Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1120/22.6T8SCR-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: RECLAMAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DO RECURSO
RECURSO AUTÓNOMO
REJEIÇÃO
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A “reconvenção” não se enquadra no conceito de articulado inscrito na  previsão da norma que confere a possibilidade de recurso autónomo tal como se encontra previsto na alínea d) do nº 2 do art.º 644º, dado inexistir peça processual nominada de reconvenção, sendo esta, tão somente, pedido deduzido normalmente no articulado “contestação”.
II. possibilidade de recurso do despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do n.º 1 alínea b) do artigo 644.º do CPC, pois apesar de o texto legal enunciar apenas o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, não poderá deixar de abarcar outras formas de extinção da instância, neste caso reconvencional.
III. Com efeito, não havendo despacho de indeferimento liminar da reconvenção, uma decisão que rejeite a reconvenção, por inadmissibilidade, impedindo, assim, que seja conhecida de fundo, só pode equivaler à absolvição da instância.
 (Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
L… instaurou acção declarativa comum contra S…, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) 26.124,74€ a título de indemnização pelas obras indispensáveis a realizar no imóvel, acrescida dos juros legais até integral pagamento;
b) 8€ a título de indemnização pelas rendas não recebidas, por impossibilidade de arrendar o prédio, desde 01/02/2022 até ao presente e os valores que se vencerem até à conclusão das obras, acrescendo os juros legais desde a citação até integral pagamento;
c) 366€, correspondente ao valor que a autora pagou a perito pela realização do relatório;
d) 146,48€, correspondente ao valor que a autora despendeu com viagens à Madeira para tratar da situação.
Alegou, em síntese, que desde 01/12/2015, a ré foi sua arrendatária de imóvel para habitação mobilado e equipado, em bom estado de conservação. Porém, a ré entregou o imóvel em 31/01/2022 com graves danos, incluindo nos bens móveis e equipamento que integravam o locado, pelo que devido ao estado em que o imóvel ficou, não é arrendável sem ser reparado.
A ré contestou, invocando excepções e deduziu reconvenção, em que pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 24.260€ acrescida de juros de mora e juros compulsórios.
Na reconvenção alegou, em suma, que aquando da celebração do contrato de arrendamento entregou a título de caução o valor de 400€, sem que tal valor lhe tenha sido devolvido aquando da entrega do locado à autora. Alegou ainda que realizou benfeitorias no locado, com autorização da autora, para garantir a sua segurança e condições mínimas de habitabilidade, tendo despendido a quantia de 23.860€.
A autora apresentou réplica.
Em 20/10/2023 a 1ª instância decidiu:
- julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade da autora;
- julgar improcedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir da autora;
- não admitir a reconvenção.
No que respeita à reconvenção a 1ª instância expôs:
«Formula a ré pedido reconvencional contra a autora, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe 24.260 euros, correspondente ao montante da caução que entregou à autora aquando da celebração do contrato de arrendamento, bem como ao montante despendido nas obras realizadas no imóvel em causa.
Dispõe o artigo 266º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. O n.º 2 do mesmo preceito estabelece, por sua vez, que a reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-ação que se cruza com a proposta pelo autor. Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a ação inicial, o mencionado n.º 2 do artigo 266º estabelece os factores de conexão entre o objecto da ação e o da reconvenção que tornam esta admissível.
Pela alínea a) do preceito em referência, o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte da mesma causa de pedir – que o pedido do autor, ou nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos - em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial. Pela alínea b) do mesmo preceito o pedido reconvencional pode ter como fundamento o direito a benfeitorias (artigo 216º do Código Civil) feitas com a coisa cuja entrega é pedida. Pela alínea c) o pedido reconvencional é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor. Pela alínea d), a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional tende ao mesmo efeito jurídico a que tende o pedido deduzido pelo autor.
No presente caso, a autora, na petição inicial, alega factos com o propósito de demonstrar a celebração de um contrato de arrendamento, as cláusulas do mesmo, as obrigações assumidas, a origem do crédito invocado, qual seja, os danos que a ré, enquanto foi arrendatária do imóvel dado à mesma de arrendamento pela autora, causou no mesmo imóvel e demais prejuízos daí advenientes.
A ré, na contestação, para além de excepcionar a falta de interessa em agir e a ilegitimidade da autora, impugna o alegado pela autora.
