sociedade de Titularização de Créditos, SA. O Sr. AJP pronunciou-se quanto às impugnações apresentadas. Foi prorrogado o prazo de negociações. Por despacho de 27/11/2023 foi julgada improcedente a impugnação apresentada por Banco BIC Português, SA e foram julgadas procedentes as impugnações apresentadas por Novo Banco, SA, Caixa Geral de Depósitos, SA e Scalabis – Sociedade de Titularização de Créditos, SA. Foi apresentada proposta de Plano de recuperação pelo devedor e nova versão do mesmo após apresentação de observações pelos credores. Banco Santander Totta, SA veio pedir a não homologação do plano, alegando que declarou tempestivamente nos termos pretender participar nas negociações e não ter sido contactado para o efeito. Alega, para os efeitos previstos no art. 216º nº1, al. a) do CIRE, que o seu crédito é garantido por hipoteca, o que sequer foi considerado no plano e que a sua aprovação o impede de recorrer à ação executiva para recuperar os seus créditos de forma mais célere. O Sr. Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o resultado da votação do plano, nos termos da qual o acordo de pagamento foi aprovado com os votos favoráveis de 54,05% dos votos emitidos. Novo Banco, SA veio pedir a não homologação do acordo de pagamento invocando nunca ter sido contactado pelo devedor para negociar e que foram juntas sucessivas versões do plano, tendo o Sr. AJP contabilizado extemporaneamente os votos e não tendo junto o parecer quanto à viabilidade do Plano. Mais alega que o Plano não contém os elementos previstos nas alíneas b) e j) do nº1 do art. 17º-F do CIRE. Alega que o Plano viola o disposto no art. 217º nº4 do CIRE, que está a ser abusivamente usado para evitar a insolvência, que, ao prever-se o pagamento integral dos créditos das instituições financeiras ali incluindo um credor comum, a Agrogarante, quando para os demais se prevê um perdão de 90%, há violação do princípio da igualdade e que os contratos de leasing não podem ser alterados pelo Plano sem o consentimento do credor. O devedor respondeu aos pedidos de não homologação apresentados, pedindo a sua improcedência. Por despacho de 26/01/24 foi constatada a prematura junção do resultado da votação, tendo sido ordenada junção de novo resultado da votação. O Sr. Administrador Judicial Provisório juntou aos autos novo resultado da votação do plano, nos termos da qual o acordo de pagamento foi aprovado com os votos favoráveis de 54,05% dos votos emitidos. Por despacho de 24/04/2024 foi ordenada a junção de parecer fundamentado nos termos do art. 17.º-F/4, parte final, do CIRE. O Sr. Administrador Judicial provisório juntou parecer no sentido de que o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência do devedor e garantir a sua recuperação. Em 06/05/2024 foi proferida a seguinte sentença: “Termos em que se decide homologar o Plano de Recuperação conducente à Revitalização de P1, empresário com o NIF …, com domicílio profissional na …, constante dos autos, aprovado por maioria dos credores, que vincula os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações (cf. art. 17.º-F, n.º 11, do CIRE. Custas a cargo da devedora (cf. art. 17.º-F, n.º 12, do CIRE). Registe, notifique e dê publicidade.” Inconformados apelaram Banco Santander Totta, SA, Instituto da Segurança Social, IP e Novo Banco, SA., tendo o primeiro e terceiro arguido nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Por despacho da Relatora de 02/09/2024 foi ordenada a baixa dos autos nos termos do art. 617º, nº5, 1ª parte do CPC. * 1.2. Decisão recorrida Por despacho de 04/11/2024 foi declarada nula a decisão que havia sido recorrida e, após múltiplo processado[1], foi proferida, em 14/04/2025, a seguinte sentença: “Termos em que se decide não homologar o Plano de Recuperação conducente à Revitalização de P1, empresário com o NIF …., com domicílio profissional na …, constante dos autos. Valor: o indicado. Custas a cargo do devedor (cf. art. 17.º-F, n.º 12, do CIRE).” * 1.3. Recurso interposto Inconformado apelou P1, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que homologue o Plano de Recuperação, apresentando as seguintes conclusões: I. A dívida reclamada pelo credor Banco Santander Totta, S.A. é garantida por duas hipotecas sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º …, e inscrito na matriz urbana da freguesia do … sob o art.º …, registadas pela Ap. …, de 2013-01-18 e Ap. …, de 2013-01-18. II. Numa das hipotecas (Ap. …) são igualmente credores a Agrogarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. e a Finova – Fundo de Apoio ao Investimento e à Inovação; Portanto, III. Em caso de venda em execução, o Banco Santander Totta, S.A. apenas receberia o produto da venda de forma rateada, uma vez que também os demais credores hipotecários teriam direito a ser pagos pelo produto da venda desse mesmo bem até ao limite dos seus créditos. Por outro lado, IV. Os créditos resultantes dos dois contratos de mútuo celebrados com a Sociedade Agrícola Terra da Eira, SAG, LDA., garantidos pelas hipotecas acima referidas, foram alterados pelo Plano de Revitalização aprovado no Processo Especial de Revitalização que, sob o n.º 3850/16.2T8VFX, correu termos pela Instância Central da Comarca de Lisboa Norte, Secção de Comércio de V.ª Franca de Xira, Juiz 3; V. Este Plano estaria em execução até ao ano de 2029, não fosse o facto de a Sociedade Agrícola Terra da Eira, SAG, LDA. se ter apresentado a novo PER, e foi aprovado com o voto positivo do Banco Popular Portugal, S.A., antecessor do Banco Santander Totta, S.A. na titularidade do crédito. Acresce que, VI. Ao credor que requeira a não homologação do plano de insolvência com fundamento no artigo 216.º, 1-a) do CIRE, cabe indicar e demonstrar os factos subjacentes à sua pretensão, ou seja, qual seria previsivelmente a sua situação/afetação decorrente da liquidação universal do património do devedor segundo o modelo legal supletivo, o que então permitiria a sua comparação com o que resulta do plano de insolvência, e o credor não fez nada disso. Mais: VII. “O preenchimento da previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE importa a alegação e demonstração, pelo credor, de factos atinentes não apenas à afetação do seu crédito pelo plano de insolvência, mas, outrossim, concernentes à sua previsível situação/afetação decorrente da liquidação universal do património do devedor segundo o modelo legal supletivo” (v. supra) e o credor não fez nada disso. Na verdade, VIII. O credor alegou que a Sociedade Agrícola Terra da Eira, SAG, LDA. se encontra em incumprimento desde 17-02-2023, mas não alegou nem comprovou que interpelou por escrito o Devedor/garante para pagar as prestações em dívida naquela data, nos termos do disposto no artigo 218.º, n.º 1-a) do CIRE, com o propósito de prosseguir com as execuções suspensas ou instaurar nova execução. Nestes termos, IX. É de concluir o Banco Santander Totta, S.A. não demonstrou «em termos plausíveis», tal qual é exigido no proémio do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, que a sua situação ao abrigo do Plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, pelo que, X. Inexiste motivo para recusar a homologação do Plano de Revitalização, com fundamento no disposto no artigo 216.º, n.º 1-a) do CIRE. Por outro lado, XI. Através do requerimento do Administrador Judicial Provisório de 31-01-2024 (Ref.ª 14774392) e da certidão permanente que consta em anexo ao mesmo, ficou demonstrado que a Agrogarante, S.A. é credor garantido, em face de hipoteca voluntária a favor da Agrogarante, S.A. sobre prédio da titularidade do devedor (v. supra). Em consequência, XII. O Administrador Judicial Provisório retificado a natureza do crédito em conformidade, decisão esta que não teve oposição de nenhum credor. Deste modo, XIII. Sendo o crédito da Agrogarante, S.A. é um crédito garantido, não há fundamento para considerar existir violação do princípio da igualdade, pois a discriminação entre os créditos garantidos e os créditos comuns tem apoio, na lógica do plano de recuperação aprovado, na diferente natureza desses mesmos créditos. Efetivamente, XIV. No âmbito do Plano de recuperação/insolvência, a lei consagra uma igualdade mitigada, ou seja, a lei não tem a amplitude que subjaz à interpretação que lhe foi dada pela sentença recorrida. XV. O princípio da igualdade plasmado no artigo 194.º do CIRE não impõe que não possa haver tratamento diferenciado de credores no plano de insolvência, mas apenas que tal tratamento diferenciado não pode ser arbitrário e deverá mostrar-se objetivamente justificado, designadamente atenta a especificidade de tais créditos ou classe de credores, como foi precisamente o caso do Plano de recuperação apresentado pela Devedora; XVI. A tal não obsta o carácter universal do processo de insolvência que, implicando a participação de todos os credores no processo, implica o tratamento igualitário dos mesmos, mas segundo a qualidade dos seus créditos; XVII. A regra «par conditio creditorum» - ou princípio da igualdade dos credores – que caracteriza o regime da insolvência enquanto execução universal não pode deixar de admitir exceções, que advêm justamente, da maior ou menor categoria em que se insira o credor. Deste modo, XVIII. Ao efetuar distinção basilar entre créditos garantidos e comuns, com regimes diferenciados, a fundamentação da discriminação assenta na existência ou não de bem garantido que responde prioritariamente pela dívida. Dito de outro modo, XIX. O princípio da não discriminação entre credores admite desigualdades entre créditos de natureza diversa, nomeadamente em relação aos que estando garantidos por determinado bem ou direito seriam sempre pagos em cenário de liquidação; Nestes termos, XX. É de concluir que a sentença recorrida determinou a não homologação do acordo alcançado nos presentes autos com base numa errada interpretação e aplicação das disposições legais dos artigos 47.