Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
422/19.3JELSB.L1-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: ARREPENDIMENTO SINCERO
CONFISSÃO
TRÁFICO
PENA
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - No caso de um crime de tráfico de estupefacientes, o arrependimento manifestado em audiência de julgamento pelo arguido autor desse crime, assim como a doação monetária a favor de uma Associação que ajuda toxicodependentes, são actos que não integram o conceito de “actos demonstrativos de arrependimento sincero” a que alude o art.º 72º/2/c) do C.P, por se terem verificado já depois de o arguido ser detido em flagrante delito e privado da sua liberdade.
II – Não sendo, portanto, actos demonstrativos da assunção pelo agente de uma verdadeira responsabilidade pelos seus actos ilícitos, não possuem a virtualidade de fazer diminuir de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena – art.º 72º/2 c) do C.P.
III – Sem embargo tais actos podem ser valorados pelo Tribunal de julgamento enquanto demonstrativos de uma conduta positiva do arguido, após a prática do crime, nos termos do art.º 71º/2 e) do C.P e como tal contribuírem favoravelmente para a determinação da medida concreta da pena.
IV – Numa situação em que o arguido é detido no aeroporto, transportando camuflada na sua mala, cocaína com o peso de 1.356,800 gramas, a atribuição pelo Tribunal de julgamento, de um menor valor à confissão deste arguido, não obstante a mesma ser livre, voluntária e sem reservas, não constitui uma violação do art.º 374º/2 do C.P.P nem viola o art.º 32º/1 da C.R.P.
 V – Nos casos de tráficos internacionais de estupefacientes, mesmo sendo as exigências de prevenção especial moderadas, são as fortes razões de prevenção geral e de política criminal que desaconselham fortemente a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, tornando tal opção residual e excepcional.

(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
1– O M.P acusou o arguido, PH____, natural de Brasília – Brasil, de nacionalidade Brasileira, nascido a 3.5.1995, solteiro, professor de surf e pedreiro, como domicílio na rua …, Sintra - imputando-lhe a prática em 25.9.2019 de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p.p pelo artigo 21º nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma.
O arguido contestou os factos, contextualizando-os e apresentou rol de testemunhas, juntando ainda vários documentos.
Uma vez sujeito a julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 17 decidiu este Tribunal Colectivo, por Acórdão lido em 27.05.2020 e depositado na mesma data (fls.298 a 311), condenar o arguido PH___ pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. no artigo 21º, nº 1 do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro com referência à tabela I- B, na pena de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão
Mais foi decidido por aquele Tribunal, não aplicar ao arguido a pena acessória de expulsão do território nacional, nem qualquer interdição de entrada no nosso território, nos termos das disposições conjugadas dos art.º 134º, nº1, e 151º, nº1, da Lei 23/2007, de 4/07 e art.º 34º, nº 1, do D.L. 15/93, de 22/01 a contrário.
O arguido encontra-se em prisão preventiva à nossa ordem, desde 26.9.2019 cfr  fls 61 (estando porém privado da liberdade desde 25.9.2019 cfr fls 39), medida essa posteriormente substituída em 3.4.2020 pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica (fls 251), que se mantém em vigor presentemente, conforme despacho judicial proferido em 27.8.2020 (última revisão do seu estatuto processual).

2 – Inconformado com tal decisão dela recorreu o arguido (fls 312 a 323).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
           
I. O erro na aplicação do Artigo 71º, por referência ao Artigo 72º, ambos do código Penal.
1. O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 24º dos factos dados como provados, que o arguido efectuou uma doação no valor de 100,00€ à Associação Comunitária Crescer, que intervém junto de pessoas com problemas de toxicodependência.
2. O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas a prática dos factos referente ao crime de tráfico de estupefacientes, tendo o Tribunal considerado que o mesmo "(...) declarou-se arrependido (...)" e, quanto à acusação, " (...) Assume com culpa, sentido crítico e bastante pesar (...)" (facto 21).
3. Assim, a doação feita a uma instituição que tem como missão apoiar a luta contra a toxicodependência e a reinserção social de cidadãos toxicodependentes assume-me como um ato demonstrativo do arrependimento sincero do arguido, na medida em que repara, dentro do possível, os danos causados à sociedade e diminuiu de forma acentuada a ilicitude do facto praticado.
4. Contudo, o Tribunal a quo aplicou e interpretou o Artigo 71º do C.P. sem proceder a qualquer atenuação da pena, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do Artigo 72.º, devidamente conjugado com a alínea b) do nº1 do Artigo 73º, todos do C.P. (o que devia ter feito).
5. Pelo exposto, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o Artigo 71º do C.P depois de proceder à atenuação especial da pena, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do Artigo 72º, devidamente conjugado com a alínea b) do nº1 do Artigo 73º, todos do C.P. e julgar em conformidade.
6. Não o fazendo, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar (nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do Artigo 379º do C.P.P.) e violou os Artigos 71º, alínea c) do nº2 do Artigo 72º e alínea b) do nº1 do Artigo 73º, todos do C.P

Se assim não se entender
II. Da valoracão da confissão livre, integral e sem reservas para efeitos de determinação da pena.
7. Tendo o Tribunal a quo considerado que "(...) foi crucial a confissão do arguido, que prontamente reconheceu os factos da acusação deduzida contra si (excepto em relação à utilização do telemóvel e quanto à questão de ter ligação a Portugal) e que confirmou o teor do relatório social elaborado nos autos (...)", não poderá também concluir que "(...) tal confissão não mereça relevo especial, pois tendo o mesmo sido surpreendido com o produto estupefaciente em seu poder, mais não lhe restava que assumir o seu transporte, surgindo assim, a confissão como procedimento natural e lógico (...)".
8. Ademais, a confissão do arguido revela-se crucial e demonstrativa da sua participação para a descoberta da verdade material, pois o produto estupefaciente encontrado encontrava-se bastante bem dissimulado na mala, podendo o arguido vir a escudar-se no desconhecimento de tal facto.
9. A confissão trata-se de um autêntico meio probatório do qual o arguido pode fazer uso para assegurar as suas garantias de defesa e de com ela obter uma pena mais próxima do seu limite mínimo.
10. Por conseguinte, a aplicação e interpretação do Artigo 344º, no sentido de se considerar que a confissão livre, integral e sem reservas não merece relevo especial em casos de flagrante delito é inconstitucional, por violação do disposto no nº 1 do Artigo 32º da C.R.P.
11. Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que a confissão feita pelo arguido não merece especial relevo, violando o disposto no nº 2 do Artigo 71º do C.P., ao invés de considerar como factor a ponderar decisivamente na determinação da medida da pena.

Se assim não se entender,
III. A aplicação do regime de suspensão da pena de prisão, nos termos do Artigo 50º do Código Penal.
12. Tribunal a quo viola o disposto no nº 1 do Artigo 50º do Código Penal, fazendo uma incorrecta aplicação da mesma ao caso concreto, na medida em que decide não suspender a execução da pena de 4 anos e 3 meses ao arguido PH____. Senão vejamos:
13. Os factos dados como provados e constantes dos pontos 18., 19., 20., 21., 22., 24. e 25. são elementos que abonam a favor do arguido, que permitem concluir que o mesmo beneficia de uma boa condição pessoal e económica, que permitem aferir dos sentimentos manifestados no cometimento do crime e da sua conduta anterior e posterior aos factos, para efeitos do disposto na alínea c), d) e e)do n.º 2 do Artigo 71.º do Código Penal.
14. Não obstante as particulares exigências de prevenção geral elevadas ligadas ao crime de tráfico de estupefacientes, estamos perante um caso singular de um arguido que demonstrou sincero arrependimento, que contribuiu determinantemente para a descoberta da verdade material e que ainda reparou os danos causados à sociedade mediante doação a instituição que luta contra a toxicodependência.
15. Ademais, o arguido pauta a sua vida por uma conduta de acordo com as normas legais, assumindo os factos constantes dos autos uma pontualidade e contrariedade ao seu passado e à sua consciência crítica.
16. Não estamos, pois, perante um cidadão que, olhado pela sociedade, apenas a execução da prisão corresponderia às exigências de prevenção geral, porquanto o mesmo já contribuiu para a luta contra o tráfico de estupefacientes, apoiando um projecto cuja missão é a reinserção de pares toxicodependentes e porque já cumpriu tempo de privação da liberdade.
17. Pelo que, face à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias da prática deste (cujos factos constantes dos pontos 18., 19., 20., 21., 22., 24. e 25. dos factos dados como provados no douto acórdão abonam em seu favor), deve a execução da pena de dois anos de prisão ser suspensa na sua execução.
18. Por todo o exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado/modificado e substituído por douto acórdão que determine:
A) A condenação do arguido PH_____ pela prática de um crime de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes (previsto e punido pelo Artigo 21º da Lei da Droga), numa pena especialmente atenuada, nos termos do disposto nos Artigos 71º, alínea c) do n.º2 do Artigo 72º e alínea b) do nº1 do Artigo 73.º, todos do C.P., suspendendo-se a execução da pena pelos motivos constantes do ponto III. destas motivações e conclusões ou cumprindo a pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Se assim não se entender,
B) A revogação o douto acórdão na parte em que condena o arguido PH_____ em pena de prisão de 4 anos e 3 meses, determinando a condenação do mesmo em 4 anos de prisão, suspensão da sua execução, ao abrigo do disposto no n.º 1 do Artigo 50.º do Código Penal, pelos motivos constantes do ponto III. destas motivações e conclusões.
Se assim não se entender,
C) A revogação o douto acórdão na parte em que condena o arguido PH____ em pena de prisão de 4 anos e 3 meses, determinando a suspensão da sua execução, ao abrigo do disposto no nº1 do Artigo 50º do Código Penal.
3 - O Magistrado do M.P na 1ª instância apresentou resposta (fls 326 a 339) sustentando dever negar-se provimento ao recurso e manter-se o Acórdão proferido, terminando as suas contra-alegações com as seguintes (transcritas) conclusões:
1) A actuação do arguido integra-se no crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01., por referência à Tabela I- B, mostrando-se verificados os elementos objectivo e subjectivo desta norma incriminadora;
2) Ao crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21º, nº 1, do DL nº 15/93 de 22.01., corresponde uma pena de prisão, em abstracto, de 4 a 12 anos;
3) Nos termos do art.º 40º do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa;
4) A determinação da sua medida faz-se, nos termos do art.º 71º do Código Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele;
5) O tribunal atenua especialmente a pena quando existem circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, tais como, ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero (art.º 72.º, n.ºs 1,2, c), CP);
6) A atenuante do arrependimento sincero verifica-se quando o agente pratica o facto punível, mas logo depois arrepende-se e espontaneamente esforça-se por impedir ou atenuar as suas consequências;
7) Tendo o arguido sido surpreendido no aeroporto com a cocaína em seu poder, não lhe restava se não assumir o transporte, surgindo a confissão como um procedimento natural e lógico, não sendo demonstrativa de qualquer voluntária e espontânea assunção de responsabilidade no ato praticado;
8) O facto de não ter antecedentes criminais é o que se espera de qualquer cidadão, pelo que também não há lugar a tal atenuação;
9) Atento o dolo directo, o grau de ilicitude medianamente elevado, a confissão dos factos, o arrependimento, a integração familiar, a ausência de antecedentes criminais e as necessidades de prevenção especial medianas,
10) Considera-se justa, adequada e proporcional a pena de quatro anos e três meses de prisão;
11) O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 50º, nº 1, do C.P.);
12) A suspensão da aplicação da pena apenas terá lugar quando se verifique cumulativamente que o tribunal se convença de que a ameaça da pena evitará a repetição de condutas delituosas futuras e que a suspensão da execução da pena não coloque irremediavelmente em causa a tutela dos bens jurídicos e não contenda com o sentimento de reprovação social do crime e com a confiança da comunidade nas instâncias judiciais;
13) São sobremaneira preponderantes as razões de prevenção geral que exigem que os “correios” sejam condenados em penas efectivas de prisão, existindo factores demasiado relevantes que não se coadunam com a pretendida suspensão da execução da pena;
14) Bem andou o tribunal ao condenar o arguido PH____ na pena de quatro anos e três meses de prisão efectiva, devendo negar-se provimento ao recurso interposto.

