Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4211/24.5T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I – Por via de regra, a extinção de uma pessoa coletiva (com a consequente falta de personalidade judiciária da mesma) que seja parte na causa não dá lugar à extinção da instância - mas sim à suspensão da instância e à habilitação do(s) respetivo(s) sucessor(es) -, apenas determinando a extinção da instância quando a extinção da parte tornar impossível ou inútil a continuação da lide [cf. artigos 160.º, n.º 2, do CSC, 11.º, 269.º, n.ºs 1, al. a), e 3, 270.º, 276.º, n.º 1, al. a), 351.º a 355.º e 357.º do CPC].
II – No caso de a pessoa coletiva extinta ser uma sociedade comercial, a instância não se suspende, nem é necessária habilitação, prosseguindo a ação, apesar dessa extinção, considerando-se a sociedade substituída pela “generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários” (“ente coletivo” cuja personalidade judiciária é assim reconhecida pelo legislador), não se confundindo essa “generalidade dos sócios”, com cada um dos antigos sócios (pessoas singulares ou coletivas individualmente consideradas) – cf. artigos 162.º e 163.º, n.º 2, do CSC [e a ressalva do art. 162.º nos artigos 269.º, n.º 1, al. a) e 354.º, n.º 3, do CPC].
III – Situações como a dos autos, em que a extinção da sociedade demandada apenas é conhecida na pendência da ação, também são de considerar abrangidas pelo âmbito de aplicação do art. 162.º do CSC, por interpretação extensiva ou, pelo menos, aplicação analógica, na esteira da jurisprudência maioritária.
IV – Tendo a Exequente mostrado interesse no prosseguimento da ação contra a “generalidade dos sócios” representados pela liquidatária, com vista à satisfação do crédito exequendo face à penhora já efetuada, a execução deve prosseguir, não se verificando a exceção dilatória da falta de personalidade judiciária conducente à absolvição da instância da extinta sociedade Executada, porque fica assegurada a substituição prevista na lei.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
A …, LDA., Exequente na ação executiva para pagamento de quantia que, sob a forma de processo ordinária, intentou contra B …, LDA., interpôs o presente recurso de apelação do despacho cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“A executada estava dissolvida e liquidada desde 19/11/2021, o que integra ou corporiza excepção dilatória insuprível e de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da executada da instância (art.ºs 576º, n.º 2 e 577º, al. c) do CPC) - Cf., neste sentido, o acórdão do STJ de 18.9.2003-processo 03B1374, publicado no “site” da dgsi; e Ac. que seguimos da RC de 19/12/2017, cujo relator foi o Dr. Fonte Ramos.
Custas a cargo da exequente – art. 527º do Cód. Proc. Civil.
Notifique.”
Os autos tiveram início em 13-02-2024, com a apresentação de Requerimento executivo, em que a Exequente peticionou o pagamento da quantia total de 16.782,82 €, alegando, em síntese, que a mesma tem subjacente o Contrato-Quadro de Aluguer Operacional de Veículos celebrado entre as partes cujo respetivo n.º indica, correspondendo aquela quantia à soma de 15.979,80 €, titulados pela livrança dada à execução, com 723,25 €, a título de juros de mora vencidos desde a data do preenchimento da livrança (22-12-2022), e 79,77 €, a título de imposto do selo.
Em 21-02-2024 foi proferido despacho liminar, que determinou a citação da Executada.
Foi efetuada a respetiva citação por via postal, não tendo sido deduzida oposição à execução.
Em 23-07-2024, a AE notificou a Exequente para indicar bens à penhora, porquanto, segundo lhe comunicou, já havia sido penhorado o valor de 18.298,87 € e elaborada a conta final do processo executivo, encontrando-se em falta o valor de 657,04 €, tendo sido efetuada “nova tentativa de penhora de saldos bancários sem sucesso”; mais referindo que, devido ao facto “de a executada já se encontrar extinta no registo de pessoas coletiva”, sugeria a extinção do processo executivo.
Em 28-08-2024, veio C … …, com sede em Varsóvia, Polónia, deduzir embargos de terceiro (apenso A), alegando, em síntese, ser sócia da Executada B …, Lda., a qual se encontra extinta desde 19-11-2021, sendo essa a data do registo de dissolução e encerramento da liquidação, conforme consta do Sítio das Publicações de Actos Societários e outras Entidades; assim, a Executada é destituída de personalidade jurídica e de personalidade judiciária, pelo que não se pode considerar citada; no passado dia 15-08-2024, D …, representante legal da Embargante, deparou-se, na sequência de uma deslocação à instituição bancária, com vista ao encerramento da conta de depósitos à ordem (de que é titular a sociedade Executada), com a penhora do saldo bancário efetuada no processo executivo; terminou a Embargante requerendo que os embargos sejam recebidos, sendo considerada nula a citação, julgada extinta a execução e a penhora levantada, com a restituição do montante do saldo bancário. Juntou print do referido site, em que consta a publicação da inscrição 3 e apresentação 31, datada de 19-11-2021, atinente à dissolução e encerramento da liquidação da referida sociedade.
Em 11-09-2024, nesse apenso A, foi proferido despacho determinando a notificação da AE para informar se havia sido penhorado algum bem e, na negativa, se estava em condições de extinguir a execução, pois tudo indicava que, quando a execução foi instaurada, a Executada já não teria personalidade jurídica.
Em 18-09-2024, nos autos principais, a AE veio informar o seguinte:
“a) foi penhorado em 16.Mai.24, à Executada saldo de conta bancária, no valor de € 18.298,87, cf. Auto de Penhora lavrado nos autos e que ora se anexa para análise de V.Exª;
b) o referido auto foi notificado à Executada,
c) a qual havia já sido citada previamente, cf. despacho de V.Exª datado de 21.Fev.24 e de que se deu oportunamente conhecimento aos autos.”
Em 21-09-2024, foi proferido despacho determinando que a AE se deveria abster de fazer qualquer pagamento à Exequente e que a esta fosse dado conhecimento do teor do documento junto com a Petição de embargos.
Em 08-10-2024, a Exequente apresentou requerimento em que solicitou que fosse ordenado “o prosseguimento dos autos mediante a substituição da sociedade Executada pela globalidade dos sócios, os quais serão representados pela liquidatária, nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, mantendo todas as penhoras entretanto realizadas pelo Agente de Execução e assim não se extinguindo a execução”; indicou os sócios, bem como a liquidatária, indicando o NIF, o nome e a morada desta.
Em 02-11-2024 foi proferido o despacho recorrido suprarreferido.
Inconformada, veio a Exequente, em 11-12-2024, interpor o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
A. Nos presentes autos, foi proferido pelo Tribunal a quo sentença, com a referência citius …, nos termos do qual decidiu, em termos sumários, a absolvição da Executada, ora Recorrida, da instância, nos termos do número 2 do artigo 576.º e alínea c), do artigo 577.º ambos do Código de Processo Civil, condenando, ainda, o Exequente, ora Recorrente, pelas custas da acção.
B. Incorreu o Tribunal a quo, no caso sub judice, numa errada interpretação e aplicação do Direito ao caso em apreço ao absolver a Executada da instância violando, não só, o artigo 6.º do Código de Processo Civil, como também os artigos 162.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, o que desde logo expressamente se invoca.
C. Não pode Assim o Exequente / Recorrente conformar-se com a tese proferida pelo Tribunal a quo, e que, por duas vias distintas, demonstrará que, em consonância com a jurisprudência e doutrina dos Tribunais Superiores.
D. Por um lado, não será pelo facto uma sociedade se encontrar extinta que importará, automaticamente, a extinção da instância nas execuções em que esta seja parte;
E. Por outro, e ao invés, tratando-se de execução em que se mostram penhorados bens à sociedade (o que se sucede nos presentes autos), e apurando-se que a mesma se extinguiu em data anterior à propositura da execução, a mesma deverá prosseguir contra a generalidade dos sócios, representada pelo liquidatário, procedendo-se à citação daqueles na pessoa deste.