º, n.º 4, 194.º, n.º 1 e 215.º, todos do CIRE. XXI. Não existe qualquer proposta de período de carência, nem de perdão de capital ou de juros ou custas referentes às dívidas à Segurança Social no Plano aprovado, pelo que deve considerar-se não escrito o que se afirma na sentença sobre uma eventual ineficácia do Plano de Revitalização quanto ao credor Instituto da Segurança Social, I.P., em caso de homologação daquele.” * 1.3. Respostas ao recurso Novo Banco, SA apresentou contra-alegações, pedindo a manutenção do despacho recorrido e apresentando as seguintes conclusões: “I. O devedor não interpôs recurso da parte da decisão recorrida que decidiu que o plano é ineficaz, entre outro, relativamente ao contrato de leasing, pelo que nessa parte a mesma transitou já em julgado. II. O crédito da Agrogarante é comum, tendo sido reconhecido com essa natureza na lista provisória de credores, convertida em definitivo. III. O plano encerra uma injustificável violação do princípio da igualdade por que trata de forma diferente créditos de igual categoria e natureza. IV. Para as instituições financeiras Agrogarante, Banco Eurobic, Banco Santander Totta, Caixa Geral de Depósitos, entre o mais, não é proposto qualquer perdão de capital e são pagos parte dos juros. V. Para as restantes, nas quais se inclui o Novo Banco é, entre o mais, proposto o perdão de 90% do capital e de 100% dos juros, despesas, comissões e encargos. VI. Diferenciação essa de todo omissa quanto às “razões objectivas” que eventualmente a pudessem sustentar; constituindo, assim, uma injustificada e injusta violação do princípio da igualdade – cfr. artº 194º nº 1 do CIRE. VII. Omissão que se mantém mesmo que se considere, no que não se concede e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, que os créditos da Agrogarante são garantidos. VIII. É que o tratamento diferenciado entre as instituições financeiras nem se encontra sequer justificado ou fundamentado no plano, pela diferente natureza dos mesmos. IX. Justificação e fundamentação que sempre se imporia o Devedor tivesse expressamente incluído no plano; o que não fez. X. Com efeito, mesmo nesse cenário, a diferenciação de tratamento é manifestamente desproporcional: para uns (os garantidos) propõe o pagamento integral do capital e, para outros (os comuns), o perdão de 90%! XI. Tal gritante desproporcionalidade não pode ser justificada na diferente natureza dos créditos. XII. Pelo que deve ser mantida a decisão recorrida, e julgado improcedente o presente recurso.” * Contra-alegou igualmente XYQ Luxco S.À.R.L. (cessionária de Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Cadaval, CRL), pedindo a manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões: “A) O devedor impugna a decisão judicial de não homologação do plano de revitalização; B) Em suma, alega que no que diz respeito ao Credor Banco Santander Totta, S.A., Credor com Garantia Real, em caso de venda em execução, este teria de receber do produto de venda de forma rateada uma vez que os Credores Agrogarante – Sociedade da Garantia Mútua, S.A. e a Finova – Fundo de Apoio Ao Investimento e à Inovação, têm igualmente garantia real sobre o referido bem; C) No que concerne aos Credores Novo Banco, S.A. e a Agrogarante, S.A em suma, o devedor alega que inexiste qualquer violação ao princípio da igualdade dado que o crédito da credora Agrogarante, S.A. tem natureza garantida e “a discriminação entre créditos garantidos e os créditos comuns tem apoio, na lógica do plano de recuperação aprovada, na diferente natureza desses mesmos créditos”. D) Mais, alega que, relativamente ao Instituto da Segurança Social, IP. a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de um lapso na interpretação do plano e, consequentemente, na sua ineficácia quanto a este credor. E) Não obstante, não assiste razão ao devedor, uma vez que o ora alegado pelo mesmo não tem qualquer fundamento quer de facto quer de direito. F) Relativamente à oposição apresentada pelo Banco Santander Totta, S.A., o Tribunal a quo considerou que efetivamente, e em relação a este Credor, a sua situação seria mais favorável em cenário de liquidação imediata e pagamento segundo a graduação, para efeitos do artigo 216.º, n.º 1, alínea a) do CIRE. G) Nestes termos, o Tribunal a quo, e bem, decidiu que existe fundamento para afastar a homologação do plano. H) O plano de pagamentos para este credor prevê uma maturidade de 15 anos e, entre outras propostas, um perdão dos juros vencidos, dos juros vincendos e dos juros moratórios, assim como de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste acordo. I) Sucede que, o devedor impugna tal fundamento, uma vez que indica que em caso de venda judicial do imóvel que constitui a garantia do Banco Santander Totta, S.A., este teria de receber o produto de venda de forma rateada até ao limite do seu crédito. J) Não obstante, independentemente da eventual repartição do produto de venda do imóvel, a verdade é que a situação deste credor, e de todos os Credores com Garantia Real, seria sempre mais favorável em cenário de liquidação imediata, porquanto com o acionamento das garantias reais de que é titular, poderá mais facilmente obter o ressarcimento dos seus créditos reclamados nestes autos. K) Como tal, o Santander Totta, S.A. fica numa situação mais desfavorável com a homologação do plano. L) No que concerne à oposição apresentada pelo Novo Banco, S.A., veio o Tribunal a quo decidir igualmente pela não homologação do plano, uma vez que o Tribunal considerou que se verifica uma “violação do princípio da igualdade, por tratamento diferenciado entre instituições financeiras garantidas e comuns sem justificação pela natureza do crédito e em relação à Agrogarante, que apenas tem créditos comuns, e em relação a quem não se aplica o regime de perdão de 90 % do capital; a Agrogarante apenas reclamou créditos comuns mas é proposto em relação a esta o pagamento de 100 % do capital durante 15 anos, enquanto a Novo Banco, S.A. verá o seu capital reduzido em 90 %”. M) Ao contrário do alegado pelo devedor, o crédito da Agrogarante foi reconhecido como crédito de natureza comum, tendo tal natureza nunca sido impugnada nem pelo próprio credor nem pelo devedor e, como tal, a lista de créditos converteu-se em definitiva. N) Assim, tanto o crédito da Agrogarante como o crédito do Novo Banco, S.A. são créditos de natureza comum. O) Não obstante, o plano prevê um pagamento e condições diferentes para cada um dos credores. P) Diferenciação essa que constitui, desta forma, uma injustificada e injusta violação do princípio da igualdade – cfr. artº 194º nº 1 do CIRE. Q) Tal desproporcionalidade não é admissível nos termos e ao abrigo do artigo 194.º, n.º 1 do CIRE. R) Como tal, decidiu bem o Tribunal a quo ao determinar pela não homologação do PER. S) Pelo que, deverá manter-se a decisão recorrida e, consequentemente, ser julgado improcedente o presente recurso.” * O recurso foi admitido por despacho de 23/06/2025 (refª 165596801). Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas há que decidir se existem causas de não homologação do plano de recuperação aprovado, nomeadamente: - violação de normas imperativas aplicáveis ao conteúdo do plano: princípio da indisponibilidade dos créditos tributários no tocante aos créditos da Segurança Social; - violação de normas imperativas aplicáveis ao conteúdo do plano: violação do princípio da igualdade em duas perspetivas: tratamento diferenciado e não justificado entre instituições financeiras com créditos garantidos e comuns e, entre credores comuns, no tocante ao crédito do credor Agrogarante; - se, relativamente ao credor Santander Totta, a sua situação ao abrigo do acordo é previsivelmente menos favorável que a que interviria na ausência de qualquer plano, para os efeitos da al. a) do nº1 do art. 216º do CIRE. * 3. Fundamentos de facto Com relevância para a decisão do recurso mostram-se assentes os factos constantes do relatório e ainda os seguintes, resultantes dos termos dos autos: 1 – A lista definitiva de créditos ficou composta pela seguinte forma: i) Agrogarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA - € 140.434,16 – comum; ii) Autoridade Tributária e Aduaneira - € 66.651,79 – comum, privilegiado e garantido; iii) Banco BIC Português, SA - € 1.735.997,55 – garantido; iv) Banco Comercial Português, SA - € 16.719,06 – comum, e garantido; v) Banco Santander Totta, SA – € 209.697,36 – garantido; vi) Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Cadaval, CRL - € 27.384,43 – garantido; vii) Caixa Geral de Depósitos, SA – € 510.542,81 - garantido; viii) EDP Comercial – Comercialização de Energia, SA – € 725,35 – comum; ix) Instituto da Segurança Social, IP – € 142.580,30 – privilegiado e comum; x) Intrum Justiça Portugal, Lda – € 6.229,86 – comum; xi) J. Inácio – Máquinas Agrícolas, Lda – € 16.965,20 – comum; xii) P2 – € 25.106,14 – comum; xiii) P3 – € 269.342,47 – comum e garantido; xiv) Nos Comunicações, SA – € 927,00 – comuns; xv) Novo Banco, S.A. - € 575.697,66 – comum; xvi) Scalabis STC, S.A. - € 111.911,77 – comum; xvii) Unicre – Instituição Financeira de Crédito, SA – € 33.069,55 – comum. 2 – Da lista consta a indicação de que os créditos garantidos o são por hipoteca sobre imóveis alguns dos quais identificados. 