Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18584/18.5T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
ILICITUDE
ÓNUS DA PROVA
PERICIA MEDICA
ACONTECIMENTO ADVERSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: (art.º 663º nº 7 do CPC).
1-A teoria da ilicitude da conduta enfatiza, ao contrário da orientação clássica, que a mera produção causal de um resultado proibido não chega para se afirmar a ilicitude, antes sendo imprescindível que esse evento se deva à violação das regras de conduta aplicáveis ao caso.
2-A jurisprudência vem entendendo que o médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e conhecimentos profissionais, não responde pelo resultado, mas pela omissão ou pela inadequação dos meios utilizados aos fins correspondentes à prestação devida em função do serviço que se propôs prestar.
3- No que toca ao ónus de prova da ilicitude – diferentemente do que sucede com a culpa - vem sendo entendido que cabe ao paciente provar o incumprimento, pelo médico, das regras profissionais que sobre ele incidem. Isto é não basta ao lesado provar que não ficou em melhor estado de saúde ou que, por ventura esse estado se agravou; terá de provar que o médico não cumpriu os seus deveres de actuação técnica, não respeitou as leges artis.
4- A esta luz, no caso dos autos, era aos autores (e não ao réu) que competia alegar e provar que, no pós-operatório, a falecida autora não foi monitorizada em termos de permitir aferir em contínuo os parâmetros vitais: tensão arterial, ritmo cardíaco, temperatura, estado de consciência, perfil dos pulsos periféricos, gases do sangue, hemograma, diurese, bioquímica sanguínea.
5- Se a perícia se baseia em elementos factuais que desconhece ou que não correspondem à realidade, não pode dizer-se que as condições de cientificidade da perícia se verificam. 6- E sem essas condições de cientificidade, as máximas da experiência especializada, que era pressuposto serem trazidas pelo perito, não podem prevalecer sobre a prova testemunhal que contrarie as conclusões da perícia, ficando, assim, afastado o pressuposto de prevalência da perícia sobre a prova testemunhal.
7- Sem a prova da ilicitude da conduta da ré, hospital, não se pode falar em responsabilidade civil e, por conseguinte, a acção não pode proceder.
8- O erro médico deve distinguir-se da figura afim que é o acontecimento adverso (“adverse event”).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

1- AEF (entretanto falecida e habilitados os demais autores), JAM, BES, RES, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra Hospital, SA, pedindo:
- A condenação da ré:
i)- Na devolução à autora de todas as quantias por esta pagas à ré no âmbito do contrato de prestação de serviços médicos descritos nos autos.
ii)- No pagamento à 1ª autora de todas as despesas suportadas e a suportar com internamentos, reabilitação, fisioterapia, medicamentos, fraldas, algálias, pomadas, curativos, ajudas técnicas, adaptação da morada de família, e cirurgias relacionados com violação da integridade física da 1ª autora por via das lesões que pela ré lhe foram causadas, quer com as que se impõem para conclusão do tratamento das lesões vasculares a que a ré se tinha obrigado.
iii)- No pagamento à 1ª autora, à luz da equidade, de indemnização (nunca inferior a 30.000,01 €), a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial pela perda de capacidade de ganho, tendo por base o valor anual de 26.819,66 €, a esperança média de vida e o défice funcional da atividade físico psíquica com rebate na atividade profissional, a liquidar, oportunamente, após determinação de tal défice funcional, em sede de
Em alternativa a este pedido
iv)- O pagamento à 1ª autora da quantia de 138.234,60 € correspondente à perda de rendimentos futuros, ou,
Subsidiariamente ainda a estes pedidos
v)- O pagamento de indemnização a fixar segundo equidade, a título de perda de oportunidade de obtenção daqueles rendimentos futuros;
vi)- No pagamento à 1ª autora de indemnização (nunca inferior a 30.000,01 €) segundo a equidade, a título de dano biológico pela total impossibilidade de realização de qualquer atividade não profissional, nomeadamente, atividades de lazer e do dia-a-dia, a liquidar, oportunamente, após determinação de tal défice funcional, em sede de perícia médico legal;
vii)- No pagamento de indemnização, nunca inferior a 30.000,01 €, à 1ª autora, a título de danos morais, segundo a equidade;
viii)- Deve a ré ser condenada a suportar todos os custos relacionados com o internamento futuro da 1ª autora em unidade especializada em cuidados continuados, a escolher pela 1ª autora;
Subsidiariamente a este pedido,
ix)-Caso se entenda que a autora não carece de hospitalização e unidade de cuidados continuados sempre deverá a ré ser condenada no pagamento de indemnização à 1ª autora, a título de ajudas de terceira pessoa não inferior a 259.840,00 €, acrescida de todos os custos futuros com cuidados de enfermagem, devendo estes serem equitativamente fixados;
x)- No pagamento de indemnização ao 2º autor, a título de danos morais, não inferior a 30.000,01 €;
xi)- No pagamento de indemnização não inferior a 30.000,01€, a cada um dos 3º e 4º autores, a título de danos morais.
Alegaram, em síntese, que – segue-se, de perto, o Relatório da sentença - pelos serviços da ré foi diagnosticada à 1ª autora, doença de Takayasu ou vasculite dos troncos supra–aórticos e decidido proceder a tratamento intensivo com corticoterapia para estabilização do processo inflamatório; debelada a inflamação, a ré identificou a opção cirúrgica como a solução a adotar em 21.6.2017, dado que a 1ª autora só vivia, nesse momento, à custa da carótida e da artéria vertebral esquerdas, estenosadas, apresentando-se o eixo direito como aquele a revascularizar prioritariamente; não obstante, em detrimento da cirurgia, a ré determinou, após reunião multidisciplinar, em 27.6.2017, a realização de procedimento endovascular com colocação de “stent” ao nível da carótida primitiva esquerda e, eventualmente, da vertebral esquerda; AEF foi objeto de um tratamento no hospital réu uma angioplastia carotídea a qual não foi o procedimento adequado posto que deveria ter sido uma cirurgia, tal como planeado, e não um procedimento endovascular com colocação de stent; na sequência desse procedimento a autora AEF foi colocada no recobro, por ausência de vaga na UCI, e por indisponibilidade desta aí se manteve até entrar em paragem cardiorrespiratória, tendo sido enviada para o bloco operatório de urgência passados 75 minutos; nessa sequência realizou um TAC o qual determinou que tinha existido uma hemorragia; refere que o choque hipovolémico sofrido pela autora foi causa da baixa irrigação sanguínea da qual resultou um AVC, e tendo desde então perdido o controlo dos membros, com discurso monossilábico e ininteligível, tendo sido mudada de hospital, até que veio a falecer uns anos depois.
Pugna pela escolha incorreta de procedimento por parte da ré, posto que o que foi realizado tinha um risco mais elevado de AVC, sendo que foi realizado tal procedimento por um médico sem formação concluída, sendo que foi-lhe transmitido que seria realizada pelo Dr. P. Mais refere que a laceração da artéria ocorreu devido a deficiente manuseamento do equipamento pelo médico operador pelo que a laceração passou despercebida aos médicos, os quais deviam ter feito mais exames complementares e de diagnóstico antes do procedimento. Referem que AEF foi assim enviada para o recobro com uma importante laceração da artéria sem que ninguém se apercebesse e não foi para o UCI, ficando, pois, sem monotorização adequada a prevenir os sintomas de hemorragia e onde não se aperceberam do sangramento excessivo. Referem que essa ausência de vaga na UCI constitui uma negligência grosseira da ré que a impediu de detetar atempadamente a hemorragia e consequentemente todos os danos que daí advieram e fá-la incorrer em responsabilidade pelo sucedido.
Quanto aos danos sofridos refere que a autora AEF ficou com um défice funcional permanente de 93 pontos, apesar de já ter uma IPP de 72% decorrente de um bypass coronário e cancro da mama, desde 2007, mas que não a impedia de fazer uma vida plena sem limitações e trabalhando. Antes da angioplastia estava consciente, orientada e com controlo motor sobre todos os membros o que nunca mais voltou a ocorrer. Ficou totalmente dependente de terceiros; foi transferida para o Hospital do Mar a 31/07/2017 e depois para Unidade de Cuidados Continuados …, da Santa Casa da Misericórdia.
Pelos serviços, a ré cobrou mais de 50.000€.
A autora AEF trabalhava e fazia vida normal; teria uma esperança de vida de mais 31 anos; a pensão de invalidez da autora AEF é de 1 915,69€.
O estado em que se encontra a autora AEF a alterou radicalmente a vida do 2º autor, marido, visita-a diariamente, vive destroçado e revoltado e com grande tristeza; a sua companheira encontra-se totalmente incapacitada para o débito conjugal.
Os 3º e 4º autores eram menores à data do acidente; a mãe constituía para eles um pilar essencial; verem a mãe no estado em que se encontra causa-lhes grande tristeza, sofrimento e revolta.

2- Citada a ré hospital contestou negando qualquer responsabilidade decorrente de alguma negligencia médica, ou alguma escolha incorreta de procedimento ou incorreta execução do mesmo. Pugna pela escolha do procedimento mais adequado à situação da autora, pelo facto de ter sido executado pelo médico acordado Dr. JP e que não havia qualquer outro exame ou tratamento que pudesse ter sido feito além de todos os efetuados. Mais refere que não havia forma de se detetar a laceração durante o procedimento por não haver manifestações visíveis. Admite que não havia vaga imediata na UCI e nessa medida a autora foi levada para o recobro, mas que esteve sempre acompanhada de uma médica anestesista e enfermeira, com supervisão do médico cardiologista, com monotorização dos sinais vitais e com todos os meios de intervenção que existem na UCI: fármacos de emergência, ventilador, etc. Mais refere que a autora foi prontamente assistida, só se podendo contar o tempo de reação desde que existiram os primeiros sinais e inexistiam indícios de hemorragia. Conclui assim referindo que tudo foi feito no sentido de prestar os melhores cuidados de saúde à autora, pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada.
Requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros SA, com quem celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil pelos danos decorrentes da sua actividade.

3- Admitida a intervenção principal da Companhia de Seguros, SA, citada veio contestar.
Enuncia o limite do capital seguro, as exclusões contratuais.
No mais, impugna os factos alegados por os desconhecer e não lhe terem sido participados.

4- A 07/10/2020, os autores vieram ampliar o pedido e a causa de pedir, vindo dar nota da consolidação médico-legal dos danos, quanto doloris 7; dano estético 7, repercussão nas actividades desportivas e de lazer 7, défice funcional permanente de 90 pontos; carece de Internamento em Unidade de Cuidados Continuados com contínuo acompanhamento médico, de enfermagem, de fisioterapia e de 3ª pessoa. Actualiza o pedido de indemnização por perda da capacidade de ganho em 748.268,51€, acrescidos de 138.234,60€ por perdas irremediáveis de cumular outros rendimentos do trabalho com a pensão de invalidez. Por dano biológico enquanto dano patrimonial autónomo pede a quantia de 200.000€ e, pelo dano biológico enquanto dano não patrimonial a quantia indemnizatória de 250.000€; pede danos morais no montante de 75.000€.

5- A ré hospital opõe-se à ampliação da causa de pedir e da ampliação dos pedidos.

6- Igual posição foi tomada pela Interveniente Principal, seguradora.

7- Foi admitida a ampliação por despacho de 14/01/2021.

8- Foi dado a conhecer nos autos o óbito da autora AEF, a 15/02/2021 e deduzido incidente de habilitação de herdeiros, tendo sido habilitados os já co-autores.

9- Os autores vieram reduzir os pedidos por requerimento de 24/06/2021, em termos de:
- 85.000€ pela perda de direito à vida;
- Reduzem o pedido de 748.268,51€ por perda de capacidade de ganho para 89.309,46€;
-Reduzem o pedido de perda de oportunidade de obtenção de rendimento de 138.234,60€ para 57.505€;
-Reduzem o pedido de dano biológico de 200.000€ para 110.000€;
-Alteram o pedido de danos morais para cada um dos autores para 75.000€;
-Alteram o pedido relativo à contribuição que a daria para os encargos da vida doméstica em 184.726.80€.

10- Em audiência prévia foi saneado o processo, indicados o objecto do litígio, os temas de prova.

11- Foi elaborada perícia médico legal.

12- Realizada audiência final, com data de 25/01/2024 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
 “III. DECISÃO
Por todo o exposto o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena as RR a pagar, solidariamente, aos AA. as seguintes quantias:
a) De indemnização da perda do direito à vida que a A. AEF foi titular pelo seu óbito a quantia de €80.000;
b) De indemnização do sofrimento desta antes de falecer a quantia de €25.000;
c) De indemnização pelo sofrimento de cada um dos AA pelo período de doença da A. AEF e pela posterior morte da mesma a quantia de €50.000 a cada um dos AA;
d) De indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes das despesas de saúde e hospitalares que tenham suportado com a A. AEF desde a angioplastia até ao seu falecimento, em valor a apurar em sede de liquidação.

Custas a cargo dos AA na proporção de 35% e das RR em 65%.”

13- Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1)- Deu-se como provado que:
60. Após o AVC a A. AEF a ficou incapacitada para desempenhar qualquer profissão, ficou totalmente dependente de terceiros para cuidados de higiene, alimentação, toma de medicamentos, carecendo, e ficou até ao fim da vida a necessitar de assistência em instituição especializada de cuidados continuados;
61. Manteve durante algum tempo alguma consciência tendo tentado sair do hospital onde se encontrava entubada e soltar-se;
62. Deixou de conseguir comunicar, mas chorava reagia a estímulos mas não falava, tendo ficado num estado vegetativo progressivo até deixar de reagir;
63. Ficou sujeita a alimentação entérica, algaliada, evacuando em fralda, carecendo de ser despida e limpa por enfermeiros, e incapaz de se mover e de comunicar de forma articulada com terceiros.
2) E deu-se como provado, também, que tal AVC ocorreu em 6.7.2017 e que a AEF, com cinquenta anos em tal data, veio a falecer em 15.2.2021.
3) A AEF sofreu dano biológico, traduzido nas limitações nas atividades do dia a dia, desportivas, profissionais, e de lazer, de elevadíssima gravidade e intensidade, ainda que limitado no tempo a cerca de três anos e meio.
4) No art.º 17º do seu requerimento de alteração do pedido (motivo pelo óbito da AEF), de 24.6.2021, os AA. quantificaram tal dano no montante de 110.000,00 €.
5) Independentemente da resposta à questão de sabermos se se trata de um dano patrimonial, não patrimonial ou de “tertium genus”, a verdade é que se reporta apenas às limitações físicas e não se confunde com o sofrimento psíquico, ou moral, da vítima (este sim um dano claramente não patrimonial).
6) O circunstancialismo do caso concreto é raro, pela gravidade das sequelas e pelo período em que as mesmas se repercutiram na vida da lesada, de tal forma que não é fácil encontrar jurisprudência recente em casos semelhantes.
7) Mas, a jurisprudência em casos menos graves, embora com lesões que se repercutem por mais tempo, não deixa de ser atendível para confirmar a equidade do pedido formulado pelos AA. a título de dano biológico.
8) Assim, no que respeita ao valor peticionado a título de dano biológico, há a considerar que por acórdão do STJ, de 6.6.23, proferido nos autos n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1 (Manuel Capelo), considerou-se adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas.
9) E, por acórdão do STJ, de 22.6.2023 (Cura Mariano), proferido nos autos n.º 445/09.0TBAMT.P1.S1, considerou-se adequado o valor de 55.000,00 €, a tal título, tendo o lesado, contramestre e maquinista, 50 anos à data do acidente e um défice funcional de 11 pontos.
10) Por acórdão do STJ, de 9.5.2023, proferido nos autos n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1 (Jorge Arcanjo), considerou -se adequada a quantia de 80.000,00 €, a médico dentista, com 33 anos de idade e défice funcional de 6 pontos.
11) Por acórdão do STJ, de 30.3.2023, proferido nos autos n.º 4160/20.6T8GMR.G1.S1 (Maria da Graça Trigo), considerou-se equitativo o montante de 20.000,00 €, como reparação do dano biológico de lesado com 33 anos à data do acidente, e défice funcional de 3 pontos.
12) Por acórdão do STJ, de 14.3.2023, proferido nos autos n.º 309/20.7T8PDL.L1.S1 (Maria da Clara Sottomayor), considerou-se que tendo em conta a idade do lesado, 20 anos à data do acidente, a esperança média de vida, o défice permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, bem como a permanência e irreversibilidade das dores físicas que sofrerá ao longo da sua vida, com impacto no esforço exigível para a atividade profissional e na diminuição da capacidade de ganho, não se afigura exagerado ou desproporcional o montante de 80.000 euros, arbitrado pelo Tribunal da Relação, para compensação do dano patrimonial futuro.
13) Em face de tal jurisprudência, e tendo presentes os factos provados, terá de se entender equitativo o valor de 110.000,00 €, peticionado pelos AA., a título de dano biológico absoluto, sofrido pela vítima desde a lesão e até à sua morte, num período total de cerca de três anos e meio.
14) No que respeita ao sofrimento moral da AEF, os factos provados são, também, suficientes para que se conclua que tal sofrimento, durante aquele período, foi atroz, incomensurável: admitiu-se que se tentava desentubar, e que não conseguia comunicar mas chorava, o que denota um estado de consciência suficiente para configurar um sofrimento inimaginável, não se vislumbrando, mesmo, a que horror possa um indivíduo ser submetido que seja pior do que ver-se preso dentro do próprio corpo, a definhar, consciente, sem capacidade de comunicar e de realizar qualquer gesto.
15) E, para compensação por tal dano, o tribunal recorrido fixou o valor de 25.000,00
€, sem qualquer fundamentação que nos permita concluir como se chegou a tal valor.
16) Ora, por acórdão do STJ de 29.6.2017, proferido no Proc. 976/12.5TBBCLG1.S1 (Lopes do Rego), em www.dgsi.pt, entendeu-se equitativo, a título de danos morais sofridos pela vítima antes de falecer, o valor de 125.000,00 €, a adicionar ao montante arbitrado a título de perda do direito à vida, num caso em que o lesado sobreviveu um ano e quatro meses após o sinistro, tendo sofrido, ao longo desse tempo, acentuada degradação do seu padrão de vida e autonomia, designadamente um quantum doloris de grau 7 e um défice funcional permanente de 95 pontos.
17) É manifesta a semelhança entre os factos que fundamentaram a prolação de tal acórdão e os que aqui foram dados como provados, sendo certo que, nos presentes autos, o período de vida da vítima, em que o sofrimento se prolongou, é ainda bastante superior.
18) Ora, tendo em conta a distância temporal entre tal acórdão e a presente data, a evolução da inflação, e a necessidade de assegurar alguma uniformidade nas decisões dos tribunais superiores (em nome da certeza e segurança jurídicas), e a de evitar o recurso a soluções miserabilistas, entendem os AA. que é equitativo o valor de 250.000,00 €, peticionado a título de danos morais sofridos pela AEF entre a data da lesão e a do seu óbito.
19) Por força do que antecede, deve a douta sentença ser revogada, parcialmente, com a consequente condenação dos RR. no pagamento aos AA. das quantias de 110.000,00 €, e 250.000,00 €, a título de dano biológico e danos morais, sofridos por AEF, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal.