F. Sem prejuízo do que abaixo se dirá, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nos termos da alínea d), número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
G. Pese embora alegado e demonstrado a existência de bens da sociedade Executada, e bem assim requerido no sentido desse proceder à citação do liquidatário, em substituição da generalidade dos sócios, na sentença proferida deparamo-nos com uma ausência de pronuncia quanto a tais factos, tendo como consequência necessária a nulidade por omissão.
H. Neste sentido, ao ignorar a penhora de bens da sociedade Executada e igualmente o incumprimento do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais pela sociedade, é grave a falta de apreciação desta questão relevante para o resultado da lide, mas não só: não é menos grave a apreciação de questões de facto e de direito que foram invocadas e não foram conhecidas pelo Tribunal a quo no sentido de prosseguir a presente execução contra os anteriores sócios.
I. Termos em que, é nula a sentença proferida nos presentes autos, por omissão de pronúncia quanto a questões que deveria ter tomado posição, nos termos da alínea d), número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
J. Face ao crédito do Exequente sobre a sociedade Executada, e diante a dissolução da sociedade, seria o liquidatário que deveria proceder ao pagamento das dívidas da sociedade Executada, nos termos do artigo 154.º do Código das Sociedades Comerciais, e, bem assim, cumprindo com os seus deveres ao ultimar os negócios pendentes e cumprir com as obrigações da sociedade (cfr. alíneas a) e b) do número 3 do artigo 152.º do aludido diploma legal), o que não se sucedeu.
K. A verdade é que não só o Exequente, aqui Recorrente, nunca seria informado da dissolução e liquidação da sociedade Executada, como também nunca receberia, entretanto, qualquer pagamento por via do Contrato-Quadro dos autos.
L. Seria uma violação grosseira das regras e demais princípios do Código de Processo Civil adoptar e seguir a posição adoptada pelo Tribunal a quo que não só ignora tal facto, como também procede a uma errada absolvição, sem mais, da Executada, ora Recorrida dos presentes autos, quando, bem sabe aquele Tribunal, que se encontram montantes penhorados suficientes para cobrir a quantia exequenda.
M. Mostra-se actualmente pacífico no ordenamento jurídico português que numa execução para pagamento de quantia certa em que, na pendência da mesma, ocorre a extinção da sociedade comercial Executada é aplicável o disposto no artigo 162.1) do Código das Sociedades Comerciais, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelo(s) liquidatário(s), nos termos dos números 2, 4 e 5 do artigo 163.1) e números 2 e 5 do artigo 164.1) ambos do Código das Sociedades Comerciais, não sendo a instância suspendida, nem necessária habilitação.
N. O que significa que não ocorrerá a extinção da presente execução, prosseguindo os mesmos autos, considerando-se a sociedade Executada substituída pela generalidade dos sócios, representados pela liquidatária, devendo assim proceder com a citação daquela liquidatária, o que expressamente se requer a V. Exas.:
O. Sem prejuízo, o que por mera cautela de patrocínio se dirá, caso assim não se venha a entender pelo Tribunal ad quem, ao não aplicar o artigo 162.1) do Código das Sociedades Comerciais, também não se verificaria a extinção da execução (o que apenas se sucederia caso fosse impossível ou inútil a continuação da lide, o que não se sucede).
P. Assim entendeu também o Tribunal da Relação de Lisboa, em 11.07.2023, no âmbito do processo judicial n.º 2163/08.8YYLSB-B.L1-2 que:
III- A extinção da sociedade devedora pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matricula, não extingue a obrigação daquela sociedade plasmada na sentença condenatória dada à execução; encerrada a liquidação e extinta a sociedade, proposta a execução contra a sociedade extinta, certamente porque a exequente não cuidou de consultar previamente a certidão de matrícula da sociedade, nem por isso deve a sociedade extinta ser absolvida da instância, nem sequer suspensa a instância na medida em que a alínea a) do n.º 1 do art.º 276 ressalva essa situação das hipóteses de suspensão da instância, não sendo necessária a dedução do incidente de habilitação, bastando que se requeira que a execução prossiga contra os ex sócios-gerentes que são os sócios liquidatários da sociedade, as quais têm de ser, obviamente, citadas para execução.
Q. E não seguindo o Tribunal ad quem um entendimento de se aplicar o artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, é entendimento da jurisprudência dos Tribunais Portugueses que se deverá aplicar os números 2 e 5 do artigo 163 do Código das Sociedades Comerciais que assumem carácter nitidamente adjectivo ou processual, tal como o artigo 162.º do aludido diploma legal.
R. Assim, e não partindo de construções dogmáticas para chegar às soluções concretas mas sim de enquadrar os preceitos legais numa explicação dogmática adequada, apenas podemos concluir que a extinção da sociedade devedora pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matrícula, não extingue a obrigação daquela sociedade.
S. Neste estreito sentido, reiteramos o entendimento perfilado pelo acima citado Acórdão desta Relação que concluiu que uma vez encerrada a liquidação e extinta a sociedade, proposta a execução contra a sociedade extinta, certamente porque a exequente não cuidou de consultar previamente a certidão de matrícula da sociedade, nem por isso deve a sociedade extinta ser absolvida da instância.
T. Não poderia assim o Tribunal a quo aplicar um entendimento que viola os artigos 162.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais e bem assim o artigo 6.º do Código de Processo Civil.
U. Com efeito, intentada a acção executiva contra uma sociedade já extinta, ao Tribunal a quo, nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil, é imposto que, prevendo a lei expressamente esta situação no artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais, proceda à sanação da excepção de falta de personalidade, o que expressa se requer a V. Exas.
Terminou a Apelante requerendo que seja dado provimento ao recurso, e, consequentemente, revogada a decisão que absolveu a Executada da instância executiva, ordenando-se o respetivo prosseguimento “contra quem de direito”, bem como que seja declarada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Em 11-12-2024, no apenso A, foi declarada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, com custas pela Exequente.
Não foi apresentada alegação de resposta.
No despacho de admissão do recurso, o Tribunal a quo entendeu que o despacho recorrido “não enferma de qualquer nulidade que cumpra reparar, ou pedido de reforma que cumpra apreciar”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica):
1.ª) Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia;
2.ª) Se não se verifica a exceção de falta de personalidade judiciária, antes se impondo o prosseguimento dos autos nos termos requeridos.
Da nulidade da decisão recorrida
A Apelante defende que a decisão recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre o facto de existirem bens da sociedade Executada penhorados, nem a respeito do incumprimento do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais e da requerida citação do liquidatário, em substituição da generalidade dos sócios.
Vejamos.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, aplicável aos despachos ex vi do art. 613.º, n.º 3, do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
É consabido que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido se vem pronunciando o STJ, a título de exemplo  nos acórdãos de 10-01-2012, no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, 30-06-2021, no proc. n.º 78/19.3YRLSB.S1, e 10-12-2020, no proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, referindo-se no sumário deste último precisamente que: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.” (sumários disponíveis em www.stj.pt).
No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 737, explicam o conceito de questões empregado na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º em apreço: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).” E na anotação ao art. 608.º, págs. 712-713, referem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
Adiante será reproduzida a fundamentação da decisão recorrida, para a qual ora remetemos. Atentando na mesma, é evidente que foi aí apreciada a questão de saber se pelo facto de a sociedade Executada se encontrar extinta em momento anterior ao da instauração da ação executiva se verificava (ou não) uma exceção dilatória insanável (falta de personalidade judiciária), sendo óbvio que, atenta a resposta que foi dada pelo Tribunal a quo (e sem que tivesse transitado em julgado o que foi então decidido), ficava prejudicada a apreciação de qualquer outra questão. Aliás, nem nos parece que a manutenção da penhora (se é a isso que a Apelante se refere) carecesse então de pronúncia pelo Tribunal, considerando a repartição de competências entre o juiz e o AE e a circunstância de não se ter verificado o trânsito em julgado da decisão recorrida. Tão pouco havendo que apreciar então do eventual incumprimento do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (nem se percebendo qual a suposta questão carecida de pronúncia a esse propósito), tanto mais quando a própria Exequente disse, no seu requerimento de 08-10-2024, desconhecer qual foi o regime de dissolução da sociedade Executada. Na verdade, a única questão suscitada, em consequência do alegado na petição de embargos de terceiro e do requerimento de 08-10-2024, era a de saber se a execução deveria ser extinta ou, ao invés, prosseguir mediante a substituição da sociedade Executada pela globalidade dos sócios, representados pela liquidatária, nos termos do art. 162.º do CSC. É evidente que essa questão foi apreciada na decisão recorrida, que claramente indeferiu a pretensão de prosseguimento dos autos, sendo, aliás, o erro de julgamento a esse respeito que constitui a outra questão suscitada no presente recurso.
