Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1291/23.4T8BRR.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO URGENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O benefício que se concede ao demandante no artigo 323.º, n.º 2, do CC, exige necessariamente que este requeira a citação do demandado com, pelo menos, cinco dias de antecedência relativamente ao termo do prazo prescricional em curso e que o eventual retardamento desse acto não lhe seja imputável, não sendo necessário para isso requerer a citação urgente.
II – Para efeitos de interrupção da prescrição dos créditos laborais, aplica-se a norma do art.º 279º, al. e), do Código Civil na sua primeira parte e já não na segunda, uma vez que os actos relevantes, em termos prescricionais, a ser praticados em juízo não respeitam ao prazo de prescrição, mas à sua interrupção.
III – Quando o demandante não disponha já do prazo competente de cinco dias que antecede a prescrição quando instaura a acção, o requerimento de citação urgente é uma via de que dispõe para ainda tentar obter a citação em tempo útil, confiando na celeridade que o tribunal deve observar, mas os riscos são evidentes, sendo certo que se a citação do demandado não se produzir nos termos desejados e o respectivo prazo se complete antes de a mesma ser concretizada, lhe resta suportar os custos da inevitável prescrição que se verifique.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П
1. Relatório
AA intentou em 25 de Maio de 2023 a presente acção declarativa comum emergente de contrato de trabalho contra ..., pedindo que seja condenada a Ré a pagar-lhe: a) a quantia de €1.046,87 (mil e quarenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos) relativa aos créditos vencidos acrescidos de juros até integral pagamento; b) a indemnização nos termos do Código de Trabalho na quantia de €22.044,00 (vinte e dois mil euros e quarenta e quatro cêntimos).
Alega, em muito breve síntese, que esteve vinculado à R. através de contrato de trabalho e que no dia 26 de Maio de 2022 enviou à R. carta registada com aviso de recepção na qual procedeu à resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, reportando-se os valores que peticiona a: 2 dias de férias não gozadas referentes ao ano de 2023, no montante de €489,21; Subsídio de Natal na parte proporcional ao trabalho prestado no ano de 2023, que perfaz o total de €278,83; Subsídio de Férias na parte proporcional ao trabalho prestado no ano de 2023, que perfaz o total de €278,83; Indemnização calculada nos termos do art.º 396 n.º2 do Código de Trabalho no montante de €22.044,00, correspondente ao somatório de €20.040,00 (€668 x 30 dias) + €2004,00 (€668,00 x 3 anos de antiguidade), pelo facto de a justa causa ter uma origem subjectiva.
A R. apresentou contestação, invocando desde logo, a prescrição dos créditos reclamados, em virtude do decurso do prazo a que alude o artigo 337.º do Código do Trabalho após a cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção suscitada.
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1- Nos termos do art.º 381.º do Código do Trabalho, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.
2- Aquilo que determina o legislador a criar o efeito interruptivo, é saber que com a abertura de um litígio que o credor, e neste caso a Autora ora Recorrente, visou e visa actuar e accionar judicialmente o seu direito, pelo que esse mesmo efeito interruptivo ficou efectivado com esta acção.
3- A conduta da Requerente só excluiria a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, o que no caso em apreço não sucedeu.
4- Foram cumpridos pela Recorrente os requisitos patentes no art.º 323.º do C.C., nomeadamente, que a citação seja requerida 5 dias antes do decurso do prazo prescricional e a inexistência de qualquer causa imputável ao Requerente que obste à citação e foi mais além ao ponto de ter sido solicitada atempadamente a notificação judicial avulsa. Porquanto:
5- O contrato de trabalho da Recorrente cessou a 26 de Maio de 2022, e de acordo com o estabelecido no art.º 381.º do Código do Trabalho, o seu crédito prescreveria às 24h do dia 27 de Maio de 2023.
6- Sucede porém que a acção da Recorrente eu entrada muito antes dessa mesma data (28-05-2023), pois a acção deu entrada em juízo no dia 25 de Maio de 2023.
7- Por este motivo, e salvo melhor opinião, o raciocínio expresso pelo Mmo. Juiz quo, no que tange à configuração dos requisitos da prescrição, ignora completamente o facto de a Autora ora Recorrente, na interposição da sua acção, na sua petição, ter requerido, como efectivamente requereu, a citação urgente da Ré nos termos e ao abrigo do art.º 561.º do C.P.C. e a notificação judicial avulsa que por si só interrompe o prazo de prescrição.
