Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3755/18.2T8BRR-B.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
CESSAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
FALTA DE CUMPRIMENTO DOS DEVERES
DEVER DE RESPEITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- Quando se fala em impugnação da matéria de facto pretende-se significar um juízo de discordância com a decisão do julgador acerca de determinado facto. Para alcançar esse desiderato importa que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. Isto pressupõe, além do mais, que os meios de prova em que o recorrente/impugnante se baseia sejam enunciados, em termos relacionais e lógicos, com cada um dos factos visados para permitir que o tribunal perceba ou alcance o raciocínio persuasivo que o recorrente pretende demonstrar acerca de cada facto que impugna.
2- O art.º 2013º nº 1, al. c) do CC, relativo à cessação da obrigação alimentar, exige que o credor de alimentos viole gravementeos seus deveres para com o obrigado, não bastando, para fazer operar a cessação da obrigação de alimentos, uma mera violaçãodos deveres paterno-filiais, impondo-se, antes, uma violação qualificável como grave desses deveres: de assistência, de auxílio e de respeito.
3- O dever de respeito obriga cada sujeito da relação de filiação a não violar os direitos individuais do outro. Esses direitos individuais compreendem quer direitos de personalidadequer direitos patrimoniais.
4- Para que o requerido pudesse ficar desonerado do seu dever de prestar alimentos à filha, teria de verificar-se uma situação de grave violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do pai, não preenchendo o conceito de violação grave do dever de respeito a circunstância de a filha, actualmente maior, ter deixado de falar com o pai.
5- A medida da prestação dos alimentos aos filhos não se afere, estritamente, pela mera soma das necessidades vitais do alimentando (alimentação, vestuário, calçado, alojamento, educação): no cumprimento do dever de sustento, os pais estão obrigados a proporcionar aos filhos um nível de vida idêntico ao seu.
6- Os pais devem suportar as despesas dos filhos em formação académica, dentro dos limites das suas possibilidades, as quais devem ser aferidas de acordo com a capacidade económica de cada um dos progenitores para suportarem essas despesas.
7- Demonstrando-se que a capacidade económica do requerido é muitíssimo superior à da requerente - tem rendimentos mensais que são o quádruplo dos rendimentos da requerente - cabe-lhe suportar uma percentagem maior na pensão de alimentos de que a filha carece.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.

1-CRP, veio requerer, em 10/12/2019, alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra JPL, em relação à filha de ambos, BBL, nascida a 19/01/2003, pedindo:

- Que a guarda da (então) menor passe a ser atribuída à mãe, com quem passará a residir;
- A fixação da pensão de alimentos em 350€, actualizável anualmente por indexação ao coeficiente do INE, e ainda a comparticipação de metade no pagamento de despesas médicas, medicamentosas e escolares.

Alegou em síntese, que a 21.05.2019 foi homologado por sentença o acordo de regulação das responsabilidades parentais da jovem BBL, tendo a mesma ficado a residir alternada e semanalmente com ambos os progenitores; que desde Agosto de 2019, após um desentendimento entre o requerido e a filha, esta passou a residir exclusivamente com a requerente, sem que o requerido suporte quaisquer despesas com aquela, nem lhe permite aceder a bens pessoais e a material de estudo que ficaram em casa do requerido.
A requerente aufere 600€ mensais. Tem encargos mensais de cerca de 725,11€.
O requerido aufere uma pensão de reforma superior a 2.000€ mensais.
A menores tem necessidades, que descreve.

2- Realizada Conferência de Pais, a 12/01/2021, não foi possível alcançar acordo.

3- Por requerimento de 20/01/20, a requerente veio aos autos informar que a filha atingiu a maioridade e, por isso, torna-se inútil o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais no que toca ao regime de guarda, devendo prosseguir a procedimento no que toca ao pedido de alteração da pensão de alimentos, nos termos do art.º 989º nº 2 do CPC.

4- O requerido veio defender a inutilidade superveniente do incidente de alteração do regime das responsabilidades parentais face à maioridade da filha.

5- Por despacho de 22/09/2021, foi determinado que os autos prosseguissem com vista à fixação da pensão de alimentos a favor da BBL.
Foi fixada, a título provisório, uma pensão de 150€/mês.

6- Notificado para contestar o incidente, o requerido veio dizer que tem uma reforma mensal líquida de 2 221€ e especifica as despesas que diz ter mensalmente.
Invoca que a filha não lhe dirige a palavra, o que constitui a violação do dever de respeito para com o pai e, por isso deve cessar o dever de prestar alimentos. Além disso, o requerido nada sabe sobre o aproveitamento escolar da filha.
Conclui pela improcedência do pedido.

7- Foi solicitado ao ISS a elaboração dos relatórios a que alude o nº 2 do art.º 47º do RGPTC, os quais foram juntos aos autos a 14/12/2021 e 25/03/2022.
O requerido foi notificado para juntar comprovativos das despesas por si suportadas mensalmente e, bem assim, cópia das suas três últimas declarações de rendimentos.

8- Em 24/11/22 teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

9- Com data de 08/12/2022 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Decisão:
Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção, e em consequência, decide-se:
Fixar a favor da jovem BBL uma pensão de alimentos a cargo do requerido na quantia mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), por referência à data da entrada da acção em juízo, a transferir pelo requerido para a conta bancária da requerente, até ao dia 8 (oito) do mês a que disser respeito, e actualizável anualmente, a partir do mês de Dezembro de 2023, inclusive, de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
Ambos os progenitores comparticiparão na proporção de metade as despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de recibo.”

10- Inconformado, o requerido interpôs recurso (principal), formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª -Vem o presente recurso interposto da douta sentença com a referência Citius 421147864, na parte que fixou uma pensão de alimentos a cargo do ora recorrente na quantia mensal de €250,00, por referência à data da entrada da acção em juízo;
2.ª - Entende o ora apelante que os presentes autos foram julgados incorrectamente quanto a determinada matéria de facto, pois a realidade plasmada na douta sentença recorrida está em oposição com a que resulta de toda a prova documental junta aos autos.
3.ª - Pretende também a reapreciação da questão de direito, na medida em que a sentença não considerou relevante o facto da Apelada e da filha maior terem violado os seus deveres de credoras para com o obrigado (aqui Apelante), o que impõe a cessação do direito à pensão de alimentos;
4.ª – Considera o Apelante, por outro lado, que o montante fixado de €250,00 mensais não tem em consideração o binómio necessidades da credora/possibilidades do obrigado.
5.ª - A Apelante pretende a alteração da matéria de facto nos seguintes termos: devido a um erro na apreciação da prova, e ao invés do que decorre de toda a prova constante nos autos, a MMª Juiz a quo faz constar no ponto 13 da Fundamentação de Facto que o ora Apelante aufere uma pensão de reforma no montante de €2.400,00 mensais, sem especificar que se trata de um valor ilíquido e que a pensão mensal líquida auferida pelo ora apelante ascende a €2.221,00 (dois mil duzentos e vinte e um mil euros), com a qual tem que fazer face às suas despesas.
6.ª – Tendo em conta o referido rendimento líquido mensal (€2.221,00), bem como as despesas mensais, que ascendem a €2.200,00 (cfr. pontos 14, 15 e 16 da Fundamentação de Facto), facilmente se percebe que o ora Apelante não tem possibilidade de prestar uma pensão de valor superior ao montante arbitrado a título de alimentos provisórios (€150,00).
7.ª - Finalmente, refira-se que, como ficou provado no ponto 5 da Fundamentação de Facto, desde as férias de Verão de 2019 que não mais existiram convívios entre o progenitor [aqui Apelante] e a filha, o que demonstra que a Apelada e a filha maior de ambos têm violado reiteradamente e de forma grave o dever mútuo de respeito, auxílio e assistência, ao atentarem contra a personalidade moral do ora requerido, ao ofenderem a sua dignidade pessoal, o respeito e a consideração que lhe devem.
8.ª - Ao não falarem com o ora Apelante, ao ignorarem o Apelante em absoluto, excepto para reclamarem judicialmente uma pensão de alimentos, ao não informarem o Apelante da vida escolar da filha, a Apelada e a filha maior de ambos violam gravemente os seus deveres para com o Apelante.
9.ª - Por conseguinte, o ora Apelante considera que, em primeiro lugar, nada justifica a fixação de uma pensão de alimentos a favor da filha maior, por violação da mesma e da Apelada dos deveres do credor para com o obrigado, e, em segundo lugar, a fixação de uma pensão de alimentos em montante que ultrapassa as capacidades do obrigado também se mostra ilegal, ilegítima e ilícita.
10.ª - Assim, entende o ora Apelante que, salvo o devido respeito, que é muito, mal andou, pelo exposto, a MMª Juiz “a quo” ao decidir da forma apontada, devendo, ao invés, fazer cessar de imediato o direito de alimentos ou, em alternativa, manter inalterado o montante da pensão alimentícia fixado provisoriamente.
11.ª - Em suma, decidindo de modo contrário a todo o exposto, a douta decisão recorrida, ao não julgar a matéria de facto nos moldes supra indicados e ao fixar uma pensão de alimentos no valor mensal de €50,00, erra por violação de lei, ao não ter considerado a legislação vigente, entre o plano das normas e princípios constitucionais e o da aplicação concreta, violando, entre outras do douto suprimento desse Tribunal da Relação, as normas contidas nos art.ºs 1874º, 1880º, 1905º, 2013º do CC.

