Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10391/23.0T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
CONTRATO DE GESTÃO
GESTOR PÚBLICO
ACTO ADMINISTRATIVO
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663º nº 7 do CPC) - Da exclusiva responsabilidade do relator.
1.- O “contrato de gestão” relativo a gestor público, quando tem na sua origem um ato de nomeação pelo Governo, por resolução, nos termos do Art.º 13.º n.º 1 do Estatuto dos Gestores Públicos aprovado pelo Dec.Lei n.º 71/2007, de 27 de março, emerge de um típico ato administrativo do Governo no exercício das suas competências legais.
2.- Os tribunais da Jurisdição Administrativa são competentes para o julgamento duma ação de condenação que tem por objeto a reclamação do pagamento de remuneração variável devida a gestor público, no exercício das funções de administrador executivo em empresas do sector público do Estado, para as quais foi nomeado pelo Governo do Estado Português, quando a dívida emerge do alegado cumprimento de objetivos fixados pelo Ministério que tutela essas empresas e à fixação desses objetivos estejam necessariamente subjacentes interesses não exclusivamente privados, mas também interesses públicos relevantes, para a disciplina dos quais importa reclamar a aplicação de regras de Direito Administrativo cuja observância importa considerar para a solução do caso concreto.
3.- Esta ação, assim configurada pelo A., tem por objeto a execução de um contrato que, não sendo por natureza puramente administrativo, foi celebrado no quadro legal de legislação típica da contratação pública (v.g. do Estatuto do Gestor Público), por pessoa coletiva de direito público, em que está subjacente à resolução do litígio a aplicação de normas de direito administrativo e, por isso, preenche a previsão do Art.º 4.º n.º 1 al. e) do ETAF.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
AAA… intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra a Parpública – Participações Públicas (SGPS), S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento da remuneração variável anual relativa ao ano de 2007, no montante de €128.800,00, acrescido de juros de mora.
Alega, em suma, que foi nomeado para o cargo de vogal do Conselho de Administração das sociedades Transportes Aéreos Portugueses, S.A. e TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A., de que a R. é acionista única, para o triénio 2006-2008, tendo sido contratado por iniciativa do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) para exercer as funções de Administrador Executivo daquelas empresas e tendo exercido tais funções entre Dezembro de 2006 e Maio de 2009.
Foi contratado juntamente com outros administradores, mas quatro deles celebraram com a R. um contrato de gestão para o triénio, o que nunca ocorreu entre a R. e o A., por facto que não lhe é imputável. Mas, na prática, a R. procedeu nas mesmas condições que o fez relativamente aos restantes administradores, criando assim a convicção ao A. que lhe era aplicável nos mesmos termos.
Questiona, no entanto, o cálculo que a R. faz da remuneração variável que lhe é devida à luz do que foi acordado naqueles contratos e dos critérios ali consignados, entendendo que tem direito ao valor peticionado a esse título.
A R., citada, vem invocar a incompetência dos Tribunais Judiciais para a apreciar o litígio, porquanto o mesmo se insere, em seu entender, na jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
O A. respondeu a essa exceção, defendendo a sua improcedência.
Foi realizada audiência prévia, na qual foram ouvidas as partes sobre a matéria da alegada exceção.
De seguida veio a ser proferida sentença que, julgando que o presente litígio se integra na competência da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, decidiu julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Cível e, em consequência, absolveu a R. da instância.
É dessa sentença que o A. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objeto a douta sentença que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta, por entender que os Tribunais Judiciais são incompetentes para conhecer e apreciar o presente litígio, no qual se discute o pagamento da remuneração variável anual relativa ao ano de 2007, devida ao ora Apelante, pelo exercício das suas funções no Conselho de Administração da TAP e da TAP SGPS, no mencionado período;
B. O Apelante entende que o Tribunal a quo apreciou incorretamente a relação controvertida, tal como apresentada pelo Autor/ora Apelante na petição inicial, a factualidade subjacente ao caso concreto e, em consequência, fez uma errada aplicação e apreciação do Direito correspondentemente aplicável;
C. Por outro lado, o Apelante entende que o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, ao ter concluído que a omissão de contrato escrito de gestão implica a nulidade do ato de nomeação;
Vejamos,
D. Conforme assinala a douta sentença recorrida, apesar de o Apelante ter sido designado Administrador da TAP e da TAP SGPS para o triénio 2006-2008, não assinou o respetivo contrato de gestão;
E. Na petição inicial, alega-se que o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, tendo constatado a ausência do contrato escrito, determinou que a ora Apelada regularizasse a situação, mediante a formalização do contrato de gestão, o que nunca aconteceu, por razões que lhe são exclusivamente imputáveis;
F. Não obstante, conforme igualmente se alega, o Apelante exerceu as funções de Administrador Executivo da TAP e da TAP SGPS, nos mesmos termos e condições que os restantes Administradores, com as mesmas obrigações e os mesmos direitos, e tendo recebido, inclusive, a mesma remuneração fixa e variável anual dos restantes;
G. Da análise da sentença recorrida extrai-se que o Tribunal a quo apreciou as consequências jurídicas da falta de contrato de gestão escrito entre o Apelante e a Apelada, atribuindo-lhe o desvalor da nulidade do ato de nomeação;
H. Ocorre que, na génese da relação controvertida, tal como apresentada pelo Apelante, não está em causa a nomeação deste para o exercício do cargo de Administrador ou o efetivo exercício daquelas funções, factos que não são sequer contestados, mas sim o pagamento de uma parcela da remuneração variável anual que lhe foi atribuída, já em cumprimento das funções para as quais foi nomeado;
I. A questão de saber quais as consequências jurídicas da ausência de contrato de gestão escrito, a relevar, sempre haverá de ser considerada uma questão controvertida nos autos, dependendo a decisão de mérito sobre a referida questão da produção de prova sobre tais factos, sob pena de violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC;
J. Como ensina o Tribunal de Conflitos, em douto Acórdão de 8 de novembro de 2028, proc. n.º 20/18, disponível em www.dgsi.pt, “o Tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência” (cfr. Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 1 de outubro de 2015, proc. n.º 08/14, disponível em dgsi.pt);
K. Ao apreciar as consequências da ausência de contrato de gestão escrito entre o Apelante e a Apelada, antecipando, neste momento processual, o seu juízo de direito sobre tal questão, o Tribunal o quo incorreu em excesso de pronúncia, razão pela qual a decisão ora recorrida deve ser considerada nula, nesse aspeto, nos termos e para os efeitos da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
Sem conceder,
L. A competência para dirimir o presente litígio terá de ser determinada à luz da natureza jurídica do vínculo contratual entre o Apelante e as sociedades TAP e TAP SGPS, das quais a Apelada era a única acionista, à data dos factos, bem como à luz do regime jurídico aplicável à remuneração variável peticionada;
M. A disciplina instituída pelo Estatuto do Gestor Público (EGP), previsto no Decreto-Lei n.º 71/2007, remete para a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais e, consequentemente, para as regras civilísticas do mandato;
N. Conforme decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.06.2023, proferido no Processo 5399/22.5T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, deve entender-se “aplicável ao contrato do gestor público as normas civilísticas do mandato, estranhas à jurisdição administrativa. Daí a competência residual dos tribunais judiciais (art.º 64º do NCPC)”;
O. No mesmo sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.01.2016, no Processo n.º 0510/15, igualmente disponível em www.dgsi.pt, enfatiza que o EGP explicita que a relação de gestão pública é configurada como um contrato de natureza privada, em moldes similares à figura do administrador nas sociedades comerciais;
P. Ao enquadrar o contrato de gestão pública no âmbito do direito público, a Tribunal a quo ignorou a disciplina normativa que o próprio EGP lhe atribuiu e incorreu num manifesto erro de julgamento;
Q. Do mesmo modo, ao concluir que a relação de gestão pública é análoga a uma “relação de emprego público”, o Tribunal de Primeira Instância descurou a incompatibilidade absoluta que a ordem jurídica estabelece entre os vínculos laboral e de administração, mormente, no artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais;
R. Por outro lado, o Tribunal a quo partiu da errada premissa de que, nos termos da redação atual do artigo 4.º do ETAF, a expressão do interesse público subjacente ao regime do gestor público ou o envolvimento de uma entidade pública, são fatores suficientes para se subsumir o presente litigo ao polo da administrabilidade;
S. Conforme ensina Vieira de Andrade, a propósito da interpretação da atual redação do artigo 4.º do ETAF “na falta de uma clarificação legislativa parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração (…). A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado” (cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 13.ª Edição, 2014,, pp. 47 e ss.);
T. No caso sub judice, não nos encontramos perante uma relação que se desenvolva entre um ente público e uma pessoa privada sob as égides do direito público, mas sim perante uma relação normativamente regulada sob as égides do direito privado;
U. Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal de Conflitos, designadamente nos doutos Acórdãos de 11 de janeiro de 2017, processo n.º 27/16, e de 1 de março de 2023, processo n.º 6936/22.0T8BRG.S1, ambos disponíveis em dgsi.pt, nos quais decidiu que “a relação de mandato que se estabelece com o gestor é uma relação jurídica de direito privado, estranha, pois, à ambiência contratual administrativa”;
V. O Acórdão de fixação de jurisprudência invocado na douta sentença recorrida, para afastar a qualificação da relação de gestão pública como um contrato de mandato, reporta-se a um litígio de contornos manifestamente distintos dos aqui em apreciação - em concreto, a uma relação de mandato forense, à qual é aplicável o Código dos Contratos Públicos;
W. A apreciação do grau de cumprimento dos objetivos que serviu de base ao cálculo da renumeração variável peticionada decorre igualmente do vínculo de natureza privada estabelecido entre o Apelante e a Apelada, porquanto, pese embora as empresas públicas prossigam interesses públicos, estes são atingíveis por via do direito privado;
X. Como evidencia o citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.01.2016, as intervenções do Estado neste domínio são feitas por decorrência da sua função acionista, “o que as diferencia dos conceitos administrativos de tutela ou superintendência e as aproxima vivamente do regime societário do Código das Sociedades Comerciais” (cfr. Acórdão de 28.01.2016, no Processo n.º 0510/15, publicado em www.dgsi.pt);
Y. Assim, ainda que se admitisse que, no ano de 2007, os critérios para a remuneração dos gestores da TAP foram definidos pela tutela pública com base no interesse público e, portanto, que os indicadores pré-definidos o reflitam, não se pode descurar que, no momento da análise dos indicadores de desempenho, o Estado, mesmo enquanto acionista de uma empresa pública, deve atuar exclusivamente dentro dos limites que a legislação de direito privado impõe aos acionistas;
Z. Atento o exposto, a douta sentença recorrida faz uma errada aplicação da lei processual, concretamente dos artigos 1.º e 4.º do ETAF, devendo concluir-se que a competência para apreciar o presente litígio pertence aos Tribunais Judiciais, nos termos do artigo 64.º do CPC.