Assim, entendemos que não se verifica a invocada causa de nulidade da decisão recorrida.
Da exceção (in)sanável de falta de personalidade judiciária da Executada
A fundamentação da decisão recorrida é a seguinte:
“No caso dos autos, a execução foi instaurada no dia 13/02/2024.
Porém, resulta do documento junto ao apenso, que a sociedade executada foi dissolvida, já se encontrando encerrada a sua liquidação.
Tal facto está registado desde 19/11/2021.
Assim, à data da instauração da execução, a executada já se encontrava extinta (art.º 160, n.º 2 do CSC) e que carecia, por isso mesmo, de personalidade jurídica e judiciária.
E também é verdade que as relações jurídicas de que a sociedade extinta era titular não se extinguiram, como decorre dos art.ºs 162º a 164º do CSC (v., v. g., Ac. STJ de 26.6.2008, Ac. R.C. de 02.5.2013 e Ac. RP 22.3.2015, todos em www.dgsi.pt).
Porém, não se pode ignorar que, com a sua extinção, a sociedade deixou de ser titular ou sujeito daquelas relações (cf. Ac. STJ de 18.9.2003 e Ac. RP de 27.3.2008, no mesmo site do IGFEJ).
O art. 158º do CSC – sob a epigrafe Responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais, dispõe que «(…) ».
Estabelece o n.º 2 do artigo 160.º, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC) que uma sociedade se considera extinta pelo registo de encerramento da liquidação.
Porém, não obstante a extinção, tal não afecta as acções em que a sociedade seja parte, como resulta do disposto nos artigos 162.º, 163.º e 164.º do CSC.
Assim, no que toca às acções pendentes em que a sociedade seja parte, o art.º 162.º estipula, no seu n.º 1, que tais acções continuam após a extinção da sociedade, considerando-se esta substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5 e 164.º, n.ºs 2 e 5. E acrescenta, no seu n.º 2, que a instância não se suspende e que a habilitação não é necessária: em tal situação, as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (n.º 1, da artigo 162.º, do CSC); e os sócios respondem pelo passivo não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam em partilha (n.ºs 1, dos artigo 163.º e 197.º, do CSC).
Como assinala Raúl Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1993, pág. 480) «[e]xpressamente estabelecida na lei a responsabilidade dos sócios, em certa medida, pelas dívidas sociais e a titularidade dos sócios nos bens sociais, uns e outros não incluídos na liquidação, ficam afastadas as teorias que, por qualquer processo técnico-jurídico, concluam ou pela cessação de qualquer titularidade ou que atribuam esta à sociedade. Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.
O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais activo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.
O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes».
Assim, a injunção que anteriormente havia sido proposta contra a sociedade não se extinguiu com e por virtude da extinção desta, antes se operou uma modificação subjectiva e objectiva na obrigação, traduzida na responsabilização dos antigos sócios pela mesma, limitada ao montante que receberam em partilha (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2009, Recurso n.º 323/09, disponível em www.dgsi.pt.
Decorre, pois, das disposições legais referidas que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da extinção da sociedade, passando esta, em regra, a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
E, concretamente quanto ao passivo social, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha.
Ora, com os sócios não se pode confundir a sociedade extinta: no caso do art.º 162º, n.º 1 do CSC, porque, na acção pendente, a sociedade extinta é substituída pelos sócios representados pelos liquidatários (o que não é o caso, pois a sociedade estava já extinta à data da propositura da execução), ou seja, caso a extinção da sociedade ocorra no decorrer da execução esta não se extingue, sendo a sociedade substituída pelos sócios; coisa diferente é o facto dessa sociedade já não existir à data em que a execução foi instaurada, carecendo por isso de personalidade jurídica e judiciária, ocorrendo uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância da executada (cf. art.ºs 576º, n.º 2 e 577º, al. c) do CPC).
A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte (art.º 11º, n.º 1 do CPC) - consiste, assim, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecida na lei ( Vide Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 101 ).
Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária (art.º 11º, n.º 2 do CPC) - princípio da equiparação da personalidade judiciária à personalidade civil ( Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 78 ).
As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (art.º 5º do CSC).
Contudo, - tratando-se de uma situação de atribuição de personalidade judiciária a um ente a que não corresponde (ainda) personalidade jurídica - mesmo antes dessa data (do registo definitivo do contrato), já a lei processual lhes reconhece personalidade judiciária (art.º 12º, alínea d) do CPC).
A sociedade, como pessoa colectiva, não se extingue quando se dissolve: apenas entra na fase de liquidação (art.º 146º, n.º 1 do CSC). A extinção é consequência de outros factos jurídicos, que não a dissolução.
A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica (art.º 146º, n.º 2 do CSC); e, consequentemente, também a personalidade judiciária. E essa personalidade jurídica (e personalidade judiciária) perdura até ao registo do encerramento da liquidação, só com a efectivação deste acto se considerando extinta a sociedade (art.º 160º, n.º 2 do CSC) - Nos termos do referido normativo, A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação.
A extinção (da personalidade colectiva) é um efeito legal do registo do encerramento da liquidação ( Vide, nomeadamente, Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 6ª edição, Almedina, 2016, págs. 1048 a 1050 e 1053 e seguinte e, entre outros, o acórdão do STJ de 26.6.2008-processo 08B1184, publicado no “site” da dgsi. ).
Com a extinção da sociedade cessa a sua personalidade jurídica (e judiciária), à semelhança do que acontece com a morte de qualquer pessoa singular.
Porém, mesmo após a extinção da sociedade, podem subsistir relações jurídicas que anteriormente a tinham tido como sujeito, e cujo destino importa regular.
Daí o regime estabelecido nos art.ºs 162º ( Preceitua o mencionado art.º (sob a epígrafe “acções pendentes”): As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164º, n.ºs 2 e 5 (n.º 1). A instância não se suspende nem é necessária habilitação (n.º 2) a 164º do CSC para as acções pendentes no momento da extinção da sociedade, para a questão do passivo superveniente (débitos sociais insatisfeitos depois da partilha entre os sócios - art.º 163º) ( Reza o referido art.º, nos seus n.ºs 1 e 2 (na redacção conferida pelo DL n.º 280/87, de 08.7): Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (n.º 1). As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles (n.º 2) e ainda para a constatação, posteriormente à extinção da sociedade, da existência de bens não partilhados (sucessão dos sócios nesses bens, que pertenciam à defunta sociedade - art.º 164º) - Preceitua o art.º 164º (na redacção conferida pelo DL n.º 280/87, de 08.7): Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie (n.º 1). As acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse (n.º 2).
Sobre a problemática do ponto II. 5., cf., nomeadamente, o acórdão da RC de 19.5.2016-processo 1624/15.7T8GRD-A.C1, publicado no “site” da dgsi.
No caso concreto a sociedade executada achava-se há muito extinta quando contra ela foi intentada a execução, pelo que dúvidas não restam de que a acção foi intentada contra entidade que não tinha/tem personalidade jurídica nem personalidade judiciária - falta de personalidade jurídica e judiciária.
A Apelante discorda deste entendimento, defendendo, em síntese, que: é aplicável nos autos o disposto no art. 162.º do CSC, por força do qual a ação deverá prosseguir contra a generalidade dos sócios, representados pelo(s) liquidatário(s); se assim não se entender, será de aplicar o art. 163.º do mesmo Código, sendo sanada a exceção de falta de personalidade judiciária.
