Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
622/22.9GDMFR.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da existência, ou não, de álcool no sangue através de teste no ar expirado, corresponde a uma “recusa” formal de realização do teste, para efeitos de preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal do crime de desobediência.
II - Com efeito, a referida “recusa” verifica-se não apenas quando o arguido o declara de forma expressa, mas também quando assume comportamentos de que se pode extrai, com segurança, à luz da lógica e das regras da experiência, que o mesmo está a impossibilitar e, nessa medida, a recusar a realização do teste.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo sumário n.º 622/22.9GDMFR, A, melhor identificado nos autos, foi condenado pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.º 1, al. a) e 3, do Código da Estrada, e 348.º, n.º 1, al. a), e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), perfazendo a quantia total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), tendo sido logo ordenado o desconto de um dia de detenção na pena de multa aplicada, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano.
2. O arguido recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I
O arguido vem interpor o presente Recurso da douta Sentença que condenou o arguido num crime de desobediência , na Pena de Multa no valor de 833 euros (oitocentos e trinta e três euros, descontado um dia de detenção) e da pena acessória de 1 (um) ano de proibição de conduzir veículos a motor.
II
No dia 27 de outubro de 2022 o arguido numa operação de fiscalização de transito realizada na estrada nacional 247 em Mafra, realizada pela GNR, foi-lhe ordenado que fizesse o teste de despiste qualitativo de álcool através do aparelho Drager Alcotest 6810 tendo feito 4 tentativas todas elas com sopro insuficiente, todavia obedeceu sempre às ordens do militares da GNR, quando foi mandado parar, estacionou logo no local onde podia estacionar, fez várias tentativas para soprar no Drager Alcotest e não tem culpa de que houve sopro foi insuficiente, além disso a testemunha B referiu que o arguido foi sempre colaborante e não consegue afirmar que o sopro insuficiente foi intencional (declarações do arguido e da testemunha). Neste conspecto,
III
O arguido entende que estas afirmações da testemunha, elencadas no artigo anterior, não foram tidas em conta na douta Sentença de primeira instância, são afirmações que indicam que o arguido foi sempre colaborante e a testemunha também não consegue afirmar que o sopro insuficiente do arguido foi dolosamente intencional. Por consequência,
IV
O princípio do in dubio pro reo está posto em causa pois a testemunha ao afirmar que o arguido foi sempre colaborante e ao não conseguir afirmar que o sopro insuficiente foi dolosamente feito, o arguido devia ter absolvido, pois levam à dúvida e em caso de dúvida absolve-se.
V
Ora, o Recorrente por toda a matéria de facto e de direito supra elencada o arguido deve ser absolvido do crime de desobediência em que foi condenado e consequentemente da Pena de Multa no valor de 833 euros em que foi condenado e da sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor por o período de 1 ano.
3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, em que concluiu (transcrição):
1. Da audição da sentença proferida, resulta que o MM.º Juiz a quo, cumpriu a exigência legal de fundamentação conforme dispõe o artigo 389.°-A, do Código de Processo Penal, descrevendo os factos que considerou provados e, seguidamente, descrevendo o raciocínio que o levou a considerar tais factos provados.
2. O raciocínio do Tribunal ao apreciar a prova produzida foi devidamente explicado na sentença e seguiu as regras da experiência e do senso comum, não existindo qualquer anomalia no processo lógico seguido.
3. A circunstância do recorrente entender que o Tribunal não deveria ter dado como provado que o arguido obstaculizou à realização do exame de pesquisa de álcool no sangue, porquanto na sua perspectiva tal não resulta do depoimento do militar da GNR autuante, não fere a sentença de qualquer vício.
4. O que se verifica é que, pura e simplesmente o recorrente discorda da forma como o Tribunal analisou a prova produzida.
5. Nesta sede, há que recordar que, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
6. O princípio constitucional da presunção de inocência (previsto no artigo 32.°, n.°2, da Constituição da República Portuguesa), do qual decorre o princípio do in dubio pro reo apenas prevalece sempre que da apreciação da prova resulte uma dúvida insanável acerca da prática dos factos descritos na acusação. E, tal dúvida, não existiu na mente do Mm.º Juiz a quo, pois que o Tribunal chegou a uma convicção não se vislumbrando da argumentação expendida na sentença qualquer falta de objectividade e lógica na apreciação feita.
7. Por todo o exposto, afigura-se-nos que a decisão encontra-se devidamente fundamentada, sendo inatacável o processo lógico formado pelo Tribunal a quo para chegar à decisão.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar. Foram colhidos os vistos, após o que os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões a apreciar são:
- erro de julgamento / violação do princípio in dubio pro reo.