8- A interpretação que o Tribunal a quo faz do art.º 323.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, nomeadamente no que tange ao enquadramento da prescrição, (se a citação não se fizer dentro de 5 dias), não pode ser aplicável ao caso subjudice, porquanto foi requerido pela Recorrente a citação urgente da Ré.
9- De forma a obviar à possibilidade de o Tribunal não poder satisfazer em tempo a pretensão interruptiva do titular do direito, bem como prevenindo qualquer dificuldade no processamento da acção e das realidades praticas para o andamento do seu pedido de citação da Ré, devedora, a Autora utilizou mecanismo da citação urgente.
10-A citação urgente é utilizada nos casos em que o Autor requeira a citação sem respeitar o prazo de 5 dias a que se refere o art.º 323.º n.º 2 do C.C. e a notificação judicial avulsa.
11- É exatamente pela utilização do mecanismo da citação urgente, que foi efectivamente requerida no presente caso, que foram cumpridas todas as formalidades, as obrigações legalmente impostas para a formulação do respectivo pedido que conduz a que, por via daquele mecanismo da citação urgente, fique o Autor e ora aqui Recorrente desonerado de a requerer nos 5 dias anteriores ao desfecho do prazo.
12- Assim, e tendo sido requerida pela Autora e ora Recorrente, a citação urgente da Ré, independentemente da data em que a mesma venha a ocorrer, a prescrição interrompeu-se antes de decorrido o prazo prescricional.
13- Quando interposta a acção, quando requerida a citação da Ré, e quando requerida em simultânea a citação urgente da Ré, o prazo ainda estava a decorrer, devendo ter efeito no decurso do prazo prescricional o facto de a Autora, enquanto credora, ter requerido a citação urgente interrompendo o prazo prescricional.
14- Se tivesse sido proposta a acção mais de cinco dias antes de consumada a prescrição, não necessitaria a demandante, neste caso concreto, a Autora e ora Recorrente, de requerer a citação antecipada pelo mecanismo da citação urgente para poder aproveitar-se do art.º 323.º n.º 2 do C.C., vide da interrupção da prescrição.
15- Assim, considera a Autora que no presente caso, ficou interrompida a prescrição, uma vez que o prazo ainda estava a decorrer e na petição inicial foi logo requerida a citação urgente da Ré nos termos e ao abrigo do artigo 561.º do C.P.C.
16- Deve a Apelação ser julgada procedente e ser revogada na íntegra a sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare improcedente a excepção peremptoria da prescrição, tudo com as legais consequências.
17 – Com a prolação da sentença foram violados os artigos 337.º do Código de Trabalho e artigo 323.º n.º 2 c.c., entre outros artigos do Código de Trabalho, do Código Civil e do Código de Processo Civil.»
1.3. A R. apresentou contra-alegações em que concluiu dever confirmar-se o saneador-sentença recorrido.
1.4. O recurso foi admitido na 1.ª instância.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido o contraditório, nenhuma das partes se pronunciou sobre tal Parecer.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se se verificou no caso vertente a prescrição dos créditos peticionados na presente acção.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos relevantes para a decisão do recurso foram fixados na decisão da 1.ª instância nos seguintes termos:
A) O Autor propôs a presente ação a 25 de Maio de 2023.
B) A Ré foi citada em 31 de Maio de 2023.
C) O contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré terminou por denúncia do Autor, através de carta datada de 26 de Maio de 2022 e recebida pela Ré em 27 de Maio de 2022.
D) No âmbito dos presentes autos o Autor peticiona: a) que seja declarada lícita a resolução do contrato de trabalho do Autor, com as legais consequências; b) que a Ré seja condenada a pagar ao Autor uma indemnização de antiguidade, que, na presente data, se cifra em € 24.730,75, acrescida de juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; c) que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 11.483,13, referente às prestações pecuniárias vencidas, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento; d) que a Ré seja condenada ao pagamento das custas com o presente processo.
Resulta ainda dos autos (fls. 25) que:
E) a carta para citação da R. foi remetida pelos serviços da Secretaria no dia 29 de Maio de 2023.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Na decisão da 1.ª instância exarou-se, a propósito da questão prescricional que foi colocada a este Tribunal da Relação, o seguinte:
«[…]
Da factualidade provada resulta que o prazo prescricional de um ano se iniciou a 27 de Maio de 2022.