14- O réu hospital, interpôs recurso, com as seguintes CONCLUSÕES:
A) Este recurso tem como objeto a sentença de 25 de janeiro de 2024, rectius, a decisão de julgar a presente ação parcialmente procedente, com condenação solidária da Recorrente e da seguradora no pagamento aos Recorridos de uma indemnização por danos morais, no valor global de € 255.000,00, e por danos patrimoniais, em valor a apurar em sede de liquidação.
B) A única falha, entre as sete alegadas na petição inicial, relativamente à qual o Tribunal a quo deu razão aos Recorridos foi a indicada no ponto 2 (“Da transferência da A. AEF para o recobro ao invés da UCI, onde a monitorização e vigilância é inferior”),
C) Concluindo ter havido falta de monitorização pós-operatória adequada, devida ao facto de a 1.ª Autora não ter sido imediatamente transferida para a UCI após a angioplastia carotídea a que foi submetida.
D) Esta conclusão do Tribunal assenta, declarada e exclusivamente, no parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., emitido em resposta à perícia requerida pelos Recorridos.
E) Porém, não só esse parecer é, assumidamente, geral e abstrato e elaborado por quem não conhecia as concretas condições de monitorização existentes no recobro e na UCI do Hospital, em Lisboa,
F) Como a conclusão da Meritíssima Juíza a quo é frontalmente contrariada por TODA a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, por profissionais de saúde com conhecimento pessoal e direto dos factos relevantes,
G) Além de ser, ainda, desmentida por prova documental junta à petição inicial.
H) A questão que se colocava era a de saber se a 1.ª Autora estava ou não devidamente monitorizada e vigiada no recobro, para onde foi transportada imediatamente após o procedimento endovascular, em comparação com a monitorização e a vigilância a que teria estado sujeita se tivesse sido encaminhada diretamente para a UCI.
I) A este respeito, o Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
«53. Ora, por falta de disponibilidade da UCI, onde são assegurados tais cuidados, a 1ª A. ficou na sala de recobro sem monitorização adequada a prevenir ou identificar os sintomas de uma hemorragia grave e sem o acompanhamento médico necessário a assegurar reação a tal ocorrência em tempo útil;
54. A A. AEF não estava monitorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda dos sinais vitais que indiciassem uma hemorragia;
55. Caso a A. AEF a estivesse devidamente monitorizada, em termos de frequência cardíaca, respiração, temperatura e tensão arterial, na hora que se seguiu à laceração da artéria, teria sido possível à Ré identificar a ocorrência de uma hemorragia, na medida em que um tal quadro clínico implica alteração daquelas funções vitais».
J) Inversamente, foram dados como não provados os seguintes factos:
«13. Enquanto a A. AEF esteve no recobro os seus sinais vitais nunca deixaram de ser monitorizados e nunca deixou de receber os cuidados necessários com constante vigilância;
14. Acresce que, na sala de recobro, estavam disponíveis todos os meios de intervenção que existem na UCI: fármacos de emergência, ventilador, etc.».
K) Estes – factos provados 53 a 55 e factos não provados 13 e 14 – são os concretos pontos de facto que a Recorrente considera erradamente julgados e com os quais não se conforma,
L) Porquanto a prova documental e testemunhal produzida impunha a decisão oposta: julgar provados os factos 13 e 14 e não provados os factos 53 e 54, eliminando-se da matéria assente o facto 55, porque prejudicado.
M) A Meritíssima Juíza a quo baseou este seu julgamento da matéria de facto, única e exclusivamente, na prova pericial (rectius, no parecer do INMLCF), a qual, na verdade, nem sequer responde à questão sub judice.
N) No parecer do INMLCF descrevem-se os benefícios da monitorização que é feita em contexto de UCI, e que justificavam o encaminhamento da 1.ª Autora para a UCI no pós-operatório, nas em parte alguma se fala da monitorização a que a 1.ª Autora foi, efetivamente, sujeita após a operação, no recobro da sala de hemodinâmica.
O) A única caracterização da monitorização pós-operatória concretamente realizada surge, apenas, no texto do próprio quesito final – em que é qualificada como inadequada –, sem que, contudo, tal conclusão seja extraída pelos peritos, uma vez que, repete-se, não abordaram a monitorização que realmente ocorreu.
P) Portanto, este parecer do INMLCF não responde à magna quaestio de saber se houve a alegada falta de monitorização pós-operatória adequada, i.e., se a 1.ª Autora estava ou não devidamente monitorizada e vigiada no recobro.
Q) Não responde, nem podia responder, porque o perito relator do parecer (Dr. AM) desconhecia as condições em que a 1.ª Autora foi monitorizada no Hospital.
R) O Dr. AM esclareceu, na audiência de julgamento, que não sabia qual foi a monitorização feita no recobro, nem sabia se essa monitorização era análoga à realizada em contexto de UCI, pelo que as afirmações por si plasmadas no parecer são assumidamente desligadas da realidade do caso concreto.
S) Aqui chegados, duas conclusões podem, desde já, retirar-se: primeira, a prova pericial não incidiu sobre a monitorização pós-operatória concretamente realizada; segunda, as respostas dadas no parecer em matéria de monitorização (em contexto de UCI) são abstratas e teóricas, pois o respetivo relator não conhecia as instalações da UCI, nem do recobro, do Hospital.
T) Motivo pelo qual o parecer do INMLCF não podia ter servido de suporte à decisão de julgar provados os factos 53 a 55 e não provados os factos 13 e 14.
U) O Tribunal a quo até reconheceu, expressamente, aquelas limitações da perícia («O conselho médico legal não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI […]. a verdade é que em concreto a perícia não sabe que elementos de monitorização existem na UCI e no recobro do Hospital.), mas fê-lo insurgindo-se contra a Recorrente, imputando-lhe as insuficiências da perícia e culpando-a por não ter ampliado o respetivo objeto.
V) Em primeiro lugar, a perícia foi requerida pelos Recorridos, não pela Recorrente, o que significa que cabia aos Recorridos indicar o objeto da perícia e as questões de facto que pretendiam ver esclarecidas (cfr. artigo 475.º, n.º 1, do CPC).
W) Em segundo lugar, quem tinha o ónus de provar a falta da devida monitorização pós-operatória alegada na petição inicial eram, indiscutivelmente, os Recorridos, pelo que era aos mesmos – não à Recorrente – que competia formular os quesitos conducentes à produção dessa prova.
X) Em terceiro lugar, incumbe ao juiz, no despacho em que ordena a realização da perícia, determinar o respetivo objeto, nomeadamente «ampliando-o a outras [questões] que considere necessárias ao apuramento da verdade» (cfr. artigo 476.º, n.º 2, do CPC).
Y) Por isso, entendendo a Meritíssima Juíza a quo que era «crucial» colocar à perícia médico-legal a questão de saber se o recobro da sala de hemodinâmica do Hospital oferecia os mesmos meios de monitorização e vigilância da UCI, poderia – aliás, deveria, ao abrigo do princípio do inquisitório (cfr. Artigo 411.º do CPC) – ter ampliado, ex officio, o objeto da perícia em conformidade.
Z) Em quarto lugar, é evidente que, ao contrário do que se insinua na sentença recorrida, a Recorrente não tinha qualquer dever ou obrigação de alargar o objeto da perícia requerida pelos Recorridos.
AA) A Recorrente trouxe aos autos 5 (cinco) testemunhas que depuseram, nomeadamente, sobre a monitorização pós-operatória a que a 1.ª Autora foi sujeita no recobro, comparando-a com a monitorização da UCI, referindo-se sempre ao caso concreto.
BB) Testemunhas (todos profissionais de saúde) que estiveram no recobro com a 1.ª Autora, que a monitoraram e assistiram, que conheciam todos os meios materiais e humanos existentes no recobro da sala de hemodinâmica e na UCI do Hospital, em Lisboa.
CC) Salvo melhor opinião, dado o seu conhecimento pessoal e direto dos factos, essas testemunhas eram as pessoas mais habilitadas a responder à (principal) questão de saber se a 1.ª Autora estava devidamente monitorizada e vigiada no recobro.
DD) Em quinto lugar, importa sublinhar o fim da prova pericial (cfr. artigo 388.º do Código Civil), não se afigurando que a verificação de quais são os meios de monitorização existentes no recobro e na UCI do Hospital exigisse conhecimentos especiais, sendo, ao invés, suscetível de ser aferida mediante prova testemunhal ou documental (como, efetivamente, foi).
EE) Pelo que, também por esse motivo, claudica a argumentação vertida na sentença recorrida no sentido da essencialidade da produção de prova pericial sobre a matéria da concreta monitorização pós-operatória.
FF) Em sexto e último lugar, e em face do exposto, o Tribunal a quo não podia extrair da ausência de prova pericial sobre a concreta monitorização pós-operatória da 1.ª Autora a conclusão de que a mesma era diferente da monitorização da UCI, quando TODA a prova testemunhal produzida pela Recorrente foi, como veremos, unânime na afirmação de que o tipo de monitorização que havia no recobro era idêntico ao da UCI.
GG) A Meritíssima Juíza de 1.ª instância partiu do pressuposto, evidentemente errado, de que a prova da monitorização pós-operatória da 1.ª Autora só poderia ser feita por perícia, menosprezando, sem o menor amparo legal e sem motivo para descrédito, as provas documental e testemunhal produzidas nestes autos.
HH) Posição essa que menos ainda se compreende se tivermos presente que a perícia, incidindo sobre factos passados, seria um meio probatório de fraco contributo, especialmente comparando com prova documental contemporânea (e não impugnada) da factualidade em discussão e com depoimentos testemunhais de quem presenciou ou participou na referida monitorização.
II) Com efeito, desde o início da audiência de julgamento – em que a Meritíssima Juíza manifestou não querer ouvir testemunhas sobre os vários temas da prova, incluindo os referentes à monitorização, por entender que o parecer do INMLCF resolvia, por si, todas as questões – que o Tribunal a quo assumiu a opinião de que a prova pericial não podia ser infirmada por prova testemunhal.
JJ) Olvidou, talvez, que a força probatória da perícia é livremente fixada pelo Tribunal (cfr. artigo 389.º do Código Civil), devendo ser apreciada em conjunto com as demais provas, ao abrigo do disposto no artigo 413.º do CPC.
KK) Assim, impunha-se ao Tribunal a quo a consideração das circunstâncias concretas da monitorização pós-operatória da 1.ª Autora, provadas por documento e por testemunhas, ao invés de se bastar com considerações genéricas e teóricas plasmadas num parecer feito por quem desconhecia, confessadamente, as ditas circunstâncias.
LL) O resumo de enfermagem junto à petição inicial como Doc. n.º 11 demonstra que, no recobro (cfr. págs. 34-35):
(viii) A 1.ª Autora estava vigiada por enfermeiro e médico anestesista;
(ix) O estado de consciência e orientação da 1.ª Autora estava a ser vigiado (“doente consciente e orientada”);
(x) O estado hemodinâmico da 1.ª Autora estava a ser monitorado (“estável hemodinamicamente”);
(xi) A tensão arterial da 1.ª Autora estava a ser medida (“TA bem”);
(xii) A frequência respiratória da 1.ª Autora estava a ser vigiada (“eupneica”);
(xiii) O oxigénio no sangue da 1.ª Autora estava a ser medido (“saturações periféricas 98%”);
(xiv) O local da punção estava a ser vigiado e cuidado (“penso limpo e seco mantendo aplicação de gelo”).
MM) Ora, perante esta prova documental especialmente forte, não se compreende como é que o Tribunal a quo pôde dar como provado que a 1.ª Autora ficou no recobro “sem monitorização adequada” (factos provados 53 e 54),
NN) Sendo manifesto que o relato constante do resumo de enfermagem, que atesta a monitorização dos sinais vitais da 1.ª Autora no recobro, impunha decisão diversa da recorrida, i.e., impunha que os factos provados 53 e 54 fossem dados como não provados e que o facto não provado 13 fosse dado como provado.
OO) Aliás, os factos provados 53 e 54 são meramente conclusivos, pois não se retira da matéria assente, nem da fundamentação da sentença, o motivo pelo qual a monitorização descrita no resumo de enfermagem não era adequada – para alcançar tal conclusão, deveria o Tribunal a quo ter explicitado o tipo de monitorização que seria adequado e o que faltou à monitorização realizada.
PP) Todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento sobre a matéria da monitorização pós-operatória da 1.ª Autora – Dr.ª MR, Dr. JPA, Dr. SL, Enfermeira CC e Dr. JN – declararam que esta estava a ser devidamente monitorizada no recobro da sala de hemodinâmica do Hospital.
QQ) Estas testemunhas foram inequívocas nas suas respostas e coerentes entre si, demonstrando de modo objetivo o seu conhecimento direto e pessoal dos factos relevantes.
RR) De facto, o consenso de todas estas testemunhas acerca das concretas condições de monitorização e vigilância da 1.ª Autora no período pós-operatório não deixava margem para dúvidas sobre o julgamento da matéria de facto controvertida, em particular, dos temas da prova 19 e 21.
SS) Do conjunto da prova testemunhal resulta, com clareza, o seguinte:
(a) No recobro, a 1.ª Autora estava a ser acompanhada e vigiada por, pelo menos, dois médicos (cardiologista e anestesista) e duas enfermeiras;
(b) A 1.ª Autora era a única paciente no recobro nesse dia, pelo que os profissionais de saúde que ali se encontravam estavam exclusivamente dedicados a ela;
(c) No recobro, os sinais vitais da 1.ª Autora estiveram a ser continuamente monitorizados (traçado eletrocardiográfico, frequência cardíaca, frequência respiratória, oxigénio no sangue, tensões arteriais);
(d) Essa monitorização, no recobro, era exatamente igual à monitorização que teria sido feita à 1.ª Autora na UCI;
(e) No recobro, a 1.ª Autora estava a receber cuidados de enfermagem como vigilância do local da punção e do penso, aplicação de gelo, monitorização dos membros, perfusão e mobilização;
(f) A assistência prestada à 1.ª Autora na UCI teria sido menor do que a assistência que lhe foi prestada no recobro, pois na UCI havia uma média de três médicos e quatro enfermeiros para doze camas (logo, um médico para cada quatro camas e um enfermeiro para cada três camas) e no recobro havia dois médicos e duas enfermeiras só para a 1.ª Autora.
TT) Os depoimentos das testemunhas esclareceram, ainda, que:
(a) O recobro é um local transitório, que pode fazer parte do trajeto do paciente entre a operação e a UCI e por onde é frequente passarem os pacientes pós-operatórios quando a UCI não tem disponibilidade imediata;
(b) A vaga da 1.ª Autora na UCI estava reservada e garantida, ao que não obsta a sua anterior passagem pelo recobro, devida ao facto de ter saído estável do procedimento e não haver disponibilidade imediata da UCI para a receber;
(c) A situação de temporária indisponibilidade da UCI surge porque a admissão
de doentes é feita com base na respetiva situação clínica e, havendo doentes críticos, o corpo clínico da UCI pode ser chamado a atuar de forma emergente;
(d) A súbita disponibilidade da UCI, através da chegada da equipa de resposta rápida ao recobro, surgiu precisamente porque a 1.ª Autora entrou em estado crítico, assumindo os contornos de um caso emergente.
UU) Em face do que antecede, a citada prova testemunhal (aliada à prova documental vertida nas págs. 34-35 do Doc. n.º 11 junto à petição inicial) impunha uma decisão de facto diametralmente oposta à proferida, ou seja, impunha que fossem dados como provados os factos não provados 13 e 14 e como não provados os factos provados 53 e 54 (eliminando-se o facto provado 55, porque prejudicado).
VV) Motivo pelo qual deverá o Tribunal ad quem alterar a decisão sobre a matéria de facto nos sobreditos termos, revogando a sentença recorrida e julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição total da Recorrente.
WW) Mas mesmo não ficando o Tribunal inteiramente convencido com a (esmagadora) prova testemunhal produzida – o que não se compreende e 103/108 somente se admite por dever de patrocínio –, a conclusão sempre teria de ser contrária à exposta na sentença recorrida, ao abrigo dos artigos 346.º do Código Civil e 414.º do CPC.
XX) À prova pericial produzida pelos Recorridos, sobre os quais recaía o ónus probatório da alegada falta de monitorização pós-operatória, a Recorrente opôs contraprova (mediante testemunhas) destinada, no mínimo, a tornar aquele facto duvidoso. Em consequência, sempre a questão deveria ter sido decidida contra os Recorridos, enquanto parte onerada com a prova, isto é, julgando não provada a falta da devida monitorização pós-operatória alegada na petição inicial.
YY) Pelo que, ao não decidir em desfavor dos Recorridos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 346.º do Código Civil e 414.º do CPC.
ZZ) Assim, mesmo que se entenda que a prova produzida pela Recorrente só tornou duvidosos os factos alegados pelos Recorridos, deverá, ainda assim, o Tribunal ad quem alterar a decisão de facto nos termos acima descritos (cfr. conclusão UU)) e revogar a sentença recorrida, julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição total da Recorrente.
AAA) Não houve qualquer falha da Recorrente, porque a passagem da 1.ª Autora pelo recobro não colocava em jogo a vaga que tinha reservada na UCI, nem punha em causa a UCI como destino pós-operatório “final” da 1.ª Autora.
BBB) Simplesmente, e conforme as testemunhas explicaram na audiência de julgamento, o recobro é um local transitório que pode fazer parte do trajeto do 104/108 paciente entre a operação e a UCI e por onde é frequente passarem os pacientes pós-operatórios quando a UCI não tem disponibilidade imediata.
CCC) A passagem pelo recobro antes da chegada à UCI é, pois, um trajeto normal, um procedimento hospitalar comum.
DDD) Logo, o facto de a 1.ª Autora ter sido transportada para o recobro imediatamente após a operação não implica qualquer violação de leges artis.
EEE) Aliás, questionado sobre a eventual existência de orientações médicas que obstassem à passagem de um paciente submetido a procedimento endovascular pelo recobro, antes de seguir diretamente para a UCI, o Dr. AM, perito do INMLCF, respondeu que não sabia.
FFF) Tão-pouco os Recorridos carrearam para os autos qualquer evidência de leges artis em matéria de recobro hospitalar, mais concretamente recobro de sala de hemodinâmica.
GGG) Note-se que o ónus da prova da ilicitude cabia aos Recorridos, que somente estavam desonerados do ónus da prova da culpa, em virtude do regime legal da responsabilidade civil contratual.
HHH) O Tribunal a quo, apesar de concluir que a Recorrente «falhou gravemente quando após o procedimento deixa uma doente como a A., com o seu estado de saúde e perante o acto médico que foi sujeita, no recobro ao invés de a conduzir de imediato para a UCI», também não identifica as leges artis que, necessariamente, a Recorrente teria de ter violado para se poder concluir pela prática de um ato ilícito.
III) Ao invés, a Meritíssima Juíza de 1.ª instância limita-se a invocar negligência, a dizer que a Recorrente «atuou com negligência», sem cuidar de verificar, com rigor, se o ato supostamente culposo era também ilícito.
JJJ) Ora, não se vislumbrando qualquer laivo de ilicitude na conduta da Recorrente – uma vez que não só a passagem pelo recobro não viola leges artis, como a monitorização pós-operatória feita no recobro foi mais do que adequada, como se provou –, não está preenchido um dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil,
KKK) Razão pela qual jamais a Recorrente poderia ter sido condenada como foi na sentença de que, muito legitimamente, se recorre.
LLL) Também por isso, deverá a sentença recorrida ser revogada, julgando-se a ação totalmente improcedente, o que, desde já, se requer.
MMM) O Tribunal a quo concluiu existir nexo causal entre a alegada (e erradamente dada como provada) falta de monitorização pós-operatória adequada da 1.ª Autora e o falecimento desta, incluindo perda do direito à vida, o seu sofrimento antes de falecer, o sofrimento dos Recorridos pela doença e posterior morte e, ainda, as despesas de saúde até ao falecimento.
NNN) Antes de mais, importa salientar dois aspetos sobre o nexo de causalidade que vem confirmado no parecer do INMLCF («Verifica-se nexo de causalidade entre o procedimento cirúrgico realizado em 06.07.2017, o dano de hemorragia arterial em local de abordagem, o inadequado acompanhamento pós-operatório, a lesão isquémica cerebral aguda e as sequelas de tetraparésia? Sim.»):
OOO) Por um lado, a resposta afirmativa do parecer assume como pressuposto o inadequado acompanhamento pós-operatório (pois vem escrito no próprio quesito), o qual, como ficou amplamente demonstrado, não se verificou.
PPP) Por outro lado, no referido parecer não vem abordada a potencial existência de nexo de causalidade entre qualquer das condutas imputadas à Recorrente e o dano-morte da 1.ª Autora e demais danos por esse causados.
QQQ) Não existe nos autos qualquer prova de nexo de causalidade entre a monitorização pós-operatória da 1.ª Autora (única conduta pela qual vem censurada na sentença recorrida) e os danos cuja indemnização vem decidida na sentença recorrida.
RRR) Também por isso, além da ausência de ilicitude, não poderá a sentença recorrida subsistir, devendo ser revogada pelo Tribunal ad quem.
Caso assim não se entendesse, o que somente por extrema cautela de patrocínio se admite,
SSS) No que concerne ao dano-morte, é preciso salientar que os factos imputados à Recorrente ocorreram no dia 6 de julho de 2017 e a 1.ª Autora faleceu no dia 15 de fevereiro de 2021 (conforme certidão de óbito junta pelos Recorridos aos autos), ou seja, mais de três anos depois.
TTT) Destarte, muito difícil e inadequado se torna admitir a tese de que o falecimento da 1.ª Autora – uma paciente com uma doença grave raríssima, com um passado cheio de complicações de saúde, tal como vem descrito em diversos registos clínicos –, tenha sido causado pela sua monitorização no recobro posterior à angioplastia carotídea a que foi submetida no Hospital, mais de três anos antes.
UUU) Ainda quanto ao dano-morte, cumpre notar que, conforme consta do relatório médico junto como Doc. n.º 1 ao requerimento dos Recorridos de 24 de junho de 2021, durante o seu internamento na Unidade de Cuidados Continuados Integrados …, a 1.ª Autora sofreu «intercorrências infecciosas» e, após «paulatino agravamento do quadro clínico», veio a falecer. Isso mesmo foi dado como provado no facto 67 da matéria assente.
VVV) Assim, é manifesto que o estado de saúde da 1.ª Autora, em virtude da evolução da doença de Takayasu, se foi degradando após o seu internamento no Hospital, tendo sofrido vicissitudes a que a Recorrente é totalmente alheia e que poderão ter contribuído para – ou mesmo causado diretamente – a sua morte.
WWW) Pelo que, também por isso, não pode a Recorrente ser condenada na indemnização do dano-morte ou de qualquer outro dano consequencial.
XXX) Só por isso, as alíneas a) e b) da condenação deverão ser eliminadas, reduzindo-se as alíneas c) e d) (quer as quantias, quer os períodos temporais) de molde a excluir qualquer relação entre o dano a indemnizar e o falecimento.
YYY) Por tudo quanto se expôs nas presentes alegações em matéria de facto e de direito, deverá a sentença recorrida ser revogada, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto e julgando-se a ação totalmente improcedente, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
Termos em que deverão V. Ex.as conceder provimento ao presente recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e julgando a ação totalmente improcedente.