Vossas Excelências, porém, farão como sempre a costumada JUSTIÇA

4 - O recurso do arguido foi admitido por despacho de fls 325.
5 - Nesta Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta de turno, quando o processo lhe foi com vista, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 416º do C.P.P emitiu o parecer de fls 346/347 dos autos, subscrevendo a resposta do M.P apresentada na 1ª instância e concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado integralmente o Acórdão recorrido resumindo a sua posição da seguinte forma “ (…) o Recorrente se equivoca ao imputar à Decisão uma nulidade por omissão de pronúncia, que fundamenta na circunstância de entender que o Tribunal a quo não valorou adequadamente a ‘confissão’ e o ‘arrependimento’.
Com efeito, alega o Recorrente que o acórdão do Tribunal Colectivo é nulo por omissão de pronúncia, mas, salvo diverso entendimento, carece de razão, designadamente, porque do que alega, não se vê - nem o recorrente o refere - sobre que factos invocados pela acusação-ou pela defesa, o tribunal possa não se ter pronunciado e, por outro lado, o Tribunal, ao contrário do que o recorrente - só por pura desatenção - alega, ponderou expressamente a confissão e o arrependimento, sopesando-os na medida concreta da pena e na escolha da mesma - cfr. fls. 303 a 307 v) - designadamente, também para afastar a substituição da pena de prisão pela de prisão suspensa na execução.
Na verdade, a decisão recorrida só poderia estar ferida da nulidade do art.º 379º nº1 c) do CPP, se não tivesse fundamentado a opção pela não suspensão, o que não é o caso.
Razão pela qual nos parece dever improceder a arguição da referida nulidade. (…)”
6 - Foi cumprido o art.º 417º/2 do C.P.P, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
7 - Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - Questões a decidir
1. Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art.º 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).
As questões suscitadas pelo recorrente segundo as conclusões da sua motivação são as seguintes:

A) Nulidades do Acórdão – previstas quer no art.º 379º/1 al a) do C.P.P (por falta de fundamentação, em violação do art.º 374º/2 do C.P.P) quer na alínea c) do mesmo preceito (por omissão de pronúncia).
B) - A natureza da pena e medida da pena

2. A decisão recorrida
No Acórdão recorrido o Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
A) FACTOS PROVADOS
Mostram-se provados os seguintes factos:
1º Em data que não se logrou estabelecer, anterior a 25.09.2019, PH_____ foi abordado por indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, que lhe propôs que transportasse cocaína, por via aérea, do Brasil para Portugal, produto que traria na mala de bagagem de porão, oculto na estrutura da mala.
2º Receberia para tal contrapartida económica acordada em valor de €2.000,00 (dois mil euros).
3º Em data próxima da acordada para a viagem, indivíduo cuja identidade não se logrou apurar entregou ao arguido uma mala tipo trolley de marca “Lansay Executive Lugage”, que ocultava cocaína na estrutura.
4º Cumprindo o plano acordado, no dia 25.09.2019, o arguido PH_____ embarcou no voo TP004, de Natal (Brasil) para Lisboa, transportando a mala que recebera e que trazia consigo como bagagem de porão.
5º O arguido PH___ chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa no dia 25.09.019, pelas 10h25m.
6º PH_____ apresentou-se no canal verde (“nada a declarar”) e foi selecionado para revisão de bagagem.
7º Nessas circunstâncias, PH_____ trazia como bagagem de porão uma mala tipo trolley, de marca Lansay Executive Lugage”, que tinha aposta a etiqueta de bagagem com o registo 0047TP638913.
8º Mala em que o arguido transportava cocaína, oculta na respectiva estrutura.
9º Tal produto foi identificado como cocaína (cloridrato), com peso líquido total de 1356,800 gramas (apresentando grau de pureza de 99,1%, suficiente para elaboração de 6722 doses médias individuais).
10º Na mesma ocasião, o arguido PH_____ tinha ainda consigo:
- a quantia de €800,00 (oitocentos euros);
- a quantia de R$220,00 (duzentos e vinte reais);
- a quantia de USD$8,00 (oito dólares);
- um telemóvel de marca Motorola, com os IMEIs 354118096618311 e 354118096618329, com cartão SIM da operadora móvel TIM.
11º As quantias que o arguido trazia consigo destinavam-se a fazer face às despesas de viagem para transporte de cocaína.
12º O arguido conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que transportava consigo, ciente de que incorria em responsabilidade criminal.
13º Agiu em comunhão de esforços e vontades com suspeitos não identificados, em execução de plano comum, para a aquisição e transporte de cocaína do Brasil para Portugal, sabendo tal produto destinado à venda a terceiros.
14º O que fez com vista à obtenção de vantagem económica.
15º Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e criminalmente punível.
16º O arguido PH_____ nasceu no Brasil, possui nacionalidade brasileira.
17º A viagem e permanência do arguido em Portugal tinha como finalidade visitar familiares e o transporte de cocaína, destinada à venda a terceiros.
18º O arguido confessou os factos livre, integralmente e sem reservas.
19º O arguido declarou-se arrependido e pretende permanecer em Portugal um vez que a sua família se encontra a residir na área da grande Lisboa.
20º Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
21º Do relatório elaborado em relação ao arguido consta que:
“PH_____  de nacionalidade brasileira, nascido e criado em brasília, é o filho único dos seus progenitores. Tem mais três irmãos uterinos de outras relações da sua progenitora, sendo o mais novo dos quatro elementos da fratria.
Ao nível da dinâmica familiar e processo de socialização em que se desenvolveu, refere ter perdido o progenitor aos quatros anos de idade, vítima de um acidente profissional. O seu progenitor trabalha como segurança.
Ao nível da dinâmica familiar e processo de socialização em que se desenvolveu, refere um ambiente familiar tranquilo e sem presença de conflitos, tendo sido criado pela sua mãe, junto da sua irmã e sobrinhos. Uma vez que a diferença de idades entre si a sua irmã e bastante significativa, vê os seus sobrinhos como irmãos, existindo entre eles, elos de relacionamento bastante significativos.
Quanto ao seu percurso escolar, refere ter iniciado o mesmo em idade regular tendo concluído o equivalente ao nosso ensino secundário e tendo frequência universitária na área da psicologia. Refere ter deixado os estudos por dificuldades económicas que o impossibilitavam de fazer face a propina.
A nível laboral, PH_____ refere atividade laboral diversa e não estruturada na área da restauração e dos eventos.
Em 2017 e na sequência de uma deslocação com a sua mãe para visitar a avó materna em Pipa, e uma vez que não detinha à data atividade laboral estruturada em Brasília, optou por ficar em Pipa onde trabalhava como professor de Surf e como pedreiro, sempre de forma precária.
PH_____  refere que nunca se encontrou antes envolvido em problemas com a justiça. Também não são referidos quaisquer problemas de uso de substâncias psicoativas.
À data do presente processo, PH_____ residia em Pipa, numa casa alugada.
A nível laboral, encontrava-se a desempregado, acerca de aproximadamente dois meses, efetuando trabalho de forma precária como professor de surf e/ou pedreiro.
Quanto questionado da presente acusação, assume com culpa, sentido crítico e bastante pesar, referindo ter aceite o transporte através de uma conhecida de uma amiga, com vista a obtenção de contrapartida económica. Apesar de já ter passagem comprada com recurso ao crédito, pois fazia intenção de se juntar ao agregado da sua irmã e sobrinhos, não detinha qualquer reserva para fazer face as suas despesas, o que o assustava pois tinha receio que a emigração pusesse entraves a sua entrada em Portugal.
Apesar de não ter aceite de imediato a proposta, perante a insistência da sua conhecida acabou por aceder.
PH_____  deu entrada no Estabelecimento Prisional de Caxias a 8 de Novembro 2019, vindo transferido do Estabelecimento Prisional junto da Policia Judiciária de Lisboa onde entrou a 26 de setembro de2019.
Em três de Abril de 2020 iniciou a medida de OPHVE na morada rua …, Sintra, pertencente à sua irmã, onde aguarda julgamento com data prevista para 12 de Maio de 2020.
Em meio prisional não regista medidas disciplinares mantendo um comportamento isento de reparos e adequado às normas e regras da instituição.
Frequentava o projeto “Lado P” que visa a capacitação socioprofissional através das artes visuais, e no qual mantém acompanhamento no exterior.
A nível de visitas, tinha visitas regulares da sua família direta a residir em Portugal. Denota arrependimento e consciência critica face ao sucedido, expondo como móbil do crime a precária situação económica que atravessava na altura e o forte desejo de se reunir com a família já residente em Portugal.
Estamos perante um indivíduo cujo processo de socialização e percurso de vida decorreu de forma normativa, tendo o mesmo sido pautado por regras e valores, bem como por estabilidade afetiva e relacional, favorável ao desenvolvimento de aptidões e competências favoráveis à aquisição de regras e deveres que permitiram uma integração socialmente adequada, pese embora algum condicionalismo devido ao prematuro falecimento do seu progenitor.
Da trajetória de vida de destacam-se como fatores de proteção, o apoio emocional por parte da sua família e a sua postura perante a atual privação de liberdade.
Aparenta possuir capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si.
PH_____  tem demonstrado recetividade a intervenção técnica em meio prisional, direcionada para o desenvolvimento de competências sociais e pessoais e valoração do bem jurídico sendo certo que, dadas as capacidades cognitivas que evidencia, o sucesso da sua reinserção social dependerá, em grande parte, do grau de motivação que o próprio vier a revelar para o efeito.
PH_____ , ao longo da sua detenção, tem vindo a demonstrar interiorização dos valores ético- jurídicos, assim como desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas e de evitamento dos constrangimentos antissociais essenciais à desejada concretização de um projeto de vida independente e condigno com as normas sociais, para o qual se mostra totalmente disponível.”
22º Todos os elementos da sua família residem em Portugal, com exceção da sua mãe, reformada, que tenciona regressar a Portugal para viver o resto da sua vida, logo após o fim da situação actual relacionada com a Pandemia declarada por causa do Covid 19.
23º Na mesma altura em que o arguido viajou, a mãe do arguido tinha decidido deslocar-se com este a Portugal e, para tal, comprou dois bilhetes de avião (um para cada) em datas diversas.
24º O arguido efectuou uma doacção no valor de €100 à associação de Intervenção Comunitária Crescer, que intervém junto de pessoas com problemas de toxicodependência.
25º O arguido celebrou contrato promessa de trabalho, sendo o promitente empregador T__ Construção e Renovação Unipessoal Lda., e sendo as funções do arguido de técnico de colocação e instalação de pladur mediante pagamento de €635 mensais, promessa a iniciar quando o arguido for colocado em liberdade.

Quanto aos factos não provados, ficou consignado no Acórdão recorrido:
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, concretamente:
1) O telemóvel que o arguido guardava servia para os contactos entre o arguido e os suspeitos cuja identidade não se logrou desvendar, para transmissão de instruções referentes ao transporte do produto estupefaciente e para a recolha da mala com cocaína aquando da chegada ao seu destino.
2) O arguido PH___ tem residência, actividade profissional e família no seu país de origem.
3) Não possui residência ou actividade profissional em território português

