Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA CARDOSO | ||
Descritores: | DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/12/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | Havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido e ocorrendo os factos incriminadores no mesmo contexto espácio-temporal, é irrelevante que se trate de armas de diversa natureza, termos em que o arguido deveria ter sido condenado apenas por um crime de detenção de arma proibida do art. 86º al. c) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade) com o da alínea d) do mesmo artigo, por referência ao artigo 2º, nº 1, alínea v) e ad), nº 2 e nº 3 al. g) e art. 3º nº 1 e nº 2 al. l), do mesmo diploma legal | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.– No Processo Comum, com intervenção do tribunal singular, nº 100/18.0PCPDL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, Juiz 1, foi julgado o arguido, J. , e, por sentença de 23 de Maio de 2018, foi decidido o seguinte: “Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, decido: 1.– Condenar o Arguido J. , como autor material e na forma consumada, pela prática de um pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.° e 155.°, n.° 1 al. a) do Código Penal, numa pena de 200 (duzentos) dias de multa; 2.– Condenar o Arguido J. , como autor material e na forma consumada, pela prática de 2 (dois) crimes de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.° 1, alínea c) e alínea d), por referência ao disposto nos artigos 2.°, n.° 1, alíneas v) e ad), n.° 2 e n.° 3, alíneas g), e 3.°, n.° 1 e n.° 2, alínea l), todos estes do Regime Jurídico das Armas e Munições - RJAM, publicado pela Lei n.° 5/2006, de 23-02, respectivamente na pena de (200) dias de multa (arma) e 100 (cem) dias de multa (munições); 3.– Condenar o Arguido J. , em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto no artigo 77°, do Código Penal, na pena única de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa dias, à razão diária de €6,00, o que perfaz o total de €2.100,00 (dois mil e cem euros); 4.– Condenar o Arguido J. no pagamento das custas do processo, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 513.° e 514.° do CPP e nos artigos 8.°, n.° 9 e 16.° do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa a este, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça; 5.– Declarar perdidas a favor do Estado a arma e munições/cartuchos, apreendidos à ordem destes autos, as quais ficam depositadas à guarda da Polícia de Segurança Pública desta cidade, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 78.°, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro. Notifique (…).” * 2.– Não se conformando com esta decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público dela interpôs recurso, apresentando motivação da qual extraiu as seguintes conclusões: “I.–Ainda que os factos sejam formalmente subsumíveis a uma pluralidade de ilícitos típicos, não estaremos perante uma pluralidade de crimes efectivamente cometidos sempre que esses mesmos factos se encontrem entre si numa relação de inclusão material e traduzam por isso um "comportamento ilícito global, devendo uma tal pluralidade relevar somente no âmbito da ponderação da existência de uma maior gravidade da ilicitude e da culpa, para efeitos de escolha e determinação da pena. II.–Perante uma única conduta do agente, traduzida na detenção, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, de mais do que uma arma, ocorre uma unidade de acção, uma só resolução criminosa, a que corresponde uma única violação do bem jurídico tutelado e, portanto, um único preenchimento do tipo de crime de detenção de arma proibida, ainda que a detenção tenha por objecto uma pluralidade de armas - da mesma classe ou de diferentes classes, com distintas previsões legais - e/ou munições. III.–Assim, a detenção de uma pluralidade de armas proibidas, preenche um único crime de detenção de arma proibida, no entanto configura um agravamento da ilicitude, a qual será repercutida na medida concreta da pena. IV.–A decisão recorrida ao condenar o arguido pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida fez uma errada subsunção dos factos ao direito, pelo que deve ser substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime.” * 3.–Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o arguido não respondeu. * 4.–Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. * 5.–Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência. * 6.–O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação da seguinte questão: - Saber se, em caso de detenção de uma pluralidade de armas proibidas, de diferentes classes, sendo distintas as previsões legais incriminadoras, o arguido deveria ter sido condenado apenas por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º nº 1 c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, como sustenta o recorrente, ou, como se entendeu na sentença recorrida, por dois crimes de detenção de arma proibida [um deles pela alínea c) e o outro pela alínea d), ambas do nº 1 do artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro]. * 7.