3– O acordo de pagamento apresenta o seguinte teor: “O Plano entrará em vigor quando transitar em julgado a sentença da sua homologação. Existem “2 (dois)” conjuntos de créditos/ responsabilidades: 1. Os créditos contraídos diretamente pelo devedor, e sua esposa; 2. Créditos resultantes de avales, fianças e reversões, decorrentes de passivos das empresas enquanto sócio e gerente: Sociedade Agrícola Terra da Eira SAG, Lda., Ruagropec, Lda., e Alti-Transportes, Lda. Os créditos deste 2º grupo só serão liquidados pelo devedor, caso venham a ser incumpridos os planos pelos devedores originais nos PER’s que estão negociação. As 3 empresas (Sociedade Agrícola Terra da Eira, Ruagropec e Alti) recorreram a um 2º PER, decorrente da crise instalada com o Covid 19, com uma redução do consumo, seguindo-se a guerra na Ucrânia, que levou a um enorme aumento dos produtos utilizados nos cuidados dos pomares e vinhas, e o enorme crescimento da taxa inflação, e das taxas de juros que acarreta o aumento dos custos, não só perante a banca como no novo aumento dos custos de produção. Há muita confiança e vontade de recuperar as empresas. 1. Os créditos contraídos diretamente pelo devedor, e sua esposa; Créditos Garantidos ➢ Instituições Financeiras Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e Paysera Proposta de Regularização: ➢ Maturidade: 15 anos; ➢ Pagamento de 100% do capital em 60 prestações de capital, com início no mês de Julho 2024; ➢ Pagamento mensal dos juros com início a 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano ➢ O plano de amortização do capital será progressivo de acordo com o seguinte mapa: Ano Percentagem 1 1.50% 1.50% 2 2.50% 4.00% 3 3.00% 7.00% 4 3.00% 10.00% 5 4.00% 14.00% 6 5.00% 19.00% 7 5.00% 24.00% 8 5.00% 29.00% 9 6.00% 35.00% 10 6.00% 41.00% 11 6.00% 47.00% 12 6.00% 53.00% 13 6.00% 59.00% 14 6.00% 65.00% 15 35.00% 100.00% 1. Os créditos contraídos diretamente pelo devedor, e sua esposa; Créditos Garantidos ➢ Instituições Financeiras Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e Paysera Proposta de Regularização: ➢ Maturidade: 15 anos; ➢ Pagamento de 100% do capital em 60 prestações de capital, com início no mês de Julho 2024; ➢ Pagamento mensal dos juros com início a 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano ➢ O plano de amortização do capital será progressivo de acordo com o seguinte mapa: Ano Percentagem 1 1.50% 1.50% 2 2.50% 4.00% 3 3.00% 7.00% 4 3.00% 10.00% 5 4.00% 14.00% 6 5.00% 19.00% 7 5.00% 24.00% 8 5.00% 29.00% 9 6.00% 35.00% 10 6.00% 41.00% 11 6.00% 47.00% 12 6.00% 53.00% 13 6.00% 59.00% 14 6.00% 65.00% 15 35.00% 100.00% ➢ Por se tratar de uma atividade, essencialmente, sazonal propõe-se que os pagamentos de capital no ano sejam repartidos pelos seguintes meses: Fevereiro; Abril; Julho e Dezembro ➢ Juros vincendos calculados com as seguintes taxas de juro, pagos mensalmente: • Do 1º ano ao 3º ano – taxa fixa de 3% • Do 4º ano ao 15º ano – Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 1,75%; ➢ Perdão total dos juros remuneratórios vencidos no período entre os meses 07/2017 a 05/2023; ➢ Recálculo à taxa de 3% e capitalização dos restantes juros remuneratórios vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano; ➢ Perdão juros moratórios, de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano; ➢ Os encargos existentes com as garantias bancárias serão capitalizados com a restante divida; ➢ Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados; ➢ Outros Credores Garantidos Proposta de Regularização: ➢ Maturidade: 15 anos; ➢ Pagamento de 100 % do capital em 60 prestações de capital, com início no mês de Julho de 2024; ➢ O plano de amortização do capital será progressivo de acordo com o seguinte mapa: Ano Percentagem 1 1.50% 1.50% 2 2.50% 4.00% 3 3.00% 7.00% 4 3.00% 10.00% 5 4.00% 14.00% 6 5.00% 19.00% 7 5.00% 24.00% 8 5.00% 29.00% 9 6.00% 35.00% 10 6.00% 41.00% 11 6.00% 47.00% 12 6.00% 53.00% 13 6.00% 59.00% 14 6.00% 65.00% 15 35.00% 100.00% ➢ Por se tratar de uma atividade, essencialmente, sazonal propõe-se que os pagamentos do ano sejam repartidos pelos seguintes meses: Fevereiro; Abril; Julho e Dezembro ➢ Perdão dos juros vencidos, dos juros vincendos e dos juros moratórios, assim como de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano; ➢ Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados; Créditos Não Garantidos Instituições Financeiras, Fornecedores e Outros Credores • Pagamento de 10 % do capital em 10 anos, 40 prestações iguais, de capital, após o período de carência; • Por se tratar de uma atividade, essencialmente, sazonal propõe-se que os pagamentos do ano sejam repartidos pelos seguintes meses: Janeiro, Março, Maio e Novembro • Um período de carência de capital até Novembro de 2025 • Perdão de 90% do capital; • Perdão total dos juros vencidos e vincendos, despesas, comissões e encargos. 2. Créditos resultantes de avales, fianças e reversões, decorrentes de passivos das empresas enquanto sócio e gerente: Sociedade Agrícola Terra da Eira SAG, Lda., Ruagropec, Lda., e Alti-Transportes, Lda. ➢ Estado Autoridade Tributária ➢ O plano de amortização previsto do capital e pagamento dos juros vincendos serão nos termos do art.º. 196º, do CPPT, ou seja: ➢ Pagamento de 100% dos créditos de capital, juros, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza, reclamados e não reclamados, mas já existentes, ou seja, cujo facto tributário seja referente a data anterior à data de início do Plano do PER, em 49 prestações mensais, iguais e sucessivas, a 1.ª prestação com vencimento até ao final do mês seguinte à aprovação do plano; ➢ Os juros vencidos e vincendos deverão ser calculados com a taxa legal fixada para os juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado; ➢ Inexigibilidade de garantias adicionais ao abrigo do nº 13 do artigo 199º do CPPT; ➢ As ações executivas que se encontrem pendentes para cobrança de dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se, no entanto, suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado caso o pedido de dispensa da prestação de garantia venha a ser deferido pelo órgão de execução fiscal. ➢ Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. Instituto da Segurança Social Apesar não haver reversão desta divida, mas caso venha a ocorrer, propõe-se: ➢Pagamento da totalidade da dívida (capital e juros) em 150 prestações mensais iguais e sucessivas; ➢ Juros vincendos à taxa legal em vigor; ➢A formalização do acordo será efetuada junto da Secção de Processo Executivo, e deverá ser concretizado no mês da votação do Plano de Insolvência, vencendo-se a 1ª prestação no mês seguinte; ➢Garantias: Dispensa de garantia ao abrigo do nº 13 do artigo 199º do CPPT; ➢Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de ações executivas que se encontram suspensas na respetiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado de sentença homologatória do plano de recuperação, devendo tal pagamento ser efetuado junto da secção de processo executivo na qual se encontra; ➢As ações executivas pendentes para cobrança de dívidas à segurança social não são extintas e se mantêm suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até o integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado; Instituições Financeiras Agrogarante, Banco Eurobic, Banco Santander Totta, Caixa Geral de Depósitos, Proposta de Regularização: ➢ Maturidade: 15 anos; ➢ Pagamento de 100% do capital em 60 prestações de capital, com início no mês de Julho 2024; ➢ Pagamento mensal dos juros com início a 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano ➢ O plano de amortização do capital será progressivo de acordo com o seguinte mapa: Ano Percentagem 1 1.50% 1.50% 2 2.50% 4.00% 3 3.00% 7.00% 4 3.00% 10.00% 5 4.00% 14.00% 6 5.00% 19.00% 7 5.00% 24.00% 8 5.00% 29.00% 9 6.00% 35.00% 10 6.00% 41.00% 11 6.00% 47.00% 12 6.00% 53.00% 13 6.00% 59.00% 14 6.00% 65.00% 15 35.00% 100.00% ➢Por se tratar de uma atividade, essencialmente, sazonal propõe-se que os pagamentos de capital no ano sejam repartidos pelos seguintes meses: Fevereiro; Abril; Julho e Dezembro ➢Juros vincendos calculados com as seguintes taxas de juro, pagos mensalmente: • Do 1º ano ao 3º ano – taxa fixa de 3% • Do 4º ano ao 15º ano – Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 1,75%; ➢ Perdão total dos juros remuneratórios vencidos no período entre 07/2017 e 05/2023; ➢ Recálculo à taxa de 3% e capitalização dos restantes juros remuneratórios vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano; ➢ Perdão dos juros moratórios, de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano; ➢Perdão dos encargos existentes com as garantias bancárias (juros remuneratórios e comissões); ➢Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados; Contrato leasing mobiliário Novobanco ➢Exercício da opção de compra dos bens locados, com o consequente pagamento do valor residual; ➢Perdão do valor reclamado referente à mora na restituição dos bens locados ➢Juros vincendos calculados com a taxa de juro fixa de 1,5% pagos mensalmente; ➢Perdão dos juros vencidos e dos juros moratórios, de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano. Proposta de Regularização: I. Maturidade de anos: 1 de carência e 4 de amortização; II. Pagamento de 10 % do capital, 4 anos, em 48 prestações mensais e iguais, após o términus do período de carência; III. O período de carência inicia-se no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano; IV. Pagamento dos juros com início a 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano V. Juros vincendos calculados com a taxa de juro fixa de 1,5% pagos mensalmente; Perdão de 90% do valor do capital, dos juros vencidos, dos juros moratórios, de todas as comissões, encargos e outros custos com a implementação deste plano; ➢Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados. Créditos Não Garantidos (Restantes Instituições Financeiras, Fornecedores e Outros Credores) Proposta de Regularização: • Pagamento de 10 % do capital em 10 anos, 40 prestações iguais, de capital, após o período de carência; • Por se tratar de uma atividade, essencialmente, sazonal propõe-se que os pagamentos do ano sejam repartidos pelos seguintes meses: Janeiro, Março, Maio e Novembro • Um período de carência de capital até Novembro de 2025 • Perdão de 90% do capital; • Perdão total dos juros vencidos e vincendos, despesas, comissões e encargos. • Isenção de quaisquer valores referentes a multas, indemnizações e/ou compensações por eventuais incumprimentos contratuais. • Devolução de todos os títulos em seu poder, letras e cheques. Senhorios • Perdão total de quaisquer penalidades legais, contratuais, acordadas, ou resultantes de sentença judicial, incluindo qualquer indemnização devida ao abrigo dos contratos de arrendamento em que o devedor assuma a posição de arrendatário, juros de mora e, e ainda quaisquer multas, coimas e respetivos juros, bem como custas de parte; • Renovação do contrato de arrendamento em vigor com a Quinta da … e pelo período da duração deste PER, 15 anos. Os aumentos da renda deverá ser, de ora em diante, nos termos do consignado no artigo 24.