TERMOS EM QUE, e demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, concomitantemente, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que:
a) considere verificado o erro de julgamento de facto e julgue a matéria de facto nos moldes supra indicados, com todas as legais consequências;
b) considere verificados os pressupostos de cessação do direito à pensão de alimentos por parte da Apelada e da filha maior;
c) considere que o valor da pensão de alimentos fixado em €250,000 mensais não é ajustado quer às necessidades da credora, quer às possibilidades do obrigado, reduzindo-se a mesma substancialmente.

11- A requerente além de contra-alegar, interpôs recurso subordinado, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
Assim, na contra-alegação:
A. O Recorrente veio apelar da sentença proferida pelo tribunal a quo, que o condenou ao pagamento de alimentos a favor de BBL, jovem filha de ambos Recorrente e Recorrida, no montante mensal de €250,00, por referência à data de entrada da acção em juízo (por aplicação do artigo art.º 2006.º do Código Civil), através de transferência bancária até ao dia 8 do mês a que disser respeito, actualizável anualmente, a partir do mês de Dezembro de 2023, inclusive, de acordo com o índice de inflacção publicado pelo INE, e à comparticipação na proporção de metade para cada progenitor, ora Recorrente e ora Recorrida, as despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de recibo.
B. Para tanto, alega o Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de apreciação da matéria de facto, pretendendo ver alterado o ponto 13 da matéria de facto dada como provada, onde se lê que “13 – O requerido é reformado e aufere uma pensão de reforma no montante de €2.400,00 mensais.”, alegando tratar-se de um montante ilíquido.
C. Porém, não assiste qualquer razão ao Recorrente e a sua pretensão é totalmente desprovida de mérito.
D. A sentença proferida pelo Tribunal a quo contém descriminada a motivação da matéria dada como provada – com acertada remissão para os correspondentes documentos juntos aos autos, mormente para as declarações fiscais de rendimentos juntas aos autos pelo próprio Recorrente, referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020 (cfr. ponto 17, 18 e 19 da matéria provada, de acordo com Docs. 1 a 5 do Requerimento), e ainda para o relatório social também junto aos autos.
E. E, de tais declarações, resulta que o Recorrente declarou para efeitos fiscais os seguintes rendimentos (ilíquidos): €46.361,54, no ano de 2018; €47.246,40, no ano de 2019; e €47.006,42, no ano de 2020.
F. O que significa que, divididos por 12 meses, de modo a calcular o rendimento médio mensal do Recorrente, obtemos: €3.863,46 por mês, no ano de 2018; €3.937,20 por mês, no ano de 2019; e €3.917,20 por mês, no ano de 2020.
G. E muito embora não tenha sido facultada pelo Recorrente aos autos qualquer declaração fiscal mais recente ou documento que demonstre os seus rendimentos actualizados, foi junto pelo Novo Banco, na qualidade de entidade pagadora da pensão de reforma ao Recorrente, em 24 de Novembro de 2022, ao Apenso D do processo principal n.º 3755/18.2T8BRR, ao qual correm também apensos os presentes autos (como Apenso B), um ofício que informa ao tribunal a quo os rendimentos do Recorrente no mês de Outubro de 2022 (cuja cópia ora se junta).
H. Neste ofício, é possível verificar, uma vez mais que o Recorrente não aufere, como alega, “apenas” €2.221,00 líquidos mensais: no mês de Outubro de 2022, o Recorrente terá recebido a quantia ilíquida de €3.403,92, e líquida, já depois de efectuados os descontos legais, entre outros, inclusive a pensão de alimentos provisoriamente fixada pelo tribunal a quo, no âmbito dos presentes autos, a favor a filha, descontada directamente na pensão de reforma em virtude de incumprimento reiterado de pagamento voluntário (pelo montante de €180,00), de €2.340,72.
I. Se considerarmos o montante ilíquido recebido pelo Recorrente no referido mês de Outubro de 2022, no valor de €3.403,92, subtraído apenas dos descontos legais (isto é, deduções fiscais, categoria H, à taxa de 24,90%, no valor de €847,00), concluiríamos que o rendimento líquido correspondente é de €2.556,92.
J. E mais, se ao olho desatento este montante parecesse este montante líquido aproximar-se daquele que alega o Recorrente (€2.221,00 mensais), trata-se de pura falácia: pois que, tal montante líquido é recebido pelo Recorrente 14 vezes ao ano, atendendo a que recebe subsídio de férias e de Natal, e não apenas 12 meses!
K. Ao seja, o valor ilíquido recebido pelo Recorrente, de €3.403,92, multiplicado por 14 meses, perfaz um rendimento anual de €47.654,88, em tudo compatível com os valores anuais declarados para efeitos fiscais pelo Recorrente para os anos 2018, 2019 e 2020.
L. Diversamente do que afirma o Recorrente, nenhuma prova documental foi produzida nos autos que corrobore a sua alegação quanto ao montante dos seus rendimentos, antes pelo contrário: toda a prova documental a infirma.
M. Assim, a existir erro na redacção do ponto 13. da matéria de facto, será por defeito no montante da reforma, e nunca por excesso, pelo que, deve improceder a apelação do Recorrente.
N. O Recorrente tem e teve - ao longo de toda a pendência dos presentes autos, que iniciaram em 2019, quando a filha ainda era menor de idade e o Recorrente com absolutamente nada contribuiu voluntariamente a favor da mesma – inteira capacidade e disponibilidade financeira para prestar alimentos à filha, não só no valor e medida a que foi condenado pelo tribunal a quo, como ademais teria para suportar a totalidade do montante peticionado pela Recorrida nos autos.
O. A Recorrida trabalha como auxiliar de radiologia e auferiu (até Dezembro de 2023 inclusive) um vencimento mensal de cerca de €730,00 (setecentos e trinta euros), conforme resulta do ponto 6 da matéria provada, o qual decerto passará no corrente mês para cerca de €760,00 em virtude da alteração à RMNG para o ano de 2023, e gasta €400,00 mensais com o pagamento da renda do apartamento onde habita com a filha, conforme ponto 9 da matéria provada.
P. Isto é: a Recorrida e a filha vivem juntas com o remanescente valor de €330,00, para a alimentação, vestuário, saúde, transporte, telemóvel, internet, televisão, electricidade, gás, água consumidos na habitação, propinas da faculdade, e tudo o mais necessário essencial, de ambas!
Q. De acordo com as despesas que o Recorrente alega, o mesmo gasta esse valor de €300,00 mensais apenas com a sua própria alimentação...
R. Por tudo, repudia gritantemente que o Recorrente alegue, como faz, que o tribunal a quo, ao fixar uma pensão de alimentos no valor de €250,00 mensais a favor da filha, não teve “em consideração o binómio necessidades da credora [filha] / possibilidades do obrigado [Pai, Recorrente].”
S. As necessidades da filha, as possibilidades do Recorrente e ainda as possibilidades da Recorrida foram amplamente consideradas e ponderadas pelo tribunal a quo na fixação do montante da pensão atribuída a favor da filha, o qual, quanto muito, se mostra até modesto e comedido em face do que resultou provado dos autos.
T. Vem ainda o Recorrente na sua apelação tentar eximir-se de todo e qualquer pagamento de alimentos a favor da filha, alegando que a filha e a Apelada “têm violado reiteradamente e de forma grave o dever mútuo de respeito, auxílio e assistência, ao atentarem contra a personalidade moral do ora requerido, ao ofenderem a sua dignidade pessoal, o respeito e a consideração que lhe devem”, concluindo que assim o demonstra a circunstância de que “desde as férias de Verão de 2019 que não mais existiram convívios entre o progenitor [aqui Apelante] e a filha”.
U. Ora, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, unânimes, a ausência de convívios entre filhos e progenitor não constitui causa de desobrigação de prestar-lhes alimentos.
V. Neste sentido, pode ler-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-03-2012: “I – Só a violação grave do dever de respeito, por parte do filho, relativamente ao progenitor, poderá integrar a causa de cessação da obrigação de prestar alimentos por parte deste nos termos do art.º 2013.º n.º 1 al. c) do Código Civil. II – Não integra tal previsão a atitude da filha já maior que não fala, nem cumprimenta o pai, quando passa por ele na rua, com o qual, desde os 13 anos de idade, não tem qualquer contacto.”.
W. Ademais, in casu, a ausência de convívios entre o Recorrente e a filha, é precisamente imputável ao próprio Recorrente!
X. Conforme p.i. que deu origem aos presentes autos, e é matéria provada por acordo porquanto o Recorrente não a contestou, por ser inteiramente verdadeira, aconteceu que, na senda do Recorrente e a filha se terem desentendido nas férias de Verão de 2019 - quando vigorava o regime de residência alternada -, o Recorrente voltou das suas férias em Outubro de 2019, mas a filha “não mais conseguiu entrar na residência paterna porquanto o pai não lhe autoriza tal acesso – e isto não obstante os diversos telefonemas e pedidos que lhe faz para tal fim.” (cfr. art.º 12.º da p.i., não contestado, e seguintes, também não contestados);
“13. Esclareça-se que a menor nunca possuiu a chave de tal residência, desconhecendo também o código do respectivo alarme,
14. Pelo que, enquanto ali permaneceu apenas conseguia entrar acompanhada do pai, ou se previamente lhe telefonasse para que lhe abrisse a porta…
15. Assim, e por força de tal falta de acessibilidade àquela que ainda é a sua residência (alternada) – que lhe tem sido vedada pelo pai – a menor não consegue aceder aos seus bens pessoais, entre os quais se destacam livros, material escolar, roupa e calçado.