2. Da sentença recorrida
Ouvida a gravação da sentença oralmente proferida (artigo 389.º-A, do C.P.P.), constata-se que o tribunal considerou provados os seguintes factos, no que toca à matéria da acusação:
No dia 27-10-2022, pelas 02:00, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ... NA Estrada Nacional 247, Mafra, quando, no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito aleatória da GNR, foi mandado parar.
No âmbito da fiscalização, foi ordenado ao arguido que se submetesse a teste de despiste qualitativo de álcool por ar expirado através de aparelho Drager Alcoteste 6810, tendo-lhe sido explicados os procedimentos para a realização do referido teste.
O arguido efetuou por duas vezes o referido teste, que apresentou resultado "sopro insuficiente".
Foi, então, expressamente advertido pelo Guarda autuante das consequências penais da recusa da submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue.
Não obstante a advertência e a circunstância de lhe ter sido facultada a possibilidade de realizar mais três vezes o teste, o arguido não expirou a quantidade de ar suficiente para que o aparelho emitisse resultado.
Foi-lhe dada ainda a possibilidade de realizar exame no hospital, nomeadamente através de colheita de sangue, o que o arguido recusou mesmo após ser advertido das consequências penais da recusa.
O arguido sabia que a ordem de submissão ao teste de álcool era legitima, pois proveniente de agente da autoridade devidamente uniformizado e no exercício de funções.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo como funcionava o aparelho drager alcooteste, contudo quis, propositadamente, deixar de expirar a quantidade de ar suficiente para que o aparelho realizasse o teste, bem sabendo quer desse modo, se furtava a que o mesmo emitisse um resultado válido, tal como recusou a realização de exame no hospital, da mesma forma, livre, deliberada e conscientemente.
De igual modo, sabia que estava obrigado a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado e de exame ao sangue em caso de impossibilidade de realização do primeiro, conhecendo as consequências do incumprimento daquela  ordem.
Ao agir como agiu, quis e sabia que praticando tal acto omissivo de não concretização do exame de pesquisa de álcool e recusando igualmente submeter-se a colheita de sangue, praticava conduta que era proibida e punida por lei.
Seguem-se os factos relativos à condição pessoal, social, familiar e profissional, bem como os respeitantes aos antecedentes criminais do arguido, que nos dispensamos de transcrever, já que o recurso não versa sobre os mesmos.
No que tange aos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, da gravação consta a sua exposição – mais do que concisa, nos termos do n.º 1, alínea b), do aludido artigo 389.º-A –, explicitando-se o juízo que o julgador formulou quanto à prova, nomeadamente no que toca à credibilidade da prova pessoal – declarações do arguido e depoimento da testemunha - e as razões da sua convicção, o que nos permite identificar o porquê da decisão de facto, satisfazendo a sentença as exigências legais de fundamentação.
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3. Apreciando
3.1. O arguido/recorrente invoca a violação do princípio in dubio pro reo, manifestando, dessa forma, a sua discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do artigo 412.º do C.P.P.
 Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, de 29 de Outubro de 2008, Processo 07P1016 e de 20 de Novembro de 2008, Processo 08P3269, in www.dgsi.pt, como outros acórdãos que sejam citados sem diversa indicação).
O arguido/recorrente não invoca, expressamente, nenhum dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., os quais, porém, são de conhecimento oficioso.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3).
 Não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73).
Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003).
In casu, os factos provados são suficientes para suportar a decisão de direito a que se chegou, nas suas diversas vertentes; visionando toda a matéria factual, não se verifica qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão; também não se patenteia a existência de erro notório na apreciação da prova, na definição que deixamos supra exposta.
Na falta de impugnação ampla, a alegada violação do princípio in dubio pro reo apenas poderia ser aferida no âmbito do vício do erro notório, tendo de resultar do texto da decisão recorrida, só por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, que o tribunal, em estado de dúvida, decidiu em desfavor do arguido.
Não ignorando a polémica doutrinal que envolve a fundamentação do princípio in dubio e a sua relação com o princípio da presunção de inocência – entre teorias uniformizadoras que identificam os dois princípios e teorias diferenciadoras que distinguem o seu alcance e conteúdo -, temos que perante uma dúvida sobre os factos desfavoráveis ao arguido, que seja insanável, razoável e objectivável, o tribunal deve decidir “pro reo”.
Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias:
À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, reimpressão de 1984, p. 213).
Da sentença recorrida não resulta que tenha ficado instalada no espírito do Mm.º Juiz, muito pelo contrário, a mais pequena incerteza quanto a qualquer um dos factos que na decisão considerou provados, ou seja, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos desfavoráveis.
Acresce que, tratando-se de sentença oral, o tribunal teve de proceder à sua audição e, muito embora as insuficiências do recurso em ordem a uma impugnação ampla, não se deixou de ouvir o conteúdo gravado.
