Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1855.09.9YXLSB.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CONTRATO
LOCAÇÃO
RENDA
GOZO DA COISA LOCADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Nos termos do artº 682.º/2 CPC, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, o prazo de interposição de recurso subordinado é de 30 dias, contados a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária. II - No domínio da responsabilidade por danos não patrimoniais é necessário alegar e provar não apenas o facto ilícito e culposo, mas também os prejuízos sofridos pelo lesado; não pode, pois falar-se em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar, sem a alegação e prova de danos ressarcíveis.
III - Nos termos do art.º 1040.º/1 CC, se no decurso do contrato, o locador não proporcionar ao locatário o gozo da coisa, pode este último suspender o pagamento das rendas, podendo tal suspensão de pagamento ser total ou parcial, ou seja, proporcional àquela privação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Apelantes / AA.: M… e D…
Apelada / R.: A…

I. Pedido: reconhecimento do direito dos AA. a explorar o estabelecimento comercial designado “…”, até ao termo do contrato de cessão de exploração, em 08.09.2009; condenação da R. a pagar a quantia de € 1.400,17, correspondente ao valor das mercadorias que estavam no estabelecimento no momento do esbulho; condenação da R. a pagar, a título de compensação pelos bens utilizados ou desaparecidos do estabelecimento entre 15 de Junho e 28 de Julho de 2009, a quantia de € 450,00, correspondente ao valor que se encontrava na caixa do estabelecimento aquando do esbulho; condenação da R. a pagar a quantia de € 4.300,00, a título de compensação pela impossibilidade de os AA. explorarem o café entre 16 de Junho e 28 de Julho de 2009; condenação da R. no pagamento da quantia de € 120,03, a título de compensação pelos custos com a restituição da posse; condenação da R. no pagamento da quantia de € 2.000,00, pela perda de clientela; e, por fim, condenação da R. no pagamento da quantia de € 3.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Para tanto, alegaram os AA., em síntese, que: vigorava um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial entre os AA. e a R.; no decurso do mesmo a R. mudou a fechadura do estabelecimento impedindo, assim, os AA. de entrar no mesmo e de o explorar, passando a R. a fazê-lo; a R. fez sua a quantia em dinheiro que lá se encontrava, assim como os objectos; apenas por meio de decisão no âmbito de uma Providência Cautelar conseguiram voltar a obter a posse do estabelecimento; no decurso do período de tempo em que exploravam o café, a R., com frequência quase diária, entrava no estabelecimento, sentava-se numa das cadeiras sem consumir e, muitas vezes aos gritos, afirmava que os AA. lhe deviam o dinheiro das rendas, e que faziam um uso indecente do café; com essa atitude muitos clientes mudaram de estabelecimento comercial, assim perdendo clientela.

A R. contestou alegando, em síntese, que procedeu à mudança da fechadura a fim de convencer os AA. a pagarem as rendas em atraso, impugnando o desaparecimento dos objectos que se encontravam no estabelecimento, com base em que foi ela própria a comprá-los.
Deduziu ainda pedido reconvencional, peticionando a condenação dos AA. no pagamento da quantia de € 14.740,11, relativa às rendas em atraso (no valor de € 9.560,00, acrescido de indemnização em 50%), e ao valor de € 400,11 respeitante à diferença entre o valor dos bens encomendados e pagos pela R., que se encontravam no estabelecimento no dia 28.07.2009 e os que foram pelos AA. deixados no dia 15.06.2009.

A acção foi julgada parcialmente procedente, tendo o pedido reconvencional sido considerado parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
a) Condenar a R. a pagar aos AA. a quantia correspondente a meio balde de tremoços, quatro a cinco pastéis de bacalhau, e um ou dois queijos, a apurar em sede de liquidação;
b) Condenar a R. a devolver aos AA. o fogão a gás com dois bicos e um carrinho de mercadorias que se encontravam no estabelecimento e que estão na sua posse;
c) Condenar a R. a pagar aos AA. a quantia de € 3.500,00 por danos não patrimoniais;
d) Condenar os AA. a pagar à R. a quantia de € 7.965,00 correspondente ao valor das rendas em atraso e não pagas desde Março de 2008 a Agosto de 2009, acrescidas de 50% de indemnização;
e) Condenar os AA. a entregarem à R. 1 Garrafa Frisumo, 1 Lata de Lipton, 3 Latas de Coca-Cola, 14 Pacotes de Compal Vital, 1 Pacote Sumol Néctar, 1 Garrafa de Licor Beirão, 1 Garrafa de Aniz, 1 Garrafa de Licor de café, 1 Garrafa de Whisky William Lawsons, 1 Garrafa de Amêndoa Amarga, 1 Garrafa Groselha, 1 Embalagem aberta de café – Nicola, 1 Garrafa de Whisky Golden Loc, 1 Garrafa de vinho branco, 1 Garrafa de ginja, 2 Caixas de pastilhas incompletas, 3 Garrafas de água Frize, 4 quilos de café / Nicola, ½ Melão, 10 Garrafas de leite com chocolate – UCAL, 5 Caixas de vinho branco – Bonifácio – 10l cada, 4 Caixas de vinho tinto – Bonifácio – 10l cada, 2 Caixas de vinho branco abertas – Bonifácio (10l), 2 Caixas de vinho branco abertas – Bonifácio (10l), 9 Caixas de cerveja – Sagres (24 garrafas cada), 1 Grade de cervejas Sagres Mini.

Inconformados com a decisão, os AA. vêem interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

I. A sentença recorrida absolveu a apelada do pagamento de uma compensação pelo tempo em que impediu a exploração do estabelecimento comercial pelos apelantes.
II. Os apelantes entendem que os factos foram incorrectamente julgados e o direito mal aplicado.
III. Ademais, a sentença veio a condenar os apelantes ao pagamento de um valor correspondente a algumas rendas peticionadas pela apelada. Os apelantes não se conformam com esta decisão, por considerarem que a prova apresentada não corrobora o pedido formulado pela apelada, nem o direito que a fundou se aplicaria ao caso concreto.
IV. Os apelantes não aceitam também a condenação feita por aplicação do art.º 1041.º/1 do CC: tal disposição não tem aplicação aos factos julgados provados.
V. O Tribunal fundou a sua convicção essencialmente no depoimento da Testemunha R…. Da audição do seu testemunho, e das transcrições apresentadas nestas alegações, resulta que, não só esta testemunha está zangada com os apelantes porque foi despedido por eles, como ainda não consegue ter um depoimento coerente o suficiente para repetir duas vezes a mesma versão.
VI. Os factos provados permitiriam/impunham que o Tribunal julgasse em sentido diverso: ficou provado que a apelada ilegalmente impediu a exploração do café pelos apelantes durante 43 dias ao ter trocado a fechadura.
VII. A facturação média diária era de € 200,00, tendo os apelantes pedido a compensação que o restante era dispendido nas despesas do estabelecimento. Há documentos nos autos que o demonstram, estando devidamente identificados como sendo os relatórios de caixa do estabelecimento “…”, o estabelecimento em causa nestes autos.
VIII. As testemunhas que acompanhavam os apelantes, que viam fechar e contar a caixa, confirmaram os valores que foram apresentados pelos apelantes.
IX. Ainda que assim não fosse, e demonstrada a conduta ilegal da apelada, alguma compensação, nos termos do art.º 566.º CC deveria ter sido arbitrada pelo Tribunal recorrido.
X. A apelada alegou, em reconvenção, que os apelantes teriam rendas em atraso. Começaram por pedir o pagamento das rendas desde Março de 2008, e nem quando os apelantes apresentaram documentos de prova dos pagamentos feitos nos últimos meses de contrato, a apelada reduziu o seu pedido.
XI. Ao invés, limitou-se a mater a tese de que havia rendas em atraso, sem quantificar o valor, nem os meses a que se referiram essas rendas. Nos termos do art.º 467.º CPC, tal pedido deveria ter sido julgado inepto.
XII. A não quantificação do pedido, nem a fixação dos alegados meses em falta não puderam os apelantes procurar prova que contrariasse tal alegação.
XIII. Ademais, os apelantes não têm recibos de renda dos valores que pagaram porque, a apelada se recusava a emitir os respectivos e obrigatórios recibos. Nos termos do art.º 344.º CC, tal facto implica a inversão do ónus da prova, obrigando a apelada a demonstrar que valores estariam em dívida. Esse ónus não foi cumprido.
XIV. Pelo contrário: os apelantes apresentaram testemunhas que disseram que sabiam que o pagamento das rendas foi feito, durante muito tempo, através de pagamentos em dinheiro. E nem assim foram emitidos recibos.
XV. Não deveria o Tribunal ter condenado os apelantes ao pagamento de rendas em atraso, por não existem. A apelada não demonstrou que houvesse valores em atraso (muito menos quanto e referente a que meses), e os apelantes apresentaram prova de terem sido feitos pagamentos, em dinheiro, por depósito em conta e transferência bancária sem que tivessem sido emitidos os respectivos recibos.
XVI. Não havendo rendas em atraso, não há lugar à aplicação do art.º 1041.º/1 CC.
XVII. De todo o modo, a mudança da fechadura, embora ilegal, resultou na resolução do contrato: sem dúvida a intenção da apelada foi fazer cessar o contrato. Ficou demonstrado que o único fundamento para a substituição da fechadura, embora ilegal, terá sido a falta de pagamento de rendas.
XVIII.  Assim sendo, parece evidente que a (alegada) falta de pagamentos de renda determinou a resolução do contrato por parte da apelada. Não teria, pois, aplicação a disposição do art.º 1041.º do CC.

A R. contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

A. Foi acertada a decisão do Tribunal a quo que absolveu a apelada do pagamento da indemnização pelos danos resultantes do incumprimento da exploração do estabelecimento comercial identificado nos autos.
B. Pois que, não se logrou provar qual o montante das receitas, despesas e lucro do estabelecimento.
C. Alegavam os apelantes que a facturação média diária era de € 200,00, contudo, nenhum elemento de prova foi carreado para o processo que determinasse entendimento diverso do alcançado pelo Tribunal a quo.
D. A prova documental apresentada pelos apelantes não merece qualquer valoração, pois é constituída por alguns talões de caixa registadora reportados a alguns dias dos meses de Novembro de 2008, a Maio de 2009, dos quais resultaria a média de facturação apurada pelos apelantes, bem como, se referem à actividade comercial da sociedade ...., Lda., que muito embora possa estar relacionada com os apelantes, a mesma não é parte nos presentes autos.
E. As transcrições dos depoimentos das testemunhas em nada podem contribuir para alterar a decisão do Tribunal a quo, por não terem sido suficientemente isentas, credíveis e idóneas para prova de tais factos.
F. Decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar não provado o dano dos apelantes pela não exploração do estabelecimento comercial provocada pela apelada, porquanto, tal prova deveria ter sido efectuada através de documentos contabilísticos dos quais resultassem os rendimentos (lucros ou prejuízos) dos apelantes.
G. A compensação exigida pelos apelantes ao abrigo do art.º 566.º/3 CC, é aplicável quando não se puder determinar o valor exacto dos danos.
H. Contudo, pressupõe a prova do dano, o que os apelantes em momento algum provaram, como lhes competia.
I. Deste modo, jamais o Tribunal a quo poderia considerar a aplicação do referido preceito legal.
J. Em sede de pedido reconvencional, pediu a apelada a condenação doa apelantes no pagamentos das rendas em atraso, desde Março de 2008, e indemnização pelo atraso no pagamento ao abrigo do art.º 1041.º CC.
K. Em face da prova produzida, decidiu, e bem, o Tribunal a quo, em condenar os apelantes no pagamento do montante de € 5.310,00, referentes a rendas em atraso e, € 2.655,00, referentes à indemnização de mora, tudo no montante global de € 7.965,00.
L. Porquanto, os apelantes não provaram o pagamento das rendas tal como lhe competia, embora tenham alegado o pagamento na sua totalidade.
M. Não há qualquer inversão do ónus da prova, como pretendem os apelantes, pois que – além de se não ter provado que a apelada não emitia recibos – é evidente que a apelada não tornou impossível a prova dos apelantes, pois estes provaram os pagamentos que efectivamente efectuaram através da apresentação de outros documentos que não os recibos.
N. Das transcrições dos depoimentos das testemunhas, no que concerne ao pagamento das rendas, também não resulta, directa ou indirectamente, qualquer prova de que a apelante tivesse efectuado pagamentos em dinheiro, o respectivo montante ou periodicidade.
O. As rendas em atraso determinam, e bem, a aplicação do art.º 1041.º CC.
P. O contrato de cessão de exploração celebrado entre apelantes e apelada não foi resolvido com a troca da fechadura do estabelecimento por parte desta.
Q. A cessação do contrato resultou da denúncia (oposição à renovação) efectuada pelos próprios apelantes (ponto D da matéria de facto provada).