Pede assim que o recurso seja julgado procedente, declarando-se a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., na parte em que considerou que a omissão de contrato de gestão escrito implica a nulidade do ato de nomeação, revogando-se ainda a sentença proferida e determinando-se a competência material dos tribunais judiciais para conhecer o presente litígio.
A R. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações, as seguintes conclusões:
A. A Sentença não padece de excesso de pronúncia, tendo o Tribunal a quo decidido e fundamentado a procedência da exceção exclusivamente com base nos factos alegados pelas partes, sem que tenha antecipado qualquer decisão quanto ao mérito da causa.
B. A relação subjacente ao pedido de pagamento de remuneração variável formulado pelo Recorrente é uma relação de gestor público.
C. Resulta do artigo 211.º (1) da CRP, e do artigo 64.º do CPC, que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
D. A competência dos tribunais administrativos vem regulada no ETAF, tendo este sido sofrido alterações no sentido de ampliar o âmbito da jurisdição administrativa.
E. Tal alteração foi acompanhada no novo CPTA que vem determinar que os tribunais administrativos passam a assumir novas competências e ganham maior agilidade, adequação e flexibilidade de procedimentos.
F. O artigo 4.º do ETAF elenca um conjunto de matérias, de forma não taxativa, concretizando a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa pela positiva (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º) e pela negativa (cf. n.º 3 e 4.º do artigo 4.º).
G. As matérias identificadas no artigo 4.º do ETAF não esgotam o objeto da jurisdição administrativa, estando a aferição da competência dos tribunais administrativos dependente da interpretação da expressão relação jurídica administrativa no caso concreto.
H. Também o CPTA, na versa o atualmente em vigor, prevê no seu artigo 2.º, n.º 2, l), que os tribunais administrativos são competentes em termos muito amplos para a “[a] apreciação de questões relativas à interpretação, validade ou execução de contratos”, sendo admissível também a apreciação de qualquer pedido relacionado com questões de interpretação, validade e execução de contratos, em conjunto com a impugnação de atos administrativos praticados no âmbito duma relação contratual.
I. As funções exercidas pelo Recorrente estão submetidas ao regime previsto no Estatuto do Gestor Público.
J. A relação contratual de gestão pública não é uma relação de direito privado.
K. Tal decorre das exigências previstas no EGP para a celebração do contrato de gestão são expressão do interesse público que lhe esta subjacente.
L. A relação jurídica em causa rege-se por normas de direito público e, também, por instrumentos de direito público, tais como orientações estratégicas de gestão e objetivos a prosseguir pelas equipas de gestão e, bem assim, pelos próprios contratos públicos de gestão.
M. O pedido e a causa de pedir concretamente delineados pelo Recorrente encontram-se substantivamente sujeitos ao direito público, por derivarem de relações jurídicas que se desenvolvem ao abrigo de um regime jurídico especificamente aplicável ao gestor público, ao invés da lei comercial geral.
N. No EGP encontra-se bem vincada a importância das empresas públicas e dos gestores públicos na satisfação de necessidades coletivas, importância esta intrinsecamente ligada a elevados padrões de exigência, rigor eficiência e transparência, os quais decorrem da ética de um serviço público.
O. Do preâmbulo do EGP consta expressamente que as matérias relativas a avaliação de desempenho e a determinação das remunerações se encontram por si reguladas, e ainda que o decreto-lei estabelece também um processo de fixação das remunerações dos gestores públicos e de outros benefícios.
P. A quantificação e a determinação da remuneração anual variável esta o sujeitas aos princípios e regras do EGP.
Q. As matérias relativas a remuneração estão sujeitas a este regime, ou seja, a normas de direito público, não sendo nesta parte equiparados a gestores privados.
R. Porquanto tais pagamentos são realizados a expensas do erário público, impondo-se, desde logo, uma adequação material entre as funções exercidas, os critérios subjacentes, a quantificação da remuneração variável e a determinação dos seus limites máximo e mínimo, bem como a necessidade de assegurar transparência e certeza na determinação dessas prestações variáveis, conforme decorre do n.º 1 do artigo 37.º do EGP.
S. O ato de determinação de objetivos tendentes ao apuramento de remunerações variáveis de administradores de uma empresa pública corresponde a administrar em sentido material, uma vez que visa a prossecução dos interesses públicos concretos especificamente definidos pela CRP e pela lei, com características de conformação social.
T. É então manifesto que uma relação contratual de gestão pública não é uma relação de direito privado, e, por conseguinte, a aferição da pretensão formulada pelo Recorrente encontra-se subtraída da competência dos tribunais judiciais, como bem decidiu o Tribunal a quo.
U. A relação jurídica em causa é análoga a uma “relação de emprego público”, relação esta regida por normas de direito público e, consequentemente, matéria que o legislador não excluiu da jurisdição dos TAF.
Pede assim a total improcedência da apelação e a confirmação da sentença proferida, sendo julgada procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Judicial de Lisboa, e consequentemente, ser a R. absolvida da instância.
Ao admitir o recurso, o Tribunal a quo, ao abrigo do Art.º 617.º n.º 1 do C.P.C., pronunciando-nos sobre a nulidade da sentença suscitada pelo Recorrente, deixou consignado que não se pronunciou sobre a questão da nulidade do contrato de gestão e, por isso, não existe qualquer nulidade.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, as questões a decidir são:
a) A nulidade da sentença por excesso de pronúncia; e
b) A competência, em razão da matéria, para o Tribunal Cível apreciar o presente litígio.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso não fixou a matéria de facto em que assenta a sua decisão, mas dela resulta claro que relevou o que foi alegado pelo A. como causa de pedir, o que é resumido nos primeiros 5 artigos da petição inicial, donde se pode ler:
«1.º O A. foi nomeado para o cargo de vogal do Conselho de Administração das sociedades Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (adiante apenas TAP) e TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. (adiante apenas TAP SGPS) para o triénio 2006-2008 – cfr. certidões do registo comercial da TAP SGPS, na sua Insc.4/Ap. 28/20061222 e TAP, na sua Insc.3/ Ap. 30/20061222, que se juntam como Docs. 1 e 2.
«2.º O A. foi contratado por iniciativa do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) para exercer as funções de Administrador Executivo da TAP e da TAP SGPS,
«3.º Tendo exercido tais funções de administração entre dezembro de 2006 e maio de 2009.