16. Em virtude de se encontrar impedida de aceder a tal morada, a menor apenas trouxe para a casa materna a roupa de verão que possuía enquanto esteve de férias com o pai!
17. Como tal a menor apenas se tem conseguido proteger da chuva e frio que, entretanto, se fizeram sentir, com recurso a alguns agasalhos comprados com a ajuda de familiares próximos, que tentam desde modo colmatar a situação causada pelo requerido, e contribuir o bem-estar e deste modo proteger a saúde da mesma – responsabilidade que o requerido parece ter esquecido…”.
Y. Ora, se a convivência entre o Recorrente e a filha cessou, foi porque o Recorrente impediu e proibiu de forma brusca e violenta essa convivência.
Z. A filha do Recorrente nunca se recusou falar-lhe ou cumprimentá-lo, nunca o ignorou nem evitou – ao contrário do que o Recorrente fez com aquela.
AA. Nunca a filha do Recorrente - nem sequer aliás a Recorrida - o ofendeu, agrediu,
ou sequer desrespeitou, nem praticou qualquer acto ou omissão que consubstanciasse violação do dever de mútuo respeito, auxílio e assistência, e menos ainda de forma reiterada e grave.
BB. Nem aliás o Recorrente alega qualquer facto que consubstanciasse uma tal conduta reprovável e reiterada, nem poderia, porque nunca assim aconteceu.
CC. Alega o Recorrente que “a Apelada e a filha maior de ambos violam gravemente os seus deveres para com o Apelante”, “ao não falarem com o Apelante, ao ignorarem o Apelante em absoluto, excepto para reclamarem judicialmente uma pensão de alimentos”.
DD. No entanto, foi o próprio Recorrente quem nunca mais falou à filha, ignorando-a em absoluto, não lhe atendendo nem retribuindo as chamadas, não contribuindo dessa data em diante para a sobrevivência da filha com um único cêntimo, nem com partilha de despesas de saúde ou escolares da filha, nem sequer aliás com uma única mensagem, telefonema, presente de Natal, aniversário, etc., e nem mesmo quando a Recorrida se encontrava de baixa médica por doença, em que recebia mensalmente apenas €400,00, valor esse que se esgota integralmente com o pagamento da renda da fracção onde Recorrida e filha vivem juntas!
EE. A filha do Recorrente ficou privada, a partir de Agosto de 2019, por ter ficado retida em casa do pai, da sua especial calculadora e do restante material escolar, que aos então 17 anos de idade eram fundamentais e essenciais ao sucesso escolar. É incompreensível que o Recorrente ignore o sofrimento e humilhação que infligiu à filha, que era ainda menor de idade, e que ademais pretenda agora fazer recair sobre esta a responsabilidade da ausência de convivência que lhe impôs.
FF. Pode ler-se no Ac. do TRC, de 19-12-2018 (in www.dgsi.pt): «2 – A «irrazoabilidade» fundamentadora da inexigência de alimentos pós menoridade – art.º 1905º nº 2 do CC – é quid exceptivo, integrado por vários elementos - rendimentos, despesas, aproveitamento escolar, relacionamento - a provar pelo pai – art.º 342 nº 2 do CC.; e se atinente a este relacionamento, vg., conduta desrespeitosa do filho, deve aquele não apenas provar a sua objectividade, como, outrossim, a necessidade de imputação ao descendente de um, único ou essencial/determinante, juízo ético jurídico de censura. 3 – Provando-se que: pai e filhos não falam uns com os outros e que o filho chegou uma vez a enfrentar o pai fisicamente, tal, só por si, não é bastante e suficiente para se concluir pela irrazoabilidade do pedido no sentido de um total indeferimento do quantum impetrado; podendo, porém, influir no quantum do mesmo.» (sublinhado nosso).
GG. Na verdade, o Recorrente mais não faz do que tentar fugir às suas responsabilidades para com a filha. Aliás, apenas quando foi condenado pelo tribunal a quo ao pagamento de alimentos a título provisório, passou a contribuir com alimentos para a filha – e, mesmo assim, em desrespeito do que foi judicialmente ordenado, e ainda na pendência da presente acção, o Recorrente rapidamente deixou, por completo, de pagar a pensão de alimentos a que estava obrigado, o que perdurou ao longo de vários meses, até ter sido imposto pelo tribunal a quo o desconto da pensão de alimentos directamente na pensão de reforma do Recorrente.
HH. Em face da matéria de facto provada, com sustentação quer documental, quer testemunhal, quer por acordo entre as partes, e vista à luz do direito aplicável e da jurisprudência, não poderia o tribunal recorrido ter decidido diversamente.
II. Nenhuma das normas legais citadas pelo Recorrente, nem aliás nenhuma outra, foi violada com a decisão do tribunal a quo, pelo que, a não merecer provimento o recurso subordinado ora apresentado - o que só por mero dever de patrocínio de alega, sem conceder - deve então aquela decisão ser confirmada, pelo tribunal de recurso.
No recurso subordinado:
A. O tribunal a quo condenou o Requerido, ora Recorrido, ao pagamento à filha BBL, de uma pensão de alimentos na quantia mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), por referência à data de entrada da acção em juízo, através de transferência bancária até ao dia 8 do mês a que disser respeito, actualizável anualmente, a partir do mês de Dezembro de 2023, inclusive, de acordo com o índice de inflacção publicado pelo INE, e à comparticipação na proporção de metade para cada progenitor, ora Recorrente e Recorrido, as despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de recibo.
B. Porém, o quantum fixado a título de alimentos, isto é €250,00 mensais, a pagar pelo Recorrido à filha, mostra-se parco e insuficiente à luz da matéria provada nos presentes autos, e atendendo às necessidades da filha, conjugadas com a capacidade contributiva quer do ora Recorrido, quer da ora Recorrente, parco e insuficiente, devendo sim aquele valor ser fixado em, pelo menos, €350,00 mensais.
C. Isto porquanto o tribunal a quo laborou num erro, ao dar como provado que o ora Recorrido aufere de uma pensão de reforma no montante de €2.400,00 mensais.
D. Na verdade, considerados os rendimentos anuais do Recorrido constantes da matéria de facto provada nos pontos 17, 18 e 19 da sentença recorrida, conjugados com o documento ora junto (concernente aos rendimentos do Recorrido no passado mês de Outubro de 2022), verifica-se que o mesmo aufere de uma média mensal líquida de aproximadamente €2.942,70.
E. Ora, o Recorrente alegou despesas mensais no montante de €2.200,00, o que significa que, depois de já paga a amortização do empréstimo contraído para aquisição da vivenda com piscina onde vive sozinho em Brejos de Azeitão (no montante mensal de €750,00 – empréstimo este que ficará integralmente amortizado no início do ano 2024), e depois de já paga a amortização de empréstimo contraído para a aquisição de uma segunda habitação num condomínio no Algarve, e depois de pagas as suas despesas de água, gás, luz respeitantes às referidas habitações e ainda a uma terceira de que é proprietário no Alentejo, e já descontado o valor de telecomunicações que suporta mensalmente e ainda com o combustível que abastece a viatura em que se desloca, remanesce-lhe ainda em média, a quantia mensal líquida de €742,70!
F. Ao seja, mesmo mantendo a vida luxuosa que o Recorrido tem mantido, sem fazer qualquer corte ou sacrifício, remanesce-lhe sobejamente rendimento que lhe permita contribuir com alimentos para a filha no montante mensal de pelo menos €350,00.
G. Veja-se que, a Recorrente, que trabalha como auxiliar de radiologia, auferia até Dezembro passado inclusive de um vencimento de aproximadamente €730,00 mensais (cfr. ponto 6 da matéria provada) – o qual decerto será a partir do corrente mês actualizado para cerca de €760,00 em virtude da actualização da RMNG para o ano de 2020.
H. E com a renda do apartamento onde a Recorrente habita com a filha, a mesma despende da quantia mensal de €400,00 (cfr. ponto 9 da matéria provada).
I. O que significa que, com os remanescentes €330,00 (que neste mês decerto passarão a cerca de €360,00) que a ora Recorrente e a filha fazem face às despesas de alimentação, vestuário, saúde, transporte, telemóvel, internet, televisão, electricidade, gás e água consumidos na habitação, propinas da faculdade, e tudo o mais necessário essencial, de ambas!
J. A jovem BBL estuda, frequentando actualmente o 1.º ano da Licenciatura em Contabilidade e Finanças (cfr. ponto 7 da matéria provada), deslocando-se de comboio (cfr. ponto 8 da matéria provada).
K. A filha tem despesas mensais fixas atinentes à sua alimentação, higiene, saúde (sofrendo de problemas dermatológicos, cujos tratamentos são extremamente dispendiosos), às propinas da faculdade, ao passe para transportes públicos, as quais resultam liquidadas e provadas nos presentes autos.
L. Considerando o binómio das reais necessidades da filha, em face das possibilidades do Recorrido e das possibilidades da Recorrente, dúvidas não restam que o montante da pensão, fixado em €350,00 mensais, actualizáveis anualmente por referência ao índice de inflação publicado pelo INE a partir de Dezembro de 2023 inclusive, é o proporcional e ajustado in casu.
M. Deve, quanto a tudo o mais, ser a sentença proferida pelo tribunal a quo integralmente mantida, designadamente quanto à comparticipação de ambos Recorrente e Recorrido na proporção de metade das despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de comprovativo,
N. Bem assim como a condenação do Recorrido por referência à data de entrada da acção em juízo, ao abrigo do disposto no art.º 2006.º do CC.
Pelo que, deverá ser julgado totalmente procedente o presente recurso subordinado e, por conseguinte, alterado o quantum da pensão de alimentos, devendo ser fixada em €350,00 mensais e, em consequência, deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso de apelação deduzido pelo Recorrente.