Também inconformada com a decisão, a R. intentou ainda recurso subordinado, tendo apresentado as seguintes conclusões:

A)  Decidiu mal o Tribunal a quo ao condenar a apelante a pagar aos apelados a quantia de € 3.500,00 por danos não patrimoniais.
B)  O Tribunal a quo fundamentou tal decisão em factos nos quais os próprios apelados não fundamentaram o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
C)  Com efeito, os apelados fundaram o pedido de indemnização por danos não patrimoniais em factos que terão ofendido o seu bom-nome e não no impedimento do estabelecimento comercial.
D)  O Tribunal só poderá servir-se dos factos articulados pelas partes e que fundamentaram os seus pedidos (art.º 664.º CPC).
E)  Violada tal disposição legal pelo Tribunal a quo, fica inquinada a sentença com o vício de nulidade nos termos do art.º 668.º/1/d) CPC.
F)  Do art.º 14.º e 17.º da douta decisão sobre a matéria de facto resulta, respectivamente, “provado apenas que várias vezes a R. entrou no estabelecimento afirmando, aos gritos, que o estabelecimento era dela, que os AA. lhe deviam o dinheiro das rendas” e, “provado apenas que a R. dizia aos AA. ao longo de meses, no interior do estabelecimento, à frente de quem se encontrasse, que lhe deviam dinheiro das rendas”.
G)  Nenhuma prova foi produzida relativamente aos danos que os apelados alegam ter sofrido, na sua honra, na sua honorabilidade, no seu orgulho e no seu bom-nome, nem poderia, pois que, os mesmos nem sequer foram incluídos na base instrutória.
H) O dano não patrimonial não reside nas afirmações da apelante relativamente às dívidas de rendas por parte dos apelados e, no facto destas terem sido proferidas à frente dos clientes, mas sim na consequência dessas afirmações.
I) Foram provadas as afirmações proferidas pela apelante, contudo, nada se provou quanto à efectiva verificação das suas consequências.
J) Deste modo, impunha-se ao Tribunal a quo a decisão de absolver a apelante no que toca ao ressarcimento de danos não patrimoniais.
K)  Acresce que, havendo prova dos danos não patrimoniais, o quantum indemnizatório de € 3.500,00, fixado pelo Tribunal é desajustado e desequilibrado.
L)  Alegam os apelados que a atitude da apelante entrar no estabelecimento e afirmando aos gritos que lhe deviam dinheiro das rendas terá provocado danos patrimoniais, concretizados na perda de clientela, que se estimam em € 2.000,00 e, danos não patrimoniais no montante de € 3.500,00.
M) É, pois, desajustado e desequilibrado, com base nos mesmos factos, atribuir uma compensação por danos não patrimoniais sofridos de montante superior à indemnização que se considera ser adequada para reconstituir a situação se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
N)  Deste modo, compensação por danos não patrimoniais a fixar equitativamente, jamais poderia exceder a indemnização que se poderia fixar no ressarcimento dos danos patrimoniais.
O)  Acresce que, na fixação da indemnização o Tribunal não considerou, como lhe competia, a gravidade dos danos, o grau de culpabilidade da apelante, a situação económica da apelante e dos apelados.
P)  Violando, assim, as regras de fixação da indemnização por danos não patrimoniais estabelecidos no art.º 496.º/3 e art.º 494.º CC.

Os AA. contra-alegaram, apresentando as seguintes conclusões:

I. Não foi apresentado requerimento de recurso subordinado no prazo previsto no art.º 682.º/2 CPC, pelo que, as alegações agora apresentadas à socapa, devem ser liminarmente rejeitadas.
II. São tão irrelevantes juridicamente e, desprovidas de sentido que, o tribunal recorrido as ignorou absolutamente, ordenou a subida dos presentes autos sem aguardar o decurso do tempo devido para a apresentação da resposta pelos apelados.
III. As alegações apresentadas, em qualquer caso, devem ser ainda rejeitadas por manifesta violação do disposto nos art.os 690.º e 690.º-A, ambos do CPC.
IV. Por cautela, acrescenta-se ainda que a alegação de que a sentença recorrida é nula não poderia ser invocada se não junto do próprio Tribunal que a proferiu, nos termos do art.º 668.º/3 CPC.
V. O fundamento invocado pelos AA. e ora apelados para fundar o seu direito a uma compensação foi, precisamente, o vexame e humilhação a que a apelante os sujeitou com as constantes aleivosias quanto às suas alegadas dívidas e que, culminou com o embaraço público da troca da fechadura do café.
VI. Ficaram provados danos não patrimoniais sofridos pelos apelados em resultado do depoimento das testemunhas que foram apresentadas em Tribunal, e que, mereçam a devida valoração.
VII. Pelo contrário, a apelante não adiantou nenhum facto que pudesse alterar a motivação do tribunal recorrido, nem alegou nenhum fundamento de direito que tivesse tal resultado.
VIII. A fixação do valor pelo qual a apelada foi condenada por conta dos danos sofridos pelos apelantes, não merece qualquer reparo, nem a apelada foi capaz de o fazer, limitando-se a argumentar algo tão vago quanto é desequilibrado. Juridicamente, tal alegação, desacompanhada de facto e direito não tem nenhuma consequência.

II. O âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.os 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 660.º, n.º 2, do C.P.C..
Assim, considerando as conclusões dos apelantes, as questões essenciais a decidir no âmbito dos presentes recursos consistem em saber se:


A - Quanto ao recurso independente apresentado pelos AA.,
 
(i) houve erro na apreciação das provas quanto à requerida indemnização por lucros cessantes, resultante do impedimento da exploração do estabelecimento; (ii) houve erro na apreciação das provas quanto à existência de rendas em atraso; (iii) o pedido reconvencional apresentado pela R. é inepto; (iv) são devidas as rendas relativas ao período em que os AA. estiveram privados do gozo do estabelecimento; (v) há lugar ao pagamento de indemnização, por força do art.º 1041.º CC.

B - Quanto ao recurso subordinado apresentado pela R.,

Como questões prévias: (i) a interposição do recurso subordinado é extemporânea; (ii) o recurso deve ser rejeitado, por preterição das formalidades legais previstas nos art.os 690.º e 690.º-A, do CPC.
Como questões principais: (iii) a sentença recorrida, ao condenar a R. no pagamento da quantia de € 3.500,00 por danos não patrimoniais, é nula, nos termos do art.º 668.º/1/d), do CPC; (iv) a indemnização atribuída por danos não patrimoniais é desajustada e desequilibrada, por exceder a própria indemnização pedida pelos AA. a título de ressarcimento pela perda de clientela; (v) a fixação da mesma indemnização violou o disposto nos art.os 496.º, n.º 3 e 494.º, do CC.

II.1. Em sede de primeira instância, deram-se como assentes os seguintes factos:
1. No dia 21.08.2007 a R. declarou ceder o estabelecimento comercial sito na …, n.º …e …, em …, aos AA., e estes declararam aceitar a cessão, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2007 e termo a 8 de Outubro de 2009, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de € 610,00, em termos e condições que constam de fls. 31 e 32;
2. Desde 1 de Setembro de 2007 os RR. têm vindo a explorar o café no local supra referido;
3. A R. é, por sua vez, arrendatária do mesmo espaço às proprietárias, E…a e H…, a quem deve pagar uma renda de € 110,00 mensais;
4. Por carta enviada à R. em 18 de Junho de 2009, recebida pela R. em 22 de Junho de 2009, os AA. já denunciaram o contrato referido em 1);
5. No dia 15.06.2009 a R. trocou a fechadura do estabelecimento comercial supra referido, sem autorização dos AA;
6. A R. impediu os AA. de trocar eles próprios, de novo, a fechadura e de entrar no imóvel;
7. A R. explorou o estabelecimento comercial desde Julho de 2009 até ao dia 28.07.2009, tendo cessado por ter sido executada a decisão da providência cautelar de restituição provisória de posse;
8. Após o referido em 5) os AA. conseguiram unicamente aceder ao imóvel em apreço, no dia 28.07.2009, e reiniciaram a exploração do mesmo em 31.07.2009;
9. No dia 28.07.2009, na diligência de entrega da restituição provisória da posse, existiam no imóvel em apreço os objectos que constam de fls. 59 e 60;
10. A 30.07.2009 encontravam-se no estabelecimento: 1 Garrafa Frisumo, 1 Lata de Lipton, 3 Latas Coca-Cola, 14 Pacotes de Compal Vital, 1 Pacote Sumol Néctar, 1 Garrafa de Licor Beirão, 1 Garrafa de Aniz, 1 Garrafa de Licor de café, 1 Garrafa de Whisky William Lawson, 1 Garrafa Amêndoa Amarga, 1 Garrafa Groselha, 1 Embalagem aberta de café – Nicola, 1 Garrafa de Whisky Golden Loc, 1 Garrafa de vinho branco, 1 Garrafa de ginga, 2 Caixas de pastilhas incompletas, 3 Garrafas de água Frize, 4 Kilos de café / Nicola, ½ Balde de tremoços, ½ Melão, 10 Garrafas de leite com chocolate – UCAL, 5 Caixas de vinho branco – Bonifácio – 10l cada, 4 Caixas de vinho tinto – Bonifácio – 10l cada, 2 Caixas vinho branco abertas – Bonifácio (10l), 2 Caixas vinho branco abertas – Bonifácio (10l), 16 Garrafas de água – Fastio (0,30l), 9 Caixas de cerveja – Sagres (24 garrafas cada), 1 Grade de cervejas Sagres Mini;
11. A exploração referida em 7), pela R., iniciou-se em 2 de Julho;
12. No dia referido em 5) os AA. tinham no balcão frigorífico alguns salgados, entre quatro a cinco pastéis de bacalhau, e um ou dois queijos, em valor concretamente não apurado;
13. Entre o dia 15.06.2009 e o dia 28.07.2009 a R. retirou do estabelecimento um fogão a gás de dois bicos, e um carrinho de mercadorias que uma cervejeira deixou no estabelecimento, os quais estão em seu poder;
14. Com frequência semanal a R. dirigia-se ao estabelecimento explorado pelos AA, sentava-se por vezes numa cadeira, por vezes consumia, e por vezes não;
15. O estabelecimento tem duas mesas no piso de cima e seis mesas no piso da cave que atende clientes;
16. Várias vezes a R. entrou no estabelecimento afirmando, aos gritos, que o estabelecimento era dela, que os AA. lhe deviam dinheiro de rendas;
17. A R. dizia aos AA, ao longo de meses, no interior do estabelecimento, à frente de quem se encontrasse, que lhe deviam dinheiro das rendas;
18. Com a conduta referida em 5) a R. pretendia pressionar os AA. a pagar os montantes em dívida que aqueles sucessivamente lhe prometiam pagar;
19. O dinheiro que correspondia à facturação do estabelecimento comercial era diariamente retirado pelos AA. ou pelo seu funcionário;
20. No dia 15.06.2009 os AA. tinham apenas como mercadorias no estabelecimento comercial, algumas garrafas de água em número não apurado, mas que foram consumidas num dia por duas pessoas, e um balde de tremoços;
21. Todos os outros bens referidos em 10) foram comprados pela R.;
22. Desde Março de 2008, os AA. efectuaram o pagamento de rendas nos valores referidos a fls. 143 a 153;
23. A R. aceitou qualquer pagamento que os AA. fossem fazendo, com vista a obter o pagamento das rendas que se encontravam em atraso.
 

II.2. Apreciando:

A - Recurso independente apresentado pelos AA..

II.2.1. Quanto à questão de saber se houve erro na apreciação das provas quanto à requerida indemnização por lucros cessantes, resultante do impedimento da exploração do estabelecimento.

