Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARTUR VARGUES | ||
Descritores: | MEDIDAS DE COACÇÃO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO HOMICÍDIO TENTADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/12/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | - O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas deve ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. - A nova redacção da al. c) do art. 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto.”, ou seja exige-se que “haja perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido.” - Se o arguido, à data dos factos, tinha 16 anos de idade (sendo, por isso, de equacionar a intervenção do regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, consagrado no Decreto-Lei nº 401/82, de 23/09) e não possuía antecedentes criminais, impondo-se que se atenda, entre o mais, às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto mostra-se adequada as medidas de coacção de termo de identidade e residência, de obrigação de apresentações periódicas diárias, no posto policial mais próximo da área da sua residência, de proibição de permanecer na Escola Básica frequentada pelo arguido e pelo ofendido e proibição de contactar, por qualquer meio, com o ofendido e de se aproximar do mesmo. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Instrução Criminal de Almada – Juiz 1, Processo de Inquérito com o nº 165/18.5PGSXL, foi proferido despacho, aos 17/09/2018, que aplicou ao arguido D. as medidas de coacção de termo de identidade e residência; obrigação de apresentações periódicas diárias, no posto policial mais próximo da área da sua residência; proibição de permanecer na Escola Básica 2+3, proibição de contactar, por qualquer meio, com PF e de se aproximar do mesmo, por indiciarem fortemente os autos a prática pelo mesmo, em autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 22º e 23º, do Código Penal, verificando-se também os perigos concretos de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas e continuação da actividade criminosa. 2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o Ministério Público, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição): 1. Perante os meios probatórios colhidos, resulta indiciada a prática pelo arguido D. de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, n.º 1, 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas e), in fine, h), j) e l), do Código Penal, pois que a conduta apurada revela especial censurabilidade e especial perversidade. 2. O arguido desferiu quatro golpes no corpo de PF... perante a perspetiva da vergonha que para si resultaria de não responder a uma agressão, determinando-se por um motivo gratuito e manifestamente desproporcionado à gravidade da alegada agressão. 3. O arguido atuou de forma premeditada, pensou no confronto, pensou na forma como atuaria, levando para o recinto escolar uma faca, e foi disposto a fazer o que fez. 4. O arguido muniu-se previamente e utilizou uma faca, objeto que lhe conferiu superioridade e que sabia apto a causar lesões mortais. 5. Foi vítima da conduta do arguido um seu colega de escola e os factos ocorreram no interior da escola, em período em que aí se encontravam vários outros membros da comunidade escolar. 6. No caso sub judice verificam-se, em concreto, perigo de perturbação do decurso do inquérito, perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas. 7. A animosidade existente, a indiciação pela prática de um crime que é punido de forma grave e a demonstração de força pelo arguido, permitem considerar que possa atuar junto de PF... procurando influenciar a sua intervenção no inquérito. 8. A natureza do crime indiciado, o local onde ocorreram os factos e a personalidade revelada pelo arguido, tornam previsível que o arguido cometa factos da mesma natureza ou até mais graves, envolvendo violência contra as pessoas. 9. O crime de homicídio, pela sua natureza e gravidade, causa enorme alarme social e gera na comunidade um elevado sintoma de insegurança e intranquilidade; os comportamentos criminosos que afetam a comunidade escolar provocam justificado alarme na opinião pública e potenciam sentimentos de insegurança, impondo uma atuação firme e eficaz do sistema penal. 10. As medidas de coação impostas ao arguido não se mostram eficazes para salvaguardar as exigências cautelares que assim se impõem, por não obstarem à perturbação das diligências de inquérito e ao cometimento de novos factos de natureza criminal pelo arguido, considerando essencialmente o modo insensível e impulsivo como atua, e não satisfazer as legítimas expetativas da comunidade na manutenção da ordem e da tranquilidade públicas. 11. A natureza e a gravidade dos factos imputados ao arguido, o modo de atuação, a personalidade revelada pelo arguido que mostra que a sua conduta não se dirige apenas ao ofendido e que atua de forma impulsiva e para demonstração de força, a pena previsivelmente a aplicar face ao crime que se entende indiciado e as expetativas da sociedade na ação e eficácia da justiça, mostram que só a medida de coação de prisão preventiva se mostra idónea a afastar os referidos perigos e a salvaguardar as exigências cautelares pressupostas no caso concreto. 