«4.º À data do exercício do mandato, ou seja, entre 2006 e 2009, a R. era a acionista única da TAP e da TAP SGPS.
«5.º Pretende o A., com a instauração da presente ação, obter a condenação da R. no pagamento da remuneração variável anual relativa ao ano de 2007, a qual é devida ao A. pelo exercício das suas funções no Conselho de Administração da TAP e da TAP SGPS nesse período».
E quanto ao conteúdo material da relação contratual em causa, releva ainda o alegado nos artigos 28.º a 64.º, onde se pode ler:
«28.º Tal como o A., FSP, MAC, LGM e MFT foram eleitos administradores das sociedades TAP e TAP, SGPS, para o triénio 2006-2008.
«29.º Tais administradores foram contratados para exercer as funções de administradores executivos da TAP em virtude da sua reconhecida experiência no setor da aviação comercial, uma vez que a TAP estava em situação de insolvência iminente.
«30.º Nessa sequência, em dezembro de 2006, os FSP, MAC, LGM e MFT celebraram, com a intervenção da R., quatro Contratos de Gestão, de igual teor (cfr. Doc. 9, que se juntam agregadamente e se dão por reproduzidos).
«31.º Tais Contratos de Gestão têm por objeto o exercício pelos referidos FSP, MAC, LGM e MFT do cargo de administradores nas sociedades TAP e TAP, SGPS, no triénio 2006-2008 (cfr. os contratos juntos sob o Doc. 9).
«32.º Dos referidos contratos fazem parte integrante três anexos: o primeiro relativo à remuneração anual fixa, o segundo relativo a objetivos e o terceiro intitulado "Um compromisso com a excelência na Gestão do Grupo TAP. Definição de Objetivos" (cfr. os contratos juntos sob o Doc. 9).
«33.º Os referidos Contratos de Gestão fixaram, na cláusula 4ª, como contrapartida do exercício das funções de administração, uma remuneração anual, constituída por uma parte fixa e uma parte variável, nos seguintes termos (cfr. os contratos juntos sob o Doc. 9):
“1 - Em contrapartida do cumprimento do mandato objeto do presente contrato e do desempenho das funções nele previstas, a Primeira Contraente instruirá a TAP SGPS para que esta proceda ao pagamento de remuneração anual ao Segundo Contraente, constituída por parte fixa e parte variável.
“2 - A Primeira Contraente obriga-se ao pagamento da remuneração ao Segundo Contraente, podendo contudo debitar à TAP, SGPS, SA os montantes correspondentes, ou fazer-se substituir por esta no cumprimento daquelas obrigações, dirigindo-lhe, para o efeito, as necessárias instruções.
“3 - A parte fixa da remuneração tem o valor definido, no anexo I ao presente contrato.
“4 - A parte fixa da remuneração do Segundo Contraente é paga em catorze prestações de idêntico montante, doze delas correspondentes aos doze meses do ano civil e com vencimento no último dia útil de cada mês e duas outras com vencimentos nos últimos dias úteis dos meses de Julho e Novembro.
“5 - A atribuição da parte variável da remuneração do Segundo Contraente encontra-se dependente da medida do cumprimento por este, em cada ano civil, dos objetivos que constam do anexo 2 ao presente contrato, medida a determinar nos termos da regulamentação referida no número 8.
“6 - A parte variável da remuneração do Segundo Contraente tem como limite máximo, em cada ano, 75% do valor total da parte fixa da remuneração por si auferida nesse ano.
“7 - A parte variável da remuneração do Segundo Contraente, se devida, é paga uma vez por ano civil, nos termos previstos na regulamentação que alude o número seguinte.
“8 - Em execução do disposto nos números anteriores, as condições e o prazo de atribuição, bem como o montante da parte variável da remuneração do Segundo Contraente são objeto de regulamentação intitulada “Um compromisso com a excelência na Gestão do Grupo TAP. Definição de Objetivos” anexa ao presente contrato sob o número 3.
“9 - Os montantes pecuniários referidos na presente cláusula e nos anexos para que ele remete são ilíquidos de impostos e taxas legais aplicáveis”.
«34.º Os objetivos estatuídos nos contratos de gestão celebrados com os administradores FSP, MAC, LGM e MFT para o período de 2006 a 2008 foram fixados pelo MOPTC, sem intervenção da R.
«35.º Sendo que tais objetivos resultaram de negociações realizadas entre o MOPTC e os referidos administradores e suportaram-se em estudos contratados pelo MOPTC e efetuados pelas Consultoras Mercer e Heidricks & Struggles.
«36.º A contrapartida fixa do Presidente do Conselho de Administração, FSP, tinha o valor anual ilíquido de €420.000, a que correspondia o valor mensal ilíquido de €30.000 (€ 420.000/14) (cfr. o referido Doc. 9 -1, anexo 1, já junto).
«37.º Por sua vez, a contrapartida fixa dos vogais do Conselho de Administração, MAC, LGM e MFT, e também o A., tinha o valor anual ilíquido de €280.000, a que correspondia o valor mensal ilíquido de €20.000 (€280.000/14) (cfr. o anexo 1 aos referido Docs. 9 -2, -3 e -4, já junto).
«38.º A parte variável da contrapartida remuneratória dos administradores ficou dependente da medida do cumprimento, em cada ano civil, dos objetivos fixados nos Anexos II e III dos Contratos de Gestão, com o limite máximo, em cada ano, de 75% do valor total da parte fixa da remuneração individualmente auferida por cada administrador (cfr. os contratos juntos agregadamente sob o Doc. 9).
«39.º Para o cálculo do grau de cumprimento destes indicadores seriam utilizados os valores resultantes das contas anuais aprovadas pelo Conselho de Administração da TAP (cfr. os contratos juntos sob o Doc. 9, nomeadamente, o seu anexo 3).
«40.º Do anexo III dos Contratos de Gestão referidos, intitulado ‘Um compromisso com a excelência na gestão do Grupo TAP. Definição de Objetivos’, para o ano de 2007 e seguintes (p. 5 e 6 do doc. 9), consta designadamente o seguinte:
“A avaliação da performance dos administradores executivos do Grupo TAP estará indexada, em termos anuais, à prossecução de objetivos anuais ambiciosos, mas atingíveis ao nível do Grupo e por Unidades de Negócio” (p. 5).
“Após uma detalhada análise das best practices existentes no mercado nacional e internacional, os indicadores de performance serão baseados no delta de crescimento, previstos para cada ano no orçamento aprovados pela Tutela, junto com objetivos comparativos em função da performance relativa face a um conjunto de companhias de bandeira europeias que integrarão o seu benchmark de referência” – Air France, KLM, Lufthansa, British Airways, Iberia, Alitalia, SAS, Austrian Airways, Air Lingus”.
«41.º Os referidos Contratos de Gestão estabelecem ainda, na cláusula 5ª, a atribuição aos administradores de uma compensação diferida, a qual não será, no entanto, peticionada nos presentes autos.
«42.º Ora, relativamente ao anexo 3 dos Contratos de Gestão, denominado “Um Compromisso Com a Excelência na Gestão das Empresas e Organismos Tutelados – Definição de Objetivos”, verificou-se existirem várias versões do mesmo documento, sendo que, por lapso, a versão que fora efetivamente assinada entre as partes, não correspondia à última versão do documento.
«Efetivamente,
«43.º De acordo com a Nota Informativa nº 04/2008/IN, do Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (SEAOPC), de 2 de setembro de 2008, enviada ao Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (SETF), no dia seguinte, com o assunto “Grupo TAP – avaliação do cumprimento dos indicadores dos objetivos fixados no documento intitulado ‘Um compromisso com a excelência na gestão das empresas e organismos tutelados’”, foi proposta, no respetivo ponto 1, a elaboração de aditamentos ao Anexo III dos Contratos de Gestão celebrados com os administradores da TAP, nos seguintes termos (cfr. Docs. 10 e 11, que se juntam e se dão por reproduzidos):
“No ano transato, no momento da avaliação dos objetivos de 2006, conclui-se que o anexo 3, do contrato de gestão, denominado “Um Compromisso Com a Excelência na Gestão das Empresas e Organismos Tutelados – Definição de Objetivos”, dos membros do Conselho de Administração não coincidia com o documento com a mesma denominação, que se encontrava arquivado na TAP como anexo à Assembleia-geral da TAP do dia 5 de Dezembro de 2006 em que deliberava a eleição dos membros dos órgãos especiais e à aprovação das orientações específicas e objetivos para o mandato 2006/2008.
No primeiro caso o anexo 3 incluía os Indicadores de Objetivos “Corporate” anuais TAP.