Sustentam os AA./recorrentes que o Tribunal a quo errou ao absolver a R. do pagamento da indemnização de € 4.300,00, devido à privação da exploração do estabelecimento comercial entre 15.06.2009 e 28.07.2009, uma vez que “…os factos foram incorrectamente julgados e o Direito mal aplicado…”, tanto mais que “…o Tribunal fundou a sua convicção essencialmente no depoimento da testemunha R… …”, a qual, não só “…está zangada com os apelantes porque foi despedido por eles, como ainda não consegue um depoimento coerente o suficiente para repetir duas vezes a mesma versão…”. Assim, “…os factos provados permitiriam/impunham que o Tribunal julgasse em sentido diverso: ficou provado que a apelada ilegalmente impediu a exploração do café pelos apelantes durante 43 dias ao ter trocado a fechadura…”, tendo ficado demonstrado que “…a facturação média diária era de € 200,00, tendo os apelantes pedido a compensação dos seus danos em metade desse valor […]. Há documentos nos autos que o demonstram, estando devidamente identificados como sendo os relatórios da caixa do estabelecimento «…», o estabelecimento em causa nestes autos…” (Conclusões I, II, V, VI e VII das alegações de recurso – fls. 330/331).
Mais alegam que “…As testemunhas que acompanhavam os apelantes, que viam fechar e contar a caixa, confirmaram os valores que foram apresentados pelos apelantes…”, e que “…Ainda que assim não fosse, e demonstrada a conduta ilegal da apelada, alguma compensação, nos termos do art.º 566.º CC deveria ter sido arbitrada pelo Tribunal recorrido…” (Conclusões VIII e IX das alegações de recurso – fls. 331).
Nas suas contra-alegações, a R./recorrida sustenta, em síntese, que “…não se logrou provar qual o montante das receitas, despesas e lucro do estabelecimento…” (Conclusão B) das contra-alegações de recurso – fls. 359), que a prova documental não merece qualquer valoração, tanto mais que é suportada por meros talões de caixa registadora respeitantes a um período tempo muito limitado e que os depoimentos das testemunhas transcritos nos autos pelos apelantes em nada podem alterar a decisão, visto que tais testemunhas não foram suficientemente isentas, credíveis e idóneas. Por fim, o disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CC, só tem aplicação quando não se puder determinar o valor exacto dos danos, mas pressupondo sempre a prova destes, o que os recorrentes não conseguiram lograr (Conclusões C) a F) das contra-alegações de recurso - fls. 360).

Salvo melhor opinião, não têm os recorrentes razão.

Os recorrentes põem aqui em causa a decisão da ora recorrida no segmento em que a mesma não deu provimento ao seu pedido de indemnização na quantia de € 4.300,00, por danos patrimoniais derivados da impossibilidade de os AA. explorarem o estabelecimento em causa entre 15.06.2009 e 28.07.2009, impugnando, assim, o decidido quanto à resposta à matéria de facto constante do art.º 9.º da base instrutória,[1] factualidade essa que, no seu entender deveria ter sido dada como provada (fls. 312).
A sentença em causa considerou que, não obstante se ter provado essa privação de exploração devido a uma conduta ilícita por parte da R. (geradora de responsabilidade civil), o facto é que os AA. não lograram demonstrar o alegado rendimento diário de € 200,00 para, a partir daí, poderem exigir uma indemnização pelos lucros cessantes respeitantes ao período de tempo atrás mencionado.
Isto tem a sua razão de ser, porque o Tribunal a quo considerou como não provados os artigos 9.º, 10.º da base instrutória nos quais, justamente, se questionava o montante da facturação diária feita pelos AA. e qual a parte desse montante que era empregue em despesas com a manutenção e exploração do espaço (fls. 162).
Para isso, o Tribunal a quo, na fundamentação da resposta à matéria de facto, esclareceu que o valor da facturação diária foi objecto de “prova díspar” e que as duas primeiras testemunhas apresentadas pelos AA. (M… – a qual, aliás, nunca terá querido admitir ter trabalhado no estabelecimento - e I…), embora confirmando os valores avançados por estes, tiveram um “…discurso elaboradamente preparado, sem sustentarem o que afirmam, e sem explicação para que um estabelecimento tão rentável tivesse rendas em atraso…”, ao passo que R…, testemunha da R., e que trabalhou igualmente no estabelecimento em simultâneo com M…, afirmou que o rendimento diário não ultrapassava os € 80,00 (fls. 262/263).
Posto isto, o Tribunal a quo concluiu não ter ficado convencido com nenhuma das versões, tanto mais que, constituindo o estabelecimento em causa uma unidade económica, era suposto que os AA., que o exploravam, declarassem os seus lucros e despesas através dos elementos contabilísticos pertinentes, o que não sucedeu, sendo certo que lhes competia tal prova, nos termos do art.º 342.º do CC (fls. 263).
Vejamos, antes de mais, a prova testemunhal.
Em primeiro lugar, há que tecer algumas considerações sobre o que dizem os AA., relativamente à testemunha M…, uma vez que se mostram críticos da afirmação feita pelo Tribunal a quo de que a mesma trabalhou no café, embora nunca tendo querido admitir isso em Tribunal, alegando mesmo que: “…A única referência a que alguma vez a testemunha de M… tenha trabalhado no café, foi feita pela testemunha R…. Apenas. Não há qualquer outro indício de que tal tenha acontecido…” (fls. 305).       
Salvo o devido respeito, tais críticas são, no mínimo, irrelevantes, dado que na própria acta de julgamento, e relativamente à dita testemunha, consta, expressamente, quanto aos costumes, ser a mesma “… doméstica e amiga dos Autores, colaborando com os mesmos no estabelecimento comercial…” (fls. 248), sendo certo que não houve qualquer impugnação de tal redacção no momento e lugar próprios (art.o 635.º do CPC). Mais: é o próprio advogado dos recorrentes quem, ao inquirir a dita testemunha, afirma expressamente que: “…Uma vez que estava no fecho do café pergunto-lhe se faz alguma ideia do quanto aquele café rendia diariamente...” (transcrição trazida pelos próprios recorrentes a fls. 303). Por outro lado, são também os próprios recorrentes a afirmarem nas suas alegações que a dita testemunha ficava “…por vezes a ajudar a autora M… no atendimento e na contagem e verificação da caixa…” (fls. 311).
De tudo isto, resulta que o Tribunal nunca afirmou expressamente que tal testemunha tenha trabalhado para os AA., mas apenas que colaborou com os mesmos no estabelecimento em causa, conforme consta da acta a que atrás se fez referência. Para além disso, convenhamos que os termos usados pelos próprios recorrentes, e atrás mencionados, podem, efectivamente, criar a convicção de que a testemunha M…teria mesmo trabalhado para os AA., pelo que não é de estranhar o afirmado pelo Juiz a quo a fls. 262, aquando da fundamentação da resposta à matéria de facto.
A propósito da questão levantada pelos AA. acerca da errada valoração do depoimento das testemunhas dos recorrentes quanto às rendas em atraso, por parte do Tribunal, não detectámos indícios que apontem nesse sentido (fls. 304 e 310 a 311).
Ora, como é sabido está vedado a este Tribunal de recurso sindicar a íntima convicção formada pelo Tribunal a quo quanto à maior ou menor credibilidade que lhe mereceu o depoimento das testemunhas, sejam elas dos AA. ou da R.. Na verdade, os poderes que são conferidos ao Tribunal de segunda instância quanto à modificabilidade da decisão de facto (art.º 712.º do CPC) têm, obviamente, os seus limites,  constituindo exemplo destes, entre outros, os princípios da oralidade (art.º 652.º, n.º 3, do CPC), da imediação (art.os 621.º e 654.º, n.º 1, do CPC) e da livre apreciação da prova (art.º 655.º do CPC), designadamente da prova testemunhal (art.º 396.º do CC), princípios estes que devem nortear o julgamento da matéria de facto em primeira instância.[2]
Assim, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004[3], teceu as seguintes considerações: “…O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva. […] na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre […] – mas não arbitrária, porque motivada e controlável […];
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável […].
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova […].
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal […] permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão…” (sublinhado nosso).
Também Lebre de Freitas observa que “…Ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física no acto da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do Tribunal, e é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo…” (sublinhado nosso)[4].
E a jurisprudência cível vai no mesmo sentido, colhendo-se, entre muitos outros, do Acórdão do STJ de 19.05.2005, que “…É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo, mesmo em sede de matéria de facto, competindo-lhe antes ver se o tribunal a quo julgou bem tal matéria. Neste contexto, há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que presumem o acerto do decidido...”[5] (sublinhado nosso). No Acórdão da Relação de Évora de 22.04.2004[6], escreveu-se que: “…O erro de apreciação da matéria de facto é uma realidade diversa da discordância quanto ao convencimento do julgador…”. No Acórdão da Relação de Guimarães, de 28.06.2004, observou-se que: “…Quando o recorrente pretende apenas por em causa a livre apreciação da prova, substituindo essa convicção do julgador pela sua própria convicção, «escolhendo» os depoimentos que vão de encontro aos seus interesses processuais, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, pois que, cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Ao defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria, ao fim e ao cabo «por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros» (Damião da Cunha, O caso julgado Parcial, 2002, pág. 37)...”[7] (sublinhado nosso).
Em segundo lugar, observa-se que os AA. começam por dar a entender que as testemunhas por si apresentadas tinham pleno conhecimento dos factos em causa (fls. 303), para, depois, virem afinal esclarecer que a testemunha L… não tinha conhecimento de quanto rendia o café (fls. 305 e 306).
Por fim, e no que toca à testemunha da R., R…, também não valem os argumentos aduzidos pelos AA.. Assim, e no que concerne a uma dita valoração mais favorável do Tribunal a quo quanto ao depoimento desta testemunha, no que a esta matéria respeita (fls. 306), apenas se pode dizer que tal afirmação se baseia num manifesto equívoco: tal como já atrás se disse, perante a disparidade dos depoimentos prestados, o Tribunal a quo acabou por não ter ficado convencido com nenhuma das versões, conforme resulta claramente da fundamentação da resposta à matéria de facto, a fls. 263.
Estamos em crer que tal equívoco em que os AA. incorrem, partirá de uma errada interpretação que os mesmos fazem da fundamentação à resposta da matéria de facto em que, também a fls. 263, se afirma que “…a testemunha R…, num depoimento que em tudo mereceu credibilidade…”, conforme os mesmos alegam a fls. 306. Ora, é por demais manifesto que o Tribunal a quo se está unicamente a referir à resposta dada ao art.º 4.º da base instrutória, conforme se retira das palavras que antecedem e também as que seguem àquela afirmação: “…Quanto aos objectos referidos em 4.º […] explicou detalhadamente o que sucedeu a cada um dos objectos”. Portanto, o depoimento da dita testemunha que “em tudo mereceu credibilidade”, refere-se apenas e tão-somente à resposta dada àquela factualidade, nada mais.
Quanto ao facto da dita testemunha se encontrar “zangada com os apelantes porque foi despedida por estes” (Conclusão V das alegações de recurso – fls. 330), cumpre dizer apenas o seguinte: nas transcrições juntas pelos próprios recorrentes a este respeito, a testemunha em causa apenas afirma que está zangada “…com a D.ª E.... e com a D.ª L....…” (fls. 311), ou seja, com apenas um dos apelantes (M…), e uma das testemunhas destes (M…); tal facto, aliás, não ficou a constar sequer da acta de julgamento respectiva (fls. 249), não tendo havido qualquer reparo nesse sentido (art.º 635 do CPC), como se impunha aos AA..
Na verdade, e tal como tem entendido a jurisprudência, para tal existe o mecanismo legal do incidente da impugnação, nos termos dos art.os 636.º e 637.º do CPC. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 11.01.2001, sustentou que: “…O recurso da sentença não é a altura própria para se pôr em causa o depoimento de uma testemunha: para tanto consagra a lei, nos art.os 636.º, 637.º, 640.º, 641.º, do CPC, os incidentes da impugnação e da contradita, deduzíveis em plena audiência de julgamento e destinados a impedir a admissão da testemunha ou a abalar a credibilidade do seu depoimento…”[8] (sublinhado nosso).   
Não obstante, sempre se dirá que o facto de uma dada testemunha se encontrar zangada com alguma das partes, não implica necessariamente que a mesma não diga a verdade e que não possa depor com a isenção e credibilidade que dela se espera.
Ora, e no que tange à maior ou menor credibilidade atribuída pelo Tribunal a quo ao depoimento da testemunha R…, reitera-se tudo o que atrás se expôs sobre esta matéria, sendo certo que, repita-se, nesta particular factualidade, o Tribunal não ficou convencido com qualquer das versões apresentadas.
Em todo o caso, e tendo em conta as transcrições apresentadas pelos próprios recorrentes em matéria de prova testemunhal (fls. 303 a 312), afigura-se-nos que outra resposta não poderia ter sido dada pelo Tribunal a quo ao art.º 9.º da base instrutória, que não a de “Não provado”, dada a disparidade de versões e as próprias incertezas das testemunhas ou mesmo - como no caso da testemunha L… - o absoluto desconhecimento.
Aliás, competindo aos recorrentes cumprir o estabelecido no art.º 685-B.º, do CPC, quanto à indicação das passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas, e tendo optado pela respectiva transcrição, é de notar que nenhuma das transcrições relativas à testemunha I… constantes dos autos é esclarecedora quanto ao que a dita testemunha sabia ou deixava de saber quanto a esta matéria.
Enfim, dadas as versões contraditórias das testemunhas M… e R… e sendo certo que, como já se disse, não pode este Tribunal de recurso sindicar a íntima convicção do julgador de primeira instância no tocante à maior ou menor credibilidade dos depoimentos das testemunhas em causa, a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer censura. Neste sentido, é bom lembrar, por exemplo, o que se sustentou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13.07.2005: “…Havendo contradições nos depoimentos das testemunhas, só o juiz do julgamento [de 1.ª Instância] está devidamente habilitado para apreciar qual deles merece melhor crédito tendo em atenção a imediação e a oralidade da prova…”[9].