–A sentença recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor: “2.1– Discutida a causa, mostram-se provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1.- No dia 29-03-2018, entre as 15H00/16H00, o arguido J. , ao volante da sua carrinha de caixa aberta da marca Toyota, dirigiu-se a um terreno agrícola sito na Freguesia de Santa Bárbara, Município de Ponta Delgada, onde se encontrava AV . 2.- Nessa ocasião, o arguido tinha-se munido de uma arma de fogo longa de repetição, com sistema pump, calibre 12, com a marca e o número de fabrico rasurados, de sua pertença. 3.- Junto de AV , o arguido saiu da carrinha e abordou-o. 4.- O arguido exibiu-lhe então o referido objecto e dirigiu-lhe as seguintes palavras “isto é para ti, é para te matar”, posto o que entrou na sua carrinha, afastou-se cerca de 200 metros e voltou a parar. 5.- O arguido voltou então a sair da carrinha, empunhou a referida arma e efectou pelo menos 2 (dois) disparos para o ar com a mesma, posto o que se afastou do local. 6.- Pelas 16h50, o arguido tinha consigo, na referida carrinha, a arma supra descrita, bem como 26 (vinte e seis) cartuchos de calibre 12, carregados, igualmente de sua pertença. 7.- O arguido não era, à data, titular de qualquer licença para uso e porte ou detenção de arma de fogo. 8.- O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, conhecedor das características e natureza dos objectos que possuía e que não se havia coibido de adquirir e possuir, bem sabendo que se tratava de objectos cuja detenção é proibida por lei e/ou que não era titular de qualquer licença para o poder fazer legalmente, e, não obstante, decidiu deter os mesmos, tendo concretizado os seus intentos. 9.- Mais actuou, ao proferir as expressões acima descritas, objectiva e subjectivamente intimidatórias, o que ele sabia, e ao actuar do modo relatado, tal dizendo enquanto exibia e, depois, disparava, a referida arma, ciente que tais palavras e acções eram aptas a criar em AV receio de que viesse a atentar contra a vida deste, o que também logrou. 10.- Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais se provou, 11.- O Arguido vive com uma irmã e um irmão, é lavrador e aufere de rendimentos mensais em média o valor de €300,00. A sua irmã é doméstica, o irmão trabalha por conta própria e vivem em casa própria. 12.- O Arguido não tem antecedentes criminais. 2.2– Com interesse para a decisão da causa resultaram os seguintes factos não provados: a.- Nas circunstâncias descritas em a carrinha era modelo Hilux, cor cinza, com a matrícula ...-...-..., e que o terreno agrícola é pertença de AV . b.- Que nas circunstâncias descritas em 4 a expressão foi “vais morrer, vais levar é com esta”. 2.4– Motivação da convicção do Tribunal (…) III–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 3.1- Da responsabilidade criminal 3.1.1- Do crime de ameaça agravada O arguido está, acusado da prática de factos susceptíveis de integrarem, em autoria material e na forma consumada, um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelo artigo 153.°, n.° 1 e artigo 155.°, n.° 1, al. a) do Código Penal. Diz o art. 153, n.° 1, do Código Penal: (Q)uem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.". Por seu turno, dispõe o artigo 155.° do Código Penal, na parte que aqui interessa: 1– Quando os factos previstos nos artigos 153.° e 154.° forem realizados: a)- Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; (...) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.° (...). Analisando o tipo legal do crime de ameaças, deve notar-se que este é um crime contra a liberdade pessoal (Título I, cap. V, da parte especial do Cód. Penal). Para que ocorra, é necessário que o agente use um qualquer expediente adequado a provocar no sujeito passivo medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação. O bem jurídico tutelado é a liberdade de decisão e de acção. Ninguém deve ser colocado em situação de não poder decidir ou fazer algo por receio de um mal que lhe foi prometido. Isso é indissociável do carácter futuro do mal anunciado. Se a “ameaça” é iminente, a liberdade de determinação nunca chega a ser afectada. Se se concretizar, terá sido praticado o crime anunciado. Se não se concretizar, a vítima não fica inibida ou receosa de decidir ou fazer o que quer que seja, porque a possibilidade de sofrer o mal é algo que já não existe, por fazer parte do passado. Assim, o mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, que nesse caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal - Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 343. Focalizando-nos agora na matéria dada como provada, importa verificar se a conduta do Arguido preenche os aludidos tipos legais. Conjugando os factos provados constantes dos factos 1 a 5 não restam dúvidas, face ao enquadramento efectuado supra, que o Arguido cometeu o crime pelo qual vinha acusado. Com efeito, o Arguido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas nos factos 1 a 5, disse ao Ofendido que o ia matar, exibindo uma arma e efectuando ainda pelo menos 2 disparos, causando medo que aquele viesse a atentar contra a sua integridade física e mesmo contra a sua vida. Em suma, encontram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo - este por força dos factos 9 e 10 - do crime imputado ao Arguido, sem que se verifique qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que deve o mesmo ser condenado pela sua prática. 