12. Ao assim não decidir, o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 132.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e os artigos 193.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal. 13. Deve, por tudo, o douto despacho recorrido ser nesta parte revogado e ser substituído por douto acórdão que dê como indiciada a prática pelo arguido de um crime de homicídio qualificado e que aplique ao arguido a medida de coação de prisão preventiva. 3. Respondeu à motivação de recurso o arguido, pugnando por lhe ser negado provimento. 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. 5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995. No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Verificação dos pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. Adequação e proporcionalidade da medida de coacção aplicada. 2. É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que releva (transcrição): Da análise dos elementos de prova constantes dos autos e dados a conhecer ao arguido, ou seja: auto de notícia de fls. 3 a 5, auto de apreensão de fls. 6 a 7, reportagem fotográfica de fls. 14 e segs., e documentação clínica de fls. 23 a 25, e das declarações do arguido, resulta fortemente indiciado, a prática pelo mesmo, dos seguintes factos: O arguido D. e o ofendido PF são conhecidos por frequentarem o mesmo estabelecimento de ensino. Nas férias escolares de Verão que agora terminaram o arguido e o ofendido envolveram-se em picardias nas redes sociais, dirigindo um ao outro ameaças de agressão física. No dia 17 de Setembro de 2018, primeiro dia de aulas do ano lectivo de 2018/2019, o arguido na sua residência muniu-se de uma faca de cozinha com 8 cm de lâmina e dirigiu-se para a escola com essa arma. Cerca das 08.30 horas, na Escola Básica 2+3 PG , situada na …, o arguido e o ofendido encontraram-se e após uma breve troca de palavras, o arguido desferiu quatro facadas no ofendido, atingindo-o na região dorsal direita e região deltóidea, sendo uma mais profunda e sangrante. O arguido D. agiu com intenção de matar o ofendido, bem sabendo que em face das características da faca utilizada na agressão, na força por si empregue ao golpear a vítima e atentas as regiões corporais que procurou atingir e atingiu, lhe causaria ferimentos que lhe poderiam determinar a morte, o que não aconteceu por o ofendido ter sido prontamente assistido, circunstância alheia e independente da sua vontade. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. O arguido optou por prestar declarações, referindo frequentar o mesmo estabelecimento do ofendido e que, pese embora o conhecesse, não fazia parte do seu grupo de amigos, embora tivessem amigos em comum. Mais declarou que, no início das férias escolares, publicou na Internet um vídeo por si realizado, a pontapear uma pessoa idosa e que, posteriormente, via Instagram, o ofendido manifestou desagrado por tal vídeo e ameaçou-o que lhe ia bater. Na sequência de tal ameaça, o arguido também referiu, pela mesma via, que lhe iria dar uma facada e, nessa sequência, mantiveram ambos conversações no âmbito das quais o ofendido o ameaçava. No dia de hoje, sabendo que o ofendido estaria no estabelecimento de ensino, muniu-se de uma faca de cozinha que colocou no bolso das calças. Quando se encontrava junto de um amigo (O.), o ofendido dirigiu-se na sua direcção e disse-lhe para o esfaquear, como havia ameaçado e que se não fizesse nada, que o matava. Nesse instante, o ofendido deu-lhe um soco no peito e foi nessa altura que decidiu tirar a faca que trazia e desferir golpes com a mesma no ofendido, com o intuito de o atingir, vindo depois, ambos, a cair no chão, altura em que foram separados por pessoas que ali se encontravam. Referiu ainda que não denunciou as ameaças de que estava a ser alvo por parte do ofendido por vergonha, mas que sentia medo do mesmo, razão pela qual actuou do modo como relatou, embora não pretendesse tirar a vida ao ofendido. Declarou ainda que vive com o pai e a madrasta e que se encontra a frequentar um curso de formação profissional, tendo, no dia de hoje, sido suspenso pelo estabelecimento de ensino. O arguido, pese embora pretendesse convencer o Tribunal de que actuou em legítima defesa, perante a agressão inicial do ofendido – soco no peito -, e que não teve o intuito de o atingir mortalmente e, consequentemente, retirar-lhe a vida, perante as partes do corpo escolhidas pelo arguido para desferir os golpes com a faca, e que alojam órgãos vitais, e perante a desproporção entre as lesões do arguido e as causadas por este ao ofendido PF..., não restam dúvidas ao Tribunal, pelo menos por ora que o arguido pretendeu atingir corporalmente o ofendido, bem sabendo que, pelas partes do corpo atingidas, poderia atingir órgãos vitais deste e causar-lhe a morte, não tendo o mesmo actuado para se defender de uma agressão iminente mas antes, actuando como retorsão da agressão de que havia sido vítima por parte do ofendido quando este lhe desferiu um soco no peito. Pese embora se reconheça que a prova recolhida se encontra numa fase muito embrionária e sem prejuízo do resultado das diligências de investigação que urge realizar, somos do entendimento que esta prova já recolhida é, quanto a nós bastante para sustentar