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro (e sucessivas alterações). Foi publicado o Aviso (n.º 20980-A/2023 de 30.10.2023) com o coeficiente a aplicar, para o ano de 2024, é de 1,0694, ou seja, de 6,94%. • Comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de recuperação Apresentado o PER, caso não haja concordância e apoio dos credores para a execução da presente proposta de recuperação, teremos de dar como certo o cenário de liquidação dos ativos que numa venda rápida, não deveria ultrapassar 50% do valor de mercado, o que certamente iria acarretar perdas substanciais na venda dos mesmos e consequentemente, reduzir drasticamente a possibilidade de satisfazer os credores. Posto isto, consideramos que perante este cenário a maioria dos credores iria receber uma percentagem muito reduzida, ou mesmo nula, dos seus créditos, consoante a graduação dos mesmos, acabando por ficar mais penalizados. Em alternativa, com a aprovação do plano, teremos a garantia de pagamento das obrigações assumidas perante todos os credores nos termos supra expostos. Assim, atendendo-se ao supra exposto, a aprovação do plano para acordo de pagamentos afigura-se claramente mais vantajosa. Efeitos Gerais De acordo com o n.º 1 do art.º 217º do CIRE, as alterações dos créditos introduzidas pelo plano de insolvência produzir-se-ão independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados. De referir que se mostra imprescindível assegurar os períodos de carência supra apresentados, porquanto é necessário esse período temporal para estabilizar a tesouraria nesta fase, por forma a conseguir manter a atividade corrente, sendo certo que, pelo menos numa fase inicial, certamente não serão concedidas facilidades de crédito. Terminado o período de carência, há condições de tesouraria adequadas que permitirão cumprir o que aqui está estabelecido. 4 – Em 21/01/2024, o Sr. AJP apresentou nos autos o requerimento refª 47835402 do qual consta vir “requerer a junção de certidão predial do imóvel que foi dado de garantia à Agrogarante. De facto este credor reclamou o seu crédito como comum, daí o ter reconhecido como tal, e aquando da elaboração do plano, fui informado que o mesmo era garantido por hipoteca sobre o imóvel registado na CRP sob o nº 854.” 5 – Juntou certidão de registo predial do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial do … sob o nº …, da qual resulta a inscrição da propriedade a favor do devedor e mulher e a constituição de hipoteca a favor de Agrogarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA, Banco Popular Portugal, SA e Finova – Fundo de Apoio ao Financiamento é Inovação gerido e representado por PME Investimentos – Sociedade de Investimentos, SA, em 18/01/2013, assegurando, quanto à Agrogarante, o pagamento das quantias que a Agrogarante venha a pagar ao Banco, por força da garantia autónoma nº 2012.01044, à primeira solicitação, para garantia de contrato de empréstimo de € 100.000,00 de capital, juro anual de 7,75%, acrescido de 2% em caso de mora e despesas de € 4.000,00, num ao montante máximo de € 133.250,00. * 4. Fundamentos do recurso O processo especial de revitalização (PER) é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada. Foi introduzido no CIRE pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril e alterado pelo Decreto-Lei nº 26/2015, de 6 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho e ainda pela Lei nº 9/2022 de 11 de janeiro. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas viu a luz do dia em 2004, totalmente orientado para a liquidação e substituindo o Código dos Processos Especiais da Recuperação de Empresas e falência, cuja matriz de favorecimento da recuperação era marcada. Os anos de 2004 a 2011 demonstraram a extrema dificuldade de recuperar uma empresa através do único mecanismo então legalmente previsto para o efeito – o plano de insolvência. A crise de 2008 demonstrou a completa inadequação do modelo eleito e foi preciso chegar a 2012 e ao programa de assistência financeira para vermos consagrado entre nós o PER, que no seu percurso como instrumento de recuperação já conta com vários ajustes significativos – em 2015, quanto ao quórum de votação, em 2017, com a correção de alguns problemas diagnosticados e em 2022 com a Lei nº 9/2022, que transpôs a Diretiva 2019/1023. O propósito de criação do PER foi claramente enunciado na Proposta de Lei do Governo 39/XII, que está na génese da Lei nº16/2012, e em cuja exposição de motivos se declarou: “O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para a promoção de recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.” O PER destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização. Tem desde logo uma característica essencial a este fim a que se propõe: permite aos devedores em situação económica difícil ou situação de insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência. O processo especial de revitalização é um processo especialíssimo em relação ao processo de insolvência, no sentido em que este é já um processo especial na aceção do art. 549º nº1 do Código de Processo Civil, criado com a finalidade de proporcionar uma ferramenta legal expedita para a recuperação de empresa. Os demais traços caraterísticos deste procedimento especial são a celeridade, a consensualidade e a iniciativa do devedor. A celeridade enquanto traço essencial e condição de eficácia surge consagrado não só pela regra do art. 17º-A nº3 (“O processo especial de revitalização tem caráter urgente”), como pelos prazos e organização do próprio procedimento. A consensualidade porque a finalidade do procedimento é possibilitar a negociação entre o devedor e os seus credores sujeitando-os a algumas regras para o procedimento, orientações para a negociação (resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10) e consequências quando reunidos os pressupostos previstos. Iniciativa do devedor porque a ele, e apenas a ele, cabe o desencadear deste específico procedimento, com exclusão de todos os demais legitimados para pedir a sua declaração de insolvência. Ou, e nas palavras de Catarina Serra “Sem preocupações de exaustividade, identificam-se como caraterísticas a voluntariedade, a informalidade, a consensualidade, a transparência, o contraditório e a celeridade.”[2] Estes traços essenciais do regime explicam-no, justificam muitas das suas regras e integram as demais regras aplicáveis em função das lacunas do regime próprio. O legislador optou por consagrar uma tramitação escassa em regras, deixando ao intérprete a tarefa de integrar as lacunas, mas sempre de acordo com estas caraterísticas. É um procedimento híbrido[3], no sentido em que, para alcançar a sua finalidade última, a recuperação do devedor, se trata de um processo extrajudicial, mas que exige a intervenção do tribunal em três momentos chave: no seu início, na decisão da impugnação da lista provisória de créditos e no final, para tornar gerais os efeitos do acordo, para recusar a sua homologação ou para extrair as devidas consequências da não aprovação do mesmo. A questão que constitui o objeto deste recurso prende-se com a homologação do plano. Nos termos do disposto no art. 17º-F, nº7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, «7 - Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo: a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5; b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior; d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos; e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento; f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores; g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.» Foram os seguintes, e sinteticamente, os fundamentos da decisão recorrida: - o tratamento dado ao crédito do Instituto de Segurança Social viola as regras relativas à indisponibilidade dos créditos tributários e, em caso de homologação, deve ser declarado ineficaz em relação a este credor; - atendendo a que o Banco Santander Totta tem garantias reais sobre imóvel (hipotecas), a sua situação seria mais favorável em cenário de liquidação imediata e pagamento segundo a graduação, para efeitos do art. 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE; - verifica-se violação do princípio da igualdade, por tratamento diferenciado entre instituições financeiras garantidas e comuns sem justificação pela natureza do crédito em relação à Agrogarante, que apenas tem créditos comuns, e em relação a quem não se aplica o regime de perdão de 90% do capital; a Agrogarante apenas reclamou créditos comuns mas é proposto em relação a esta o pagamento de 100% do capital durante 15 anos, enquanto a Novo Banco, SA verá o seu capital reduzido em 90%, o que consubstancia violação do princípio da igualdade (art. 194.