3.1.2–Dos crimes de detenção de arma proibida Com interesse para o caso, dispõe o artigo 86.°, n.° 1, da Lei das Armas, o seguinte: 1–Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo: a)- (...) ; b)- (…) ; c)- Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é _punido com _pena de _prisão de 1 a 5 anos ou com _pena de multa até 600 dias; d)- Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.° 7 do artigo 3.°, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.° 7 do artigo 3.°, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias. 2– A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais. “ - (nosso sublinhado). Mais se lê no artigo 4.° do mesmo diploma legal, com relevância para o presente caso, que: 1- São proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte de armas, acessórios e munições da classe A. 2- Sem prejuízo do disposto no número anterior, mediante autorização especial do director nacional da PSP, podem ser autorizadas a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, a utilização, a importação, a exportação e a transferência de armas e acessórios da classe A destinados a museus públicos ou privados, investigação científica ou industrial e utilizações em realizações teatrais, cinematográficas ou outros espectáculos de natureza artística, de reconhecido interesse cultural, com excepção de meios militares e material de guerra cuja autorização é da competência do ministro que tutela o sector da defesa nacional. 3 - As autorizações a que se refere o número anterior são requeridas com justificação da motivação, indicação do tempo de utilização e respectivo plano de segurança. O regime jurídico introduzido pela Lei n.° 5/2003, de 23 de Fevereiro, pretendeu condensar toda a matéria relativa ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, aquisição, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de armas, seus componentes e munições, bem como enquadramento legal das operações especiais da prevenção criminal, e transpor a Directiva Comunitária relativa a esta matéria. A propósito da legislação revogada, defendia-se, e pode continuar a defender-se, que o bem jurídico protegido pela incriminação legal em causa é a segurança da comunidade face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e substâncias explosivas. Ora, no transcrito artigo 86°, n° 1, do citado diploma legal, está previsto um crime de perigo comum, mas abstracto. De facto, como é afirmado a propósito do crime previsto no artigo 275.°, do Código Penal, também ele um crime de perigo abstracto as condutas descritas por este tipo legal não lesam assim de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo (cf. Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 889). No que se reporta aos elementos objectivos o ilícito não oferece dúvidas, sendo a lei exaustiva na sua previsão. Quanto ao tipo subjectivo do crime de detenção de arma proibida ou do crime de munições proibidas, exige-se por parte do agente do crime uma conduta dolosa, em qualquer das suas modalidades (artigo 14.° do Código Penal), consistindo na consciência e vontade de deter (ou de efectivar qualquer das condutas típicas descritas) a/s arma/s e munição/ões ilegalmente. É, ainda, um crime de realização permanente, iniciando-se o preenchimento do tipo com o início de qualquer uma das condutas típicas e mantendo-se enquanto durar tal actividade do sujeito. Subsumindo, No caso decidendo, deu-se como provado que o arguido tinha na sua posse a arma e munições descritas nos factos 2 e 6. Decorre ainda da matéria dada como provada, que o arguido sabia de todas as circunstâncias descritas nos factos provados 7, 8 e 10. Actuou, pois, com dolo directo (cfr. art. 14.°, n.