Passamos a apreciar esta questão, seguindo de perto a fundamentação do acórdão proferido em 11-02-2021, no proc. n.º 2538/15.6T8PDL-B.L1, relatado pela ora Relatora e em que teve intervenção, como 2.º Desembargador Adjunto, o ora 1.º Desembargador Adjunto.
Comecemos por elencar os preceitos legais aplicáveis ao caso.
Sob a epígrafe “conceito e medida da personalidade judiciária”, preceitua o art. 11.º do CPC que:
“1 - A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte.
2 - Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.”
O art. 12.º dispõe sobre casos especiais de extensão da personalidade judiciária e o art. 13.º sobre a personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações, dispondo o art. 14.º sobre a sanação da falta de personalidade judiciária destas.
De salientar que, contrariamente ao que sucede com o pressuposto processual da competência do tribunal (que se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei – cf. art. 38.º da LOSJ), para que esteja assegurado o pressuposto processual da personalidade judiciária não são irrelevantes as modificações de facto ocorridas após a propositura da ação; grosso modo, para que o processo possa prosseguir, com a prolação de decisão de mérito ou, no caso da ação executiva, com a realização do pagamento coercivo peticionado, não poderá faltar esse pressuposto processual, pelo que não será indiferente a circunstância de a parte falecer ou se extinguir.
Quanto à extinção das sociedades comerciais, estabelece o art. 160.º do CSC que:
“1 - Os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação.
2 - A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação.”
Perante uma tal situação, de extinção da sociedade comercial, com a consequente falta de personalidade judiciária da mesma, estabelece o art. 269.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do CPC:
“1 - A instância suspende-se nos casos seguintes:
a) Quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais;
(…) 3 - A morte ou extinção de alguma das partes não dá lugar à suspensão, mas à extinção da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide.”
Acrescenta o art. 270.º do CPC, sob a epígrafe “Suspensão por falecimento ou extinção da parte”, que:
“1 - Junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.
2 - A parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo.
3 - São nulos os atos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.
4 - A nulidade prevista no número anterior fica, porém, suprida se os atos praticados vierem a ser ratificados pelos sucessores da parte falecida ou extinta.
5 - A informação relativa ao falecimento ou à extinção de qualquer das partes pode igualmente ser transmitida ao processo, de forma automática e eletrónica, pelas bases de dados dos registos civil e comercial.”
De referir ainda, em estreita conexão com este normativo, o preceituado no art. 276.º, n.º 1, al. a), do CPC (cuja epígrafe é “Como e quando cessa a suspensão”):
“1 - A suspensão por uma das causas previstas no n.º 1 do artigo 269.º cessa:
a) No caso da alínea a), quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida ou extinta;”.
Para regularização da instância (que ficou suspensa), no caso de falecer ou se extinguir uma parte, está previsto na lei o incidente de habilitação de sucessores (de pessoa falecida ou extinta) – cf. artigos 351.º a 355.º e 357.º do CPC. Aliás, está inclusivamente previsto no art. 351.º, n.º 2, do CPC que “(S)e, em consequência das diligências para citação do réu, resultar certificado o falecimento deste, pode requerer-se a habilitação dos seus sucessores, em conformidade com o que neste capítulo se dispõe, ainda que o óbito seja anterior à proposição da ação”.
Preceitua o art. 354.º, n.º 3, do CPC (com a epígrafe “Habilitação no caso de a legitimidade ainda não estar reconhecida”) que: “Se for parte na causa uma pessoa coletiva ou sociedade que se extinga, a habilitação dos sucessores faz-se em conformidade do disposto neste artigo, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.”
Esta importante ressalva final [constante também do art. 269.º, n.º 1, al. a)] vale para as sociedades comerciais, constando do Código das Sociedades Comerciais todo um capítulo dedicado à liquidação das sociedades comerciais (artigos 146.º a 165.º), em que avulta, no que ora importa, o referido art. 162.º do CSC, cuja epígrafe é “Acções pendentes”, preceituando que:
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.”
Versando o art. 163.º do CSC sobre “Passivo superveniente” e o art. 164.º sobre “Activo superveniente”, interessa-nos, por ora, o primeiro, nos termos do qual:
“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.”
A propósito dos artigos 269.º e 354.º do CPC, Salvador da Costa, na sua obra “Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, 2020, Almedina, págs. 215-217, refere o seguinte:
“Na situação em análise, todavia, apenas releva o disposto no artigo 163º, nºs 1 e 2, e no artigo 164º, nºs 1 e 2, do referido Código.
(…) Conjugando o disposto na primeira parte do normativo em análise – for parte sociedade que se extinga – com as normas do CSC acima referidas, propendemos a considerar ser a seguinte a solução nesta matéria relativa às sociedades comerciais:
No caso de a extinção das sociedades comerciais ocorrer durante a pendência de ações, independentemente de figurarem do lado ativo ou do lado passivo, são substituídas pelos liquidatários a título de representantes legais da generalidade dos ex-sócios.
Na hipótese de a sua extinção ter ocorrido antes da propositura de alguma acção que deva ter lugar, em que as mesmas deveriam figurar como autoras ou como rés, importa distinguir entre os casos em que essas acções se reportam às matérias previstas nos artigos 163º, n.ºs 1 e 2, ou 164º, nºs 1 e 2, ambos do CSC, e aqueles em que a elas se não reportam.
Na primeira das referidas situações, as ações devem ser intentadas contra os liquidatários das sociedades, representantes legais da generalidade dos sócios, ou por eles contra quem de direito, sem prejuízo de qualquer dos sócios, nos casos previstos no artigo 164º, nºs 1 e 2, do CSC, poder acionar por si em termos de limitação ao seu interesse.
Na última referida situação – casos não previstos nos artigos 163º, nºs 1 e 2, e 164º, nºs 1 e 2 – as aludidas ações devem ser intentadas pelos sócios das sociedades extintas, ou contra eles, conforme os casos. Em qualquer destas situações, a habilitação não ocorre nos termos do nº 3 do artigo em análise (o art. 354.º), mas como requisito de legitimidade, por via da afirmação, na petição inicial, dos factos relativos à sucessão em causa.
(…) Extinta a sociedade na pendência da ação em que figure como ré, o credor-autor, no requerimento para a ação prosseguir com os ex-sócios, representados pelos liquidatários, deve alegar e indicar a prova de que os mesmos receberam bens em partilha, condição do seu prosseguimento nos termos do nº 1 do artigo 163º do CSC.
Com efeito incumbe ao credor respetivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da sociedade receberam em partilha bens da titularidade da sociedade em causa. Assim, a execução intentada contra a sociedade comercial extinta não pode prosseguir contra os ex-sócios se ao menos no requerimento executivo não foram invocados os pressupostos da sua responsabilidade, ou seja, que receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.
Mas o requerente tem o ónus de justificar, no respetivo requerimento, os factos reveladores de que, aquando do encerramento da liquidação da sociedade, esta era titular de bens ou valores e que foram distribuídos pelos ex-sócios.
Tendo a sociedade, antes da sua extinção, sido condenada em ação declarativa a pagar a um seu credor determinada quantia em dinheiro, na ação executiva por ele instaurada pendente aquando da sua referida extinção, o seu prosseguimento contra os ex-sócios depende da sua alegação e prova dos factos justificativos da sua responsabilidade pelo pagamento, nos termos acima referidos.”
Ainda na doutrina, lembramos os ensinamentos de Carolina Cunha, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume II (Artigos 85º a 174º), Coord. por Coutinho de Abreu, Almedina, explicando que (cf. págs. 682-691; sublinhado nosso; omite-se, na citação, as notas de rodapés):
«A ressalva que o art. 160º, 2 efetua do disposto nos arts. 162º a 164º não significa que a sociedade se não considere extinta para efeitos dessas normas. Trata-se, apenas, de uma chamada de atenção para a circunstância de as relações jurídicas, até então encabeçadas na sociedade, que hajam de continuar (art. 162º) ou que venham a ser posteriormente detectadas (arts. 163º e 164º), se tornarem alvo de um regime particular. A extinção da sociedade não acarreta a cessação dessas relações; permanecerão, embora encabeçadas na generalidade dos sócios.