Examinemos, agora, a prova documental.
Sustentam também os recorrentes que a documentação por eles trazida aos autos a fls. 227 a 244, e que consiste em alguns relatórios (ou talões) de caixa, respeitantes a certos períodos de tempo, seriam, por si só, suficientes para demonstrar que, em média, a facturação diária do estabelecimento era de € 200,00.
Salvo o devido respeito, discordamos.
Na verdade, os documentos em causa referem-se apenas, e tão-somente, a determinados períodos de tempo, mais exactamente a um dia do mês de Novembro de 2008, a dez dias de Dezembro de 2008, e a quatro dias do mês de Maio de 2009 (fls. 301), e consistem em meros talões de caixa.
Ora, afigura-se-nos que o tipo de documentos em causa e as curtas fracções temporais pelos mesmos abrangidas (e, para mais, com largos intervalos de tempo) são insuficientes para se fazer a cabal demonstração da facturação diária do estabelecimento em causa no período de 01.09.2007 a 15.06.2009, ainda por cima desacompanhados de quaisquer outros elementos probatórios.
Tal como observou o Tribunal a quo na sua fundamentação à resposta da matéria de facto “…a segurança jurídica obriga a que, sendo o estabelecimento uma unidade económica, explorada em nome próprio dos AA. ou por empresa, pago os seus impostos, declare os seus lucros, as suas despesas e, por via dessa sua contabilidade, demonstrasse quais eram os seus rendimentos (lucros ou prejuízos) diários, mensais ou anuais. E nenhum elemento contabilístico foi apresentado…” (fls. 263). Ou seja, cabia aos AA./recorrentes apresentarem os indispensáveis e necessários documentos contabilísticos e fiscais, únicos documentos idóneos e fiáveis para a demonstração da alegada facturação.
Assim, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo também quanto a esta matéria.
Pretendem ainda os recorrentes que, tendo o Tribunal a quo dúvidas quanto ao valor exacto a fixar, era-lhe exigível lançar mão do mecanismo legal previsto no art.º 566.º, n.º 3, CC, tanto mais que demonstrada ficou a conduta ilegal da recorrida, como o próprio tribunal reconhece.
Salvo melhor opinião, não têm os recorrentes razão.
A referida disposição legal tem a seguinte redacção: “…Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados…” (sublinhado nosso).
No caso sub judice são invocados danos patrimoniais relativos a alegados lucros cessantes, em virtude da privação da exploração do estabelecimento de que foram vítimas os AA..
Como se estabelece na lei (art.ºs 483.º, 562.º, 564.º e 798.º, do CC), a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos patrimoniais sofridos, abrange não apenas os chamados danos emergentes (ou seja, o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão), mas também os chamados lucros cessantes (ou seja, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão), tal como se refere expressamente no art.º 564.º, n.º1, do CC: “…O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão…”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, a distinção entre os danos emergentes e os lucros cessantes é a de que “…Os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património (já existente) do lesado; os segundos, aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património…”, advertindo, ainda, que “…O lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado «não obteve», mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o facto lesivo…”[10].
No entanto, é preciso não esquecer que, face à própria letra do preceito legal em causa, exige-se sempre a prova da existência dos danos, só dispensando a do respectivo montante, tal como unanimemente têm sustentado, quer a doutrina, quer a jurisprudência.
Assim, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela que, “…O disposto no n.º 3 [do art.º 566.º CC] não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade…” (sublinhado nosso)[11].
E a jurisprudência neste sentido é vastíssima, podendo-se citar, a título de mero exemplo, o Acórdão do STJ de 12.01.1984 (BMJ, 333.º-413 e RLJ, 121.º-26, com anotação de Antunes Varela) e o Acórdão do STJ de 14.02.1991 (AJ, 15.º/16.º-29).
Ora, como atrás de viu, os AA. não conseguiram fazer a demonstração dos alegados lucros cessantes, uma vez que nada se provou quanto a lucros, despesas ou prejuízos sofridos.
Em suma, não foram sequer concretizados os alegados danos sofridos pelos AA., sendo de notar, aliás, que os recorrentes não impugnaram a resposta negativa dada ao artigo 10.º da base instrutória[12], limitando-se, como se viu, a pedir a alteração da resposta dada ao artigo 9.º da mesma (fls. 312), alteração essa que, mesmo no sentido pretendido pelos AA., não implicaria necessariamente que se desse também como provada a factualidade constante do artigo 10.º.
Assim, não merece censura a sentença quando decidiu no sentido de que “…não se provou quanto rendia o estabelecimento, nem em quanto orçavam as despesas e em quanto se traduzia o lucro, se é que este existia. E não se provando que o estabelecimento dava lucro, qualquer que fosse (pois o apuramento da quantia poderia ser relegado para liquidação se tivesse sido provado um lucro)[13], tem de improceder o pedido dos AA. por inexistir um lucro cessante provado…” (fls. 276).
Improcede, assim, o alegado pelos recorrentes quanto a esta questão.

  II.2.2. Quanto à questão de saber se houve erro na apreciação das provas quanto à existência de rendas em atraso.

Alegam os AA./recorrentes que “…apresentaram documentos de prova dos pagamentos feitos nos últimos meses de contrato…”, e que a R./recorrida “…limitou-se a mater a tese de que havia rendas em atraso, sem quantificar o valor, nem os meses a que se referiram essas rendas…”, sendo certo que a “… não quantificação do pedido, [...e] a fixação dos alegados meses em falta não puderam os apelantes procurar prova que contrariasse tal alegação…” (Conclusões X, XI e XII das alegações de recurso – fls. 331/332). Esta situação teria sido agravada pelo facto de a R. se recusar a passar recibos, o que, nos termos do art.º 344.º do CC, implica a inversão do ónus da prova.
Mais sustentam que foi produzida prova testemunhal que confirma o pagamento integral das rendas, designadamente através de entregas em dinheiro (Conclusões XIII a XV das alegações de recurso – fls. 332). Por fim, levantam a questão de o Tribunal a quo não ter sequer considerado como não devidas as rendas respeitantes ao período durante o qual os AA. estiveram impedidos de explorar o estabelecimento em causa, ou seja, de 15 de Junho do 2009 a 28 de Julho de 2009, colocando-se, pois, a questão da aplicação do art.º 1040.º do CC (fls. 320 a 321 e 327 a 328).
  Por sua vez, a R./recorrida contra-alega, em síntese, no sentido de que “…Não há qualquer inversão do ónus da prova, como pretendem os apelantes, pois que – além de se não ter provado que a apelada não emitia recibos – é evidente que a apelada não tornou impossível a prova dos apelantes, pois estes provaram os pagamentos que efectivamente efectuaram através da apresentação de outros documentos que não os recibos…”, e que “…Das transcrições dos depoimentos das testemunhas, no que concerne ao pagamento das rendas, também não resulta, directa ou indirectamente, qualquer prova de que a apelante tivesse efectuado pagamentos em dinheiro, o respectivo montante ou periodicidade…” (Conclusões M e N das contra-alegações de recurso – fls. 361).
O segmento decisório posto agora em causa é o constante a fls. 264 a 265, onde se refere que “…Quanto ao pagamento de rendas, a desorganização no seu modo de pagamento foi extensível à sua prova. As testemunhas I… e M… referiram que, por vezes, a A. dizia que ia pagar à R. a renda, sem que soubessem se o fazia mesmo, e por inteiro. Do seu depoimento, ficou a ideia de que a A. ia pagando quando podia, e quanto podia. E a R., como referiu J…, ia aceitando, pois era melhor ter algum dinheiro das rendas do que nenhum. Mas provar que a R. emitia ou não os recibos, nada foi dito, e provar e comprovar de forma clara e linear o pagamento das rendas, de igual modo, não foi feito. Ficou, assim, o depoimento de J… a aceitar que algo foi pago, e os documentos de fls. 143 a 153, atestando pagamentos, sem que, em audiência, qualquer prova clara de pagamento tivesse sido feita…”[14].
Relativamente à prova documental, em relação à qual, aliás, não existe discórdia, o Tribunal a quo deu apenas como provado que “…Desde Março de 2008, os AA. efectuaram o pagamento de rendas nos valores referidos a fls. 143 a 153…” (facto n.º 22).
E, efectivamente, dos autos apenas constam os referidos documentos de fls. 143 a 153, os quais se referem, respectivamente, a:
- Uma declaração passada pela R., datada de 08.09.2008, em que declara ter recebido da A. M… a quantia de € 1.400,00, referente a rendas em atraso (fls. 143);
- Sete talões do Banco … que documentam depósitos em numerário feitos na conta do marido da R., J… [conta n.º ...];
11.06.09 - € 560,00 (fls. 144);
04.05.09 - € 340,00 (fls. 145);
05.05.09 - € 70,00 (fls. 146);
02.06.09 - € 790,00 (fls. 147);
12.06.09 - € 430,00 (fls. 148);
12.08.09 - € 50,00 (fls. 149);
18.08.09 - € 610,00 (fls. 150);
- Uma transferência bancária, feita no Banco …, em 23.04.09, no montante de € 1.000,00, para a já referida conta do marido da R., J… (fls. 151);
- Dois talões do Banco … que documentam depósitos em numerário feitos na conta do marido da R., J… [conta n.º ...];
23.04.09 - € 220,00 (fls. 152);
27.04.09 - € 200,00 (fls. 153);
Esta é, pois, a única prova documental feita pelos AA. do pagamento de determinadas quantias por conta das rendas devidas, sendo certo que os documentos de fls. 151 a 153 vêm confirmar os pagamentos que a própria R. havia admitido ter recebido dos AA. (art.º 61.º da contestação – fls. 90) e, é claro, foram determinantes para a resposta que o Tribunal a quo deu aos artigos 27.º e 28.º da base instrutória[15].
Já no que toca à prova testemunhal entendemos, salvo melhor opinião, que os recorrentes não têm razão.
Como atrás já se referiu, compete aos recorrentes cumprir o estabelecido no art.º 685-B.º, do CPC, quer quanto aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quer quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre esses mesmos pontos de facto, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Verifica-se que os recorrentes optaram pela respectiva transcrição (fls. 313 a 322) e, no que se refere aos concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, vêm esclarecer que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o artigo 29.º da base instrutória[16] (fls. 322), acrescentando, ainda, que também teria que “…ter considerado como provado que os apelantes efectuaram vários pagamentos em dinheiro à apelada para lá dos depósitos e transferências bancárias titulados pelos documentos de fls. 143 a 153…” (fls. 322), o que parece apontar para os já referidos artigos 27.º e 28.º da base instrutória.
Ora, examinando as transcrições em causa, afigura-se-nos que não merece censura o decidido pelo Tribunal quanto às respostas dadas aos artigos 27.º a 29.º da base instrutória.
Efectivamente, nenhuma das testemunhas em causa consegue concretizar se o pagamento das rendas foi feito na totalidade ou a forma como o mesmo foi feito ou, ainda, a questão dos recibos.
Assim, a testemunha M… apenas pôde dizer que “muitas vezes” a A. ia a casa da R. com dinheiro para pagar as rendas, não sabendo indicar quantias nem tão pouco datas precisas, sendo certo que o que interessava saber era que pagamentos foram feitos após Março de 2008. Mais, é a própria testemunha que afirma que nunca acompanhou a A. nessas deslocações a casa da R. (fls. 313 a 314).  
O mesmo se passa com a testemunha I…, a qual igualmente admite não ter presenciado quaisquer pagamentos, limitando-se a dizer que via a A. ir a casa da R. “para pagar” (fls. 315 a 316).
O depoimento da testemunha L… é ainda mais vago, pois limita-se apenas a referir o que ouviu dizer da A. (fls. 316).
Quanto à testemunha R…, a mesma apenas se limitou a dizer que a A. lhe ordenou para, todos os dias, pôr € 25,00 de parte para aquela os dar à R., sem referir a que título foram feitas essas presumíveis entregas (fls. 317).
Enfim, no que toca à testemunha J…, marido da R., o mesmo refere efectivamente uma única entrega em dinheiro mas, ao que tudo indica, em data anterior ao período em questão, uma vez que tudo indica que faz referência ao primeiro mês do contrato (fl. 317).
Note-se que, nas transcrições em causa, nenhuma das testemunhas atrás referidas, à excepção da última, conseguiu esclarecer se as rendas estavam todas pagas ou por pagar, apenas tendo o marido da R. afirmado que a quantia em dívida era avultada (fls. 318).
Em suma, e no que toca à questão de haver ou não rendas em atraso, as referidas testemunhas nada puderam esclarecer, pelo que subsiste apenas a prova documental já atrás referenciada. Assim, não vemos razão para alterar as respostas dadas pelo Tribunal a quo à matéria de facto constante dos artigos 27.º e 28.º da base instrutória, sendo certo que na fundamentação à resposta à matéria de facto, o Juiz a quo, esclarece o seguinte, em relação à própria testemunha M…: “…afirma peremptoriamente que rendas em atraso efectivamente havia, e sabe, diz a própria, não sabendo porém o valor…” (fls. 262).
Quanto à questão dos recibos, não vemos igualmente razão para alterar o que foi decidido pelo Tribunal a quo, quanto ao artigo 29.º da base instrutória, já que as transcrições dos depoimentos das testemunhas atrás referidas nada esclarecem. Aliás, só três das testemunhas fazem referências aos recibos: L…, a qual se limita a dizer que achava que a A. “...não tinha documentos, que a senhora [a R.] não lhe passava recibos, ou não quê...” (fls. 316), J.., que se limitou a dizer que a R. “…passava recibos à D.ª E…… Alguns… Não sei quantos. Os documentos estão numa caixinha que eu não mexo nela…” (fls. 321), e I…, que se limitou a referir que “…A D.ª E…dizia que pagava e que a senhora [a R.] prometia dar os recibos e depois não lhos entregava…” (fls. 322). Como se vê, para além da enorme imprecisão e incerteza dos referidos depoimentos, nenhuma das testemunhas consegue sequer avançar com datas, designadamente quanto ao período posterior a Fevereiro de 2008.
Finalmente, e no que toca às considerações tecidas pelos recorrentes (fls. 317 a 319) quanto à qualificação feita pelo Tribunal a quo ao depoimento da testemunha J… (fls. 263), reitera-se tudo o que atrás se afirmou acerca da impossibilidade de sindicar a convicção formada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto ao carácter, credibilidade e fiabilidade das testemunhas ouvidas.
Sustentam ainda os recorrentes que, dado o facto de a R. se recusar a passar recibos, tornou impossível aos recorrentes conseguirem fazer a prova do pagamento da totalidade das rendas, o que, no seu entender, e nos termos do art.º 344.º, do CC, implicaria a inversão do ónus da prova, passando agora a competir à R. a demonstração e prova de quais as rendas ainda em atraso.
Salvo melhor opinião, também aqui os recorrentes não têm razão.
Nos termos do art.º 264.º, do CPC, compete “…Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções…” (n.º 1), acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que “…O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa…”.
Por outro lado, e nos termos do art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC, quem invoca um direito tem de provar os factos constitutivos do direito que se arroga, competindo, ao invés, à contraparte fazer a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.
Ora, no caso sub judice, a R., como peticionante do pedido reconvencional, alegou os factos relativos às rendas em dívida e os AA. alegaram os factos integradores da excepção, ou seja, do pagamento da totalidade das rendas (art.º 264.º do CPC).
Cabia, portanto, à R. fazer a prova de que havia rendas em atraso e aos AA. a prova de que tinham pago a totalidade das rendas (art.º 342.º, nºs 1 e 2, do CC), pelo que mal se compreende a argumentação dos AA. quanto a uma inversão do ónus da prova, no sentido de ter que ser a R. a “…demonstrar que valores estariam em dívida…” (Conclusão XIII – fls. 332).
De qualquer modo, o art.º 344.º, n.º 2, do CC, dispõe que há “…inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado…”, ou seja, necessário seria que tivesse ficado provado que a R. teria recusado passar os recibos de renda a partir de Fevereiro de 2008, para os AA. ficarem desonerados da prova do pagamento das rendas.
Ora, como se viu, tal não foi o caso, dada a resposta negativa ao artigo 29.º da base instrutória, onde se perguntava se desde Fevereiro de 2008 que a R. não emitia recibos de pagamento. Aliás, e como observa a recorrida, seria difícil sustentar a tese da impossibilidade da prova, quando o certo é que os AA. acabaram por fazer prova do pagamento de, pelo menos, parte das rendas, através dos documentos por eles próprios juntos aos autos a fls.143 a 153, sem necessidade, portanto, de exibir os correspondentes recibos.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, “O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar como deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto…”[17].
Não houve, pois, erro na apreciação da prova testemunhal quanto à existência de rendas em atraso por parte do Tribunal a quo, improcedendo o alegado pelos AA. também quanto a este ponto.