A ré, fundamenta o pedido de pagamento da mencionada quantia, que deduz em sede reconvencional, no facto de ter entregue à ré, aquando da celebração do contrato de arrendamento, uma caução, a devolver aquando da entrega da fração, bem como em obras que realizou no imóvel em causa.
Face aos factos alegados pela autora e à defesa apresentada pela ré, não se nos afigura que o pedido reconvencional deduzido se funde, quer na mesma causa de pedir apresentada pela autora, quer em factos em que a ré funde uma excepção peremptória ou com base nos quais impugne os alegados na petição inicial.
Também dúvidas não restam de que o pedido reconvencional não se funda no direito a benfeitorias feitas com a coisa cuja entrega é pedida, desde logo, porque nenhuma entrega é pedida.
Também o pedido reconvencional não visa obter compensação ou o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, e não tende ao mesmo efeito jurídico a que tendem os pedidos deduzidos pelos autores.
Pelo exposto, por inadmissível, atenta a não verificação dos requisitos de ordem substantiva descritos nas alíneas do n.º 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, não se admite o pedido reconvencional deduzido pela ré.».
Inconformada, apelou a ré, tendo apresentado a sua alegação na qual concluiu:
«A decisão do Tribunal a quo deverá, pois, ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgue (i) procedentes, por provadas, as invocadas excepções de falta de interesse em agir e de legitimidade activa, no que respeita ao pedido formulado na alínea a) e ao pedido formulado na alínea b), com excepção do período compreendido entre 01-02-2022 e 29-12-2022, e (ii) admissível o pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente.».
A 1ª instância não admitiu o recurso, nos seguintes termos:
«O despacho recorrido foi notificado à ré em 23.10.2023 (ref. 54213247).
O requerimento de interposição de recurso deu entrada em juízo, via electrónica, em 27.11.2023 (ref. 47247904 (fls. 134).
O despacho recorrido não se enquadra em qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 644º do Código de Processo Civil, enquadrando-se, quando muito, no n.º 2 de tal artigo 644º, designadamente, no que à reconvenção concerne, na respectiva alínea d) e, eventualmente, na alínea h), quanto ao mais, sendo que, aliás, a própria recorrente, no requerimento que antecede as alegações de recurso apresentadas, expressamente refere que recorre do despacho ao abrigo, além do mais, do citado n.º 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil.
Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias, como resulta do artigo 638º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Nesta sequência, considerando a mencionada data da notificação à ré do despacho recorrido e o disposto nos artigos 138º, n.ºs 1 a 3, 139º, n.ºs 1, 2, 5 e 6, 248º, n.º 1, 638º, n.º 2 e 644º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, na data da apresentação do requerimento de interposição de recurso pela ré, o prazo legalmente estabelecido para tal interposição estava já ultrapassado, constatando-se, assim, que o recurso foi interposto fora de prazo.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 641º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, não se admite o recurso interposto, indeferindo-se o requerimento de interposição de recurso.».
Reclamou a apelante, alegando:
«(…) Preliminarmente, dir-se-á que,
1. Contrariamente ao sugerido pelo Tribunal a quo – que, no melhor dos rigores, em momento algum estaria vinculado às alegações da parte quanto à aplicação das regras de direito, mormente no que respeita ao enquadramento jurídico do requerimento de interposição de recurso -, a Reclamante não balizou este nos termos do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC) mas antes nos termos “da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º” daquele diploma legal. (…)
3. O Tribunal a quo considerou o Recurso inadmissível, por intempestivo, por considerar, em suma, que o seu prazo de interposição não seria de 30 mas antes de 15 dias por se enquadrar “quando muito, no n.º 2 de tal artigo 644º, designadamente, no que à reconvenção concerne, na respectiva alínea d) e, eventualmente, na alínea h), quanto ao mais (…)”.
4. Mal andou o Tribunal a quo. Com efeito,
5. A Reclamante recorreu do douto Despacho Saneador 54213247, de 20-10-2023, que, entre outros, julgou improcedente duas excepções dilatórias invocadas e inadmissível o pedido reconvencional aduzido.
6. O prazo de que a Reclamante dispunha para recorrer daquelas decisões é o previsto na primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC por aquele douto Despacho consubstanciar “despacho saneador que, sem pôr termo ao processo (…)”, ou seja, o prazo de 30 dias (cfr. primeira parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC) e não já qualquer outro, conforme urdido pelo Tribunal a quo.