° 1, do Código Penal), razão pela qual deve ser condenado pela prática deste crime (dois). Por último, face aos crimes pelos quais o Arguido vem acusado, importa, ainda que de forma sintética, delinear o enquadramento legal do concurso de crimes. Assim, a regra a atender em matéria de concurso de crimes é a plasmada no n° 1 do artigo 30°, do Código Penal que nos diz que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério determinante a atender é pois o dos tipos legais violados ou o do número de vezes que um mesmo tipo legal é violado - e efectivamente violado, o que nos remete para a consagração de um critério teleológico, que se prende com o bem jurídico, que o mesmo é dizer, haverá via de regra tantos crimes quantos os bens jurídicos ofendidos, ou tantos crimes quantas as vezes em que for atingido um mesmo bem jurídico (Ac. do STJ de 27.05.2010, relatado por Henriques Gaspar). Por outro lado, ocorre ainda atentar a que no citado artigo 30° o legislador não se abstrai do juízo de censura de que o agente é passível, ou seja, se a conduta em apreço se subsumir diversas vezes ao mesmo preceito incriminador, ou a diversos preceitos incriminadores que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, é a unidade ou pluralidade do juízo de censura que vai determinar se estamos perante um ou mais crimes (Ac. da RL de 16/03/2004, relatado por Pulido Garcia). O esquema gizado permite entre o mais distinguir os casos em que se verifica um concurso real, em que o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime, daqueles outros em que se verifica um concurso aparente, em que a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime. E adentro os crimes que se encontrem em relação de concurso aparente, poderá interceder as mais das vezes entre eles uma relação que pode ser de especialidade, quando um dos tipos incorpora os elementos de outro, fazendo-lhe acrescer algo de suplementar, de consumpção, quando o preenchimento de um tipo mais grave inclui o preenchimento de um menos grave, de subsidiariedade, quando a lei condiciona a aplicação de um preceito à não aplicação de outra norma mais grave, ou ao nível da ideia de facto posterior não punível, como sucede por exemplo com a não punição da destruição da coisa furtada (Germano Marques da Silva, Direito Penal..., pgs. 330 e sgs. e Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, 1° vol., 1995, pg. 287). De acordo com a esquematização a que procedemos, ocorre uma inequívoca situação de concurso real entre os crimes praticados, certo que se retira da factualidade apurada que o Arguido praticou actos que preenchem autonomamente 2 crimes, nomeadamente, em função da arma e das munições detidas por si, aqui quedando a nossa exposição neste ponto, tal a evidência da solução exposta. 3.2– Da escolha e determinação da medida da pena O Arguido cometeu um crime de ameaça agravada, em concurso efectivo com dois crimes de detenção de arma proibida. O crime de ameaça agravada é punido com pena de prisão a fixar entre 1 (um) mês a 2 (anos) ou com pena de multa a fixar entre 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias (o limite mínimo da pena de prisão e da pena de multa, decorre da aplicação, respectivamente, da regra geral prevista no artigo 41.°, n.° 1 e do 47.°, n.°1, ambos do Código Penal). Por sua vez, o crime de detenção de arma proibida, nos termos do artigo 86.°, n.° 1, alínea c) e alínea d), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe deu a Lei n.° 12/2011, de 27 de Abril, é punido, respectivamente com pena de prisão a fixar de 1 (um) a 5 (cinco) anos ou com pena de multa a fixar de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias e com pena de prisão a fixar de 1 (um) a 4 (quatro) anos ou com pena de multa a fixar de 10 (dez) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias. Uma vez que as normas em aplicação admitem, em alternativa, as penas principais de prisão e de multa, impõe-se, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao Arguido. Ora, estipula o artigo 70.°, do Código Penal, que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Conforme salienta Figueiredo Dias em relação à pena de multa, a preferência declarada por esta face à pena privativa da liberdade constitui um dos anseios mais profundos da reforma penal portuguesa de 1982 (cfr. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aéquitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 116 e ss). Da mesma forma que, saliente-se, as penas de multa não privam os arguidos do contacto com o meio social e familiar em que se encontram inseridos, apresentando vantagens do ponto de vista de recuperação destes. Nesta senda, as finalidades da punição são, portanto, a protecção dos bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) - art.° 40.°, n.°1, do Código Penal. No caso concreto, as exigências de prevenção do tipo de crime, nomeadamente de prevenção geral, são elevadas, tendo presente que cada vez mais o Tribunal é chamado a decidir casos desta índole. Não obstante, in casu, ao nível da prevenção especial, a Arguido não tem qualquer antecedente criminal e está perfeitamente integrado socialmente. Ajuíza-se, portanto que a pena de multa revela-se suficiente para que sejam alcançados os objectivos de recuperação social do Arguido, da mesma forma que se mostra suficiente à satisfação das exigências de prevenção geral, ou seja, às finalidades de punição e protecção de bens jurídicos e reintegração do Arguido na comunidade. Assim, atento o exposto e o preceituado no citado artigo 70.