II.2.3. Quanto à questão de saber se o pedido reconvencional apresentado pela R. é inepto.

Alegam os AA. que a R., no pedido reconvencional, “…limitou-se a manter a tese de que havia rendas em atraso, sem quantificar o valor nem os meses a que se refeririam essas rendas...”, concluindo, pois, que tal pedido deveria ter sido julgado inepto, nos termos do art.º 467.º do CPC (conclusão XI das suas alegações de recurso), tanto mais que “…[Com] A não quantificação do pedido nem a fixação dos alegados meses em falta não puderam os apelantes procurar prova que contrariasse tal alegação…” (conclusão XII das suas alegações de recurso). 
Com efeito, defendem, a tal pedido é aplicável o estabelecido no mencionado artigo, ou seja, designadamente “…Expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção…”, e “…Formular o pedido…” (als. d) e e) do n.º 1 do art.º 467.º do CPC). Não tendo quantificado o pedido, a R. impediria os AA. de se poderem defender devidamente, pois teriam que saber qual o montante das alegadas rendas em dívida e o período a que se reportam.
Salvo melhor opinião, não têm os apelantes razão.
Com efeito, e à luz do princípio do dispositivo (art.º 264.º CPC), “…Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções…” (n.º 1), acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que “…O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa…”.
Por outro lado, dispõe o art.º 193.º, n.º 2, a), do CPC que “…Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir…”.
Por fim, e nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC, quem invoca um direito tem de provar os factos constitutivos do mesmo.
Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm distinguido claramente a situação da petição inepta da daquela simplesmente irregular ou deficiente, no sentido de que só a falta ou a ininteligibilidade absolutas do pedido ou da causa de pedir acarretam a ineptidão.
Assim, já Alberto dos Reis defendia que “…Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficienteQuando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga...”.[18] 
Por seu lado, também a jurisprudência se tem pronunciado em igual sentido, podendo citar-se, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18.02.1980, no qual se defendeu que “…Não é inepta, mas simplesmente irregular ou deficiente a petição em que o autor exprime correctamente o pedido e a causa de pedir mas omite factos positivos e concretos necessários para o reconhecimento do seu direito…”[19], o Acórdão da Relação de Évora de 13.06.1991, no qual se pode ler “…O que acarreta a ineptidão da petição inicial é a falta de causa de pedir e não a insuficiência dos factos alegados para a integrar…”[20], o Acórdão da Relação de Coimbra de 14.02.1995, em que se sufragou o entendimento de que “…As deficiências substanciais traduzidas na incompleta ou insuficiente articulação dos factos podem não obstar a que se conheça a causa de pedir (e, por isso, não dar lugar a ineptidão da petição inicial) mas terão antes como consequência a improcedência da acção…”[21], o Acórdão do STJ de 19.11.2002, onde se pode ler “…A mera deficiência da causa de pedir, traduzida na omissão de facto necessário ao reconhecimento do direito do autor, não acarreta a ineptidão da petição inicial, conduzindo antes ao soçobro da acção…[22], o Acórdão do STJ de 15.01.2003, no qual se afirma que “…A ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir consiste na sua indicação em termos verdadeiramente obscenos ou ambíguos, por forma a não se saber, concreta e precisamente, o que pede o autor e com base em que é que o pede. É pelo conteúdo da petição inicial que se afere da sua ineptidão quanto ao pedido e causa de pedir (falta ou ininteligibilidade) e não pelo entendimento que o réu faz da sua viabilidade, nomeadamente do entendimento da validade jurídica que […] atribui ao pedido do autor e aos factos em que este o funda, por constituir defesa por impugnação e levar, se aceite, à improcedência do pedido…”[23], ou, ainda, o Acórdão da Relação de Évora de 29.04.2004, no qual se sublinhou que situações mais graves em que o vício da petição inicial corresponde a uma verdadeira ineptidão, é motivada por “…ausência de causa de pedir, pela sua ininteligibilidade, pela contradição ente causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido…”[24].   
Ora, procedendo à análise da factualidade exposta pela R. no seu pedido reconvencional (art.os 55.º a 69.º da contestação – fls. 89-91), verifica-se que, após enunciar qual o tipo de contrato celebrado com os AA. (cessão de exploração de estabelecimento), a sua duração (dois anos) e o montante mensal da renda (€ 610,00), vem depois concretizar que “…Não obstante alguns atrasos no pagamento mensal da contrapartida pela cessão de exploração do estabelecimento, os reconvindos foram pagando a mesma até Março de 2008…” (art. 59.º), e que “…Desde a referida data, os reconvindos apenas efectuaram três pagamentos por conta daquela contrapartida…” (art.º 60.º), e ainda que “…Efectuaram dois pagamentos em 23 de Abril de 2009, nos montantes de € 1.000,00 e € 220,00 e outro pagamento em 27 de Abril de 2009, no montante de € 200,00…” (art.º 61.º), para depois concluir que “…Encontra-se, pois, em dívida o montante correspondente aos meses de Abril de 2008 a Outubro de 2009, no montante global de € 10.980,00 (dez mil novecentos e oitenta euros – € 610,00 x 18 meses)...” (art.º 62.º).
Acrescenta ainda a R. que “… Deduzido o montante dos pagamentos efectuados (€ 1.420,00) os reconvindos são ainda devedores do montante de € 9.560,00…” (art.º 63.º), e que, nos termos do art.º 1041.º do CC, “…Os reconvindos devem ainda um montante de € 4.780,00, a título de indemnização pelo atraso no pagamento da contrapartida pela cessão de exploração, que corresponde a 50% do montante em dívida…” (art.º 64.º).
Finalmente, acaba por invocar a admissibilidade do pedido reconvencional em causa, por emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção intentada pelos AA., ou seja, o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial que celebraram com a R., nos termos do art.º 274.º CC (art.os 67.º e 68.º).  
Como facilmente se constata, o pedido e a causa de pedir encontram-se perfeitamente delineados, de tal modo que o Tribunal a quo não teve dúvidas em admitir o pedido reconvencional em causa[25] e, após efectuado o julgamento, julgá-lo parcialmente procedente, condenando os AA. no pagamento da quantia de € 7.905,00.
É, pois, inteiramente destituída de qualquer razão a pretensão dos AA. no sentido da ineptidão, com a alegação de que “…Não deveria o Tribunal recorrido ter-se contentado com a mera alegação de que há rendas em atraso…”, ou ainda de que o modo como o pedido está formulado “…impede manifestamente que os apelados se possam defender devidamente…” (fls. 326).  
De qualquer modo, sempre se dirá que está vedado aos AA. levantar agora a questão da ineptidão no presente recurso.
Efectivamente, e compulsados os autos, verifica-se que não levantaram tal questão no momento e lugar próprios, ou seja, na réplica que apresentaram a fls. 119 a 139 (designadamente, os art.os 24.º e segs.).
Ora, a ineptidão da petição inicial acarreta nulidade do processo, a qual tem que ser arguida pela contraparte (R. ou A. reconvindo) na contestação ou, tratando-se de um pedido reconvencional, na réplica (art.os 193.º, n.os 1, 2, a) e 3, 204.º, n.º 1 do CPC).
E, mesmo sendo uma nulidade de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode pronunciar-se sobre ela até ao despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até à sentença final (art.os 202.º e 206.º, n.º 2 do CPC)[26], o que, no presente caso, não sucedeu.
Improcede, assim, o alegado pelos AA. quanto a este ponto.