15- A Seguradora, inconformada, interpôs igualmente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. A factualidade dos pontos 53., 54. e 55. dos factos provados e dos pontos 13. e 14. dos factos não provados foi erroneamente julgada.
B. A decisão do Tribunal a quo sobre tal factualidade assentou apenas e só no relatório pericial junto aos autos, tendo sido considerado que “de um modo geral os peritos são claros: recobro não permite a mesma vigilância que a UCI”.
C. De modo geral, talvez assim possa ser. Porém, esta expressão, “de modo geral”, significa, nada mais, nada menos, do que abstractamente.
D. E esta conclusão geral e abstracta resulta do teor literal do relatório pericial e foi confirmada expressamente pelo Sr. Perito em sede de esclarecimentos em audiência de julgamento, pois confessou que tal conclusão não teve em consideração: (i) as condições concretas existentes no recobro da Ré Hospital, designadamente se o mesmo era dotado dos meios necessários para monitorização em contínuo dos parâmetros vitais, de modo a permitir a deteção precoce de qualquer desequilíbrio e a consequente reação imediata, nem (ii) a monitorização concreta que a falecida AEF foi sujeita, desde a entrada da mesma no recobro (13h20) e a deteção (pelas 13h44) dos sintomas de palidez, prostração e hipotensão apresentados pela mesma.
E. Teor literal que foi confirmado pelo Sr. Perito em sede de esclarecimentos, pois o mesmo confessou que, apesar de considerar que, em abstrato, a UCI tem muito mais equipamentos que o recobro e permitiria um acompanhamento teoricamente mais eficaz, não poderia confirmar se o recobro da Ré proporcionou, ou não, as mesmas condições à falecida AEF do que a UCI pois desconhecia as condições ali existentes – passagem 00:17:12.7 ao 00:04:53.6 do respectivo depoimento.
F. Daqui resulta que o relatório pericial constante dos autos não responde às questões concretas que se colocam sobre a assistência médica prestada à falecida AEF no recobro e, em especial, não responde aos temas da prova 21. e 22 e, nessa medida, não pode sustentar a resposta do Tribunal a quo à factualidade dos pontos 53., 54. e 55. da matéria provada e nos pontos 13. e 14. Da matéria não provada.
G. Assim, inexistindo guidelines no sentido de que, após a realização de uma angioplastia carotídea, é obrigatório ir directamente para a UCI [como confirmado pelo Sr. Perito no respetivo depoimento - passagem 00:28:44.3 a 00:29:08.1], tudo o que consta do relatório pericial sobre o período pós-operatório é teórico e abstrato, não refletindo o que efectivamente ocorreu no caso sub judice.
H. Com efeito, não poderia o Tribunal a quo, como o fez, reconhecer que “O conselho médico legal não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI (…) a verdade é que em concreto a perícia não sabe que elementos de monotorização existem na UCI e no recobro do Hospital.” e, depois concluir, sem mais, que “a R. falhou gravemente quando após o procedimento deixa uma doente como a A., com o seu estado de saúde e perante o acto médico que foi sujeita, no recobro ao invés de a conduzir de imediato para a UCI.”.
I. Logo, perante a insuficiência do relatório pericial e perante a ausência de outros meios de prova que corroborassem a alegada deficiente prestação de cuidados pós-operatórios, deveria o Tribunal a quo, sem mais, julgar improcedente a presente acção.
J. Mas mesmo que assim não fosse, impunha-se que o Tribunal a quo atentasse nos restantes meios de prova produzidos nos autos, para se poder pronunciar sobre a factualidade que estava obrigado a julgar.
K. Porém, isso não aconteceu, pois o entendimento do Tribunal a quo foi no sentido de que a Ré Hospital, SA agiu mal ao não ter requerido ou ampliado a perícia sobre os meios existentes no recobro e a assistência pós-operatória prestada (“Por incúria ou vontade deliberada da R., esta nunca colocou à perícia médico legal a questão que coloca nos articulados e da qual tentou fazer prova: no sentido de o recobro oferecer os mesmos meios de monotorização e acompanhamento médico que a UCI. Era crucial que o tivesse feito.”).
L. Tal entendimento viola frontalmente o disposto nos artigos 342.º e 346.º do Código Civil e nos artigos 413.º e 414.º do Código de Processo Civil.
M. Estando-se, no âmbito da responsabilidade civil, no campo da ilicitude, é pacífico que a prova dos factos que consubstanciam a violação de um direito ou a infracção de uma norma recai, atentas as regras consagradas no artigo 342º do Código Civil, sobre os Recorridos, na medida em que tais factos são constitutivos do direito que invocam e que pretendem fazer valer.
N. Logo, não só não competia à Ré Hospital a prova da licitude de todos os actos por si praticados, como a mesma não estava limitada nos meios de prova a utilizar para contestar a pretensão dos Recorridos.
O. Da análise dos restantes meios de prova produzidos nos autos, em especial, da análise da prova testemunhal, a qual foi total e erradamente desvalorizada pelo Tribunal a quo com base na premissa de que “quando um conselho médico legal aponta falhas nos médicos ou serviços hospitalares é porque indubitavelmente estas existem” (sem cuidar de atender que tais supostas falhas serem em cenários hipotéticos, abstratos e sem sustento real com os factos em discussão nos autos), resulta que todas as testemunhas ouvidas sobre as condições do recobro e a assistência prestada à falecida AEF tinha conhecimento pessoal e directo dos factos relevantes.
P. Mostrou-se essencial o depoimento da Dra. MR, médica de medicina interna que esteve presente e acompanhou a execução do procedimento de angioplastia, a qual, como resulta do excerto acima transcrito, confirmou que a falecida AEF, após o termo da angioplastia e já na sala de recobro, estava acordada, consciente, tranquila e colaborante.
Q. A mesma testemunha confirmou que no recobro a falecida AEF estava acompanhada pela anestesista e pela enfermeira do recobro, bem como que nesta sala existiam todos os equipamentos e materiais necessários (“tem monitores, tem ventilador, tem fármacos, tem mala de emergência, tem ... tem essas coisas todas”), tendo acrescentado, quando questionada directamente sobre a diferença entre UCI e recobro, que este “é um local onde se está sob vigilância e tem-se os meios suficientes e necessários para acudir em caso de alguma intercorrência que possa surgir” e, por sua vez, a UCI “está preparada para vigiar e tratar e acompanhar doentes que têm falência multiorgânica. Portanto, um doente que precise de uma ventilação, que precise de uma hemodiálise, que precise de uma filtração, hemo-filtração são doentes que precisam de um nível de vigilância muito maior”.
R. Mas mais. Quando questionada sobre a origem dos dados referentes à frequência, traçado e ritmo cardíaco constantes dos relatórios de enfermagem juntos aos autos, esclareceu que tais dados resultam da monitorização a que a paciente estava sujeita no recobro, esclarecendo que “O traçado ... é aquelas ondinhas que se vêm nos aparelhos, nos monitores. Portanto, o traçado dá-nos a electricidade e o batimento cardíaco e a saturação de oxigénio e a frequência cardíaca. Esses ... esses dados todos, implicam que estaria monitorizada.”, o que, só por si, seria suficiente para afastar qualquer dúvida sobre a adequada monitorização.(Depoimento prestado na sessão de julgamento de dia 17.01.2024, gravado no sistema Habilus,ficheiros áudio n.ºs 18584-18.5T8LSB_2024-01-17_14-37-46 e 18584-18.5T8LSB_2024-01-17_14-42-08, registado com início às 14:42 e com uma duração total de 00:39:30.7.)
S. Também se mostrou-se essencial o depoimento do Dr. SL (Depoimento prestado na sessão de julgamento de dia 19.01.2024, gravado no sistema Habilus, ficheiro áudio n.ºs 18584-18.5T8LSB_2024-01-19_09-21-02, registado com início às 09:21 horas e com uma duração total de 65:00 minutos) médico cardiologista e 1.º ajudante no procedimento de angioplastia, que não só confirmou todos os procedimentos adoptados durante o mesmo, em especial, a injecção de contraste e a realização de compreensão, para confirmar a inexistência de complicações nas artérias por onde foi realizado o procedimento, designadamente, uma eventual hemorragia,
T. Como ainda confirmou que na sala de recobro para onde a falecida AEF foi transportada, esta ficou monitorizada e vigiada pela Enf.ª CC e a anestesiologista Dr.ª JL, que acompanharam a angioplastia, bem como a Enf.ª D, responsável pela sala de recobro.
U. Tal testemunha foi clara ao explicar que a sala de recobro é um espaço aberto, para que haja uma capacidade de vigilância maior, composta por três boxes individuais abertas e que se situa em frente à sala de hemodinâmica, durando cerca de 30 segundos o transporte de uma sala para a outra, sendo que a falecida AEF era a única paciente na referida sala e, por isso, o ratio de vigilância humana no recobro, quando comparado com o da UCI, era bem superior.
V. Foi, igualmente, claro ao atestar que a monitorização efectuada após a conclusão da angioplastia ─ através de electrocardiograma, que permitia medir a frequência cardíaca, o ritmo cardíaco e a avaliação contínua de pressões arteriais, bem como através de oximetria, que permitia medir a saturação de oxigénio no sangue ─ ainda na sala de hemodinâmica, nunca foi interrompida, mantendo-se durante o transporte para o recobro bem como durante a permanência na sala de recobro, não obstante a mudança de monitores.
W. Bem como que, mesmo que a paciente tivesse sido transferida para a UCI, manter-se-ia a mesma monitorização mecânica que estava a ser prestada no recobro, sendo firme ao afirmar que “Não há qualquer alteração de monitorização por estar no recobro ou por estar na UCI.”, sendo que a necessidade de ir para a UCI prendia-se apenas com a necessidade de vigilância e de uma monitorização durante, pelo menos, 24 horas.
X. Adiantou, igualmente, que o recobro tem todas as capacidades da UCI mas não está vocacionado para os doentes lá ficarem internados, pois é um local de transitório, até os pacientes irem para outro local: “o recobro é um local de monitorização imediata do doente à saída da sala, até haver … até a UCI nos dar luz verde para o paciente seguir para a UCI.”.
Y. Confirmou que a vaga da falecida AEF na UCI estava assegurada, tanto assim é que a cama em que a mesma se encontrava pertencia à UCI mas, apesar disso, quando terminou a angioplastia não foi possível a transferência imediata, por indisponibilidade da UCI, sendo que não havia motivos para solicitar a entrada imediata naquela unidade pois a paciente estava estável.
Z. Também se mostrou essencial o depoimento da testemunha Enfermeira CC (Depoimento prestado na sessão de julgamento de dia 19.01.2024, gravado no sistema Habilus, ficheiro áudio n.ºs 18584-18.5T8LSB_2024-01-19_10-28-09, registado com início às 10:28 e com uma duração total de 39:04 minutos.), presente no procedimento de angioplastia e com experiência em cuidados intensivos, que não só confirmou o que as restantes testemunhas afirmaram, i.e., de que a falecida AEF esteve sempre vigiada por si durante todo o período em que esteve no recobro, como ainda confirmou toda a monitorização mecânica a que estava sujeita.
AA. A referida testemunha concretizou, ainda, em que se traduziu a vigilância humana por si efectuada, esclarecendo que procedeu à aplicação de gelo e, mediante a visualização, toque e palpação, de forma permanente, de 5 em 5 minutos, à monitorização e verificação da perfusão e mobilização dos membros, à vigilância do local de punção e à vigilância do penso.
BB. A descrição da testemunha em apreço sobre o surgimento dos primeiros sinais de que algo não estava a correr bem feita demonstra com clareza a monitorização, através de equipamentos e através de vigilância humana, que estava efectivamente a ser realizada (passagem 00:19:05.9 do respectivo depoimento:
Estava ao lado dela e … fui percebendo alguma deterioração nos sinais vitais, portanto, alguma taquicardia, alguma hipotensão e palidez. E ela começou a ficar
… com um … o discurso não era o mesmo. Perceber que ela deixou de … de comunicar como estava a comunicar e a partir daí é imediatamente activada a equipa de resposta rápida.”)
CC. Na mesma senda, mostrou-se essencial o depoimento da testemunha Dr. JN (Depoimento prestado na sessão de julgamento de dia 19.01.2024, gravado no sistema Habilus, ficheiro áudio n.ºs 18584-18.5T8LSB_2024-01-19_11-07-19, registado com início às 11:07 e com uma duração total de 39:01 minutos.) médico de medicina interna e intensiva, Coordenador da UCI à data dos factos e médico que integrava a equipa de resposta rápida que prestou assistência à falecida AEF.
DD. A referida testemunha, conhecedor da realidade da UCI na qualidade de Coordenador da mesma, afirmou de forma extremamente clara que, por um lado, o nível de monitorização do recobro e da UCI, ao nível de equipamentos e tendo em consideração o facto de a falecida AEF não estar dependente de qualquer meio de suporte de órgão, era exactamente igual.
EE. Mas foi mais longe: não hesitou em afirmar que, ao nível de vigilância humana, atendendo aos ratios existente na UCI (um médico para cada seis camas – passagem 00:16:11.0 do respectivo depoimento) (um enfermeiro para cada quatro camas – passagem 00:17:00.8 do respectivo depoimento), tal vigilância humana no recobro era muito mais apertada, pelo que a deteção, na UCI, da deterioração dos sinais vitais, seria mais precoce.
FF. A prova testemunhal acabada de referir ─ que incidiu sobre os meios concretos existentes na sala de recobro e as circunstâncias concretas da assistência médica prestada à falecida AEF ─ impõe a alteração da factualidade impugnada, pois da mesma resulta que não ficou demonstrado que a falecida AEF ficou “na sala de recobro sem monitorização adequada a prevenir ou identificar os sintomas de uma hemorragia grave e sem o acompanhamento médico necessário a assegurar a reacção a tal ocorrência em tempo útil” (ponto 53 dos factos provados), e/ou que “não estava monitorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda dos sinais vitais que indicassem uma hemorragia” (ponto 54 dos factos provados) e, por contraponto, da mesma resulta cabalmente provado que enquanto aquela “esteve no recobro os seus sinais vitais nunca deixaram de ser monitorizados e nunca deixou de receber os cuidados necessários com constante vigilância” (ponto 13 dos factos não provados) e que “na sala de recobro, estavam disponíveis todos os meios de intervenção que existem na UCI: fármacos de emergência, ventilador, etc.” (ponto 14 dos factos não provados).
GG. Tal prova não é beliscada pelas conclusões periciais a respeito do recobro e da UCI, as quais são abstractas e meramente circunstanciais.
HH. Os médicos e enfermeiros, testemunhas da Ré, vieram afirmar credivelmente que o recobro e a UCI (que conheciam e onde trabalhavam) estavam equipados com os mesmos tipos de monitorização e que a falecida AEF esteve sempre monitorizada com os mesmos meios mecânicos que estaria caso tivesse sido conduzida para a UCI.
II. Todos os depoimentos, analisados isoladamente e em conjunto, por quem conhecia e trabalha/trabalhava nas instalações da Ré Hospital, demonstraram-se claros, verosímeis, credíveis e, sobretudo, aptos a constituir prova bastante e suficiente de que a falecida AEF se encontrava devidamente monitorizada no recobro, nos mesmos termos que estaria na UCI.
JJ. Nessa sequência, impõe-se que (i) os factos provados contidos nos pontos 53., 54. E 55. considerados como não provados e que (ii) os factos não provados contidos nos pontos 13. e 14. sejam considerados provados.
KK. E, desta forma, conclui-se que a transferência da falecida AEF para o recobro ao invés de para a UCI em nada afectou a cadeia de acontecimentos que, embora lamentáveis, não podem ser imputados à Ré Hospital.
LL. A prova pericial serve e torna-se relevante na apreciação de factos para os quais sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, mas, a sua força probatória deverá depender, relativamente a cada quesito, do valor da conclusão do perito da perspectiva do seu conhecimento científico, mais ou menos, directo.
MM. Por isso, compreende-se que a prova pericial seja inabalável no que refere à escolha do procedimento ou à causa da laceração da artéria ilíaca mas já não se poderá considerar inabalável quanto às condições de monitorização presentes no recobro e na UCI, sobretudo quando as mesmas não são do conhecimento do Sr. Perito, como confessado por este.
NN. Pela experiência do Sr. Perito, em termos gerais, a UCI tem uma monitorização mais completa do que o recobro, mas o Tribunal a quo não pode deixar de atender que tal resposta não deixa de ser, independentemente do seu mérito, uma opinião não científica. E genérica.
OO. Por esse motivo, impunha-se que o Tribunal a quo valorasse a prova concreta produzida nos autos, sobre os factos que eram desconhecidos do Sr. Perito e, com base na mesma, formasse a sua decisão.
PP. A lei não confere à prova pericial qualquer predominância sobre os restantes, tal como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão de 10.10.201315 (Disponível em www.dgsi.pt.), bem como, tal como defende Lebre de Freitas (Vide “Código Civil Anotado” – Almedina – (vários Autores sob coordenação de Ana Prata 2.º Edição: anotação ao artigo 399.º.), que, perante o disposto no artigo 389.º do CC, defende que “a prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com as restantes provas que sejam produzidas sobre os factos que dela são objecto”.
QQ. Em face do acabado de expor, não ficou demonstrada nos autos a violação da leges artis no que se refere aos cuidados pós-operatórios prestados á falecida AEF.
RR. Logo, no que se refere aos requisitos, cumulativos, de que depende a responsabilidade imputada pelos Recorridos, será forçoso concluir que não se mostra preenchido o requisito da ilicitude, cujo ónus da prova, repete-se, cabia aos Recorridos.
SS. Não só porque, como resultou da prova testemunhal, a vaga na UCI para a falecida AEF estava acautelada e reservada.
TT. Como ainda porque a falta de disponibilidade da UCI no caso concreto não é, por si só, ilícita, pois não ficou demonstrada nos autos ─ prova que competia aos Recorridos ─ que as leges artis impõem como obrigatório o imediato ingresso na UCI após a realização de uma angioplastia carotídea.
UU. Aliás, recorde-se, não existem guidelines que estabeleçam que, após a realização de uma angioplastia carotídea, é obrigatório ir directa e imediatamente para a UCI ─ talvez seja por essa razão que o Tribunal a quo não identifica quais as leges artis concretas que se mostraram violadas com a condução da paciente para o recobro, o que se mostrava essencial para concluir como concluiu.
VV. Como, ainda, porque ficou cabalmente demonstrado que toda a assistência médica prestada à falecida AEF no recobro foi adequada e atempada e até superior àquela que poderia vir a ser prestada na UCI ─ veja-se que não só ficou demonstrado que a monitorização mecânica existente no recobro era exactamente igual à que seria assegurada na UCI, como ficou demonstrado que a monitorização/vigilância humana prestada no recobro era superior à existente na UCI.
WW. A par disso, dos factos provados resulta que a falecida AEF esteve 24 minutos no recobro, onde entrou tranquila e consciente (pontos 43. e 46. Dos factos provados) e, logo que foi detectada a perda de sinais vitais, pelas 13h44, foi prestada assistência e accionada a equipa de emergência rápida, a qual demorou 2 minutos a chegar ao recobro (ponto 48. dos factos provados).
XX. Resulta, igualmente, que foram feitas pela equipa de resposta rápida entubação orotraqueal e suporte de vida, bem como realizadas e administrados o que consta de fls 65 dos autos, e realizado de imediato TAC com vista a apurar a causa do choque (ponto 49. dos factos provados), tendo a falecida AEF sido levada ao bloco operatório de urgência, pelas 15:15h, onde foi efetuada uma rafia das zonas sangrantes, descrita pelas 16h33m como tendo sido estancada a hemorragia (ponto 51. dos factos provados).
YY. Foi confirmado pelas testemunhas, em especial, pelo Dr. JN, Coordenador da UCI à data dos factos, que a ida imediata da paciente para a UCI não teria permitido a deteção mais precoce da perda dos sinais vitais e uma assistência mais célere – veja-se, aliás, que a referida testemunha confirmou que, aquando da chegada da equipa de resposta rápida, a paciente estava a ser ventilada (passagem 00:05:18.7 do respectivo depoimento).
ZZ. Logo, repete-se, não existe violação da leges artis e, consequentemente, não existe qualquer conduta ilícita que possa sustentar a responsabilidade imputada à Ré Hospital.
AAA. Na Sentença ora em crise é, ainda, feita alusão de que a Ré Hospital agiu com negligência pois poderia “ter ilidido a sua culpa afirmando que os meios humanos da UCI estavam nesse momento todos mobilizados a acorrer a alguma urgência.
Mas não o fez. (…)”, o que demonstra que os conceitos de ilicitude e culpa são analisados homogeneamente sem qualquer traço de distinção.
BBB. Tais conceitos não se confundem, sendo que, não existindo ilicitude que possa sustentar a responsabilidade imputada à Ré Hospital, não se mostra necessária a prova do motivo da indisponibilidade dos meios humanos da UCI.
CCC. Pelo que, não logrando os Recorridos provar factos que permitam concluir e suportar a violação das leges artis por si invocada, não há lugar à responsabilidade imputada à Ré Hospital e, consequentemente à ora Recorrente Companhia de Seguros SA.
Nestes termos, requer-se que seja dado o devido provimento ao presente recurso e, em consequência, que seja revogada a Sentença recorrida.