7. Tendo o douto Despacho Saneador sido notificado à Reclamante pela Notificação 54282434, de 23-10-2023, então, teria aquela até 27 de Novembro de 2023 para apresentar o recurso ora indeferido, mormente tendo em consideração que o dia 25 de Novembro de 2023 correspondeu a Domingo e sem olvidar a regra plasmada no n.º 1 do artigo 248.º do CPC.
8. É, pois, tempestivo o recurso apresentado, a 27 de Novembro de 2023, do douto Despacho Saneador.
9. Nesta conformidade, requer a V. Exas. se dignem, nos termos do n.º 6 do artigo 641.º e do artigo 643.º, ambos do CPC, julgar procedente a reclamação ora apresentada pela Reclamante e, em consequência, admitir o Recurso, com a subsequente subida dos autos ao Tribunal ad quem.».
Recebidos os autos neste Tribunal foi indeferida a reclamação, nestes termos:
«No requerimento de interposição do recurso diz a apelante:
«(…) vem, notificada do Despacho Saneador de fls. a  (Despacho), e não se conformando com o seu teor na parte em que julgou improcedentes as excepções dilatórias aduzidas, bem como inadmissível o pedido reconvencioanl, dele recorrer autonomamente, nos termos do n.º 1 do artigo 627.º, do n.º 1 do artigo 631.º, dos artigos 637.º a 639.º, da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º, do n.º 2 do artigo 645.º e do n.º 1 do artigo 647.º, todos do Código de Processo Civil (CPC).»
O nº 1 do art.º 644º do CPC (Código de Processo Civil) estatui:
«1 – Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.».
Como a reclamante reconhece, a decisão recorrida não se enquadra na alínea a).
Além disso, também é evidente que não se enquadra na alínea b), pois não decidiu do mérito da causa nem absolveu da instância qualquer das partes.
Não tem qualquer sentido sustentar que o prazo do recurso «é o previsto na primeira parte da alínea b) do nº 1 do art.º 644º do CPC», pois aí não fixado prazo, pois os prazos para a interposição do recurso de apelação estão indicados no art.º 638º.
Nem tem sentido dizer que se aplica «a primeira parte da alínea b)», pois tem de estar em causa:
- despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa, ou
- despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
Pelo exposto, indefiro a reclamação.».
Veio então a reclamante requerer que seja proferido acórdão, alegando:
«(…) 4. O Tribunal ad quem considerou ser “evidente que não se enquadra [o recurso] na alínea b) [do n.º 1 do artigo 644.º do CPC], pois não decidiu do mérito da causa nem absolveu da instância qualquer das partes”.
5. A Requerente poderá conceder que, relativamente às duas excepções dilatórias, nada haverá a apontar à Decisão Singular, conformando-se com esta.
6. Mas o mesmo já não estará a Requerente em condições de fazer relativamente à parte da Decisão Singular que, por considerar não ser possível recorrer (autonomamente) do Despacho Saneador na parte que não admitiu a reconvenção e, em consequência, não ser de aplicar o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC), julgou improcedente a reclamação.
7. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo – num excerto que o Tribunal ad quem parece não ter sufragado -, a decisão de não admitir a reconvenção nunca seria passível de recurso autónomo de apelação nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC pois a “reconvenção” não se enquadra no conceito de articulado inscrito na previsão da norma, não havendo peça processual nominada de reconvenção, sendo esta, tão somente, pedido deduzido normalmente no articulado “contestação”.
8. Relativamente à possibilidade de enquadrar o recurso interposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, e na justa medida em que a Requerente nunca fez esse enquadramento, dispensar-se-á de discorrer sobre essa temática, em linha com a Decisão Singular. Dito isto,
9. O Despacho de rejeição da reconvenção configurado no Despacho Saneador é passível de recurso de apelação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, a interpor no prazo de 30 dias, contados da notificação daquele, como a Requerente fez.
10. Conforme se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-07-2019, Processo n.º 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1, www.dgsi.pt, “o despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do n.º 1 alínea b) do artigo 644.º do CPC”.
11. Como sublinha Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, página 153, "conquanto a lei aluda apenas à absolvição da instância, cremos que semelhante regime deve ser aplicado à decisão inserida no despacho saneador que, por qualquer motivo, determine a extinção parcial da instância o que pode ser decorrência, por exemplo, da verificação da inutilidade ou da impossibilidade parcial da lide. As razões que justificam a interposição de recurso nuns casos igualmente se verificam quanto a outros”.