II.2.4. Quanto à questão de saber se são devidas as rendas relativas ao período em que os AA. estiveram privados do gozo do estabelecimento

Já no que toca, porém, a esta questão, entendemos que assiste razão aos recorrentes.
Com efeito, consistindo a locação num contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a proporcionar à outra (locatário) o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art.º 1022.º do CC), uma das obrigações do locador consiste, precisamente, em assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina [art.º 1031.º/b) CC].
De tudo isto, decorre que, nos termos do art.º 1037.º do CC, “…o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso…” (n.º 1), sendo certo que “…O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes…” (n.º 2).
Foi isto o que sucedeu no caso em apreço, conforme se retira, designadamente, dos factos provados sob os n.os 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 18: os AA. lançaram mão de um procedimento cautelar de restituição provisória da posse (apenso aos presentes autos), tendo estado privados do gozo do locado no período compreendido entre os dias 15.06.2009 e 28.07.2009, tendo a R.  explorado ela própria o estabelecimento durante o mês de Julho.
Ora, para além de facultar ao locatário privado do gozo da coisa os meios legais necessários para recuperar a posse, a lei estabelece também certas consequências para o locador, quando este é o responsável por essa privação, sendo justamente uma delas a da redução da renda[27].
Assim, o art.º 1040.º, n.º 1, do CC, estabelece que “…Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda […] proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta…”.
Este preceito legal tem como fundamento o carácter sinalagmático do contrato de locação, constituindo um afloramento do instituto da excepção de não cumprimento do contrato, previsto nos art.os 428.º a 431.º do CC, ou seja, a faculdade atribuída a um dos contraentes (neste caso, o locatário), num contrato bilateral, e em que não haja prazos diferentes para realização das prestações, de recusar a prestação a que se encontra obrigado (neste caso, o pagamento da renda), enquanto o outro (no caso, o locador), não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. Daí que, se no decurso do contrato, o locador não proporcionar ao locatário o gozo da coisa, pode este último suspender o pagamento das rendas[28]. Esta suspensão pode ser total, quando a conduta do locador “…exclua por completo o gozo da coisa locada, sendo que, em caso de privação parcial do gozo, é admissível tal suspensão de pagamento desde que parcial e proporcionada àquela privação…”[29].
Ora, tendo ficado provado que os AA. ficaram privados do gozo da coisa, isto é, da exploração do estabelecimento, no período que mediou entre 15 de Junho e 28 de Julho de 2009, por facto imputável ao locador, ou seja, à R., é patente o seu direito a verem reduzido o montante em que foram condenados pelo não pagamento das rendas entre Março de 2008 a Agosto de 2009 (€ 5.310,00), na exacta proporção do tempo da privação, ou seja, 43 dias e, consequentemente, a verem igualmente reduzido, proporcionalmente, o montante respeitante à indemnização de 50% em que foram condenados.  
Procede, pois, o alegado pelos AA. quanto a este ponto.        

II.2.5. Quanto à questão de saber se há lugar ao pagamento de indemnização, por força do art.º 1041.º CC.

Sustentam os AA./recorrentes que “…Não havendo rendas em atraso, não há lugar à aplicação do art.º 1041.º/1 CC…”, para além de que, de todo o modo, “…a mudança da fechadura, embora ilegal, resultou na resolução do contrato: sem dúvida a intenção da apelada foi fazer cessar o contrato. Ficou demonstrado que o único fundamento para a substituição da fechadura, embora ilegal, terá sido a falta de pagamento de rendas...”, pelo que “…parece evidente que a (alegada) falta de pagamentos de renda determinou a resolução do contrato por parte da apelada. Não teria, pois, aplicação a disposição do art.º 1041.º do CC…” (Conclusões XVI, XVII e XVIII das alegações de recurso – fls. 332/333).
Por sua vez, a R./ recorrida defende que “…As rendas em atraso determinam, e bem, a aplicação do art.º 1041.º CC…”, uma vez que o “…contrato de cessão de exploração celebrado entre apelantes e apelada não foi resolvido com a troca da fechadura do estabelecimento por parte desta…”, pelo que a “…cessação do contrato resultou da denúncia (oposição à renovação) efectuada pelos próprios apelantes (ponto D da matéria de facto provada)...” (Conclusões O, P e Q das contra-alegações de recurso – fls. 361).
Para sustentar a não aplicação do art.º 1041.º, n.º1, do CC, os recorrentes estribam-se em dois argumentos: que não existem quaisquer rendas em atraso e que, de qualquer modo, a R. resolveu o contrato em 15.06.2009, ao mudar a fechadura do estabelecimento, impedindo os AA. de continuarem a explorá-lo.
Salvo melhor opinião, entendemos que os recorrentes não têm razão.
O primeiro dos argumentos está, desde logo, posto de parte, uma vez que, como já atrás se viu, existem efectivamente rendas em atraso.
Quanto ao segundo, entendem os AA. que a conduta da R., consistente na mudança da fechadura e na consequente privação da exploração do estabelecimento, demonstra, inequivocamente, que a R. não estava interessada na manutenção do contrato, constituindo, portanto, por parte dela, uma verdadeira resolução do mesmo, tendo, é claro, como fundamento a falta de pagamento de rendas por parte dos AA.. Ou seja, estaria, assim, preenchida a excepção atrás referida, o que obstaria à pretendida indemnização.
O art.º 1041.º, n.º 1, do CC, tem a seguinte redacção: “…Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento…” (sublinhado nosso).
Pires de Lima e Antunes Varela, assinalam a este propósito, que o locatário se constitui em mora “…sempre que, por um motivo que lhe seja imputável, não tenha efectuado o pagamento (art.º 804.º, n.º 2)…”, salientando, ainda, que “…esta indemnização, correspondente à falta de cumprimento pontual da principal obrigação contraída pelo locatário, representa uma forma criteriosa de conciliação entre o interesse do locador ao rendimento periódico do prédio e o interesse, individual e colectivo, da estabilidade da habitação…”.[30]
A resolução constitui uma das formas de extinção do contrato de locação, consistindo numa “…manifestação de uma das partes à outra com objectivo de pôr termo imediato ao contrato, e funda-se no incumprimento contratual da contraparte ou na ocorrência de um facto que lei considera como justificativo dessa cessação imediata. Os seus fundamentos encontram-se previstos nos artigos 1047.º a 1050.º e 1083.º a 1085.º do CC, 36.º, n.º 3, da NLAU, e 5.º, n.º 7.º, do Decreto-Lei 160/2006, de 08-08 …”[31].
É, pois, uma forma de extinção do contrato por vontade unilateral e vinculada a um fundamento legal ou convencional de um dos contraentes e que, em regra, pode fazer-se mediante declaração à outra parte, nos termos do art.º 436.º, n.º 1, do CC[32].
A este propósito, o contrato celebrado entre AA. e R. apenas previu, na sua cláusula 8.ª, que “…a eventual resolução antecipada será comunicada às partes com a antecedência de noventa dias, salvo circunstâncias de força maior e fora de domínio dos outorgantes…” (fls. 31).
Entendem os AA. que, com a mudança da fechadura, foi intenção da R. fazer cessar o contrato e, invocando, justamente, o art.º 436.º, n.º 1, do CC, vêm afirmar que “…não pode duvidar-se de que os apelantes perceberam bem a vontade da apelada quando perceberam que a fechadura tinha sido trocada…” (fls. 329).
É, no mínimo, bastante duvidoso que se possa interpretar a conduta da R. como uma verdadeira declaração de resolução.
Em primeiro lugar, porque não existe uma expressão inequívoca dessa vontade, tanto mais que ficou provado que, com tal conduta, “…a R. pretendia pressionar os AA. a pagar os montantes em dívida que aqueles sucessivamente lhe prometiam pagar…” (facto n.º 18), tudo apontando, portanto, no sentido do interesse na manutenção do contrato.
Em segundo lugar, porque provado igualmente ficou que, na sequência da conduta da R., os AA. lançaram mão da providência cautelar de restituição de posse, tendo logrado que lhes fosse restituída a posse do estabelecimento. Além disso, continuaram a explorá-lo até ao termo do contrato, ou seja, até 08.10.2009, já que, apesar de terem denunciado o contrato por carta datada de 18.06.2009, os seus efeitos só se operariam para essa data, conforme se pode constatar do doc. de fls. 38 (factos provados sob os n.os 1, 4, 5, 6, 7 e 8).
Ou seja, os AA. quiseram voltar a explorar o estabelecimento e acabaram mesmo por fazê-lo, o que significa que, de modo algum, consideraram ter cessado o contrato em questão, pelo que não é aceitável que só agora, e em sede de recurso, venham pretender que “perceberam bem” que o contrato, afinal, tinha sido “resolvido” pela R. em 15.06.2009.
Improcede, pois, o alegado pelos AA. quanto a este ponto, sem prejuízo, claro está, da já atrás referida redução proporcional do montante indemnizatório.       
   

B - Quanto ao recurso subordinado apresentado pela R..

Como questões prévias:

II.2.6. Quanto à questão de saber se a interposição do recurso subordinado é extemporânea.

Sustentam os AA., nas suas contra-alegações, que o recurso subordinado interposto pela R. (fls. 362 a 368) é extemporâneo, uma vez que teria de “…ser apresentado o prazo de 10 dias contados da admissão do recurso principal…” nos termos do art.º 682.º, n.º 2, do CPC, para além do facto de as respectivas alegações terem sido apresentadas “:..à socapa…”, e “…nem sequer em separado…”, não constando sequer do processo “…nenhum requerimento apresentado pela apelante relativamente à sua vontade em apresentar um recurso subordinado…” (fls. 385 a 386 e conclusões I e II das contra-alegações – fls. 391-392).
Concluem, aliás, que “…em rigor, não houve nenhum requerimento nem nenhuma admissão de recurso. Há agora umas alegações…” (fls. 386).
É manifesto que os AA. não têm qualquer razão, tanto mais que o ora alegado assenta numa série de equívocos. Em primeiro lugar, não parece fazer sentido a afirmação de que não consta qualquer requerimento a expressar a vontade da R. em interpor recurso subordinado, face ao que consta dos autos a fls. 352 a 368.
Na verdade, não só a R. expressa inequivocamente tal vontade, como também as respectivas alegações se encontram bem à vista e separadamente das contra-alegações respeitantes ao recurso interposto pelos AA. (fls. 362 a 368).
Na mesma linha, a afirmação de que não há nenhum requerimento nem admissão de recurso, é contrariada pelo teor de fls. 352, 362 e 372.
Em segundo lugar, verifica-se que os AA. incorrem em manifesto equívoco quando afirmam que o prazo para a interposição do recurso em causa é de 10 dias, contados da admissão do recurso principal.
Efectivamente, tal teria razão de ser na redacção do n.º 2 do art.º 682.º do CPC, anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mas já não face à actual redacção.
  Na anterior redacção, o referido preceito dispunha do seguinte modo: “…O recurso independente é interposto dentro do prazo e nos termos normais; o recurso subordinado pode ser interposto dentro de dez dias, a contar da notificação do despacho que admite o recurso da parte contrária…”.
No entanto, há que considerar que o presente processo teve início em 21.08.2009, sendo-lhe, pois, já aplicáveis as alterações introduzidas pelo diploma legal referido, o qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 (art.º 12.º do referido Dec.-Lei).
Assim sendo, há que ter em conta agora a actual redacção do art.º 682.º, n.º 2, do CPC, na qual se estabelece que “…O prazo de interposição de recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária…”.  
A diferença é óbvia: suprimiu-se qualquer referência a um prazo especial para a interposição do recurso subordinado, para além do facto de o prazo para a interposição começar a correr agora não desde a notificação do despacho judicial que admite o recurso da parte contrária, mas antes da notificação da interposição do recurso desta última.[33] Isto está de acordo com o actual sistema, em que o requerimento para a interposição de recurso é feita em simultâneo com as respectivas alegações, conforme prescreve o actual art.º 684.º-B do CPC. Só posteriormente é que então, sim, é proferido o respectivo despacho de admissão (ou rejeição) do recurso, nos termos do actual art.º 685.º-C do CPC.
Posto isto, qualquer referência a “prazo de 10 dias a contar da admissão do recurso principal” deixou de fazer qualquer sentido.
Na verdade, o recurso subordinado, tal como um recurso normal, deve ser interposto no prazo – regra de 30 dias[34], excepto, é claro, no caso de processos urgentes ou nos demais casos expressamente previstos na lei, conforme dispõe o art.º 685.º, n.º 1, do CPC, e deverá ser acompanhado pelas respectivas alegações. Em regra, o mais natural é o requerimento de interposição do recurso subordinado e respectivas alegações ser feito em simultâneo com as contra-alegações respeitantes ao recurso independente apresentado pela parte contrária, uma vez que o prazo para apresentar as contra-alegações é idêntico ao da interposição (art.º 685.º, n.º 5, do CPC).[35]   
No presente caso, o recurso independente apresentado pelos AA. foi interposto em 18.05.2010 (fls. 296 a 337) e, uma vez notificado à R. (fls. 343), veio esta apresentar as respectivas contra-alegações e, em simultâneo, interpor recurso subordinado, no prazo legal de 30 dias, mais exactamente em 14.06.2010 (fls. 351 a 371).
Improcede, assim, o alegado pelos AA. quanto a este ponto.