(…) Extinta a sociedade, coloca-se o problema de saber qual a sorte das diversas situações ou relações jurídicas que nela se encabeçavam. O passivo e o activo, em princípio, estarão liquidados, mas pode vir a ser “descoberta”, após a extinção, alguma relação jurídica que haja escapado ao procedimento de liquidação e partilha – hipótese a que os arts. 163º e 164º dão solução. Questão diversa é a que respeita à acções pendentes à data da extinção da sociedade se extingue – e é justamente aquela à qual o art. 162º dá resposta.
O legislador rejeita, pelos óbvios inconvenientes, a solução da perpetuatio iurisdictionis, que manteria até à sentença a personalidade jurídica da sociedade. Contudo, a solução da extinção da sociedade não acarreta a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte: tais acções continuam, considerando-se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios.
De referir que, nos termos do n.º 2 do art. 162.º, a instância não só não se suspende, como não se torna, sequer, necessária habilitação dos sócios na posição da extinta sociedade.
Por força da remissão legal para os arts. 163º e 164º, os liquidatários (que até à extinção funcionavam no processo como representantes da sociedade) assumirão doravante, em juízo, a posição de representantes legais da generalidade dos sócios.
Alguma doutrina exprime dúvidas de que este regime geral seja de aplicação automática para lá do universo das acções de cobrança de dívidas da sociedade, alertando para as soluções específicas que podem merecer hipóteses como a acção respeitar a um bem social que ficou cabendo em partilha a determinado sócio (caso em que defendem que a lide deve continuar só contra este, nos termos gerais); ou as hipóteses em que a natureza da relação controvertida torna inútil ou impossível a continuação da lide (caso em que a instância se extingue – art. 276.º, n.º 3, do CPCiv.).
(…) O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Como explica Raúl Ventura, os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que o que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam.
(…) O art. 163º, 2 vem estabelecer, com vantagens para credores e sócios, um mecanismo de representação processual encabeçado no liquidatário. Na verdade, se o credor superveniente pode, desde logo, optar por demandar apenas um ou alguns dos sócios (como decorre directamente do n.º 1), o n.º 2 vem conceder-lhe a faculdade de propor a acção contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário. As vantagens desta opção disponibilizada aos credores são manifestas ao poupar-lhes os incómodos e as contingências de terem de propor uma acção contra vários réus; assim, basta-lhes consultar o registo comercial para identificar contra quem devem propor a acção; mas também para os antigos sócios há benefício nesta representação global pelo liquidatário (…)
Os liquidatários recebem da lei o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente á sociedade, aceitaram exercer. Não podem, nos termos do art. 163º, 5, escusar-se às funções atribuídas. (…)
Em termos dogmáticos, considera Raúl Ventura que a “generalidade dos sócios” é dotada, para estes efeitos, de personalidade judiciária. O Autor confirma esta asserção com o disposto na parte final do art. 163º, 2: se a qualquer sócio é dado intervir no processo como assistente (de modo a poder, eventualmente, esgrimir razões e argumentos que o liquidatário porventura omita), a implicação dogmática é que os liquidatários não estão a actuar como representantes de cada sócio, individualmente considerado.»
De sublinhar que o n.º 1 do art. 162.º do CSC não remete também para o n.º 1 do art. 163.º do CSC, o que significa, a nosso ver, que o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, que é precisamente o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os “próprios sócios”, que teriam de ser, de alguma forma, “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”.
Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2019, proferido no processo n.º 9148/10.2YIPRT-C.L1-2, relatado pelo ora 1.º Desembargador Adjunto (disponível em www.dgsi.pt), conforme se alcança pelas seguintes passagens do respetivo sumário: “- As acções judiciais em que uma sociedade seja parte – activa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, o que se opera de forma automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso a incidente de habilitação – cf., artº. 162º, do Cód. das Sociedades Comerciais; (…) - a representação da generalidade dos sócios, nessas acções, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva Ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação – cf., artº. 163º, nº. 2, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais;”.
Podemos assim concluir que, por via de regra, a extinção de uma pessoa coletiva que seja parte na causa não dá lugar à extinção da instância - mas sim à suspensão da instância e à ulterior habilitação do(s) respetivo(s) sucessor(es) -, apenas determinando a extinção da instância quando a extinção da parte tornar impossível ou inútil a continuação da lide; porém, no caso particular de a pessoa coletiva extinta ser uma sociedade comercial, a instância não se suspende, nem é necessária habilitação, prosseguindo a ação, apesar dessa extinção, considerando-se a sociedade substituída pela “generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários” (“ente coletivo” cuja personalidade judiciária é assim reconhecida pelo legislador, com a legitimidade representativa dos liquidatários), não se confundindo essa “generalidade dos sócios”, com cada um dos antigos sócios (pessoas singulares ou coletivas individualmente consideradas), cuja demanda também é possível, nos termos previstos no n.º 1 do art. 163.º do CSC.
Portanto, o legislador optou por facultar ao credor, seja autor em ação declarativa ou exequente numa ação executiva, a possibilidade de ver dirimido o litígio judicial que se encontra pendente, já não contra a sociedade que foi ab initio demandada (porque entretanto extinta, desprovida de personalidade jurídica e de personalidade judiciária), nem sequer (pelo menos não necessariamente) contra os próprios “sócios habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, numa especial extensão da personalidade judiciária a este “coletivo dos sócios”.
A jurisprudência, a propósito de um amplo leque de situações em que se comprova, na pendência da ação, ter ocorrido a dissolução com a respetiva extinção da sociedade demandada/ré/executada, tem divergido quanto à questão de saber a quem pertence o ónus de alegar e provar o recebimento pelos sócios de bens ou direitos em partilha na sequência dessa dissolução, parecendo-nos que a orientação maioritária tem sentido a de considerar que o ónus da prova incumbe ao demandante/autor/exequente. Neste sentido, sem preocupações de exaustão, destacamos os seguintes acórdãos (disponíveis, salvo indicação em contrário, em www.dgsi.pt): ac. do STJ de 23-04-2008, no proc. n.º 07S4745; ac. do STJ de 26-06-2008, no proc. n.º 08B1184; ac. da Relação do Porto de 15-12-2010, no proc. n.º 576/07.1TTVCT-C.P1; ac. da Relação de Lisboa de 12-07-2012, no proc. n.º 17316/09.3YIPRT-B.L1-7; ac. do STJ de 14-03-2017, na Revista n.º 5871/13.8TBMTS.P1.S1 (sumário em www.stj.pt); ac. da Relação do Porto de 06-04-2017, no proc. n.º 1345/14.8T2AGD-A.P1; ac. da Relação do Porto de 18-05-2017, no proc. n.º 2899/15.7T8LOU.P1; ac. da Relação do Porto de 05-02-2018, no proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1; ac. da Relação de Lisboa de 12-07-2018, no proc. n.º 9097/14.5YIPRT.L1-6; ac. da Relação do Porto de 22-10-2018, no proc. n.º 582/15.2T8PRT.P1; ac. do STJ de 25-10-2018, no proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2; ac. do STJ de 01-10-2019, no proc. n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1; ac. da Relação de Coimbra de 27-06-2023, no proc. n.º 2529/20.5T8ACB.C1 (cujo sumário tem  seguinte teor: “I – As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, operando-se a substituição no próprio processo e sem necessidade de habilitação [art. 162º do C.S.C.].II – Uma vez extinta a sociedade os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, assentando o fundamento desta limitação na distinção entre o património social e o património individual dos sócios, em obediência à autonomia da personalidade jurídica de cada um. III – O ónus da alegação e prova de tais factos recai sobre o credor, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1, do Código Civil, dado que a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do seu direito.”; e ac. da Relação do Porto de 11-09-2023, no proc. n.º 102/21.0T8STS.P1.