Relativamente à fundamentação da decisão de facto provada, ficou expresso no referido Acórdão:
O Tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, devidamente analisada à luz do prudente arbítrio e das regras de experiência, nos termos do art.º 127º do C.P. Penal.
Refira-se que liberdade de apreciação não se confunde com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, exigindo-se antes, uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência.
Dispõem os artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal que a sentença deve conter, para além da enumeração dos factos provados e não provados, a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, e uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
Logo, para apurar a factualidade assente, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo que se expresse o modo como se alcançou essa convicção, descrevendo o processo racional seguido e objectivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se conheça a motivação que fundamentou a opção por certo meio de prova em detrimento de outro, ou sobre qual o peso que determinados tiveram no processo decisório, ou proceder à explanação do percurso lógico do Tribunal até chegar à decisão fática, para permitir aos destinatários da decisão e aos cidadãos em geral, um controle externo e democrático sobre o exercício da justiça (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de novembro de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 5/14.4GMLSB deste Juízo Central Criminal de Lisboa).
Concretizando, foi crucial a confissão do arguido, que prontamente reconheceu os factos da acusação deduzida contra si (excepto em relação à utilização do telemóvel e quanto à questão de ter ligação a Portugal) e que confirmou o teor do relatório social elaborado nos autos. Ora, prevista nos termos do art.º 344º do C.P.Penal, a confissão representa a obtenção da prova sobre os factos imputados ao arguido na acusação e/ou na pronúncia através das suas declarações e tem por objecto os factos constantes da acusação e/ou da pronúncia, não abrangendo a qualificação jurídica, já que «a aceitação dos factos não importa a aceitação da incriminação imputada».
A confissão integral e sem reservas do arguido implicou:
a) renúncia à restante produção de prova e consideração como provados dos factos constantes da acusação;
b) passagem às alegações orais.
Nos casos do nº 2 do artigo 344º do C.P.Penal, como é o dos autos, entendeu-se ser a confissão suficiente para prova de todos os factos, ou seja, fez prova plena.
Neste caso, o que se encontra sujeito à livre convicção do julgador é apenas a aceitação da confissão como livre, integral e sem reservas, tendo de dar-se como provados todos os factos constantes da acusação e relativos à culpabilidade, sem prejuízo da necessidade de produção de prova sobre a personalidade e condições socioeconómicas do arguido, que igualmente corroborou o relatório social elaborado nos autos. Face à credibilidade da confissão, concatenada com a prova documental junta aos autos e que infra se enumera, não resta senão dar como provados todos os factos da acusação deduzida
O Tribunal tomou ainda em consideração a seguinte prova documental:
- auto sumário de entrega, a fls. 2 a 5;
- auto de entrega, a fls. 7;
- auto de notícia, a fls. 8 a 10;
- auto de teste rápido e pesagem, a fls. 11;
- auto de apreensão, a fls. 12;
- documentos, a fls. 13; 126 a 151;
- reportagem fotográfica, a fls. 14 a 17;
- relatório de exame pericial de toxicologia, a fls. 94.
Foi ainda considerado o certificado de registo criminal do arguido e os documentos juntos pela defesa do arguido.
Finalmente, foram relevantes os depoimentos das testemunhas de defesa, que permitiram confirmar não só as declarações do arguido no que respeita às questões familiares e de integração social em Portugal como também os factos alegados na contestação apresentada e corroborar o relatório social.
Quanto aos factos não provados, os mesmos assim resultaram da insuficiência de prova produzida, pois que a prova produzida não permitiu esclarecer se efectivamente o telemóvel havia sido adquirido com a finalidade de auxiliar os fins do transporte, o mesmo valendo em relação à falta de ligação a Portugal, uma vez que o arguido declarou que o telemóvel foi adquirido muito antes da viagem pelos seus próprios meios, no que não foi contrariado pela demais prova. O mesmo valendo em relação aos factos relativos à ligação do arguido a Portugal uma vez que o conjunto da prova produzida foi precisamente no sentido contrário, de que o arguido possui ligações estruturadas a Portugal.

No que respeita à determinação da sua medida concreta o Tribunal a quo decidiu nos termos a seguir transcritos (com sublinhados nossos):
           
“(…) Assim, e procedendo à escolha e determinação da medida da pena, há que ter em conta, desde logo, a moldura penal abstracta prevista no artigo 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, estando em causa a punição com pena de prisão, podendo variar esta entre quatro a doze anos.
O Tribunal reger-se-á, desde logo, pelo artigo 40º do Código Penal, nos termos do qual se preceitua que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Já de acordo como disposto no artigo 71º nº 1, do C.Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção A determinação da pena concreta fixar-se-á, portanto, em função:
da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do princípio político-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana;
das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites (vide Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, pág. 213 e seguintes).
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do nº 2 do artigo 71º do C.Penal: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das consequências bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior; a falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, tomar-se-á em consideração o seguinte conjunto de circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, depõem contra ou a favor do arguido:
- no caso em apreço, o grau de ilicitude é medianamente elevado, tendo em conta a quantidade e qualidade de droga que o arguido detinha, bem como a forma dissimulada de transporte do produto, assumindo o arguido a qualidade de elo essencial na cadeia de comercialização de estupefacientes;
- o dolo do arguido foi directo, pois que este tinha plena consciência de que trazia consigo substâncias proibidas e das consequências que poderiam advir de tal conduta, tendo, mesmo assim, persistido na sua conduta criminosa;
- a favor do arguido está a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais relacionados com este tipo de criminalidade ou outro;
- tem ainda de considerar-se o facto de o arguido ter confessado os factos, embora em bom rigor tal confissão não mereça relevo especial, pois tendo o mesmo sido surpreendido com o produto estupefaciente em seu poder, mais não lhe restava que assumir o seu transporte, surgindo assim, a confissão como procedimento natural e lógico, a valorizar nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 71º, n.º 2 do C. Penal;
- o arguido declarou-se arrependido, encontrando-se familiarmente integrado e desenvolvendo esforço no sentido da sua reintegração.
Na ponderação da dosimetria da pena deste tipo de ilícitos criminais têm de tecer-se diversas considerações, sempre sem perder de vista que uma das finalidades das penas é a protecção dos bens jurídicos (arts.50º, nº 1 in fine e 40º, n.º 1, ambos do C.Penal).
Seguindo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.02.2009, no âmbito do processo de recurso n.º 11235 (Relator Manuel Saraiva), “ não pode olvidar-se que nos casos, como o dos presentes autos, está em causa pessoa que aceitou ser uma peça na cadeia que leva a droga do produtor aos consumidores, ultrapassando continentes, desse modo participando na globalização deste crime e não se importando de ser usado como instrumento descartável nas mãos dos grandes traficantes, tendo como única motivação o lucro, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, o que não abona em favor da sua personalidade. (...)
A legislação nacional em matéria de combate à droga, apoia-se nas Convenções das Nações Unidas de 1961 (Convenção Única sobre os Estupefacientes), de 1971 (Substâncias Psicotrópicas) e 1988 (Contra o Tráfico Ilícito), ratificadas por Portugal, estando os seus desenvolvimentos mais recentes consolidados na reforma de 1983 e na revisão de 1993, o Decreto-Lei n. º 15/93, de 22 de Janeiro, ainda em vigor, com algumas alterações.
 No âmbito do combate a esta criminalidade, foi constituída em 1998, a denominada Comissão para a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga (CENCD) que teve como objectivo genérico propor ao Governo linhas de acção susceptíveis de auxiliar na formulação de uma estratégia global de intervenção no domínio das drogas e toxicodependências.
O relatório final contendo as suas propostas e recomendações veio a ser aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n. º 46/99 que, reconhecendo a necessidade de medidas humanistas, através da garantia de acesso a meios de tratamento a todos os toxicodependentes, ao mesmo tempo constatou a dimensão mundial da droga, reclamando respostas à escala internacional e continental e sublinhou a necessidade de reforço do combate ao tráfico ilícito de drogas, como imperativo para o Estado de Direito, a bem da segurança, da saúde pública e da própria estabilidade das instituições.
Este fenómeno não passou despercebido às instituições da União Europeia, como decorre da Decisão-Quadro 2004/757/JAI do Conselho, de 25 de Outubro de 2004, que adopta regras mínimas quanto aos elementos constitutivos das infracções penais e às sanções aplicáveis no domínio do tráfico ilícito de droga, prevendo, além do mais, a obrigação de cada Estado membro tomar medidas para garantir sanções efectivas, proporcionais e dissuasoras, nomeadamente contra o transporte de drogas que causem maiores danos à saúde (arts.2º e 4º).
Estes princípios vieram a ser reafirmados no Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/06, de 18 de Setembro (DR 1a Série, n.º 180) onde, além do mais, foi sublinhado o objectivo de desenvolver e participar em actividades de cooperação e intercâmbio com outros países da União Europeia e países terceiros, ao nível do controlo da importação, exportação e trânsito de precursores, consolidando e reforçando as estruturas de prevenção e investigação do tráfico internacional de estupefacientes instalados nos aeroportos nacionais.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, cumprindo o dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (art.º 202º, nº 2, da Constituição da Republica Portuguesa). “
Na verdade, o tráfico de estupefacientes é um flagelo das sociedades hodiernas sendo responsável, directa ou indirectamente, pela morte de milhares de pessoas, atingindo muitas outras na sua integridade física pelas sequelas, físicas e psíquicas, permanentes e irreversíveis, que o seu consumo ocasiona.
Tal tipo de crime alarma ainda a sociedade por ser fracturante da organização familiar, estando associado à ruptura do tecido social e à crescente criminalidade contra o património, sendo causa de taxa considerável de morbilidade e a mortalidade, o que sem dúvida reclama um reforço dos mecanismos de coordenação internacionais e a intensificação das acções preventivas contra a criminalidade ligada à Droga, Como refere o acórdão do S.TJ datado de 06-09-2017, acessível em www.dgsi.pt. com o n.º processo 4029/15.6TDLSB.L1.S1: “o crime de tráfico de estupefacientes, para além dos efeitos deletérios e erosivos do vivenciar social e pessoal, induz e desencadeia a produção de outra criminalidade, não só rotineira, com furtos, roubos, violência doméstica, etc., como criminalidade mais violenta e sofisticada, como seja o financiamento de terrorismo, o branqueamento de capitais, a corrupção, homicídios (assassinatos), subversão da ordem social e da organização administrativa burocrática (veja-se o que acontece em países como o México (cidades como Culiacán, por exemplo, totalmente tomada pelos grupos de narcotraficantes (Sinaloa) e Juárez (cartel de Juarez), a Colômbia e mais perto na Itália, mormente em cidades como Nápoles e na Sicília)”.
A tipificação de tal crime visa, pois, proteger a vida e a integridade física das pessoas, a liberdade individual, a sua capacidade de autodeterminação, a estabilidade e harmonia familiar e social, mas também a economia dos Estados, afectadas por negócios paralelos e subterrâneos levados a cabo por verdadeiras redes tentaculares e com forte carácter organizado.
Tudo a reclamar que se assegure um nível elevado de segurança dos cidadãos comunitários, adoptando medidas de luta contra a produção de droga e o tráfico internacional.
 Ademais, o tráfico de droga é, actualmente, a actividade mais importante do crime organizado ao nível internacional, afirmando-se como o 2º maior negócio do mundo, a seguir ao das armas, neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-09-2010, disponível em www.dgsi.pt, n.º processo 514/09.7JELSB.L1-5.
Estamos perante um crime de tráfico de droga, - cocaína -, cuja modalidade de transporte é efectuada através de correios de droga, os quais se deslocam entre continentes, sendo que as necessidades de prevenção geral são fortíssimas, atenta a danosidade social que se mostra associada ao consumo deste tipo de estupefaciente (decadência física e desinserção social, profissional e familiar dos consumidores, a que acresce o aumento da prática de vários tipos de ilícitos contra o património, tão frequentemente associados ao consumo de estupefacientes, como forma de financiar o mesmo)
Logo, entra-se no âmbito da criminalidade grave, com o arguido detido no aeroporto de Lisboa, vindo de país Sul-Americano (Brasil), com cerca de 1350 gramas de cocaína, o que não é sinónimo de conduta individual e ocasional (para o que, no caso concreto, manifestamente não teria meios), mas de uma conduta inserida no âmbito de criminalidade organizada, em que o arguido conscientemente aceitou participar e que razões de política criminal impõem seja punido por forma suficientemente dissuasora.
Ora, tal objectivo será alcançado com uma pena próxima do limite mínimo, conclusão para a qual é determinante a quantidade apreendida bem como a postura processual do arguido, que colaborou prontamente com as autoridades, confessou e mostrou sincero arrependimento, embora tenha reconhecido meras motivações monetárias para a sua actuação.
Perante o transporte internacional de quantidade significativa de cocaína (repita- se, produto estupefaciente dos mais perniciosos), é manifesto que a pena de prisão tem de ser proporcionalmente longa, por forma a defender adequadamente o valor jurídico-penalmente consagrado e para estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
O caso em apreço é de uma manifesta simplicidade, sendo evidente o elevado grau de ilicitude dos factos, emergente da droga detida pelo arguido (cocaína, considerada droga dura), como "correio de droga" no contexto de um transporte intercontinental, tendo este cometido o crime com o objectivo, característico deste tipo de actividade, de receber uma compensação financeira avultada, e independentemente do destino desta quantia.
Trata-se de uma prática criminosa frequente, sendo Portugal um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de estupefacientes provindos dos países produtores de cocaína, normalmente da América do Sul, por vezes recorrendo os “correios” a uma rota indirecta, com passagem por terceiros países, para tentar iludir a vigilância policial.
Os “correios de droga” costumam ser pagos por cada transporte efectuado, sendo normalmente recrutados em meios sociais economicamente desfavorecidos. Embora não sejam donos da droga transportada, acabam por ter um papel relevante de fazer a conexão entre a produção e os armazenistas mais próximos dos consumidores, sem a qual o tráfico não teria lugar.
Acompanha-se aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, acessível em www.dgsi.pt, processo n.º 346/13.8JELSB.S1: “ ...deverá salientar- se a relevância específica, em sede de ilicitude, resultante das circunstâncias singulares do tipo legal violado e que imprimem carácter vincante às necessidades de prevenção geral, expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes em que os denominados “correios de droga” assumem um papel essencial.
Tal circunstância não pode obscurecer a policromia de actuações que cabem no âmbito do mesmo tipo legal imputado ao agente -artigo 21º do diploma citado- e, consequentemente, em sede de culpa a diferença que existe entre quem detém o domínio do tráfico e se propõe auferir o correspondente lucro ilícito e aquele cuja intervenção é meramente instrumental, quando não acidental, assumindo os riscos principais da parte logística, inclusive a nível de integridade física, a troco de uma compensação monetária.
Em abstracto tal diferença é patente no perfil socioeconómico dos denominados correios de droga (debilidade socioeconómica; estruturas sociais mais frágeis) que se conjuga com um aumento substancial do número de detenções deste tipo de agente de crime, essencialmente na Europa e na América do Sul.
Porém, refira-se que não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os mesmos “correios” têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal. Saliente-se que, durante o ano de 2011, foram aprendidos 3.678.217 gramas de cocaína dos quais uma parte substancial transportada pelos mesmos “correios”. (...)
Sendo certo que em cada decisão penal se reflectem opções de política criminal tal pressuposto é por demais evidente no caso dos denominados correios de droga pois que a minimização da prevenção geral corresponde à proliferação de tal tipo de actuação criminosa transformando o nosso país em porta de entrada de tal tipo de tráfico. Como é evidente tal consideração é formulada em abstracto e será sempre a concreta conformação dos diversos factores de medida de pena que, em concreto nos levam à determinação desta.
A percepção de tal fenomenologia está patente nas decisões deste Supremo Tribunal de Justiça que, perante situações com um perfil comum, aplicam penas idênticas e em que o traço distintivo da medida da pena tem a sua génese nas particulares características de cada caso.”
Ainda neste seguimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 03-05-2018, publicado em www.dgsi.pt processo n.º 249/17.7JELSB.L1-9 onde se refere “o chamado “correio de droga” é uma peça importante no mercado de estupefacientes. É através dele que, a determinado nível claro está, se processa a circulação dos estupefacientes sendo, por conseguinte, peça relevante no acesso às drogas pela generalidade dos consumidores. É ele que assume um papel intermédio no circuito de distribuição contribuindo de forma determinante para a difusão alargada de drogas tal como hoje ela se faz. Os chamados “grande e médio traficante” precisam de montar o seu circuito de distribuição para levar a cabo o seu objetivo e dele fazem parte, não sendo dispensáveis, tanto os “correios” como os “dealers de rua”, salientando-se também que a “o tráfico internacional de estupefacientes é, legalmente, considerado criminalidade altamente organizada (artigo 1º, al. m), do Código Processo Penal).
A conduta do arguido que, como "correio", transporta cerca de 1350 gramas de cocaína do continente sul-americano para a Europa, movido apenas pelo lucro e com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, não abona em favor da sua personalidade.
Além do mais, tem de salientar-se a natureza do produto estupefaciente por ele transportado e detido (cocaína), sendo precisamente das mais perigosas e com fortíssimo poder aditivo no plano psíquico, fonte de ampla criminalidade directa e indirecta.
Indubitavelmente que cerca de 1350 gramas de cocaína serão consumidos por um número considerável de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, pelo que razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas seja punido por forma suficientemente dissuasora.
As necessidades de prevenção especial são medianas, atenta a inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais do arguido, que beneficia de apoio familiar e se mostrou arrependido, demonstrando efectivamente consciência da gravidade da sua actuação,
 Tudo ponderado, e não menosprezando o enfoque das razões de prevenção geral, uma vez que o tráfico de droga é um fenómeno que a ordem jurídica quer erradicar da sociedade, pois que tal crime atenta directamente com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, entende o Tribunal ser de aplicar ao arguido uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão.(…)”.