Juntou cópia de documento, junto aos autos a 24/11/2022, consistindo em informação do Novo Banco ao Tribunal sobre ao valores ilíquidos e líquidos de pensão de reforma recebidos pelo requerido no mês de Outubro de 2022.

12- Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso subordinado.

***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
A) -No recurso (principal) do requerido:
1- A impugnação da matéria de facto;
2- A revogação da sentença:
i)- Cessação do direito a alimentos por violação dos deveres do credor para com o obrigado a alimentos;
ii)- Erro na ponderação do valor da pensão de alimentos.
B) - No recurso (subordinado) da requerente:
1- Questão prévia: junção de documento.
2- A impugnação da matéria de facto;
3- A revogação da sentença, com fixação da pensão de alimentos em 350€ mensais.
***
2- Matéria de Facto.

A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto:

1-BBL nasceu no dia 19.01.2003 e é filha de JPL e de CRP - (conforme certidão do assento de nascimento junta aos autos principais, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
2- Por acordo alcançado em 21.05.2019 e homologado por sentença, no âmbito do processo de divórcio que constitui o processo principal, requerente e requerido acordaram proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais da filha BBL nos seguintes termos: “1. A BBL ficará a residir alternadamente com cada um dos progenitores, sendo as questões de particular importância da vida da menor exercidas em conjunto por ambos os progenitores. 2. A troca de residência ocorrerá aos domingos à noite, assumindo a mãe perante a escola as funções de encarregada de educação. 3. A menor poderá estar com qualquer um dos progenitores em qualquer outra situação desde que o deseje, procurando todos respeitar o regime de alternância quanto às épocas festivas do natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa. 4. Durante o período de férias escolares de Verão a menor poderá passar com cada um dos progenitores um período mínimo de 15 dias, devendo para o efeito os progenitores comunicarem entre si tais períodos até dia 30 de Abril de cada ano. 5. A título de alimentos os pais suportarão em partes iguais todas as despesas referentes à educação, médicas, medicamentosas e de vestuário. Não se fixa qualquer outra prestação regular atendendo à repartição tendencialmente igualitária vivencial dos pais com a menor. 6. Quanto a despesas educacionais de carácter extraordinário, ou extra escolares, incluindo lúdicas, como por exemplo participação em actividades de ocupação de tempos livres e ainda de enriquecimento curricular, ATL, entre outras, estas serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores mas apenas no caso de ambos terem dado o seu consentimento quanto à origem das mesmas.” – (conforme resulta da acta constante dos autos principais, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

3- Após as férias de verão de 2019, no mês de Agosto, devido a um desentendimento havido entre o progenitor e a filha, esta passou a residir exclusivamente com a requerente.

4- O agregado da jovem é constituído por si e pela requerente, sua mãe, e reside num apartamento arrendado de tipologia T2, composto por dois quartos, sala, cozinha e casa de banho.

5- Desde a data mencionada em 3), não mais existiram convívios entre o progenitor e a filha e aquele não mais contribuiu para o seu sustento até à fixação do regime provisório.

6- A requerente é auxiliar de radiologia e aufere um vencimento mensal de cerca de €730,00.