° do Código Penal, entende o tribunal que a pena de multa satisfaz os apontados objectivos da punição no que respeita, necessariamente, aos crimes de ameaça agravada, pelo que, decide optar pela pena não privativa da liberdade, ou seja, pela pena de multa. Cabe fixar as respectivas medidas das penas. A determinação da medida concreta da pena far-se-á tendo em atenção que os fins da aplicação das penas são, nos termos do artigo 40°, do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E, em função dos critérios prescritos no artigo 71° do Código Penal, designadamente, todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, e a eventual falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Tendo presente as supra citadas exigências ao nível da prevenção geral e especial: A)– Em desfavor do Arguido milita: É elevada a gravidade das suas consequências, ponderando-se necessariamente que o Arguido ameaçou com expressão de teor violento e gravoso o Ofendido, utilizando disparos para o ar de modo a intimidá-lo e causar-lhe receio com crime contra a vida: releva por via da culpa e da prevenção; O grau de violação dos deveres impostos ao Arguido, que é considerável já que esta bem sabia que lhes estava vedada a conduta praticada e não se inibiu de agir do modo provado: releva por via da culpa e da prevenção; A intensidade do dolo, na sua forma directa: releva por via da culpa. B)– Em favor do Arguido milita: A ausência de antecedentes criminais e a integração social conforme provado sob os factos 11 e 12. Ponderadas todas as circunstâncias referidas supra, julgamos adequadas: - pela prática de um crime de ameaça agravada a aplicação de uma pena de 200 (duzentos) dias de multa, - pela prática de um crime de detenção de arma proibida relativamente à arma a aplicação de uma pena de 200 (duzentos) dias de multa e pelo crime de detenção pela posse das munições uma pena de 100 (cem) dias de multa. No que tange ao seu quantitativo diário ter-se-á, necessariamente, em conta o disposto no artigo 47.°, n.°2, do Código Penal, onde se lê: (C)ada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. E, neste particular, detenha-se os ensinamentos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.10.1997, (in CJ, Tomo III, pág. 183), nos termos do qual se considerou que o montante diário da multa deve ser fixado em termos de se constituir um sacrifício real _ para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar. - (nosso sublinhado). O montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade - (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.07.1995, in CJ, Tomo IV, pg. 48 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.11.2002, processo n.°0079079, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Posto isto, indubitável é que, para a determinação do montante diário, deverá, pois, para além de se ter presente que a mesma deve implicar um sacrifício para o Arguido, atender-se à situação económica do mesmo e aos seus encargos pessoais. Considerando o expendido, e atendendo às actuais condições económicas do Arguido - cfr. facto 11-, julga-se ponderado limitar a pena de multa determinada à razão diária de € 6,00 (seis euros). 3.3–Do cúmulo jurídico Estabelece o artigo 77.° do Código Penal, que (Q)uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A pena única a que alude a transcrita previsão, tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes pelos quais o arguido foi condenado, não podendo ultrapassar os 25 anos no que respeita a pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa (cfr. artigo 77.°, n.° 2, do Código Penal). Na elaboração do cúmulo está-se vinculado nos termos legais acima reproduzidos, aos factos e à personalidade do Arguido, devendo a pena ser fixada, in casu, entre 200 (duzentos) a 500 (quinhentos) dias de multa. Pelo que, ponderando novamente todos os factos que militaram contra e a favor do arguido, acima consignados e que aqui se dão por reproduzidos, e dentro da moldura legal imposta pelos aludidos limites, tendo presente os contornos da situação, em concreto o uso de arma proibida e disparos num terreno agrícola, nos termos já referidos, julga o Tribunal adequada a aplicação, em cúmulo jurídico, de uma pena única de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa.” * * 8.– Apreciação do objecto do recurso: No caso, provou-se a detenção ilícita pelo arguido de uma arma de fogo e de munições. O tribunal a quo considerou a conduta do arguido como integradora de dois crimes de detenção de arma proibida: um (o referente à arma de fogo) p. e p. pelo artigo 86º nº 1 c) e o outro (o referente às munições) p. e p. pelo artigo 86º nº 1 d), ambos da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro. Lê-se a propósito, na decisão recorrida: “ocorre uma inequívoca situação de concurso real entre os crimes praticados, certo que se retira da factualidade apurada que o Arguido praticou actos que preenchem autonomamente 2 crimes, nomeadamente, em função da arma e das munições detidas por si (…).” Vejamos: O artigo 86.