3. Analisando
A) Das nulidades do art.º 379º do C.P.P

- DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Veio o arguido invocar que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, vício previsto no art.º 379º/1c) do C.P.P, porquanto deixou de se pronunciar sobre questão em relação à qual deveria ter havido pronúncia, nos termos a seguir transcritos:
19. O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 24º dos factos dados como provados, que o arguido efectuou uma doação no valor de 100,00€ à Associação Comunitária Crescer, que intervém junto de pessoas com problemas de toxicodependência.
20. O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas a prática dos factos referente ao crime de tráfico de estupefacientes, tendo o Tribunal considerado que o mesmo "(...) declarou-se arrependido (...)" e, quanto à acusação, " (...) Assume com culpa, sentido crítico e bastante pesar (...)" (facto 21).
21. Assim, a doação feita a uma instituição que tem como missão apoiar a luta contra a toxicodependência e a reinserção social de cidadãos toxicodependentes assume-me como um ato demonstrativo do arrependimento sincero do arguido, na medida em que repara, dentro do possível, os danos causados à sociedade e diminuiu de forma acentuada a ilicitude do facto praticado.
22. Contudo, o Tribunal a quo aplicou e interpretou o Artigo 71º do C.P. sem proceder a qualquer atenuação da pena, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do Artigo 72.º, devidamente conjugado com a alínea b) do nº1 do Artigo 73º, todos do C.P. (o que devia ter feito).

No fundo e por outras palavras, o arguido sustenta que o próprio revelou arrependimento e praticou actos de reparação do mal cometido (com a doação de dinheiro, 100 euros, efectuada em prol da Associação Comunitária Crescer, que ajuda toxicodependentes), conforme o provado nos pontos 19, e 24, no Acórdão, mas todavia essa sua conduta não foi relevada pelo Tribunal a quo para fundar a atenuação especial da sua pena, como deveria ter acontecido, nos termos permitidos pelo disposto na alínea c) do nº 2 do Artigo 72º, devidamente conjugado com a alínea b) do nº 1 do Artigo 73º, todos do C.P. - conclusões constantes nos pontos 19. a 22 do recurso.
Segundo o arguido, o Tribunal a quo não explica porque razão não valorou o seu arrependimento manifestado em audiência, de forma a atenuar especialmente a pena e na fixação do quantum da pena concreta, sendo que na sua visão, a referida doação assume-se como um acto demonstrativo do arrependimento sincero do arguido, na medida em que repara dentro do possível os danos causados à sociedade e diminui de forma acentuada a ilicitude do crime cometido.
. O M.P. na sua resposta, veio sublinhar pelo contrário, que o arrependimento manifestado pelo arguido não pode ter o valor que ele lhe pretende atribuir, nomeadamente para efeitos de atenuação especial da pena, citando alguma jurisprudência dos Tribunal superiores, nos termos a seguir transcritos (com sublinhados nossos):
“O arguido vem dizer que o tribunal deveria ter procedido à atenuação especial da pena já que confessou, a sua postura demonstrou arrependimento sincero e até decidiu fazer uma doação no valor de €100,00 à “Associação de Intervenção Comunitária Crescer” que intervém junto de pessoas com problemas de toxicodependência (…)
Tendo o arguido sido surpreendido no aeroporto com a cocaína em seu poder, não lhe restava se não assumir o transporte, surgindo a confissão como um procedimento natural e lógico, não sendo demonstrativa de qualquer voluntária e espontânea assunção de responsabilidade no ato praticado. Ou seja, perante o flagrante delito, não era expectável outra conduta por parte do arguido.
Cita-se, a este propósito o ac. do STJ de 10.01.1990, in AJ n.º 5, pc. 40309 - “(...) A confissão do arguido é a consequência natural e necessária de lhe ter sido encontrada a droga e o seu “arrependimento” não é mais do que o resultado de se ver descoberto.” (Código Penal Anotado, 3.a Edição, 2002, 1.º Volume, Parte Geral, dos Senhores Juízes Conselheiros do STJ Leal-Henriques e Simas, Editora Rei dos Livros, anotação ao art.º 72.º)
Ou o Ac. do STJ de 08.05.1991, in AJ 19, pc. n.º 4165 - “ 1- A atenuante do arrependimento sincero a que se refere a al. c) do C.Penal de 1982, verifica-se quando o agente pratica o facto punível, mas logo depois arrepende-se e espontaneamente esforça-se por impedir ou atenuar as suas consequências (...)” (Código Penal Anotado, 33 Edição, 2002, 1º Volume, Parte Geral, dos Senhores Juízes Conselheiros do STJ Leal-Henriques e Simas , Editora Rei dos Livros, anotação ao art.º 72.º)
Ou o ac. do STJ de 04.06.1992, pc. n.º 42510 - " (...) 2- O "arrependimento", sem que se verifiquem actos demonstrativos, (...) é puro substracto da confissão e não denuncia qualquer contrição, com repúdio dos crimes cometidos, por não se exprimir sob a forma de conduta contrária, animada do reconhecimento do erro que os mesmos constituíram." in Código Penal Anotado, 3ª Edição, 2002, 1º Volume, Parte Geral, dos Senhores Juízes Conselheiros do STJ Leal-Henriques e Simas , Editora Rei dos Livros, anotação ao art.º 72º.
E o ac. do STJ de 02.12.1993, pc. n.º 45255 refere - " (...) O legislador, na sua sabedoria das realidades da vida, não deixou de ter em conta o quanto é fácil afirmar em audiência que se está arrependido." in Código Penal Anotado, 35 Edição, 2002, 1.º Volume, Parte Geral, dos Senhores Juízes Conselheiros do STJ Leal-Henriques e Simas, Editora Rei dos Livros, anotação ao art.º 72.º.

E por último, veio sublinhar que o Tribunal a quo não deixou de valorizar o arrependimento do arguido, mas nos termos do art.º 71º, nº 2 do C.P, nada havendo por isso a censurar à decisão recorrida, no que respeita à escolha e determinação da medida da pena.
Quid Juris?
Não assiste qualquer razão ao arguido e concordamos inteiramente com a posição assumida pelo Tribunal recorrido no que respeita à fundamentação da medida da pena.
Tal como bem foi sublinhado pelo Tribunal a quo, da matéria de facto provada respeitante ao circunstancialismo de tempo, modo e local do cometimento do crime e ainda da personalidade do arguido evidenciada em julgamento, não resultou o apuramento de quaisquer circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Dessa forma, não se vislumbram razões para atenuar especialmente a pena do arguido PH___ nos termos permitidos pelo art.º 72º do C.P. não sendo o arrependimento manifestado pelo arguido em audiência (nem a doação de 100 euros feita à Associação Crescer) idóneos para o preenchimento do requisito “actos demonstrativos de arrependimento sincero” constante do art.º 72º/2/c) do C.P.
Dispõe o art.º 72º do C.P. sob a epígrafe “Atenuação especial da pena” o seguinte:
 “1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2- Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
(...) c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente (...)”.