16- A seguradora contra-alegou ao recurso dos autores, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1)- O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas.
2. Em primeiro lugar, o recurso dos Recorrentes deve ser rejeitado, sem direito a prolação de qualquer despacho de convite a aperfeiçoamento, em virtude da manifesta e grosseira violação do ónus de alegação e conclusões por banda dos Recorrentes.
3. Os Recorrentes não concretizam os fundamentos pelos quais discordam da sentença recorrida, nomeadamente, expondo qual motivação do Tribunal a quo para decidir como
decidiu (e relativamente à qual discordam), quais as normas jurídicas violadas, o motivo
pelo qual o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as normas jurídicas de forma
diferente, entre outros.
4. E não só não o fazem em sede de motivação (incumprindo o ónus de alegação) como em sede de conclusões (incumprindo o ónus de conclusão).
5. Relativamente ao dano biológico sofrido pela falecida, os Recorrentes não concretizam os fundamentos pelos quais discordam da sentença recorrida.
6. E, não o fazem, pois, a sentença é totalmente omissa relativamente ao dano biológico na vertente não relacionada com a capacidade de ganho
7. Não estamos perante a mera ausência de resposta, do Tribunal a quo, a todos os argumentos invocados pelos Recorrentes para sustentar o dano biológico reclamado, mas,
isso sim, perante a ausência de pronúncia deste tribunal sobre este pedido concreto.
8. A opção pela não arguição da nulidade da Sentença recorrida, por omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação do Réu e da Interveniente, ora Recorrida, no pagamento de uma indeminização por dano biológico na vertente não relacionada com a perda de capacidade de ganho, faz com que a mesma se tenha solidificado, não podendo agora ser decretada e/ou conhecido o recurso dos Recorrentes.
9. Relativamente aos danos morais da falecida, os Recorrentes não concretizam quais os fundamentos pelos quais discordam da sentença recorrida
10. Em segundo lugar, relativamente ao dano biológico sofrido pela falecida, a jurisprudência maioritária configura este dano como patrimonial: entendem que quando não há perdas económicas imediatas provocadas pela lesão, o dano biológico deve ser valorado nos lucros que eventualmente o lesado irá ter no futuro.
11. E assim é porque o dano biológico poderá constituir perda de capacidades físicas e intelectuais nos campos laboral, recreativo, social, sexual ou sentimental, devendo, pois, ser ressarcido enquanto dano patrimonial - não podendo se reduzido à categoria dos danos não patrimoniais.
12. Ora, os danos que os Recorrentes qualificam como “danos biológicos sofridos pela lesada”, “na sua vertente não relacionada com a sua capacidade de ganho” mais não são do que danos não patrimoniais – danos esses que foram devidamente apreciados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
13. Pelo que a sentença em crise não merece qualquer censura, devendo ser mantida in totum.
14. Ainda que se adoptasse uma outra interpretação acerca do dano biológico, impunha -se concluir da mesma forma.
15. Uma outra corrente doutrinária e jurisprudencial entende que o dano biológico consiste numa lesão da integridade do sujeito enquanto pessoa, na sua globalidade psicofísica.
16. Entendem então que o prejuízo biológico consiste na diminuição psíquico-somática e funcional de uma pessoa em geral e que este assume repercussões na vida individual do lesado e é gerador de responsabilidade civil (tanto no domínio do dano patrimonial como
não patrimonial).
17. Este “prejuízo biológico”, na sua vertente não patrimonial, só é indemnizável se o lesado estiver vivo.
18. A indemnização pelo dano biológico consiste numa compensação susceptível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida pelo lesado.
19. Pelo que, se por infortúnio, o lesado morreu – como é o caso – nada haverá a compensar para efeitos de atenuação da referida lesão.
20. Em terceiro lugar, relativamente aos danos sofridos por AEF antes de falecer, também aqui a sentença recorrida não merece qualquer censura.
21. Sem grande (ou nenhuma) fundamentação, vêm os Recorrentes pedir a alteração da decisão por outra que condene a Recorrida e a Ré Hospital no pagamento de uma indemnização no valor de € 250.000,00 – ou seja, dez vezes superior ao fixado pelo Tribunal a quo.
22. Os Recorrentes se limitam a afirmar por um lado, que o Tribunal a quo não apresentou qualquer fundamentação que permita concluir como chegou ao valor de indemnização arbitrado e, por outro, que o Tribunal a quo não indicou quais as decisões dos tribunais superiores que impõem a necessidade de contenção relativamente ao valor de indemnização a arbitrar.
23. Entendendo os Recorrentes pela existência de falta de fundamentação, estes poderiam (e deveriam!) ter feito valer os seus direitos mediante a invocação da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
24. Em qualquer caso, é falso que o Tribunal a quo não tenha apresentado qualquer fundamentação pois fê-lo de forma clara e concisa ao afirmar que:
“…no processo de conduziu à morte de AEF decorreram três anos e meio durante os quais a própria A. sofreu, a ponto de ter alguma consciência, mas não conseguir verbalizar, sentir revolta a ponto de se tentar desentubar e sair do hospital até ao dano maior que constitui a perda da sua vida.
“A mesma padeceu durante três anos e meio agarrada a camas de hospitais, com alguma consciência do seu estado, de quem a rodeava, mas sem conseguir verbalizar até que foi gradualmente perdendo essa consciência e ficou em estado vegetativo.
Durante esse período a A. AEF careceu de ajuda de terceiros para tudo, alimentou-se por soro, usava fraldas, e assim uma mulher de 50 anos, mãe de família viu os seus próprios filhos assistir à sua degradação e só conseguia chorar.
Durante esse período não apenas ficou impossibilitada de ter uma vida normal, de concretizar planos e projetos como sobretudo ficou confinada numa cama de hospital a sofrer.”
25. Acresce ainda que o Tribunal a quo não se encontra obrigado indicar quais as decisões jurisprudenciais que, em concreto, obrigam “a alguma contenção”.
26. O juízo de equidade das instâncias é alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto - o que foi feito de forma exemplar e irrepreensível pelo
Tribunal a quo.
27. Para determinação do quantum compensatório dos danos não patrimoniais o Tribunal a quo atendeu aos danos não patrimoniais sofridos pela falecida – danos não patrimoniais que são precisamente os mesmos que os Recorrentes indicam nas suas alegações de recurso.
28. Pelo que se impõe concluir que a decisão proferida pelo Tribunal a quo assenta num
juízo equitativo razoável, justo, equilibrado, não merecendo qualquer censura!
29. Dos factos provados 2, 13 a 26, 38 a 40 e 67 resulta que a falecida AEF estava reformada por invalidez, pois padecia de incapacidade parcial permanente de 72%, fruto de cancro de mama, sendo que a mesma padecida ainda da doença (arterite) de Takayasu, que é uma vasculite crónica e estenosante, de causa desconhecida, que afeta sobretudo a artéria aorta e os seus ramos principais.
30. Ficou também demonstrado nos autos que o óbito da falecida AEF decorreu de intercorrências infeciosas e de um paulatino agravamento do estado clínico durante o
internamento em concorrência com a evolução da doença de Takayasu.
31. Ou seja, da factualidade provada que o estado de saúde da falecida AEF, era extremamente débil, em virtude da invalidez de 72% de que padecia, da evolução da doença de Takayasu, que fazia com que a mesma só vivesse praticamente à custa de uma carótida e da artéria vertebral esquerdas que estavam estenosadas e do AVC sofrido, que fez com que recorresse aos serviços da Ré Hospital, SA.
32. Todos estes factos devem ser devidamente valorados na quantificação dos danos não
patrimoniais, levando à conclusão que o valor arbitrado pelo Tribunal a quo não deverá
sofrer qualquer alteração.

17- A ré Hospital, contra-alegou ao recurso dos autores, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A) Caso venha a ser concedido provimento a qualquer dos recursos interpostos pela Ré e pela Interveniente Principal, com o inerente julgamento de improcedência total da presente ação, por falta de verificação dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil (desde logo, ilicitude e nexo causal), prejudicado ficará o conhecimento do recurso dos Autores, circunscrito às decisões sobre o dano biológico e os danos morais sofridos pela 1.ª Autora.
B) Assim, por razões de precedência lógica, deverão os recursos interpostos pelo lado passivo da lide ser conhecidos em primeiro lugar, o que se requer.
C) Perscrutado o teor das conclusões, e mesmo das alegações, dos Recorrentes, verifica-se que não contêm uma única norma jurídica violada.
D) Aliás, os Recorrentes não referem, de todo, normas jurídicas nas suas alegações, não aduzindo quaisquer argumentos jurídicos tendentes a infirmar aqueles que se fizeram constar da sentença recorrida.
E) Efetivamente, os Recorrentes não invocam a existência de qualquer erro na interpretação ou aplicação da lei – desde logo porque a lei jamais é referida –, o que condiciona não só o contraditório a exercer pela ora Recorrida, mas também a apreciação que o Tribunal ad quem é chamado a fazer.
F) É, pois, manifesto que os Recorrentes incumpriram o seu ónus de alegação em sede recursiva.
G) A falta de alegação, pelos Recorrentes, de vício(s) de que a sentença recorrida padeça impõe que seja negado provimento ao seu recurso, o que se requer.
H) A Ré, ora Recorrida, não é responsável por nenhum dos danos invocados pelos Autores, ora Recorrentes, na presente ação, conforme amplamente justificado nas alegações de recurso da Recorrida, para as quais, respeitosamente, se remete.
I) O dano biológico, enquanto dano-evento, não é autonomamente indemnizável, só devendo ser ressarcido quando se traduza em danos-consequência, patrimoniais ou não patrimoniais.
J) No caso vertente, os Recorrentes qualificaram o dano biológico sofrido pela 1.ª Autora, e objeto de pedido indemnizatório, como dano patrimonial (cfr. Artigos 180.º e 181.º da petição inicial; artigo 13.º do requerimento dos Autores de 7 de outubro de 2020).
K) Acontece que os invocados danos de cariz patrimonial são danos próprios da 1.ª Autora, que cessaram com a sua morte.
L) Os Recorrentes não têm – porque a lei não prevê – qualquer direito de indemnização por danos patrimoniais próprios da 1.ª Autora.
M) Note-se que em todos os acórdãos citados pelos Recorrentes, na tentativa de justificarem o seu pedido relativo ao dano biológico, as indemnizações são concedidas aos próprios lesados e nunca a terceiros (p. ex., sucessores).
N) Em qualquer caso, o montante indemnizatório pedido pelos Recorrentes (€ 110.000,00) encontra-se desfasado da prática jurisprudencial no que toca a danos como limitações físicas no dia-a-dia.
O) Em suma, porque os danos patrimoniais traduzidos nas limitações do dia-a-dia são danos próprios da 1.ª Autora, que a lei não transmite aos Recorrentes (seus herdeiros), estes não têm direito de indemnização por tais danos, motivo pelo qual deverá ser negado provimento ao presente recurso nessa parte.
P) O valor pretendido pelos Recorrentes a título de dano moral pelo sofrimento da 1.ª Autora antes de falecer é, manifestamente, excessivo, tendo em conta os valores praticados pela jurisprudência em casos análogos, incluindo o caso carreado nas suas alegações.
Q) O resultado almejado pelos Recorrentes é a duplicação da indemnização que lhes foi concedida em 1.ª instância e cujo valor é já muito significativo, o que evidencia, e intensifica, o excesso da sua pretensão.
R) Acresce que, ao pedirem € 250.000,00 pelo dano do sofrimento da 1.ª Autora antes de falecer, os Recorrentes estão a atribuir um valor muito superior aos valores fixados ao dano da perda do direito à vida (€ 80.000,00) e ao dano do sofrimento dos Recorrentes antes e depois do óbito (€ 50.000,00 cada um), o que mostra a desproporcionalidade da sua pretensão recursiva.
S) Sendo os valores unitários de € 80.000,00 e € 50.000,00 tidos pelos Recorrentes como equitativos – em especial, o valor respeitante à perda do direito à vida, considerada o bem jurídico supremo –, o valor peticionado de € 250.000,00 só pode ser visto, por maioria de razão, como exorbitante e inadequado.
T) Deste modo, não tendo os Recorrentes logrado demonstrar que o quantum indemnizatório de € 250.000,00 seria razoável à luz da equidade e dos padrões da jurisprudência, o seu recurso também não merece acolhimento nesta parte.
U) Em face do exposto, deverá ser negado provimento à totalidade do recurso sub judice, com todas as consequências legais.
Termos em que deverão V. Ex.as:
(i) conhecer dos recursos interpostos pela Ré e pela Interveniente Principal em primeiro lugar;
(ii) julgar prejudicado o conhecimento ou negar provimento ao recurso dos Autores, com todas as consequências legais.