12. “Por outro lado, o mesmo regime deve ser aplicado ao despacho saneador que absolva o autor ou autores de algum pedido reconvencional. Afinal, na lógica da reconvenção, o autor assume em tal situação a posição de réu (sujeito passivo da pretensão reconvencional)” (cfr. Abrantes Geraldes in obra op. cite, página 153).
13. “Foi substancialmente modificado o regime da recorribilidade imediata do despacho saneador, promovendo maior eficácia, na medida em que permite a impugnação imediata de decisões formais nos casos, bastante frequentes, em que delas emerge a absolvição parcial da instância. Deste modo se potencia que o eventual acórdão que venha a ser proferido no traslado ainda possa reflectir-se na tramitação ou no resultado do processo principal, antes que seja proferida a sentença, o que será evidente nos casos em que tenha sido declarada a absolvição parcial da instância quanto a algum dos réus ou quanto a algum dos pedidos” (cfr. Abrantes Geraldes in obra op. cite, página 153).
14. “Apesar de o texto legal enunciar apenas o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, não poderá deixar de abarcar outras formas de extinção parcial da instância” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça op. cite).
15. Conforme se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-03-2017, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S2, www.dgsi.pt, “a rejeição da reconvenção equivale à absolvição (do A.) da instância reconvencional (…) o artigo 266.º do NCPC, a respeito dos requisitos formais e substanciais da reconvenção, prescreve a sua inadmissibilidade que não é mais do que uma forma de extinção da instância reconvencional equiparada à absolvição da instância”.
16. “A falta de expressa menção à absolvição da instância não representa obstáculo a esta solução, já que, mais do que a qualificação jurídico-formal, deve ser atribuído relevo ao efeito prático-jurídico de uma decisão que determinaria a extinção da instância reconvencional” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça op. cite).».
A parte contrária não se pronunciou.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de admitir o recurso intentado pela ré quanto ao despacho que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela mesma, por se considerar o mesmo tempestivo e recorrível autonomamente.
*
II. Fundamentação:
Os factos a considerar são os referidos no relatório que antecede que retrata os actos processuais relevantes e cujo teor se reproduz.
*
III. O Direito:
A questão objecto da presente reclamação e subsequente pedido de conferência sobre a mesma questão, ainda que delimitada neste caso à possibilidade de recurso quanto ao despacho que não admitiu a reconvenção, é saber se tal inadmissibilidade é passível de recurso autónomo nos termos do nº 1 alínea b) do art.º 644º do Código de Processo Civil, ou, ao invés, integra essa possibilidade o previsto nº 2 alínea d) do mesmo preceito. Com efeito, a subsunção num ou no outro preceito terá necessariamente repercussão quanto ao prazo para a interposição do recurso, caindo na regra geral dos 30 dias previsto no art.º 638º nº 1 primeira parte do Código de Processo Civil, o primeiro, ou, quanto ao segundo, no prazo de quinze dias previsto na segunda parte do nº 1 do mesmo artigo. Diferença que é essencial para considerar o recurso tempestivo ou não e, logo, para aferir da sua admissibilidade.
Sustenta a reclamante que contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, bem como o sufragado na decisão singular proferida neste Tribunal, que a decisão de não admitir a reconvenção nunca seria passível de recurso autónomo de apelação nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC pois a “reconvenção” não se enquadra no conceito de articulado inscrito na previsão da norma, não havendo peça processual nominada de reconvenção, sendo esta, tão somente, pedido deduzido normalmente no articulado “contestação”.
Alude ainda que relativamente à possibilidade de enquadrar o recurso interposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, nunca tal enquadramento foi convocado pela recorrente, mas sim o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.
Em abono de tal entendimento faz menção do decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-07-2019, Processo n.º 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1, www.dgsi.pt, quando se expõe que “o despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do n.º 1 alínea b) do artigo 644.º do CPC”, mais se decidindo que “Apesar de o texto legal enunciar apenas o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, não poderá deixar de abarcar outras formas de extinção parcial da instância”.