Face a tudo o que acima ficou dito, desde já se pode concluir que o arguido nas suas alegações de recurso, confunde o vício da nulidade decorrente da “omissão de pronuncia”, com a impugnação da matéria de facto e respectiva valoração.
 Com efeito, no que respeita ao vício de omissão de pronúncia, não se pode confundir discordância da decisão do Tribunal a quo, com a nulidade da mesma, sob o pretexto de uma suposta ocorrência de omissão de pronúncia, vício este previsto no art.º 379º/1/c) do C.P.P.
A nulidade por omissão de pronúncia só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre uma questão e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente quanto a essa questão.
Com efeito, segundo Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000”) “a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”.
E é pacífico o entendimento na jurisprudência de que a omissão de pronúncia se verifica quanto o juiz deixa de proferir decisão sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir.
Mas no mesmo sentido deste entendimento a doutrina esclarece que “o julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985).
Ora no caso presente sempre se dirá, ser claro que o Tribunal a quo expressamente se pronunciou na decisão recorrida sobre o arrependimento manifestado pelo arguido, conferindo-lhe determinado valor.
Naturalmente, que o valor atribuído ao arrependimento manifestado pelo arguido resultou ser menos acentuado no caso presente, por se ter verificado tal arrependimento (e também a doação monetária acima referida), já depois de detido o arguido em flagrante delito e privado da sua liberdade.
Como tal, apesar de terem sido considerados relevantes na 1ª instância enquanto demonstrativos de uma conduta positiva do arguido após a prática do crime, nos termos do art.º 72º/2/e) do C.P (e como tal contribuíram para a determinação da medida concreta da pena), não puderam esses actos ser interpretados pelo Tribunal a quo como sinais de demonstração da assunção de uma verdadeira responsabilidade pelos seus actos, com a virtualidade de fazer diminuir de forma acentuada a sua culpa ou a necessidade da pena, o que resulta perfeitamente compreensível, atentas as regras da experiência e do normal desenrolar dos acontecimentos da vida     
Atenta a motivação revelada pelo arguido para a prática do crime (intenção de obtenção de proventos pecuniários avultados) o circunstancialismo em que o mesmo foi detido com a droga no aeroporto de Lisboa após um voo proveniente do Brasil (as embalagens de cocaína que eram transportadas foram encontradas camufladas na sua mala tipo trolley que trazia como bagagem de porão), essa detenção e o contexto da apreensão da droga, não deixaram qualquer dúvida às autoridades policiais, nem ao Tribunal a quo, quanto à autoria do crime de tráfico objecto destes autos.
Assim, foi atribuído um valor relativo à confissão do arguido, mas claramente que desse facto – da não atribuição pelo Tribunal a quo de um relevo especial a tal confissão -, não resultou qualquer lesão dos direitos de defesa do arguido nem qualquer inconstitucionalidade, pois que o entendimento do Tribunal se encontra fundamentado nos termos legais e a sua confissão e arrependimento não deixaram de ser ponderados, nomeadamente, nos termos do art.º 71º/2 e) do C.P, para efeitos de lhe ser fixada uma pena concreta de prisão próxima do limite mínimo da moldura legal abstracta prevista para o tipo de crime de tráfico de estupefacientes.
Todo o circunstancialismo referido pelo arguido relativo à sua conduta anterior e posterior à prática do crime foi, pois, devidamente considerado pelo Tribunal a quo, que em nosso entender esteve atento nomeadamente a todas as circunstâncias pessoais e familiares que existiam na data dos factos, assim como aos traços da sua personalidade, conforme ficou bem expresso no texto do Acórdão e aqui sublinhamos:
“(…)    A determinação da pena concreta fixar-se-á, portanto, em função da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do princípio político-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana;
- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites (vide Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, pág. 213 e seguintes).
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do nº 2 do artigo 71º do C.Penal: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das consequências bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior; a falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, tomar-se-á em consideração o seguinte conjunto de circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, depõem contra ou a favor do arguido:
- no caso em apreço, o grau de ilicitude é medianamente elevado, tendo em conta a quantidade e qualidade de droga que o arguido detinha, bem como a forma dissimulada de transporte do produto, assumindo o arguido a qualidade de elo essencial na cadeia de comercialização de estupefacientes;
- o dolo do arguido foi directo, pois que este tinha plena consciência de que trazia consigo substâncias proibidas e das consequências que poderiam advir de tal conduta, tendo, mesmo assim, persistido na sua conduta criminosa;
- a favor do arguido está a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais relacionados com este tipo de criminalidade ou outro;
- tem ainda de considerar-se o facto de o arguido ter confessado os factos, embora em bom rigor tal confissão não mereça relevo especial, pois tendo o mesmo sido surpreendido com o produto estupefaciente em seu poder, mais não lhe restava que assumir o seu transporte, surgindo assim, a confissão como procedimento natural e lógico, a valorizar nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 71º, nº 2 do C. Penal;
- o arguido declarou-se arrependido, encontrando-se familiarmente integrado e desenvolvendo esforço no sentido da sua reintegração.
Na ponderação da dosimetria da pena deste tipo de ilícitos criminais têm de tecer-se diversas considerações, sempre sem perder de vista que uma das finalidades das penas é a protecção dos bens jurídicos (art.ºs 50º, nº 1 in fine e 40º, n.º 1, ambos do C.Penal).
Seguindo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.02.2009, no âmbito do processo de recurso n.º 11235 (Relator Manuel Saraiva), “ não pode olvidar-se que nos casos, como o dos presentes autos, está em causa pessoa que aceitou ser uma peça na cadeia que leva a droga do produtor aos consumidores, ultrapassando continentes, desse modo participando na globalização deste crime e não se importando de ser usado como instrumento descartável nas mãos dos grandes traficantes, tendo como única motivação o lucro, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, o que não abona em favor da sua personalidade. (...)

De nada vale assim vir o arguido invocar ter existido da sua parte “um arrependimento que classifica como sendo sincero” para nos termos do art.º 71º e 72º do C.P, pedir uma atenuação especial da medida concreta da pena, sem que em rigor existam quaisquer factos provados, susceptíveis de poderem servir de fundamento à sua pretensão.
 Dispõe o art.º 72º, nº 1 do Código Penal “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na Lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas deles, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”
É verdade como defende O Sr. Professor Figueiredo Dias na sua obra “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime” editorial Notícias1993 “… o artigo 72º do código penal põe em relevo para a medida da pena a conduta anterior ao facto e posterior a este…Com isto alarga de um modo significativo o âmbito das circunstâncias de que o juiz pode e deve lançar mão para encontrar o quantum de pena adequado à culpa e à prevenção…”, tal com foi bem recordado pelo arguido Álvaro.
Mas não foram demonstrados em julgamento factos relativos ao arguido, que possam integrar os pressupostos legalmente previstos, isto é, com aptidão para conduzir a uma diminuição acentuada a ilicitude do facto ou da culpa do agente, nomeadamente ter havido da sua parte actos demonstrativos de arrependimento, nos termos que são exigidos pelo art.º 72º/2 alínea c) do C.P.
Não se provou claramente em julgamento, que tivesse havido um arrependimento deste arguido, susceptível de ser valorado no quadro de uma atenuação especial da pena, nos termos por ele peticionados, sem prejuízo de o mesmo se apresentar arrependido em julgamento e o ter verbalizado – reconhecendo assim a gravidade e ilicitude dos factos por ele praticados como consta do Acórdão – e de ter efectuado uma doação de 100 euros a favor da Associação Crescer (que ajuda toxicodependentes).
É que não basta a sua confissão feita após a sua detenção em flagrante delito e a simples declaração de arrependimento manifestada pelo próprio em audiência ou mesmo a doação monetária acima referida, para termos a garantia de que o arguido fez já um processo de efectiva autocrítica que o impedirá de voltar a reincidir na prática de actos semelhantes, de modo a ser possível formular quanto a ele um juízo de prognose favorável para o futuro, sem prejuízo de com tais actos poder revelar estar consciente, da gravidade da sua conduta, tal como ficou apurado.
Na realidade, só releva juridicamente para efeitos de poder conduzir à atenuação especial da pena a aplicar a um agente prevaricador, o arrependimento que se traduza em factos demonstrativos de uma verdadeira inflexão de comportamentos ou condutas  e esses ainda não se verificaram no caso presente, até por falta de oportunidade (como vimos o arguido encontra-se privado da liberdade à ordem destes autos desde 25.9.2019 e só em liberdade, a sua declarada vontade de mudar de vida, poderia efectivamente ser testada). 
Por tudo o acima exposto, em nosso entender carece ainda de consolidação não só a consciencialização do desvalor jurídico-penal da sua conduta ilícita, como também a evolução da sua maturação pessoal e a efectiva determinação na promoção da sua própria mudança, sabendo nós que o arguido vem de um estrato social com carências económicas e que este tipo de tráfico internacional, proporciona a obtenção rápida de elevados montantes pecuniários não passíveis de serem obtidos através duma actividade laboral lícita, acessível a quem se disponibiliza para efectuar esses transportes de estupefacientes.
Assim, tudo visto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso presente reclama e ponderados todos os factos apurados e descritos no Acórdão recorrido (por um lado os factos que integram o tipo de ilícito cometido e por outro aqueles relativos ao enquadramento social, familiar e profissional do arguido),  entendemos que não lhe assiste qualquer razão na impugnação da determinação da pena e escolha do seu quantum concreto, e na invocação do vício de omissão de pronúncia, assente na alegada “não valoração do seu arrependimento sincero para efeitos de atenuação especial da pena” nos termos acima referidos.
Entende-se com efeito que a medida da pena de pisão encontrada na 1ª instância é adequada e que as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, pelas razões claramente expressas na decisão recorrida, nomeadamente por se tratar de um “correio de droga” actuando no âmbito de uma organização de tráfico internacional, devendo também por esse motivo ser também ponderada a personalidade desvaliosa do arguido que ficou apurada, bem como as necessidades de prevenção especial, nos termos constantes do Acórdão recorrido cfr passagem a seguir transcrita (com sublinhados nossos): “(…) A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, cumprindo o dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (art.202º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa). “
Na verdade, o tráfico de estupefacientes é um flagelo das sociedades hodiernas sendo responsável, directa ou indirectamente, pela morte de milhares de pessoas, atingindo muitas outras na sua integridade física pelas sequelas, físicas e psíquicas, permanentes e irreversíveis, que o seu consumo ocasiona.
Tal tipo de crime alarma ainda a sociedade por ser fracturante da organização familiar, estando associado à ruptura do tecido social e à crescente criminalidade contra o património, sendo causa de taxa considerável de morbilidade e a mortalidade, o que sem dúvida reclama um reforço dos mecanismos de coordenação internacionais e a intensificação das acções previstas contra a criminalidade ligadas à droga. (…) liberdade individual, a sua capacidade de autodeterminação, a estabilidade e harmonia familiar e social, mas também a economia dos Estados, afectadas por negócios paralelos e subterrâneos levados a cabo por verdadeiras redes tentaculares e com forte carácter organizado.
Tudo a reclamar que se assegure um nível elevado de segurança dos cidadãos comunitários, adoptando medidas de luta contra a produção de droga e o tráfico internacional, Ademais, o tráfico de droga é, actualmente, a actividade mais importante do crime organizado ao nível internacional, afirmando-se como o 2º maior negócio do mundo, a seguir ao das armas, neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-09-2010, disponível em www.dgsi.pt, n.º processo 514/09.7JELSB.L1-5.
Estamos perante um crime de tráfico de droga, - cocaína -, cuja modalidade de transporte é efectuada através de correios de droga, os quais se deslocam entre continentes, sendo que as necessidades de prevenção geral são fortíssimas, atenta a danosidade social que se mostra associada ao consumo deste tipo de estupefaciente (decadência física e desinserção social, profissional e familiar dos consumidores, a que acresce o aumento da prática de vários tipos de ilícitos contra o património, tão frequentemente associados ao consumo de estupefacientes, como forma de financiar o mesmo).
Logo, entra-se no âmbito da criminalidade grave, com o arguido detido no aeroporto de Lisboa, vindo de país Sul-Americano (Brasil), com cerca de 1350 gramas de cocaína, o que não é sinónimo de conduta individual e ocasional (para o que, no caso concreto, manifestamente não teria meios), mas de uma conduta inserida no âmbito de criminalidadeorganizada, em que o arguido conscientemente aceitou participar e que razões de política criminal impõem seja punido por forma suficientemente dissuasora.
Ora, tal objectivo será alcançado com uma pena próxima do limite mínimo, conclusão para a qual é determinante a quantidade apreendida bem como a postura processual do arguido, que colaborou prontamente com as autoridades, confessou e mostrou sincero arrependimento, embora tenha reconhecido meras motivações monetárias para a sua actuação.
(…) Trata-se de uma prática criminosa frequente, sendo Portugal um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de estupefacientes provindos dos países produtores de cocaína, normalmente da América do Sul, por vezes recorrendo os “correios” a uma rota indirecta, com passagem por terceiros países, para tentar iludir a vigilância policial.
Os “correios de droga” costumam ser pagos por cada transporte efectuado, sendo normalmente recrutados em meios sociais economicamente desfavorecidos. Embora não sejam donos da droga transportada, acabam por ter um papel relevante de fazer a conexão entre a produção e os armazenistas mais próximos dos consumidores, sem a qual o tráfico não teria lugar. (…)
Porém, refira-se que não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os mesmos “correios” têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal. Saliente-se que, durante o ano de 2011, foram aprendidos 3.678.217 gramas de cocaína dos quais uma parte substancial transportada pelos mesmos “correios”.
(...) A conduta do arguido que, como "correio", transporta cerca de 1350 gramas de cocaína do continente sul-americano para a Europa, movido apenas pelo lucro e com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, não abona em favor da sua personalidade.
Além do mais, tem de salientar-se a natureza do produto estupefaciente por ele transportado e detido (cocaína), sendo precisamente das mais perigosas e com fortíssimo poder aditivo no plano psíquico, fonte de ampla criminalidade directa e indirecta.
Indubitavelmente que cerca de 1350 gramas de cocaína serão consumidos por um número considerável de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, pelo que razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas seja punido por forma suficientemente dissuasora.
As necessidades de prevenção especial são medianas, atenta a inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais do arguido, que beneficia de apoio familiar e se mostrou arrependido, demonstrando efectivamente consciência da gravidade da sua actuação (…)”.