º do CIRE). O recurso interposto alinhou sinteticamente, como argumentos: - quanto ao crédito da Segurança Social ter-se-à tratado de um lapso da sentença, dado que no Plano, quanto aos créditos da segurança social, todos por reversão, não se prevê qualquer período de carência, perdão de capital ou de juros; - quanto ao credor Banco Santander Totta, trata-se de credor hipotecário, mas a par com dois outros credores hipotecários, a Agrogarante e a Finova, sobre o produto da venda do mesmo imóvel. O crédito em causa foi já reestruturado em PERs anteriores, da sociedade e do aqui devedor, os quais não permitem o prosseguimento das execuções, pelo que não ficou demonstrado que o credor ficasse em pior situação do que numa situação de liquidação; - quanto ao credor Novo Banco, o AJP juntou requerimento e documento pelo qual demonstrou que o crédito da Agrogarante é garantido, tendo retificado a natureza do crédito em conformidade, sem oposição de qualquer credor, pelo que não há fundamento para considerar violação do princípio da igualdade, dado que o diferente tratamento se funda na diferente natureza dos créditos. Existem razões objetivas para o tratamento diferenciado, em sede de Plano de Revitalização, dos créditos das instituições financeiras, e de outros credores que sejam titulares de créditos garantidos por hipoteca, quando confrontados com os créditos de que são titulares os credores comuns. Os credores que exerceram o direito de resposta contrapuseram: - o crédito do credor Agrogarante tem natureza comum, dado que assim foi relacionado, não tendo a lista sido impugnada, pelo que se tornou definitiva. Há assim tratatamento desigual deste crédito, comum, em relação aos demais créditos comuns, sendo pago a 100% em 15 anos enquanto que os demais são pagos a 10% em 10 anos; - o tratamento dado pelo Plano às demais instituições financeiras (Eurobic, Santander e CGD) – para as quais se propõe o pagamento a 100% em 15 anos, com perdão parcial dos juros, em relação a outras instituições financeiras, entre os quais o Novo Banco, não está justificado; - ainda que tivesse sido justificado ou se considere a diferente natureza dos créditos, a diferença é manifestamente desproporcional, sempre existindo violação do princípio da igualdade; - o credor Santander Totta, independentemente da eventual repartição do produto de venda do imóvel, ficaria, tal como todos os demais credores hipotecários, em situação mais favorável em cenário de liquidação imediata, porquanto com o acionamento das garantias reais de que é titular, poderá mais facilmente obter o ressarcimento dos seus créditos reclamados nestes autos; - o crédito da Agrogarante é comum, tal como o do Novo Banco, SA, pelo que objetivamente credores em idêntica situação estão a ser tratados de forma desigual. Importa, pois, conhecer, e pela ordem por que estão previstos na lei, os motivos de recusa de homologação: violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do acordo (violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários e do princípio da igualdade) e previsibilidade, para o credor que pediu a não homologação com esse fundamento, de que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, nos termos dos arts. 222º-F, nº5, 215º, 194º, 195º e 216º do CIRE. * 4.1. Violação de normas imperativas aplicáveis ao conteúdo do plano 4.1.1. Violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários A sentença recorrida, pese embora referindo “períodos de carência”, efetivamente inexistentes, em sentido próprio, no Plano aprovado e não homologado, muito sinteticamente acolheu as razões expostas pela Segurança Social no recurso previamente interposto e que se reconduzem, essencialmente, ao facto de não ter dado autorização a este plano prestacional, independentemente de ele se reconduzir às demais regras aplicáveis aos créditos tributários. Ou seja, há um diferimento no tempo do pagamento de crédito vencido, que a Segurança Social entende ter que ser exclusivamente aprovado por si. Tal não foi eleito como causa de não homologação, mas sim de ineficácia, em caso de homologação, devendo ser conhecido na presente sede para o caso da procedência do recurso interposto quanto aos dois fundamentos de não homologação decididos. O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários não só concretiza a necessidade “de dotar o Estado de receitas suficientes para fazer face às necessidades coletivas, mas também com a proteção dos interesses e direitos constitucionalmente consagrados dos cidadãos através da preservação do dever geral de contribuir, o que se procura quer pelo facto de a derrogação deste princípio apenas ser possível verificada que seja a igualdade tributária, ou seja, em casos legalmente previstos para todos os que se encontrem numa determinada situação, quer porque, ao reafirmar a indisponibilidade do crédito tributário, se visa dar um bom exemplo aos contribuintes, que não se depararão com situações de perdão injustificado de créditos, motivado por interesses que são totalmente alheios à justiça fiscal, sentindo assim desigualdade, injustiça e descrença no sistema.”[4] O princípio, refletido em várias disposições, significa que, no âmbito da relação tributária, “só o legislador pode definir as situações em que tal tratamento aparentemente “desigual”, refletido na concessão de perdões e/ou moratórias dos seus créditos, se pode verificar, só ele está habilitado para fixar as condições em que deva acontecer a modificação e/ ou extinção da obrigação fiscal.”[5] O CIRE, porém, em matéria de recuperação, seja na aprovação de planos de insolvência, seja nos processos especiais, de revitalização e de obtenção de acordo de pagamento, não previu qualquer exclusão ou tratamento diferenciado dos créditos públicos. Na verdade, o Estado não foi excecionado da afetação pelas medidas propostas, nem na versão inicial, nem em 2012[6], quando foi introduzido o Processo Especial de Revitalização[7]. O que gerou a questão do tratamento dos créditos tributários objeto de plano prevendo medidas que alterassem ou condicionassem os créditos tributários para além dos limites previstos na lei tributária, afetando o princípio da indisponibilidade, na inevitável tensão entre a recuperação de empresas e a igualdade dos credores, à luz do CIRE e a proteção da natureza pública e indisponível do crédito tributário. A entrada em vigor do CIRE foi considerada pela jurisprudência e por alguma doutrina como lei especial, que derrogava a lei geral (no caso a LGT), devendo os credores públicos ser tratados como quaisquer outros credores[8]. O legislador aprovou, na Lei do Orçamento para 2011 (lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro[9] o aditamento ao art. 30º da Lei Geral Tributária (doravante LGT) de um nº3 (sublinhado nosso), « 1 - Integram a relação jurídica tributária: a) O crédito e a dívida tributários; b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição; c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto; d) O direito a juros compensatórios; e) O direito a juros indemnizatórios. 2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.» Deixou clara a sua intenção de pôr fim ao entendimento que vinha prevalecendo com a previsão do art. 125º da mesma Lei nº 55-A/2010, onde, sob a epígrafe Disposições transitórias no âmbito da LGT, consignou: « O disposto no n.º 3 do Artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.» A regra veio, assim, de forma explícita, estender aos processos previstos na lei de insolvência o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, passando a ser decidido que os créditos tributários não podiam ser reduzidos, ou extintos contra a vontade do Estado e em violação das normas tributárias. O resultado desta alteração foi a de recusa de homologação dos planos que violassem as regras em causa, mesmo aprovados pela maioria dos credores e créditos. A jurisprudência do STJ, procurando uma solução que harmonizasse os interesses em jogo (manter a recuperação sem afetar o carater público e indisponível dos créditos tributários), considerou a solução da nulidade parcial[10], e consequente redução, do plano e, na orientação que veio a tornar-se maioritária, a ineficácia relativa[11] da decisão homologatória em relação aos créditos não afetados[12]. É exatamente o ponto em que estamos e a questão a apreciar é, precisamente, a declaração de ineficácia relativa do plano quanto a um credor público, no caso a Segurança Social, que votou contra o plano apresentado pelo devedor em PER, contendo um plano prestacional de pagamento de créditos tributários. Tendo-se, no percurso do conhecimento, já concluído pela aplicabilidade do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários em PER (e em processo de insolvência), há agora que analisar o plano homologado no tocante aos créditos da Segurança Social. O pedido de declaração de ineficácia respeita apenas aos créditos da Segurança Social, nenhuma questão se levantando quanto aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira, que votou a favor do plano[13]. Como resulta do ponto 2 da matéria de facto provada, ficou proposto quanto ao crédito da Segurança Social: “Instituto da Segurança Social Apesar não haver reversão desta divida, mas caso venha a ocorrer, propõe-se: ➢Pagamento da totalidade da dívida (capital e juros) em 150 prestações mensais iguais e sucessivas; ➢ Juros vincendos à taxa legal em vigor; ➢A formalização do acordo será efetuada junto da Secção de Processo Executivo, e deverá ser concretizado no mês da votação do Plano de Insolvência, vencendo-se a 1ª prestação no mês seguinte; ➢Garantias: Dispensa de garantia ao abrigo do nº 13 do artigo 199º do CPPT; ➢Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de ações executivas que se encontram suspensas na respetiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado de sentença homologatória do plano de recuperação, devendo tal pagamento ser efetuado junto da secção de processo executivo na qual se encontra; ➢As ações executivas pendentes para cobrança