º nº 1 c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, dispõe: “1- Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…) c)- Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas a e) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias; d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;” O que se pretende com a incriminação em causa, punindo a detenção ilegal de arma, é assegurar o controlo do Estado sobre a existência de armas em poder de particulares, obviando, assim, à disseminação destas pela sociedade, de forma indiscriminada e incontrolável, assim se prevenindo a lesão de bens jurídicos que podem ser postos em causa com esse tipo de comportamento (cf. neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 05.06.2007, Processo nº 3994/2007-5, in www.dgsi.pt.). No caso, estão em causa dois tipos de arma, integrando-se uma delas (arma de fogo) na previsão da alínea c) e outra (munições) na alínea d) do citado art. 86º nº 1 do Regime Jurídico das armas e munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.2. O bem jurídico protegido é, de facto, o mesmo, em ambas as alíneas, divergindo a categoria ou natureza da arma em causa, termos em que apenas existe um crime punível, no caso, segundo a disposição mais grave, da alínea c), funcionando as outras “armas” (no caso, as munições), integrantes da previsão da alínea d), como meras agravantes na determinação da medida concreta da pena (neste sentido, cf., entre outros, Ac. da Relação do Porto de 01.10.2014 - proc. 341/09.1PBCHV.P1, disponível in www.dgsi.pt.). Com efeito, este crime, como crime de perigo, ficou integrado, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que tenha sido feito posteriormente. É um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação da sua detenção, tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidades públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas (cfr. Ac da Relação de Évora, de 30.10.2012, in www.dgsi.pt). Numa visão meramente literal da norma o comportamento do arguido preenche o tipo legal de crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º nº 1 c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, no que à arma de fogo diz respeito (ponto 2 dos factos provados), e o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º nº 1 d ) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, no que se refere aos apreendidos cartuchos de calibre 12. (ponto 6 dos factos provados). Contudo, considerando o disposto no artigo 30° do Código Penal, o número de armas e lote de munições detidas pelo arguido não pode constituir o critério determinante para a contabilização do número de crimes de detenção de arma proibida, uma vez que não podemos afirmar mais que uma resolução criminosa, cuja conduta deverá, por isso, apenas integrar um único crime de detenção ilegal de armas, por apenas ser susceptível de um juízo de censura. A multiplicidade de vezes de preenchimento do tipo objectivo do crime conduz, em regra, à multiplicidade de crimes da respectiva natureza (artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal), mas tal multiplicidade deixa de ter tal efeito, não só nos casos em que se deva configurar um crime continuado (artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal), como naqueles em que a unidade de resolução – tipo subjectivo do crime – e a inexistência de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, aliados à continuidade temporal das condutas, fazem com que a multiplicidade formal de violações do tipo criminal deva ser tratada como correspondente à comissão de um só crime. Se se tratar de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, e, a partir de tal decisão, não existir qualquer necessidade de renovar o processo de motivação, realiza-se um único tipo legal de crime. Assim, e no caso, tendo em conta que o bem jurídico protegido é, de facto, o mesmo, em ambas as alíneas, divergindo apenas a categoria ou natureza da arma em causa, que não se descortina uma pluralidade de resoluções criminosas e que os factos incriminadores ocorrem no mesmo contexto espácio-temporal, não podemos deixar de concordar com a pretensão do recorrente de que existe apenas um crime, punível segundo a moldura penal mais grave, da alínea c) do nº 1 do art. 86º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições. No mesmo sentido, disponíveis in www.dgsi.pt. veja-se: – O Acórdão da Relação de Coimbra de 12.11.2014, Proc. n.