A prescrição apenas se interrompe “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” Nos termos do artigo 323.º n.º 1 do Código Civil.
A citação da Ré ocorreu em 31 de Maio de 2023.
Constata-se que o termo do prazo de um ano previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho ocorreu a 27 de Maio de 2023, isto é, dois dias após a propositura da ação pelo Autor.
Independentemente de ter sido requerida a citação urgente, era impossível que os serviços procedessem à citação da Ré no prazo de 2 dias, sendo que, nos termos do artigo 323º, n.º 2 do Código de Processo Civil, apenas se interrompe o prazo, independentemente da citação, se a mesma não tiver ocorrido nos 5 dias posteriores à propositura da acção, por culpa não imputável ao Autor. Ora, a prescrição ocorreu em momento anterior ao decorrer dos 5 dias em causa (neste sentido vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2017, disponível em www.dgsi.pt, processo n.º 14143/14.0T8LSB.L1.S1).
O Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré em 27 de Maio de 2023 (processo n.º 1304/23.0T8BRR), ou seja, no último dia do prazo da prescrição, o que nunca permitiria a interrupção da prescrição nos termos já expostos, a qual aliás foi indeferida, por já se ter realizado a citação nos presentes autos.
Do exposto resulta a procedência da excepção peremptória invocada pela Ré, o que determina a respectiva absolvição do pedido.
[…]»
4.2. Nas conclusões das alegações que apresentou, o recorrente invoca que cumpriu os requisitos do artigo 323.º do Código Civil, nomeadamente requerendo a citação 5 dias antes do decurso do prazo, que requereu a citação urgente da R. ao abrigo do artigo 561.º do Código de Processo Civil, com o que ficou desonerado de a requerer nos 5 dias anteriores ao desfecho do prazo e que, estando o prazo ainda a decorrer, o facto de ter requerido a citação urgente interrompe o prazo prescricional independentemente da data em que venha a ocorrer a citação.
Não podemos deixar de notar a contradição em que o recorrente incorre quando alega que cumpriu os requisitos do artigo 323.º do Código Civil, nomeadamente requerendo a citação 5 dias antes do decurso do prazo (conclusão 4.ª) e, do mesmo passo, invoca que por força do mecanismo da citação urgente estava desonerado de requerer a citação nos 5 dias anteriores ao desfecho do prazo (conclusão 11.ª).
Seja como for, procedendo a uma análise do regime jurídico aplicável e subsumindo ao mesmo os factos que emergem dos presentes autos, incluindo a dilação temporal que se detecta entre o momento em que é requerida a citação e aquele em que se completa o prazo de prescrição dos créditos peticionados, podemos adiantar que no caso sub judice esta prescrição se verificou.
Senão vejamos.
4.3. Nos termos do preceituado no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, “[o] crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
O prazo assim estabelecido configura um prazo de natureza substantiva, cujo desrespeito determina a prescrição dos créditos laborais, com os efeitos previstos no artigo 304.º do Código Civil.
Nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, a prescrição apenas se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, mas, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo 323.º, "[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias".
Decorre deste preceito que se a citação se realiza dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição, atendendo-se ao momento efectivo da citação. Mas se a citação é feita posteriormente por causa não imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida logo que decorram os 5 diasapós o requerimento da citação; existindo, porém, culpa da demora por parte do autor, atende-se ao momento em que a citação é de facto concretizada.
Como resulta da própria designação dada ao instituto em análise – “interrupção da prescrição” – e da literalidade dos preceitos citados, aquela interrupção só pode ocorrer na pendência do prazo de prescrição, não fazendo qualquer sentido interromper algo cujo processo se mostrasse já anteriormente concluído.
Assim, e como constitui jurisprudência pacífica1, o efeito interruptivo estabelecido naquele n.º 2 do artigo 323.º pressupõe a concorrência de três requisitos:
• que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
• que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
• que o retardamento na efectivação do acto da citação não seja imputável ao demandante.
Deste modo, o benefício que ali se concede ao demandante exige necessariamente que este requeira a citação do demandado com pelo menos, cinco dias de antecedência relativamente ao termo do prazo prescricional e que o eventual retardamento desse acto não lhe seja imputável, não sendo necessário para isso requerer a citação urgente.
4.4. No caso vertente, os autos deram entrada em juízo a 25 de Maio de 2023, pelo que será essa a data tida como a da sua propositura, nos termos do disposto no artigo 259.º, n.º 1, do Código Processo Civil.