18- Os autores contra-alegaram aos recursos interpostos pelas rés Hospital e Seguradora e ampliaram o âmbito do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1) As alegações dos recorrentes Hospital, Seguradora, são, no essencial, idênticas, pelo que, em resposta a ambas, e por referência às alegações do R. Hospital, S. A., se dirá o seguinte:
2) Nos arts. 70º a 77º da sua contestação, o R. jamais alegou os concretos meios de monitorização empregues no recobro, quais os parâmetros monitorizados e se tal monitorização era contínua ou ininterrupta.
3) De facto, o R. limitou-se a alegar que a falecida estava, ali, vigiada por enfermeiro e que existiam meios de emergência, tais como fármacos, ventilador, “ETC.”
4) Como é óbvio, do que antecede, o R. limitou-se a alegar, vagamente, que os meios de resposta eram adequados, o que é substancialmente diferente da alegação circunstanciada sobre os meios de monitorização (e prevenção) concretamente empregues.
5) Pelo caminho, o R. não deixou de admitir que, por falta de vaga na UCI, e apesar de o ter previsto antes do procedimento, por se tratar de uma situação prioritária, a doente não foi encaminhada para os cuidados intensivos no pós-operatório.
6) E, como se salienta, e bem, na douta sentença recorrida, o R. jamais alegou qualquer facto, e muito menos demonstrou, no sentido de que a falta de vaga na UCI, em concreto, não decorreu de qualquer conduta negligente sua.
7) Pelo que, contrariamente ao que lhe era exigido, à luz do disposto no art.º 799º, n.º 1, do CC, o próprio R. não alegou quaisquer factos concretos que permitissem demonstrar que agiu com o cuidado a que estava obrigado.
8) Por outro lado, o R. pretende dar como não provada a matéria constante do ponto 55º da matéria de facto, defendendo, para tanto, que a mesma estaria “prejudicada” pela resposta aos pontos 53º e 54º.
9) Ou seja, o R. escusou-se a explicar ou justificar como, apesar da suposta monitorização, poderia ter passado despercebida, sem qualquer sinal prévio ou alarme, a existência de uma hemorragia que levou a doente a entrar em choque hemorrágico.
10) É, contudo, uma falha evidente na produção de prova levada a cabo pelo R.: nenhuma testemunha justificou tal manifesta incongruência entre a pretensa monitorização e falta de deteção de uma hemorragia lenta, antes de esta se manifestar por sinais exteriores, clínicos de gravidade catastrófica.
11) Ora, inexistindo qualquer prova documental da existência de tal monitorização, era essencial demonstrar o motivo pelo qual, tendo existido, falhou na deteção de alteração de parâmetros vitais, não emitindo qualquer alerta ou sinal, prévio à doente entrar em choque hemorrágico, com perda de consciência, incontinência em necessidade de medidas urgentes de suporte de vida.
12) E era essencial demonstrar que uma tal falha não decorreu de qualquer negligência do R..
13) O R. não o fez: “esqueceu-se” que nos situamos no âmbito da responsabilidade contratual, impendendo sobre si, à luz do disposto no art.º 799º, n.º 1, do CC, o ónus de provar que agiu sem culpa, empregando todos os meios necessários a prevenir a ocorrência de um choque hemorrágico.
14) E tal revestia-se de especial importância porquanto o R. não impugnou a matéria, dada como provada, no sentido de que:
-O R. identificou o caso da AEF como sendo de risco muito elevado, pelo que identificou, previamente, a necessidade de o pós operatório ter lugar na UCI (34º facto provado),
- Ocorreu uma laceração da artéria durante o procedimento (5º facto provado),
- A qual só poderia ser detetada por via de monitorização adequada (33º facto provado),
- Por falta de vaga na UCI, a AEF ficou no recobro, apesar das insistências para a sua transferência para a UCI (43º e 44º factos provados).
15) Ora, não só o R. não alegou, na sua contestação, qualquer nível concreto de monitorização (veja-se os arts. 75º e 76º da contestação e o elucidativamente desleixado e menos do que conclusivo “ETC.”), como não formulou qualquer quesito sobre tal matéria, e não formulou qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento, à luz do disposto no art.º 485º do CPC!
16) Não o tendo feito, outra conclusão não se poderia retirar que não a de que o R. se conformou com o teor das respostas do Conselho Médico Legal, que não padeciam de qualquer deficiência ou obscuridade suscetível de ser esclarecida.
17) Em manifesto abuso de direito processual, na modalidade de venire contra factum proprium, sem ter formulado qualquer quesito nesse sentido, ou esclarecido, previamente, na contestação, ou mesmo à luz do art.º 485º do CPC, qual a monitorização por si levada a cabo, o R. pretendeu forçar a conclusão de que o parecer não tem valor probatório porque não teve em conta os concretos meios de monitorização empregues pelo R..
18) Seja como for, o R. jamais colocou em causa a idoneidade, imparcialidade, objetividade e competência do responsável pela elaboração do parecer, Dr. AM.
19) Em qualquer caso, o R. tenta esconder uma colossal evidência: o Conselho Médico Legal pronunciou-se no sentido de que numa intervenção invasiva e vascular, é essencial monitorizar EM CONTÍNUO os parâmetros vitais: TA, ritmo cardíaco, temperatura, estado de consciência, perfil dos pulsos periféricos – nomeadamente nos segmentos percorridos pela bainha vascular – GASES DO SANGUE, HEMOGRAMA, DIURESE, BIOQUÍMICA SANGUÍNEA. Tal como os sinais clínicos de hemorragia, como palidez, prostração, taquicardia, etc.
20) Ora, nos meios de prova que cita, o R. jamais sustentou que a doente tenha sido monitorizada em todos esses parâmetros (GASES DO SANGUE, HEMOGRAMA, DIURESE, BIOQUÍMICA SANGUÍNEA), e muito menos que o tenha sido, em contínuo.
21) Pelo que, na douta sentença recorrida, concluiu-se, e bem, no sentido de o R. logrou convencer o Tribunal de que os meios de monitorização da UCI e recobro eram equivalentes.
22) Mas mais do que tal suposta equivalência de meios entre UCI e recobro, importava apurar se estavam monitorizados os referidos parâmetros vitais que o Conselho Médico Legal entendeu serem essenciais.
23) Ora, o R. jamais alegou ter empregue a monitorização dos restantes parâmetros elencados pelo Conselho Médico Legal (GASES DO SANGUE, HEMOGRAMA, DIURESE, BIOQUÍMICA SANGUÍNEA),
24) E nunca alegou nem procurou demonstrar que tal nível de monitorização não era necessária.
25) E, sendo este um facto cuja prova lhe cabia (à luz do disposto no art.º 799º, n.º 1, do CC), forçoso será concluir que não foi levada a cabo, pelo R., a monitorização preconizada pelo Conselho Médico Legal, e bem assim que tal monitorização era necessária.
26) Seja como for, o R. procedeu a transcrições seletivas dos depoimentos, relevando apenas o que lhe interessa, e omitindo partes essenciais.
27) Assim, do depoimento do Prof. Dr. AM (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01-17_10-07-49.mp3, com início em 00:03:48 e fim a 00:28:48, e ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024- 01-17_10-48-11.mp, com início em 00:00:58 e fim em 00:09:28), extrai-se, na realidade, o seguinte:
- O procedimento em causa era invasivo e exigia a transferência da AEF para a UCI, no pós-operatório, para monitorização contínua dos parâmetros vitais cuja alteração pode indiciar hemorragia ativa.
- Num procedimento com as caraterísticas do caso concreto, a falta de disponibilidade de vaga na UCI, para o pós-operatório, deveria ter implicado o respetivo adiamento, tratando-se, como foi o caso, de um procedimento programado, eletivo (e não de urgência);
- A lesão provocou uma hemorragia lenta, de tipo “gota a gota”;
- A monitorização adequada, em contínuo, teria permitido detetar a alteração dos parâmetros vitais originada por uma hemorragia lenta, antes da ocorrência de sinais clínicos próprios de um choque hemorrágico;
- Os serviços do R. apenas detetaram que algo estava mal quando ocorreu a manifestação, exterior, de tais sinais clínicos: alteração do estado de consciência, taquicardia, incontinência de esfíncter e “tensões não mensuráveis” (o que evidencia que as medições estariam a ser feitas à mão!);
- Uma monitorização em contínuo, de todos os parâmetros, teria permitido detetar mais precocemente a hemorragia e evitar o choque hemorrágico que a AEF veio a sofrer (com as consequências conhecidas).
28) E, naturalmente, daqui se conclui que, em sede de “esclarecimentos”, o ilustre Perito justificou e reiterou, de forma cabal, as conclusões a que chegou no parecer, no sentido de que a doente AEF deveria ter sido encaminhada para UCI, onde uma monitorização adequada teria detetado a hemorragia e evitado o choque hemorrágico, e as lesões que sobrevieram (AVC e tetraparésia).
29) Nenhuma imprecisão, dúvida, obscuridade ou deficiência surgiu, no decurso de tal depoimento, que pudesse afetar o valor probatório do parecer.
30) Acresce, ainda, que para além da resposta aos quesitos com as quais os RR. Não concordaram, foi ainda formulado o seguinte quesito: “Tal laceração poderia e deveria ter sido detetada?”
31) A tal quesito, o Conselho Médico Legal respondeu SIM.
32) Pelo que, à luz do disposto no art.º 799º, n.º 1, do CC, se impunha aos RR., perante tal resposta, explicar por que motivo a laceração não foi detetada. Na falta de alegação e prova de causa justificativa para tal falta de deteção, forçoso seria concluir que a mesma se deveu a negligência do R..
33) No que respeita à prova documental, tenta o R. estribar-se no relatório de enfermagem, junto aos autos com a p.i., como documento n.º 11, por dele constar, a págs. 34 - 35, o seguinte: «RECOBRO: Doente consciente e orientada. Estável hemodinamicamente com TA [tensão arterial] bem, eupneica e com saturações periféricas 98%. Penso limpo e seco mantendo aplicação de gelo».
34) Ora, tal excerto apenas permite concluir que, em dado momento, foram medidos aqueles três parâmetros, o que não permite admitir que tais parâmetros fossem monitorizados de forma contínua, ininterruptamente, como o Conselho Médico Legal preconiza que deveria ter ocorrido.
35) O único registo documentado de monitorização EM CONTÍNUO é o que resulta das págs. 1 a 9 do referido relatório de enfermagem, referente à tensão arterial, temperatura corporal, frequência cardíaca e saturação de oxigénio, no período compreendido entre 18.7.2017 e 31.7.2017.
36) Ora, se uma tal monitorização tivesse, de facto, ocorrido no recobro, teria que existir um registo semelhante, referente ao período compreendido entre as 13 e as 15:00 de 6.7.2017.
37) APENAS UM TAL REGISTO PODERIA DEMONSTRAR A ALTERAÇÃO DOS PARÂMETROS EM CAUSA, O MOMENTO EM QUE ESTA OCORREU, E A VELOCIDADE DE ALTERAÇÃO DOS PARÂMETROS E EVOLUÇÃO PARA SITUAÇÃO DE CHOQUE HEMORRÁGICO.
38) Se um tal registo existia, cabia ao R. juntá-lo aos autos, o que não fez. Não se podendo, pois, concluir, que tudo tenha feito para detetar os sinais de uma hemorragia, de forma a evitar a ocorrência de choque hemorrágico.
39) O que resulta, de facto, de págs. 34 do referido resumo de enfermagem, é o seguinte: “Foi contactada a UCI para transferência da doente. Por indisponibilidade da UCI a doente foi para o recobro ficando vigiada por enfermeiro e anestesista, a aguardar vaga. Aproximadamente uma hora depois do primeiro contacto, e por se tratar de uma situação prioritária, em acordo com anestesista e cardiologista foi novamente contactada UCI para transferência.
Por indisponibilidade, a doente manteve-se no recobro. RECOBRO: Doente consciente e orientada. Estável hemodinamicamente com TA [tensão arterial] bem, eupneica e com saturações periféricas 98%. Penso limpo e seco mantendo aplicação de gelo. Cerca das 14 horas, doente com palidez acentuada, prostrada.
Fez episódio de hipotensão marcada com taquicardia sinusal. Neste episódio, com incontinência de esfíncter urinário e com alteração do estado de consciência.”
40) Para qualquer leitor de diligência mediana, o que de tal resumo se retira é o seguinte:
- Apenas após o procedimento foi contactada a UCI.
- É para esta que vão os casos prioritários.
- A UCI não tinha vaga para a AEF.
- A AEF era um caso prioritário e ficou no recobro vigiada por enfermeiro e anestesista, sem qualquer referência a monitorização permanente ou contínua de qualquer parâmetro vital.
- Ao fim de uma hora no recobro, a AEF evidencia sinais clínicos avançados de um choque hemorrágico (hipotensão, incontinência e perda de consciência), SEM REFERÊNCIA A QUALQUER ALARME PRÉVIO DO SISTEMA DE MONITORIZAÇÃO DOS PARÂMETROS VITAIS, OU REGISTO PRÉVIO DA ALTERAÇÃO DESTES.
41) Finalmente, de págs. 28 do diário de internamento junto aos autos como documento n.º 6, com a p.i., constata-se que, após a realização da rafia da artéria (procedimento de urgência após a ativação da equipa de resposta rápida), a AEF foi encaminhada para a UCI, para “vigilância de hemorragia”.
42) De onde se extrai que a UCI era, de facto, o local adequado a esse fim (vigilância de hemorragia).
43) Pelo que a prova documental confirma a conclusão, vertida no parecer do Conselho Médico Legal, de que os parâmetros vitais da AEF não estavam devidamente monitorizados no recobro.
44) No que respeita à monitorização CONTÍNUA dos parâmetros vitais da AEF, no recobro, o R. não cumpriu o disposto no art.º 40º, n.º 1, do Código Deontológico da Ordem dos Médicos.
45) Ora, perante uma imposição legal de redução a escrito de tal monitorização (à semelhança do que sucedeu entre 18.7.2017 e 31.7.2017), não poderia ser produzida prova testemunhal sobre tal matéria, por força do disposto no art.º 364º, n.º 1, do CC.
46) Tal impedimento de produção de prova testemunhal resultava, também, do disposto no art.º 342º do CC: o dever de assegurar a prova documental recaía sobre o R., pelo que tendo este incumprido esse dever, não pode, naturalmente, produzir prova testemunhal sobre tal matéria, sob pena de se caucionar óbvio abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium), e de entendimento diferente esvaziar totalmente de conteúdo aquele dever de documentação.
47) Como se extrai da motivação da decisão sobre a matéria de facto, os vários depoimentos das testemunhas arroladas pelo R. foram analisados, não tendo o Tribunal, à luz dos princípios da imediação e da livre apreciação da prova, concluído que tais depoimentos fossem idóneos para rebater as conclusões do parecer do Conselho Médico Legal.
48) Pelo que o Tribunal recorrido não se limitou a seguir, “cegamente”, o parecer do Conselho Médico Legal, sem atender à restante prova.
49) E, como vimos, o R. transcreveu os depoimentos de testemunhas que dependem financeiramente do R., e duas delas (Dr. SL e Enf.ª CC) tinham um interesse no desfecho da causa, pois, naturalmente, é o seu nome profissional que está em causa: a lesão da artéria, a sua não deteção, e a evolução da hemorragia lenta para choque hemorrágico, ocorreram quando a AEF estava entregue aos seus cuidados.
50) Em momento algum dos respetivos depoimentos, porém, tais testemunhas tentaram, sequer, explicar como foi possível não detetar a hemorragia antes de a AEF entrar em choque hemorrágico.
51) Do depoimento da testemunha Dra. MR (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01-17_14-42-08.mp, com início em 00:07:10 e fim 00:27:09), na parte não transcrita pelo R., resulta que a testemunha nada sabe sobre a monitorização levada a cabo, no recobro, e que, contrariamente ao pretendido pelo R., recobro e UCI são unidades com caraterísticas diferentes, sendo esta última caraterizada por um nível de vigilância MAIOR.
52) Do depoimento do Dr. JPA (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01-17_15-23-40.mp3, com início em 00:03:45 e fim em 00:47:20), na parte não transcrita pelo R., resulta, afinal, que:
- A testemunha não sabe, em concreto, qual o nível da monitorização da AEF no recobro.
-Tratava-se, de antemão, de um caso de altíssimo risco que impunha a transferência da AEF para a UCI no pós-operatório.
- A monitorização serve para detetar e prevenir alterações dos parâmetros vitais associados a complicações como é o caso de uma hemorragia.
- Quando a testemunha interveio, para realizar a rafia da artéria, a situação clínica da AEF era “muito crítica”.
53) Do depoimento do Dr. SL, e que o R. não transcreveu (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01-19_09-21-02.mp3, com início em 00:12:55 e fim em 01:05:09), resulta, em primeiro lugar, que a testemunha não se encontrava no recobro, pelo que não poderia saber se a doente estava a ser monitorizada, em contínuo, pela medição, através de sensores e monitores, nos seus parâmetros vitais.
54) Aliás, de tal excerto, retira-se a conclusão de que a “monitorização” era, afinal, a “olho”, feita por enfermeira que se encontrava à cabeceira da doente.
55) Por outro lado, decorre do depoimento que nenhum aparelho emitiu qualquer alerta: a doente entrou em colapso (choque, falência do aparelho cardiovascular; perda de consciência), e “ALGUÉM GRITOU” (!).
56) Do depoimento resulta, ainda, que, no caso concreto, era suposto a doente ter ido para UCI, no pós-operatório.
57) De resto, a testemunha admitiu que tal estava previsto PORQUE a situação da doente era “muito complexa”.
58) E também resulta, de tal depoimento, que a ter existido monitorização contínua dos parâmetros vitais da doente, esta teria que constar de registos informáticos que a testemunha nunca viu.
59) Finalmente, a testemunha concluiu o seu depoimento admitindo que o objetivo da monitorização é precisamente o de detetar situações de instabilidade hemodinâmica (hemorragia, entenda-se).
60) Na parte em que equipara as condições de monitorização do recobro às da UCI, o depoimento não merece credibilidade porque tal contraria a “complexidade” do caso da AEF e o consequente caráter prioritário da sua transferência para a UCI, no pós-operatório, admitidos pela testemunha.
61) Tal contradição pode encontrar explicação no facto de esta testemunha ter interesse no desfecho dos autos porquanto a hemorragia foi causada e não detetada quando a doente estava ao seu cuidado.
62) Tal depoimento entra, também, em contradição com o da testemunha CC (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01- 19_10-28-09.mp3, com início em 00:07:04 e fim em 00:11:16): aquele referiu, expressamente, a existência de um monitor com todos os parâmetros, e esta afirmou, claramente, que a monitorização dos parâmetros era feita através de vários monitores, um para cada parâmetro!
63) No seu depoimento, a testemunha CC (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01-19_10-28-09.mp3, com início em 00:34:59 e fim em 00:35:59) afirmou que não era possível, à data, efetuar o registo de monitorização de tensões arteriais, o que é falso, pois, a págs. 1 e 2 do documento n.º 11, junto com a p.i. (resumo de enfermagem), consta precisamente tal registo, mas para o período compreendido entre 18.7.17 e 31.7.2017.
64) Mas tal testemunha confirmou o facto de que, a ter existido a monitorização, a mesma teria que constar do registo de enfermagem.
65) Por outro lado, no excerto transcrito pelo R., a testemunha alude à verificação do penso, feita por si, não tendo a mesma notado qualquer circunstância anormal.
66) Ora, a págs. 28 do diário de internamento, junto aos autos como documento n.º 6 com a p.i., resulta que AEF apresentava equimose inguinal direita, às 13:44, à chegada da equipa de resposta rápida ao recobro.
67) Tal facto foi confirmado pela testemunha Dr. JN.
68) De onde se conclui, com alguma segurança, que esta enfermeira não detetou aquele claro sinal de hemorragia arterial ativa no território ilíaco.
69) De resto, nenhuma referência é feita, por esta testemunha, a qualquer sinal de alarme prévio dado pela suposta monitorização.
70) Naturalmente, nenhuma explicação foi dada (nem solicitada) sobre como foi possível a AEF entrar num estado de choque hemorrágico, com incontinência e perda de consciência, sem que tal tenha sido precedido de qualquer sinal ou alerta por parte da monitorização.
71) A testemunha Dr. JN, coordenador da UCI à data dos factos (por referência ao ficheiro Diligencia_18584-18.5T8LSB_2024-01-19_11-07-19.mp3, com início em 00:07:34), não se encontrava no recobro no período que antecedeu a ativação da equipa de resposta rápida, pelo que, naturalmente, a testemunha NÃO PODERIA SABER, em concreto, qual a monitorização empregue nesse período.
72) De resto, de tal depoimento também não se extrai qualquer alusão ao motivo pelo qual não existiu vaga na UCI, apesar de ter sido previamente solicitada.
73) Finalmente, a testemunha tentou relativizar a importância de não existir vaga na UCI, afirmando que o caso da AEF era “intermédio”, e não “intensivo” ou “crítico”, não exigindo a necessidade de cuidados na UCI diferentes dos que existiam no recobro.
74) O que contraria, naturalmente, o depoimento do Dr. JPA (quando afirmou: [00:47:20] o procedimento da D. AEF foi um procedimento feito em combinação com a cardiologia, com os cuidados intensivos, com a medicina interna e sabia-se, de antemão, que era um doente de altíssimo risco e que tinha que ir para a Unidade de Cuidados Intensivos), e contraria, também, o teor do próprio documento n.º 16, junto com a p.i., assinado pelos Drs. JPA, EC e JP, no sentido de que o caso apresentava um “risco de AVC e morte extremamente elevado”, tratando-se um “caso raro, de prognóstico reservado.”
75) Ora, de tal depoimento extrai-se, em qualquer caso, que um caso crítico, como era
o da AEF, teria beneficiado de meios de monitorização que não existiam no recobro, e, também, que, caso os meios de monitorização no recobro estivessem, de facto, a ser empregues, teriam emitido alertas sonoros (aos quais nenhuma referência existe), e existiriam registos documentais dos mesmos (que, como vimos, não há).
76) Finalmente, e à imagem dos restantes, deste depoimento não consta qualquer explicação sobre o motivo pelo qual não foi detetada a hemorragia, se, como o R. pretende, existia monitorização.
77) No que respeita à alegada violação do disposto no art.º 346º, do CC, é manifesto que não assiste razão ao R..
78) Sobre o R. recaía o ónus da prova de que agiu sem culpa, à luz do disposto no art.º 799º, n.º 1, do CC, demonstrando, cabalmente, que a monitorização era a adequada, pelo que, como é evidente, sendo o R. onerado com tal prova, não lhe bastava lançar a dúvida sobre os factos 53º a 55º (que, em qualquer caso, não lançou…).
79) O Tribunal recorrido acompanhou o entendimento dos AA. num ponto: a falta de encaminhamento da doente para a UCI onde estaria adequadamente monitorizada constituiu uma falha grave, com consequências ainda piores.
80) Ao considerar que a falta de explicação, pelo R., para a falta de vaga na UCI, acarreta, por si só, a conclusão de que o R. agiu com negligência, o Tribunal limitou-se interpretar corretamente o disposto no art.º 799º, n.º 1, do CC: CABIA AO R. DEMONSTRAR QUE TAL FALHA NÃO DECORREU DE CULPA SUA.
81) É evidente, da fundamentação de direito constante da sentença recorrida, que a ilicitude da conduta do R. radica na lesão da integridade física da doente (direito protegido pelo art.º 70º do CC) por omissão do dever contratual de empregar os cuidados necessários a evitar tal lesão.
82) E, contrariamente ao que o R. pretende, foi produzida prova pericial no sentido de que “numa intervenção invasiva e vascular, é essencial monitorizar EM CONTÍNUO os parâmetros vitais: TA, ritmo cardíaco, temperatura, estado de consciência, perfil dos pulsos periféricos – nomeadamente nos segmentos percorridos pela bainha vascular – GASES DO SANGUE, HEMOGRAMA, DIURESE, BIOQUÍMICA SANGUÍNEA.”
83) Como vimos, nenhuma prova foi produzida no sentido de que tal monitorização tenha existido.
84) No que respeita ao nexo de causalidade, o R. não impugnou os factos 36º e 67º dados como provados.
85) E, quanto ao nexo causal, no parecer do Conselho Médico Legal, ao quesito “verifica-se nexo de causalidade entre o procedimento cirúrgico realizado em 06.07.2017, o dano de hemorragia arterial em local de abordagem, o inadequado acompanhamento pós-operatório, a lesão isquémica cerebral aguda e as sequelas de tetraparésia?”, a resposta foi “SIM.”
86) Sobre esta matéria, a fundamentação ínsita na douta sentença recorrida é a seguinte:
O R. falhou gravemente quando após o procedimento deixa uma doente como a A., com
o seu estado de saúde e perante o acto médico que foi sujeita, no recobro ao invés de a conduzir de imediato para a UCI. Ao agir assim atuou com negligência e a mesma conduziu a que a A. sofresse um AVC, perdesse a sua independência física, motora e consciência, e se tornasse gradualmente num estado vegetativo e com deterioração da sua saúde a ponto de ter vindo a falecer posteriormente. (…) Também se afigurou claro que o AVC sofrido não foi consequência da doença de Takayasu, apesar de a A. ter tido um AVC antes, este derivou da hemorragia, assim resultou claro do relatório pericial e parece também resultar do depoimento de JPA que atesta que o choque hipovolémico conduz ao AVC e este por sua vez a uma falência múltipla do cérebro e consequentemente numa falência até à morte. Ficou pois claro da prova produzida (ninguém tentou sustentar o contrário) que o AVC sofrido umas horas depois do procedimento foi consequência da hemorragia e do choque em que a A. AEF entrou em virtude dessa perda de sangue, o que se deu por provado em 36 dos factos provados (aliás confirmado por fls. 105).
87) De facto, sobre esta matéria, a testemunha JPA foi categórica: [00:38:19] Mandatária da Ré (Dra. AV): Exatamente. A D. AEF – posso-lhe dizer que está aqui como facto assente – faleceu no dia 15/02/2021. O senhor doutor consegue traçar aqui alguma relação de causalidade entre aquilo que se passou no Hospital, todo este processo que o senhor doutor acompanhou e o falecimento – isto foi em 2017 – da D. AEF, em 2021?
[00:38:53] JPA: Senhora doutora, acho que a situação é exatamente a situação habitual nestes casos, ou seja, a doente tem uma falência múltipla do seu cérebro, com acidentes vasculares cerebrais, entra numa situação de dependência de terceiros muito marcante e depois, a partir daí, é a possibilidade de complicações, desde complicações respiratórias, complicações urinárias. Portanto, de facto entra numa situação que será aquilo que nós poderemos designar de cuidados paliativos, mais coisa menos coisa. E há de ter o seu desfecho.
88) Em face do que antecede, nenhuma dúvida pode subsistir quanto à existência de nexo causal entre o facto ilícito (omissão de envio da doente para a UCI e monitorização adequada a prevenir choque hemorrágico) e os danos (AVC, tetraparésia e morte) sofridos pela AEF.
89) Em qualquer caso, à cautela, e face à prova elencada, nos termos do disposto no art.º 636º, n.º 2, do CPC, para eventualidade de se vir a considerar como insuficiente a matéria de facto provada, nos pontos 36º, 55º e 67º da matéria assente, para estabelecer o nexo de causalidade (o que não se concede), sempre se deverá considerar como provado o seguinte facto: “Como resultado do inadequado acompanhamento pós-operatório, AEF sofreu lesão isquémica cerebral aguda e a sequela de tetraparésia.”
Termos em que deve ser negado provimento aos recursos interpostos pelos RR.