De igual forma, como também resulta ainda da simples leitura da decisão recorrida, a fundamentação da opção feita pela não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, encontra-se bem fundamentada, assente em factos concretos (como analisaremos mais aprofundadamente adiante) e não em juízos de valor abstractos, não assentes na realidade comprovada nos autos.
Concluindo, da passagem supra transcrita, relativa à determinação da medida concreta da pena, verifica-se pois que foram em geral correcta e devidamente ponderadas as circunstâncias relativas ao grau de culpa, manifestada no acto e no que respeita às necessidades de prevenção especial e geral sentidas no caso sub judice.
Com efeito, vê-se que no Acórdão recorrido se valorou correctamente a ausência de antecedentes criminais, as suas condições familiares e económico-sociais, a sua declaração de arrependimento bem como a sua doação de 100 euros feita em prol da Associação Crescer e seus projectos de vida em termos laborais (cfr o provado nos pontos 24. e 25) bem como razões de prevenção geral e especial - todos factores que foram devidamente ponderados aquando da escolha da natureza da pena e fixação da sua medida.
Não existe assim claramente qualquer omissão de pronúncia e por isso improcede o recurso do arguido neste segmento.

DA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – art.º 379º/1/a) C.P.P

Segundo o alegado pelo arguido, afigura-se que o mesmo pretende imputar ao Acórdão recorrido a nulidade prevista no art.º 379º/1/a) do C.P.P, por violação do art.º 374º/2 do C.P.P (falta de fundamentação da medida concreta da pena), porquanto sustenta que o Tribunal a quo não valorou devidamente a confissão livre, integral e sem reservas do arguido para efeitos de determinação da medida da pena.
Alega que a confissão foi por ele usada para assegurar as suas garantias de defesa, e obter uma pena mais perto do limite mínimo pelo que entende:
a) Andou mal o Tribunal ao considerar que esta confissão não merecia especial relevo por ser subsequente à sua detenção em flagrante delito, violando o art.º 71º/2 do C.P, até porque no caso presente a confissão do arguido foi crucial e demonstrativa da sua participação para a descoberta da verdade material, pois o produto estupefaciente encontrava-se bem dissimulado na mala, podendo o arguido escudar-se no desconhecimento de tal facto;
b) Que a interpretação do art.º 344º do C.P.P no sentido de considerar que a confissão livre, integral e sem reservas nos casos de flagrante delito é inconstitucional, por violação do art.º 32º/1 da C.R.P    

Quid Juris?
Entendemos que a argumentação do arguido nesta parte, afinal de contas apenas traduz também a diferente leitura que ele próprio faz, da prova produzida em audiência de julgamento e a sua discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo.
O arguido foi julgado e condenado pela prática em 25.9.2019 de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no art.º 21º/1 do D.L nº 15/93 de 22.1 com referência à tabela I-B, por ter transportado via aérea do Brasil para Lisboa, cocaína com o peso líquido total de 1.356,800 gramas, a troco do recebimento acordado de 2.000,00 euros.
Este ilícito é punido com uma moldura legal abstracta de pena de prisão de 4 a 12 anos e ao arguido foi aplicada uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
Dispõe o artigo 205º nº 1 da Constituição da República, que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Assim, também preceitua o artigo 97º, nº 5, do C.P.P., em relação aos actos decisórios em geral, que «são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O acto da sentença (ou Acórdão), nos termos do disposto no artigo 374º, do C.P.P., exige uma fundamentação especial.
A exigência de fundamentação das sentenças constitui um elemento essencial do Estado de Direito Democrático. Como refere Germano Marques da Silva, a fundamentação é imposta pelos sistemas democráticos tendo em vista diversas finalidades.
Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina (Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Verbo, p. 294).
A fundamentação constitui, por conseguinte, um factor de transparência da justiça, explicitando, de forma que se pretende clara, os processos intelectuais que conduziram à decisão e permitindo, consequentemente, uma maior fiscalização das decisões judiciais por parte da colectividade, constituindo entendimento dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que o direito a um processo equitativo pressupõe a exigência de motivação das decisões judiciais (cfr. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direito do Homem, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 137).
Ora analisada a fundamentação do Acórdão recorrido concluímos que também aqui não assiste qualquer razão ao arguido PH______, porquanto se impõe a conclusão, da simples leitura do texto desse Acórdão, que o Tribunal a quo deu integral cumprimento ao preceituado no art.º 374º do C.P.P.
Com efeito e em resumo, a sentença é nula quando se verifique qualquer das situações referidas nas alíneas a) a c) do nº 1 do art.º 379º do C.P.P, isto é, quando:
- não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º (…)  art.º 374º, nº 2 e nº 3, alínea b) do mesmo diploma legal (fundamentação, enumeração dos factos provados e não provados, decisão);
- quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora das condições previstas nos arts. 358º e 359º do C.P.P. - alteração substancial ou não substancial -;
- ou quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora só a ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão relativa à determinação da medida da pena, é susceptível de integrar, a violação do comando ínsito naquele normativo legal e a consequente nulidade a que alude a alínea a) do nº 1 do art.º 379º do C.P.P, o que não se verificou no caso em apreciação.
Quanto ao facto de o Tribunal a quo ter atribuído um menor valor à confissão integral e sem reservas do arguido pelo facto de o mesmo ter sido detido em flagrante delito, não vemos em que medida essa valoração, pode constituir uma violação do art.º 374º/2 do C.P.P.
Por outro lado, facilmente se conclui ainda que os senhores juízes do Tribunal a quo explicitam, de forma inequívoca, quais foram os elementos “que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Marques Ferreira, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, pág. 228 e ss ).
E, por último, verifica-se que todos estes elementos permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base dessa decisão do Tribunal a quo quanto à escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta.
Melhor dizendo, indicaram claramente quais foram as razões de facto e de direito que estiveram subjacentes à sua decisão de condenação e à determinação da medida da pena concreta que fixaram em 4 anos e 3 meses de prisão, muito perto do limite mínimo da moldura legal abstracta prevista para este tipo de ilícito.
Note-se que a fundamentação não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do Tribunal se orientou num sentido e não noutro.
O que se exige é que o Tribunal, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados.
Lendo a decisão recorrida, repete-se, é fácil constatar que ela cumpre minimamente os supra citados desideratos legais, sendo claramente perceptíveis os motivos pelos quais foi dado como provado que o arguido PH_______, no dia 25.9.2019 quanto aterraram no aeroporto de Lisboa em aeronave da TAP proveniente do Brasil, transportava consigo cocaína, camuflada no interior da sua mala de viagem (com o peso líquido total de 1.356,800 g), com vista à sua entrega a terceiros para comercialização, em troca de contrapartida monetária, tendo a motivação do Tribunal a quo  assentado na confissão livre integral e sem reservas do arguido e na restante prova documental e pericial que foi aí expressamente enunciada.   
Na realidade, em termos objectivos, e ao contrário do alegado pelo recorrente, terá que se reconhecer não ser a sua confissão livre, integral e sem reservas muito relevante para efeitos de atenuação da sua culpa, uma vez que o exame pericial à substância estupefaciente apreendida na sua mala e a demais prova documental veio contribuir para formar também a convicção do Tribunal a quo, não havendo forma de fugir aos indícios sérios que denunciavam a autoria do crime de transporte da cocaína pelo arguido, mesmo que eventualmente a mesma não fosse por ele admitida/reconhecida perante as autoridades após a sua detenção.
Por isso, tudo visto, não assiste qualquer razão ao arguido.
Com esta sua alegação, o que no fundo o arguido veio fazer, reitera-se, é afinal a colocar em causa a valoração que foi feita pelo Tribunal a quo dos meios de prova produzidos quanto à determinação da medida da pena concreta, esquecendo-se que no nosso sistema penal vigora um sistema de prova livre, em que ao julgador cabe a faculdade de poder apreciar e valorar a prova e fundar a sua convicção livremente, de acordo com o art.º 127º do C.P.P e não um sistema de prova vinculada.
Melhor dizendo, analisado o Acórdão recorrido constata-se que nele estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação, bem como os motivos de facto e de direito que fundamentaram a escolha da natureza da pena aplicada ao arguido e a determinação da sua medida concreta – aqui se incluindo quer os factos típicos (elementos objectivos e subjectivos do tipo) por ele praticados, quer o conjunto de circunstâncias que não fazendo parte do tipo de ilícito relevaram contra ou a favor do arguido.
Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do art.º 374º do C. P. Penal.
Por seu turno, a decisão recorrida também não condenou o recorrente por factos diversos dos descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não padece, pois, a decisão recorrida das apontadas nulidades ou de quaisquer outras.
Assim, no caso dos autos, verifica-se como já vimos, não assistir razão ao arguido, no que respeita à sua pretensão de atenuação especial da pena, por força do arrependimento ou confissão, nos termos do art.º 72º do C.P, por não se terem verificado circunstâncias anteriores e posteriores ao crime por ele cometido e até contemporâneas dele que diminuam substancialmente a ilicitude do facto e a culpa do agente, não tendo o Tribunal a quo deixado de valorar de forma justa e equilibrada todas as circunstâncias atenuantes que se verificaram no presente caso.
Acresce que no caso presente, é possível constatar que todas as circunstâncias que relevam para a fixação da medida concreta da pena (favoráveis e desfavoráveis) foram devidamente tidas em conta pelo Tribunal a quo, nos termos legais:
- ao contrário do que parece querer fazer crer em sede de recurso, foram devidamente ponderados pelo Tribunal a quo na escolha e fixação da medida concreta da pena, quer a sua idade e perfil de personalidade, quer os vários factores atinentes, ao seu passado e condições sócio económicas, ao seu percurso de vida e à sua situação familiar e económica e enquadramento social que foram apurados no julgamento e se encontram relatados na matéria de facto provada - conforme o provado sob os pontos 16. a 25. do Acórdão, comportamento dentro do E.P e sentimentos manifestados após a prática do crime, conforme o provado sob os pontos 19 e 24, bem como ausência de antecedentes criminais, conforme o provado sob o ponto 20.
Com efeito, o recorrente não apresentou nenhum argumento factual susceptível ou com idoneidade para demonstrar que a medida da pena concreta de prisão aplicada excede a sua culpa e como se sabe, medir e graduar a pena concreta, constitui uma tarefa assaz complexa para o julgador.
Tarefa onde releva a sua própria intuição, assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise e o critério de uniformidade seguido pelo próprio Tribunal em situações idênticas, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas; não esquecendo nunca, como já acima ficou dito, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Além do mais, os critérios de determinação da medida concreta das penas, são sempre subjectivos e discutíveis, não obstante as regras definidas pelas normas do Cód. Penal pelo que subscrevemos o entendimento daqueles que defendem na Jurisprudência das Relações, que os Tribunais de recurso, não devem simplesmente alterar a medida das penas, só porque os julgadores no Tribunal “ad quem” possam ter um critério diferente do julgador recorrido.
Devem modificá-las sim, mas quando existam razões objectivas para tal, máxime, a violação dos princípios orientadores da determinação da medida concreta da pena e no caso presente, como resulta da leitura atenta do texto do Acórdão, foram inteiramente respeitadas as normas aplicáveis nesta matéria.
E como se pode constatar a partir da leitura da decisão relativa aos critérios que presidiram a essa escolha, consideramos que o Tribunal “a quo”, fundamentou de modo claro e satisfatório a espécie e medida da pena aplicada ao arguido PH________.
Pena essa que defendemos ser adequada ao grau de culpa manifestado pelo arguido e à justa satisfação das necessidades de prevenção especial e geral que o caso suscita.
Tudo visto, repete-se, a escolha e fixação da medida concreta da pena de 4 anos e 3 meses de prisão, não nos merece qualquer censura, afigurando-se ser uma decisão justa e equilibrada, tendo em atenção a respectiva moldura legal abstracta e as fortes necessidades de prevenção geral que o caso suscita, como bem foi salientado pelo Tribunal a quo, a idade do arguido e a personalidade manifestada pelo mesmo em julgamento.
Com efeito, no caso presente, entendemos serem bastante significativas e prementes as exigências de prevenção geral, sendo assim também premente, a necessidade de através da pena crime aplicada pelos Tribunais aos agentes prevaricadores, passar uma mensagem de censura que permita uma educação e sensibilização da população em geral.
Tudo visto, em face da factualidade provada - nomeadamente quanto ao circunstancialismo em que o crime foi cometido e motivação para o mesmo - bem como quanto à situação pessoal do arguido, a sua idade (tinha 24 anos na data da prática do crime), ausência de antecedentes criminais e o seu percurso de vida e enquadramento familiar, social e laboral (matéria que aqui se dá por reproduzida) - e ainda da fundamentação do Acórdão, não se verifica terem sido violados quaisquer dos preceitos legais aplicáveis na matéria, quanto à escolha e determinação da pena concreta aplicada.
Improcede assim o recurso do arguido, também quanto a esta sua concreta pretensão de ver valorada a sua confissão de forma distinta daquela que foi feita na 1º instância.