Em sentido contrário, destacamos, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos: ac. da Relação de Lisboa 09-03-2010, no proc. n.º 4777/06.1TVLSB.L1-1; ac. da Relação de Lisboa de 12-06-2014, no proc. n.º 20802/07.6YYLSB.L1-2; ac. da Relação de Lisboa de 12-02-2020 (com um voto de vencido), no proc. n.º 3/05.9TTALM-B.L1-4; ac. do STJ de 28-04-2021, no proc. n.º 3/05.9TTALM-B.L1.S1; ac. da Relação de Lisboa de 27-01-2022, no proc. n.º 12382/17.0T8LSB.L1-2 (em que a ação foi intentada em 2017 e se apurou, na pendência da ação, que em data anterior, no ano 2015, já havia sido registada a dissolução e encerramento da liquidação, tendo sido apresentada contestação pela outra ré “em seu nome como 2ª Ré e na qualidade de Liquidatária da sociedade”); ac. da Relação de Guimarães de 14-03-2024, no proc. n.º 2638/17.8T8BCL-B.G1; e ac. da Relação de Lisboa de 04-04-2024, no proc. n.º 21/17.4T8CSC.L2 (relatado pelo ora 1.º Desembargador Adjunto), em cujo sumário se refere precisamente que:
“I - Extinta uma sociedade, após o percurso das etapas de dissolução e subsequente liquidação, existem relações jurídicas que subsistem e que se prolongam para além do termo da sua personalidade;
II - a problemática do activo e passivo superveniente, regulada nos artigos 162º a 164º, do Cód. das Sociedades Comerciais, determinou que a responsabilidade e titularidade passem, em determinados termos para os sócios da sociedade extinta e, existindo acções pendentes, a instância perdura, sendo a sociedade substituída pela generalidade dos sócios;
III - assim, extinta a sociedade, mas mantidos os direitos ou obrigações desta, são os sócios os novos titulares deste activo e passivo, com direito ao saldo da liquidação, distribuído mediante partilha;
IV - pelo que, nessa partilha, caso tenham recebido mais do que era o seu direito, pois tais activos deveriam ter sido destinados a solver dívidas da sociedade, terão de ulteriormente satisfazer o passivo reclamado e, caso tenham recebido menos, em virtude de não ter sido partilhado todo o activo social, têm direito a reclamá-lo;
V - todavia, a responsabilidade de cada sócio no cumprimento do passivo da extinta sociedade é limitado ao montante que recebeu da partilha, ou seja, cada sócio é responsável pelo montante que pessoalmente recebeu na partilha, e não por aquilo que os demais sócios tenham recebido;
VI - tal responsabilidade é solidária, pelo que, podendo cada um dos sócios ser demandado até àquele limite recepcionado, caso a sua responsabilidade proporcional relativamente aos demais sócios seja ultrapassada, não pode, com tal fundamento, escudar-se ao pagamento, antes operando posteriormente as proporções mediante o direito de regresso inscrito no nº. 3, do artº. 163º, do CSC;
VII - ou seja, todos os sócios estão vinculados a responder pelas dívidas supervenientes, devendo responder em idêntica medida (com consequente perda) à que responderiam casos tais dívidas tivessem feito reduzir, ab initio, o activo partilhável;
VIII - o que tem fundamento numa ideia de devolução, ou seja, caso os sócios, na liquidação efectuada, tenham recebido mais do que deveriam caso todos os débitos societários fossem pagos, estão vinculados à sua posterior satisfação, à custa dos bens ou direitos societários que lhe tenham sido anteriormente entregues;
IX - relativamente ao ónus probatório da (in)existência de bens ou activo partilhados na decorrência da liquidação da sociedade, ou seja, se compete aos credores o ónus de alegação e prova da existência de bens sociais capazes de responder pela dívida societária, como facto constitutivo do seu direito, ou se, ao invés, sendo chamados os sócios a responder pela dívida societária, terão estes de alegar e provar a inexistência de bens partilhados como facto impeditivo do direito dos credores, tem existido controvérsia, nomeadamente jurisprudencial;
X - entendemos, na ponderação dos argumentos em equação e tutela da posição dos credores sociais, que demandando estes os sócios, nos quadros do nº. 2, do artº 163º, do CSC, de forma a ser-lhes pago passivo superveniente, incumbe aos sócios demandados o ónus probatório de alegação e prova de que nada receberam na partilha, como facto impeditivo do direito dos credores (o nº. 2, do artº. 342º, do Cód. Civil) – tese do facto impeditivo;
XI - ou seja, aos credores sociais incumbe apenas o ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito creditório sobre a sociedade extinta, incumbindo aos ex-sócios alegar e provar, como excepção peremptória de que se trata, que da liquidação da sociedade não resultou qualquer saldo positivo;
XII - ou que não resultou saldo suficiente ou bastante para fazer face ao crédito reclamado, isto é, que naquele momento os credores estão impedidos de obter o ressarcimento, total ou parcial, do seu crédito sob a sociedade, em virtude de na liquidação desta não ter resultado qualquer saldo, ou não ter resultado saldo suficiente capaz de solver o crédito reclamado;
XIII - e não aos credores sociais o ónus de alegação e prova da existência de bens ou direitos sociais, recebidos ou partilhados pelos ex-sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito, como eventual facto constitutivo do seu direito (o nº. 1, do artº. 342º, do Cód. Civil) – tese do facto constitutivo;
XIV - tendo-se apurado a existência de um activo societário (montante pecuniário), não tendo os ex-sócios alegado e provado que este foi consumido na liquidação de dívidas do ente societário (de forma a nada sobrar para partilha entre os sócios), mas não tendo a credora demandante logrado demonstrar em que medida tal quantia teria sido partilhada entre os antigos sócios da sociedade Ré, tal situação de dúvida quanto a esta realidade factual é resolvida, nos quadros do artº. 414º, do Cód. de Processo Civil, contra quem aproveitaria ou beneficiaria com a mesma, ou seja, contra a ex-sócia (ora Recorrente), a quem incumbiria provar que o montante que lhe coube na partilha não seria suficiente para fazer face ao pagamento do passivo social superveniente reclamado.”
O referido acórdão da RL de 12-02-2020 mereceu, aliás, um post de MTS no Blog, com o seguinte teor:
“O direito positivo fornece os seguintes dados:
-- No requerimento executivo, incumbe ao exequente alegar os factos constitutivos da sucessão na titularidade da dívida (art. 54.º, n.º 1, CPC); a falta de alegação destes factos constitui o requerimento executivo como inepto (art. 186.º, n.º 2, al. a), CPC);
-- A partir do momento que o sócio executado deduz oposição à execução, é claro que, independentemente da qualificação do facto relativo ao montante recebido por esse sócio, o ónus da prova do fundamento da oposição pertence a este sócio executado.
Nesta hipótese, vale o lugar paralelo dos bens penhoráveis na execução instaurada contra o herdeiro: se a herança tiver sido aceita pura e simplesmente e se o exequente se opuser ao levantamento da penhora, cabe ao executado alegar e provar que os bens não provieram da herança (art. 744.º, n.º 3, al. a), CPC)”.
A doutrina tem procurado chamar a atenção do legislador e da jurisprudência para esta problemática, como se vê pelas linhas finais, que não resistimos a citar, da tese “Dissolução e liquidação societária: a (des)Proteção dos credores sociais”, de Joana Alexandra Carvalho Maia, sob a orientação do Professor Doutor Paulo de Tarso Domingues, disponível online:
«Ademais, apelamos que se ultrapasse a questão do ónus da prova quando se defende que, para que os sócios possam ser responsabilizados, cabe aos credores provarem que aqueles partilharam entre si bens sociais que poderiam ter respondido parcial ou totalmente pelo respetivo passivo. Cremos que o julgador deverá olhar para o artigo 163.º do CSC entendendo que, o facto de não ter existido (aparentemente) qualquer ativo que pudesse ser partilhado pelos sócios, é um facto impeditivo do direito dos credores sociais (342.º n.º 2 do CC), não havendo outra hipótese se não a de exigir aos sócios a prova da inexistência de qualquer ativo ou partilha oculta. Portanto, na nossa opinião, aos credores caberá apenas provar o facto constitutivo do seu direito, ou seja, o crédito que tem sobre a sociedade.
(…) Balanceando os diferentes interesses acreditamos que impor aos credores a prova de que os sócios partilharam entre si haveres sociais é colocá-los numa situação extremamente desigual e desproporcional: a parte que terá mais facilidade de aceder à prova necessária serão os antigos sócios por terem sido partes integrantes da pessoa coletiva que constituiu a dívida.