19-A ré Hospital contra-alegou à ampliação do âmbito do recurso apresentados pelos autores, defendendo:
i)- A rejeição liminar da ampliação do objeto do recurso requerida pelos Recorridos, por inadmissibilidade legal;
subsidiariamente,
(ii) negar provimento à ampliação do objeto do recurso requerida pelos Recorridos, com todas as consequências legais.

20- Também a interveniente Seguradora respondeu à ampliação do âmbito do recurso interposto pelos autores, pugnando por:
(i) rejeição liminar da ampliação do objecto do recurso requerida pelos Autores/Recorridos, por estarmos perante uma mera conclusão, e/ou por violação do disposto no n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil e/ou por violação do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil
ou, caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se pondera,
(ii) julgando a mesma improcedente em face da prova produzida nos autos.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- Da Impugnação da Matéria de Facto pela ré e interveniente principal;
b)- Da Revogação da Sentença:
i)- A pedido dos autores com modificação das quantias indemnizatórias;
ii)- A pedido das rés, com absolvição dos pedidos.
c)- Da Admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso.

***

2- Matéria de Facto.

É a seguinte a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto:

- Factos Provados:
1. AEF foi submetida a angioplastia carotídea e observou-se a colocação bem-sucedida do stent e verificou-se boa perfusão no local da intervenção.
2. AEF, em 6 de Julho de 2017, já padecia de incapacidade parcial permanente de 72% fruto de cancro de mama e estava reformada por invalidez.
3. AEF assinou a declaração de consentimento informado para a realização de angioplastia carotídea esquerda com implantação de stent, bem como da artéria esquerda e subclávia esquerda.
4. Após o procedimento endovascular, AEF foi transferida para o recobro por não haver vaga imediata nos cuidados intensivos.
5. AEF sofreu laceração da artéria ilíaca esquerda durante a angioplastia carotídea a que foi submetida que terá provocado “o hematoma volumoso na cavidade pélvica com localização retroperitoneal também extraperitoneal perivesical com extensão ao espaço de Retzius”.
6. AEF foi submetida a uma rafia da artéria ilíaca esquerda externa da 1 A., por via retroperitoneal.
7. AEF faleceu a 15.2.2021.
 A Ré celebrou com a Companhia de Seguros, S.A., um contrato designado por contrato de seguro de responsabilidade civil, com o número da Apólice RC63…, por efeito do qual se previu que o seguro garante até ao limite do valor seguro constante das condições particulares, o pagamento de indemnizações que sejam legalmente devidas pelo Segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesão corporal decorrentes de lesões corporais e ou materiais causados a terceiros em consequência de actos ou omissões do segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários no exercício da sua actividade ou na qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares da apólice (artigo 3 das Condições Gerais);
8. O contrato de seguro referido em g) prevê: a) como limite máximo de indemnização, por sinistro e anuidade, a quantia de €5.000.000,00; e b) como franquia, no âmbito da responsabilidade civil profissional, a quantia de €6.000,00, tudo conforme pontos 9. E 10. das Condições Particulares.
9. O contrato de seguro celebrado entre a Ré Hospital e a ora Interveniente consagra no
art.º 6.º das Condições Gerais (vd. pág. 03/13 do doc. 1 ora junto); no art.º 3.º da Condição
Especial “001 – Clínica / Estabelecimento de Saúde / Centro de Fisioterapia” (vd. págs.
07/13 e 08/13 do doc. 1 ora junto); e no ponto 6. das Condições Particulares (vd. doc. 2
ora junto), causas de exclusão do ressarcimento dos danos reclamados.
10. Como decorre de tais cláusulas de exclusão, em caso de sinistro coberto nunca são garantidos os danos “… decorrentes de actos ou omissões dolosos do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável…” e/ou causados por “Violação dolosa dos deveres profissionais e deontológicos aplicáveis na actividade profissional segura ou das normas que regulam o exercício da mesma“ (cfr. art.º 3.º, n.º 1, al. l) da Condição Especial “001 – Clínica / Estabelecimento de Saúde / Centro de Fisioterapia”.
11. Encontram excluídos do âmbito de cobertura do contrato de seguro os danos “Indirectos de qualquer natureza, ou seja, os danos que não sejam consequência imediata e directa do acto ou omissão do Segurado.”, conforme decorre da alínea t) do art.º 6º, n.º 1 das Condições Gerais.
12. Resulta do disposto no ponto 6.1, alínea a) das Condições Particulares que o contrato de seguro não cobre a responsabilidade pela prática de actos para os quais o Segurado, seus colaboradores, ajudantes e empregados, não possuam a devida habilitação legal ou regulamentar relativa ao exercício da actividade, ou estejam expressamente proibidos por lei;
13. A doença de que a 1ª Autora padecia — a doença (arterite) de Takayasu — é uma vasculite crónica e estenosante, de causa desconhecida, que afeta sobretudo a artéria aorta e os seus ramos principais.
14. É uma doença rara, com especial incidência no sudeste asiático, na América Latina e no continente africano;
15. O caso da 1ª Autora era particularmente raro, pois a doença atingia as duas carótidas primitivas e já tinha alastrado a todas as artérias do arco aórtico, a saber, às subclávias e vertebrais, sendo, pois, uma doença de toda a aorta.
16. O que sugere que a 1ª Autora já devia sofrer dessa enfermidade há muito tempo, sugestão reforçada pelo facto de ter sido submetida a um bypass coronário em 2007, por
ter um cavernoma calcificado subcortical profundo conhecido há anos e, ainda, pelas queixas de dores nos membros superiores que a 1ª Autora manifestava, sobretudo quando tinha de levantar os braços;
17. Não se colocava qualquer alternativa entre realizar uma endarterectomia carotídea ou urna angioplastia da bifurcação carotídea;
18. Dado tratar-se de uma doença do arco aórtico, com envolvimento de todos os vasos que dele saem para irrigar o cérebro, o que se equacionou, e foi explicado mais do que uma vez aos Autores, foi a alternativa entre (i) a realização de um bypass (shunt) cirúrgico
entre a aorta ascendente e a bifurcação carotídea — o que implicava a abertura do tórax para realização de um bypass coronário, numa doente já com uma prévia cirurgia desta zona, com múltiplos AVCs recentes e como uma “reserva cerebral” diminuta — e (ii) a colocação de um stent na carótida primitiva de risco mais diminuto;
19. Por outro lado, importa sublinhar que, em decorrência da raridade da doença de Takayasu, não existem guidelines ou diretrizes uniformizadas específicas para o respetivo tratamento;
20. Posto isto, a angioplastia carotídea com colocação de stent, a que a 1ª Autora foi submetida no hospital gerido pela Ré, não só é uma das técnicas possíveis de tratamento
da doença de Takayasu, como regista resultados positivos;
21. A opção de cirurgia foi posta de parte por se ter revelado, através dos exames complementares de diagnóstico, incompatível com o quadro clínico da 1ª Autora, do qual
resultava que a cirurgia acarretaria um elevado risco de morte;
22. Na reunião multidisciplinar que teve lugar no dia 20 de junho de 2017, ficou «decidido que para além da terapêutica médica (corticoterapia) já instituída, a doente tem indicação para terapêutica cirúrgica», decidindo-se, ainda, «solicitar Doppler transcraniano»;
23. O cirurgião vascular presente nessa reunião explicou que a 1ª Autora «tem indicação
cirórgica dado neste momento só viver praticamente à custa de uma carótida e da artéria
vertebral esquerdas que estão estenosadas» e que «o eixo direito está estenosado mas não parece nos vários exames realizados ocluído», mencionando, porém, a realização de exames complementares para melhor avaliar a situação da doente;
24. Realizados, em 21 de junho de 2017, o eco-doppler carotídeo vertebral e o doppler transcraniano (que revelavam, designadamente, «estenoses hemodinamicamente significativas em ambas as Artérias Carótidas Primitivas»), o Dr. JPA destacou que as artérias tinham «tini espessamento parietal muito significativo» e que «este facto aumenta consideravelinente o risco de cirurgia aberta pelo que a nosso ver deve manter corticoterapia mais uma ou duas semanas e equacionar-se eventualmente outro tipo de abordagem»;
25. Observados os resultados dos exames complementares solicitados, em nova reunião
multidisciplinar, ocorrida no dia 27 de junho de 2017, fica então «decidido realizar inicialmente abordagem endovascular ao nível da carótida esquerda e eventualmente também na vertebral esquerda»;
26. Justificando essa decisão de «iniciar o procedimento por angioplastia stent da carótida
primitiva esquerda», o Dr. JPA esclareceu que a mudança de atitude em relação à opção cirúrgica se devia «ao facto de haver uma infiltração inflamatória ainda muito grande do eixo direito visível nos diversos ecodopplers»;
27. Mais referiu, no mesmo relato, falar sobre o procedimento «com a doente e com a família»;
28. Tendo a 1ª Autora dado o seu consentimento informado à realização da angioplastia carotídea esquerda com implantação de stent, bem como da artéria vertebral esquerda e subclávia esquerda;
29. A opção pela angioplastia carotídea com colocação de stent foi, pois, plenamente justificada;
30. Inexistiam sinais visíveis a olho nu da laceração da artéria ilíaca esquerda que sucedeu durante a angioplastia carotídea;
31. O procedimento efetuado (angioplastia carotídea) foi o meio de tratamento mais adequado para a situação da A. AEF, por oposição à cirurgia;
32. Não existiu durante o procedimento evidência de qualquer violação da legis artis;
33. A hemorragia que a A. AEF sofreu foi interna pelo que não era visível só podendo ser detetada pela alteração dos parâmetros dos sinais vitais feita por via de monotorização;
34. Atenta o procedimento realizado e a situação clínica da doente AEF esta devia ter seguido para a UCI na sequência do procedimento, o que estava agendado e o agendamento do procedimento foi marcado em coordenação com a medicina interna, cardiologia e UCI;
35. A A. AEF sofria de hipotensão;
36. Cerca de seis horas depois da realização do procedimento a A. AEF sofreu uma hemorragia interna a qual originou um AVC, deixando-a na total dependência de terceiros, e o consequente deterioramento da função cerebral, do qual nunca recuperou e foi-se deteriorando até à sua morte;
37. A angioplastia carotídea foi realizada pelo Dr. JP, tendo o Dr. SL estado presente como médico assistente;
38. Não existe tratamento para a vasculite;
39. Antes do procedimento todos os exames complementares foram efetuados à A. AEF e nada mais podia ter sido efetuado antes do mesmo;
40. Na sequência de um AVC a A. AEF foi internada no Hospital ora R. em 10/6/2017 onde permaneceu internada até ao procedimento em angioplastia realizado em 6/7/2017;
41. O procedimento foi realizado na sala de hemodinâmica e terminou pelas 12h50, altura
em que foi retirado o introdutor;
42. Continuou na sala de hemodinâmica onde depois foi feita compressão manual durante 30 minutos, estando na altura a A. AEF consciente e orientada ao acordar e foi-lhe explicado pela enfermeira os cuidados a ter;
43. Por indisponibilidade da UCI foi levada para o recobro, pelas 13h20m onde ficou a aguardar vaga na UCI;
44. Foi feita novo contacto para a UCI mas por indisponibilidade continuou a aguardar no recobro;
45. Na sala do recobro estavam a médica anestesista e a enfermeira que estiveram no procedimento CC, não estando nenhum doente nesse momento no recobro senão a A. AEF;
46. No recobro a A. AEF ainda trocou umas palavras com a sua médica internista MR, a qual assistiu a todo o procedimento apesar de não ter tido participação no mesmo, sendo que a A. estava consciente e tranquila;
47. Na sala ao lado do recobro (a sala da hemodinâmica) estava o médico assistente do procedimento, Dr. SL, a efetuar o relatório do procedimento;
48. Pelas 13h44 foi detetado que a A. tinha palidez acentuada, prostação e hipotensão pelo que foi chamada a equipa de resposta rápida (composta por um médico e um enfermeiro da UCI) nesse mesmo minuto tendo esta chegado às 13h46;
49. Foram feitas pela equipa de resposta rápida entubação orotraqueal, e suporte de vida,
realizadas e administrados o que consta de fls 65 dos autos, e realizado de imediato TAC
com vista a apurar a causa do choque;
50. Pelas 15h foi feita transfusão de sangue;
51. Foi então a A. AEF levada ao bloco operatório de urgência, pelas 15:15h e já depois do TAC efetuado, onde foi efetuada uma rafia das zonas sangrantes, descrita pelas 16h33m como tendo sido estancada a hemorragia;
52. As 17h08 foi conduzida para a UCI;
Ponto 53 – Por falta de disponibilidade imediata na UCI a 1ª A ficou provisoriamente na sala de recobro * (alterado em consequência da impugnação da matéria de facto)
Ponto 54 – A A. AEF estava monitorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda de sinais vitais que indicassem uma hemorragia; * (alterado em consequência da impugnação da matéria de facto)
Ponto 54-A - Na sala de recobro estavam disponíveis todos os meios de intervenção que existem na UCI. * (alterado em consequência da impugnação da matéria de facto)
Ponto 55- (prejudicado face aos dois pontos anteriores);
56. A A. AEF trabalhava como sub-gerente da Caixa Geral de Depósitos, com horário entre as 8:30 e 18:30 estando aposentada por invalidez desde 22/1/2017;
57. Era uma mulher autónoma que acompanhava o marido e os dois filhos;
58. Antes do procedimento estava consciente e orientada com controlo motor sobre os seus membros apesar de estar internada na sequência de um AVC;
59. A A. AEF auferia uma pensão de invalidez de 1.915,69 €, o que equivale, pois, a 26.819,66 € anuais;
60. Após o AVC a A. AEF ficou incapacitada para desempenhar qualquer profissão, ficou totalmente dependente de terceiros para cuidados de higiene, alimentação, toma de medicamentos, carecendo, e ficou até ao fim da vida a necessitar de assistência em instituição especializada de cuidados continuados;
61. Manteve durante algum tempo alguma consciência tendo tentado sair do hospital onde
se encontrava entubada e soltar-se;
62. Deixou de conseguir comunicar, mas chorava, reagia a estímulos, mas não falava, tendo ficado num estado vegetativo progressivo até deixar de reagir;
63. Ficou sujeita a alimentação entérica, algaliada, evacuando em fralda, carecendo de ser despida e limpa por enfermeiros, e incapaz de se mover e de comunicar de forma articulada com terceiros.
64. Desde a angioplastia o 2º A. viu-se totalmente absorvido pela assistência à 1ª A., visitando-a diariamente, vivendo destroçado pelo estado em que esta se encontra e na angústia permanente de que o seu estado de saúde poder evoluir negativamente, para além de sentir enorme revolta e impotência;
65. Os filhos da A. AEF eram à data do sucedido menores de idade;
66. Todos os AA careceram de apoio psicológico que foi prestado pelo serviço de psicologia da unidade de cuidados integrados …;
67. O óbito da A. AEF decorreu de intercorrências infeciosas e de um paulatino agravamento do estado clínico durante o internamento em concorrência com a evolução da doença de Takayasu;
68. À data da angioplastia a A. AEF tinha 50 anos de idade.

***
- Factos Não provados
1. A Ré optou por submeter a 1ª A. a um procedimento com elevado risco de AVC, quando dispunha de opção com resultado equivalente mas com risco de AVC muito inferior;
2. Acresce que em momento algum a Ré informou a 1ª A., ou o 2º A., de que o procedimento adotado era transitório.
3. Em nenhuma altura a Ré informou os AA. e muito menos justificou perante estes que fora inicialmente prevista cirurgia como primeira opção e bem assim que esta acarretava
risco de agravamento da situação da 1ª A..
4. E muito menos explicou a Ré aos AA. por que motivo não optou por tal cirurgia definitiva quando, nas suas próprias palavras, a angioplastia carotídea era transitória e, também, de risco elevado.
5. A intervenção carotídea terá sido realizada pelo Dr. SL sendo, à data dos factos, formando em cardiologia de intervenção;
6. Foi um médico sem formação concluída que realizou um procedimento complexo que a Ré identificou como de risco elevado, sendo que de tal procedimento resultaram lesões
que passaram despercebidas ao médico operador;
7. A laceração da artéria decorreu de deficiente manuseamento do equipamento pelo médico operador, passando despercebida a este;
8. A R. devia ter adiado o procedimento para realização dos exames complementares de diagnóstico e determinação do tratamento adequado a atenuar os efeitos da vasculite;
9. Os médicos não se aperceberam da laceração e hemorragia durante o procedimento nem quando a A. foi enviada para o recobro quando o deviam ter feito;
10. A perda de mais de 20% de sangue da A. não podia deixar de ser percetível pela observação do penso que teria ficado ensopado de sangue;
11. Entre a paragem cardio respiratória e o envio da A. “de urgência para o bloco” decorreram não menos do que 75 minutos;
12. Durante duas horas e 15 minutos os órgãos da A. estiveram sem irrigação adequada;
13. * (eliminado em consequência da impugnação da matéria de facto)
14. * (alterado em consequência da impugnação da matéria de facto, passando a ponto 54-A dos factos provados.)
15. A A. AEF aposentou-se com o objetivo de manter atividade profissional, por via da
exploração de um infantário;
16. Nos momentos que antecederam a operação de urgência para rafia da artéria, a A. sentiu dores fortes e bem assim experimentou a sensação da vida a escapar, antes de perder a consciência, tendo, por tal motivo, sentido justificado medo de morrer;
17. Tal sentimento de pânico de morrer manteve-se nos dias, semanas e meses que se seguiram a tal acontecimento, sendo vários os episódios de agitação durante os quais a A.
chegou a desentubar-se da sonda de alimentação.


3- As Questões Enunciadas.

3.1- Impugnação da Matéria de Facto pela ré e interveniente principal.