B) Da natureza da pena e determinação da sua medida concreta

 Veio ainda o arguido insurgir-se contra a efectividade da pena de prisão aplicada por a considerar excessiva, requerendo assim que a mesma seja cumprida em regime de permanência na habitação ou seja suspensa da sua execução ao abrigo do art.º 50º do C.P nos termos a seguir transcritos:
“(…) Os factos dados como provados e constantes dos pontos 18., 19., 20., 21., 22., 24. e 25. são elementos que abonam a favor do arguido, que permitem concluir que o mesmo beneficia de uma boa condição pessoal e económica, que permitem aferir dos sentimentos manifestados no cometimento do crime e da sua conduta anterior e posterior aos factos, para efeitos do disposto na alínea c), d) e e)do n.º 2 do Artigo 71.º do Código Penal.
Não obstante as particulares exigências de prevenção geral elevadas ligadas ao crime de tráfico de estupefacientes, estamos perante um caso singular de um arguido que demonstrou sincero arrependimento, que contribuiu determinantemente para a descoberta da verdade material e que ainda reparou os danos causados à sociedade mediante doação a instituição que luta contra a toxicodependência.
Ademais, o arguido pauta a sua vida por uma conduta de acordo com as normas legais, assumindo os factos constantes dos autos uma pontualidade e contrariedade ao seu passado e à sua consciência crítica
(…) Pelo que, face à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias da prática deste (cujos factos constantes dos pontos 18., 19., 20., 21., 22., 24. e 25. dos factos dados como provados no douto acórdão abonam em seu favor), deve a execução da pena de dois anos de prisão ser suspensa na sua execução.
Por todo o exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado/modificado e substituído por douto acórdão que determine que o mesmo seja condenado numa pena de prisão especialmente atenuada e suspensa na sua execução ou cumprida em regime de permanência na habitação ou assim não se entendendo que a pena aplicada seja reduzida para o mínimo legal de 4 anos de prisão suspensa na sua execução ao abrigo do art.º 50º/1 do C.P  ou assim não se entendendo, que a pena de 4 anos e 3 meses de prisão seja suspensa na sua execução ao abrigo do art.º 50º/1 do C.P.”

O M.P. na sua resposta ao recurso, formulada em 1ª instância, veio pugnar pela manutenção do decidido em matéria de escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta, argumentando nos seguintes termos: “Ora, o tribunal ponderou a aplicação da suspensão da execução da pena e concluiu assim existirem factores demasiado relevantes que não se coadunam com a pretendida suspensão da execução da pena, posição que o M.P subscreve, citando uma passagem do Acórdão recorrido, " (...) Neste contexto há que fazer apelo, portanto, a um juízo de prognose social sobre a conduta futura do arguido, o qual tem de assentar especialmente na prevenção especial, mas tendo ainda em conta as necessidades de prevenção geral (….) São sobremaneira preponderantes as razões de prevenção geral, que conforme foram expostas supra exigem que os “correios” sejam condenados em penas efectivas de prisão, tal como é reconhecido unanimemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, (...) É portanto, impossível suspender esta pena, pelo que deverá o arguido cumprir efectivamente a pena de prisão de 4 anos e 3 meses.”

Quid Juris?
Não assiste razão ao arguido.
Em resumo, veio este defender neste recurso que tendo demonstrado sincero arrependimento e contribuído para a descoberta da verdade material, assim como tendo reparado os danos causados à sociedade dentro do que lhe foi possível (doação de 100 euros a favor de uma Associação que ajuda toxicodependentes) e ainda dispondo de ocupação laboral quando sair em liberdade, então não se justifica a efectividade da pena de prisão, porque o arguido já demonstra uma forte consciência do crime praticado.
É verdade que o arguido não tem antecedentes criminais, confessou na íntegra e se revelou arrependido e por isso concordamos que as exigências de prevenção especial são moderadas no caso presente, atendo o comportamento do arguido antes e depois da prática do crime, como bem ficou sublinhado no Acórdão recorrido.
Mas tal constatação não basta para a procedência desta sua pretensão de ver suspensa na sua execução, a pena de prisão que lhe foi aplicada.
Esquece efectivamente o arguido, que em casos de tráficos internacionais de estupefacientes como este em que voluntariamente se envolveu, são as fortes razões de prevenção geral e razões de política criminal que desaconselham fortemente a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, tornando tal opção residual e excepcional, tal como sucedeu nos presentes autos.
Isto porque a manutenção em liberdade dos correios de droga, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos da prevenção geral, não se coadunando com as exigências de prevenção e de reprovação de tal crime, conforme constitui aliás o entendimento da maioria dos nossos Tribunais superiores, e encontramos na Jurisprudência do S.T.J nos últimos anos.
Os tráficos de estupefacientes, tal como clara e fundadamente ficou explicitado no texto do Acórdão recorrido (com recurso até a legislação das Comunidades Europeias e ao Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012 aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 115/06 de 18.9, para reforço da posição aí defendida), são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, não só pelo enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes anda associado, quer nas famílias, quer decorrente de infracções concomitantes, quer ainda pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico.
A dimensão dos riscos e das consequências faz surgir, neste domínio, uma particular saliência das finalidades de prevenção geral – prevenção de integração para recomposição dos valores afectados e para a afirmação comunitária da validade das normas que, punindo as actividades de tráfico, protegem tais valores.
Tudo visto, considera-se por isso não assistir razão ao recorrente, porquanto, face á matéria de facto apurada e como resulta da simples leitura do texto do Acórdão recorrido os Srs Juízes do Tribunal a quo fizeram uma correcta apreciação e valoração da prova, bem como do direito, não merecendo assim qualquer censura a escolha da natureza da pena e a fixação e graduação da sua medida concreta cfr passagem suficientemente elucidativa, a seguir aqui transcrita:
“Perante o transporte internacional de quantidade significativa de cocaína (repita-se, produto estupefaciente dos mais perniciosos), é manifesto que a pena de prisão tem de ser proporcionalmente longa, por forma a defender adequadamente o valor jurídico-penalmente consagrado e para estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
O caso em apreço é de uma manifesta simplicidade, sendo evidente o elevado grau de ilicitude dos factos, emergente da droga detida pelo arguido (cocaína, considerada droga dura), como "correio de droga" no contexto de um transporte intercontinental, tendo este cometido o crime com o objectivo, característico deste tipo de actividade, de receber uma compensação financeira avultada, e independentemente do destino desta quantia.
Trata-se de uma prática criminosa frequente, sendo Portugal um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de estupefacientes provindos dos países produtores de cocaína, normalmente da América do Sul, por vezes recorrendo os “correios” a uma rota indirecta, com passagem por terceiros países, para tentar iludir a vigilância policial.
Os “correios de droga” costumam ser pagos por cada transporte efectuado, sendo normalmente recrutados em meios sociais economicamente desfavorecidos. Embora não sejam donos da droga transportada, acabam por ter um papel relevante de fazer a conexão entre a produção e os armazenistas mais próximos dos consumidores, sem a qual o tráfico não teria lugar.
(...) não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os mesmos “correios” têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal.
(...) A conduta do arguido que, como "correio", transporta cerca de 1350 gramas de cocaína do continente sul-americano para a Europa, movido apenas pelo lucro e com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, não abona em favor da sua personalidade.
Além do mais, tem de salientar-se a natureza do produto estupefaciente por ele transportado e detido (cocaína), sendo precisamente das mais perigosas e com fortíssimo poder aditivo no plano psíquico, fonte de ampla criminalidade directa e indirecta.
Indubitavelmente que cerca de 1350 gramas de cocaína serão consumidos por um número considerável de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, justiça (cumprindo o dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos nos termos do art.º 202º, nº 2, da Constituição da Republica Portuguesa acrescentamos nós) pelo que razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas seja punido por forma suficientemente dissuasora.
As necessidades de prevenção especial são medianas, atenta a inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais do arguido, que beneficia de apoio familiar e se mostrou arrependido, demonstrando efectivamente consciência da gravidade da sua actuação (…)”.

 Na fixação da medida concreta da pena foram, portanto, em nosso entender e tal como já acima ficou dito, devidamente valorados na 1ª instância, a intensidade do dolo e da ilicitude manifestada na execução dos factos, os respectivos antecedentes criminais, a sua confissão integral, arrependimento e a sua inserção familiar, social e profissional.
Ponderando a moldura legal abstracta acima referida para o crime de tráfico em causa, nenhuma censura nos merece o juízo crítico do Tribunal a quo, o qual na escolha da natureza da pena e graduação da sua medida concreta a aplicar no caso presente, teve em atenção todos os factores que devem por lei, ser ponderados quer no sentido favorável ao arguido, quer no sentido desfavorável a este.
Podemos, pois, concluir que a escolha da medida concreta da pena de prisão aplicada na 1ª instância, teve em atenção não só as especiais e acentuadas necessidades de prevenção geral e as medianas necessidades de prevenção especial, mas também todos os factores que nos termos legais devem ser ponderados, cfr ficou já dito na nossa análise supra exposta.
Nomeadamente, a natureza e quantidade do produto estupefaciente detido pelo arguido: a cocaína conhecida como “droga dura” pela elevada dependência que cria no indivíduo que a consome, viciando-o em termos físicos e psicológicos (impelindo-o inúmeras vezes para a prática de actos ilícitos, com vista à sua obtenção, com os elevados custos familiares e sociais daí decorrentes e de todos conhecidos), o dolo directo, o concreto circunstancialismo em que a detenção da droga foi observada (dissimulada dentro da mala de viagem que transportava no avião, num voo proveniente do Brasil com destino a Lisboa) e a apreensão efectuada, bem como o facto de se tratar de um tráfico internacional cujo combate exige medidas sancionatórias que sejam aplicadas de forma concertada pelos vários países envolvidos nesse tráfico e por fim a conduta do arguido em julgamento e a respectiva situação de vida pessoal – onde se inclui a ponderação acerca da inexistência dos antecedentes criminais até à análise do seu enquadramento social, familiar e profissional.  
 Tudo visto, perante uma moldura legal abstracta que varia entre um mínimo de 4 anos e um máximo de 12 anos de prisão, a pena concreta encontrada de 4 anos e 3 meses de prisão, para o tráfico praticado em autoria por este arguido em 25.9.2019, mostra-se em nosso entender perfeitamente ajustada e equilibrada e como tal é a mesma de manter, não estando reunidos os pressupostos necessários para a sua atenuação especial ao abrigo do art.º 72º do C.P e nada havendo a alterar, nos termos já supra mencionados.
Desta forma e assim sendo, fica desde logo também prejudicada a pretensão do arguido de ver aplicado o regime de cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação, porquanto o mesmo apenas se pode equacionar para os casos em que está em causa a aplicação de pena de prisão efectiva não superior a dois anos – art.º 43º do C.P.
E quanto à pretensão da suspensão da execução da pena?
Mantida inalterada nos termos acima expostos a medida da pena concreta de prisão aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido PH_____, iremos agora apreciar o seu pedido de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos legais (art.º 50º do C.P.).
Vejamos.
Como vimos o arguido foi julgado e condenado pela prática de um tráfico de estupefacientes p.p no art.º 21º/1 do Decreto Lei nº 15/93 de 22.1 com referência à tabela I-B anexa ao referido diploma, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
No que respeita à sua pretensão de poder no caso presente, beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi concretamente aplicada, não poderá a mesma ter acolhimento e ser julgada procedente.
E não poderá essa sua pretensão proceder, pois tal como o Tribunal a quo e ao contrário do defendido pelo recorrente, também nós entendemos que não estão reunidas as condições para ser possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro.
Não só por razões que radicam nas suas condições pessoais e na sua personalidade (sem prejuízo de ter sido adequadamente valorada a sua confissão e manifestação de arrependimento), mas também porque não podem ser defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, o que é de ter em conta de forma particularmente exigente neste tipo de criminalidade.
Note-se aliás, que o Tribunal a quo justificou suficientemente e de forma clara, as razões da não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, conforme passagem a seguir transcrita:
A conduta do arguido que, como "correio", transporta cerca de 1350 gramas de cocaína do continente sul-americano para a Europa, movido apenas pelo lucro e com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, não abona em favor da sua personalidade.
Além do mais, tem de salientar-se a natureza do produto estupefaciente por ele transportado e detido (cocaína), sendo precisamente das mais perigosas e com fortíssimo poder aditivo no plano psíquico, fonte de ampla criminalidade directa e indirecta.
Indubitavelmente que cerca de 1350 gramas de cocaína serão consumidos por um número considerável de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, pelo que razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas seja punido por forma suficientemente dissuasora.
As necessidades de prevenção especial são medianas, atenta a inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais do arguido, que beneficia de apoio familiar e se mostrou arrependido, demonstrando efectivamente consciência da gravidade da sua actuação,
 Tudo ponderado, e não menosprezando o enfoque das razões de prevenção geral, uma vez que o tráfico de droga é um fenómeno que a ordem jurídica quer erradicar da sociedade, pois que tal crime, atenta directamente com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, entende o Tribunal ser de aplicar ao arguido uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
Contudo, põe-se a questão de saber, ainda, se a justa punição do arguido passa inevitavelmente pela execução da pena de prisão ou se, para tanto, ainda é suficiente a aplicação de uma medida não detentiva, maxime, a suspensão da execução desta pena, nos termos do artigo 50º do C.Penal.
Com efeito, de acordo com o preceituado no nº 1 daquele preceito legal, «o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Neste contexto há que fazer apelo, portanto, a um juízo de prognose social sobre a conduta futura do arguido, o qual tem de assentar especialmente na prevenção especial, mas tendo ainda em conta as necessidades de prevenção geral.
Ora, neste ponto, pese embora o arguido não tenha antecedentes e tenha confessado, o Tribunal entende que a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão não se mostra suficiente para evitar que o arguido assuma condutas deste jaez, não se mostrando justo, nem adequado conferir ao arguido esta oportunidade para que conforme a sua vida de acordo com o “dever ser” jurídico-penal.
São sobremaneira preponderantes as razões de prevenção geral, que conforme foram expostas supra exigem que os “correios” sejam condenados em penas efectivas de prisão, tal como é reconhecido unanimemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa do processo n.º 68/15.5ZFLSB.L1-5,(http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D3B5B9CBD3D7693B80257FD4002BC702):
“face a tal comportamento, ainda que os factos provados permitissem um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do agente, a suspensão da execução da pena não poderia ser decretada, uma vez que na opção por pena substitutiva não entram, apenas, considerações de prevenção especial, mas também considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas sejam punidas por forma suficientemente dissuasora, o que não seria minimamente alcançado com uma pena cumprida em liberdade, susceptível de criar a sensação de impunidade, ao mesmo tempo que dava a ideia de um poder punitivo enfraquecido e tolerante com este tipo de comportamentos.”
É, portanto, impossível suspender esta pena, pelo que deverá o arguido cumprir efectivamente a pena de prisão de 4 anos e 3 meses.”
           