Nos contratos de gestão assinados pelos gestores da TAP os anexos dos quais constam o Compromisso com a Excelência na Gestão incluem, para além dos Indicadores de Objetivos “Corporate” anuais da TAP, os Indicadores dos objetivos “Individuais” anuais TAP por cada unidade de negócio.
Supomos que a existência de duas versões dos documentos verifica-se porque a TAP foi das primeiras empresas em que se implementou “Um Compromisso com a Excelência na Gestão”, e no início na definição dos objetivos para as empresas Tuteladas pelo MOPTC, chegou a haver um entendimento para que fosse avaliada a performance individual de cada administrador e não o Conselho de Administração como um todo. (…)
Assim, a filosofia da performance individual foi abandonada, por considerarmos que só faz sentido avaliarmos o desempenho da empresa por forma indiferenciada dos seus membros do Conselho de Administração, pois todos são corresponsáveis na mesma medida dos resultados obtidos pela empresa.
A TAP foi a única empresa tutelada pelo MOPTC em que se considerou fórmulas para cada área de responsabilidade do presidente e administradores. Apesar da versão da definição de objetivos TAP constante dos contratos incluir performances individuais para cada membro do Conselho de Administração, consideramos que não está de acordo com “Um Compromisso com a Excelência na Gestão das Empresas e Organismos tutelados pelo MOPTC” e com o implementado nas outras empresas, que define objetivos ambiciosos e mensuráveis anual e plurianualmente para o mandato do Conselho de Administração da empresas, e não para os membros do Conselho de Administração individualmente.
Face ao exposto e por forma a regularizar este processo, uma vez que a versão final do documento apenas se encontra em anexo à assembleia geral propomos a celebração de um aditamento aos contratos de gestão através do qual se procederá à substituição do anexo 3”.
«44.º Certo é que, a partir de 2007, a medida do cumprimento dos objetivos previstos no Anexo III dos Contratos de Gestão passou a ser aferida tendo por referência, exclusivamente, os indicadores dos objetivos corporate, tal como previsto na versão retificada do anexo 3 dos Contratos de Gestão.
«Por conseguinte,
«45.º Os parâmetros de avaliação estabelecidos neste Anexo III para anos de 2007 e 2008 como objetivos anuais passaram a ser os seguintes:
– Performance relativa do Return on Invested Capital, Grupo TAP vs Peers (coeficiente de ponderação 30%) (“ROIC”);
– Performance relativa da margem EBITDAR, Grupo TAP vs Peers (coeficiente de ponderação 24%);
– Crescimento das Receitas do Grupo TAP em 2006 (coeficiente de ponderação 23%); e
– Crescimento do Net Profit em 2006 (coeficiente de ponderação 23%), como resulta da Figura 1 daquele Anexo III (cfr. Doc. 11, que se junta e se dá por reproduzido).
«46.º Comparando as duas versões do referido Anexo III, resulta que, na versão original, os indicadores objetivos (corporate) representam 80% e os indicadores subjetivos (individuais) representam 20% dos objetivos estabelecidos, enquanto, na segunda versão, aparece exclusivamente a Figura 1 com os indicadores objetivos, e sem qualquer indicação da representatividade dos mesmos, que passam assim a representar 100% dos objetivos.
«47.º Decorre também do Anexo III dos Contratos de Gestão que o patamar mínimo para a atribuição da remuneração variável anual é o cumprimento de 85% dos objetivos anuais, definidos e monitorizados em função dos standards do IFRS e devidamente aprovados pelo Conselho de Administração e pelo ROC da Sociedade (cfr. Doc. 11, já junto).
«48.º Para além dos Contratos de Gestão a que se fez referência, os administradores FSP, MAC, LGM e MFT assinaram, em 5 de dezembro de 2006, individualmente, as Cartas de Missão relativas aos objetivos anuais e plurianuais a cumprir no mandato 2006-2008, que foram igualmente assinadas pelo então Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e Comunicações (cfr. Doc. 12, que se junta).
«49.º O A. exerceu, como se referiu, as funções de Administrador Executivo da TAP e da TAP SGPS, entre dezembro de 2006 e maio de 2009,
«50.º E foi contratado por iniciativa do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) para exercer as referidas funções, nos mesmos termos e condições estabelecidos nos contratos de gestão celebrados com os administradores FSP, MAC, LGM e MFT, em dezembro de 2006 e que se encontram juntos aos autos como Doc. 9.
«51.º Ou seja, o A. exerceu as funções de Administrador Executivo da TAP e da TAP SGPS nos mesmos termos e condições dos administradores FSP, MAC, LGM e MFT, tendo as mesmas obrigações e os mesmos direitos, e recebendo inclusive a mesma remuneração fixa anual dos restantes vogais do Conselho de Administração da TAP (MAC, LGM e MFT) e a mesma remuneração variável anual de 2006 e de 2007.
«52.º A Comissão de Vencimentos da TAP que deliberou o pagamento das retribuições variáveis de 2006 e de 2007 ao A., era integrada e presidida por Mário Donas, o qual foi designado pela R.
«Sucede que,
«53.º Apesar de o A. ter sido igualmente designado administrador da TAP e da TAP SGPS para o triénio 2006-2008, não assinou o respetivo Contrato de Gestão.
«54.º Isto, apesar de ter assinado a respetiva Carta de Missão relativa aos objetivos anuais e plurianuais a cumprir no mandato 2006-2008, tal como os demais administradores, que assinaram individualmente tais cartas, em 5 de dezembro de 2006, juntamente com o então Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e Comunicações (cfr. Doc. 12, que se junta e se dá por reproduzido).
«55.º Ciente desse facto, o MOPTC determinou à R., através da referida Nota Informativa nº 04/2008/IN, de 2 de setembro de 2008, do Gabinete do SEAOPC, que se juntou como Doc. 10, que diligenciasse pela formalização de contrato de gestão escrito com o A., nos seguintes termos:
“[P]ara que este processo fique completo [substituir o Anexo III dos Contratos de Gestão e proceder à avaliação dos objetivos fixados] é necessário:
Dar instruções à Parpública, para a elaboração dos contratos de gestão, em falta, com os dois membros do Conselho de Administração da TAP.
Dar instruções à Parpública, para a elaboração dos aditamentos aos contratos de gestão assinados em dezembro de 2006” (sublinhado e realce nossos).
«56.º No entanto, a R. nunca o fez.
«57.º Apesar disso, não existia qualquer divergência entre o MOPTC, o Ministério do Tesouro e Finanças (MTF) e a R. que tivesse sido invocada para justificar a não formalização do contrato de gestão com o A.
«58.º O A., por seu turno, nunca se recusou a assinar um contrato de gestão igual ao dos restantes administradores FSP, MAC, LGM e MFT.
«59.º O A. conhecia os termos e condições do contrato de gestão celebrado com os restantes administradores, tendo considerado e confiado ao longo do seu mandato que o mesmo lhe era aplicável.
«60.º Certo é também que, desde o início do mandato do A. e até ao seu termo, a R., o MOPTC e o MTF sempre atuaram como se o contrato de gestão junto aos autos como Doc. 9 fosse aplicável ao A.,
«61.º Pagando-lhe inclusive a remuneração variável de 2006 e de 2007, nos mesmos termos dos restantes administradores, conforme se demonstrará nos artigos seguintes.
«62.º Assim, sublinhe-se, a R. e o MOPTC nunca pretenderam que o A. exercesse o respetivo mandato em condições diferentes das aplicáveis aos restantes administradores, incluindo no que se refere às condições de atribuição da remuneração variável constantes dos contratos de gestão juntos aos autos como Doc. 9 e respetivos anexos.
«Mais!
«63.º Na sequência do envio pelo A., e pelos restantes administradores, de várias cartas de interpelação, nos termos das quais o A. reclamou o pagamento das remunerações variáveis peticionadas nos autos, com remissão expressa para os contratos de gestão juntos aos autos como Doc. 9, a R. e o MOPTC nunca invocaram que o dito contrato de gestão não lhe era aplicável.
«64.º O que demonstra bem que a falta de formalização do contrato de gestão nunca fora um obstáculo ao pagamento ao A. das referidas remunerações fixas e variáveis».
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Delimitadas as questões a decidir, cumpre agora delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando-se assim, inevitavelmente, pela alegada nulidade da sentença recorrida.
1. Da nulidade por excesso de pronúncia.
A primeira questão suscitada pelo Recorrente é a nulidade da sentença, por alegada violação do disposto no Art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., porquanto se sustenta que aí se julgou que a omissão de celebração de um contrato de gestão escrito implicaria a nulidade do ato de nomeação, o que não seria matéria que sequer houvesse sido invocada pelas partes nos articulados, ou que por estas tenha sido oportunamente debatida.