A ré, hospital,  e a interveniente principal, seguradora, impugnam parcialmente a decisão sobre a matéria de facto, concretamente no que respeita aos pontos 53, 54, e 55 dos factos provados e, 13 e 14 dos factos não provados, pretendendo que se considerem provados os pontos 13 e 14 e, não provados os pontos 53, 54 e eliminando-se a matéria do ponto 55, porque prejudicada.
Invocam, em síntese, que a decisão da 1ª instância, quanto àqueles factos, baseia-se única e exclusivamente no Parecer do Concelho Médico-Legal INMLCF o qual, em rigor, nunca se pronunciou sobre as condições de monotorização a que a autora foi sujeita na sala de recobro e, nos esclarecimentos prestados, em audiência, pelo Relator do Parecer do Concelho Médico-Legal, este reconheceu desconhecer qual a monotorização a que a autora foi submetida no recobro. Assim, a decisão da 1ª instância sobre aqueles pontos de facto não podia basear-se naquele parecer pericial. Pelo contrário, resulta do Resumo de Enfermagem que a autora estava monitorizada na sala de recobro e que os sinais vitais estavam normais. Além desse documento, as testemunhas confirmaram que as condições da sala de recobro são idênticas às da UCI: Dra MR; Dr. JPA, que acrescentou que quer na UCI quer no recobro a resultado (para a autora AEF) seria o mesmo; Dr. SL que disse que cada cama no recobro tem os mesmos monitores que os monitores da sala da UCI; que o trajecto normal é o doente ir para a UCI podendo ou não passar pelo recobro, mas no imediato, os doentes podem ficar alguns minutos no recobro até que a UCI dê ordem de descer; nunca houve falta de vaga na UCI, esta é que não poude receber a doente de imediato. Enfª CC disse que na sala de recobro a paciente ficou monitorizada com traçado electrocerdiográfico, monotorização hemodinâmica, frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigénio e tensões arteriais sistólica e diastólica; vigiam o local da punção, vigilência do penso, aplicação de gelo, monitorização dos membros, perfusão e mobilização. Dr. JN, disse que no recobro existe um monitor cardíaco, que mede o ritmo cardíaco, a saturação do oxigénio e a pressão arterial; a doente saiu estável do procedimento endovascular e por isso a sua ida para a UCI não era prioritária. Que o equipamento de monotorização do recobro é o mesmo que na UCI.
Vejamos então se há fundamento para proceder às alterações dos pontos de facto 53, 54 e 55 dos factos provados e, 13 e 14 dos factos não provados.
Pois bem, antes de mais, recordemos a letra desses pontos de facto:
53. Ora, por falta de disponibilidade da UCI, onde são assegurados tais cuidados, a 1ª A. ficou na sala de recobro sem monitorização adequada a prevenir ou identificar os sintomas de uma hemorragia grave e sem o acompanhamento médico necessário a assegurar reação a tal ocorrência em tempo útil;
54. A A. AEF não estava monotorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda dos sinais vitais que indiciassem uma hemorragia;
55. Caso a A. AEF estivesse devidamente monitorizada, em termos de frequência cardíaca, respiração, temperatura e tensão arterial, na hora que se seguiu à laceração da artéria, teria sido possível à Ré identificar a ocorrência de uma hemorragia, na medida em que um tal quadro clínico implica alteração daquelas funções vitais;
(…)
13. Enquanto a A. AEF esteve no recobro os seus sinais vitais nunca deixaram de ser monitorizados e nunca deixou de receber os cuidados necessários com constante vigilância;
14. Acresce que, na sala de recobro, estavam disponíveis todos os meios de intervenção que existem na UCI: fármacos de emergência, ventilador, etc.

A 1ª instância fundamentou a sua decisão sobre os pontos 53, 54 e 55, escrevendo, em síntese;
O relatório pericial tem uma força probatória muito forte e apesar de não fazer prova plena apenas pode ser ilidido o que do mesmo resulta com prova com uma valoração probatória análoga ou superior. Importa considerar que o relatório pericial foi subscrito por um médico relator mas foi aprovado por unanimidade pelo conselho médico legal composto por quarenta médicos. E assim o que resultou claro do relatório pericial foram, desde logo, alguns aspetos cruciais que o perito AM confirmou:
a)…
b) Não existiu durante o procedimento qualquer violação da legis artis, (pelo) que seja demonstrada pelos elementos clínicos que analisou;
c) A hemorragia que a A. AEF sofreu foi interna pelo que não era visível só podendo ser detetada pela alteração dos parâmetros dos sinais vitais feita por via de monotorização;
d) Atenta o procedimento realizado e a situação clínica da doente AEF esta devia ter seguido para a UCI na sequência do procedimento.
(…)
…afirma Dr. SL e JPA) e efetivamente como refere este último a marcação do procedimento foi toda coordenada entre a medicina interna, a cardiologia e a UCI. Havia vaga reservada para a A. na UCI e refere o Dr. JPA que ela era uma doente de alto risco que se sabia de antemão que tinha de ir para os cuidados intensivos.
…A laceração da artéria foi uma decorrência do procedimento, como todos explicaram. A questão é que a mesma era inevitável, mas o risco de hemorragia é sempre algo que existe. A laceração não decorreu de qualquer deficiente manuseamento de equipamento ou negligencia por não ser detetada. Nisso a perícia é clara…
(…)
A grande questão dos autos residiu num único ponto. O recobro, e que equipamentos e meios tinha. Diga-se desde, já que a prova foi inequívoca pois ninguém afirmou o oposto dos médicos que depuseram em juízo. Só a perícia afirma algo ligeiramente distinto.
(…)
A prova pericial é absolutamente clara neste tocante: a hemorragia podia ter sido detetada a tempo com reversão da situação se a A. AEF tivesse sido levada para a UCI. Note-se que a força pericial do relatório medico legal não resulta unicamente da força probatória de uma perícia médica feita por uma perícia colegial usual. Esta perícia foi feita pelo conselho médico legal composto por 40 médicos que o aprovaram por unanimidade.
O peso que decorre desta conclusão alcançada é, salvo o devido respeito por todos os outros médicos que possam depor em tribunal em sentido contrário, esmagadora. Podia até a R., caso a lei o permitisse, trazer cem médicos a afirmar o contrário. Mas quando um conselho médico legal aponta falhas nos médicos ou serviços hospitalares é porque indubitavelmente estas existem.
Há, porém, algo a ter em conta nestes autos. Por incúria ou vontade deliberada da R., esta nunca colocou à perícia médico legal a questão que coloca nos articulados e da qual tentou fazer prova: no sentido de o recobro oferecer os mesmos meios de monotorização e acompanhamento médico que a UCI. Era crucial que o tivesse feito. O conselho médico legal não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI porque a R. não entendeu que era essencial que analisasse um e outro para que a conclusão da perícia fosse diferente. Depois em julgamento tenta demonstrar o que nunca pediu aos peritos para fazer.
Tal coloca um problema probatório elevado. Se é certo que a A. devia ter sido conduzida logo para a UCI (pois a própria R. admite que assim era, já que o procedimento foi marcado com esse pressuposto e não foi para a UCI logo após o procedimento por indisponibilidade desta) a verdade é que em concreto a perícia não sabe que elementos de monotorização existem na UCI e no recobro do Hospital. Mas não sabe porque a R. fez questão que não soubesse. Deliberada ou indeliberadamente a perícia não versa sobre o recobro concreto e os meios que existem na UCI e recobro do Hospital mas apenas sobre os meios gerais que existem num recobro e numa UCI. Quarenta médicos entendem, por unanimidade, que não é a mesma coisa, que a monotorização não é igual, e que se a A. AEF tivesse sido conduzida para a UCI tinha sido feita uma monotorização que o recobro não permitiu fazer. Ora, se efetivamente o recobro oferecia a nível de monotorização os mesmos cuidados que a UCI tal era matéria que deveria constar da perícia e que a R. entendeu não o fazer ao não formular esse quesito. E como tal o tribunal entendeu que não são a mesma coisa, UCI e recobro oferecem cuidados diferenciados, ambos transitórios posto que ninguém é suposto ficar na UCI internado, mas apenas sob vigilância apertada.
Não se duvida que haja monotorização mas cabia à R. provar sem a menor margem de dúvida duas coisas: 1. que essa monitorização era igual com exatamente todos os mesmos aparelhos num sitio e no outro, e que 2) a indisponibilidade de vaga, de receber a A. nesse exato momento em que acaba o procedimento não derivou de negligencia sua.
(…)
Se recobro e UCI no Hospital acautelam exatamente a mesma monotorização porque motivo a R. não quis que tal fosse avaliado pela perícia?
(…)
De um modo geral os peritos são claros: recobro não permite a mesma vigilância que a UCI. Se no caso da R. os equipamentos existentes são absolutamente iguais estranha-se que não tenha alegado isso de modo claro na contestação e sobretudo que não tivesse pretendido que a perícia médico legal analisasse essas máquinas para o afirmar. Virem uns médicos afirmar em tribunal uma monotorização exatamente igual que inexistia alegada nos articulados não logrou convencer o tribunal.
(…)
A enfermeira CC refere que deu pela perda de fluidez no discurso e que a frequência cardíaca subiu, mas não logrou tal convencer o tribunal que essa medição tenha sido feita pelo mesmo tipo de máquinas que existe na UCI. De um modo geral são diferentes, dizem 40 médicos do conselho médico legal, e se são exatamente iguais essa prova é demasiado importante para ser apenas atestada por quem vem a julgamento sem que a perícia médica o afirme. Salvo o devido respeito tentar infirmar por prova testemunhal o que por unanimidade foi dito ser diferente não convence o tribunal. E nisto entram as regras da experiência comum que nos dizem, de igual modo, que recobro e UCI não oferecem o mesmo nível de vigilância. A vigilância continua própria da UCI e medidas terapêuticas intensivas torna essa unidade como distinta do recobro onde existe um compasso de espera até se decidir para onde irá o doente. Insistindo com o Dr. JPA sobre essa diferença, sobre o facto de recobro e UCI não poderem ser a mesma coisa este refere em jeito de desabafo algo como, “mas que quer que lhe diga? O procedimento foi marcado em coordenação com cardiologia, uci e medicina interna”. E daqui o tribunal retira: tinha de haver necessariamente lugar imediatamente para a A. na UCI ou dada uma boa explicação que afastasse a culpa da R. quanto a essa ausência de lugar. O que não sucedeu.
Consequentemente e pelos motivos referidos deu-se tal por provado em 53 a 55 dos factos provados e consequentemente não provado em 13 e 14.” *(sublinhados nossos)
Desta transcrição parcial da fundamentação da decisão de facto da 1ª instância decorre que o tribunal a quo reconhece que “…. O conselho médico legal não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI…” e “ … a perícia não sabe que elementos de monotorização existem na UCI e no recobro do Hospital”  e que, entende, “…cabia à R. provar sem a menor margem de dúvida …que essa monitorização era igual com exatamente todos os mesmos aparelhos num sítio e no outro…” e adianta mesmo que “…se efetivamente o recobro oferecia a nível de monotorização os mesmos cuidados que a UCI tal era matéria que deveria constar da perícia…”.
Será assim?
Pois bem, em face desta síntese de fundamentos usados pela 1ª instância, antes de mais, importa que se esclareçam as seguintes questões:
i)- Saber a quem compete o ónus de prova (e de alegação) dos factos relativos às condições de monitorização dos pacientes no pós-intervenção, designadamente se os elementos e parâmetros de monitorização dos pacientes é diferente no recobro e na UCI e com isso, não lhes é assegurado o serviço de vigilância activa devido;
ii)- Se as conclusões da perícia podem, ou não, ser contrariadas por outros meios de prova de igual valia ou força probatória.
Vejamos cada uma destas questões.
Assim,
- A quem compete o ónus de prova (e de alegação) dos factos relativos às condições de monitorização dos pacientes no pós-intervenção, designadamente se os elementos e parâmetros de monitorização dos pacientes é diferente no recobro e na UCI e com isso, não lhes é assegurado o serviço de vigilância activa devido.
Para responder a esta questão é conveniente lembrar o acórdão do TRC, de 11/11/2014 (Proc. 308/09, Jorge Arcanjo) que distingue “…a acção de responsabilidade civil médica pode fundar-se no erro médico e/ou na violação do consentimento informado. Enquanto que na primeira, com a regras de arte se visa salvaguardar a saúde e a vida do paciente, na segunda o bem jurídico tutelado é o direito à autodeterminação nos cuidados de saúde.” 
De modo simples, o “erro médico”, consiste na violação das leis da arte e da ciência médica (legis artis), correspondendo a um defeito do tratamento. A responsabilidade pelo defeito de tratamento tem como fim tutelar os bens jurídicos vida e saúde do paciente.
Socorrendo-se de critérios enunciados pelo STJ, o acórdão do TRP, de 10/02/2015 (Rodrigues Pires) salienta a distinção entre o acontecimento adverso (adverse event) e o erro médico, para colocar, a cargo do autor (do lesado), o ónus da prova de que houve um erro médico.
Conforme entendimento expresso em acórdão relatado pelo ora relator (TRL de 12/09/2024, www.dgsi.pt), que aqui se reitera, e tem aplicação à questão enunciada, podemos dizer que:
“Fora de discussão que o caso em análise se enquadra juridicamente no instituto da responsabilidade civil contratual.
(…)
A responsabilidade obrigacional encontra-se genericamente prevista no art.º 798º do CC, que estabelece “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”.
Do preceito pode extrair-se a referência aos cinco pressupostos (da responsabilidade civil), uma vez que se menciona o facto voluntário do devedor (“…o devedor que…”); a ilicitude, que resulta do não cumprimento da obrigação (“falta...ao cumprimento da obrigação…”), a culpa (…culposamente…); o dano (“…torna-se responsável pelos prejuízos…”; e, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (“…que causa ao credor…”).
Essencial, no caso dos autos, é o pressuposto ilicitude.
Adiantando-se, desde já, que aqueles referidos 5 requisitos são cumulativos, significando isso que a falta de verificação de qualquer um deles afasta a responsabilidade contratual (e extracontratual).

Seguindo a lição de Rui Mascarenhas Ataíde (Direito da Responsabilidade Civil, 2023, pág. 145 e segs.) a teoria da responsabilidade civil, no que respeita ao pressuposto ilicitude, tem-se dividido em duas correntes doutrinárias, uma com assento tónico no “resultado” e outra, na “conduta”.
A tese da ilicitude do resultado considera que a violação de direitos ou disposições legais é suficiente para perfazer, por si só, a ilicitude, dispensando indagações suplementares. Já a tese da ilicitude da conduta sustenta que não basta que o comportamento tenha dado causa à violação de direitos, sendo imprescindível averiguar se a produção do resultado decorreu da infracção de um dever de conduta, só havendo ilicitude se o comportamento estiver em contradição com uma proibição ou imposição legal no próprio momento da acção.
O conceito de resultado em causa não se reporta a uma alteração no mundo físico, mas, antes à criação de um estado juridicamente reprovado criado pela conduta para o bem jurídico.
O fundamento do juízo de ilicitude não pode ser a mera verificação de um resultado negativo como tal, mas apenas quando a sua produção resultar de uma infracção de uma ordem ou proibição de comportamento.” (Rui Mascarenhas Ataíde, Direito da Responsabilidade…cit., pág. 151).
Quer dizer, não age de maneira ilícita quem não viola quaisquer deveres de comportamento. Ou seja “…não se pode de facto aceitar que todas as acções que se relacionem como causa e consequência sejam qualificadas como ilícitas apenas por terem conduzido à violação de bens jurídicos…” (A e ob. cit., pág. cit.). A teoria da ilicitude da conduta enfatiza, ao contrário da orientação clássica, que a mera produção causal de um resultado proibido não chega para se afirmar a ilicitude, antes sendo imprescindível que esse evento se deva à violação da regra de conduta aplicável ao caso (A e ob. cit., pág. 153 e seg.).
E prossegue este Professor “ …do ponto de vista analítico, a estrutura da ilicitude é composta por três elementos nucleares: uma conduta orientada por vontade contrária à ordem jurídica, por se tratar de um comportamento doloso ou negligente; em segundo lugar, a produção de um resultado reprovado (…); e, em terceiro, a conexão juridicamente causal entre ambos de modo a que o evento ilícito se possa imputar em termos objectivos à conduta não cuidadosa.” (Ob. cit., pág. 154).

Numa outra perspectiva e de algum modo relacionada com o entendimento que mencionámos acima acerca da ilicitude na vertente da tese da ilicitude do resultado e na da tese da ilicitude da conduta, a jurisprudência vem entendendo que o médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e conhecimentos profissionais, assume uma obrigação de meios. Neste tipo de obrigações, o médico não responde pelo resultado, mas pela omissão ou pela inadequação dos meios utilizados aos fins correspondentes à prestação devida em função do serviço que se propôs prestar (entre outros, veja-se os acórdãos do STJ, de 16/09/2009, de 15/12/2011 (Gregório Silva Jesus); de 23/03/2017 (Tomé Gomes).
Neste último acórdão é salientado “IV. De um modo geral, tem-se entendido que o resultado correspondente ao fim visado pelo contrato de prestação de serviço de ato médico não se reconduz a uma obrigação de resultado, no sentido de garantir a cura do paciente, mas a uma obrigação de meios dirigida ao tratamento adequado da patologia em causa mediante a observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médicas (leges artis). V. Porém, casos há em que, tratando-se de ato médico com margem de risco ínfima, a obrigação pode assumir a natureza de obrigação de resultado. VI. Para efeitos dessa qualificação, não se mostra curial adotar critérios apriorísticos em função da mera categorização do tipo de atividade médica, mas sim de forma casuística centrada no contexto e contornos de cada situação. VII. Em sede de obrigações de meios, incumbe ao credor lesado (paciente), provar a falta de cumprimento do dever objetivo de diligência ou de cuidado, nomeadamente o requerido pelas leges artis, como pressuposto de ilicitude, recaindo, por seu turno, sobre o devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa, nos termos do artigo 799.º do CC.
No que toca ao ónus de prova da ilicitude, vem sendo entendido que cabe ao paciente provar o incumprimento, pelo médico, das regras profissionais que sobre ele incidem. Isto é “…A prova do incumprimento do contrato, por sua vez, é que se afigura mais difícil: não basta, pois, ao lesado provar que não ficou em melhor estado de saúde ou que, por ventura esse estado se agravou, ou mesmo que veio a falecer; terá de provar que o médico não cumpriu os seus deveres de actuação técnica, não respeitou as leges artis.” (André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente – Estudo de Direito Civil, Centro de Direito Biomédico, 9, 2004, pág. 426; no mesmo sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, O ónus de prova na responsabilidade civil médica, Data Vénia, 8, 2018 pág. 8).  
Igualmente, Pinto Monteiro, transmite este entendimento acerca da distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultadoO efeito prático desta distinção residirá no seguinte: nas obrigações de meios, tanto a impossibilidade objectiva como a impossibilidade subjectiva não imputáveis liberam o devedor; nas obrigações de resultado, só a impossibilidade objectiva não imputável o exonera.” (Cláusula Penal e Indemnização, pág. 266).
Ou seja, “…caberá ao autor alegar e provar a desconformidade objectiva entre os actos praticados/omitidos e as leges artis (o incumprimento ou cumprimento defeituoso), bem como o nexo de causalidade entre tais actos e o dano. O lesado tem de identificar e demonstrar a diligência devida, tem de individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita)” (Carneiro da Frada, apud Luís Filipe Pires de Sousa, O ónus de prova…cit., pág. 8 e seg.).
A jurisprudência do STJ vem entendendo no mesmo sentido. A título de exemplo, vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- Ac. de 22/03/2018 (Proc. 7053/12, Maria da Graça Trigo):
“(ii) incumbe ao paciente lesado provar a ilicitude da conduta do médico, isto é a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas leges artis, dever que integra a necessidade de, no decurso da intervenção médica, tudo fazer para não afectar a integridade física daquele (ilicitude da conduta), caso em que, mesmo não se provando a violação desse dever, ainda assim, sempre se terá de averiguar se foi devidamente cumprido o dever de informar o paciente dos riscos inerentes à intervenção médica e se este os aceitou”.
- Ac. de 23/03/2017 (Proc. 296/07, Tomé Gomes):
VII. Em sede de obrigações de meios, incumbe ao credor lesado (paciente), provar a falta de cumprimento do dever objetivo de diligência ou de cuidado, nomeadamente o requerido pelas leges artis, como pressuposto de ilicitude, recaindo, por seu turno, sobre o devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa, nos termos do artigo 799.º do CC.”
- Ac. de 06/01/2020 (Proc. 700/16, Rosa Ribeiro Coelho):
VI - Só há violação ilícita do direito do doente se o médico executar a cirurgia à revelia das leges artis vigentes, caso em que poderia falar-se em cumprimento defeituoso da obrigação a que estava adstrito.
VII - Só a alegação e ulterior demonstração, por um lado, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como sendo as apropriadas à execução da intervenção cirúrgica em causa, considerando o estado do doente – as leges artis – e, por outro, da sua não utilização com perícia e diligência por parte do médico, permitiriam que se afirmasse a ilicitude da conduta deste.
VIII - Como elemento constitutivo do direito invocado pelo doente, é a ele que cabe a demonstração da ilicitude, enquanto falta de cumprimento, por parte de quem demanda como civilmente responsável, das leges artis ajustadas à sua situação de doença, ou seja, do incumprimento dos deveres tuteladores do seu direito de saúde.”
Do que se expôs podemos concluir que nos contratos de prestação de serviços de actos médicos, compete ao doente invocar e provar o requisito da ilicitude da conduta do médico.”
Ora, aplicando esta conclusão ao caso dos autos, estamos em condições de poder afirmar que, contrariamente ao que é defendido pela 1ª instância, não competia á ré, hospital, o ónus de alegação e de prova dos factos relativos às condições de monitorização dos pacientes no pós-intervenção, designadamente se os elementos e parâmetros de monitorização dos pacientes é o mesmo no recobro e na UCI e com isso, é assegurado o serviço de vigilância activa devido.
Era aos autores que competia alegar e provar que, no pós-operatório a falecida autora não foi monitorizada em termos de permitir aferir em contínuo os parâmetros vitais: tensão arterial, ritmo cardíaco, temperatura, estado de consciência, perfil dos pulsos periféricos, gases do sangue, hemograma, diurese, bioquímica sanguínea.
E alegaram essa factualidade e a 1ª deu-a como provada, baseando-se, como se viu, exclusivamente, no relatório pericial, rectius, no Parecer do Concelho Médico-Legal.