7- No corrente ano lectivo (2022-2023), a jovem BBL frequenta o 1º ano da Licenciatura em Contabilidade e Finanças, no Instituto Politécnico de Setúbal.

8- A jovem desloca-se de comboio para as instalações da Universidade, referidas em 7).

9- A requerente, além das despesas próprias e da filha, com alimentação, vestuário e saúde, e de educação desta, e dos gastos com a manutenção da habitação, paga de renda mensal a quantia de €400,00.

10- Paga o montante mensal de €40,00 com o passe para a filha se deslocar para a Universidade.

11- Paga as propinas pela frequência da licenciatura, no valor de cerca de €100,00.

12- Para suportar as despesas com a filha, a requerente recorre à ajuda de familiares próximos.

13- O requerido é reformado e aufere uma pensão que lhe permite um valor disponível mensal líquido, doze vezes por ano, na ordem dos 2.921,17€.* (redação dada na sequência da impugnação da matéria de facto no recurso da requerente).

14- O requerido reside em habitação própria e paga, por mês, para amortização de empréstimo contraído para aquisição da aludida habitação, sita em Brejos de Azeitão, o montante de €750,00.

15- O requerido paga, por mês, para amortização de empréstimo contraído para aquisição de segunda habitação, sita no Algarve, o montante de € 1.000,00.

16- O requerido suporta despesas com água, luz e gás, no montante de €300,00, com telecomunicações o montante de €50,00, com combustível o montante de €100,00.

17- Em 2018 o requerido declarou, para efeitos fiscais, rendimentos anuais no montante de €46.361,54.

18- Em 2019 o requerido declarou, para efeitos fiscais, rendimentos anuais no montante de €47.246,40.

19- Em 2020 o requerido declarou, para efeitos fiscais, rendimentos anuais no montante de €47.006,42.

20- O requerido foi submetido a intervenção cirúrgica ao coração no corrente ano.
***
3- As questões enunciadas.

3.1- Recurso do requerido.

3.1.1- A Impugnação da Matéria de Facto.

O apelante/progenitor, impugna o ponto 13 dos factos provados, dizendo que na sentença foi dado como provado que ele aufere uma pensão de reforma no montante de 2.400,00 € mensais, sem especificar que se trata de um valor ilíquido e que a pensão mensal líquida auferida pelo ora apelante ascende a 2.221,00€.
Ora bem, antes de mais, convém relembrar que o art.º 640º do CPC impõe ao recorrente que impugne matéria de facto o cumprimento de certos ónus sob pena de rejeição do recurso quanto a essa impugnação.
Concretizando.
Estabelece o art.º 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Por comparação com o art.º 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desse ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição:
(i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
(ii) especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
(iii) indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E,
(iv) “…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.).  
Saliente-se ainda que o legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 137).
Além disso, relembre-se, que não existe despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 141).
No caso dos autos, o recorrente limitou-se a indicar qual o ponto de facto que considera incorrectamente julgado: o ponto 13 dos factos provados. E indicou qual a resposta que, em seu entender, deveria ser dada a esse facto.
Porém, não especificou, rectius, não indicou nenhum meio de prova, constante do processo, que, em seu entender determinaria uma decisão diversa quanto a esse facto.
Ou seja, não se percebe em que meio de prova se baseia o requerido/apelante para ver alterado aquele ponto da matéria de facto.
Perceba-se que quando se fala em impugnação da matéria de facto pretende-se significar um juízo de discordância com a decisão do julgador acerca de determinado facto. E que para alcançar esse desiderato importa que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. No fundo, impõe-se que o impugnante convença o tribunal ad quem que, perante aqueles meios de prova, o resultado do juízo probatório deveria ter sido outro.
Na verdade, como é sabido e decorre do artº 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade de um facto. No fundo, a prova é sinónimo da actividade persuasiva da veracidade de certos juízos de facto, visando demonstrar a sua realidade.
Com a produção da prova pretende-se, de acordo com critérios de razoabilidade, convencer o julgador da veracidade de certo facto. O destinatário da convicção que a prova tende a criar é o julgador. Nas palavras de Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 436) “A prova, no processo, pode assim definir-se como a actividade tendente a criar no espírito do juiz a convicção (certeza subjectiva) da realidade de um facto.”
A demonstração dos factos mediante a actividade probatória reconduz-se a um processo cognitivo, através do qual o juiz acede a uma realidade existencial ou experimentável ou do foro psicológico, seja por via da percepção directa (inspecção judicial) ou indirecta (prova testemunhal) seja até por via de presunções apoiadas nas regras da experiência comum ou da própria lógica do pensamento.
O juízo de apreciação da matéria de facto consiste, assim, numa actividade decisória objectivada no juízo de conformidade (ou desconformidade) entre os factos alegados e o correlativo acontecer fáctico, juízo esse que se estriba na convicção do julgador ou no valor legalmente atribuído ao meio de prova (Manuel Tomé Soares Gomes, Noções e Quadros Elementares do Direito Probatório Civil e Comercial, CEJ, edição policopiada, 1994, pág. 5).
Portanto, à semelhança do que sucede na primeira instância, também na impugnação da matéria de facto junto da Relação, o apelante tem de convencer os juízes do tribunal de recuso de, perante aqueles meios de prova, que por isso deve especificar, o resultado ou juízo probatório deveria ter sido outro, o que ele pretende ver alcançado.
Isto pressupõe, além dos mais, que os meios de prova em que o recorrente/impugnante se baseia sejam enunciados em termos relacionais e lógicos com cada um dos factos visados para permitir que o tribunal perceba ou alcance o raciocínio persuasivo que o recorrente pretende demonstrar acerca de cada facto que impugna.
Como se viu, o apelante não indica qualquer meio de prova em que pretende basear-para ver alterado o ponto 13 dos factos provados.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, resta concluir pela rejeição da impugnação da matéria de facto apresentada pelo apelante.
***
3.1.2- A Revogação da sentença.

3.1.2.1- A Cessação do direito a alimentos por violação dos deveres do credor para com o obrigado a alimentos.