Em suma, os credores sociais, até certo ponto, são protegidos pelo ordenamento jurídico português aquando da dissolução, liquidação e extinção dos seus devedores, no entanto, na prática, essa proteção é abafada pelas características dos diferentes processos e pela exigência provatória que congela a relação comercial e creditícia que nasceu ainda no auge da personalidade jurídica e da capacidade de gozo da sociedade comercial.»
No caso que nos ocupa, a Exequente não requereu o prosseguimento dos autos contra os sócios da sociedade Executada, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”. Ademais, não se trata de uma situação em que a extinção da sociedade demandada tenha acontecido na pendência da ação ou fosse conhecida antes da propositura da ação [hipótese em que o exequente deveria, conforme impõe o art. 54.º, n.º 1, do CPC, alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão, para assegurar a legitimidade processual passiva, tratando-se da “habilitação-legitimidade” de que falava Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 574-575: “O artigo 56.º coloca-nos perante a figura da habilitação-legitimidade na acção executiva. Tendo havido sucessão no direito ou a obrigação, no requerimento para a execução deduzir-se-á a habilitação do sucessor. Se houve sucessão no direito, a habilitação destina-se a legitimar o exequente; se houve sucessão na obrigação, a habilitação tem por fim legitimar o executado. (…) A habilitação-legitimidade aproxima-se, sob o ponto de vista da função e alcance da, da habilitação-incidental, pois que o fim a que visa – colocar o sucessor na posição jurídica do falecido ou do cedente – diz respeito a determinado processo. A diferença é somente esta: a habilitação incidental ocorre na pendência duma causa, ao passo que a habilitação-legitimidade apresenta-se no início da acção”, acrescentando aquele Professor que “o incidente de habilitação pode ser provocado por três espécies de eventos: 1) O falecimento dum litigante; 2) A extinção da pessoa colectiva, parte na causa; 3) A transmissão da cousa ou direito em litígio.)”, com uma diferença “nos casos dos n.ºs 1) e 2)  o incidente tem carácter obrigatório, ao passo que no caso do n.º 3) tem carácter facultativo. Quer dizer, morta ou extinta uma das partes, a instância suspende-se (art. 281.º, n.º 1), e para que possa prosseguir é forçoso que mediante o incidente de habilitação, se ponha o sucessor no lugar do falecido ou extinto (art. 289.º, a)”].
Ora, o facto de a extinção da sociedade devedora (com o registo da dissolução e encerramento da liquidação) ser anterior à instauração da presente ação, mas apenas ter sido conhecido e comprovado na pendência da ação, coloca-nos o problema de saber se, como entendeu o Tribunal recorrido, a ação não pode prosseguir porque, à data da propositura da ação, a Executada estava extinta, não tendo personalidade judiciária, ou se, como defende a Apelante, a ação pode prosseguir e, neste caso, em que moldes, seja considerando-se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios (por aplicação do art. 162.º, n.º 1, do CSC, ainda que por analogia), seja, pelo menos, prosseguindo contra os ex sócios-gerentes que sempre poderiam ter sido demandados ab initio nos termos do art. 163.º, n.º 1, do CSC.
Não se discute que a sociedade Executada, atenta a sua extinção, com a inscrição, no registo, da dissolução e encerramento da liquidação, deixou de ter personalidade jurídica e, consequentemente, personalidade judiciária (cf. art. 11.º do CPC), mas inexiste motivo para considerar que a relação jurídica subjacente à emissão da livrança dada à execução e a própria relação jurídica cambiária se tenham também, por causa disso, extinguido.
Tanto o n.º 2 do art. 160.º do CSC, como os artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 354.º, n.º 3, do CPC, ressalvam o regime do art. 162.º do CSC, nos termos do qual, como vimos, as ações pendentes, em que a sociedade seja parte, continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
Parece-nos, salvo melhor opinião, que situações como a dos autos, em que a extinção da sociedade demandada apenas é conhecida na pendência da ação, também são de considerar abrangidas pelo âmbito de aplicação do art. 162.º do CSC, na esteira da jurisprudência maioritária, que tem reconhecido a possibilidade de prosseguimento da ação pendente contra a “generalidade dos sócios” ou contra o(s) próprio(s) sócio(s) habilitado(s) (consoante o que for requerido), destacando-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão da Relação do Porto de 06-07-2009, no proc. n.º 9792/06.2TBVNG.P1:
“I - Embora impenda sobre o Juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, este poder está limitado, por um lado, às questões suscitadas pelas partes e, por outro lado, às questões de conhecimento oficioso. II - Apesar de extinta a sociedade, verificando-se que existe um passivo social não satisfeito ou acautelado, respondem então os antigos sócios, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade limitada, até ao montante que receberam na partilha. III - Isto relativamente às acções a propor, como às já propostas.”
- o acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012, no proc. n.º 5799/09.6TBOER.L1-7:
“I - O registo do encerramento da liquidação da sociedade executada impede o prosseguimento da execução contra a sociedade extinta, por falta de personalidade jurídica.
II - A extinção da sociedade executada, não importará, automaticamente, a extinção da instância nas execuções em que esta seja parte.
III - Tratando-se de execução em que se mostram penhorados bens à sociedade, e apurando-se que a mesma se extinguiu em data anterior à propositura da execução, a mesma deverá prosseguir contra a generalidade dos sócios, representada pelo liquidatário, procedendo-se à citação daqueles na pessoa deste”.
- o acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2013, no proc. n.º 2163/08.8YYLSB-B.L1-2: “(…) II- A sociedade considera-se extinta sem prejuízo do disposto nos art.ºs 162 a 164 do CSC pelo registo do encerramento da liquidação (cfr. art.º 160, n.º 2 do CSC); nas sociedades por quotas só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade salvo o disposto no art.º 198 do CSC ( cfr. 197, n.º 3 do CSC) III- A extinção da sociedade devedora pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matricula, não extingue a obrigação daquela sociedade plasmada na sentença condenatória dada à execução; encerrada a liquidação e extinta a sociedade, proposta a execução contra a sociedade extinta, certamente porque a exequente não cuidou de consultar previamente a certidão de matrícula da sociedade, nem por isso deve a sociedade extinta ser absolvida da instância, nem sequer suspensa a instância na medida em que a alínea a) do n.º 1 do art.º 276 ressalva essa situação das hipóteses de suspensão da instância, não sendo necessária a dedução do incidente de habilitação, bastando que se requeira que a execução prossiga contra os ex sócios-gerentes que são os sócios liquidatários da sociedade, as quais têm de ser, obviamente, citadas para execução. (…)”
-  o acórdão da Relação do Porto de 14-01-2014, no proc. n.º 5076/12.5TBMTS-B.P1, conforme se alcança do respetivo sumário: “I - A sociedade comercial não se extingue com a dissolução, nem sequer com a liquidação, mas apenas com o registo do encerramento da liquidação. II - Dissolvida a sociedade (cfr. causas de extinção previstas nos artigos 141.º a 143.º CSC), esta entra imediatamente em liquidação (artigo 146.º, n.º 1, CSC), mantendo a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando a aplicar-se, em princípio, as regras que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º, n.º 2, CSC). III - Nas situações em que a extinção da sociedade ocorre antes da propositura da acção mas apenas é conhecida no seu decurso, não é necessário recorrer-se ao incidente de habilitação (aplicação analógica do artigo 163.º CSC) para que a sociedade seja substituída pelos sócios.”
- o acórdão da Relação de Évora 13-10-2022, no proc. n.º 491/20.3T8FAR.E1:
“I. A extinção da sociedade não opera a extinção das relações jurídicas que à data subsistam na sua titularidade.
II. Resulta dos artigos 162.º a 164.º do CSC que ocorre uma transferência para os sócios, mediante a sucessão nas relações jurídicas antes tituladas pela defunta sociedade, da responsabilidade, ainda que limitada, porque circunscrita ao que houverem recebido na partilha, pelo passivo não satisfeito ou acautelado durante o processo de liquidação.