Como vimos, a Recorrida sustenta que essa nulidade inexiste e o Tribunal a quo realça que não decidiu semelhante questão e, portanto, não haveria qualquer nulidade que enfermasse a decisão recorrida.
De facto, o que a propósito é dito na sentença recorrida é o seguinte:
«O autor exerceu funções de vogal do Conselho de Administração daquelas duas sociedades durante o triénio 2006-2008. Não é controverso que o A assumiu as funções de um gestor público e que está submetido ao regime previsto no Estatuto do Gestor Público (Dec.Lei nº71/2007, que é aplicável aos mandatos em curso nos termos do seu art.39º). O autor não celebrou nenhum contrato de gestão com a ré, ao contrário do que fizeram os restantes administradores e ao contrário do que dispunha o art.18º, nº2 (“ O contrato de gestão é celebrado no prazo de três meses contado a partir da data da designação do gestor público entre este, os titulares da função acionista e o membro do Governo responsável pelo respetivo sector de atividade.”). Invoca, no entanto, o A que não lhe é imputável essa falta e que lhe é aplicável o consignado nos contratos de gestão assinados com os outros administradores, tal como a ré sempre o considerou nos restantes aspetos durante o mandato, pelo que é devida pela ré a remuneração variável aí consignada, que pede.
«Assim, logo à partida, é enunciada uma questão a resolver sobre o efeito que a não celebração do contrato tem na relação entre as partes, sendo certo que na revisão de 2012, o legislador sentiu necessidade de clarificar que tal omissão implica a nulidade do ato de nomeação (2 - O contrato de gestão é celebrado no prazo de três meses contado a partir da data da designação do gestor público entre este, os titulares da função acionista e o membro do Governo responsável pelo respetivo sector de atividade, sendo nulo o respetivo ato de nomeação quando ultrapassado aquele prazo.). Ora, como é sabido, a nulidade em direito privado tem consequências diferentes que em direito público e sendo o contrato de gestão um contrato regido por normas de direito púbico, parece-nos se enquadra na “legislação sobre contratação pública” de que fala a al. e).
Para além disso, o litígio versa sobre a quantia devida a título de remuneração variável pelo exercício de funções de gestor público. Não obstante não estar em causa uma relação laboral típica, não deixa de poder considerada a relação existente entre o A e a R uma relação de prestação de serviços, sendo o mandato uma das modalidades de prestação de serviço, como é sabido. Assim, em sentido lato, não vemos argumento que permita não considerar a situação como análoga de uma “relação de emprego público”, relação esta regida por normas de direito público (e, consequentemente, uma questão que o legislador não quis excluir da jurisdição dos TAF)».
No final, na parte dispositiva da sentença recorrida, como é muito claro, não foi decidido que o contrato de gestão era nulo. O que foi decidido foi que o Tribunal Cível não era competente para apreciar este litígio, mas sim a Jurisdição Administrativa.      
Por outras, a sentença não conheceu da nulidade do contrato de gestão por não ter sido celebrado por escrito. O que aí se disse é que a apreciação deste litígio sempre irá pressupor o conhecimento prévio da validade do contrato, o que implica a aplicação de normas típicas da “legislação da contratação pública”, que se compreendem na competência jurisdicional que a lei atribui aos Tribunais Administrativos.
Em face disso, julgamos que não houve qualquer excesso de pronúncia, porque a sentença recorrida, ao contrário do alegado, efetivamente não apreciou a questão da nulidade do contrato, pois nem sequer a decidiu. Logo, é gratuita e despropositada a invocação duma alegada violação da al. d) do n.º 1 do Art.º 615.º do C.P.C. com esse fundamento, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.

2. Da competência do Tribunal Cível para apreciar o litígio.
A questão central da presente apelação tem a ver com a competência dos Tribunais Cíveis para julgar o litígio a que os autos se reportam, sendo que a sentença recorrida defendeu posição diversa, no sentido de que a presente causa emerge de contrato subordinado ao direito público cuja apreciação deveria competir à Jurisdição Administrativa.
É sabido que a nossa organização judiciária comporta, além dos tribunais comuns, a existência de tribunais especiais, como são o caso dos tribunais administrativos e fiscais, militares e do tribunal de contas (Art.ºs 209º e ss. da C.R.P.).
Por princípio todas as causas que não estejam atribuídas por lei a alguma jurisdição especial são da competência dos tribunais judiciais comuns (Art.º 64º do C.P.C. e Art.ºs 40º n.º 1 e 80º n.º 1 da L.O.S.J., aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26/8).
Assim, cumprirá apreciar, em primeiro lugar, qual o âmbito de competência dos Tribunais Administrativos para concluirmos a final se é àqueles que a lei atribuiu a competência para apreciar a presente causa, não perdendo de vista que é tendo em consideração a causa de pedir e o pedido formulado, tal como a ação é configurada pelo A., que se deve apreciar a competência do tribunal (vide, a propósito: Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1993, págs. 91 e ss.).
A competência dos tribunais administrativos vem regulada no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.), aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19/2 (sucessivamente alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, Lei n.º 107-D/2003, de 31 de dezembro, Lei nº. 1/2008, de 14 de janeiro, Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, Decreto-Lei nº. 166/2009, de 31 de julho, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, Lei n.º 20/2012, de 14 de maio e Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, Lei n.º 114/2019, de 12/09 e Dec.Lei n.º 74-B/2023, de 28/08), que revogou o anterior Estatuto aprovado pelo Dec.Lei n.º 129/84 de 27/4 (de ora em diante identificado por E.T.A.F./84).
Este novo Estatuto provocou uma alteração substancial de princípios e de competências, ampliando substancialmente o âmbito da jurisdição administrativa.
Assim, por exemplo, no Art.º 4º n.º 1 al. f) do E.T.A.F./84 estipulava-se que estavam excluídos da jurisdição administrativa os recursos e as ações que tivessem por objeto “questões de direito privado”, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.
No mesmo sentido, vinha especificado no Art.º 51º do E.T.A.F./84 que a competência dos tribunais administrativos resumia-se praticamente ao conhecimento dos recursos de atos administrativos de várias entidades públicas e a ações sobre responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública (n.º 1 al. h) do Art.º 51º do E.T.A.F./84).
Em coerência com este quadro legal de competências, a lei processual do contencioso administrativo, anteriormente regulada em grande parte pelo Dec.Lei n.º 267/85 de 16/7 (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – L.E.P.TA.), centrava-se praticamente só na previsão de formas de processo referentes a recursos contenciosos contra atos administrativos (Art.º 24º e ss. da L.E.P.T.A.), sendo o âmbito das ações condenatórias ou de simples apreciação muito reduzido (v.g. o princípio consagrado no Art.º 69º n.º 2 da L.E.P.T.A.).
O processo administrativo visava então essencialmente apreciações formais de mera legalidade e não propriamente a obtenção de decisões condenatórias contra a administração pública.
Atualmente, com a Reforma do Contencioso Administrativo de 2002, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19/2) e o novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002 de 22/2), determinou que os tribunais administrativos passassem a assumir novas competências, ganhando maior agilidade, adequação e flexibilidade de procedimentos.
Agora já é possível a apreciação pelos tribunais administrativos de questões de direito privado em acumulação com questões de direito administrativo em termos muito mais amplos (Art.º 4º n.º 1 e n.º 2 do C.P.T.A. – já com redação do Dec.Lei n.º 214-G/2015 de 2/10) – designadamente a cumulação do pedido de declaração de invalidade ou inexistência de um ato administrativo com o de reposição da situação anteriormente existente (Art.º 4º n.º 2 al. a) do C.P.T.A.), a existência de ações de responsabilidade civil extracontratual contra entes públicos, independentemente de estarmos perante atos de gestão privada ou gestão pública (Art.º 4º n.º 1 al.s f) a h) do E.T.A.F. – também com redação do Dec.Lei n.º 214-G/2015 de 2/10) e a apreciação de qualquer pedido relacionado com questões de interpretação, validade e execução de contratos em conjunto com a impugnação de atos administrativos praticados no âmbito duma relação contratual (Art.º 4º n.º 2 al. g) do C.P.T.A.).
Acresce que já não existe uma exclusão direta e categórica das questões de direito privado do âmbito da jurisdição administrativa (Vide: Art.º 4º n.º 2 a n.º 4 do E.T.AF., na redação ora vigente, por contraposição ao Art.º 4º n.º 1 al. f) do E.T.A.F./84).
Por exemplo, em matéria de responsabilidade civil deixou de relevar se as questões subjacentes ao litígio são ou não típicas do Direito Administrativo, porquanto a Jurisdição Administrativa mudou de paradigma.