de dívidas à segurança social não são extintas e se mantêm suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até o integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado;” Compulsados os arts. 190º e 191º do CRCSPSS e os arts. 196º nºs 3 a 8, 197º, 198º e 199º do CPPT verificamos que a única regra que se não mostra respeitada é a prevista no art. 197º do CPPT: «A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal.» A norma do art. 197º do CPPT não pode ser considerada como incluída seja no princípio da igualdade, seja da legalidade tributárias. Trata-se de uma norma procedimental e não de uma regra relativa ao conteúdo da relação tributária. A questão passa, na verdade, pela constatação que o deferimento do pagamento em prestações, ainda que abstratamente consentido pela lei tributária, configura uma moratória ao pagamento, caindo assim, na previsão do nº2 do art. 30º da LGT, por via do disposto no art. 36º nº3 do mesmo diploma. No exato sentido em que, apenas autorizado pelo órgão competente pode ser concedida esta modificação do crédito – nos limites previstos pela lei – estamos ante uma violação da regra da indisponibilidade dos créditos tributários. No entanto, tratando-se de um plano prestacional contido dentro dos estritos limites previstos na própria lei tributária como admissíveis, ou seja que a lei diretamente admite, a mera falta de autorização não constitui violação de regra imperativa e não pode deixar de ser tida como uma violação negligenciável de uma norma puramente procedimental (trata-se de uma norma processual de definição de competência para processos e tramitação diversas das seguidas em processo de insolvência ou processo especial de revitalização, processos nos quais o juiz, oficiosamente, deve aferir da conformidade dos planos com os princípios da indisponibilidade e legalidade tributárias, quanto aos créditos dos credores públicos), e sob pena de o direito de voto dos credores públicos se tornar num direito de veto, de que claramente não dispõem. Aliás, feito o historial da evolução legislativa nesta matéria é bastante claro que o pretendido pelo legislador, em função da especial natureza dos créditos tributários não é salvaguardar normas procedimentais, mas sim salvaguardar os próprios créditos tributários e a sua indisponibilidade. A não previsão legal de direito de veto e da necessidade de autorização prévia à aprovação do plano por parte dos credores públicos de devedores em processo de revitalização ou plano de insolvência que previssem planos prestacionais, é elucidativa. Outro entendimento seria retirar aos tribunais – órgãos de soberania independentes constitucionalmente salvaguardados - o poder de decisão em relação a questões procedimentais, apenas em função da origem dos créditos. Neste exato sentido se vem pronunciando uniformemente esta 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, como resulta dos Acórdãos de 22/09/2020 (Amélia Sofia Rebelo - 2542/19)[14], de 27/10/2020 (Manuela Espadaneira Lopes - 27086/19)[15], de 02/10/2023 (Manuela Espadaneira Lopes – 16113/20), de 04/07/2023 (Isabel Fonseca – 5715/22), de 04/07/2023 (Manuela Espadaneira Lopes – 11886/22), de 22/02/2022 (Renata Linhares de Castro - 10646/21)[16] e de 10/07/25 (Amélia Sofia Rebelo – 475/24)[17] em linha jurisprudencial seguida entre outros, pelos Acs. TRC de 01/10/2013 (Barateiro Martins – 1786/12), TRG de 11/07/2013 (António Sobrinho – 1411/12) e de 15/10/2015 (Eva Almeida – 1651/14), TRP de 22/03/2021 (Fernanda Almeida – 1559/20), TRC de 26/04/2022 (Maria João Areias – 840/21) e TRE de 29/09/2022 (Tomé de Carvalho – 49/22). Concordamos com a linha jurisprudencial seguida pelos nossos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça que considera a ineficácia, quanto aos credores públicos, de planos que contenham violações não negligenciáveis do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários – permitindo-se, assim, que sejam homologados planos que de outra forma, apesar de aprovados, não o seriam apenas por este motivo. Temos, na prática, as maiores dúvidas sobre as consequências desta ineficácia, que deixa nas mãos de um único credor o futuro do devedor e o cumprimento de um plano deste para com todos os demais credores, mas essas são considerações irrelevantes para o caso concreto. Mas esta linha jurisprudencial não nos parece aplicável quando não se surpreenda qualquer violação não negligenciável que levasse à não homologação do plano. Se não existe qualquer causa de não homologação, porque a violação surpreendida é negligenciável, não há qualquer razão para a aplicação do regime da ineficácia. É na aferição da negligenciabilidade que se avalia a afetação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (como cremos ter feito acima) e concluindo-se ser negligenciável, nos termos da lei, a decisão a proferir é de homologação nos termos do art. 17º-F nº11 do CIRE, sem qualquer ineficácia em relação a qualquer dos credores[18]. Não ocorre, assim, qualquer violação não negligenciável de norma procedimental ou aplicável ao conteúdo do plano que obste à sua total eficácia em relação a todos os credores afetados, designadamente à Segurança Social, procedendo, embora por fundamentos diversos, as alegações do recorrente. * 4.1.2. Violação do princípio da igualdade Uma das regras aplicável nos termos do disposto no nº5 do art. 222º-F do CIRE é o disposto no art. 194º do mesmo diploma, no qual se estabelece: «1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.» O princípio da igualdade arranca do tratamento, por princípio, de todos os credores por igual, permitindo, porém, diferenciações justificadas por razões objetivas. Esta dimensão material do princípio – devem ser tratadas por igual situações iguais e de forma distinta, situações distintas -, corporiza uma das mais importantes e convocadas regras aplicáveis ao conteúdo do plano ou do acordo, e tem sido tratado pela jurisprudência como uma regra imperativa, que arranca diretamente do tecido constitucional, cuja violação é, por regra, não negligenciável[19]. Perpassa quer na jurisprudência do Supremo, quer das Relações, que, exceção feita aos créditos tributários, as razões objetivas diferenciadoras têm que constar do plano. Será essa a única forma de controlo do cumprimento do princípio. São em geral aceites noções como credores estratégicos (não no sentido das necessidades de aprovação, mas das necessidades dos devedores), como por exemplo no Ac. TRC de 17/03/15, já citado; e, em geral, a diferenciação baseada na diferente classificação de créditos é permitida (Acs. TRE de 17/03/16[20] e de 10/09/15[21]; Ac. TRP de 07/04/16[22]; Ac. TRL de 28/01/16[23]); ainda assim, quando baseadas na diferente classificação de créditos, a jurisprudência não tem deixado de censurar excessos: como no caso do Ac. TRE de 21/04/16 (Bernardo Domingos – 1065/15), no qual todos os créditos eram perdoados à exceção do credor hipotecário, ou no caso do Ac. TRG de 25/02/16 (Francisco Xavier – 2588/15), em cujo plano o credor hipotecário recebia integralmente o seu crédito, enquanto os demais se viam reduzidos a 15%, apontando-se que a revitalização estava a ser integralmente suportada por estes últimos credores, ou ainda no caso de pagamento de 100% dos créditos tributários e apenas 15% dos demais, no Ac. TRL de 16/12/2021 (Manuela Espadaneira Lopes – 26908/20). Está em causa quer o tratamento entre credores da mesma classe (comuns), com a diferenciação entre o credor Agrogarante e os demais credores comuns, quer o tratamento entre credores de diversas classes, ou seja, entre credores financeiros garantidos e comuns. Começando pela questão do credor Agrogarante, importa desde já frisar que a lista provisória de créditos se converteu em lista definitiva, na qual o credor em causa consta como credor comum. A lista não foi retificada, nem o poderia ser, tendo apenas o Sr. AJP requerido a junção de documento que comprovava que, substantivamente, aquele crédito era garantido por hipoteca. Na verdade, o Administrador Judicial Provisório, apresentada a lista provisória, esgota as suas funções de pronúncia sobre os créditos, não podendo alterar a lista definitiva, mas apenas, se chamado a tal, pronunciar-se quanto a eventuais impugnações. Por outro lado, e no que toca ao tribunal, como já se desenvolveu no Ac. TRL de 11/01/2022 (Fátima Reis Silva - 289/19) “A única ocasião em que, em processo especial de revitalização, o tribunal se pode pronunciar sobre a natureza de um crédito reclamado para efeitos de determinação do quórum deliberativo, é na decisão da específica impugnação que tenha sido apresentada por legitimado, ou na apreciação sumária, para os efeitos do art. 17º-F nº5, da mesma impugnação. A alteração da natureza de um crédito reconhecido e não impugnado não é de conhecimento oficioso, nem na fase da impugnação de créditos, nem em fase posterior.” Ou seja, no presente PER, e para os efeitos de votação e composição do quórum de deliberação, o crédito da Agrogarante é, definitivamente, um crédito comum. O que foi considerado pelo tribunal a quo, mais uma vez de forma bastante sintetizada, foi que o crédito da Agrogarante sendo comum para os efeitos do procedimento, o será também para os efeitos do respetivo tratamento no Plano, assim entendendo que tratar um crédito comum da mesma forma que os créditos garantidos, implica uma violação do princípio da igualdade, correspondendo a um tratamento igual para situações desiguais. Não é, porém, exatamente assim. Em PER, as regras do procedimento quanto à reclamação de créditos, impugnação da lista e sua decisão geraram, depois de alguma dissensão inicial, jurisprudência, hoje em dia uniforme, sobre o valor da decisão de impugnação de créditos. Desde a entrada em vigor da Lei nº 16/2012 que se foi colocando a questão da função da reclamação de