II.2.7. Quanto à questão de saber se o recurso deve ser rejeitado, por preterição das formalidades legais previstas nos art.os 690.º e 690.º-A, do CPC.

Sustentam também os AA., nas suas contra-alegações, que o recurso subordinado interposto pela R. não deve ser acolhido, uma vez que “…As alegações apresentadas em qualquer caso, devem ser ainda rejeitadas por manifesta violação do disposto nos art.os 690.º e 690.º-A, ambos do Código do Processo Civil…” (Conclusão III das contra-alegações - fls. 392).
Pretendem os AA. que o recurso subordinado em causa foi interposto “…sem apresentar o seu fundamento e sem que se compreenda se pretende a reapreciação da prova que foi apresentada ou das normas de Direito que regularam a situação…” e que, “…Em qualquer caso, as formalidades dos art.os 690.º e 690.º-A, ambos do Código de Processo Civil, foram manifestamente preteridas…” (fls. 386).
Mais uma vez, os AA. não têm qualquer razão, continuando a incorrer em manifesto equívoco quanto às disposições legais citadas.
Como atrás se disse, o presente processo teve início em 21.08.2009, sendo-lhe, pois, já aplicáveis as alterações introduzidas pelo diploma legal referido, o qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 (art.º 12.º do referido Dec.-Lei).
Ora, uma das consequências do referido diploma legal foi, justamente, a revogação pura e simples dos art.os 690.º e 690.º-A do CPC (art.º 9.º, al. a) do referido Dec.-Lei), pelo que é despropositada qualquer referência aos mesmos.
De qualquer modo, a matéria regulada pelos referidos artigos, encontra-se agora plasmada nos actuais art.os 685.º-A e 685.º-B do CPC, os quais têm por epígrafe, respectivamente, “…Ónus de alegar e formular conclusões…”, e “…Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto…”.
Ora, tendo em conta tais dispositivos legais, não se alcança, minimamente, o raciocínio tecido pelos AA., designadamente quanto a uma alegada “manifesta preterição” daqueles dispositivos legais.
Examinando o recurso subordinado interposto constante dos autos a fls. 362 a 368, verifica-se que a R./recorrente cumpriu plenamente com o que dispõe o art.º 685.º-A do CPC, designadamente com a indicação dos fundamentos por que pede a anulação parcial da decisão ora recorrida, com a indicação das normas jurídicas violadas. Quanto ao art.º 685.º-B do CPC, o mesmo nem sequer pode ser chamado à colação, uma vez que é manifesto que não se pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto.  
Improcede, assim, o alegado pelos AA. quanto a este ponto.


Questões principais

II.2.8. Quanto à questão de saber se a sentença recorrida, ao condenar a R. no pagamento da quantia de € 3.500,00 por danos não patrimoniais, é nula, nos termos do art.º 668.º, n.º 1, d), do CPC.

Sustenta a R./recorrente que o Tribunal a quo fundamentou a decisão ora recorrida em “…factos nos quais os próprios apelados não fundamentaram o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais…”, tanto mais que os apelados fundaram tal pedido “…em factos que terão ofendido o seu bom nome e não no impedimento do estabelecimento comercial…”, estando vedado ao Tribunal servir-se de outros factos que não os articulados pelas partes e que fundamentam os respectivos pedidos, nos termos do art.º 664.º, do CPC (Conclusões B, C e D – fls. 366).
Por outro lado, alega ainda, nenhuma prova foi produzida relativamente a alegados danos sofridos na honra, honorabilidade, orgulho e bom nome dos apelados, sendo certo que nem poderia ser feita tal prova, uma vez que tal factualidade nem sequer foi incluída na base instrutória, nada se tendo provado quanto à efectiva verificação das consequências das afirmações produzidas pela R., dadas como provadas em 16 e 17 (Conclusões F, G, H e I – fls. 366 a 367).
Os AA., por sua vez, sustentam, nas suas contra-alegações, que “…Por cautela, acrescenta-se ainda que a alegação de que parte da sentença é nula não poderia ser invocada senão junto do próprio Tribunal que a proferiu, nos termos do art.º 668.º, n.º 3, do Código do Processo Civil…” (Conclusão IV das contra-alegações – fls. 392), estribando-se no argumento de que tal alegação “já vem fora de prazo”, uma vez que a decisão recorrida “…em função do valor da condenação e do decaimento da apelante, não seria susceptível de recurso ordinário…”, pelo que “…a invocação de nulidades, se as havia, só poderia ter sido feita perante o Tribunal que proferiu a sentença. Palavra de Lei, no art.º 668.º/3 do Código de Processo Civil…” (fls. 388-389).
Mais alegam que, no tocante à decisão de condenação da R. no pagamento dos danos não patrimoniais, a mesma não merece qualquer censura uma vez que, ao contrário do que parece pretender a R., não se fundou apenas no impedimento de exploração do estabelecimento, mas também no facto da conduta da R., agravada com a troca da fechadura, os ter ofendido e humilhado publicamente, vexando-os à frente de toda a gente. Para mais, toda a prova produzida, designadamente a prova testemunhal, vem confirmar a justeza da decisão ao dar como provados os danos patrimoniais reclamados pelos AA. (Conclusões V a VIII das contra-alegações – fls. 392 a 393 e fls. 387 a 391).      

Examinemos primeiro o alegado pelos AA quanto à referida rejeição, uma vez que constitui questão prejudicial relativamente às restantes.
Salvo melhor opinião, não têm os AA. razão.
Uma vez mais, vêm invocar uma disposição legal na versão anterior à do Dec.-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, quando, repita-se, ao presente processo já é aplicável a actual redacção introduzida por aquele diploma legal, o que implica que a matéria em questão esteja agora contemplada no n.º 1 e no novo n.º 4 do art.º 668.º do CPC, os quais dispõem do seguinte modo: “…É nula a sentença quando: d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não pode tomar conhecimento […] As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades…” (sublinhado nosso).
Ora, no presente caso, e nos termos do art.º 678.º do CPC, a decisão recorrida admite mesmo recurso ordinário, quer porque a causa é de valor superior à alçada fixada para a 1.ª Instância (€ 5.000,00)[36], quer também porque a sucumbência da R. (€ 3.500,00) é superior a metade da dita alçada. Além disso, pode ainda defender-se estarmos em presença de uma das situações em que, excepcionalmente, é sempre admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e da sucumbência, ou seja, a prevista na alínea a) do n.º3 do art.º 678º do CPC, aplicável extensivamente.
Para mais, e porque estamos em presença de um recurso subordinado, haveria sempre que atentar no disposto no art.º 682.º, n.º5, do CPC: “…Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre…” (sublinhado nosso).
Ora, no caso sub judice, não só o recurso independente é plenamente admissível (dado que a situação em causa se enquadra no art.º 678.º do CPC, quer pelo valor, quer por consubstanciar uma das excepções previstas no n.º3 daquele artigo), como também o decaimento da R. quanto à condenação por danos não patrimoniais (€ 3.500,00), objecto do recurso subordinado por ela interposto, é, afinal, superior a metade da alçada do tribunal de 1.ª Instância.
Não tem, assim, qualquer cabimento pretender-se que a nulidade invocada pela R./recorrente só poderia ser arguida junto do próprio Tribunal a quo.
Improcede, assim, o alegado pelos AA. quanto a este ponto.

No tocante ao alegado pela R., verifica-se que a sentença ora recorrida fundamentou efectivamente a sua condenação por danos não patrimoniais sofridos pelos AA. com base em dois pressupostos: por a R. ter ofendido o bom nome dos AA. com as afirmações dadas como provadas em 16 e 17 (fls. 277 a 278), mas também no facto de estes terem sido impedidos de explorar o estabelecimento durante mês e meio (podendo, até, ter perdido clientela), após aquela ter mudado a fechadura, conforme se pode facilmente constatar dos segundo e terceiro parágrafos (e até, em parte, do primeiro) da sentença ora recorrida, a fls. 278.
Aí se afirma expressamente o seguinte: “…Nessa medida, por tudo quanto ficou exposto, pela atitude da R. ao impedir a exploração por parte dos AA. durante um período de tempo de um mês e meio, e por durante o período de exploração ter gritado e afirmado o que afirmou, ofendendo o bom nome dos AA. […], cremos que sofreram os AA. danos indemnizáveis…” (sublinhado nosso).  
Assim, e ao contrário do que sustentam os AA., o Tribunal a quo também usou como fundamento o impedimento da exploração do estabelecimento.
Razão tem, pois, a R. quando põe em causa este segmento decisório, uma vez que os factos articulados pelos AA. quanto ao impedimento da exploração do estabelecimento e aos danos daí resultantes, encontram-se, antes, vertidos nos art.os 49.º a 52.º da petição inicial, sob o título: “Privação do lucro de exploração” (fls. 17), tendo servido de fundamento para os AA. reclamarem da R. o pagamento da quantia de € 4.300,00 por lucros cessantes [fls. 17 e 29, al. D)], sem êxito, aliás, o que originou que recorressem dessa absolvição.
Também os factos relacionados com a perda de clientela encontram-se vertidos nos art.os 53.º a 64.º da petição inicial, sob o título “Danos por perda de clientela” (fls. 18 a 20), e serviram de fundamento para os AA. peticionarem o pagamento da quantia de € 2.000,00 (fls. 20 e 29, al. F)), também sem qualquer êxito, tendo-se aqui conformado com a decisão.     
Já no que toca aos factos atinentes aos danos não patrimoniais, os mesmos encontram-se vertidos nos art.os 65.º a 73.º da petição inicial, sob o título “Danos não patrimoniais”, e aí, sim, serviram de fundamento para o pedido dos AA. na indemnização de € 3.500,00 [fls. 22 e 29, al. G)].
Aliás, são os próprios AA. que ainda acentuam mais a separação destes factos, ao distinguirem claramente os danos patrimoniais (que englobam os pedidos formulados nas alíneas B), C), D), E) e F), a fls. 28 e 29), dos danos não patrimoniais (al. G) de fls. 29), reservando estes últimos unicamente para os insultos, humilhações e vexames que sofreram com a conduta da R., conforme se pode constatar nos art.os 90.º a 94.º e 95.º a 100.º da petição inicial (fls. 26 a 28).  
Ora, o Tribunal ocupou-se das questões relativas ao impedimento da exploração do estabelecimento, designadamente os lucros cessantes e a perda de clientela, a título de danos patrimoniais, tendo concluído pela sua não procedência e consequente absolvição da R. quanto aos pedidos de € 4.300,00 e € 2.000,00 (fls. 276 a 277), pelo que vedado lhe estava servir-se, depois, desses mesmos factos como fundamento, mesmo que parcial, da condenação da R. numa indemnização por danos não patrimoniais.
Porém, não parece que estejamos aqui perante uma nulidade visto que o Tribunal não ultrapassou, na verdade, o âmbito das questões sobre que foi chamado a pronunciar-se pelas partes. Haverá, quando muito, em relação a uma das questões, um mero excesso argumentativo, pelo que os fundamentos da decisão, neste particular, se terão de ter por reduzidos à matéria pertinente: a dos danos não patrimoniais.
Não procede, pois, neste particular, a invocada nulidade.