A citação da R. apenas veio a ser efectivada no dia 31 de Maio de 2023.
Face ao prazo de prescrição atendível, cabe localizar o seu termo no concreto dos autos.
Atenta a data da cessação do contrato de trabalho – 27 de Maio de 2022 – o prazo de prescrição dos créditos laborais emergentes da violação ou cessação deste contrato de trabalho iniciou-se no “dia seguinte” nos termos do artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho – 28 de Maio de 2022 – e terminaria pelas 24 horas do mesmo dia do ano subsequente, nos termos do artigo 279.º, alínea c) do Código Civil2 – dia 28 de Maio de 2023.
Porém, como este dia recaiu num domingo, o cômputo do seu termo transferiu-se para as 24 horas do dia 29 de Maio seguinte por força do artigo 279.º, alínea e), primeira parte, do Código Civil. Com efeito, a alínea e), deste artigo 279.º – que, segundo o artigo 296.º do mesmo Código Civil é de aplicação geral “aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade”, caso inexista regra especial que o afaste (como parece ser o caso do prazo prescricional dos autos) –, estabelece que o prazo “que termine em domingo” (…) transfere-se para o primeiro dia útil”, o que faz com que o prazo de prescrição dos autos, por findar a um domingo, veja o seu termo ser transferido para o dia útil seguinte (segunda-feira, que não coincide no caso com nenhum feriado nacional), que, nessa medida, passou a ser o último dia de decurso e contagem do mesmo3.
Recorde-se que a acção foi intentada no dia 25 de Maio de 2023 e que a citação da R. se concretizou em 31 de Maio de 2023.
Da simples enunciação destas datas se constata que, sendo a citação requerida em 25 de Maio e situando-se o dies ad quem do prazo de prescrição no dia 29 de Maio, não pode considerar-se que a citação foi requerida 5 dias antes do decurso do prazo de prescrição, tal como exige o n.º 2 do artigo 323.º para que se verifique o efeito interruptivo nele previsto.
Com efeito, de acordo com o artigo 279.º, alínea b) do Código Civil “[n]a contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, pelo que, não se contando o próprio dia da propositura da acção. a contagem do lapso temporal de 5 dias iniciar-se-ia no dia seguinte a este e terminaria quando se completassem 5 dias.
Assim, tendo o A. intentado a acção em 25 de Maio de 2023 e completando-se o prazo de prescrição no dia 29 de Maio seguinte, é de considerar que, ao contrário do que alega o recorrente, este accionou a recorrida com 4 dias de antecedência relativamente ao termo do prazo prescricional.
E, como vimos, a previsão do art.º 323º n.º 2 pressupõe, necessariamente, que este prazo se mantenha actuante quando se completaram os cinco dias da ficção legal.
Em conclusão, tendo sido a presente acção intentada menos de 5 dias antes de se completar o prazo de prescrição dos créditos que o recorrente pretende fazer valer através da presente acção, não pode no caso vertente ser invocada a “ficção” prevista no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil para fundamentar a interrupção desse prazo prescricional.
E o mesmo só poderá ser interrompido pelo próprio acto da citação.
4.5. Mas será que, como vem defender o recorrente, o pedido de citação urgente, também por si formulado (vide fls. 2), implicava que a citação se realizasse obrigatoriamente antes de se completar a prescrição, (ou seja, até ao dia 29 de Maio de 2023), ou de algum modo desonerava o recorrente de instaurar a acção com a antecedência prevista no n.º 2, do artigo 323.º interrompendo, por si só, o prazo de prescrição?
De acordo com o artigo 561.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “[o] juiz pode, a requerimento do autor, e caso o considere justificado, determinar que a citação seja urgente”. E decorre do n.º 2 do preceito, em conjugação com os artigos 562.º e 226.º do mesmo Código, que a citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização pela Secretaria das diligências com vista à citação do réu.
Naturalmente que a figura da citação “urgente” implica a sua concretização urgente. A petição deve ser logo apresentada a despacho4 que, sendo favorável, impõe o seu cumprimento prioritário.