III. Esse fenómeno de sucessão é imposto legalmente por mero efeito da cessação da personalidade jurídica da sociedade extinta, não devendo condicionar-se ao recebimento pelo sócio, através da partilha do património social, de bens que integraram esse património.
IV. Encontrando-se a acção pendente, e ainda que a sociedade se tenha extinguido antes da acção ter sido instaurada, o que só veio a ser conhecido posteriormente nos autos aquando da citação, tem-se por aplicável o disposto no artigo 162.º, n.º 1, ex vi do preceituado no n.º 3 do artigo 354.º, prosseguindo a acção (sem que haja, portanto, lugar a suspensão) e considerando-se a sociedade “substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5 e 164.º, n.ºs 2 e 5”.
No referido acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012 (proc. n.º 5799/09.6TBOER.L1-7), explica-se precisamente que «Em tal caso, como refere Raul Ventura, o nº2 do art. 162º dispõe que a instância não se suspende nem é necessária a habilitação, à semelhança do que o nº2 do art. 276º do CPC determina para o caso da transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade: “o liquidatário já funcionava no processo como representante da sociedade e passará a ser considerado representante legal da generalidade dos sócios”.
A lei comete aos liquidatários o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, já vinham exercendo.
Já no caso de passivo superveniente ou de débitos sociais insatisfeitos depois da partilha entre os sócios, o art. 163º veio a consagrar expressamente a responsabilidade dos sócios, embora limitada ao que receberam na partilha, pela via da sucessão – os créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios –, como defende Raul Ventura.
De qualquer modo, note-se que os antigos sócios apenas responderão até ao montante do que hajam recebido na partilha, mantendo-se a distinção entre património social e patrimónios individuais dos sócios, pelo que os credores sociais apenas podem fazer valer o seu direito de preferência sobre os bens que tenham pertencido à sociedade, desde que provem que estes bens passaram para o património do sócio, em execução de partilha.
E como se opera a substituição processual da sociedade pelos antigos sócios?
Em conformidade com o já citado art. 162º, se a extinção da sociedade ocorrer no decurso da acção, a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação – art. 162º do CSC.
No caso de acções propostas depois de extinta a sociedade, no entender de Raul Ventura, o art. 163º oferece aos credores sociais duas alternativas: a) propositura de acção contra os sócios responsáveis na medida em que o forem (nº1 do art. 163º); ou, b) propositura da acção contra a “generalidade dos sócios”, na pessoa dos liquidatários (nº2 do art. 163º).
A solução alternativa consagrada no nº2 do art. 162º, “consiste em despersonalizar os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a “generalidade” deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas na falta deles), a representação processual dessa generalidade”.
“A intenção deste preceito consiste em estabelecer um mecanismo que coloque os credores sociais na situação, relativamente a litígios judiciais, tanto quanto possível idêntica àquela que eles deparariam se a sociedade não se tivesse extinguido, mas sem, contudo, esquecer essa extinção”.
E, no entender de tal autor, “a acção será proposta contra a generalidade ou totalidade dos sócios da extinta sociedade, que o credor pode logo identificar, não sendo obrigado a fazê-lo. Para essa acção, a generalidade dos sócios tem representante legal necessário: os liquidatários da extinta sociedade, os quais devem ser identificados na petição, o que o credor não tem dificuldade em fazer, bastando-lhe consultar o registo comercial”.»
Aliás, no ac. do STJ de 26-06-2008, proferido no proc. n.º 08B1184, disponível em www.dgsi.pt, tratava-se de situação em que foi na pendência da ação, aquando das diligências para citação da sociedade ré, que se verificou que a mesma já se encontrava extinta, tendo sido determinada pelo tribunal de 1.ª instância, invocando o preceituado no art. 162º do CSC, a substituição da ré pelos seus identificados sócios, e ordenada a citação destes para contestarem.
Portanto, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, consideramos que se impõe fazer uma interpretação extensiva (ou, pelo menos, aplicação analógica) do art. 162.º do CSC de modo a abarcar situações como a dos autos, atenta a letra do preceito e por identidade de razão, dispensando o credor de instaurar nova ação, em tudo idêntica à anterior, contra quem já pode e deve substituir a sociedade extinta, o que também se coaduna com o princípio da economia processual.
Aliás, embora inexista uma previsão análoga à do citado art. 351.º, n.º 2, do CPC para o caso de, em consequência das diligências para citação da ré pessoa coletiva, resultar certificada a extinção desta, solução idêntica valerá para as pessoas coletivas cuja extinção determina a suspensão da instância até habilitação dos seus sucessores, como parece ser a posição defendida por Salvador da Costa, obra citada, pág. 198, referindo, em anotação a este preceito, que se trata de “uma situação anómala em que releva o acionamento de quem não tem personalidade jurídica e, consequentemente, personalidade judiciária, na qual não há em rigor modificação subjetiva da relação processual, porque se constituiu ab initio com os sucessores do réu falecido ou da pessoa coletiva que se extinguiu”.
A não ser aplicável o art. 162.º do CSC, sempre seria caso para admitir a possibilidade de habilitação dos sócios. No entanto, como resulta do disposto nesse artigo e da remissão expressa para o art. 163.º, n.º 2, do CSC, um tal incidente de habilitação não se mostra necessário no caso de a pessoa coletiva demandada ser uma sociedade comercial que se extinga, estando previsto na lei que se dá a imediata substituição do sujeito processual por uma entidade (a “generalidade dos sócios”) dotada de personalidade judiciária; se o demandante não pretender o prosseguimento da ação nesses moldes, mas antes contra os sócios, nos termos do n.º 1 do art. 163.º do CSC, terá então, à semelhança do que deveria fazer se os tivesse demandado ab initio, de alegar os factos atinentes à “habilitação-legitimidade” desses sócios (nas palavras de Alberto dos Reis), caso em que se suscitam as dificuldades de que acima demos conta quanto ao ónus da prova (e ainda que isso possa implicar, consoante os casos, averiguar da falta de citação ou da regularidade do patrocínio judiciário).
Em conclusão: a Exequente mostrou interesse no prosseguimento da ação contra a generalidade dos sócios, tendo sido invocada a existência de passivo (crédito exequendo) e apurada, na pendência da execução, a existência de ativo, de bens que, ao que tudo indica, não foram partilhados (saldo de conta bancária), pelo que a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelo(s) liquidatário(s), como a Exequente-Apelante defende na sua alegação de recurso, com vista ao pagamento da quantia exequenda. Logo, não se verifica a exceção dilatória da falta de personalidade judiciária conducente à absolvição da instância da extinta sociedade, precisamente porque fica assegurada a substituição prevista na lei.
De referir, para terminar, que não cumpre no presente recurso, ante a falta de elementos (designadamente de certidão do registo comercial), proceder à identificação do(s) liquidatário(s), impondo-se diligenciar pelo respetivo apuramento.
Assim, o recurso merece provimento, devendo a execução prosseguir, como pretende a Exequente-Apelante, contra a “generalidade dos sócios”, representado(s) pelo(s) liquidatário(s), convidando-se aquela a comprovar nos autos executivos, mormente mediante a junção de certidão do registo comercial, a identificação de tais sócios e liquidatário(s), sem prejuízo de outras diligências que o Tribunal recorrido considere úteis.
É de considerar como parte vencida “a generalidade dos sócios” representados pelo(s) liquidatário(s), uma vez que a decisão de prosseguimento da ação se reflete negativamente na sua esfera jurídica, sendo assim sua a responsabilidade pelas custas do recurso, as quais sairão precípuas do produto dos bens penhorados (artigos 527.º, 529.º e 541.º, do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar, em substituição da mesma, o prosseguimento da ação executiva, agora contra a “generalidade dos sócios” da extinta sociedade Executada, representados pelo(s) liquidatário(s), notificando-se a Exequente nos termos e para os efeitos acima referidos.
As custas do recurso, da responsabilidade da “generalidade dos sócios”, sairão precípuas do produto dos bens penhorados.
D.N.

Lisboa, 13-02-2025
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
Fernando Caetano Besteiro