Manifestamente, o arguido/recorrente não tem razão.
O Mm.º Juiz reconheceu credibilidade ao depoimento do miliar da GNR, B, em detrimento da versão apresentada pelo arguido.
A referida testemunha disse que o arguido não parou imediatamente junto às bombas da GALP, como era suposto, mas mais à frente.
Mais esclareceu que o arguido apresentou os seus documentos e os da viatura logo que solicitado para esse efeito. Quando lhe foi dito que iria ser efectuado teste de despistagem de álcool no ar expirado, o arguido informou os militares da GNR que tinha ingerido bebidas alcoólicas e tentou dissuadi-los de realizarem tal teste.
Segundo a testemunha, o arguido, perante o aparelho alcoolímetro, limitava-se a encostar a boca e era visível que não fazia sopro. Questionado o militar da GNR pela defensora oficiosa do arguido sobre se tinha a certeza de que o arguido não efectuou o sopro nas diversas tentativas, o referido militar foi muito elucidativo sobre o que claramente percepcionou: o arguido limitava-se a encostar a boca à boquilha do aparelho e não se vislumbrava qualquer movimento nas bochechas, boca ou ao nível do peito que revelasse minimamente a existência de um sopro.
Isto é o que realmente releva, mais do que a sacrossanta afirmação de “certeza absoluta” pela qual a defesa insistia.
A testemunha foi clara: não percepcionou qualquer esforço do arguido em soprar, sendo que o mesmo não indicou, na altura, ter qualquer problema de saúde que o impedisse de fazer o teste, e bem assim não quis deslocar-se a um hospital para colheita de sangue.
Para efeitos de detecção de álcool no sangue, existem três tipos de testes: o teste qualitativo, destinado a detectar a presença de álcool no sangue, que é efectuado com analisador qualitativo do ar expirado; o teste quantitativo, destinado a quantificá-la (a determinar a taxa de alcoolemia), que é efectuado com analisador quantitativo; a análise de sangue, também destinada a quantificar a presença de álcool no sangue, efectuada através de recolha e exame de amostra de sangue do examinado.
A regra é que a detecção de álcool no sangue seja efectuada através de teste ao ar expirado, efectuado com os alcoolímetros.
Excepcionalmente, a fiscalização da condução sob influência do álcool faz-se através de análise de sangue, de que é recolhida uma amostra em estabelecimento público de saúde, nas seguintes situações: em caso de impossibilidade de efectuar o teste em analisador quantitativo; no caso de contraprova, quando o examinando a requeira e opte pelo método da análise de sangue.
Em julgamento, o arguido referiu ter sinusite e rinite, não tendo indicado qualquer razão de saúde que possa relevar como motivo de impossibilidade de realização de teste no ar expirado
Nenhuma dessas situações pode explicar o facto percepcionado pela testemunha de que o arguido não fez, nas diversas oportunidades, qualquer esforço no sentido de efectuar um sopro, para além de, inicialmente, ter pretendido persuadir os militares a não realizarem o teste.
A não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da existência, ou não, de álcool no sangue através de teste no ar expirado não pode deixar de ser equiparada a “recusa” formal de realização do teste, para efeitos de preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal do crime de desobediência.
 Com efeito, a referida “recusa” verifica-se não apenas quando o arguido o declara de forma expressa, mas também quando assume comportamentos de que se pode extrai, com segurança, à luz da lógica e das regras da experiência, que o mesmo está a boicotar e, nessa medida, a recusar a realização do teste.
O arguido foi advertido das consequências penais da sua conduta, sendo certo que, como resulta do n.º 3, do artigo 152.º, do Código da Estrada, não é sequer elemento típico deste crime de desobediência que o arguido seja advertido pelo agente autuante de que a recusa à submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue é punida como crime de desobediência, pois esta advertência apenas se mostra exigível na ausência de disposição legal que comine a falta de obediência à ordem ou mandado como crime de desobediência, como resulta do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, em contraposição com a norma contida na sua alínea a) (neste sentido, entre outros, Ac. R. de Coimbra de 03/11/2010, Proc. nº 327/08.3GTLRA.C1 e Ac. R. de Évora de 12/09/2017, Proc. nº 36/17.2PBSTB.E1).
Em suma, sem necessidade de outras considerações, o recorrente carece de razão e o recurso não merece provimento.   
3.2. Uma vez que o arguido decaiu totalmente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do C.P.P., na redacção da Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais – R.C.P.).
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3 UC (dentro dos limites da Tabela III a que se refere o artigo 8.º, n.º9, do R.C.P.).
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III – Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes da 5.ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por A.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
           
Lisboa, 23 de Maio de 2023
Jorge Gonçalves
Maria da Graça Santos Silva
Maria José Machado