os indícios existentes sobre os factos supra descritos. Tais factos são, assim, susceptíveis de integrar a prática pelo arguido, em autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art.s 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal. Somos do entendimento que, pelo menos por ora, e perante o contexto da actuação do arguido, descrito pelo próprio, e sendo esta a única versão dos acontecimentos até agora obtida, pese embora os factos indiciados sejam susceptíveis de serem integrados nas als. j) e l) do artigo 132º, nº. 2, do Código Penal, não se encontram ainda reunidos indícios sustentáveis que permitam concluir pela existência, em concreto, da especial censurabilidade ou perversidade do arguido e, por essa razão, não é a conduta do mesmo enquadrada no citado preceito legal de homicídio qualificado. Decorre do disposto no artigo 193.º, n.º 1 do C.P.P. que os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade à gravidade do crime e das sanções hipoteticamente aplicáveis, norteiam a aplicação das medidas de coacção. Por sua vez, estabelece o nº 2 de tal artigo que “A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”, acentuando assim o carácter subsidiário da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação. Mais, o nº.3 de tal artigo, estabelece que “ quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.” Reafirmando o carácter residual e subsidiário da aplicação da prisão preventiva, estabelece o artigo 202.º do Código de Processo Penal que: “ 1. Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos; (...)». Assim, desde logo a lei impõe como condição para a aplicação da prisão preventiva, além das elencadas nas alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 202º, do C.P.P. que as restantes sejam inadequadas, insuficientes ou desproporcionadas às necessidades cautelares do caso concreto. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, «a lei estabelece uma certa progressão da gravidade das diversas medidas cuja diversa gravidade deve ser sempre tida em conta pelo juiz no momento da escolha da que julgue mais idónea a salvaguardar as exigências cautelares de cada caso.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, II, ed. Verbo, 1993, pág. 219. A aplicação da medida de prisão preventiva como a aplicação da generalidade das medidas de coacção, à excepção de TIR (cfr. artigo 204º, do C.P.P.) depende, para além dos requisitos especiais legalmente previstos para cada uma delas, da verificação, em concreto, cumulativa ou isoladamente, de: - Fuga ou perigo de fuga; - Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; - Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa. Estes requisitos ou condições gerais enumerados taxativamente nas alíneas a), b) e c) do art. 204.º do C.P.P., são alternativos, bastando que exista algum deles para que, conjuntamente com os especiais previstos na medida de coacção, essa medida possa ser aplicada. O perigo de fuga verifica-se sempre que existam indícios de que o arguido se pode eximir à acção da justiça e visa acautelar a presença do mesmo no decurso do processo e a execução da decisão final. O perigo de continuação da actividade criminosa, a que alude a al. c), art. 204.º do C.P.P., deve considerar as circunstâncias em que ocorreram os factos, a sua natureza e personalidade do arguido. Por último, o perigo de perturbação do inquérito deve medir-se pela capacidade do arguido conseguir de alguma forma impedir a acção da justiça na recolha de elementos de prova e parece só fazer-se sentir durante a fase de inquérito e de instrução tal como consta da al. b) do artigo 204º, do C.P.P.. Ora, revertendo ao caso dos autos desde já dizemos que os factos aqui em apreço são graves e, com a sua prática, o arguido pôs em causa o bem jurídico mais fundamental que existe – a vida humana -, actuando de forma premeditada, e tanto assim é que se dirigiu para o recinto escolar onde sabia que havia de encontrar a vítima, munido de uma faca de cozinha. Por outro lado, são factos que, pela sua natureza e modo de actuação do interveniente, são geradores de enorme alarme social e de sentimentos de insegurança. Existe ainda em concreto um elevado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, dado que os factos foram presenciados por elementos da comunidade escolar, havendo a normal expectativa por parte desses e de outros cidadãos, que o sistema da Justiça actue e de forma eficaz. Por sua vez, resultou das declarações do arguido que este e a vítima frequentam o mesmo estabelecimento de ensino onde ocorreram os factos, fazendo tal circunstância antever, pela animosidade existente entre ambos que, de futuro, poderá o arguido perpetrar factos da mesma natureza ou até mais graves. Atendendo ao que transparece dos autos, existe, assim, em concreto, um sustentado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, bem como de alarme social, e perigo de continuação da actividade criminosa, tendo em conta a gravidade dos factos assim como o tipo de crime aqui em apreço. O arguido não tem antecedentes criminais e ainda é um jovem com 16 anos de idade, sendo previsível que, caso venha a ser submetido a julgamento e condenado por estes factos, não lhe seja aplicada uma pena de prisão efectiva, mas