Como escreve Aroso de Almeida (in Manual de Processo Administrativo, 2.ª edição, 2016, págs. 166 a 167) deixou de relevar a natureza pública ou privada do ato que obriga à responsabilidade civil. Conforme escreve esse autor: «compete à jurisdição administrativa apreciar toda e qualquer questão de responsabilidade civil extracontratual emergente da conduta de pessoas coletivas de direito público. É o que claramente decorre do artigo 4º, n.º 1, alínea f), do ETAF, que, finalmente sem ambiguidades após a revisão de 2015, confere aos tribunais administrativos uma competência genérica para apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público», sendo que essa competência «abrange todas as questões de responsabilidade civil extracontratual (…), independentemente de saber se essa responsabilidade emerge de uma atuação de gestão pública ou de uma atuação de gestão privada».
Acresce que, a matéria de competência dos tribunais assume-se de natureza imperativa, sendo aplicável independentemente de se tratar de uma responsabilidade derivada de um ato praticado ou de uma abstenção verificada no domínio da gestão pública ou no âmbito da gestão privada (Neste sentido: Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª Ed., 2010, pág. 22, nota de rodapé 12; e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado”, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 59).
O exposto não põe em causa que os tribunais afetos à Jurisdição Administrativa continuam a ser órgãos de soberania com competência para administrar a justiça essencialmente no âmbito dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. No entanto, o que releva é saber se, em concreto, a presente ação se enquadra em quaisquer das alíneas do Art.º 4º “ex vi” Art.º 1.º n.º 1 do E.T.A.F., onde se estabelece especificamente o âmbito da competência dos Tribunais Administrativos.
Como a questão da competência jurisdicional dos tribunais, nomeadamente a competência em razão da matéria, se afere pela relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo A., sendo que a competência dos tribunais judiciais comuns é supletiva, na medida em que, de acordo com o disposto nos Art.º 64.º do C.P.C. e Art.ºs 40º n.º 1 e 80º n.º 1 da L.O.S.J./2013, aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26/8, são da sua competência as causas não atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional, importa ter em atenção como é que o A. configurou a sua pretensão.
Ora, conforme foi reproduzido no segmento deste acórdão relativo à matéria de facto, o A. alega na sua petição inicial que foi nomeado para o cargo de vogal do Conselho de Administração das sociedades Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (de ora em diante TAP) e da TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. (de ora em diante TAP SGPS), para o triénio 2006-2008 (cfr. artigo 1.º da petição inicial), tendo sido contratado por iniciativa do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) para exercer as funções de Administrador Executivo nessas duas sociedades (cfr. artigo 2.º da petição inicial), funções que efetivamente exerceu entre dezembro de 2006 e maio de 2009 (cfr. artigo 3.º da petição inicial).
Acresce que, durante todo o tempo em que exerceu essas funções, a R. era a única acionista dessas duas sociedades (cfr. artigo 4.º da petição inicial). Ou seja, todo o capital das sociedades para as quais o A. prestou a sua atividade como “Administrador Executivo”, pertencia ao Estado Português, embora sob a gestão da R., que é, ela própria também, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cfr. Art.º 1.º dos seus Estatutos – disponíveis para consulta em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.parpublica.pt/newsfiles/estatutosparpublica01082023.pdf).
A TAP SGPS, como resulta da própria firma, é a holding da TAP.
Já a TAP, de acordo com os seus estatutos, rege-se pelo regime jurídico aplicável ao sector público empresarial aprovado pelo Dec.Lei n.º 133/2013 de 3 de outubro e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais (cfr. Art.º Art.º 1.º n.º 2 do seu “contrato de Sociedade”), tendo por objeto: «a exploração dos serviços públicos de transporte aéreo de passageiros, carga e correio, bem como a prestação dos serviços e a realização das operações comerciais, industriais e financeiras relacionadas direta ou indiretamente com a referida operação e, ainda, exercer quaisquer outras atividades consideradas convenientes aos interesses empresariais» (cfr. Art.º 3.º n.º 1 – disponível para consulta no sítio: file:///C:/Users/mj01585/Downloads/Estatutos%20TAP%20Air%20Portugal%20(1).pdf)
Ou seja, quer a R., quer a TAP, quer a TAP SGPS, são empresas públicas e fazem parte do setor público empresarial do Estado (cfr. Art.s 2.º e 5.º e 8.º do Dec.Lei n.º 133/2013 de 3/10, que aprovou o Regime Jurídico do Sector Público Empresarial).
Ora, o que o A. pretende com esta ação é obter a condenação da R. no pagamento da remuneração variável anual relativa ao ano de 2007, devida pelo exercício das suas funções no Conselho de Administração da TAP e da TAP SGPS (cfr. artigo 5.º da petição inicial), sendo essa, portanto, a origem do crédito a que corresponde o pedido de condenação no pagamento de quantia certa que, no final, peticiona.
O A., enquanto membro do conselho de administração, na qualidade de “Administrador Executivo” da TAP e da TAP SGPS, ficou, por força do Art.º 8.º n.º 3 do Regime jurídico do Sector Público Empresarial aprovado pelo Dec.Lei n.º 133/2013 de 3/10, sujeito ao regime jurídico aplicável aos gestores públicos.
O Estatuto dos Gestores Públicos (EGP) é regulado pelo Dec.Lei n.º 71/2007, de 27 de março, que logo no seu Art.º 1.º estabelece que o gestor público é aquele que seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Dec.Lei n.º 558/99 de 17 de dezembro, o qual, nos termos do seu Art.º 1.º n.º 2, se aplicava a todas as empresas detidas, direta ou indiretamente, por entidades públicas estaduais.
Há que ter em conta que este Dec.Lei n.º 558/99 de 17/12, entretanto, foi revogado pelo Dec.Lei n.º 133/2013 de 3/10, que, como já vimos, aprovou o Regime Jurídico do Sector Público Empresarial, mas tem exatamente o mesmo âmbito de aplicação. Consequentemente a remissão feita no EGP para o Dec.Lei n.º 558/99, deve ter-se agora por feita, nos mesmos termos, para o Dec.Lei n.º 133/2013.
Em suma, é inquestionável que será de aplicar ao caso do A., em função do alegado na petição inicial, o Estatuto do Gestor Público. Quanto a este ponto parece que não há discussão entre as partes.
O Art.º 3.º do Estatuto dos Gestores Públicos (EGP) apenas exclui do seu âmbito de aplicação quem seja eleito para a mesa da assembleia geral, comissão de fiscalização ou outro órgão a que não caibam funções de gestão ou administração. O que evidentemente, de acordo com o alegado na petição inicial, não era o caso dos autos, pois o A. tinha funções executivas, enquanto administrador da TAP e TAP SGPS.
Nos termos do Art.º 9.º dos Estatutos do Gestor Público, o exercício de poderes próprios da função administrativa, observam os princípios gerais de direito administrativo. No entanto, não parece que o exercício das atividades prosseguidas pela TAP ou TAP SGPS implique com o exercício de qualquer atividade que pressuponha poderes próprios da função administrativa. Na verdade, essas empresas limitam-se a exercer a sua atividade no ramo de atividade do transporte aéreo, funcionando nesse mercado como qualquer outra empresa privada de transportes, ainda que a TAP esteja igualmente vinculada, pelos seus estatutos, à prestação de serviço público de transporte aéreo de passageiros, carga e correios (cfr. Art.º 3.º do seu Contrato de Sociedade – supra transcrito). Isso já era assim no quadro legal do Art.º 3.º do Dec.Lei n.º 312/91 de 17/8, numa altura em que a TAP era uma “E.P.” (TAP - E.P. - no quadro do Dec.Lei n.º 486-A/75 de 28/8 então em vigor), prosseguindo essa atividade ao abrigo de “Contrato de Concessão”.
Mesmo sendo certo que os administradores da TAP, ou da TAP SGPS, não estivessem incumbidos do exercício de poderes próprios da função administrativa, ainda assim, como gestores públicos, teriam de ser escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como de “sentido de interesse público” (cfr. Art.º 12.º do EGP), sendo designados, ou por nomeação, ou por eleição (cfr. Art.º 13.º n.º 1 do EGP).
Veja-se que, curiosamente, no caso de haver eleição, a lei estabelece que a mesma deve reger-se pela lei comercial (cfr. Art.º 13.º n.º 4 do EGP) e não por critérios de direito administrativo. Mas, no caso de haver nomeação, ela deve resultar de “resolução” do Conselho de Ministros, sob proposta do membro do governo responsável pela área das finanças e do membro do Governo responsável pelo respetivo sector de atividade (cfr. Art.º 13.º n.º 2 do EGP).