Também alude a igual entendimento defendido por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, página 153) ao referir que "conquanto a lei aluda apenas à absolvição da instância, cremos que semelhante regime deve ser aplicado à decisão inserida no despacho saneador que, por qualquer motivo, determine a extinção parcial da instância o que pode ser decorrência, por exemplo, da verificação da inutilidade ou da impossibilidade parcial da lide. As razões que justificam a interposição de recurso nuns casos igualmente se verificam quanto a outros”. E ainda que o mesmo Autor entende que “Por outro lado, o mesmo regime deve ser aplicado ao despacho saneador que absolva o autor ou autores de algum pedido reconvencional. Afinal, na lógica da reconvenção, o autor assume em tal situação a posição de réu (sujeito passivo da pretensão reconvencional) (…). Foi substancialmente modificado o regime da recorribilidade imediata do despacho saneador, promovendo maior eficácia, na medida em que permite a impugnação imediata de decisões formais nos casos, bastante frequentes, em que delas emerge a absolvição parcial da instância. Deste modo se potencia que o eventual acórdão que venha a ser proferido no traslado ainda possa reflectir-se na tramitação ou no resultado do processo principal, antes que seja proferida a sentença, o que será evidente nos casos em que tenha sido declarada a absolvição parcial da instância quanto a algum dos réus ou quanto a algum dos pedidos” (cfr. Abrantes Geraldes in obra cit, página 153).
Em sede de reclamação trás ainda à colação o referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-03-2017 (Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S2, www.dgsi.pt) no qual se conclui que “a rejeição da reconvenção equivale à absolvição (do A.) da instância reconvencional (…) o artigo 266.º do NCPC, a respeito dos requisitos formais e substanciais da reconvenção, prescreve a sua inadmissibilidade que não é mais do que uma forma de extinção da instância reconvencional equiparada à absolvição da instância”. Pelo que “A falta de expressa menção à absolvição da instância não representa obstáculo a esta solução, já que, mais do que a qualificação jurídico-formal, deve ser atribuído relevo ao efeito prático-jurídico de uma decisão que determinaria a extinção da instância reconvencional”.
Antecipando, entendemos que lhe assiste razão, sendo este aliás o entendimento sufragado quer pela maioria da doutrina, quer da jurisprudência.
A reconvenção designada geralmente por contestação-reconvenção, dá-se quando o réu formula um pedido contra o autor, que não seja mera defesa. Ou seja, não podemos falar de pedido reconvencional se o que o réu pretende é apenas negar o que foi alegado pelo autor, pedindo a improcedência da acção. O que o réu deduz é uma pretensão autónoma contra o autor. Passa a existir uma nova acção dentro do mesmo processo.
A reconvenção traduz-se, nas palavras de Alberto dos Reis, num «cruzamento de acções, com a acção proposta pelo autor contra o réu cruza-se outra acção proposta por este contra aquele.» (in Código de Processo Civil Anotado Vol. I, pág. 379). Como alude Anselmo de Castro «não estaremos, pois, perante um pedido reconvencional quando o pedido formulado pelo réu seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última. Por outras palavras: quem diz reconvenção diz pedido substancial deduzido pelo réu, e não pedido meramente formal» (in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, pág. 171). 
A propósito desta temática escreve Marco António Borges (in “A Demanda Reconvencional”, 2008, pág. 23)  “Com a dedução da reconvenção é o próprio conteúdo da relação processual que sofre uma significativa alteração, já que a reconvenção “representa uma cumulação sucessiva (não inicial) de objectos, tendo como principal especialidade a característica de este objecto ser um contra-objecto, já que se opõe àquele que é inicialmente proposto pelo autor.”.
A possibilidade de deduzir tal pretensão funciona como um instrumento jurídico de aplicação do princípio da economia processual, pois que viabiliza que num mesmo processo sejam reunidas pretensões materiais contrapostas, para além de proporcionar melhores condições para o julgamento unitário de todo o litígio estabelecido entre as partes, evitando a prolação de decisões divergentes a propósito de realidades próximas ou interdependentes (Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume,  pág. 120).
Não temos dúvidas, face à natureza de tal pedido (reconvencional) que não estamos perante um articulado no sentido conferido pela alínea d) do nº 2 do art.º 644º do Código de Processo Civil, pois ainda que se admita a possibilidade de aplicar tal preceito aos casos em que a decisão de rejeição se reporte apenas a um segmento do articulado, não será o caso da rejeição da reconvenção. Pois a rejeição por inverificação dos requisitos materiais ou formais constante do art.º 266º ou do art.º 583º nº 2 e 3, corresponde, na realidade, a uma decisão de absolvição da instância reconvencional que obedece ao regime previsto no art.º 644º nº 1 alínea b).