O Tribunal a quo fez a opção correcta, em nosso entender.
Nesta matéria estão com efeito em causa não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Só por estas exigências se condiciona o valor da socialização em liberdade que ilumina este instituto da suspensão da execução da pena.
Na realidade, para aplicação deste instituto da suspensão da execução da pena, necessário se torna que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido, que foi caso acidental, esporádico, ocasional, e que a ameaça da pena, como medida de reflexão sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas, não olvidando que a pena de substituição não pode colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.
É bem verdade que face à medida concreta da pena imposta ao arguido PH______ ao recorrente, é manifesto que se encontra preenchido o pressuposto formal da aplicação do referido instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art.º 50º do C.P, isto é,estamos perante uma condenação em pena de prisão não superior a 5 anos.
Mas quanto a nós, seguramente não se mostram reunidos no caso em apreço, os pressupostos materiais da aplicação deste instituto.
No caso deste arguido, é fácil de ver que a simples censura do facto e ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo certo que também se revela impraticável qualquer outra medida de substituição, devendo, em consequência, ser executada intra muros, isto é dento do E.P, a pena de prisão que lhe foi aplicada na 1ª instância.
Perfilhamos o entendimento defendido na 1ª instância de que o comportamento do arguido e a sua personalidade desvaliosa manifestada nos factos em apreço, impõem que a pena de prisão seja efectivamente cumprida, em ordem a prevenir o cometimento de novos crimes no futuro.
É verdade que o arguido não tinha antecedentes criminais, efectuou uma doação no valor de 100 euros em prol da Associação Crescer e confessou o transporte da cocaína (facto que era porém irrecusável, como já ficou dito, dadas as circunstâncias da sua detenção), manifestou-se arrependido em julgamento e comprovou ainda estar inserido social e familiarmente, além de ter celebrado um contrato promessa de trabalho para uma vez em liberdade poder vir a trabalhar como técnico de colocação e instalação de pladur (factos provados em 19., 20., e 22º a 25º no Acórdão).
Mas essa sua conduta de confissão e arrependimento não deixando de ser positivas e valoradas pelo Tribunal a quo não possuem o valor que o arguido lhes pretende atribuir pelas razões já por nós aqui supra identificadas.
E por outro lado, a inserção social e familiar e até os hábitos de trabalho que o arguido revelou, não constituíram um circunstancialismo susceptível de integrar um factor contentor da sua conduta ilícita, objecto destes autos, dada o contexto de dificuldades económicas em que cresceu (tendo sido obrigado a deixar de estudar por não conseguir pagar a propina da frequência universitária) e a situação de crise económica que o seu país natal atravessava e ainda hoje se verifica (essa crise não se mostra ultrapassada no momento actual, tendo sido até acentuada, face à actual situação de pandemia causada pelo novo corona vírus – Covid 19).
Lembremos aqui o que acertadamente ficou expresso no texto do Acórdão e que subscrevemos inteiramente: “Tal circunstância não pode obscurecer a policromia de actuações que cabem no âmbito do mesmo tipo legal imputado ao agente -artigo 21º do diploma citado- e, consequentemente, em sede de culpa a diferença que existe entre quem detém o domínio do tráfico e se propõe auferir o correspondente lucro ilícito e aquele cuja intervenção é meramente instrumental, quando não acidental, assumindo os riscos principais da parte logística, inclusive a nível de integridade física, a troco de uma compensação monetária.
Em abstracto tal diferença é patente no perfil socioeconómico dos denominados correios de droga (debilidade socioeconómica; estruturas sociais mais frágeis) que se conjuga com um aumento substancial do número de detenções deste tipo de agente de crime, essencialmente na Europa e na América do Sul.
Porém, refira-se que não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais.
Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os mesmos “correios” têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal. Saliente-se que, durante o ano de 2011, foram aprendidos 3.678.217 gramas de cocaína dos quais uma parte substancial transportada pelos mesmos “correios”(...)
A conduta do arguido que, como "correio", transportava cerca de 1350 gramas de cocaína do continente sul-americano para a Europa, movido apenas pelo lucro e com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, não abona em favor da sua personalidade.
Além do mais, tem de salientar-se a natureza do produto estupefaciente por ele transportado e detido (cocaína), sendo precisamente das mais perigosas e com fortíssimo poder aditivo no plano psíquico, fonte de ampla criminalidade directa e indirecta.
Indubitavelmente que cerca de 1350 gramas de cocaína serão consumidos por um número considerável de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante (…).”

Em resumo e recapitulando, na realidade, contrariamente ao alegado pelo arguido, não foram demonstrados em julgamento factos relativos ao mesmo, com aptidão para conduzir a uma diminuição acentuada a ilicitude do facto ou da culpa do agente, nomeadamente por revelarem ter havido da sua parte actos demonstrativos de arrependimento sincero, nos termos e para os efeitos exigidos no art.º 72º/2 alínea c) do C.P.
Na verdade, embora a aplicação deste instituto da suspensão da execução da pena constitua para o julgador um poder dever, o mesmo depende como se sabe, da formulação de um juízo, perante o caso concreto, de que “a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Tal juízo deve ser formulado no momento da decisão e terá que atender à personalidade do agente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste - art.º 50º/1 do C.P.
Ora, ponderando a natureza deste crime de tráfico de estupefacientes pela sua gravidade e consequências danosas em todos o tecido social, mormente nas camadas mais jovens, no que tange à saúde dos consumidores e criminalidade conexa com este tipo de comportamentos aditivos, trata-se de um ilícito que impõe necessidades elevadíssimas no que tange à prevenção geral -  sendo aliás as exigências de prevenção geral especialmente acentuadas nos tráficos de carácter internacional, nos termos supra referidos - pela extrema gravidade dos factos a ele associados e pelos seus nefastos efeitos sociais [«com referência à vida de jovens e estabilidade familiar e a saúde e segurança da comunidade», como se disse no Ac. do STJ, proc. 08P1134, in www.dgsi.pt].
Por outro lado, ponderando o percurso de vida pessoal do arguido, cfr o demonstrado sob o ponto 21 dos factos provados no Acórdão recorrido e o facto largamente reconhecido de este tipo de tráfico internacional de estupefacientes permitir a obtenção de lucros fáceis e elevados aos “correios da droga”, bem como as circunstâncias de vida do arguido apuradas nos autos e o respectivo enquadramento e fragilidades sócio-económicos, verifica-se que tais elementos não permitem a formulação de um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro, como bem concluiu o Tribunal a quo.
O comportamento deste arguido na sua globalidade (onde se inclui naturalmente o seu percurso de vida que foi apurados e ficou descrito na matéria de facto provada no Acórdão recorrido) e os motivos pelos quais se determinou a transportar Cocaína do Brasil para Portugal (motivos de obtenção de proventos económicos) são assim factores que foram correctamente avalidados na 1ª instância para afastar o regime da suspensão da execução da pena - na medida em que tais factores traduzem em relação ao arguido a existência de uma personalidade desajustada das normas jurídicas e insensível aos valores da vida em sociedade, pelo que fica inviabilizado quanto a ele o recurso a esse referido regime.
No caso concreto, repete-se, não estão efectivamente reunidas as condições para se poder formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro deste arguido recorrente, não só por razões que radicam nas suas condições pessoais e na sua personalidade, mas também porque não podem ser defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, o que é de ter em conta de forma particularmente exigente neste tipo de criminalidade.
Em conclusão, sintetizando, é nosso entendimento que para crimes de tráfico de estupefacientes com os contornos fácticos daquele que está aqui em causa, em que são fortíssimas as exigências de prevenção geral que tais condutas despertam, não poderá deixar de ser imposta pena de prisão efectiva ao arguido, sendo certo que, a ausência de consequências penais de relevo, tenderia provavelmente a potenciar a prática de ilícitos de natureza semelhante, com implicações da maior relevância em sede de prevenção geral.
Assim sendo, perante tudo o acima exposto, entendemos que o factualismo dos autos é insuficiente para que se obtenha uma suspensão da execução da pena de prisão no caso sub judice.
Melhor dizendo, o mesmo não permite uma fundada confiança na actual capacidade deste arguido em resistir a pulsões criminógenas, pelo que só uma pena privativa da liberdade satisfaz as exigências preventivas, mormente de confiança da sociedade na eficácia do ordenamento penal e na sua aplicação pelos Tribunais, atenta a gravidade social do crime de tráfico em causa.
Nestes termos, considera-se não ser possível sustentar um juízo de prognose positiva relativamente à conduta futura do arguido PH_______, devendo a pena que lhes foi aplicada ser cumprida em clausura, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao não optar pela suspensão da sua execução.
Sublinhamos pois que no acórdão recorrido os Srs Juízes do Tribunal a quo fizeram uma correcta apreciação e valoração da prova, bem como aplicação do direito, não nos merecendo qualquer censura quer a graduação e medida da pena concreta aplicada ao recorrente, quer a opção pela efectividade da mesma.
Pelo exposto, porque nada encontramos que nos mereça censura no Acórdão recorrido, quanto à escolha da natureza da pena e determinação da sua medida, nega-se integralmente provimento ao recurso do arguido também nesta parte.
Improcede assim na íntegra o recurso do arguido.

III. Decisão
              
Pelo exposto, acordam os Juízes na 3ª secção da Relação de Lisboa, em:
              
a) Julgar não provido o recurso interposto pelo arguido PH____, mantendo-se integralmente o decidido em 1ª instância.
b) Custas a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

Lisboa, 30 de Setembro de 2020
Ana Paula Grandvaux
Maria Gomes Bernardo Perquilhas