Defende o requerido/apelante que, conforme ficou provado, desde as férias de Verão de 2019 que não mais existiram convívios entre ele, progenitor, e a filha. E que, por isso, a filha tem violado reiteradamente e de forma grave os deveres de respeito, auxílio e assistência e, atentado contra a personalidade moral do ora requerido, ofendendo a sua dignidade pessoal, o respeito e a consideração que lhe deve, pelo que nos termos do artº 2013º nº 1, al. c) do CC deve cessar a obrigação de alimentos.
Será assim?
Em termos gerais, os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos a formação académica ou profissional. Por isso, o art.º 1880º determina que a obrigação de alimentos não cessa com a maioridade, mantendo-se até que o filho complete a sua formação e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, pelo tempo em que perdura, normalmente, essa formação, até ao limite de 25 anos de idade (artº 1905º nº 2 do CC).
Digamos que o art.º 1880º estabelece uma excepção ao art.º 1877º, visto que o atingimento da maioridade não significa, necessariamente, uma causa de cessação da obrigação de alimentos.
Ora bem, no que respeita às causas de cessação da obrigação prestar alimentos, determina o art.º 2013º nº 1 do CC que a obrigação de prestar alimentos cessa:
(i)- com a morte do obrigado (al. a));
(ii) quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles (al. b));
(iii) quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
E que deveres são esses?
Em termos gerais, pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, como determina, expressamente, o art.º 1874º nº 1 do CC.
Do dever de auxílio decorrem obrigações de ajuda e protecção relativos, quer à pessoa quer ao património dos pais e filhos.
O dever de assistência tem um cariz estruturalmente patrimonial, impondo prestações susceptíveis de avaliação pecuniária, nele cabendo a obrigação de prestar alimentos. Note-se que a obrigação de alimentos é absorvida pelo dever de contribuir para os encargos da vida familiar durante a vida em comum, só adquirindo autonomia no caso de não haver comunhão de habitação entre pais e filhos. (Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, Pág. 269).
O dever de respeito obriga cada sujeito da relação de filiação a não violar os direitos individuais do outro. Esses direitos individuais compreendem quer direitos de personalidade quer direitos patrimoniais”. (Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família…cit., pág. 268).
A lei usa uma fórmula aberta que tem de ser densificada casuisticamente, atendendo aos contornos específicos da relação jurídica entre devedor e credor da obrigação de alimentos. Caberão aqui, desde logo, os comportamentos que traduzam a violação grave dos deveres gerais que recaem sobre todos os sujeitos de respeitar as posições jurídicas oponíveis erga omnes tutelados delitualmente e que correspondem, de forma sintética à titularidade dos direitos absolutos (nomeadamente direitos reais e direitos de personalidade (…) Só uma inobservância qualificada – que revista gravidade objectiva – desses deveres poderá constituir causa de cessação da obrigação de alimentos.” (Rute Teixeira Pedro, CC anotado, AAVV, coord. Ana Prata, Vol. II, pág. 921 e seg.).
Refere Clara Sottomayor (Regulação do Exercício das Responsabilidades parentais nos casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 499) “Mas entendemos que a ideia de razoabilidade não abrange a possibilidade de o devedor invocar, para se desonerar da obrigação, desentendimentos e conflitos com os filhos normais entre gerações diferentes ou um corte de relações da iniciativa dos filhos…”.
De resto, na jurisprudência vem sendo entendido, maioritariamente, que a circunstância de o filho deixar de falar ao pai, sem que se apure que a causa desse corte de relações é inteiramente imputável ao filho, não constitui fundamento bastante para fazer operar a cessação da obrigação de prestação de alimento pelo pai, ou seja, não preenche a previsão normativa do artº 2013º nº 1, al. c) do CC: violação grave dos seus deveres para com o obrigado.
Vejam-se, consultáveis em www.dgsi.pt, entre outros:
- Ac. TRC, de 21/05/2019 (Luís Cravo):
II – O art.º 2013º, nº 1, al. c) do mesmo C.Civil que prevê, hoje, como causa de cessação da obrigação alimentar a violação grave dos deveres do alimentando para com o obrigado não é aplicável, automaticamente, a estes casos.
IV – As regras gerais dos contratos sinalagmáticos não são aplicáveis às relações familiares em causa, não sendo legítimo que qualquer um deles alegue uma conduta do outro para se desonerar do cumprimento das obrigações a que se encontra adstrito, pela chamada “compensação de culpas”.
V – Não é qualquer situação de menosprezo [pelo credor de alimentos relativamente ao obrigado a alimentos] de valores como o do respeito, a estima, a consideração e a solidariedade familiar, justificam ou autorizam que se declare/conclua pela desobrigação de prestação de alimentos.
VI – Sempre sempre seria necessária a verificação de uma situação de desrespeito grave dos ditos valores, fruto de uma vontade intencional, como, vg., uma ofensa gratuita do dever de respeito, uma falta clamorosa do dever de assistência na doença, uma ausência ou desinteresse ostensivos numa situação de infortúnio.
VII – Assim, o facto da filha e progenitor não se relacionaram, sem que esteja sequer determinado que tal situação é exclusivamente imputável à filha, não permite concluir que há uma falta de respeito da parte desta para com o seu progenitor e não torna, só por si, desrazoável a manutenção de tal obrigação por parte deste último.”
Ac. TRP, de 10/02/2000 (Alves Velho):
I - A obrigação de alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
II - O pai cuja filha de 18 anos se comporta para com ele como uma estranha, há mais de 10 anos, e não intentou pôr termo ou ultrapassar essa situação permitindo assim a quebra dos laços próprios da relação parental, não pode exigir a desoneração da obrigação alimentar para com ela, por ser a ele imputável a violação recíproca dos deveres paternais e filiais e a violação, por parte dela, não ter gravidade que justifique a cessação dos alimentos.
Concordamos com este entendimento jurisprudencial e com aquela doutrina.
Na verdade, importa ter presente que o art.º 2013º nº 1, al. c) do CC exige que o credor de alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado, não bastando, por isso, para fazer operar a cessação da obrigação de alimentos, uma mera violação dos deveres paterno-filiais, impondo-se, antes, uma violação qualificável como grave desses deveres. E vimos quais são esses deveres: de assistência, de auxílio e de respeito.
Portanto, para que o requerido pudesse ficar desonerado do seu dever de prestar alimentos à filha, teria de verificar-se uma situação de grave violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do pai, obrigado a alimentos.
Ora, no caso em apreço, apenas se apurou que, desde as férias de Verão de 2019 que não mais existiram convívios entre ele, progenitor, e a filha.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos que a ausência de convívios entre pai e filha possam constituir uma grave violação do dever de respeito, rectius, uma grave violação dos direitos de personalidade ou patrimoniais do progenitor.
Tanto basta para concluir que não há fundamento para considerar cessada a obrigação de o progenitor prestar alimentos à filha.

3.1.2.2- Erro na ponderação do valor da pensão de alimentos.

Entende o requerido/apelante que 1ª instância, ao fixar a pensão de alimentos em 250€ mensais não levou em consideração que o apelante tem uma pensão de reforma mensal de 2.221€ e despesas que ascendem mensalmente a 2.200€.
Vejamos.
Em primeiro lugar, importa ter presente que este raciocínio do requerido/apelante se baseava na impugnação do ponto 13 dos factos provados, em que defendia que em vez dos 2.400€ mensais de pensão de reforma, apenas recebe 2.221€.
Ora como se viu acima, foi rejeitada a impugnação da matéria de facto quanto a esse ponto de facto (aliás, o único impugnado). Tanto bastaria para afastar a invocada impossibilidade de o requerido suportar alimentos mensais de 250€.
Além disso, haveria de considerar o seguinte. Mesmo se correspondesse à realidade que o requerido/apelante “apenas” recebe 2.221€ mensais de pensão de reforma, essa pensão é recebida 14 vezes por ano, o que perfazia um recebimento anual de reforma de 31.094€. Ora, as despesas que o requerido apelante diz ter, são suportadas 12 vezes por ano. Ou seja, se multiplicarmos 2.221€ por 14 e dividirmos por 12, teremos que o requerido tem disponíveis em cada um dos 12 meses do ano, 2.591,16€. Portanto, mais até que a quantia de 2.400€ que a sentença da 1ª instância considerou.
Seja como for, falhando, rectius, sendo rejeitada a impugnação da matéria de facto relativamente ao valor mensal da pensão de reforma do requerido e, baseando-se a sua pretensão de redução do valor mensal da prestação de alimentos à filha naquele menor valor de pensão, resta concluir que não pode proceder a pretensão de redução da prestação de alimentos.

Em suma: improcede integralmente o recurso (principal) do requerido/apelante.
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3.2- O Recurso subordinado da requerente.

3.2.1- Questão prévia: A junção de documento.

Com a alegação, a requerente/apelante subordinada, juntou cópia de documento, junto aos autos (apenso D) a 24/11/2022, consistindo em informação do Novo Banco, ao Tribunal, sobre ao valores ilíquidos e líquidos de pensão de reforma recebidos pelo requerido no mês de Outubro de 2022.
Coloca-se a questão de saber se é admissível a junção desse documento.
Pois bem, determina o art.º 425º do CPC que “…depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por sua vez, o art.º 651º nº 1 do CPC afirma que “As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Resulta da conjugação destes dois preceitos que a junção de documentos na fase do recurso só é admissível em duas situações: i)- por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância; ii)- por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
No caso, não está em causa a situação referida em i), mas, antes, a referida em ii), visto que o encerramento da discussão em 1ª instância teve lugar a 24/11/2022 (conforme acta Refª 420907691).
Assim, sem necessidade de outros considerandos, admite-se o mencionado documento.

3.2.2- A impugnação da matéria de facto.