créditos em PER e a sua força de caso julgado fora do processo especial de revitalização, designadamente em processo de insolvência sequencial, atento o disposto ao tempo no art. 17º-G nº7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa. Desde logo se alinharam duas posições, com consequências imediatas quanto à tramitação das reclamações e da impugnação da lista provisória. - uma entendendo que a lista definitiva de credores[24] servia apenas para os fins do próprio PER, definindo os direitos políticos, tendo assim uma tramitação célere e extremamente simplificada; - outra entendendo que a decisão teria efeitos fora do PER, designadamente na insolvência sequencial, pelo que seria necessária a garantia de um processado mais completo e garantístico para decisão – definitiva – da verificação de créditos e sua classificação. A discussão à volta deste tema evoluiu no sentido da prevalência da primeira tese, sendo hoje em dia pacífico que a decisão das impugnações não forma caso julgado fora do procedimento, servindo apenas as finalidades próprias do mesmo[25]. É hoje, sem dissensão, considerado que a lista de credores (e a decisão das impugnações da mesma) não produz efeitos fora do PER, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação. O que significa que o facto de um determinado crédito ser tido como comum no seio do procedimento apenas releva politicamente e não substantivamente. Ora o tratamento dado no Plano tem que ter em consideração a natureza substancial do crédito, até porque a respetiva satisfação, se dará, fora do PER, de acordo com as regras que lhe sejam aplicáveis, sem qualquer interferência da decisão quanto à lista de créditos. E o crédito da Agrogarante, sendo comum para efeitos de votação e formação de quórum, é comprovadamente garantido, como resulta dos documentos juntos. Assim sendo, o tratamento que lhe é dado no Plano, materialmente idêntico ao tratamento dado aos demais credores garantidos, não é violador do princípio da igualdade: pelo contrário, consubstancia um tratamento igual para créditos de igual natureza. Passemos agora à segunda dimensão que foi entendida como verificada, ou seja, a diferenciação entre o tratamento dado aos credores financeiros comuns e garantidos. O tribunal recorrido considerou existir uma violação do princípio da igualdade por tratamento diferenciado entre instituições financeiras garantidas e comuns sem justificação, “em relação a quem não se aplica o regime de perdão de 90%”. O pagamento em percentagem superior aos credores garantidos surge justificado pela diferente classificação dos créditos desde que não traduza uma disparidade de tal forma grande entre as percentagens previstas de satisfação dos créditos que permita concluir por uma manifesta desproporção não justificada pela diferente natureza dos créditos menos favoravelmente tratados. A diferente natureza dos créditos justifica o tratamento dado aos créditos garantidos, ou seja o pagamento de 100% em 15 anos, cabendo apenas perguntar se justifica o tratamento dado aos demais créditos, ou seja o pagamento de menos 90% (pagamento de 10%), em 10 anos. No caso concreto a desproporção entre um cumprimento de 100%, em prestações durante 15 anos, e o pagamento de 10% do capital em dívida para os demais créditos comuns, em 10 anos, surge claramente desproporcionado e sem qualquer justificação objetiva constante do próprio plano. Surpreendemos, assim, uma violação não negligenciável do disposto no art. 194º do CIRE que justifica a não homologação da proposta de acordo de pagamento, nos termos dos arts. 215º e 17º-F nº7 do mesmo diploma, improcedendo as conclusões do recurso, neste ponto, e sendo de confirmar a decisão recorrida. * 4.2. Não homologação a solicitação dos interessados, ao abrigo do disposto no art. 216º, nº1, al. a) do CIRE Passemos à análise de se a situação do credor que requereu a não homologação com este fundamento de que, ao abrigo deste plano, a sua situação é, previsivelmente, menos favorável do que a que teria na ausência de qualquer plano. Estabelece o art. 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na versão aplicável aos autos: «1. O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição lhe haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre, em termos plausíveis, em alternativa que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. (…).» Como escrevem João Labareda e Carvalho Fernandes[26] “O modo como se acha formulada a alínea a) - (…) – implica que na prova da situação nele referenciada se procede a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele. Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima receberiam sem ele.” A adaptação desta norma quer ao PER, quer ao PEAP, que deve ser feita com as devidas adaptações, impõe desde logo, como refere Catarina Serra[27] excluir do universo de potenciais interessados legitimados para formular este pedido, o próprio devedor, já que a proposta foi necessariamente apresentada por ele (o que pode não suceder em processo de insolvência). Também resulta do cotejo do regime legal respetivo com o da aprovação de plano de insolvência que bastará, como manifestação de oposição ao plano ou proposta de acordo, o voto desfavorável dirigido ao Administrador Judicial Provisório[28] - circunstâncias não postas em crise na presente apelação. Outra adaptação importante a fazer será a de imposição de um outro pré-juízo, dada a natureza pré-insolvencial do procedimento. O cenário de liquidação é conatural na previsão do art. 216º do CIRE porque tratamos de um devedor que já está declarado insolvente. Mas em procedimento preventivo a que um devedor tem acesso em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, a probabilidade de, findo o procedimento, o devedor já estar insolvente e ser mais provável que se lhe siga a declaração de insolvência e a liquidação universal convive com a hipótese de o devedor, mesmo sem obter a aprovação do acordo, não estar em situação de insolvência atual[29]. Assim sendo, o credor que requer a não homologação com este fundamento deve, no mínimo, alegar a indiferença das duas possibilidades e, em caso de distinção, as consequências num e noutro cenário, não nos parecendo exigível a alegação (e muito menos a demonstração) que um dos cenários é mais provável que outro. Analisemos ora os elementos do caso concreto. A decisão recorrida entendeu que, tendo o credor garantias reais sobre imóvel (hipoteca), a sua situação seria mais favorável em cenário de liquidação imediata e pagamento segundo a graduação. O ónus da demonstração, em termos de verosimilhança, pertence ao interessado que requer a não homologação. Este não é um fundamento de não homologação oficioso, estando dependente de arguição pelo interessado e de demonstração por este, em termos plausíveis[30], considerando o contexto e prazos aplicáveis, de que a sua situação é previsivelmente menos favorável que a que interviria na ausência de qualquer plano[31]. O único elemento certo, neste momento, é um imóvel cujo valor é integralmente desconhecido e a existência de outros créditos garantidos sobre este e outros imóveis e ainda que há pelo menos mais duas hipotecas do mesmo grau sobre este bem, a satisfazer rateadamente. O que foi considerado decisivo foi o prazo de pagamento (15 anos) contraposto a uma liquidação imediata. No entanto, sem sequer a alegação (e, consequentemente a prova) de que o bem dado em garantia seria valioso e, mesmo coercivamente vendido, fosse em execução, fosse em insolvência, o seria por um valor que permitiria o pagamento integral de todos os créditos hipotecários paritários, não temos termo de comparação nem podemos presumir que daria lugar ao pagamento de 100% do crédito (e parte dos juros). Assim sendo, não sabemos, objetivamente, se uma liquidação imediata seria mais vantajosa do que o tratamento dado neste Plano, o que nos deixa num non liquet quanto ao juízo exigido pela alínea a) do nº1 do art. 216º do CIRE. O que implica que esta questão terá que ser decidida contra o credor que requereu a não homologação da proposta de acordo de pagamento apresentada pelo devedor, dado que sobre ele recaía o ónus da demonstração de previsibilidade de que a sua situação é menos favorável ao abrigo do acordo que na ausência deste. Improcede, assim, o fundamento de recusa de homologação previsto no art. 216º, nº1, al. a) do CIRE. * A presente apelação é, assim, pese embora a procedência quanto a algumas das causas de não homologação, integralmente improcedente, devendo ser mantida a decisão recorrida, de não homologação, dada a confirmação da existência de violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano, no caso, o princípio da igualdade. * O apelante, porque vencido, suportará integralmente as custas do presente recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil. * 5. Decisão Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando improcedente a apelação, manter a decisão recorrida. Custas na presente instância recursiva pelo recorrente. Notifique. * Lisboa, 30 de setembro de 2025 Fátima Reis Silva Amélia Sofia Rebelo Manuela Espadaneira Lopes _______________________________________________________ [1] Descrito e valorado no despacho proferido pela Relatora em 08/07/2025 e no apenso A. [2] Em Lições de Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2025, pg. 446. [3] Idem, pg. 451. [4] Sara Luís Dias em A afetação do crédito tributário no plano de recuperação da empresa insolvente, Revista de Direito da Insolvência, nº 0, Almedina, 2016, pg. 250. [5] Idem, pg. 251. [6] Os únicos créditos excecionados foram os previstos no nº2 do art. 196º do CIRE, ou seja, garantias reais e privilégios acessórios de créditos de determinadas entidades: Banco Central Europeu, bancos centrais dos Estados Membros e participantes em sistemas de pagamentos [7] Neste exato sentido vide Sara Luís Dias em O Crédito Tributário no Processo de Insolvência e nos Processos Judiciais de Recuperação, Almedina, 2021, pg. 165, Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2025, pg. 574, nota 976. [8] Para uma descrição mais detalhada do percurso jurisprudencial e doutrinário ver Sara Luís Dias, em O Crédito Tributário no Processo de Insolvência…, pgs. 165 a 177. [9] Mais precisamente no art. 123º. [10] Assim Acs. STJ de 13/11/2014 (proc. nº 3970/12) e de 03/11/2015 (proc. nº 12/12), ambos relatados por Salreta Pereira, todos disponíveis em www.dgsi.pt., tal como os demais citados sem referência. [11] Assim, Acs. STJ de 18/02/2014 (Fonseca Ramos – 1786/12), de 01/04/2014 (Fernandes do Vale – 185/13) e de 24/03/2015 (Ana Paula Boularot – 664/10). [12] Ver António Fonseca Ramos em Os Créditos Tributários e a Homologação do Plano de Recuperação, em Revista de Direito da Insolvência, nº 0, Almedina, 2016, pgs. 267 e ss. e Sara Luís Dias em Crédito Tributário no Processo de Insolvência e nos Processos Judiciais de Recuperação, Almedina, 2021,pgs. 178 e 179, entre outros. [13] Trata-se de uma situação que suscita perplexidade, como já expresso no Ac. TRL de 22/09/2020 (Amélia Rebelo – 2542/19), onde se sumariou “Neste âmbito, considerando que o Estado Português é uno e que é o próprio Estado que, pelas diretrizes da sua atividade legislativa, vem desde 2012 sucessivamente a afirmar e a reiterar a priorização da recuperação de empresas como vetor absolutamente estruturante no quadro da legislação insolvencial portuguesa, no mínimo permanece incompreensível, a emissão, relativamente à mesma realidade empresarial, de sentidos de voto divergentes no seio do próprio Estado (no caso, Autoridade Tributária e Segurança Social).” [14] Onde se decidiu “III - O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto pelo art. 30º, nº 2 e 3 da LGT vai reportado apenas aos pressupostos ou condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária ou a Segurança Social a autorizar a extinção e a redução do crédito tributário, mas não inclui a autorização destas entidades e, assim, não inclui o sentido de voto que pelo credor Estado seja manifestado em sede de votação de Plano (seja no âmbito de PER, seja em processo de insolvência), que o emite como qualquer outro credor, nas condições aplicáveis previstas pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. IV – Ainda que o voto do Instituto da Segurança Social seja de não aprovação do Plano, é admissível a medida de pagamento do respetivo crédito em 60 prestações mensais e sucessivas inserida em Plano de recuperação aprovado por maioria legal de credores, se nela não se surpreender a violação do regime legal de redução ou extinção das dívidas à Segurança Social e, assim, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, que deve ser avaliada pela aferição da inexistência de violação não negligenciável de regras aplicáveis ao plano de revitalização.” [15] Onde se decidiu: “IV– Ainda que o Plano não tenha obtido o voto favorável da Segurança Social, é admissível a medida de pagamento do respetivo crédito em 150 prestações mensais e sucessivas inserida em Plano de Recuperação aprovado por maioria legal de credores, incluindo pela Autoridade Tributária, desde que dela não resulte a violação do regime legal de redução ou extinção das dívidas à Segurança Social e, assim, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.” [16] No qual foi decidido: “III – O princípio da indisponibilidade a que estão sujeitos os créditos da Segurança Social, decorrente do n.º 2 do artigo 30.º da LGT ex vi do artigo 3.º, al. a), do CRCSPSS, impede que sejam os mesmos extintos ou reduzidos fora das situações legalmente previstas para o efeito, impedimento esse que vigora também em sede de PER. IV – Contudo, tal proibição não abrange as situações nas quais o plano de revitalização assuma o pagamento total da dívida contributiva (capital e juros), pese embora acompanhado da sua regularização em prestações a autorizar no âmbito de execução fiscal, desde que respeitados os limites abstractamente consignados nos artigos 189.º e 190.º do CRCSPSS, bem como no artigo 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011 de 03/01. V – Na hipótese mencionada no ponto anterior, tendo o plano sido aprovado com respeito pelas maiorias legalmente exigíveis (sendo que, entre os credores que assim votaram, se inclui a AT), apenas com o voto desfavorável da Segurança Social, prevendo-se quanto ao crédito desta última, a sua regularização através de plano prestacional a autorizar em 122 prestações mensais e sucessivas, no âmbito da execução fiscal (sem extinção ou redução da dívida), não ocorre violação do referido princípio da indisponibilidade, configurando uma violação negligenciável que não obsta à sua homologação e vinculação.” [17] No qual se sumariou: “VI - A indisponibilidade dos créditos do Estado prevista pelo art.º 30º da LGT reporta aos requisitos e/ou limites legalmente previstos para a extinção ou redução dos créditos do Estado ou para a reestruturação do seu pagamento no tempo, mas não atribui ao credor Estado um voto de qualidade ou um direito de veto no sentido de a validade/legalidade do Plano e a possibilidade da sua homologação por sentença depender do voto favorável do Estado. VII - Ou seja, a indisponibilidade dos créditos do Estado prevista pelo art.º 30º, nº 2 da LGT reporta às condições em que a Lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária e a Segurança Social a autorizar a regularização de dívidas vencidas no âmbito de processo de execução fiscal, mas não inclui a autorização destas entidades como requisito de legalidade do plano de regularização proposto, mas como mero ato trâmite/processual inserido na tramitação do procedimento administrativo de cobrança e regularização dos créditos do Estado – correspondente a decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de regularização – que, como é lógico, cabe praticar ao titular do processo de execução fiscal que, simultaneamente, tem a posição de exequente. VIII - Isso mesmo é confirmado pelo art.º 198º, nº 3 do CPPT ao prever que Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objeto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, (…), do que resulta claramente que, mesmo no âmbito dos procedimentos tributários, a decisão de autorizar ou de não autorizar o pagamento em prestações não assenta em critérios de oportunidade ou de conveniência e que à entidade administrativa legalmente competente para a prática desse ato/decisão não assiste uma qualquer faculdade discricionária ou arbitrária de o deferir ou indeferir; antes está legalmente vinculada a autorizá-lo se o pedido satisfizer todos os pressupostos legais, assistindo ao devedor a faculdade de reagir contra uma decisão de indeferimento ilegal através dos meios próprios de impugnação, permitindo por via da sua impugnação judicial que o Plano de regularização requerido seja sindicado e, se for o caso, admitido por decisão judicial sem que o mesmo tenha sido autorizado pela Autoridade Tributária ou pela Segurança Social – o que só confirma o que acima se afirmou, no sentido de a autorização ou o voto favorável destas entidades não constituir requisito de legalidade do plano de regularização de dívidas ao Estado.” [18] Assim se discordando, com o devido respeito, da solução dos Acs. STJ de 17/01/2023 e de 17/10/2023 (relator Luís Espírito Santo, nos processos nºs 1311/21 e 2395/22), que, em casos em que a única violação apontada era a falta de autorização do credor em causa, aplicaram a solução da ineficácia, o último, aliás, com voto discordante de António Barateiro Martins no sentido geral que defendemos. [19] Neste sentido, entre muitos outros, os Acs. TRC de 17/03/15 (Henrique Antunes – 338/13); TRC de 27/06/2017 (Isaías Pádua – 8389/16); TRP de 08/07/15 (Manuel Domingos Fernandes – 261/14); TRP de 30/01/2024 (Maria da Luz Seabra – 462/22); TRL de 09/06/16 (Ondina Carmo Alves - 17154/15); TRL de 28/04/2020 (Paula Cardoso - 7771/19), TRL de 11/07/2024 (Manuela Espadaneira Lopes – 8294/23). [20] Relatado Por Manuel Bargado, processo nº 1228/15. [21] Relatado Por Alexandra Moura Santos, processo nº 63/14. [22] Relatado por Carlos Querido, processo nº 1709/15. [23] Relatado por Ilídio Sacarrão Martins, processo nº 1702/15. [24] A lista torna-se definitiva se não for impugnada ou com a decisão das impugnações. [25] Entre muitos outros, neste sentido, e os Acs. STJ de 01/07/14 (Salreta Pereira), Acs. TRP de 29/02/16 (Carlos Querido), e TRC de 14/04/15 (Luís Cravo), Acs. TRG de 19/03/15 (Maria da Purificação Carvalho) e TRG de 19/01/17 (Antero Veiga), e mais recentemente os Acs. TRP de 22/11/2021 (Joaquim Moura), TRC de 07/09/2021 (Maria João Areias), TRP de 12/07/2021 (Maria José Simões), TRL de 23/02/2021 (Diogo Ravara), TRG de 10/07/2019 (António Figueiredo de Almeida) e TRP de 29/02/2018 (Carlos Querido). [26] em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, já citado, em anotação ao preceito transcrito, pg. [27] Em Lições…, pg. 613. [28] Neste sentido Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, pg. 146. [29] Referindo a temática Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O Processo Especial de Revitalização…, pg. 147 e ss. e a aqui relatora em Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, pg. 65. [30] A expressão é de Catarina Serra, em Lições…, pg. 613. [31] Neste sentido, entre outros, ver os Acs. Ac. TRP de 11/10/2018 (José Manuel de Araújo Barros – 7341/17), TRP de 12/07/17 (Carlos Portela – 841/14), TRP de 07/04/2016 (Carlos Querido – 1709/15), TRG de 27/09/2018 (Paulo Reis – 8494/17), TRE de 22/02/2018 (Ana Margarida Leite – 841/16), TRL de 15/10/2019 (Isabel Fonseca – 3855/18) e TRL de 15/10/24 (Fátima Reis Silva – 7843/23). |