Mas o certo é que nada na lei obriga a que ela se efectue de imediato ou, especificamente, antes de se verificar a prescrição dos direitos que o autor acciona. Como se defendia no âmbito do Código de Processo Civil de 1961 quanto à citação “prévia” à distribuição, mas com inteira pertinência face à actual figura da “citação urgente” prevista no artigo 561.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, se por qualquer motivo, “v.g., por razões devidas a anormal volume de trabalho, a mau funcionamento dos serviços do Tribunal, a negligência pessoal de algum funcionário, a greve dos funcionários judiciais ou dos correios”, a citação vier a realizar-se já depois do termo do prazo de prescrição, não pode o autor, embora em nada tivesse contribuído para a demora, pretender beneficiar de uma interrupção no último dia do prazo, por não haver norma que o consinta e tal ser contrário ao regime do instituto, tal como ele é definido no nosso ordenamento jurídico5.
Pelo que não tem sustento jurídico a tese do recorrente de que o pedido de citação urgente interromperia, por si só, o prazo de prescrição, e o desonerava de instaurar a acção com a antecedência prevista no n.º 2, do artigo 323.º do Código Civil.
Mas, sendo certo que para beneficiar da ficção contida no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil basta propor a acção cinco dias antes de consumada a prescrição – não necessitando, para isso, de requerer a citação urgente – a questão que se coloca consiste em saber se terá utilidade um eventual requerimento de citação urgente quando esse lapso temporal de 5 dias já esteja comprometido.
Cremos que quando o demandante não disponha já do prazo competente de cinco dias que antecede a prescrição, essa utilidade é uma possibilidade, constituindo o assinalado requerimento de citação urgente a única via de que o demandante dispõe para ainda tentar obter a citação em tempo útil, confiando na celeridade que o tribunal deve observar. Seja como for, os riscos são evidentes, sendo certo que se a citação não se produzir nos termos desejados, resta ao demandante suportar os custos da inevitável prescrição que se verifique caso o respectivo prazo se complete antes de concretizada a citação do demandado.
Pela sua similitude com o caso em análise, em que a petição inicial deu entrada no tribunal no dia 25 de Maio de 2023 (quinta-feira) e a carta para citação da R. foi remetida pela Secretaria no dia 29 seguinte (segunda-feira), é pertinente reproduzir o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 20066:
«I - Para que o Autor de uma acção, em que se peçam créditos remuneratórios e ressarcitórios de uma relação laboral, se possa socorrer plenamente da ficção legal consignada no artigo 323.º, n.º 2 do CC, respeitante à interrupção da prescrição creditícia, é necessário que a acção dê entrada em juízo por forma a que decorram, pelo menos, cinco dias completos entre a propositura daquela e o termo do prazo prescricional das obrigações pecuniárias que se pedem.
II - Não cumpre tal exigência e é, portanto, responsável pelo atraso na citação, aquele que, embora requeira a citação prévia do demandado, introduz a acção em juízo, por fax, a quatro dias do termo do prazo prescricional, sem ter em atenção que esse dia é uma quinta-feira e, por conseguinte, os dois dias intermédios do prazo, por serem sábado e domingo, são dias em que não há actividade judiciária, e que o natural fosse, como veio a suceder, que o envio, pelo Correio, da correspondência destinada à efectivação da notificação do réu só pudesse ter sido enviada na segunda-feira, data do termo do prazo prescricional, e que a citação do demandado só viesse a verificar-se na terça-feira, ou seja, um dia depois do termo daquele prazo.
III - É exclusivamente imputável ao Autor a responsabilidade pela circunstância de a citação do Réu ocorrer depois do prazo de cinco dias previsto no artigo 323.º, n.º 2 do CC, quando a propositura da acção, com o pedido de citação prévia, tiver lugar a menos de cinco dias do termo do prazo prescricional do direito que se pretende fazer valer.»
No caso sub judice, os factos revelam que o pedido de citação urgente não foi suficiente para alcançar a pretendida citação da R. antes de decorrido o prazo de prescrição, pois quando a citação se concretizou, em 31 de Maio, o prazo de prescrição dos créditos peticionados havia-se completado pelas 24:00 horas do dia 29 de Maio antecedente.
4.6. O recorrente alude ainda a uma notificação judicial avulsa que teria requerido e que, por si só, interromperia o prazo da prescrição (conclusão 7.ª). Não cuidou, contudo, de o demonstrar na presente acção, pelo que nenhum efeito da mesma poderia retirar, no sentido de uma eventual interrupção do prazo prescricional em análise.
A Mma. Juiz a quo afirmou na decisão recorrida – o que lhe era lícito fazer nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do CPC, por se tratar de facto de que teve conhecimento no exercício das suas funções – que o Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré em 27 de Maio de 2023 (processo n.º 1304/23.0T8BRR) e que a mesma foi indeferida por já se ter realizado a citação nos presentes autos.