Aqui chegados, é altura de analisarmos a segunda questão enunciada:
- Se as conclusões da perícia podem, ou não, ser contrariadas por outros meios de prova de igual valia ou força probatória.
A questão centra-se em saber se as condições de monotorização no recobro do hospital, ré, são diferentes/inferiores às condições de monitorização dos doentes na UCI.
A 1ª instância entendeu, no ponto 53 dos factos provados, que a falecida autora “…ficou na sala de recobro sem monitorização adequada a prevenir ou a identificar os sintomas de hemorragia grave e sem acompanhamento médico necessário a assegurar a reação a tal ocorrência em tempo útil”. E considerou provado, no ponto 54, que “…não estava monotorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda dos sinais vitais que indiciassem uma hemorragia.” E, para decidir dessa forma baseou, repete-se, exclusivamente, no Parecer do Concelho Medico-Legal.
No entanto, é a própria 1ª instância que reconhece que:
O conselho médico legal não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI …”
“… a verdade é que em concreto a perícia não sabe que elementos de monotorização existem na UCI e no recobro do Hospital.
Ora, se a decisão da 1ª instância se baseou, exclusivamente, no Parecer do Concelho Médico-Legal e se reconhece, simultaneamente, que esse Concelho Médido-Legal “não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI …” e “…não sabe que elementos de monotorização existem na UCI e no recobro do Hospital ….”, não nos parece que seja possível, com fundamento num Parecer que não conhece esses elementos, decidir que a falecida autora “…ficou na sala de recobro sem monitorização adequada a prevenir ou a identificar os sintomas de hemorragia grave e sem acompanhamento médico necessário a assegurar…” e que “…não estava monotorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda dos sinais vitais que indiciassem uma hemorragia.”.
Afigura-se-nos que o “entrave” sentido pela 1ª instância foi o de entender não ser possível contrariar o Parecer do Concelho Médico-Legal no confronto com os depoimentos das testemunhas.
É justamente aqui que reside a problemática enunciada com a segunda questão: é possível contrariar perícia médico-legal efectuada pelo Concelho Médio-Legal?
Pois bem, de acordo com o art.º 389º do CC, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente. A mesma força probatória é fixada pelo art.º 396º do CC para os depoimentos das testemunhas.
A livre apreciação da prova pericial preconiza que o julgador adopte parâmetros o mais objectivo possíveis na análise da prova pericial e mensuração da sua idoneidade (Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, 3ª edição, 2023, pág. 205).
Na análise da perícia cabe ao juiz verificar se o laudo é inteligível e não apresenta contradições, ou seja, verificar se o mesmo é coerente. “O laudo deve sustentar-se em suficientes factos e dados, não devendo o perito bastar-se com meras amostras ou elementos colhidos de forma incompleta ou precipitada”. (Luís F Pires de Sousa, Direito Probatório…cit., pág. 207). “O juiz aprecia o rigor do método, a veracidade das suas premissas e a consistência das suas conclusões (…) Em suma, trata-se de confirmar se existem condições de cientificidade da prova. (…) Se essas condições de cientificidade da prova ocorrerem, as máximas da experiência especializada trazidas pelo perito deverão, em princípio, prevalecer sobre a prova testemunhal.” (A. e ob. cit., pág. 209)
Ora no caso dos autos, é a própria 1ª instância que reconhece que Concelho Médido-Legal “não conhece os meios concretos que existem no recobro face aos da UCI …” e “…não sabe que elementos de monotorização existem na UCI e no recobro do Hospital.”.
Se assim é, sem o conhecimento, rectius, perante o desconhecimento desses elementos ou dados de facto, afigura-se-nos que as respostas aos quesitos - “A A deveria ter sido encaminhada para a Unidade de Cuidados Intensivos no Pós-Operatório? Porquê? E “Se nos pós operatório a A tivesse sido internada em Unidade de Cuidados Intensivos, com monitorização das condições circulatórias, verificação da presença e qualidade dos pulsos arteiais periféricos e profundos, avaliação do sistema neurovascular através da presença e localização da dor, palidez, parestesia, paralesia e ausência de pulso, verificação da temperatura, coloração e motilidade dos membros – tais procedimentos, a serem realizados, permitiriam, em condições normais, o precoce diagnótico das manifestações ocorridas, com possibilidade de reversão atempada das mesmas e evitamento das consequências verificadas?”. E “Verifica-se o nexo de causalidade entre o procedimento cirúrgico realizado em 06/07/2017, o dano de hemorragia arterial em local de abordagem, o inadequado acompanhamento pós-operatório, a lesão isquémica cerebral aguda e as sequelas de tetraparésia?” – baseou-se em pressupostos errados, isto é, não se basearam na realidade das circunstâncias de facto.
A ser assim, se a perícia se baseia em elementos factuais que desconhece ou que não correspondem à realidade, não pode dizer-se que as condições de cientificidade da perícia se verificam. Recorde-se o que dissemos acima: O juiz aprecia o rigor do método, a veracidade das suas premissas e a consistência das suas conclusões (…) Em suma, trata-se de confirmar se existem condições de cientificidade da prova.
A esta vista, fica afastado o pressuposto de prevalência da perícia sobre a prova testemunhal.
Ora, lidas e analisadas as sínteses dos depoimentos transcritos pelas partes, verifica-se que o Relator do Parecer do Concelho Médico-Legal reconheceu desconhecer qual a monotorização a que a autora foi submetida no recobro.
Por sua vez, as testemunhas disseram, em síntese, que, Dr.ª MR, referiu as pessoas que ficaram a vigiar a falecida autora, no recobro e, que no recobro existem os mesmos meio que na UCI.
O Dr. JPA, mencionou o equipamento que se encontrava no recobro era o mesmo da UCI e acrescentou que quer na UCI quer no recobro a resultado seria o mesmo.
 Dr. SL disse que cada cama no recobro tem os mesmos monitores que os monitores da sala da UCI, que o doente vai sempre monitorizado desde que sai da sala de hemodinâmica com os mesmos equipamento; cada cama tem o monitor próprio que dá os mesmos parâmetros; não há qualquer alteração da monitorização por estar no recobro ou na UCI; que a cama para onde a doente é transferida da sala de hemodinâmica é a cama da UCI; explicou que no recobro a paciente ficou vigiada por médica e enfermeira e ele próprio estava na sala ao lado e concluiu que era maior a rácio de vigilância no recobro que na UCI; que o trajecto normal é o doente ir para a UCI podendo ou não passar pelo recobro, mas no imediato, os doentes podem ficar alguns minutos no recobro até que a UCI dê ordem de descer; nunca houve falta de vaga na UCI, esta é que não pude receber a doente de imediato.
Enf.ª CC disse que na sala de recobro a paciente ficou monitorizada com traçado eletrocardiográfico, monotorização hemodinâmica, frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigénio e tensões arteriais sistólica e diastólica; vigiam o local da punção, vigilância do penso, aplicação de gelo, monitorização dos membros, perfusão e mobilização.
O Dr. JN, disse que no recobro existe um monitor cardíaco, que mede o ritmo cardíaco, a saturação do oxigénio e a pressão arterial; a doente saiu estável do procedimento endovascular e por isso a sua ida para a UCI não era prioritária. Que o equipamento de monotorização do recobro é o mesmo que na UCI.
Por sua vez, as sínteses dos depoimentos transcritos pelos autores na contra-alegação, não infirmam aquela síntese e conclusão.
Ora, perante estes depoimentos, no confronto com o reconhecimento, pela perícia, de desconhecimento das condições de monitorização e acompanhamento no recobro, somos a entender que não podem manter-se os pontos 53, 54 e 55 dos factos provados e os pontos 13 e 14 dos factos não provados.
A esta luz, altera-se a matéria de facto, nos seguintes termos (que será aditada no local próprio):
Ponto 53 – Por falta de disponibilidade imediata na UCI a 1ª A ficou provisoriamente na sala de recobro;
Ponto 54 – A A. AEF estava monitorizada no recobro a ponto de poder ser prevista com antecedência a perda de sinais vitais que indicassem uma hemorragia;
Ponto 55- (prejudicado face aos dois pontos anteriores);
Ponto 13 dos Factos Não Provados: prejudicado face aos dois pontos anteriores;
Ponto 14 dos Factos Não Provados (que passará a ponto 54-A dos Factos Provados):  Na sala de recobro estavam disponíveis todos os meios de intervenção que existem na UCI.

***

3.2- Da Revogação da Sentença.

Quer os autores, quer a ré, quer a interveniente principal pretendem a revogação da sentença.
Os autores pretendem ver alteradas as quantias indemnizatórias atribuídas; a ré e a interveniente principal, pretendem que a revogação da sentença ocorra em termos de serem absolvidas dos pedidos.
Pois bem, por uma questão pragmática e de precedência lógica, analisaremos, primeiramente, a pretensão da ré e interveniente principal.
Assim:

3.2.1- O pedido da ré e da interveniente principal de absolvição dos pedidos.

A ré, hospital, e a interveniente principal, seguradora, defendem a improcedência da acção e a consequente absolvição dos pedidos, baseando-se, em síntese, na não verificação de actuação ilícita por parte do hospital e seus colaboradores.
Fundamentam esta pretensão de absolvição dos pedidos, na circunstância de, segundo entendem, com a alteração dos pontos 53 a 55 dos factos provados e 13 e 14 dos factos não provados, deixou de existir ilicitude da conduta e, por conseguinte, faltando este requisito constitutivo da responsabilidade civil, a acção tem de improceder.
Mais alegam a inexistência de nexo de causalidade porque se baseava no inadequado acompanhamento pós-operatório, o que ficou demonstrado não ter acontecido.
Vejamos então.
Como dissemos acima, a acção de responsabilidade civil médica pode fundar-se no erro médico e/ou na violação do consentimento informado. De modo simples, o “erro médico”, consiste na violação das leis da arte e da ciência médica (legis artis), correspondendo a um defeito do tratamento.
Fora de discussão que o caso em análise se enquadra juridicamente no instituto da responsabilidade civil contratual.
A responsabilidade obrigacional encontra-se genericamente prevista no art.º 798º do CC, que estabelece “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Do preceito pode extrair-se a referência aos cinco pressupostos (da responsabilidade civil), uma vez que se menciona o facto voluntário do devedor (“…o devedor que…”); a ilicitude, que resulta do não cumprimento da obrigação (“falta...ao cumprimento da obrigação…”), a culpa (…culposamente…); o dano (“…torna-se responsável pelos prejuízos…”; e, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (“…que causa ao credor…”).
Igualmente como referimos acima, essencial, no caso dos autos, é o pressuposto ilicitude. E, como também se afirmou, a teoria da ilicitude da conduta enfatiza, ao contrário da orientação clássica, que a mera produção causal de um resultado proibido não chega para se afirmar a ilicitude, antes sendo imprescindível que esse evento se deva à violação da regra de conduta aplicável ao caso.
Mais se referiu que nos contratos de prestação de serviços de actos médicos, compete ao doente invocar e provar o requisito da ilicitude da conduta do médico; ou seja tem de alegar e provar o incumprimento, pelo médico/estabelecimento de saúde, das regras profissionais que sobre eles impendem. Referiu-se doutrina e jurisprudência do STJ que vai neste sentido, concretamente, os acórdãos do STJ, de 16/09/2009; de 15/12/2011 (Gregório Jesus); 23/03/2017 (Tomé Gomes); 22/03/2028 (Maria da Graça Trigo); de 06/01/2020 (Rosa Ribeiro Coelho).
Fora de discussão, o caso em apreço, a ilicitude decorrente da violação do consentimento informado: os pontos 2, 3 e 4 dos factos não provados e o ponto 3 dos factos provados afastam este tipo de ilicitude.
A acção de indemnização baseava-se na alegação de comportamentos ilícitos que os autores imputavam à ré (seus profissionais):
i)- intervenção realizada por médico sem qualificação e formação (afastada pelos pontos 5 e 6 dos factos não provados);
ii)- deficiente manuseamento dos equipamentos (afastada pelo ponto 7 dos factos não provados);
iii) - adiamento da intervenção para realização de mais exames (afastada pelo ponto 8 dos factos não provados);
iv)- falta de percepção da laceração e hemorragia durante a intervenção (afastada pelo ponto 9 dos factos não provados);
v)- falta de observação do penso (afastada pelo ponto 10 dos factos não provados; vi) decurso de 75 minutos entre a paragem cardiorrespiratória e a ida para a o bloco de urgência (afastada pelo ponto 11); e,
vii)- Deficiente monitorização da falecida autora após intervenção.
Ora, este último fundamento da ilicitude da conduta veio, igualmente, a ser afastado, como se verificou acima, em resultado da impugnação dos pontos 53 a 55 dos factos provados e 13 e 14 dos factos não provados.
Ora, se assim é, conclui-se que não se provou o requisito ilicitude da conduta da ré hospital (e dos seus profissionais).
Como salientámos acima, aqueles referidos 5 requisitos – facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal - são cumulativos, significando isso que a falta de verificação de qualquer um deles afasta a responsabilidade contratual (e extracontratual).

A esta luz, resta concluir que, sem a ilicitude da conduta da ré não se pode falar em responsabilidade e, por conseguinte, a acção não pode proceder.

Resta mencionar que o infeliz acontecimento de laceração da artéria da falecida autora configura o que é designado como acontecimento adverso (“adverse event”). Na verdade,  vem sendo entendido que “O erro médico deve distinguir-se da figura afim que é o acontecimento adverso (“adverse event”) definido este como qualquer ocorrência negativa ocorrida para além da vontade e como consequência do tratamento, mas não da doença que lhe deu origem, causando algum tipo de dano, desde uma simples perturbação do fluxo do trabalho clínico a um dano permanente ou mesmo a morte”. (TRP, de 10/02/2015).
No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 22/09/2011 (Proc. 674/2001, Bettencourt de Faria) “…para que se possa falar de erro médico, é fundamental a convergência dos seguintes elementos: existência de plano, intencionalidade no seu incumprimento, desvio da sequência das acções previstas, incapacidade de consecução do objectivo proposto e causalidade, vale dizer, que a causa não seja o acaso. Os autores citados, ainda na esteira de Reason, distinguem também o erro médico de uma figura afim que é o evento adverso (adverse event), definido pelos autores portugueses citados, como «qualquer ocorrência negativa ocorrida para além da vontade e como consequência do tratamento, mas não da doença que lhe deu origem, causando algum tipo de dano, desde uma simples perturbação do fluxo do trabalho clínico a um dano permanente ou mesmo a morte».

A esta luz, os recursos da ré hospital e da interveniente principal, seguradora são procedentes e, por consequência, serão absolvidas do pedido.

***

3.2.2- O recurso dos autores.

Os autores pretendiam, pelo recurso que interpuseram, que a decisão da 1ª instância fosse alterada, em termos de verem aumentadas as quantias indemnizatórias arbitradas por aquela instância.
Ora, perante a solução acima encontrada, resta concluir que, sem o requisito da ilicitude da conduta do réu hospital, inexiste responsabilidade civil e, por isso, improcede a acção de indemnização instaurada pelos autores.
A esta luz, sem necessidade de outras considerações, julga-se improcedente o recurso dos autores.

3.3- A Admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso.

Vimos acima que os autores, na contra-alegação aos recursos da ré e da interveniente principal, vieram ampliar o âmbito do recurso, invocando o art.º 636º nº 2, pretendendo se desse como provado um facto – que indicam – e que, segundo eles preencheria o nexo de causalidade.
Pois bem, em face da solução dada acima acerca da ausência de responsabilidade civil da ré hospital (e consequentemente da interveniente seguradora), por inexistência de ilicitude da conduta, torna-se inútil apreciar a ampliação do âmbito do recurso que visava demonstrar o requisito nexo de causalidade.
A esta vista, não se aprecia a pretendida ampliação do âmbito do recurso interposto pelos autores.

***
III- DECISÃO

Em face do exposto, acordam, por maioria, os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
a)- Julgar os recursos da ré, hospital, e da interveniente principal, seguradora, procedentes e, em consequência, revogam a sentença da 1ª instância, julgando improcedente a acção e, absolvendo a ré e a interveniente principal dos pedidos;
b)- Julgar improcedente o recurso principal dos autores;
c)- Julgar prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do recurso deduzida pelos autores.

Custas: em ambas as instâncias pelos autores.

Lisboa, 20/03/2025
Adeodato Brotas
Elsa Melo
Jorge Almeida Esteves, com voto de vencido que segue

Votei vencido uma vez que discordo da alteração da matéria de facto levada a efeito no acórdão. Concordo em pleno com o que consta da sentença e com o alegado pelos autores em sede de contra-alegações no que concerne à matéria objeto da alteração.
Resulta inequivocamente dos autos que a falecida autora deveria ter sido encaminhada para a unidade de cuidados intensivos, tendo inclusivamente sido reservada na UCI uma cama para tal efeito, conforme consta da sentença:
Nunca foi abordado o motivo pelo qual havendo marcação na UCI esta não tinha disponibilidade para receber a A.. E era importante que tal tivesse sucedido e se sucedesse a R. podia ilidir a sua culpa. A UCI tem 12 camas, assim o afirmaram os médicos e a enfermeira CC. A cama da A. estava reservada para ela posto que a intervenção foi marcada com essa reserva de vaga. No entanto por algum motivo que nunca foi indicado a A. não pôde ir para lá. Podia e devia a R. ter alegado que não foi porque, por exemplo, a equipa médica estava a acorrer a uma ou mais emergências que
surgiram e nessa medida não tinham meios humanos para fazer face a uma vigilância apertada à A. como se impunha. Mas não. A R. limita-se a apontar que havia indisponibilidade sendo certo que 24 minutos depois quando se dá o choque na A. esta disponibilidade já existe e a equipa de resposta rápida que vem é precisamente da UCI”.
E é evidente também que uma unidade de recobro não tem nada a ver com uma unidade de UCI, são realidades completamente distintas, como atesta a perícia realizada. Admitir a prova em contrário é a mesma coisa que admitir prova no sentido de um centro de saúde ter as mesmas condições de um hospital. As testemunhas que nesse sentido foram indicadas pelo réu não se me afiguram credíveis por óbvia falta de isenção, por contrariarem aquilo que resulta da natureza das coisas quanto às características de uma UCI e de uma unidade de recobro e, por último, por contrariarem o teor do relatório pericial. Concordo por isso com a decisão recorrida quando afirma que:
De um modo geral os peritos são claros: recobro não permite a mesma vigilância que a UCI. Se no caso da R. os equipamentos existentes são absolutamente iguais estranha-se que não tenha alegado isso de modo claro na contestação e sobretudo que não tivesse pretendido que a perícia médico legal analisasse essas máquinas para o afirmar. Virem uns médicos afirmar em tribunal uma monotorização exatamente igual que inexistia alegada nos articulados não logrou convencer o tribunal. Em 24 minutos a A. entra em choque e a equipa médica e de enfermagem apenas dá conta disso porque a A. se apresenta “com palidez acentuada, prostrada”.
Por isso manteria a matéria de facto tal como resulta da decisão da primeira instância, com a consequente responsabilidade do hospital nos termos que constam da sentença e apreciaria do recurso dos autores respeitante ao aumento dos montantes indemnizatórios.
Jorge Almeida Esteves