Entende a requerente/apelante subordinada que o tribunal laborou em erro quando deu como provado que o requerido aufere 2.400€ mensais de pensão de reforma. Invoca para o efeito que a 1ª instância se baseou, apenas, no relatório social junto aos autos e, se tivesse tido em conta as declarações de IRS do requerido, nos anos de 2018 (46.361,54€), do ano de 2019 (47.246,40€), do ano de 2020 (47.006,42€), dados como provados, respectivamente, nos pontos 17, 18 e 19, teria concluído que o valor do rendimento mensal disponível do requerido seria da ordem dos 2.942,70€ (47.006,42€, menos retenção na fonte de 11.694€), perfazendo um rendimento líquido, no ano de 2020 de 35.312,42€ que, dividido por 12 meses monta a 2.942,70€ de rendimento mensal liquido disponível. E do documento junto ao apenso D - informação do Novo Banco, ao Tribunal, sobre ao valores ilíquidos e líquidos de pensão de reforma recebidos pelo requerido no mês de Outubro de 2022 – decorre que o requerido recebeu um valor ilíquido de 3.403,92€ e líquido de 2.340,72€, já depois de descontados os 180€ mensais relativos ao desconto dos pagamentos à filha de 150€ mensais (valor de alimentos provisórios), mais 30€ por prestações em atraso; sendo certo quele valor ilíquido de 3.403,92€, porque recebido 14 vezes/ano monta a valor de 47.654,88€, montante próximo dos valores declarados em 2018, 2019 e 2020. E que em face desses elementos, deverá dar-se como provado que o requerido tem um valor disponível mensal líquido da ordem dos 2.942,70€.

Pois bem, haverá fundamento para alterar o ponto 13 dos factos provados em termos de considerar que o requerido tem um valor disponível mensal líquido na ordem dos 2.942,70€?

Vejamos.
Como bem salienta a requerente, foi dado como provado, nos pontos 17, 18 e 19 que o requerido declarou rendimentos, respectivamente, no ano de 2018, de 46.361,54€, no ano de 2019, de 47.246,40€, e, no ano de 2020, de 47.006,42€. Além disso, do documento junto com as alegações da requerente e que constitui cópia da informação prestada, a 24/11/2022, pelo Novo Banco, ao Tribunal, no apenso D, sobre os valores ilíquidos e líquidos de pensão de reforma recebidos pelo requerido no mês de Outubro de 2022, decorre que ele, naquele mês de Outubro de 2022, recebeu um valor ilíquido de 3.403,92€ que, por ser recebido 14 vezes ano perfazendo um montante ilíquido de 47.654,88€, montante muito próximo das declarações de rendimentos do requerido nos anos de 2018, 2019 e 2020, que acima se referiram.
Há, assim, um padrão de rendimentos ilíquidos recebidos pelo requerido, nos últimos anos, que rondam os 47.000€.
Se se considerar a dedução fiscal sobre a pensão, de 24,90%, correspondente à categoria H, como de resto expressamente consta da informação do Banco, de 24/11/2022 e, das declarações de IRS dos anos de 2018, 2019 e 2020, com retenções na fonte, respectivamente, de 11.587€, de 12.152€ e, de 11.694€ (juntas pelo requerido a 26/04/2022) temos que o requerido recebeu os seguintes valores anuais líquidos:
- 2018: 34.774,54€ (46.361,54€-11.587€), o que a dividir por 12 meses, perfaz 2.897,87€;
-2019: 35.094,40€ (47.246,40€-12.152€), o que a dividir por 12 meses, perfaz 2.924,53€;
-2020: 35.312,42€ (47.006,42€-11 694€), o que a dividir por 12 meses, perfaz 2.942,70€.
Procedendo à média desses três anos temos que o requerido teve disponíveis, em média 2.921,17€ mensais.
E também valores dessa ordem recebidos no ano de 2022, como vimos acima, dado o padrão de rendimentos anuais brutos na ordem dos 47.000€.
Significa isto que, em termos de rendimento disponível mensal líquido, que se encontra dividindo aquelas quantias líquidas anuais por duodécimos, visto que as despesas e encargos que o requerido invocou suportar são, somente, 12 vezes por anos, teremos que o requerido tem um valor disponível mensal líquido, dozes vezes por ano, da ordem dos 2.921,17€.
Assim sendo importa julgar procedente a impugnação da matéria de facto feita pela requerente/apelante subordinada e, em consequência, altera-se o ponto 13 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção (que será introduzida no local próprio):
13- O requerido é reformado e aufere uma pensão que lhe permite um valor disponível mensal líquido, doze vezes por ano, na ordem dos 2.921,17€.

3.2.3- A revogação da sentença, com fixação da pensão de alimentos em 350€ mensais.

Defende a requerente que face ao valor de reforma disponível mensalmente pelo requerido – como vimos na ordem dos 2.921,17€ - o valor da pensão de alimentos à filha deve ser fixado em 350€ mensais para que ela possa ter uma vida minimamente digna e equilibrada para uma pessoa da sua idade, sendo que a requerente está impossibilitada de lhe prestar apoio em quantidade superior ao que já presta atualmente, dado que apenas aufere mensalmente 730€ mensais e só de renda da casa paga 400€/mês. Isto tendo em conta o valor que o requerido tem disponível mensalmente a título de pensão de reforma e em face das despesas que alegou ter de suportar, na ordem de 2.200€/mês, sobram-lhe 742,70€, o que permite pagar aquela pensão de alimentos.

Vejamos então se será assim.

É conhecida a noção de alimentos estabelecida no artº 2003º do CC: englobam tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário e ainda à instrução e educação do alimentando. Isto é, importa ter em consideração as despesas respeitantes à alimentação (comida, bebida) residência (utilização de um espaço para viver com disponibilização dos recursos básicos para a vida quotidiana, água e electricidade), a indumentária (roupa, calçado) e também as relacionadas com a saúde (consultas médicas, fármacos e tratamentos prescritos) e ainda a higiene do alimentado e da casa (Cf. Rute Teixeira Pedro, CC anotado, AAVV, coord. de Ana Prata, vol. II, 2017, pág. 903).
E, como decorre do nº 2 do art.º 2004º e do art.º 1885º nº 1, cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
É igualmente sabido que na determinação das necessidades do filho, deverá entender-se ao seu padrão de vida, ambiência familiar, social, cultural e económico a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar alimentos (Cf. Ac. TRL, de 25/03/1993, CJ, Tomo II, pág. 199).
Por outro lado, a obrigação de alimentos orienta-se por dois princípios essenciais:
(i)- A necessidade do alimentando (art.ºs 2004º nºs 1, 2ª parte e nº 2 e 2013º nº 1, al. b), 2ª parte);
(ii) A possibilidade do devedor e a proporcionalidade relativamente aos seus meios económicos e patrimoniais (art.º 2004º nº 1, 1ª parte, e 2013º nº 1, al. b), 1ª parte).
Além disso, a medida da prestação dos alimentos não se afere estritamente pela mera soma das necessidades vitais do alimentando (alimentação, vestuário, calçado, alojamento, educação) visando, antes, assegurar-lhe um nível de vida económico e social idêntico ao dos pais, mesmo que estes se encontrem separados, devendo mesmo atender-se ao nível de vida que os progenitores desfrutavam na sociedade conjugal, na constância do casamento. Portanto, após a ruptura da relação conjugal, o filho deve ser mantido no standard de vida que disfrutava antes da ruptura dos progenitores, visto parecer claro que os pais devem proporcionar aos filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus (Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, apud Tomé d’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível anotado e comentado, 3ª edição, 2018, pág. 139 e seg.). Ou seja, “No cumprimento do dever de sustento, os pais estão obrigados a proporcionar aos filhos um nível de vida idêntico ao seu.” (Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, pág. 295).
E a circunstância de a filha, entretanto, ter atingido a maioridade não releva para efeitos de cessação da prestação de alimentos: os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos a formação académica ou profissional. Por isso, o artº 1880º determina que a obrigação de alimentos não cessa com a maioridade, mantendo-se até que o filho complete a sua formação e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, pelo tempo em que perdura, normalmente, essa formação.
O que releva são as possibilidades económicas dos progenitores e a razoabilidade de terem de suportar os alimentos aos filhos enquanto não cessarem a sua formação académica ou profissional. Saliente-se, a este propósito, que o “…conceito de formação profissional deve ser alargado para além da licenciatura, de forma a abranger o grau de mestrado pós-reforma de Bolonha e estágios profissionais não remunerados, dada a insuficiência da licenciatura para adquirir formação que permita a entrada no mercado de trabalho.” (Cf. Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 496).