É certo que no caso se limitou o juiz a quo a não admitir o pedido reconvencional, mas tal não deixa de se reconduzir à extinção da instância reconvencional, pelo que as razões que justificam a interposição de recurso nos casos a que a norma expressamente alude são transponíveis para “situações em que a extinção parcial da instância é devida por outro motivo formal” (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 207). Aliás, sobre tal temática Abrantes Geraldes concluiu que “menos duvidosa é a afirmação de que mesmo regime é extensivo ao segmento do despacho saneador que absolva o autor ou autores da instância reconvencional (ou que por qualquer outro motivo formal julgue extinta a instância nessa parte), como se prescreve para o recurso de revista no art.º 671º nº 1. Na verdade, perante tal instrumento processual, o autor assume a posição de sujeito passivo” (in ob. cit. pág. 207). Tal doutrina encontra-se ainda subscrita por Rui Pinto (in “Oportunidade Processual de Interposição de Apelação à Luz do Art.º 644º, do CPC, RFDUL, Vol. LXI (2020), 2, pág. 639) e reiterada por António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (em Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 305).
Quanto à natureza do pedido reconvencional afastando-a da consideração como “articulado”, haverá que considerar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/2/2022, proferido no Processo nº 107204/20.1YIPRT-A.L1.S1, e disponível em www.dgsi.pt, no qual se conclui que: «A norma em causa – artigo 644.º, n.º 2, alínea d), estabelece, na parte pertinente, que cabe apelação autónoma do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado (…).
A reconvenção não integra o conceito de articulado, antes consiste em pretensão deduzida no articulado contestação. (…) entendemos que a reconvenção não é um articulado, mas uma pretensão deduzida no articulado contestação.».
Voltando ao artigo 644.º, n.º 2, alínea d), visa o mesmo a admissão/rejeição de uma peça processual passível de integrar o conceito de articulado, não visa o deferimento ou indeferimento de pretensões deduzidas em articulado admitido.
No caso dos autos, o articulado contestação foi admitido e nenhuma das partes coloca em causa que o devesse/pudesse ser. O mesmo incorpora uma reconvenção sobre cuja admissibilidade o tribunal se pronunciou. É à questão da reconvenção que respeita o recurso, não à admissão ou rejeição do articulado em que foi deduzida. Não se encontra assim integrada a previsão do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), não sendo admissível apelação autónoma com esse fundamento.
Logo, salvo melhor opinião, é para nós evidente que a reconvenção não integra o conceito de articulado. Não há uma peça processual nominada de reconvenção. Reconvenção é, tão só, um pedido deduzido normalmente no articulado «contestação». Pelo que a sua rejeição implica a rejeição de um pedido e não de um articulado.
Acresce que a não admissibilidade da reconvenção integra a previsão do art.º 644º nº 1 alínea b), pois tal como se alude nos Acs. do STJ, de 11/7/2019 ( proferido no Processo nº 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1) e de 10/12/2020 ( proferido no Processo nº 3707/17.0YLPRT.L1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt ) “a dedução de reconvenção sem a verificação de algum dos pressupostos materiais ou formais constitui uma excepção dilatória (atípica) determinativa da absolvição da instância reconvencional (artigo 576.º, n.º 2)”, logo, “A decisão que absolva o autor da instância reconvencional é susceptível de recurso de apelação, nos termos do artigo 644.º, n.º 1, alínea b) ( interpretando a alusão ao réu como referida ao autor/reconvindo )”.
Nem podemos considerar apenas o elemento literal para considerar que não está em causa  a previsibilidade nº 1 do art.º 644º alínea b), apenas pelo facto de o despacho recorrido não ter concluído pela absolvição da instância, pois tal como se refere no Acórdão do STJ de 17/07/2019, supra aludido, dada a similitude com os autos sob apreciação «de acordo com o disposto no art.º 259º, nº1, do CPC, a instância se inicia com a proposição da acção, a instância reconvencional, no mínimo, para quem defenda que a reconvenção desencadeia uma instância sobreposta à originária (cf. Ac. do STJ de 30-03-2017, citado na decisão reclamada), nasce com a dedução da reconvenção, o que, de imediato, dá azo a uma actividade processual daí emergente, com a possibilidade de réplica (art.º 584º, nº1, do CPC), não se podendo dizer que a rejeição, na fase de saneamento, se salde pela sua inexistência.