Ora, foi esta segunda via (nomeação), segundo foi alegado na petição inicial, que determinou a assunção das funções de administrador executivo por parte do A., sendo indiscutível que, sendo exigido por lei uma “resolução” do Conselho de Ministros, tal se trata inequivocamente de um ato administrativo no uso dos poderes e competências que estão atribuídos ao Governo.
Sem prejuízo do exposto, mesmo sendo certo que a lei exige uma nomeação do A. para administrador executivo e tal pressupor um ato realizado no exercício do poder administrativo, em bom rigor não se pode dizer que esse ato, propriamente dito, integre a parte central do objeto típico do litígio dos autos, na estrita medida em que não é posta diretamente em causa a validade desse ato.
É verdade que, como foi referido na decisão recorrida, nos termos do Art.º 18.º n.º 1 do EGP, é estabelecida a obrigatoriedade de celebração de um “contrato de gestão”, na sequência do ato de nomeação. O qual, segundo é alegado na petição inicial, nunca chegou a ser formalizado (por escrito), mas por motivos pelos quais o A. entende que não pode ser responsabilizado. Seja como for, o que releva é que o A. exerceu efetivamente funções executivas e, no quadro delas, tinha direito a uma remuneração com uma componente variável, sendo esse o verdadeiro e único objeto do litígio nestes autos.
O direito a uma remuneração variável é permitido no quadro legal do Art.º 28.º n.º 1 do EGP.
O Estatuto dos Gestores Públicos prevê que a remuneração desses gestores possa ser controlada por comissões de fixação de remunerações (cfr. Art.º 28.º n.º 6). Prevendo-se que a remuneração variável corresponda a um prémio estabelecido, tendo em atenção o desempenho de cada gestor público, fazendo-se depender a sua atribuição, nos termos do Art.º 6.º, da efetiva concretização de objetivos previamente determinados (cfr. Art.º 28.º n.º 8 do EGP). Sendo que, no caso, esses objetivos, segundo o que foi alegado pelo A., foram fixados diretamente pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) e foram vertidos nos “contratos de gestão” que foram celebrados com outros “gestores públicos” que exerceram funções de administradores no mesmo período em que o A. foi administrador executivo da TAP e TAP SGPS.
Essa fixação de objetivos está evidentemente relacionada com as orientações estratégicas estabelecidas pelo acionista Estado, as quais terão certamente uma vertente comercial, mas não podem deixar de ser condicionadas também pela necessidade de prossecução dos interesses públicos que a exploração simultânea dos “serviços públicos  de transporte aéreo de passageiros, carga e correio” impõe.
É também verdade que os gestores públicos estão sujeitos às normas de ética aceites no sector de atividade em que se situem as respetivas empresas (cfr. Art.º 36.º do EGP) e também estão sujeitos às regras de transparência e às boas práticas decorrentes dos usos internacionais, podendo o Conselho de Ministros fixar, por resolução, os princípios e regras que devem ser especialmente observados (cfr. Art.º 37.º n.º 1 e n.º 2 do EGP). Mas, não é da aplicação desses princípios que emerge o litígio dos autos.
Finalmente, há que ter em consideração que, nos termos do Art.º 40.º do EGP, estabelece-se que, em tudo o que não esteja disposto nesse decreto-lei, aplica-se o Código das Sociedades Comerciais, salvo quanto aos institutos públicos de regime especial. O que, faz supor, que o gestor público, apesar de dever observar as orientações estratégicas fixadas pela tutela (cfr. Art.º 4.º do EGP, que nos remetia para o Art.º 11.º do Dec.Lei n.º 558/99 de 17/12), tem a sua atividade subordinada, na falta de estipulação em contrário, a regras de direito comercial.
A este propósito importa relevar que, no quadro do Direito Comercial é conhecida a controvérsia sobre a natureza jurídica da relação que emerge da nomeação de pessoa para o cargo de administrador duma sociedade anónima, confrontando-se fundamentalmente a este propósito, por um lado, a corrente contratualista, que considera a aceitação do nomeado como parte integrante da perfeição do negócio jurídico considerado, e, por outro, a corrente unilateralista, que defende que a aceitação é mera condição de eficácia do ato unilateral de nomeação (Vide, a propósito: Raul Ventura in “Sociedade Por Quotas”, Vol. III, págs. 30 a 33; e Pinto Furtado in “Curso de Direito das Sociedades”, 4ª Ed., pág. 338 e ss.).
De referir que, mesmo quem defende a visão contratualista, entende que a relação contratual assim estabelecida não se reconduz exatamente ao “contrato de mandato” previsto nos Art.ºs 1157º e ss. do C.C., preferindo falar antes de “contrato de administração”, que é um contrato que, nem é de trabalho, nem de mandato, integrando-se antes no género mais amplo dos contratos de prestação de serviços, de que constitui uma espécie, caraterizado pelo objeto (o serviço prestado) e pela autonomia com que a prestação é efetuada (Vide: Raul Ventura in Ob. Loc. Cit.; e mais pormenorizadamente: Ferrer Correia in “Lições de Direito Comercial” – LEX (reprint) 1994, pág. 383 e ss.).
A estas duas teses em confronto, veio mais tarde juntar-se uma terceira, dita de eclética, que pretendia distinguir, por um lado, o negócio jurídico unilateral traduzido no ato de nomeação do gerente ou administrador, conferindo-lhe poderes de representação relativamente à sociedade, e, por outro, o contrato (de emprego ou de prestação de serviço) celebrado entre o administrador ou gerente e a sociedade, do qual emergiriam outras obrigações, como sejam o pagamento duma remuneração pela sociedade, e a obrigação de gerir por parte do gerente ou administrador (Vide, a propósito: Ferrer Correia in Ob. Cit., pág. 389 e Vaz Serra in R.L.J. 112º, pág. 58).
Atualmente, reconhecendo-se que a administração ou gerência duma sociedade pode emergir da lei, dos estatutos, de deliberação social, de contrato, ou até mesmo de decisão judicial, tem-se vindo também a defender a pouca relevância da discussão doutrinária considerada, devendo apenas ter-se em consideração que há uma mera “situação jurídica de administração” independentemente da origem do ato donde aquela emerge (Vide, a propósito: Menezes Cordeiro in “Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais” – LEX - 1997, pág. 396).
Dito isto, temos que reconhecer que no âmbito do Código das Sociedades Comerciais também não se encontra um regime jurídico completo relativo a essa relação de jurídica de “administração”, assuma ela um caráter contratual, ou não.
Não podemos deixar de realçar que o Art.º 64.º do C.S.C. estabelece apenas os deveres gerais fundamentais a que se mostra subordinado o administrador ou gerente de sociedades comerciais, em termos muito semelhantes aos definidos no Estatuto dos Gestores Públicos (v.g. Art.ºs 36.º e 37.º supra referidos). Mas, é no Art.º 399.º do C.S.C. que se estabelece a regulamentação específica da remuneração dos administradores.
Assim, decorre desse preceito que:
«1 - Compete à assembleia geral de acionistas ou a uma comissão por aquela nomeada fixar as remunerações de cada um dos administradores, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade.
«2 - A remuneração pode ser certa ou consistir parcialmente numa percentagem dos lucros de exercício, mas a percentagem máxima destinada aos administradores deve ser autorizada por cláusula do contrato de sociedade.
«3 - A percentagem referida no número anterior não incide sobre distribuições de reservas nem sobre qualquer parte do lucro do exercício que não pudesse, por lei, ser distribuída aos acionistas».
Do regime jurídico aplicável à situação jurídica do administrador de sociedades comerciais, resulta que a nomeação do administrador é um ato que tem origem na sociedade e nos seus órgãos representativos, sendo que a remuneração é fixada em assembleia geral de acionistas. Por contraposição, no “contrato de gestão”, aplicável ao gestor público de empresa detida, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, pelo Estado, a nomeação resulta de “resolução” do Governo e/ou do Ministério que tutela a área de atividade da empresa pública considerada, sendo os critérios de remuneração fixados pelo próprio Ministério, de acordo com a área de atividade considerada e no respeito pelos interesses e serviços públicos que devam ser observados e a que a empresa esteja vinculada a prosseguir.
Em suma, existem dois atos relevantes na contratação de gestores públicos aos quais não pode ser aplicável o regime das Sociedades Comerciais: por um lado, o ato de nomeação, que, como vimos, emerge o exercício do poder administrativo do Governo e assume a forma legal de “resolução”; por outro, a fixação da remuneração, que não é decidida pela assembleia geral de acionistas, mas sim pelo próprio Governo (v.g. o Ministério que tutela essa área de atividade), responsável último pela fixação dos critérios de orientação estratégica da empresa detida pelo Estado, os quais não podem ser estranhos à realização do interesse público e à fixação de objetivos que condicionam, por exemplo, a remuneração variável. Ora, é no âmbito desta última vertente que se insere claramente o litígio dos autos.