º 1574/08.3PEAVR.C1: uma única conduta do agente, traduzida na detenção, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, de mais do que uma arma ocorre "uma unidade de acção, uma única resolução criminosa, a que corresponde uma única violação do bem jurídico tutelado e portanto, um único preenchimento do tipo de crime de detenção de arma proibida, ainda que (...) a detenção tenha tido por objecto uma pluralidade de armas e munições" ainda que estejam em causa armas de diferentes classes, sendo distintas as previsões legais incriminadoras; – O Acórdão da Relação de Évora de 08.11.2011: “O detentor de duas armas, na mesma ocasião, se bem que de categorias diferentes e previstas em distintas alíneas do nº 1 do artigo 86º do R.G.A.M., deverá ser punido apenas por um crime – o mais grave – não se descortinando do conjunto dos factos dois sentidos materiais ou sociais de ilicitude autónomos entre si”; – O Acórdão da Relação do Porto de 12 de Maio de 2010: O facto de o agente desse ilícito deter mais do que uma arma aí descrita apenas pode significar uma culpa mais intensa, que terá relevância na determinação da pena [40.º, 71.º, n.º 1 C. Penal] e não que tenha cometido tantos crimes quantas armas tivesse em seu poder [e, ainda, entre outros, os acórdãos do TRP de 21.02.2018, proc. 5/17.2PEMTS.P1, TRC de 22.01.2014, proc. n.° 82/13.5GCFVN.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.]. Por isso, na situação em apreço, havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido e, ainda, que os factos incriminadores ocorrem no mesmo contexto espácio-temporal, é irrelevante que se trate de armas de diversa natureza, termos em que o arguido deveria ter sido condenado apenas, tal como vem acusado, por um crime de detenção de arma proibida do art. 86º al. c) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade) com o da alínea d) do mesmo artigo, por referência ao artigo 2º, nº 1, alínea v) e ad), nº 2 e nº 3 al. g) e art. 3º nº 1 e nº 2 al. l), do mesmo diploma legal, punido, em termos abstractos, com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. Relativamente à pena a aplicar deve se manter para este crime [o previsto no artigo 86º nº 1 c)] a que lhe foi fixada na primeira instância - pena essa que não foi objecto de recurso, nem existem fundamentos para a sua diminuição - e que se cifra em 200 dias de multa, à taxa diária de €6,00, pois que não se mostra permitida a sua agravação, de acordo com a proibição do princípio da “reformatio in pejus”, consagrado no artigo 409º nº 1 do Código de Processo Penal. Tal proibição da “reformatio in pejus” vigora na concreta situação de “desagravamento da qualificação jurídica dos factos” – v. ac. do STJ de 29.4.2003, in SASTJ nº 70, 66, referenciado por Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª Edição, fls. 1074, e, ainda, Ac. STJ de 4-12-2008, sumário retirado da CJ (STJ), 2008, T3, pág.239: “O princípio da proibição da reformatio in pejus, estabelecido no artº 409º do CPP, apenas impede que o tribunal superior, no caso de recurso interposto pelo arguido ou pelo MP em benefício do arguido, agrave a pena, quer na sua espécie, quer na sua medida.” A sentença recorrida será, assim, revogada na parte em que condenou o arguido pela prática do crime previsto no artigo 86º nº 1 d) da Lei nº 5/2006, de 23.2 [relativamente às munições apreendidas], na pena de 100 dias de multa. Desaparecendo a condenação por uma das penas parcelares (das três que tinham sido aplicadas pela primeira instância) impõe-se, por conseguinte, a reformulação do cúmulo jurídico que havia sido efectuado, sobrando, assim, as penas, em singelo – de 200 dias de multa [pelo crime p. e p. pelo artigo 86º nº 1 c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro] e de 200 dias de multa [pelo crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º e 155º nº 1 al. a) do Código Penal]. Assim, e nos termos do art. 77º do Código Penal, numa moldura penal que vai de 200 dias de multa (correspondente à pena concreta mais elevada) a 400 dias de multa (soma das penas parcelares) e tendo em conta o conjunto dos factos e a personalidade do arguido considera-se justa e correcta a aplicação da pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, o que perfaz o total de 1.800,00 (mil e oitocentos) euros. * * –Decisão: Em conformidade com o exposto, após conferência, acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso, interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e, em consequência: – Revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido, J. , na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pelo crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º nº 1 d) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, crime pelo qual vai, agora, absolvido; – Reformular a condenação decorrente do cúmulo jurídico efectuado, condenando-se, agora, o arguido na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, o que perfaz o total de 1.800,00 (mil e oitocentos) euros. No mais, mantém-se a decisão decorrida. Sem custas. (Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto) Lisboa, 12 de Novembro de 2019 Relatora: Anabela Simões Cardoso Adjunto: Cid Geraldo |