antes suspensa na sua execução, beneficiando da atenuação especial para jovens delinquentes. Impõe-se, assim, ao Tribunal a aplicação ao arguido de medidas de coacção que se mostrem necessárias a obstar à concretização dos mencionados perigos. Nesta conformidade, ponderando tudo o supra exposto, entende o Tribunal ser proporcional, adequado e necessário a assegurar as necessidades cautelares que o caso merece, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, al. j), 192º, 193º, 200º, nº. 1, als. d) e 204º, al. c), todos do C.P.P., a sujeição do arguido às seguintes medidas de coacção: a) Termo de identidade e residência já prestado nos autos; b) Obrigação de apresentações periódicas diárias, no posto policial mais próximo da área da sua residência; c) À proibição de permanecer na Escola Básica 2+3 PG , sita …; d) Proibição de contactar, por qualquer meio, com PF, e de se aproximar do mesmo; Apreciemos. Verificação dos pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva Sustenta o recorrente/Ministério Público, que da matéria probatória carreada para os autos resulta indiciada a prática pelo arguido do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), 23º, nº 1, 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas e), in fine, h), j) e l), todos do Código Penal. Não pode deixar de se dizer, antes de mais, que no despacho de apresentação do arguido para 1º interrogatório judicial de arguido detido o Ministério Público entendeu que os factos que imputava, que são exactamente os que vieram a ser considerados pelo tribunal recorrido como fortemente indiciados, integravam a prática do crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 22º e 23º, do Código Penal. Após o interrogatório, passou a defender que se estava perante o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas j) e l) e na motivação de recurso ainda acrescentou as alíneas e), in fine e h). A propósito do enquadramento jurídico-penal da fortemente indiciada conduta do arguido, diz-se na decisão revidenda: Pese embora se reconheça que a prova recolhida se encontra numa fase muito embrionária e sem prejuízo do resultado das diligências de investigação que urge realizar, somos do entendimento que esta prova já recolhida é, quanto a nós bastante para sustentar os indícios existentes sobre os factos supra descritos. Tais factos são, assim, susceptíveis de integrar a prática pelo arguido, em autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art.s 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal. Somos do entendimento que, pelo menos por ora, e perante o contexto da actuação do arguido, descrito pelo próprio, e sendo esta a única versão dos acontecimentos até agora obtida, pese embora os factos indiciados sejam susceptíveis de serem integrados nas als. j) e l) do artigo 132º, nº. 2, do Código Penal, não se encontram ainda reunidos indícios sustentáveis que permitam concluir pela existência, em concreto, da especial censurabilidade ou perversidade do arguido e, por essa razão, não é a conduta do mesmo enquadrada no citado preceito legal de homicídio qualificado. Ora, estabelece-se no artigo 131º, do Código Penal, que “quem matar outra pessoa é punido (…)”. Por seu turno, dispõe o artigo 132º, nºs 1 e 2, alínea e), do mesmo diploma legal: “1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; (…) h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; (…) j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas; l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ministro de culto religioso, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas;”. Como se salienta no Ac. do STJ de 31/01/2012, Proc. nº 894/09.4PBBRR.S1, disponível em www.dgsi.pt, “o crime de homicídio qualificado, p. e p. no art. 132º do CP, constitui uma forma agravada do crime de homicídio simples p. e p. pelo art. 131º do CP, que constitui o tipo de ilícito, agravamento esse que se produz não através da previsão de circunstâncias típicas fundadas em maior ilicitude do facto, cuja verificação determina a realização do tipo, mas antes em função de uma culpa agravada, de uma “especial censurabilidade ou perversidade” da conduta (cláusula geral enunciada no n.º 1), revelada pelas circunstâncias indicadas no n.º 2”. Acrescentando-se ainda no mesmo aresto, que “estas circunstâncias constituem “exemplos-padrão”, ou seja, indícios da culpa agravada referida no nº 1, que constitui o elemento típico do homicídio qualificado (tipo de culpa). Ainda que essas circunstâncias envolvam eventualmente uma maior ilicitude do facto, não é o simples acréscimo de ilicitude que determinará a qualificação do crime. Só se as ditas circunstâncias revelarem uma maior censurabilidade ou perversidade da conduta se verificará a qualificação”, sendo que “como meros indícios, as circunstâncias do nº 2 têm sempre que ser submetidas à cláusula geral do n.