Deve ainda dizer-se que este tipo de contratação, pela sua especificidade, decorrente da regulamentação específica do Estatuto do Gestor Público, é de difícil compaginação com nas situações tipificadas no Código dos Contratos Públicos (CPP), aprovado pelo Dec.Lei n.º 18/2008 de 29 de janeiro.
Efetivamente esse código visa estabelecer a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que «revistam a natureza de contrato administrativo» (cfr. Art.º 1.º n.º 1 do CCP). O que, por força do disposto no Art.º 40.º do EGP, que supra considerámos, não parece ser o caso, pois a nomeação do gestor público é certamente administrativa, mas o “contrato de gestão”, consequente da nomeação, tem uma natureza “sui generis”, a que se aplicam supletivamente as regras do Código das Sociedades Comerciais, na medida em que possam efetivamente ser aplicáveis a cada caso concreto considerado.
É certo que o n.º 2 do Art.º 1.º do CCP estabelece que o regime da contratação pública estabelecida na parte II é aplicável à formação de contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas nesse código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação. Sendo que, o mandato para exercício de funções de administrador executivo em empresa pública parece que não é explicitamente excluído da aplicação desse código, nos termos da previsão dos Art.ºs 4.º a 6.º-B. No entanto, a verdade é que a contratação, relativa a “gestores públicos”, não está sujeita aos procedimentos previstos na parte II desse código, porque o “contrato de gestão” do gestor público emerge da nomeação ou eleição (cfr. Art.º 13.º do EGP) e não de nenhuma das formas previstas no Art.º 16.º do CCP. O que nos permite chegar à conclusão de que o Estatuto dos Gestores Públicos estabelece uma regulamentação própria relativamente aos contratos de gestão de gestores públicos que afastam a aplicação do Código dos Contratos Públicos.
Certo é que o “contrato de gestão” relativo a gestor público não é claramente um contrato de trabalho de função pública, nos termos da Lei n.º 35/2014 de 20/6, porque ele está explicitamente excluído pelo Art.º 2.º n.º 1 al. b) dessa mesma lei.
Em suma, é isto que resulta da lei quanto ao regime aplicável ao “contrato de gestão” do gestor público.
Importa agora ter em consideração o que é disposto no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Está em causa o disposto no Art.º 4.º do E.T.A.F., que define o âmbito da jurisdição administrativa.
É aí estabelecido, com interesse para o caso, que:
«1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: (…) e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes; (…)
«3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
«a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
«b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
«c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões».
«4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
«(…) b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;».
Visto isto, é certo que no acórdão de 11/1/2017 do Tribunal de Conflitos (Proc. n.º 027/16 – Relatora: Ana Paula Boularot, disponível em www.dgsi.pt), se afirma que: «A nomeação de A………… para exercer as funções de vogal assim efetuada, envolveu a atribuição de um mandato de três anos para o efeito, como deflui inequivocamente do normativo inserto no artigo 15º, nº 1 do mesmo diploma e do nº 3 do artigo 7º dos Estatutos, sendo certo que o mencionado DL prevê, no seu artigo 26º, nºs 1 e 2, a cessação dessas funções em qualquer altura, competindo a mesma ao órgão de eleição ou nomeação, o que veio a acontecer em 2 de Dezembro de 2009, situação esta igualmente prevenida no nº6 dos Estatutos.
«Esta relação jurídica de mandato, livremente cessada e/ou renunciada, até, pelo gestor público nomeado, nos termos do artigo 27º, nº 1 do DL 71/2007, de 27 de Março, é uma relação jurídica de direito privado, estranha pois, à ambiência contratual administrativa, cfr. neste sentido e em sede de exoneração de gestor público, embora no direito pregresso, mas com inteira pertinência no caso em análise, o Ac. do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 6 de Outubro de 2005 (Relatora Angelina Domingues), in www.dgsi.pt.)».
E no acórdão do mesmo Tribunal de Conflitos de 1 de março de 2023 (Proc. n.º 06936/22.0T8BRG.S1 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível para consulta no mesmo sítio), na mesma esteira, se diz: «Como o Tribunal dos Conflitos já teve a ocasião de decidir, num caso semelhante (acórdão de 11 de Janeiro de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 027/16), a relação de mandato que se estabelece com o gestor “é uma relação jurídica de direito privado, estranha pois, à ambiência contratual administrativa”».
Em ambos esses casos, estavam em causa gestores públicos de empresas municipais, não se negando que o Estatuto do Gestor Público não defina a natureza do “contrato de gestão” como um típico “contrato administrativo”. O que não julgamos que se possa concluir é que esse tipo de contrato seja sempre estritamente privado e integralmente subordinado ao direito privado.
Parece claro que o “contrato de gestão” de gestores públicos é uma figura “sui generis”, que para alguns efeitos pode estar subordinado ao regime jurídico do Código das Sociedades Comerciais, mas para outros, nomeadamente quando em causa esteja a prossecução de interesses públicos, definidos por atos realizados pela entidade pública competente, no exercício dos seus poderes administrativos, a determinação da sua disciplina deve ser encontrada no âmbito do Direito Administrativo.
Dito isto, compreende-se que o Tribunal de Conflitos tenha decidido que: «Compete aos tribunais judiciais julgar um pedido de pagamento de despesas de representação que o autor lhe considera devidas por ter sido gestor executivo da ré, uma empresa municipal» (cfr. Acórdão do Tribunal de Conflitos de 1 de março de 2023 - Proc. n.º 06936/22.0T8BRG.S1 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, supra mencionado).
Tal como se compreende que o mesmo tribunal, no acórdão de 18 de abril de 2023 (Proc. n.º 026/22, Relator: Teresa Sousa), tenha decidido que: «É da competência dos Tribunais Judiciais a apreciação de uma ação proposta por um Município contra o administrador/liquidatário de empresa do sector empresarial local cujo contrato com esta é de prestação de serviços, mesmo que seja para o exercício de funções de gestão da atividade da mesma empresa municipal, tendo em atenção que as mesmas tinham carácter precário, tal como as de liquidatário».
Ou ainda que no acórdão de 13/10/2021 (Proc. n.º 0713/19.3T8BJA.E1.S1 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) que se tenha decidido que: «Cabe aos tribunais judiciais a apreciação dos pedidos de declaração de que entre o autor e a ré, pessoa coletiva pública de natureza associativa, vigorou um contrato de trabalho e foi ilícito o despedimento do autor, bem como a condenação da ré no pagamento das retribuições que considerada serem-lhe devidas».
Como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, 2004, pág. 48): «A opção tomada nesta alínea e) [do Art.º 4.º n.º 1 do ETAF], que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente da qualidade das partes nele intervenientes – de intervir aí uma ou duas pessoas coletivas de direito público ou apenas particulares – e independentemente de, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da própria relação contratual), eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.)».
Seja como for, é nosso entendimento que, mais relevante que a circunstância de o “contrato de gestão” relativo a gestor público emergir de ato de nomeação do Governo, no exercício típico de poderes administrativos, é a circunstância de o presente litígio se reportar a uma alegada dívida por remuneração variável, decorrente da fixação de objetivos por parte do Governo, aos quais estão necessariamente subjacentes interesses não exclusivamente privados, mas também interesses públicos relevantes, para a disciplina dos quais importa reclamar a aplicação de regras de Direito Administrativo cuja observância importa considerar para a solução do caso concreto.
É por estas razões que se entende que a presente ação tem por objeto a execução de um contrato que, não sendo por natureza puramente administrativo, foi celebrado no quadro legal de legislação típica da contratação pública (v.g. do Estatuto do Gestor Público), por pessoa coletiva de direito público, em que está subjacente à resolução do litígio a aplicação de normas de direito administrativo e, por isso, encontra-se preenchida a previsão do Art.º 4.º n.º 1 al. e) do ETAF vigente.
Em conformidade, julgamos confirmar a sentença recorrida, improcedendo as conclusões que sustentam entendimento diverso do exposto.
As custas são pelo Recorrente, em função da regra geral da causalidade (cfr. Art.º 527.º n.º 1 do C.P.C.).
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
- Custas pelo apelante (Art.º 527º n.º 1 do C.P.C.).

Lisboa, 18 de fevereiro de 2024
Carlos Oliveira
Ana Mónica Mendonça Pavão
Micaela Sousa