Referem os Recorrentes que a decisão que rejeitou a reconvenção não faz menção a alguma absolvição da contraparte. Ora, salvo o devido respeito, não havendo despacho de indeferimento liminar da reconvenção, uma decisão que rejeite a reconvenção, por inadmissibilidade, impedindo, assim, que ela seja conhecida de fundo, só pode equivaler à absolvição da instância, tal como se ponderou no mesmo Ac. do STJ de 30-03-2017: «O art.º 266º do NCPC (art.º 274º do anterior CPC), a respeito dos requisitos formais e substanciais da reconvenção, prescreve a sua “inadmissibilidade” que não é mais do que uma forma de extinção da instância reconvencional equiparada à absolvição da instância.». (…) existem outras formas de extinção da reconvenção que não se reconduzem literalmente à absolvição da instância.
O art.º 266º do NCPC (art.º 274º do anterior CPC), a respeito dos requisitos formais e substanciais da reconvenção, prescreve a sua “inadmissibilidade” que não é mais do que uma forma de extinção da instância reconvencional equiparada à absolvição da instância. O mesmo se verifica quando, como prescreve o art.º 583º, nº 2, do NCPC, o reconvinte se abstém de indicar o valor da reconvenção, em que a respectiva instância finda por verificação do seu “não atendimento”. Ou ainda quando, nos termos do art.º 41º do NCPC, é declarada a “ineficácia da defesa” (na qual pode incluir-se a reconvenção) por falta de superação do pressuposto do patrocínio judiciário».
Num outro acórdão de 28/1/2016, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1, igualmente relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes, a propósito da interpretação e alcance a dar ao art.º 671º do CPC, se defendia que na previsão do art.º 644º nº 1 al. b) do CPC, estavam contempladas para além das situações, que sem porem termo ao processo, implicavam a absolvição da instância de algum réu ou alguns réus quanto a algum dos pedidos, também as que determinavam a absolvição do autor quanto ao pedido reconvencional. Aí se afirmou que «Atentos os antecedentes legislativos e considerando que na expressão principal (“pôr termo ao processo”) são envolvidos também os acórdãos que põem termo parcial ao processo, a alusão à “absolvição da instância” deve ser considerada como uma mera explicitação dos casos em que a revista pode ser interposta, sem excluir as situações em que a Relação profere acórdão de que resulta, ex novo, a extinção total da instância recursória e, com isso, ainda que de forma indirecta, o “termo do processo”.».
Donde, integrando a possibilidade de recurso a alínea b) do art.º 644º nº 1 do Código de Processo Civil e tendo o despacho recorrido sido notificado à ré em 23/10/2023 e o requerimento de interposição de recurso dado entrada em juízo em 27/11/2023, a apelação foi interposta em tempo, porque no prazo de 30 dias do nº 1 do art.º 638º do CPC.
Deste modo, declara-se procedente a reclamação e admite-se o recurso interposto, devendo dar-se cumprimento ao disposto no art.º 643º nº 6 do Código de Processo Civil.
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IV. Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em deferir a reclamação apresentada e, consequentemente, admite-se o recurso de apelação interposto, ao abrigo do disposto no art.º 644º nº 1 alínea b), a subir em separado (art.º 645º nº 2) e com efeito meramente devolutivo (art.º 647º do Código de Processo Civil).
Determina-se o cumprimento ao disposto no art.º 643º nº 6 do Código de Processo Civil.
Sem custas.
Registe e Notifique.

Lisboa, 23 de Maio de 2024
Gabriela Marques
António Santos
Anabela Calafate (vencida, nos termos da declaração de voto que se segue)

Declaração de voto:
O art.º 266º nº 1 do CPC estatui: «O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.».
Portanto, a reconvenção não é um pedido, mas sim um articulado ou parte do articulado contestação em que é deduzido um pedido, o pedido reconvencional.
O nº 5 desse artigo prevê a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional, mas em caso em que a reconvenção é admissível.
Assim, entendo que é de 15 dias o prazo para interpor o recurso da decisão que não admite/rejeita a reconvenção, nos termos do art.º 644º nº 2 al. d) - 2ª parte) do CPC.
Anabela Calafate