Mas, como se viu, a R. alega, ainda, que nenhuma prova foi produzida relativamente a alegados danos sofridos pelos apelados na sua honra, honorabilidade, orgulho e bom nome, nem sequer tendo tal matéria sido incluída na base instrutória, ou seja, nada se provou, afinal, quanto à efectiva verificação das consequências das afirmações produzidas pela R., dadas como provadas em 16 e 17.
Sobre este ponto entendemos assistir razão à R..
Note-se que a mesma não impugna a matéria de facto relativamente a tal questão, apenas pondo em causa que o Tribunal a quo pudesse ter decidido pela condenação por danos não patrimoniais unicamente com a matéria fáctica dada como assente em 16 e 17.
É do seguinte teor a matéria fáctica em causa:
Várias vezes a R. entrou no estabelecimento afirmando, aos gritos, que o estabelecimento era dela, que os AA. lhe deviam dinheiro de rendas”.
A R. dizia aos AA, ao longo de meses, no interior do estabelecimento, à frente de quem se encontrasse, que lhe deviam dinheiro das rendas”.
Esta resposta à matéria de facto, respeita aos artigos 14.º e 17.º da base instrutória (fls. 162 a 163), os quais têm o seguinte teor:
Muitas vezes a R. entrou no estabelecimento afirmando, aos gritos, que o estabelecimento era dela, que os AA. lhe deviam dinheiro de rendas, que os AA. faziam um uso indecente do café?
A R. dizia, ao longo de meses, no interior do estabelecimento, à frente de todos, que os AA. eram maus pagadores e que lhe deviam dinheiro?
Como se vê, o Tribunal respondeu restritivamente aos artigos em causa, não tendo dado como provado que a R. tenha afirmado que os AA. faziam uso indecente do café ou que eram maus pagadores.
Por outro lado, há que ter em conta que, relativamente aos artigos 15.º, 16.º e 18.º, em que se questionava se vários clientes tinham apresentado reclamações e mudado, até, de estabelecimento, devido à conduta da R., se essa perda teria orçado num prejuízo de € 2.000,00 e se a R. também teria afirmado que os AA. davam um uso indecente ao café, o Tribunal respondeu a todos “Não provado” (fls. 261).
Restando, pois, e apenas a matéria fáctica dada como assente nos termos acima expostos, há que ponderar se os mesmos são suficientes para fundamentar a condenação da R. por danos não patrimoniais causados aos AA., por ofensa ao seu bom nome, perseguindo-os e humilhando-os perante os clientes, conforme se refere na sentença ora recorrida (fls. 278).
Em nosso entender, como se disse, a resposta é negativa.
Efectivamente, verifica-se que a sentença em crise se limitou, essencialmente, a tirar ilações e a fazer conjecturas acerca da factualidade em causa, ao dizer, por exemplo (fls. 277-278), que “…a conduta da R., para quem tem um estabelecimento aberto ao público, que ouve o que a R. afirma, é bem mais do que um simples incómodo…”, que tal situação não é apenas “desagradável” para os AA., como também “…fazê-lo à frente do público, dos clientes dos AA., pode ser ruinoso para o negócio destes. Não se provou que tivessem perdido clientes, mas muitos podem ter ficado desagradados e optado por tomar um café ou uma bebida num local onde ninguém se encontrasse aos gritos, do que fazê-lo no dos AA….”, ou ainda que a atitude da R. ofendeu “…o bom  nome dos AA., quer tais afirmações correspondessem à verdade ou não, pois a lei vigente não confere o poder de um credor «perseguir» e humilhar o devedor perante os clientes que são a sua fonte de rendimentos, mas apenas de os demandar judicialmente, cremos que sofreram os AA. danos indemnizáveis…” (sublinhado nosso).  
Ora, assim sendo, está-se apenas no domínio da mera elaboração com base em probabilidades. Na verdade, como atrás se viu, nada ficou provado quanto às eventuais consequências ao nível da clientela ou, até, ao nível do próprio bom nome dos AA., uma vez que não só não se provou que os mesmos teriam sido apodados de “maus pagadores” e de que fariam “um uso indecente do café”, como também nem sequer foram levados à base instrutória factos integradores das consequências sofridas pelos AA. quanto às afirmações que resultaram provadas. E, apesar de se poder admitir que teriam um carácter persecutório ou humilhante, ofensivo do bom nome dos AA., a verdade é que não se provaram[37].
Assim, e não obstante o disposto no art.º 484.º do CC, não basta alegar e provar a “mera susceptibilidade” da conduta da R. poder ferir os AA. no seu bom nome e reputação, antes havendo que alegar e provar factos integradores das efectivas consequências dessa conduta, ou seja, há que apurar a exacta dimensão das consequências das alegadas ofensas. Neste sentido, e entre outros, o Acórdão do STJ de 20.01.2005, do qual se pode retirar que “…Os hipotéticos e conjecturais danos de natureza patrimonial e não patrimonial alegadamente advenientes de uma situação de alegada ofensa […], só poderão merecer ressarcimento / compensação se suficientemente indiciados em sede factual, pois que não pode falar-se em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar, sem a alegação e prova de danos ressarcíveis…”[38] ou, ainda, o Acórdão do STJ de 24.05.2007, no qual se sufragou o entendimento de que “…O dano não patrimonial não reside em factos, situações ou estados mais ou menos abstractos aptas para desencadear consequências de ordem moral ou espiritual sofridas pelo lesado, mas na efectiva verificação dessas consequências; A avaliação da gravidade do dano, para efeitos de compensação, tem de aferir-se segundo um padrão objectivo; Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é «exorbitante ou excepcional», mas também aquele que «sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade». Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação…”[39] (sublinhado nosso).
Em suma, e esta é a questão nuclear, no presente caso, não ficaram provados os prejuízos efectivos sobre o bom nome dos AA.: toda a matéria alusiva ao impacto sobre o bom nome e a honra foi considerada não provada.
Procede, pois, quanto a este particular, o alegado pela R., o que implica a revogação da decisão ora recorrida no segmento que condenou a R. a pagar aos AA. a quantia de € 3.500,00, por danos não patrimoniais.

II.2.9. Quanto às questões de saber se a indemnização atribuída por danos não patrimoniais é desajustada e desequilibrada, por exceder a própria indemnização pedida pelos AA. a título de ressarcimento pela perda de clientela e se a fixação da mesma indemnização violou o disposto nos art.os 496.º, n.º 3 e 494.º, do CC, delas não tomamos conhecimento por se encontrarem prejudicadas pela solução que demos à anterior.
 

III. Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se:
- Conceder parcial provimento à apelação dos AA. e, em consequência, alterar o decidido quanto à quantia a que foram condenados pelas rendas em atraso, acrescidas de 50% de indemnização, a qual será reduzida na exacta proporção do tempo da privação, ou seja, 43 dias.
- Conceder parcial provimento à apelação da R. e, em consequência, revogar a decisão recorrida no tocante à sua condenação na quantia de € 3.500,00 por danos não patrimoniais.
- No mais, mantem-se o decidido.

Custas pelos recorrentes, na proporção dos respectivos decaimentos.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2011

Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
Ana Resende
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[1] Cujo teor é o seguinte: “…Os autores facturam habitualmente € 200 (duzentos euros) por dia no estabelecimento comercial em causa nos presentes autos?...”.
[2] Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 19.05.2005 (Rel. Cons. Bettencourt de Faria, disponível em www.dgsi.pt ).
[3] Rel. Cons. Moura Ramos (DR, II, de 02.06.2004, pp. 8545 e segs.), disponível em www.dgsi.pt . Apesar de se debruçar sobre matéria de processo penal, o que aí se defende é perfeitamente transponível para o processo civil.
[4] FREITAS, José Lebre de, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 633. No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19.02.2004 (Rel. Des. Graça Amaral, disponível em www.dgsi.pt ).
[5] Rel. Cons. Bettencourt de Faria, disponível em www.dgsi.pt .
[6] Rel. Des. Pereira Batista, disponível em www.dgsi.pt .
[7] Rel. Des. Heitor Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt .
[8] Processo n.º 3545/00-6.ª, Sumários, 47.º.
[9] Rel. Des. Sarmento Botelho, disponível em www.dgsi.pt.
[10] LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. I, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1979, pp. 504-505.
[11] LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. I, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1979, p. 508.
[12] Cujo teor é o seguinte: “…Desse montante [€ 200,00], aproximadamente € 100 (cem euros) correspondem a despesas suportadas com a manutenção e exploração do espaço, sendo os outros € 100,00 (cem euros) correspondentes ao lucro diário obtido pelo estabelecimento?...”.
[13] Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 03.12.1998 (Rel. Con. Silva Paixão, disponível em www.dgsj.pt).
[14] Tal fundamentação consta já, aliás, na fundamentação da resposta à matéria de facto, a fls. 257 a 258.
[15] Cujo teor é o seguinte, respectivamente: “…A partir de Março de 2008 os AA. apenas efectuaram três pagamentos da contrapartida mensal estabelecida em A)?...”; “…Dois pagamentos em 23 de Abril de 2009, nos montantes de € 1.000,00, e € 220,00, e outro pagamento em 27 de Abril de 2009 no montante de € 200,00?...”. 
[16] Cujo teor é o seguinte: “…Desde Fevereiro de 2008 que a R. não emite recibos de pagamento?...”.
[17] LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. I, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1979, p. 284.
[18] REIS, Alberto dos, Comentários ao CPC, 2.º - 372.
[19] BMJ, 300.º - 439.
[20] BMJ, 408.º - 665.
[21] BMJ, 444.º - 718.
[22] Rel. Cons. Garcia Marques, disponível em www.dgsi.pt .
[23] AD, 502.º - 1537.
[24] Rel. Des. Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt .
[25] Aliás, não houve sequer necessidade de lançar mão do poder-dever que a lei processual confere ao Juiz através do despacho de aperfeiçoamento previsto no art.º 508.º, n.º 3, do CPC, justamente para aquelas situações em que, não sendo caso de ineptidão, existem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
[26] Vide, entre outros, o Acórdão do STJ de 15.04.1993 (Col. Jur. / STJ, 1993, 2.º - 62).
[27] Indo a lei ao ponto de permitir ao locatário a própria resolução do contrato (art.º 1050.º, a), do CC).
[28] GEMAS, Laurinda, PEDROSO, Albertina e JORGE, João Caldeira, Arrendamento Urbano (Novo Regime Anotado e Legislação Complementar), 2.ª Edição, Revista, Actualizada e Aumentada, Quid Juris, 2007, p. 160. No mesmo sentido, o Acórdão do STJ, de 04.11.2004, Revista n.º 2868/04-7.ª, Sum. Ac., www.stj.pt .
[29] Ac. da Relação de Coimbra, de 09.05.2000, BMJ, 497.º-447.
[30] LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. II, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1981, p. 362.
[31] GEMAS, Laurinda, PEDROSO, Albertina e JORGE, João Caldeira, Arrendamento Urbano (Novo Regime Anotado e Legislação Complementar), 2.ª Edição, Revista, Actualizada e Aumentada, Quid Juris, 2007, p. 285.
[32] PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, Almedina, 2008, pp. 1286-1287.
[33] Notificação essa que, normalmente, é feita pelo mandatário do recorrente ao mandatário do recorrido (art.os 229.º-A e 260.º-A, do CPC).
[34] V., entre outros, MENDES, Armindo Ribeiro, Recursos em Processo Civil (Reforma de 2007), Coimbra Editora, 2009, pp. 104 e 106 e GERALDES, António Santos Abrantes, Recursos em Processo Civil (Novo Regime), 3.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2010, pp. 85 a 91 e 126 e segs..
[35] GERALDES, António Santos Abrantes, Recursos em Processo Civil (Novo Regime), 3.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2010, pp. 89 e 133.
[36] Aliás, o próprio pedido reconvencional já excedia esse valor.             
[37] É certo que tais afirmações podem ser incómodas mas, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, os simples incómodos ou contrariedades não justificam indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que só deverão ser atendidos como tais aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496.º do CC). Neste sentido, e entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 08.07.2002[37], no qual se entendeu que “…Os simples incómodos, enquanto dano de natureza não patrimonial, não justificam por si só a obrigação de indemnização (artigo 496 n.1 do Código Civil)…” (LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. I, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1979, p. 434).
[38] Rel. Cons. Ferreira de Almeida, disponível em www.dgsi.pt .
[39] Rel, Cons. Alves Velho, disponível em www.dgsi.pt .