º 1. Da interação entre os nºs 1 e 2 do art. 132º pode, pois, resultar a exclusão do efeito de indício do exemplo-padrão, e consequentemente a integração dos factos no crime de homicídio simples do art. 131º. Mas pode também, precisamente pelo seu caráter meramente indiciário, admitir-se a qualificação do homicídio quando se constatar a substancial analogia entre os factos e qualquer dos exemplos-padrão. Esta interação entre os dois números. do art. 132º, permitindo uma maior flexibilidade no tratamento dos casos concretos, e reflexamente na administração da justiça do caso, assegura a delimitação do tipo de homicídio qualificado em termos suficientemente rigorosos para que não seja lesado o princípio da legalidade”. A censurabilidade especial respeita a situações em que as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores, enquanto a especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, atinente à personalidade do autor – assim, Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1995, págs. 63/64. Nesta fase processual embrionária, em que dos autos ainda não constam sequer as versões da vítima e de eventuais testemunhas, atendendo ao quadro circunstancial descrito pelo arguido como sendo o que conduziu à sua actuação, não se conclui que a distância que separa este crime dos demais crimes de homicídio (in casu, tentado), no que concerne à censura da culpa, seja significativamente maior. E, também, mostrando-se evidente a desproporção entre o motivo que impeliu o arguido à acção e a gravidade dos factos praticados, não se pode dizer que estamos (nesta fase, reafirma-se) perante uma situação radicalmente afastada das concepções éticas e morais da comunidade, reveladora de uma profunda e radicada insensibilidade moral. Em conclusão, não merece censura a decisão recorrida neste segmento. Conforme se estabelece no artigo 202º, nº 1, do CPP, “Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: a) “Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”. Os fortes indícios não estão colocados em causa pelo recorrente, bem como os perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas e ao crime considerado fortemente indiciado (p. e p. pelos artigos 131º, 22º e 23º, do Código Penal) corresponde moldura penal máxima de 10 anos e 8 meses de prisão. O recorrente aduz ainda que presente está também o perigo de perturbação do inquérito. Mas, os perigos mencionados no artigo 204º, do CPP, são de verificação alternativa, pelo que, para o efeito da aplicação da medida de coacção não resulta o mérito, antes a inutilidade, desta chamada à colação. Quanto ao “alarme social” igualmente invocado, cumpre se diga que não figura entre os requisitos gerais de aplicação de medida de coacção enunciados no artigo 204º, do CPP, não coincidindo com o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas a que alude a sua alínea c). Com efeito, como refere Vítor Sequinho dos Santos, Medidas de Coacção, Revista do CEJ, 1º semestre de 2008, nº 9 Especial, pág. 131, “mesmo anteriormente à Lei nº 48/2007, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devia ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art. 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto.” Ou seja, exige-se que “haja perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido.” Adequação e proporcionalidade da medida de coacção aplicada Entende o recorrente que deveria ser o arguido sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. A natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva encontra-se expressamente consagrada no nº 2, do artigo 28º, da CRP, estabelecendo-se no nº 1, do artigo 191º, do CPP, o princípio da legalidade das medidas de coacção, segundo o qual “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”. Por seu lado, no artigo 193º, nº 1, do CPP afirmam-se os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade dessas medidas, em função das exigências cautelares e da gravidade do crime e das sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto, enquanto o nº 2 do mesmo preceito reafirma o carácter subsidiário da prisão preventiva, que só pode ser aplicada “quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”. O tribunal a quo optou pela aplicação de medidas de coacção não privativas da liberdade, com fundamento em que: O arguido não tem antecedentes criminais e ainda é um jovem com 16 anos de idade, sendo previsível que, caso venha a ser submetido a julgamento e condenado por estes factos, não lhe seja aplicada uma pena de prisão efectiva, mas antes suspensa na sua execução, beneficiando da atenuação especial para jovens delinquentes. Efectivamente, o arguido à data dos factos tinha 16 anos de idade (sendo, por isso, de equacionar a intervenção do regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, consagrado no Decreto-Lei nº 401/82, de 23/09) e não possuía antecedentes criminais, impondo-se que se atenda, como ficou retro expresso, entre o mais, às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto. Assim sendo, a aplicação da medida detentiva em meio institucional pretendida pelo recorrente apresenta-se como desadequada e excessiva, sendo as aplicadas suficientes para obstar aos perigos assinalados, satisfazendo as exigências cautelares que in casu se fazem sentir. Face ao exposto, cumpre negar provimento ao recurso. III - DISPOSITIVO Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso pelo Ministério Público interposto e confirmar a decisão recorrida. Sem tributação. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2019 (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP). Artur Vargues Jorge Gonçalves |