Seja como for, sem que resulte dos autos que se tenha concretizado a pretendida notificação judicial avulsa, inexiste qualquer efeito interruptivo a atender por essa via.
4.7. Em suma, embora por fundamentos não inteiramente coincidentes, subscrevemos a tese da 1.ª instância de que procede a excepção peremptória invocada pela Ré na medida em que quando esta foi citada, em 31 de Maio de 2023, já se havia anteriormente completado o prazo de prescrição dos créditos peticionados na presente acção, o que determina a respectiva absolvição do pedido.
Improcedem as conclusões das alegações do recorrente.
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4.8. As custas do recurso deverão ser suportadas pelo A. recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), resumindo-se às custas de parte uma vez que não há encargos a contar no recurso e não é devida já qualquer quantia a título de taxa de justiça.
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5. Decisão
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Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Lisboa, 05 de Junho de 2024
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
Paula Pott
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1. Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.01.24, processo 06S3757, e de 2017.01.12, processo 14143/14.0T8LSB.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
2. De acordo com o artigo 279.º, alínea c) do Código Civil, “[o] prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.
3. Entendemos que, para efeitos de interrupção da prescrição dos créditos laborais, a norma do art.º 279º, al. e), do Código Civil – nos termos da qual “[o] prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo” –, pode decompor-se em dois segmentos: o primeiro até ao ponto e vírgula, e o segundo depois dele, tendo sempre aplicação o primeiro quando se computa o prazo de prescrição de créditos (pelo que, terminando o prazo de prescrição num domingo, o mesmo se transfere para o primeiro dia útil seguinte). A propósito, referiu-se no acórdão do STA de 2008.01.23, que “[d]a letra da primeira parte da norma resulta que o termo de qualquer prazo, incluindo o de prescrição, que caia em domingo ou feriado, se transfere para o primeiro dia útil seguinte. Isto é assim para todos os prazos, sem razão para excluir o prescricional, de acordo, aliás, com o artigo 296º do mesmo diploma, que estabelece serem «aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei», as regras do artigo 279º. Mas, além disso – segunda parte da norma –, quando o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo, o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia útil após férias. Este segundo segmento da alínea e) não se aplica ao prazo de prescrição, posto que, quanto a ele, não há qualquer acto a ser praticado em juízo. Os actos relevantes, em termos prescricionais, que possa haver a praticar em juízo não respeitam ao prazo em si, mas à sua interrupção”. Assim o notando, vide também o Acórdão da Relação do Porto de 2015.09.21, Processo nº 250/14.2TTMAI-A.P1, inédito, tanto quanto nos é dado saber e que a ora relatora subscreveu.
4. Ainda que sem arrimo na letra da lei (ao invés do que sucedia quanto à figura da citação “prévia” prevista no artigo 478.º do Código de Processo Civil de 1961), é o que defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª edição, Coimbra, 2023, p. 24.
5. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2000, in Boletim do Ministério da Justiça 499/287 e ss. Vide ainda, com muito interesse, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2002, processo 01S4423, citando Vaz Serra, "Prescrição extintiva e caducidade" (in Boletim do Ministério da Justiça 106/190 e ss.), o qual dá notícia de que, no domínio do Código de Processo Civil de 1939, as coisas não eram necessariamente assim. Havia, ao tempo, que atender ao seu artigo 253º, segundo o qual no “que respeita à interrupção da prescrição, o efeito da citação demorada, por facto não imputável ao autor, retrotrai-se à data em que a acção foi proposta”. Só que esta norma não passou para os textos adjectivos subsequentes (ainda começou por figurar no Código de Processo Civil de 1961 mas foi definitivamente eliminada pelo Decreto-Lei n.º 47.690 de 11 de Maio de 1967), nem tão pouco para o Código Civil de 1966 (a cujo diploma compete regular o instituto da prescrição e o regime da sua interrupção). Acresce que o assinalado normativo gerara assinaláveis divergências na interpretação do conceito de “citação demorada”, dando lugar a soluções casuísticas que, favorecendo eventualmente a justiça ao caso concreto subvertiam perigosamente as razões de segurança jurídica que devem nortear o instituto da prescrição. Foi por isso que se uniformizou o respectivo regime no comando único do artigo 323.º do Código Civil.
6. Recurso n.º 142/06 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.