Dito isto, vejamos o caso dos autos.

Pois bem, verifica-se que ocorreu uma circunstância, na vida da BBL, que é relevante em termos de incremento das suas necessidades e despesas: o ingresso no Ensino Superior.
Como nos parece razoável, são maiores que as suas necessidades e despesas relativamente às que teria anteriormente a essa sua fase de formação universitária.
Entendemos, por isso, que deve ser feita essa distinção:
(i)- As necessidades da filha desde o ingresso na universidade e,
(ii)- As necessidades da filha antes do ingresso no Ensino Superior.

Assim, começando pela fase em que a BBL entrou no Ensino Superior, portanto desde 01 de Setembro de 2022.
Não foram dados como provados os concretos valores das despesas e necessidades da BBL. Apenas foi referido como provado que frequenta, no ano lectivo 2022/2023, o 1º ano da Licenciatura em Contabilidade e Finanças, no Instituo Politécnico de Setúbal (ponto 7); e que se desloca de comboio para a instalações da Universidade (ponto 9); e o passe social da BBL custa 40€/mês (ponto 10); e propinas são no valor de 100€ (ponto 11); e que a requerente, além das despesas próprias e da filha, com alimentação, vestuário e saúde, e de educação desta, e dos gastos com a manutenção da habitação, paga de renda mensal a quantia de €400,00 (ponto 9); e que para suportar as despesas com a filha, a requerente recorre à ajuda de familiares próximos (ponto 12).
Lançando mão de critérios de razoabilidade, acha-se adequado considerar que uma jovem da idade da BBL, do seu meio social – classe média – a estudar em universidade, em Setúbal, a residir no Barreiro, tenha necessidades e despesas da ordem dos 500€ mensais em vestuário, calçado, higiene pessoal e alimentação, despesas inerentes e relativas a habitação e consumos domésticos (embora em casa da progenitora, também contribui para essas despesa), viagens, material de apoio na sua formação académica, internet, telemóvel e até “dinheiro de bolso”.
Note-se que o requerido, pai da BBL, alegou suportar despesas com água, luz e gás, no montante de 300,00€, com telecomunicações o montante de 50,00€, com combustível o montante de 100,00€.
Como se referiu, os pais devem suportar essas despesas dos filhos em formação académica, dentro dos limites das suas possibilidades económicas. O mesmo é dizer que deve ser aferida a capacidade económica de cada um dos progenitores para suportarem essas despesas.
No caso da requerente, aufere um vencimento mensal de cerca de 730,00€ (ponto 6), paga de renda mensal 400€ (ponto 9, última parte); passe de 40€; propinas de 100€. Só de valores de despesas apurados somam 540€. Sobram 190€ para despesas com alimentação, vestuário, água, electricidade, telecomunicações, em valores não apurados.
Por sua vez, o requerido aufere rendimentos mensais de 2.921,17€; tem despesas de 2.200€ (pontos 14, 15 e 16). Sobram-lhe 721,17€ por mês, valor praticamente igual àquele que a requerente recebe de vencimento mensal.
A capacidade económica do requerido é muitíssimo superior à da requerente. Basta pensar que tem rendimentos que são o quádruplo dos rendimentos da requerente.
Pois bem, perante as necessidades da BBL – que vimos, em termos de razoabilidade, rondarem os 500€ mensais - e as possibilidades da requerente e do requerido, entende-se ser adequado e proporcionado que o requerido suporte os 350€ mensais de pensão de alimentos solicitados, desde que a BBL ingressou no Ensino Superior, isto é, desde 01/09/2022.
Ou seja, o requerido suportará o equivalente a 7/10 daquelas necessidades calculadas em termos de razoabilidade em 500€ mensais.
Provavelmente, poderia suportar mais. Tem um elevado nível de vida e, como vimos, os pais, “no cumprimento do dever de sustento, os pais estão obrigados a proporcionar aos filhos um nível de vida idêntico ao seu.”.
Note-se que no caso em discussão, nenhum dos progenitores reagiu quanto à parte da sentença da 1ª instância que determinou “Ambos os progenitores comparticiparão na proporção de metade as despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de recibo.” Por isso, naquele “cálculo” de razoabilidade do quantum das despesas de que a BBL carecerá, não se fez referência às necessidades/despesas com saúde e educação.

As necessidades da filha antes do ingresso no Ensino Superior.
É compreensível e dizem-nos as regras da experiência que, em termos de normalidade, um jovem, antes de ingressar no Ensino Superior, tenha menos despesas e necessidades comparativamente com as que terá após aquele ingresso.
Como vimos, não se apuraram, em concreto, que despesas teria a BBL antes do ingresso no seu Curso Académico. No entanto, teria necessidades com vestuário, calçado, higiene pessoal e alimentação, despesas inerentes e relativas a habitação e consumos domésticos (embora em casa da progenitora, também contribui para essas despesas), material de apoio na sua formação, internet, telemóvel e também “dinheiro de bolso”. Admite-se como razoável, que carecesse de 430€ mensais para satisfação dessas necessidades.
Pois bem, aplicando a mesma proporção usada, de 7/10, temos que o requerido suportará, a título de pensão de alimentos à BBL, desde a instauração da acção, a 10/12/2019 e até 31/08/2022, o valor mensal de 301€.

Reitera-se que nenhum dos progenitores reagiu quanto à parte da sentença da 1ª instância que determinouAmbos os progenitores comparticiparão na proporção de metade as despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de recibo.”
O que significa que essa parte da sentença transitou em julgado e, por isso se mantém.

Em suma, o recurso subordinado da requerente procede parcialmente, devendo ser alterada a sentença em termos de fixar a favor da jovem BBL uma pensão de alimentos, a cargo do requerido, de:
- 350€ mensais, desde 01/09/2022 e enquanto perdurar a formação académica, até ao limite dos 25 anos;
- 301€ mensais, desde a instauração da acção, a 10/12/2019 e até 31/08/2022;
Mantendo-se, quanto ao mais, decidido na 1ª instância.
***

III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
A) - Julgar improcedente o recurso do requerido;
B) - Julgar parcialmente procedente o recurso da requerida e, em consequência, revogam parcialmente a sentença sob recurso e, fixam a favor da jovem BBL uma pensão de alimentos a cargo do requerido:
(i)- Na quantia mensal de 350,00 € (trezentos e cinquenta euros), desde 01/09/2022 e enquanto perdurar a sua formação académica, até ao limite dos 25 anos, a transferir pelo requerido para a conta bancária da requerente, até ao dia 8 (oito) do mês a que disser respeito, actualizável anualmente, a partir do mês de Dezembro de 2023, inclusive, de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
(ii)- Na quantia mensal de 301€ (trezentos e um euros) desde a instauração da acção, a 10/12/2019, e até 31/08/2022;
Mantém-se a decisão da 1ª instância na parte em que determinou que ambos os progenitores comparticiparão na proporção de metade as despesas médicas, medicamentosas e de educação da jovem, na parte não comparticipada, mediante apresentação ao outro de recibo.

Custas na 1ª instância, pela requerente e pelo requerido, na proporção de 2/10 para a requente e de 8/10 para o requerido.
Custas na instância de recurso, no recurso do requerido, totalmente a cargos deste, na vertente de custas de parte, dado que as custas na vertente das taxas de justiça se mostram previamente satisfeitas e não houve actos tributáveis como encargos.
No recurso da requerente, na vertente de custas de parte, na proporção de 8/10 para o requerido e de 2/10 para a requerente (as custas na vertente das taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não houve actos tributáveis como encargos).

Lisboa, 13/04/2023
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves