Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
67/19.8YQSTR.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: CONCORRÊNCIA
PRIVATE ENFORCEMENT
CARTEL DOS CAMIÕES
ESTIMATIVA
JUDICIAL
RESPONSABILIDADE
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. O tribunal não tem de se pronunciar expressamente sobre factos cujo único fito é a contraprova da factualidade constitutiva do direito invocado pelo Autor, neste caso, nas palavras das próprias Chamadas, “para contraprova da existência dos invocados prejuízos”, mesmo que tal factualidade se enquadre num determinado tema de prova. Assim, a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia, nem a matéria de facto em causa deve ser acrescentada aos factos fixados naquela.
2. No caso conhecido como o “Cartel dos Camiões” (processo da Comissão Europeia AT.39824 - Trucks) e no âmbito de uma ação de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º TFUE, as inferências feitas, no que concerne à factualidade atinente à existência de dano e nexo causal, com base em considerandos constantes da Decisão da Comissão da UE, podem ser válidas, como é aqui o caso.
3. No Direito da Concorrência o conceito de “acordo” foca-se na existência de uma concordância de vontades entre pelo menos duas partes, sendo despicienda a forma como esta se manifesta desde que constitua a expressão fiel das intenções das partes. Exemplos de “agreements” ou “acordos” incluem, aliás, simples acordos de cavalheiros e meros “entendimentos”. Ora, a colusão ou conluio entre as visadas pela Decisão da Comissão não é posta em causa nestes autos, pelo que as sugestões de tradução adiantadas pelas Chamadas em substituição do termo agreements afiguram-se-nos irrelevantes pelas razões já adiantadas na sentença recorrida a que acrescem as razões aqui expostas.
4. Não obstante a letra do artigo 395.º do Código Civil não prever qualquer limitação ou exceção à admissibilidade de prova testemunhal (e, por analogia, declarações de parte),  para a prova do simples cumprimento de contrato escrito (maxime, recibo de quitação), por razões de justiça e “sob pena de a rigidez de interpretação desta norma conduzir nalguns casos a graves iniquidades”, admite-se a possibilidade de se produzir prova por declarações de parte sobre o cumprimento, desde que exista um princípio de prova documental.
5. Se por um lado, e de acordo com jurisprudência do TJUE (Acórdão de 16-02-2022, Traficos Manuel Ferrer, C-312/21, EU:C:2022:494), o tribunal nacional não puder recorrer à estimativa judicial para colmatar as falhas da Autora em sede de quantificação do dano, por outro, de acordo com jurisprudência nacional (por exemplo, Acórdão STJ de 07-05-2020, processo n.º 233/12.7TBMIR.C1.S1), o tribunal deve condenar em quantia a liquidar em momento ulterior, exceto se tal quantificação se afigurar, em sede probatória, como improvável. Neste contexto, há que concluir como o tribunal a quo, no sentido de apenas ser possível nos autos condenar em quantia a liquidar em momento ulterior. Afigura-se-nos, pois, que se mostra afastada a solução propugnada pelas Recorrentes, ou seja, de julgar simplesmente improcedente a ação.
6. O que importa, para determinar a responsabilidade de uma “empresa” ao abrigo do disposto no artigo 101.º do TFUE, quando não age diretamente no mercado, mas através de empresas subsidiárias, é a verificação de “influência determinante” daquela sobre estas, de forma que as subsidiárias não gozem de autonomia na determinação das suas políticas comerciais. Assim sendo, baseando-se a responsabilidade civil por violação do Direito da Concorrência, desde logo, no que aqui importa, numa violação ao disposto no artigo 101.º do TFUE, o âmbito da responsabilidade subjetiva tem, como nos parece evidente, que conduzir-se pelos mesmos critérios. Nestes termos, há forçosamente que concluir que a MAN SE pode e deve ser responsabilizada civilmente pelas condutas das demais Chamadas, a MAN Truck & Bus SE e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, nos termos descritos na sentença recorrida.
7. Apenas se poderia proceder a uma estimativa judicial do valor da repercussão, ou relegar tal cálculo para a fase da liquidação, caso se tivesse efetivamente apurado a existência de tal facto, o que não se verificou nos autos.
8. Em casos de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º TFUE, os juros de mora contam-se a partir da ocorrência do dano.
9. Em relação a tais juros não é aplicável a prescrição prevista no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

Recorrente 1/Ré: Iveco S.p.A., com sede na Via Puglia 35, 10156, Turin, Itália (doravante, Iveco)
Recorrentes 2/Intervenientes Principais Provocadas:
MAN Truck & Bus SE
MAN Truck & Bus Deutschland GmbH e
MAN SE, doravante conjuntamente designadas por “Chamadas”

Recorrida/Autora: E… – Transportes Internacionais, Lda..

1. A Autora em 12-07-2019, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a Ré, peticionando, após petição inicial aperfeiçoada apresentada em 06-05-2021 (ref.ª 50565), que esta seja condenada:
a) Ao pagamento à Autora da quantia total de € 251.530,08, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela Autora e causados pela infração praticada pela Ré;
b) Ser a Ré condenada no pagamento dos juros de mora vincendos, calculados sobre todos estes valores, à taxa comercial em vigor, desde a data da propositura da presente ação até efetivo e integral pagamento;
c) Ser a Ré condenada nas custas, procuradoria e o mais que for de Lei.
2. Para tanto, alegou, em síntese, que adquiriu cinco veículos da marca IVECO e dois veículos da marca MAN para o exercício da sua atividade comercial, através de contratos de locação financeira. Contudo, em virtude da infração sancionada pela Comissão Europeia no Processo AT.39824 pagou por tais veículos um preço superior àquele que teria pago caso não se tivesse verificado a infração e que computa em 20% do preço de aquisição dos mesmos. Mais considera serem devidos juros de mora desde a data de aquisição dos veículos.
3. A R. deduziu contestação (ref.ª 50561), na qual se defendeu por exceção e por impugnação. Por exceção invocou a prescrição do direito reclamado pela A. nos termos dos artigos 309.º e 498.º, n.º 1, ambos do Código Civil (CC), a prescrição dos juros de mora nos termos do artigo 310.º, alínea d), do CC, e a repercussão dos danos, a título subsidiário, no preço de revenda dos veículos com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-R e no preço dos serviços prestados pela A.. Mais invocou a obtenção pela A. de uma poupança fiscal. Por impugnação, considera não estar verificado nenhum dos pressupostos do direito reclamado pela Autora, mais acrescentando quanto aos juros, que não é aplicável a taxa de juros comercial, mas civil, que os juros apenas são devidos desde a citação e que não são devidos juros sobre juros.
4. Requereu ainda a intervenção principal provocada, nos termos do artigo 318.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil, da MAN SE, com sede em Ungererstrasse 69, 80805 Munique, Alemanha, da MAN Truck & Bus AG, com sede em Dachauer Str. 667, 80995 Munique, Alemanha e da MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, com sede em Oskar-Schlemmer-Strasse 19-21, 80807 Munique, Alemanha, uma vez que dois dos veículos que a A. alega ter adquirido são da marca MAN e que entre as Empresas Destinatárias da Decisão se incluem certas empresas MAN que seriam solidariamente responsáveis com a Ré pelos supostos danos alegados pela A.. Por despacho com a ref.ª 255171 tal pedido foi deferido.
5. As Chamadas apresentaram contestação à petição inicial originária, junta aos autos com a ref.ª 47006 e exerceram o contraditório relativamente às alterações efetuadas pela A. na PIA através do requerimento com a ref.ª 50554, tendo-se defendido por exceção e por impugnação. Por exceção invocaram a prescrição do direito reclamado pela A. nos termos do artigo 498.º, n.º 1, ambos do CC e a prescrição dos juros de mora nos termos do artigo 310.º, alínea d), do CC, e a repercussão dos danos, a título subsidiário, no preço dos serviços prestados pela Autora. Por impugnação, considera não estar verificado nenhum dos pressupostos do direito reclamado pela Autora, acrescentado que os juros, a serem devidos, apenas deverão ser contados desde a citação.
6. Após a realização de audiência de julgamento foi proferida sentença pelo TCRS, em 13-02-2024, onde se decidiu o seguinte:
Em face de todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente nos seguintes termos:
I.. Condeno a R. a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar correspondente ao custo adicional que a A. pagou pelas viaturas com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA, 54-57-VX, 21-EE-36 e 32-FH-29, e no máximo até vinte porcento (20%) do preço de aquisição das mesmas, indicado nas alíneas ww) e ccc) dos factos provados;
II. Mais condeno a R. a pagar a A. os juros de mora à taxa legal prevista para os juros civis (e as demais que venham a ser aprovadas) vencidos desde 19.01.2007 em relação ao custo adicional pago pelos veículos com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA, desde 28.03.2012 em relação ao custo adicional pago pelo veículo com a matrícula 54-57-VX e desde 12.07.2019 em relação aos veículos da marca MAN e vincendos até efetivo e integral pagamento;
III. Absolvo a R. de tudo o mais peticionado.
7. De tal sentença apelou a Ré, apresentando alegações de recurso com um total de 239 páginas e 188 conclusões.
8. A Ré Recorrente, formulou o seguinte pedido: “Deve, assim, julgar-se procedente por provado o presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida substituindo-se a mesma por Acórdão que julgue improcedente por não provada a ação onde sobe o presente recurso e, em consequência, que absolva a recorrente de todos os pedidos contra ela formulados desta forma se fazendo, JUSTIÇA!”.
9. Da mesma sentença também apelaram as Chamadas, apresentando alegações de recurso com um total de 218 páginas e 160 conclusões.
10. As Chamadas formularam os seguintes pedidos (transcrição):
a) Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com isso revogando-se a Decisão Recorrida, a qual deverá ser substituída por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente;
b) Subsidiariamente, caso o Tribunal ad quem mantenha o sentido da Decisão Recorrida quanto à verificação dos invocados prejuízos, deve ainda assim revogar a Decisão Recorrida e julgar a ação totalmente improcedente, pelo facto de a Recorrida não ter feito prova da quantificação dos prejuízos reclamados, não sendo possível, neste caso, recorrer ao disposto no artigo 609.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC;
c) Subsidiariamente, caso o Tribunal ad quem mantenha o sentido da Decisão Recorrida, na parte em que condenou a Ré Iveco, deve esta ser revogada na parte em que considera que a MAN SE é solidariamente responsável com a Ré IVECO pelos danos alegados pela Recorrida e substituída por acórdão que declare que o ilícito em causa não é imputável à Recorrente MAN SE, razão pela qual esta não é solidariamente responsável com a Ré IVECO pela obrigação de indemnizar que seja assacada a esta última;
d) Subsidiariamente, deve reduzir-se qualquer hipotético sobrecusto, por via da repercussão total ou parcial do sobrecusto por parte da Recorrida no valor cobrado pelos serviços prestados com recurso às viaturas da marca MAN em causa nos presentes autos;
e) Subsidiariamente, deve a Decisão Recorrida ser revogada na parte em que condena a Ré IVECO a pagar juros de mora a partir das datas da verificação dos danos e substituída por outra que determine que, a serem devidos juros de mora, os mesmos só são devidos desde a data [da] citação da Ré IVECO.
11. A Recorrida NÃO apresentou Resposta ao recurso.
12. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
*
II. Questões que o presente tribunal cumpre resolver
13. Antes de enunciarmos as questões a que o presente tribunal cumpre responder, haverá que recordar que, segundo jurisprudência constante, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste.
14. É também consensual na jurisprudência dos tribunais portugueses que importa não confundir questões, cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições, aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada.
15. Feitos estes esclarecimentos prévios, vejamos as questões suscitadas nos recursos em apreciação:
i. A sentença recorrida é nula na parte em que não se pronuncia sobre matérias de facto a que se reporta o tema da prova B (relativas a “características técnicas dos camiões”, ao “processo de negociação e fixação de preços dos camiões” e às “as características do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da infração”)? (recurso das Chamadas)
ii. Caso se entenda não existir omissão de pronúncia em resposta à questão anterior, este tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e face à prova produzida, deverá aditar a matéria de facto pertinente ao tema da prova B aos factos provados? (recurso das Chamadas)
iii. Os §§ 2 e 50 e § 47 da Decisão da Comissão na versão portuguesa, reproduzida no facto provado d), devem ser alterados para melhor corresponderem à versão oficial em língua inglesa? (recurso das Chamadas).
iv. Devem ser eliminadas da redação das alíneas k), n) e ccc) dos factos provados, as referências à alegada aquisição pela Autora, das viaturas de marca MAN matrículas 21-EE-36 e 32‑FH‑29, pelo preço total de 170.000,00 €? (recurso das Chamadas)
v. Devem considerar-se não provados os factos constantes das alíneas ddd) a fff) dos factos provados, relativos à existência do dano (sobrecusto ou custo adicional) e nexo causal? (ambos os recursos)
vi. As alíneas n) e o) dos factos não provados (relativamente à repercussão do alegado sobrecusto pela Recorrida nos preços cobrados aos seus clientes e revenda de veículos), devem considerar-se provados? (quanto à alínea n) recurso da Iveco e no que toca à alínea o), ambos os recursos)
vii. In casu, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do dano e do nexo causal, pelo que deve improceder a ação? (recurso das Chamadas)
viii. Não estando reunidos os requisitos legais para poder estimar judicialmente o quantum do dano (artigo 9.º, n.º 2, da Lei de Transposição), por falta de apresentação de prova pela Autora para além da Decisão da Comissão, não se deveria ter relegado a respetiva liquidação para a fase da execução da sentença, devendo antes ter sido julgada a ação improcedente? (ambos os recursos)
ix. O regime legal aplicável não permite responsabilizar solidariamente a Recorrente MAN SE (“empresa-mãe”), em sede de responsabilidade civil extracontratual, pela infração jus‑concorrencial praticada pelas MTB SE e MTB DE (empresas subsidiárias) e não por aquela? (recurso das Chamadas)
x. O presente tribunal deve proceder ao cálculo da repercussão com recurso a uma estimativa aproximada? (recurso da Iveco)
xi. Subsidiariamente, deve permitir-se que se opere – ainda que em sede de liquidação – uma redução equitativa do montante do sobrecusto por via da sua provável repercussão pela Recorrida nos preços dos serviços por ela cobrados? (recurso das Chamadas)
xii. Os juros de mora são devidos a partir da produção do dano ou do momento da citação? (ambos os recursos)
xiii. Os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação, devem considerar-se prescritos ao abrigo do artigo 310.º, alínea d) do Código Civil? (recurso da Iveco)
*
III. Fundamentação
16. A sentença recorrida fixou a factualidade nos termos que se passa a expor.
Factos provados
“Factos relativos à Decisão da Comissão:
a) Em 20.11.2014, a Comissão Europeia deu início a um processo - Processo AT.39824 - ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6, do Regulamento 1/2003 e transmitiu às Chamadas e a outros fabricantes de camiões uma comunicação de objeções (artigo 134.º da Contestação das Chamadas).
b) A pedido das empresas visadas, com exceção das empresas do Grupo Scania, a Comissão Europeia prosseguiu subsequentemente o processo com base no Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão, de 07.04.2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.º e 82.º do Tratado (“Reg. 773/2004”), ao abrigo do procedimento de transação (artigo 136.º da contestação das Chamadas).
c) Essas empresas visadas, incluindo as Chamadas, apresentaram propostas de transação nos termos do artigo 10.º-A, n.º 2, do Reg. 773/2004 (artigo 137.º da contestação das Chamadas).
d) A Comissão Europeia adotou a sua decisão de 19.07.2016 nesse contexto por infração ao artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, publicada no mesmo dia, com o conteúdo constante do documento n.º 11-A junto com a petição inicial originária que aqui se considera integralmente reproduzido, na qual consta o seguinte (resposta aos artigos 28.º a 32.º, 34.º a 37.º e 40.º da PIA):

I. INTRODUÇÃO
(1) A presente decisão diz respeito a uma infracção única e continuada ao artigo 101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE") e ao artigo 53 do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ("Acordo EEE").
(2) A infracção consistiu em acordos colusórios sobre preços e aumentos bruscos de preços no EEE para camiões médios e pesados; e o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissão para camiões médios e pesados exigidos pelas Normas EURO 3 a 6. A infracção abrangeu todo o EEE e durou de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011.
(3) Os factos descritos na presente decisão foram aceites pela MAN, Daimler, Iveco, Volvo e DAF (os "Destinatários") no procedimento de transação.
(4) Em 20 de novembro de 2014, a Comissão deu início ao processo nos termos do artigo 11(6), do Regulamento (CE) nº 1/2003 contra os destinatários da presente decisão e um certo número de entidades de um compromisso adicional. Este compromisso não apresentou um pedido de resolução do processo em conformidade com o artigo 10a(2) do Regulamento (CF) no 773/2004. A data da presente decisão, estão pendentes os processos administrativos previstos no artigo 7 do Regulamento (CE) nº 1/2003 contra este compromisso. Para evitar dúvidas, a presente decisão não apresenta quaisquer conclusões sobre este compromisso no que diz respeito a uma infracção ao direito da concorrência da UE.
1. A INDÚSTRIA SUJEITA AO PROCEDIMENTO
1.1. O Produto
(5) Os produtos abrangidos pela infracção são os camiões com peso compreendido entre 6 e 16 toneladas ("camiões médios") e os camiões com mais de 16 toneladas ("camiões pesados"), tanto camiões rígidos como camiões tractores (a seguir denominados camiões pesados são referidos coletivamcnte como "camiões"). O caso não diz respeito a pós-vendas, outros serviços e garantias para camiões, a venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços vendidos pelos destinatários da presente decisão.
1.2.      Os Destinatários
(6) As empresas, incluindo as entidades jurídicas enumeradas nos pontos 2.2.1 a 2.2.5
(conjuntamente designadas por "Destinatários"), participaram na infracçào. 6
1.2.1.   MAN
(7) MAN (MAN SE e suas subsidiárias juntas são referidas como "MAN") fabricador e distribuidor de camiões, autocarros, motores a diesel, máquinas turbo, bem como equipamentos especiais. Além disso, a MAN fornece serviços financeiros relacionados à distribuição de seus produtos.
(8) As entidades jurídicas da MAN responsáveis pela infração são:
- MAN SE com escritório registado cm Munique, Alemanha;
- MAN Truck & Bus AG (a seguir designado por "MAN HQ") com o seu escritório registado em Munique, Alemanha;
- MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (a seguir designado por “MAN DE") com o seu escritório registado em Munique, Alemanha.
(9) A MAN teve, em 2015, o volume de negócios mundial total de 13.802 milhões de euros.
1.2.2. Daimler
(10) A Daimler desenvolve, produz e comercializa automóveis de passageiros e autocarros, bem como camiões médios e pesados. Além disso, a Daimler fornece serviços financeiros.
(11) A entidade jurídica da Daimler responsável pela infracção é a Daimler AG (a seguir designada "Daimler"), com sede em Estugarda, Alemanha.
(12) O volume de negócios mundial consolidado da Daimler em 2015 foi de 149,467 milhões de curos.
1.2.3. Iveco
(13) A Iveco (CNH Industrial e Fiat Chrysler Automobiles NV e suas filiais activas na produção, financiamento e venda de camiões da Iveco cm conjunto são designadas "Iveco") é activa na produção e venda de veículos comerciais ligeiros, médios e pesados camiões, bem como autocarros e autocarros de turismo, bem como veículos especiais para aplicações de combate a incêndios, defesa civil e missões de manutenção da paz.
(14) As entidades jurídicas da Iveco responsáveis pela infracção são:
- CNH Industrial N.V. com sede social e sede em Amesterdão, Holanda, e o local efetivo de gestão em Londres, Reino Unido;
- Fiat Chrysler Automobiles N.V., com sede social e sede em Amesterdão, na Holanda, e o local efetivo de gestão em Londres, Reino Unido;
- Iveco S.p.A. (a seguir designada "Iveco HQ"), com sede em Turim, Itália;
- Iveco Magirus AG (a seguir designada "Iveco DE"), com sede em Ulm, Alemanha.
(15) CNH Industrial N.V.'s o volume de negócios mundial consolidado em 2015 foi de 23.775 milhões de curos.
(16) O volume de negócios mundial consolidado da Fiat Chrysler Automobiles N.V. cm 2015 ascendeu a 110.595 milhões de euros.
1.2.4. Volvo/Renault
(17) Volvo/Renault (Aktiebolagct Volvo (publ), denominada "AB Volvo", sendo as suas filiais conjuntamente designadas por "Volvo" ou "Volvo / Renault") a empresa-mãe da Volvo Lastvagnar AB (a seguir designada "Volvo HQ") e a Renault Trucks SAS (a seguir designada "Volvo HQ") referido como "Renault HQ", a Renault Trucks SAS e suas subsidiárias juntas são denominadas "Renault".
(18) A AB Volvo e suas subsidiárias são ativas na produção e venda de camiões, autocarros, equipamentos de construção, sistemas de acionamento para aplicações marítimas e industriais. Além disso, a AB Volvo também fornece serviços financeiros.
(19) As entidades jurídicas da Volvo / Renault responsáveis pela infração são:
- AB Volvo (publ), com sede em Gotemburgo, na Suécia;
- Volvo Lastvagnar AB, com sede cm Gotemburgo, na Suécia;
- Renault Truck SAS, com sede cm Saint-Priest, França;
- Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (a seguir denominada "Volvo DE"), com sede em Ismaning, Alemanha. Renault Trucks Deutschiand GmbH (a seguir designada por "Renault DE"). Com efeito a partir de 23 de outubro de 2014, a Renault DE foi incorporada pela Volvo DE. As atividades realizadas pela Renault antes de 23 de outubro de 2014 foram assumidas e são agora realizadas pela Volvo DE. A entidade resultante da concentração continua sob o nome Volvo Group Trucks Central Europe GmbH ("Volvo DE").
(20) Volvo/Renaulfs o volume de negócios mundial consolidado em 2015 foi de 33.411 milhões de euros.
1.2.5. DAF
(21) A DAF (PACCAR Inc. e suas filiais europeias ativas na produção, venda e financiamento de camiões juntas são chamadas de "DAF") produzem camiões leves, médios e pesados sob a marca DAF.
(22) As entidades jurídicas da DAF responsáveis pela infração são:
- PACCAR Inc. (a seguir referida como "PACCAR") com sede em Bellevuc/Seattlc, Washington, EUA;
- DAF Trucks N.V. (a seguir referida como "DAF HQ") com sede em Eindhoven, Holanda;
- DAF Trucks Deutschiand GmbH (a seguir referida como "DAF DE") com escritório registado em Frechen, Alemanha.
(23) O volume de negócios mundial consolidado da DAF em 2015 foi de 17,228 milhões de EUR.
1.3. Descrição do Mercado de Camiões
1.3.1. Participação de mercado
(24) Em 2010 (ou seja, no final do período de infração), a quota de mercado agregada no Espaço Económico Europeu (EEE) dos destinatários dos camiões médios e pesados foi aproximadamente [redigida provisoriamente]%.
1.3.2. Estrutura da força de vendas
(25) Todos os Destinatários têm subsidiárias de marketing nacionais nos principais países do mercado que geralmente importam os camiões. Todos os Destinatários vendem seus produtos através de distribuidores e suas respectivas redes de revendedores autorizados ou, em certos casos / regiões particulares, diretamente para os principais clientes7. Alguns dos distribuidores e revendedores são de propriedade dos fabricantes de camiões como parte de sua organização de vendas, outros são independentes8
1.3.3. Características dos mercados de camiões
(26) A procura de camiões é altamente cíclica. Enquanto os carros de passageiros são adquiridos por clientes particulares e comerciais, os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes comerciais. Como os camiões são bens utilizados para uso profissional, os clientes muitas vezes adiam o investimento em renovação da frota em épocas de crise económica e compensam isso quando os seus negócios prosperam. Os camiões não são produtos básicos, mas são especificados de acordo com as necessidades individuais do cliente e são inerentemente complexos. Todos os Destinatários oferecem uma variedade de camiões e centenas de diferentes opções e variantes. Além disso, a confiabilidade percebida, o desempenho técnico, o consumo de combustível, os custos de manutenção e o branding desempenham um papel importante nas decisões de compra dos clientes. Outros aspectos importantes são uma ampla rede de estações de serviço, custos pós-venda, custos operacionais, etc.9
1.3.4. Mecanismos de definição de preços e listas de preços brutos
(27) O mecanismo de preços no setor de camiões segue geralmente as mesmas etapas para todos os Destinatários. Como em muitos outros setores, o preço começa geralmcnte a partir de um preço de tabela inicial bruto estabelecido pela Sede. Em seguida, os preços de transferência são definidos para a importação dos camiões em diferentes mercados por meio de empresas distribuidoras próprias ou independentes. Além disso, existem preços a pagar pelos concessionários que operam nos mercados nacionais e os preços líquidos finais ao cliente. Estes preços líquidos finais são negociados pelos distribuidores ou pelos fabricantes, onde vendem dirctamente aos revendedores ou aos clientes da frota. Os preços líquidos finais do cliente refletirão descontos substanciais no preço inicial bruto da lista. Nem todas as etapas são seguidas, pois os fabricantes também vendem diretamente aos revendedores ou aos clientes de frotas.
(28) No que diz respeito às listas de preços brutos iniciais dos novos camiões, todos os destinatários, exccpto a Iveco, aplicaram uma tabela de preços brutos com preços de tabela brutos harmonizados em toda a EEE10. A Renault introduziu as listas de preços do EEE cm 2000, mas a sua implementação demorou algum tempo, a Volvo tinha uma lista de preços do EEE desde Janeiro de 2002; DAF desde setembro de 2002; MAN desde 2004; e Daimler desde 2006. Estas primeiras listas de preços brutos do EEE foram decididas pela sede. As listas de preços da EEE continham os preços de todos os modelos de camiões médios e pesados, bem como todas as opções montadas de fábrica que o respectivo fabricante oferecia.11
1.3.5. Transparência do Mercado de camiões
(29) O setor de camiões é caracterizado por um alto grau de transparência. Os destinatários tiveram acesso a dados competitivos relevantes, como os registos de camiões por meio de registos públicos. Além disso, os produtores de camiões e suas empresas distribuidoras realizavam intercâmbios regulares em diversas associações industriais. Em algumas dessas associações, os dados sobre os períodos de recebimento e entrega de pedidos ou os níveis de stock foram trocados. Além disso, os destinatários tiveram acesso, cm diferentes graus, a dados adicionais através de clientes apresentando espontaneamente as ofertas dos concorrentes para negociar preços12 e através de compras mistério.13
(30) Como resultado, uma das incertezas restantes para os Destinatários no mercado de camiões foi o comportamento futuro do mercado dos produtores de camiões concorrentes e, cm particular, as suas respectivas intenções em relação às mudanças nos preços brutos e listas de preços brutos.
2. Procedimento
2.1. A Investigação da Comissão
(31) A 20 de Setembro de 2010, a MAN SE e todas as filiais directa ou indirectamente controladas por esta pediram imunidade de coimas em conformidade com o ponto 14 da Comunicação da Comissão de 2006 sobre imunidade de multas e redução de coimas nos processos de cartéis (a seguir "a Comunicação sobre a clemência") e, a título subsidiário, para uma redução das coimas em conformidade com o ponto 27 da comunicação sobre a cooperação em relação a um alegado cartel na indústria de camiões. O pedido de imunidade foi seguido por submissões subsequentes. Em 17 de Dezembro de 2010, a Comissão concedeu imunidade condicional de multas à MAN.
(32) Entre 18 e 21 de janeiro de 2011, a Comissão realizou inspeções, nomeadamente, nas instalações dos destinatários.
(33) A 28 de Janeiro de 2011, a AB Volvo (publ), incluindo todas as suas filiais diretas e indiretas, requereu imunidade de coimas em conformidade com o ponto 14 da Comunicação sobre a clemência e, a título subsidiário, para redução das coimas em conformidade com o ponto 27 do aviso de clemência. A aplicação foi seguida por submissões subsequentes.
(34) A 10 de Fevereiro de 2011, às 10h00, a Daimler AG, incluindo todas as suas filiais diretas e indiretas, requereu imunidade de coimas em conformidade com o ponto 14 da Comunicação sobre a clemência e, a título subsidiário, para redução das coimas em conformidade com o ponto 27 do aviso de clemência. A aplicação foi seguida por submissões subsequentes.
(35) A 10 de Fevereiro de 2011, às 22h22, a Iveco SpA e a Fiat SpA14, incluindo todas as suas filiais diretas e indiretas, apresentaram um pedido comum de imunidade de multas em conformidade com o ponto 14 da comunicação sobre a clemência e, a título alternativo, por redução das coimas em conformidade com o ponto 27 da comunicação sobre a cooperação. A aplicação foi seguida por submissões subsequentes.
(36) No decurso do inquérito15, a Comissão enviou vários pedidos de informação ao abrigo do artigo 18.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, bem como do ponto 12 da comunicação sobre a cooperação, designadamente aos destinatários.
(37) A 20 de novembro de 2014, a Comissão deu início ao procedimento previsto no artigo 11.º, n.º 6, do Regulamento (CE) n.º 1/2003 contra a DAF Trucks N.V., a DAF Trucks Deutschland GmbH, a PACCAR Inc., a Daimler AG, a Iveco S.p.A., a Iveco Magirus AG.,CNH Industrial NV, a Fiat Chrysler Automobiles NV, a MAN SE, a MAN Truck & Bus AG, a MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, a AB Volvo (publ), a Volvo Lastvagnar AB, a Volvo Trucks Central Europe GmbH, a Renault Trucks SAS e Declaração de Objeções, que notificou essas entidades.16
(38) Como previsto no ponto 29 da comunicação sobre a cooperação, por carta de 20 de novembro de 2014, a Comissão informou a Volvo / Renault, a Daimler e a Iveco da sua intenção preliminar de aplicar uma redução de uma multa numa faixa específica, como previsto no ponto 26 da comunicação sobre a cooperação.
(39) Na sequência da adoção e da notificação da comunicação de objeções de 20 de novembro de 2014, os destinatários tiveram acesso ao processo completo da Comissão.
(40) Em [...] todos os destinatários abordaram informalmente a Comissão e solicitaram a continuação do processo no âmbito do processo de transação. Posteriormente, a Comissão decidiu lançar processos de resolução para este caso depois de cada um dos destinatários ter confirmado a sua vontade de participar em discussões sobre a resolução de litígios.
(41) As reuniões de resolução entre cada destinatário e a Comissão tiveram lugar entre [...] e [...]. Durante essas reuniões, cada Destinatário manifestou a sua opinião sobre as objecções levantadas pela Comissão contra as mesmas. Os comentários dos destinatários foram cuidadosamente analisados pela Comissão e, sempre que adequado, tomados em consideração. A Comissão forneceu igualmente aos destinatários uma estimativa do leque de coimas susceptíveis de serem impostas pela Comissão e informou-os de que, num procedimento de resolução posterior à apresentação de objecções, após a recepção pela Comissão das propostas de transacção, não foi apresentada qualquer comunicação de objecções seria adotado.
(42) No final das discussões sobre o acordo, os destinatários consideraram que existia um entendimento comum suficiente sobre as potenciais objeções e a estimativa do leque de coimas prováveis para continuar o processo de liquidação.
(43) Entre [...] e [...], a MAN, a DAF, a Daimler, a Volvo / Renault e a Iveco (isto é, os destinatários) apresentaram à Comissão os seus pedidos formais de pagamento nos termos do artigo 10.ºA(2), do Regulamento (CE) nº 773/2004 (as “submissões de acordos”). A apresentação do acordo de cada Destinatário continha:
- Um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do destinatário pela infracção descrita sumariamente quanto ao seu objecto, aos principais factos, à sua qualificação jurídica, incluindo o seu papel e a duração da sua participação na infracção, em conformidade com os resultados das discussões;
- indicação do montante máximo da coima que o Destinatário previa ser imposto pela Comissão e que aceitaria no âmbito de um procedimento de transação;
- a confirmação do destinatário de que foi suficientemente informada das objecções levantadas pela Comissão contra o mesmo e que lhe foi dada oportunidade suficiente para apresentar os seus pontos de vista à Comissão;
- a confirmação do Destinatário de que a Comissão forneceu todas as informações necessárias para que possa tomar uma decisão informada sobre a sua regularização ou não;
- a confirmação do Destinatário de que não pediu para ser novamente ouvida numa audição oral antes de a Comissão adoptar a decisão final de liquidação;
- o acordo do Destinatário para receber a decisão final em conformidade com os artigos 7.º e 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003 cm inglês.
(44) Cada um dos Destinatários condicionou a apresentação supramencionada à imposição de uma coima pela Comissão, que não excederá o montante indicado na sua apresentação de transacção.
2.2 A principal evidência se baseou
(45) A prova documental principal invocada consiste nos documentos apresentados pela MAN (requerente de imunidade), Volvo / Renault (requerente da clemência), Daimler (requerente da clemência) e Iveco (requerente da clemência), declarações corporativas apresentadas por estes destinatários, documentos copiados pela Comissão durante as inspecções supramencionadas e responde aos pedidos de informação da Comissão.
3. DESCRIÇÃO DA CONDUTA
3.1. Maior transparência entre os destinatários
(46) Todos os destinatários trocaram listas de preços brutos e informações sobre os preços brutos, e a maioria (ver ponto 48) empenhou-se na troca de configuradores de camiões para computadores, lodos esses elementos constituíam informações comercialmente sensíveis. Com o tempo, os configuradores de camião, contendo os preços brutos detalhados para todos os modelos e opções, substituíram as listas de preços brutos tradicionais. Isso facilitou o cálculo do preço bruto para cada configuração de camião possível. O intercâmbio foi operado tanto a nível multilateral como bilateral.
(47) Na maior parte dos casos, a informação de preço bruto para componentes de camiões não estava disponível ao público e a informação que estava disponível ao público não era tão detalhada e precisa como a informação trocada entre, entre outros, os destinatários. Ao trocar os preços brutos e as listas de preços brutos atuais, combinados com outras informações coletadas por meio da inteligência de mercado, os destinatários puderam calcular melhor os preços líquidos atuais aproximados de seus concorrentes - dependendo da qualidade da inteligência de mercado à sua disposição.
(48) De igual modo, o intercâmbio de configuradores ajudou a comparar as ofertas próprias com as dos concorrentes, o que aumentou ainda mais a transparência do mercado. Em particular, pode ser entendido pelos configuradores de camião quais seriam os extras compatíveis com quais camiões, e quais opções seriam parte do equipamento padrão ou um extra. Todos os Destinatários, com exceção do DAF, tiveram acesso ao configurador de pelo menos um outro destinatário. Alguns configuradores apenas permitiam acesso a informações técnicas, como portais de fisiculturistas, e não incluíam nenhuma informação de preço.
3.2. Natureza e âmbito da infracção
(49) Os contactos colusórios assumidos pelos destinatários no período de 1997 a 2010 tiveram lugar sob a forma de reuniões regulares em locais de associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos por parte de fabricantes ou reuniões de concorrentes organizadas para o objectivo da infracção. Eles também incluíam trocas regulares via e-mails e telefonemas. A sede dos destinatários (a seguir: Nível Sede) esteve diretamente envolvida na discussão de preços, aumento de preços e introdução de novos padrões de emissão até 2004. Pelo menos a partir de agosto de 2002, as discussões foram realizadas por meio de subsidiárias alemãs (doravante denominadas Nível Alemão), que, cm graus variados, reportaram à sua sede.
(50) Estes acordos colusórios incluíam acordos e/ou práticas concertadas sobre preços e aumentos brutos dos preços, a fim de alinhar os preços brutos do EEE, o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissão exigidas pelas normas EURO 3 a 6.
(51) De 1997 até ao final de 2004, os destinatários participaram em reuniões que envolveram quadros superiores de todas as sedes17 (ver, por exemplo, (52)). Nessas reuniões, realizadas várias vezes ao ano, os participantes discutiram e, em alguns casos, também acordaram seus respectivos aumentos de preços brutos.18 Antes da introdução de listas de preços aplicáveis a nível pan-europeu (EEE) (ver acima cm (28)), os participantes discutiram aumentos brutos dos preços, especificando a aplicação em todo o EEE, dividida pelos principais mercados. Durante reuniões bilaterais adicionais cm 1997 e 1998, para além das discussões pormenorizadas regulares sobre futuros aumentos brutos dos preços, os destinatários relevantes trocaram informações sobre a harmonização das tabelas de preços brutos para o EEE.19 Ocasionalmente, os participantes, incluindo representantes da sede de todos os destinatários, também discutiu preços líquidos para alguns países.20 Também concordaram com o momento da introdução e da taxa adicional a ser aplicada à tecnologia de emissões que cumpre os padrões de emissões da EUROPA.21 Além dos acordos sobre os níveis de aumentos de preços, os participantes informavam-se regularmente sobre aumentos planejados de preço brutos.22 Além disso, trocaram seus respectivos prazos de entrega e suas previsões gerais de mercado específicas do país, subdivididas por países e categorias de caminhões23. Além das reuniões, houve trocas regulares de informações competitivamente sensíveis por telefone e e-mail.24
(52) Os seguintes exemplos de reuniões ilustram a natureza das discussões, cm particular entre os Destinatários ao Nível da Sede durante o período inicial da infracção. Em 17 de Janeiro de 1997, foi organizada uma reunião em Bruxelas.25 Estiveram presentes representantes da Sede de todos os Destinatários. As evidencias demonstram que foram discutidas mudanças brutas futuras nos preços de lista. Durante uma reunião em 6 de Abril de 1998, no contexto de uma reunião da associação industrial, da qual participaram representantes da sede de todos os Destinatários, os participantes coordenaram a introdução dos camiões conformes com as normas EURO 3. Eles concordaram em não oferecer camiões compatíveis com a norma EURO 3 antes obrigatório para o fazer e acordou num intervalo para o preço adicional para os camiões compatíveis com a norma FURO 3.
(53) Quanto às próximas alterações às tabelas de preços do euro, a evidência mostra ainda que todos os destinatários estiveram envolvidos em discussões sobre a utilização da moeda euro para reduzir os descontos. As partes envolvidas discutiram que a França tinha os preços mais baixos e concordaram que os preços na França tinham que ser aumentados.26
(54) Após a introdução da moeda euro e com a introdução de tabelas de preços pan-europeias (EEE) para quase todos os fabricantes (ver (28)), os destinatários começaram sistematicamente a trocar os respectivos aumentos previstos de preços brutos através das suas filiais alemãs, (ver, por exemplo, 59)), enquanto os contatos colusivos no nível de gerentes seniores da Sede continuaram paralelamente entre 2002 e 2004. Por exemplo, durante uma reunião realizada cm 10 e 11 de Abril de 2003 27 no âmbito de uma reunião da associação industrial, na qual participaram, entre outros, representantes da sede de todos os destinatários, tiveram lugar discussões, entre outras coisas, sobre os preços e as modalidades da introdução de camiões compatíveis com a norma Euro 4, semelhante às discussões anteriormente realizadas relativamente à norma Euro 3 (ver (52)). Além disso, representantes não-sénior da Sede e das Subsidiárias Alemãs ocasionalmente organizavam reuniões comuns, incluindo pontos de agenda e discussões comuns e separadas (ver, por exemplo, (59)).
(55) Os intercâmbios que envolveram o nível alemão realizaram-se através de reuniões regulares dos concorrentes e os contactos foram organizados entre os trabalhadores das filiais alemãs.28 Além dessas reuniões, houve trocas regulares por telefone e cmail.29 Os tópicos discutidos cobriam tópicos técnicos e prazos de entrega, mas também preços (normalmente preços brutos).30 Frequentemente, os participantes dessas trocas, incluindo os Destinatários, também trocaram informações comercialmente sensíveis, como entrada de pedidos, estoque e outras informações técnicas por e-mail e telefone.31
(56) Em anos posteriores, as reuniões envolvendo o nível alemão tomaram-se mais formalizadas e as informações brutas de aumento de preço que não estavam disponíveis no domínio público foram geralmente inseridas em uma planilha dividida por modelo padrão de camião para cada produtor.32 Estas trocas ocorreram várias vezes por ano.33 As futuras informações de aumento de preço bruto trocado referiam- se apenas aos modelos básicos de camiões ou aos camiões e às opções disponíveis (muitas vezes isso era indicado separadamente nas tabelas trocadas) e normalmente não se trocavam preços líquidos ou aumentos líquidos de preços. As informações sobre os futuros aumentos brutos dos preços a serem trocados ao nível das subsidiárias alemãs foram, em graus variados, encaminhados à sede respectiva.34
(57) O intercâmbio sobre os futuros aumentos brutos dos preços previstos e sobre a nova tecnologia relativa às normas de emissão prosseguiu ao longo dos anos e, a partir de 2007, incluiu regularmente os prazos de entrega dos produtores de camiões.35 A partir de 2008, as trocas tomaram-se mais formalizadas usando um modelo unificado com a finalidade de trocar informações sobre os aumentos planejados de preços brutos.36
(58) Pelo menos os intercâmbios colocam os Destinatários em condições de ter em conta as informações trocadas pelo seu processo de planeamento interno e o planeamento dos futuros aumentos brutos dos preços para o próximo ano civil.37 Além disso, a informação pode ter influenciado o posicionamento dos preços de alguns dos novos produtos dos Destinatários.38
(59) Os exemplos que se seguem ilustram a natureza das discussões em que participaram representantes do nível alemão. No final de 2004, um funcionário da DAF Trucks Deutschland GmbH enviou um email para, entre outros, os representantes das subsidiárias alemãs solicitando que eles comunicassem os aumentos de preço brutos planejados para 2005. O aumento de preços resumido e compilado as informações foram enviadas a todos os participantes, incluindo todos os Destinatários, alguns dias depois, contendo informações sobre os aumentos brutos de preços pretendidos.39 Os destinatários participaram numa reunião, em 4 e 5 de Julho de 2005, em Munique, na qual participaram representantes não-sénior da sede e funcionários das filiais alemãs.40 Parece a partir da evidência de que atividades e reuniões comuns foram agendadas. Além disso, também foram previstas sessões especiais envolvendo os representantes não-sénior da Sede e reuniões separadas envolvendo os representantes das Subsidiárias Alemãs.4' Durante uma destas últimas sessões, os participantes, incluindo todos os Destinatários, trocaram informações sobre os futuros aumentos de preços brutos planejados para 2005 e 2006, bem como os custos adicionais de conformidade com os padrões de emissões EURO 4.42 Outras reuniões envolvendo representantes das subsidiárias alemãs prosseguiram as discussões sobre os aumentos de preços e os aumentos de preços para as normas Euro 4 e Euro 5 incluem as reuniões realizadas em 12 de abril de 200645 bem como nos dias 12 e 13 de março de 2008.44
(60) Os elementos de prova revelam que as informações sobre os aumentos brutos dos preços, entre outros, de todos os destinatários a partir de Novembro de 2010 e a partir de Janeiro de 2011, foram recolhidas junto dos participantes nos intercâmbios. O conteúdo desta lista foi reproduzido em uma nota manuscrita por um funcionário da MAN que também recebeu as informações de aumento de preço bruto relativas aos outros participantes directamente da Daimler. Esta informação foi fornecida quando a Daimler telefonou para a MAN para descobrir detalhes sobre o próximo aumento de preço bruto da MAN.45
3.3. Âmbito geográfico
(61) O âmbito geográfico da infracção abrangeu todo o território do EEE durante toda a duração da infracção.
3.4 Duração da infracção
(62) Como indicado na secção 4.2, todos os destinatários iniciaram a sua participação na infracção em 17 de Janeiro de 1997.
(63) Considera-se que a infração terminou em 18 de janeiro de 2011, data em que tiveram início as inspeções. Para a MAN, considera-se que a infração terminou cm 20 de setembro de 2010, quando solicitou imunidade.
4. AVALIAÇÃO JURÍDICA
(64) Tendo em conta o conjunto de provas, os factos descritos na secção 4 e o reconhecimento claro e inequívoco dos destinatários nos seus pedidos de transacção, a Comissão procede à seguinte apreciação jurídica.
4.1. Aplicação do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e do artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE
4.1.1. Acordos e práticas concertadas
(a) Principais
(65) O n.º 1 do artigo 101.º do TFUE e o n.º 1 do artigo 53.º do Acordo EEE proíbem os acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros ou as partes contratantes do Acordo EEE, respectivamente, e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno e / ou no EEE, conforme aplicável.
(66) Embora o artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e o artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE estabeleçam uma distinção entre o conceito de prática concertada e o de acordos entre empresas, o objetivo consiste em incluir na proibição destes artigos uma forma de coordenação entre as empresas que, sem terem chegado à fase da celebração de um acordo propriamente dito, substituem, intencionalmente, a cooperação prática entre eles para os riscos da concorrência. Assim, o comportamento pode ser abrangido pelo artigo 101.º, n.º 1, TFUE e pelo artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE enquanto prática concertada, mesmo quando as partes não subscreveram explicitamente um plano comum que definisse a sua ação no mercado, mas adotassem conscientemente ou aderissem a dispositivos colusivos que facilitam a coordenação de seu comportamento commercial behaviour.46
(67) Os conceitos de acordo e prática concertada são fluidos e podem sobrepor-se. Com efeito, pode nem mesmo ser possível fazer tal distinção, uma vez que uma infração pode apresentar simultaneamente as características de cada forma de conduta proibida, enquanto. quando consideradas isoladamente, algumas de suas manifestações poderiam ser descritas com precisão como uma e não como outra.47
(b) Aplicação deste caso
(68) O comportamento descrito no ponto 4 supra pode caracterizar-se como uma infracção complexa ao artigo 101.º do TFUE e ao artigo 53.º do Acordo EEE, constituídos por várias acções que podem ser classificadas como acordos ou práticas concertadas, dentro das quais os destinatários conscientemente, substituiu a cooperação prática entre eles para os riscos da concorrência.
(69) Por conseguinte, este comportamento apresenta todas as características de um acordo c/ou prática concertada na acepção do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e do artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EHE, que tinha por objeto a prevenção, restrição e / ou distorção da concorrência no que diz respeito aos camiões do EEE. Os Destinatários estavam, em particular, envolvidos nos arranjos anticompetitivos descritos acima, relativos à venda de Camiões através de várias camadas de reuniões de competidores e outros contatos, que ocorreram na Sede Central e na Alemanha.
4.2. Violação Simples e Contínua
(a) Princípios
(70) A violação do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e do artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE pode resultar não apenas de um ato isolado, mas também de uma série de atos ou de um comportamento continuado, mesmo que mais aspectos dessa série de actos ou de comportamento continuado poderiam também, em si mesmos e considerados isoladamente, constituir uma infracção a esta disposição. De acordo com a jurisprudência constante, se acções diferentes fizerem parte de um «plano global», porque o seu objecto idêntico falseia a concorrência no mercado interno, a Comissão tem o direito de imputar a responsabilidade por essas acções com base na participação na infracção considerada como um todo.48
(b) Aplicação neste caso
(71) No presente caso, o comportamento descrito na secção 4 constitui uma infracção única e continuada ao artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e ao artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE, de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011. Simultaneamente, com base nos factos acima descritos, qualquer um dos aspectos do comportamento, incluindo em relação a qualquer um dos produtos e em relação a qualquer um dos Estados- Membros (ou regiões mais vastas), tem por objecto a restrição da concorrência e constitui, por conseguinte, uma violação do artigo 101.º do TFUE e/ou do artigo 53.0 do Acordo EEE.49 O único objectivo econômico anticoncorrencial da colusão entre os Destinatários consistia em coordenar o comportamento bruto de preços uns dos outros e a introdução de certas normas de emissão, a fim de eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respectivos Destinatários e, em última análise, a reação dos clientes no mercado. As práticas colusivas seguiram um único objectivo económico, nomeadamente a distorção da fixação de preços independentes e o movimento normal dos preços dos camiões no EEE.
(72) Vários factores, tais como as características comuns do conteúdo dos contactos, a identidade e, para alguns dos Destinatários, sobreposições de indivíduos que participam nos contactos, o calendário dos contactos ou a proximidade no tempo confirmam que os contactos colusivos foram ligados e complementar50 na natureza, uma vez que cada uma delas visava tratar de uma ou mais das consequências do padrão normal de concorrência no âmbito de um plano a nível do EEE com um único objectivo.51
(73) As evidências disponíveis mostram que a conduta descrita acima constituiu um processo contínuo e não consistiu em ocorrências isoladas ou esporádicas. Os contactos entre os Destinatários eram de natureza contínua, com numerosos contactos regulares (reuniões presenciais, telefonemas e troca de e-mails). Os diferentes elementos da infracção visavam um objectivo anticoncorrencial comum, tal como acima descrito, que permaneceu o mesmo durante todo o período da infracção. A existência de uma infracção única e continuada também é apoiada pelo facto de os comportamentos anticoncorrenciais terem seguido um padrão semelhante ao longo de todo o período da infracção.
(74) Embora cm 2004 os contactos colusórios tivessem ocorrido entre as filiais alemãs e não entre os serviços centrais, tais contactos tinham o mesmo objecto que os anteriores encontros entre representantes do nível central, ou seja, a distorção da fixação de preços independente e o movimento normal dos preços dos camiões do EEE. Isto é evidenciado pelo fato de que as discussões entre os representantes das Subsidiárias Alemãs continuaram a abordar os mesmos tópicos, e da mesma forma que em outras reuniões anteriores envolvendo representantes da Sede.52
(75)     Trocando listas de preços brutos aplicáveis a nível do EEE,53 os Destinatários estavam cm melhor posição para compreender, a partir das informações de aumento de preços trocadas pelas subsidiárias alemãs, a estratégia de preços europeia de cada uma, do que teriam sido apenas com base na inteligência de mercado à sua disposição disposal.54
(76) Além disso, um número limitado de indivíduos de cada Destinatário teve vários contactos que seguiram um padrão semelhante ao longo de todo o período da infracção, embora existissem vários círculos e níveis de trocas. Os destinatários que pretendiam contribuir para os objectivos comuns dos comportamentos anticoncorrenciais persistentes, tal como descritos nos considerandos 49 a 60, estavam cientes, ou podiam razoavelmente prever, do alcance geral e das características essenciais da infracção enquanto todo.
(77) O regime global foi aplicado durante um período de vários anos, utilizando os mesmos mecanismos e prosseguindo o mesmo objectivo comum de eliminar a concorrência.
(78) Nesta base, e no que se refere à concepção comum de contactos e ao objectivo comum da infracção, a série de contactos colusórios entre os destinatários constitui uma infracção única e continuada ao artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e Artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE.
4.3. Restrição da Concorrência
(a)  Princípios
(79) Para ser abrangido pela proibição estabelecida no artigo 101.º, n.º l, do TFUE e no artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE, um acordo ou uma prática concertada deve ter por objetivo ou efeito impedir, restringir ou faiscar a concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável.
(80) A este respeito, resulta da jurisprudência que não é necessário examinar os efeitos reais de um acordo ou de uma prática concertada quando se trata de impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno e/ou EEE e quando o objectivo anticoncorrcncial da conduta em questão for provado.55
(b) Aplicação a este caso
(81) O comportamento anticoncorrencial descrito nos pontos 49 a 60 tem como objectivo restringir a concorrência no mercado a nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação entre Destinatários, que eram concorrentes, de preços brutos, dirctamente e através da troca de aumentos brutos de preços planejados, a limitação e o momento da introdução da tecnologia em conformidade com novos padrões de emissão e compartilhamento de outras informações comercialmente sensíveis como a entrada de pedidos e os prazos de entrega. Sendo o preço um dos principais instrumentos de concorrência, os diversos mecanismos e mecanismos adoptados pelos destinatários visavam, em última análise, restringir a concorrência pelos preços na acepção do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE e do artigo 53.º, n.º 1, do Acordo EEE.
(82) Segundo jurisprudência assente, para efeitos do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53. º do Acordo EEE, não há que ter em conta os efeitos reais de um acordo quando este tem por objeto a prevenção, a restrição ou distorção da concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável. Por conseguinte, no presente caso, não é necessário demonstrar efeitos anticoncorrenciais reais, dado que o objectivo anticoncorrcncial do comportamento em causa é provado.
4.4. Efeito no comércio
(a) Princípios
(83) O artigo 101.º do TFUE visa acordos e práticas concertadas susceptíveis de prejudicar a realização de um mercado único entre os Estados-Membros, seja através da divisão dos mercados nacionais ou da influência da estrutura da concorrência no mercado interno. Do mesmo modo, o artigo 53º do Acordo EEE é dirigido a acordos que põem em causa a realização de um Acordo EEE homogéneo.
(b) Aplicação neste caso
(84) O sector dos camiões é caracterizado por um volume substancial de trocas comerciais entre os Estados-Membros, bem como entre a União e os países da EFTA do EEE, e afecta a estrutura concorrencial do mercado em pelo menos dois Estados-Mcmbros.56
(85) Neste caso, tendo em conta a parte de mercado e o volume de negócios dos destinatários no EEE, pode presumir-se que os efeitos sobre o comercio são consideráveis.57 Além disso, o âmbito geográfico da infracção que abrangeu vários Estados-Membros e a natureza transfronteiriça dos produtos afectados também demonstram que os efeitos sobre o comércio são significativos.
4.5. Não aplicabilidade do artigo 101.º, n.º 3, do Tratado e do artigo 53.º, n.º 3, do Acordo EEE
(a) Princípios
(86) O disposto no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE e no n.º 1 do artigo 53.º do Acordo EEE pode ser declarado inaplicável, nos termos do no 3 do artigo 101.º do TFUE e do no 3 do artigo 53.0 do Acordo EEE, respectivamente. Quando um acordo ou prática concertada contribua para melhorar a produção ou a distribuição de mercadorias ou para promover o progresso técnico ou económico, desde que conceda aos consumidores uma parte equitativa da vantagem daí resultante, não imponha restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objetivos e não oferece às empresas em causa a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos cm questão.
(a) Aplicação neste caso
(87) Com base nos factos apresentados à Comissão, não existem indicações de que a conduta dos Destinatários descrita tenha implicado quaisquer benefícios ou de outro modo promovido o progresso técnico ou económico.
(88) Por conseguinte, a Comissão chegou à conclusão de que as condições previstas no artigo 101.º, n.º 3, do TFUE e no artigo 53.º, n.º 3, do Acordo EEE não estão preenchidas no presente caso.
5  Duração das infrações
(89) Tal como estabelecido na secção 4.2, todos os destinatários iniciaram a sua participação na infracção em 17 de Janeiro de 1997.
(90) Considera-se que a infração terminou em 18 de janeiro de 2011, data cm que tiveram início as inspeções. Para a MAN, considera-se que a infração terminou em 20 de setembro de 2010, quando solicitou imunidade.
6 RESPONSABILIDADE
(a) Princípios
(91) O artigo 10l.º do TFUE e o artigo 53.º do Acordo EEH aplicam-se às empresas e associações de empresas.58 A noção de «empresa» abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo como é exercida financiado.59
(92) O termo «empresa» deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que a lei seja uma unidade econômica constituída por várias pessoas singulares ou colectivas.60 Para determinar se as entidades jurídicas distintas fazem parte da mesma empresa, há que ter em conta especialmente para os vínculos económicos, organizacionais e legais entre essas entidades.61
(93) Segundo a jurisprudência constante, quando uma empresa-mãe detém uma participação de 100% numa filial que infringiu as regras de concorrência da União, existe uma presunção refutável de que a empresa-mãe pode exercer e exerce de facto uma influência decisiva sobre a mesma conduta de sua subsidiária.62
(b) Aplicação neste caso
(94) Tendo em conta o conjunto de provas e os factos acima descritos e os reconhecimentos claros e inequívocos dos destinatários nos seus pedidos de transacção, a Comissão considera as empresas enumeradas infra, constituídas pelas seguintes entidades jurídicas, responsáveis pela infracção ao artigo 10l.º TFUE e no artigo 53 do Acordo EEE.
6.1. MAN
(95) As seguintes entidades jurídicas são responsáveis conjunta e solidariamente pela infracção cometida pela MAN:
(a) MAN Truck & Bus AG, enquanto participante directo, pelo envolvimento na infracção de 17 de Janeiro de 1997 a 20 de Setembro de 2010 e, na qualidade de empresa-mãe, pela conduta da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH a partir de 3 de Maio 2004 até 20 de setembro de 2010. A MAN Truck & Bus AG reconheceu que, como uma empresa-mãe, exerceu influência decisiva sobre a sua subsidiária MAN Truck & Bus Deutschland GmbH durante o período relevante.
(b) MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, como participante directo, pelo seu envolvimento na infracção de 3 de Maio de 2004 a 20 de Setembro de 2010.
(c) MAN, na qualidade de empresa-mãe, para a condução da sua filial MAN Truck & Bus AG de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010 e da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro de 2010 reconheceu que exercia, como uma empresa-mãe, influência de sua subsidiária integral MAN Truck & Bus AG de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010 e como controladora indireta sobre sua subsidiária MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro de 2010.
6.2. Daimler
(96) A Daimler AG é responsável, enquanto participante directo, pelo seu envolvimento na infracção, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011.
6.3) Iveco
(97) As seguintes entidades jurídicas são responsáveis conjunta e solidariamente pela infracção cometida pela Iveco.
(a) Iveco SpA, enquanto participante directo, pelo seu envolvimento na infracção de 17 de Janeiro de 1997 a 14 de Novembro de 2008 e, como sociedade-mãe, pelo comportamento da sua filial Iveco Magirus AG de 26 de Junho de 2001 a 18 de Janeiro de 2011 A Iveco SpA reconheceu que exerceu, como uma empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial Iveco Magirus AG durante o período relevante.
(b) Iveco Magirus AG, como participante directo, pelo envolvimento na infracção de 26 de Junho de 2001 a 18 de Janeiro de 2011.
(c) Fiat Chrysler Automobilcs NV, enquanto antiga sociedade-mãe, pelo comportamento da sua filial Iveco SpA de 17 de Janeiro de 1997 a 14 de Novembro de 2008 e da sua filial Iveco Magirus AG de 26 de Junho de 2001 a 31 de Dezembro de 2010. Fiat Chrysler A Automobiles NV reconheceu que exercia, como (antiga) empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial Iveco SpA de 17 de janeiro de 1997 a 31 de de/cmbro de 2010 e como empresa- mãe (indireta) sobre a sua filial Iveco Magirus AG de 26 de junho de 2001 até 31 de Dezembro de 2010.
(d) CNII Industrial NV, como empresa-mãe, pela condução da sua filial (indirecta) Iveco Magirus AG de 1 de Janeiro de 2011 a 18 de Janeiro de 2011. A CNH Industrial NV reconheceu que exercia, como empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua empresa subsidiária Iveco SpA e como empresa-mãe (indireta) sobre sua subsidiária Iveco Magirus AG de 1 de janeiro de 2011 a 18 de janeiro de 2011.
6.4. Volvo/Renault
(98) As seguintes entidades jurídicas são responsáveis conjunta e solidariamente pela infracção cometida pela Volvo / Renault:
(a) Volvo Lastvagnar AB, enquanto participante directo, pelo seu envolvimento na infracção de 17 de Janeiro de 1997 a 8 de Abril de 2010 e, na qualidade de empresa-mãe, pela condução da sua filial Volvo Group Trucks Central Europc GmbH (na medida em que isto não envolve a responsabilidade da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de janeiro de 2004 até 18 de janeiro de 2011. A Volvo Lastvagnar AB reconheceu que exerceu, como uma empresa-mãe, influencia decisiva sobre sua subsidiária Volvo Group Trucks Central Europe GmbH durante o período relevante.
(b) Volvo Group Trucks Central Europc GmbH, como participante direto, pelo seu envolvimento na infração de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011 e, como sucessor legal e económico, pela participação da Renault Trucks Deutschland GmbH na infração de 20 de janeiro 2004 até 18 de janeiro de 2011.
(c) A Renault Trucks SAS é responsável, como participante directo, pelo seu envolvimento na infracção, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011, e como empresa-mãe na condução da sua filial Volvo Group Trucks Central Europe Gmbl I (na medida é a sucessora jurídica e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011. A Renault reconheceu que exerceu durante o período relevante, como empresa- mãe, influencia decisiva sobre a sua filial Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (na medida em que é o sucessor legal e econômico da Renault Trucks Deutschland GmbH).
(d) AB Volvo, como empresa-mãe, pela conduta de:
- a sua filial Renault Trucks SAS, de 2 de janeiro de 2001 a 18 de janeiro de 2011;
- a sua filial (indirecta) Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (incluindo sucessora jurídica e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011; e
- a sua filial Volvo Lastvagnar AB, de 17 de Janeiro de 1997 a 8 de Abril de 2010.
(99) A AB Volvo reconheceu que exercia, na sua qualidade de empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial Renault Trucks SAS, de 2 de janeiro de 2001 a 18 de janeiro de 2011; através de sua subsidiária Volvo Group Trucks Central Europc GmbH (inclusive sucessora jurídica e econômica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011; e sobre a sua filial Volvo Lastvagnar AB, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011.
6.5. DAF
(100) As seguintes entidades jurídicas são responsáveis conjunta e solidariamente pela infracção cometida pela DAF:
(a) DAF Trucks NV, enquanto participante directo, pelo envolvimento na infracção de 17 de Janeiro de 1997 a 27 de Fevereiro de 2009 e, na qualidade de empresa- mãe, pela DAF Trucks Deutschland GmbH de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011. DAF Trucks N.V reconheceu que exerceu, como controladora, uma influência decisiva sobre sua subsidiária DAF Trucks Deutschland GmbH, de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011.
(b) DAF Trucks Deutschland GmbH, enquanto participante directo, pelo envolvimento na infracção de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011.
(c) PACCAR Inc., como sociedade - mãe, pela condução da sua filial DAF Trucks NV de 17 de janeiro de 1997 a 27 de fevereiro de 2009 e pela conduta da sua filial DAF Trucks Deutschland GmbH de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011. PACCAR Inc. reconheceu que exercia como controladora influência decisiva sobre sua subsidiária DAF Trucks NV de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011 e sobre sua subsidiária DAF Trucks Deutschland GmbH de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011.
7. RECURSOS
7.1. Artigo 7 do Regulamento (EC) n.º 1/2003:
(101) Se a Comissão verificar a existência de uma infracção ao artigo 101.º do TFUE e ao artigo 53.º do Acordo EEE, pode, mediante decisão, exigir às empresas em causa que ponham fim a essa infracção, em conformidade com o artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003.
(102) Tendo em conta o sigilo cm que se processou a infracção, neste caso não é possível declarar com absoluta certeza que a infracção cessou. Por conseguinte, é necessário que a Comissão exija às empresas destinatárias da presente decisão que ponham fim à infracção (se ainda não o tiverem feito) e que se abstenha de qualquer acordo ou prática concertada que possa ter o mesmo ou um semelhante processo, objeto ou efeito.
7.2. Artigo 23(2) do Regulamento (EC) n.º 1/2003 - Multas
(103)   Nos termos do artigo nº 2 do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, a Comissão pode, através de uma decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas que violem, deliberadamente ou por negligência, o artigo 101.º do TFUE e o artigo 53.º do Acordo EEE63. Para cada empresa que participe na infracção, a coima não deve exceder 10% do seu volume de negócios total no exercício anterior.
(104) Neste caso, com base nos factos descritos na presente decisão, a Comissão considera que a infracção foi cometida intencionalmente.
(105) A Comissão aplica coimas neste caso às empresas destinatárias da presente decisão.
(106)   Nos termos do nº 3 do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, ao fixar o montante da coima a aplicar, a Comissão deve tomar em consideração todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente a gravidade e a duração da infracção, que são os dois critérios expressamente referidos nesse regulamento. Ao fazê-lo, a Comissão fixa as coimas a um nível suficiente para garantir a dissuasão. Ao estabelecer as multas a serem impostas, a comissão refere os princípios estabelecidos nas suas orientações sobre as coimas. 64 Por último, a Comissão aplica, conforme adequado, as disposições da comunicação relativa à clemência e do aviso de liquidação.65
7.2.1.   Cálculo das multas
(107)   De acordo com as orientações para as coimas, o montante de base da coima a aplicar a cada empresa resulta da adição de um montante variável e de um montante adicional. O montante variável resulta de uma percentagem até 30% do valor das vendas de bens ou serviços a que a infração se refere num determinado ano (normalmente, o último exercício completo da infração) multiplicado pelo número de anos de participação da empresa nessa infracção. O valor adicional (“taxa de entrada”) ó calculado como uma percentagem entre 15% e 25% do valor das vendas.66 O montante de base resultante pode ser aumentado ou reduzido para cada empresa se se verificar que as circunstâncias agravantes ou atenuantes são aplicáveis.
7.2.2. O valor das multas
(108) O montante de base da coima a aplicar às empresas em causa deve ser fixado em função do valor das vendas,67 isto é, o valor das vendas de bens ou serviços a que a infracção directa ou indirectamente se relaciona na área geográfica relevante do EEE.
(109) Neste caso, o valor relevante das vendas é o volume de vendas de caminhões médios e pesados, tanto cm camiões rígidos quanto em camiões-trator (conforme definido na seção 2.1 acima) no EEE. O caso não diz respeito a serviços pós-venda, outros serviços e garantias para camiões, a venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços vendidos pelos Destinatários no presente processo.
(110) A Comissão toma habitualmente as vendas efectuadas pelas empresas durante o último exercício completo da sua participação na infracção.68 se o último ano não for suficientemente representativo, a Comissão pode ter cm conta outro ano e/ou outros anos para determinar o valor das vendas. Com base no exposto e nas informações fornecidas pelos Destinatários, a Comissão utilizou as vendas das empresas no último exercício completo da sua participação na infração, a saber, 2010.
(111) A Comissão terá igualmente em conta a evolução do território do EEE durante o período de infracção após a adesão de novos Estados-Membros à União em 2004 e 2007. No que respeita à avaliação da coima pela infracção antes de 1 de Maio de 2004, apenas a procuração para o valor das vendas nas 18 Partes Contratantes do Acordo sobre o EEE será tida em conta. Entre l de Maio de 2004 e 31 de Dezembro de 2006, será tida em conta a representação do valor das vendas nas 28 partes contratantes no Acordo EEE. Entre 1 de Janeiro de 2007 e o final da infracção, será tida em conta a representação do valor das vendas nas 30 partes contratantes do Acordo EEE.
(112) [redigida provisoriamente]
(113) [redigida provisoriamente] a Comissão utilizou o valor das vendas indicado no quadro 1 abaixo para efeitos do cálculo dos montantes variáveis e adicionais das coimas.

Tabela 1: O valor das vendas


Empresa
Valor retido de vendas para cálculo de multas
MAN
[…]
Daimler
[…]
Iveco
[…]
Volvo/Renault
[…]
DAF
[…]


7.2.3.   Gravidade
(114) A gravidade da infração determina a percentagem do valor das vendas tomadas em consideração na fixação da coima. Ao apreciar a gravidade da infracção, a Comissão teve cm conta diversos factores, como a natureza da infracção, a quota de mercado combinada de todas as empresas em causa, o alcance da infracção e/ou se a infracção foi ou não foi implementada.69
(115) Os acordos de coordenação de preços, como os descritos na presente decisão, estão, pela sua natureza, entre as restrições da concorrência mais prejudiciais. A proporção do valor das vendas considerado para essas infraeções será, por conseguinte, gcralmente fixada no nível mais elevado da escala do valor das vendas.70
(116) A Comissão tem igualmente cm conta a quota de mercado combinada dos Destinatários do Espaço Económico Europeu (EEE), que está em tomo de [provisoriamente redigida], e o facto de a infracção abranger a totalidade do EEE.
(117) Tendo em conta as circunstâncias específicas do presente caso, cm especial tendo cm conta a natureza, o âmbito geográfico da infracção e a quota de mercado combinada das empresas, a proporção do valor das vendas a ter em conta é [redigida provisoriamentc].
7.2.4. Duração
(118) No cálculo da coima a aplicar a cada empresa, a Comissão toma igualmente em consideração a duração da infracção, tal como consta da secção 4.4.71
(119) A Volvo/Renault, que apresentou um pedido de clemência, foi o primeiro destinatário a fornecer provas convincentes de acontecimentos anteriormente desconhecidos da Comissão, que permitiram à Comissão identificar a data de início da infração para todos os destinatários cm 17 de janeiro de 1997. Assim, a data de início da infracção foi alterada de 16 de Janeiro de 2001 para 17 de Janeiro de 1997. As provas apresentadas pela Volvo/Renault continham notas manuscritas contemporâneas, relatórios de reuniões e convites para reuniões de um funcionário que participou pessoalmente em reuniões concorrente da infracção. As evidências continham datas exatas da reunião e informações detalhadas sobre outros contatos anticoncorrenciais. Dado que estes factos adicionais permitiram à Comissão aumentar a duração da infracção, não são tidos em conta contra a Volvo/Renault para efeitos de detenninação da sua coima. Por conseguinte, em aplicação do ponto 26 das Orientações relativas às coimas, 6 concedida imunidade parcial à Volvo/Renault para o período compreendido entre 17 de Janeiro de 1997 e 15 de Janeiro de 2001.
Em consequência, apenas o período compreendido entre 16 de janeiro de 2001 e 18 de janeiro de 2011 6 tido em conta no cálculo da coima da Volvo/Renault.
(120) A duração a ter em conta para efeitos do cálculo da coima a aplicar a cada destinatário e aos multiplicadores resultantes para a duração é indicada no quadro 2.

Tabela 2: Duração


Empresa
Duração
Multiplicadores
MAN17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010
13,67
Daimler17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011
14
Iveco17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011
14
Volvo/Renault16 de janeiro de 2001 a 18 de janeiro de 2011
10
DAF17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011
14


7.2.5.   Determinação do montante adicional
(121) A infracção cometida pelos destinatários implica uma colusão horizontal de preços na acepção do ponto 25 das orientações sobre as coimas. O montante de base de cada coima deve, portanto, incluir uma soma entre 15% e 25% do valor retido das vendas para impedir os Destinatários de celebrarem tais práticas ilegais no futuro.72
(122) Para efeitos da determinação da proporção do valor retido das vendas a ter em conta, a Comissão tomou cm consideração os factores enunciados nos considerandos (115) a (116). A proporção do valor retido das vendas a ter em conta para efeitos do cálculo do montante adicional deve, por conseguinte, ser [redistribuída provisoriamente].
7.2.6. Cálculo do montante de base
(123) Com base nos critérios expostos nos considerandos (103) - (122), o montante de base da coima a aplicar a cada empresa figura no quadro 3.
Tabela 3: Quantidades básicas da multa
Empresa
Montante básico em EUR
MAN
[…]
Daimler
[…]
Iveco
[…]
Volvo/Renault
[…]
DAF
[…]


7.2.7. Ajustamentos ao montante de base da coima: factores agravantes ou atenuantes.
(124) A Comissão pode aumentar o montante de base quando considerar que se aplicam circunstâncias agravantes. Estas circunstâncias sào enumeradas de forma não exaustiva no ponto 28 das orientações sobre multas. A Comissão pode também reduzir o montante de base quando considera que as circunstâncias atenuantes se aplicam. Estas circunstâncias são enumeradas de forma não exaustiva no ponto 29 das Orientações relativas às coimas.
(125) A Comissão não considera que, neste caso, se apliquem circunstâncias agravantes ou atenuantes.
7.2.8. Aplicação do limite de 10% do volume de negócios
(126) O artigo 23(2) do Regulamento (CE) n.º 1/2003 prevê que, relativamente a cada empresa que participe na infracção, a coima aplicada não excederá 10% do seu volume de negócios total no exercício anterior.
(127) Neste caso, nenhuma das coimas calculadas (ver quadro) excede 10% do volume de negócios total da respetiva empresa cm 2015.
7.2.9. Aplicação da comunicação sobre a cooperação
(128) Em 20 de setembro de 2010, a MAN SE e todas as filiais direta e indiretamente controladas por ela solicitaram imunidade cm matéria de coimas cm conformidade com o ponto 14 da Comunicação de 2006 sobre a clemência da Comissão cm relação a uma alegada infração no setor da indústria de camiões. Em 17 de dezembro de 2010, a Comissão concedeu imunidade condicional de multas à MAN.
(129) A cooperação da MAN cumpriu os requisitos da Comunicação sobre a clemência. Portanto, a MAN recebe imunidade de multas neste caso.
(130) A Volvo/Renault foi a primeira empresa a cumprir os requisitos dos pontos 24 e 25 da comunicação sobre a clemência. A Volvo/Renault foi notificada da decisão de 20 de novembro de 2014, pela qual a Comissão anunciava a sua intenção preliminar de conceder uma redução da coima aplicada à Volvo / Renault na faixa dos 30% a 50%. A Volvo/Renault forneceu, tal como explicado no considerando 119, elementos de prova que permitem à Comissão prorrogar a duração da infracção. A Volvo/Renault foi, portanto, concedida imunidade parcial para o período relevante.
(131) Quanto ao restante dos elementos de prova apresentados pela Volvo/Renault relativamente à infracção declarada pela Comissão, esses elementos continham documentos contemporâneos que, embora úteis para estabelecer determinados factos adicionais (ver o considerando 131 infra), são principalmente servidos para corroborar provas já disponíveis para a Comissão. No que diz respeito às provas úteis para estabelecer factos adicionais, a Comissão observa que esta prova ajudou-a a compreender melhor o padrão geral de contacto, reforçando assim a capacidade da Comissão para provar a infracção. Portanto, a Volvo/Renault obtém 40% de redução de multas.
(132) A Daimler foi a segunda empresa a cumprir os requisitos dos pontos 24 e 25 da comunicação sobre a cooperação. A Daimler foi informada da decisão de 20 de novembro de 2014, pela qual a Comissão anunciou a sua intenção de conceder uma redução da coima aplicada à Daimler no intervalo entre 20% e 30%. A Daimler forneceu à Comissão mais evidencias contemporâneas e corroborou evidencias de natureza detalhada. Daimler apresentou informações muito detalhadas sobre o assunto de várias reuniões e contatos multilaterais, incluindo uma análise muito detalhada das evidências, explicando o desenvolvimento dos contatos e o funcionamento do conluio. A cooperação da Daimler contribuiu significativamcnte para o entendimento da Comissão sobre o funcionamento da colusão e acrescentou elementos sólidos para provar a infracção. Por conseguinte, a Comissão conclui que os elementos de prova fornecidos pela Daimler reforçaram de forma substancial a capacidade da Comissão para provar os factos relativos a esta infracção. Consequentemente, a Daimler recebe uma redução de 30% de suas multas.
(133) A Iveco foi a terceira empresa a cumprir os requisitos dos pontos 24 e 25 da comunicação sobre a cooperação. A Iveco foi informada da decisão de 20 de novembro de 2014, pela qual a Comissão anunciou a sua intenção de conceder uma redução da coima aplicada à Iveco até 20%. As provas apresentadas pela Iveco a respeito da infração constatada pela Comissão foram úteis para identificar os participantes de várias reuniões. Além disso, a Iveco forneceu apresentações que os concorrentes trocaram nessas reuniões. A cooperação da Iveco contribuiu para a capacidade geral da Comissão para provar a infração, principalmente através da corrobação de provas que já estavam na posse da Comissão. Por conseguinte, a Iveco recebe uma redução de 10% das suas multas.
7.2.10. Aplicação do Aviso de Liquidação
(134) Em conformidade com o ponto 32 do anúncio de liquidação, o prémio de liquidação implica uma redução de 10% do montante da coima a aplicar após a aplicação do limite de 10% do volume de negócios, tendo em conta as orientações relativas às coimas. De acordo com o ponto 33 do Aviso de Liquidação, quando os casos resolvidos envolverem candidatos a leniência, a redução da multa que lhes foi concedida para liquidação será adicionada ao seu prêmio de leniência.
(135) Em resultado da aplicação do aviso de liquidação, o montante da coima aplicada a cada Destinatário é reduzido em 10%, o que é acrescentado à redução da clemência.
7.2.11. Conclusão: montante final das multas individuais a aplicar na presente decisão
(136) As coimas a aplicar nos termos do nº 2 do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003 são indicadas no quadro 4.

Tabela 4: Multas individuais

Empresa
Multas (em euros)
MAN
0
Daimler
1 008 766 000
Iveco
494 606 000
Volvo
670 448 000
DAF
752 679 000


APROVOU A PRESENTE DECISÃO:
Artigo 1
No conluio sobre preços e aumentos brutos de preços no EEE para camiões médios e pesados; e o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissão para camiões médios e pesados exigidos pelas normas EURO 3 a 6, as seguintes empresas infringiram o artigo 101.º do TFUE e o artigo 53.º do Acordo EEE durante os períodos indicados:
(a) MAN MAN SE, de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010; Camião MAN & Bus AG, de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010; Camião MAN & Bus Deutschland GmbH, de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro de 20102010
(b) AB Volvo (publ), de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011; Volvo Lastvagnar AB, de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011; Volvo Group Trucks Central Europe GmbH, de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011; Renault Trucks SAS, de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011 Daimler AG, from 17 January 1997 until 18 January 2011
(c) Fiat Chrysler Automobiles N.V., de 17 de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2010; CNH Industrial N.V., de 1 de janeiro de 2011 a 18 de janeiro de 2011; Iveco S.p.A., de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011; Iveco Magirus AG, de 26 de junho de 2001 a 18 de janeiro de 2011;
(d) PACCAR Inc., de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011; DAF Trucks K.V., de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011; DAF Trucks Deutschland Gmbl I, de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011.
Artigo 2
Pela infracção referida no artigo 1.º, são aplicadas as seguintes coimas:
a) EUR 0 em conjunto e separadamente na MAN SE, MAN Truck & Bus AG e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH
b) EUR 670 448 000  em conjunto e separadamente na AB Volvo (publ), Volvo A Ustvagnar AB e a Renault Trucks SAS, da qual a Volvo Group Trucks Central Europe GmbH é responsável conjunta e pelo montante de 468 855 017 euros.
c) EUR 1 008 766 000           na Daimler AG.
d)EUR 494 606 000   na Iveco S.p.A., dos quais:
     (1) A Fiat Chrysler Automobiles N.V. é responsável conjunta e separadamente pelo montante de 156 746 105 euros,
    (2) A Fiat Chrysler Automobiles N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e separadamente pelo montante de 336 119 346 euros e
(3) A CNH Industrial N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e separadamente pelo montante de 1 740 549 euros.
c) EUR 752 679 000   em conjunto e separadamente na PACCAR Inc. e DAF Trucks N.V., dos quais
A DAF Trucks Deutschland GmbH é responsável conjunta e separadamente, pelo montante de 376 118 773 euros.

As coimas serão pagas em curos, no prazo de três meses a contar da data de notificação da presente decisão, para a seguinte conta bancária cm nome da Comissão Europeia:
BANQUE ET CAISSE D'EPARGNE DE L'ETAT
1 -2, Place de Metz L-1930 Luxembourg
IBAN: LU02 0019 3155 9887 1000
BIC: BCEELULL
Ref.: Huropean Commission - BUFI/AT.39824
Decorrido este período, vencerão automaticamente juros à taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento no primeiro dia do mês cm que a presente decisão é adoptada, acrescida de 3,5 pontos percentuais.
Sempre que um compromisso referido no artigo 1.º interponha um recurso, essa empresa deve pagar a multa até à data de vencimento, quer através de uma garantia financeira aceitável ou do pagamento provisório da coima em conformidade com o artigo 90.º do Regulamento Delegado (UE) N.º 1268/201273.
_______________________________________________________
(…)
7. Alguns dos produtores de camiões venderam apenas de forma limitada os seus produtos diretamente aos principais clientes.
8. Ex.: A DAF distribui seus camiões médios e pesados através de uma rede de revendedores independentes. [...]
9. […]
10. […]
11. […]
12. […]
13. Compras mistério é uma ferramenta usada para receber informações específicas sobre produtos e serviços. A identidade e propósito específicos do consumidor mistério geralmente não são conhecidos pelo estabelecimento que está sendo avaliado.
14. Em 2011, a Fiat S.p.A. foi cindida cm duas entidades legais separadas, que. após fusões subsequentes, continuaram como CNH Industrial N.V. e Fiat Chrysler Automobiles NV.
15. O Office of Fair Trade (OFT) abriu uma investigação sobre o mercado de camiões no Reino Unido. A investigação que diz respeito às mesmas empresas que a investigação da Comissão, foi conduzida ao abrigo da Lei da Concorrência de 1998, bem como ao abrigo do Enterprise Act 2002. Em 15 de junho de 2012, o OFT emitiu uma declaração pública anunciando o encerramento desta investigação ao abrigo da Lei da Concorrência de 1998.
16. Tal como indicado no considerando 4, a Comissão também abriu processos contra várias entidades de um compromisso adicional cm 20 de novembro de 2014.
17. […]
18. […]
19. […]
20. […]
21. […]
22 […]
23. […]
24. […]
25. […]
26. […]
27. […]
28. […]
29. […]
30. […]
31. […]
32. […]
33. […]
34. […]
35. […]
36. […]
37. […]
38. […]
39. […]
40. […]
41. […]
42. […]
43. […]
44. […]
45. […]
46. See Case T-7/89 Hercules v Commission EU:T: 1991:75, paragraph 256. See also Case 48/69, Imperial Chemical Industries v Commission EU:C: 1972:70, paragraph 64, and Joined Cases 40-48/73, ele. Suiker ünie and others v Commission EU:C: 1975:174, paragraphs 173-174.
47. Processo C-49/92 P Comissão / Anic Partecipazioni, EU: C: 1999:356, parágrafo 81.
48. Joined Cases C-204/00 etc. Aalborg Portland ct al. EU:C:2004:6, paragrafo 258.
49. Ver Julgamento da Comissão v. Vcrhuizingen Coppens NV, C-441/11P. EU:C:2012:778. paragrafo 37. 45: Julgamento da Comissão v. Aalberis biduslries and Olhers. C-287/11 P, EU:C:2013:445. parágrafo 65; Julgamento de 10 Outubro 2014 Soliver v. Comssõo, T-68/09, EU: T:2014:867, parágrafo 108- 112.
50. Case T-587/08 Del Monte v Commissionainda não reportada, no paragrafo 593.
51. Case T-54/03 Lqfarge v Commission [2008] ECR 11-120, no paragrafo 482; Joined Casos T-101/05 e T-l 11/05 BASF and UCB v Commission [2007] F.CR 11-4949, no paragrafo 179.
52. Cf. desde de (49) até (60) inclusivé.
53. Embora a Iveco não possuísse uma lista de preços brutos aplicável ao EEE para os seus próprios camiões, recebeu as listas de preços brutos válidos para o EEE dos outros destinatários.
54. Depende da estratégia de cada empresa quanto recursos eles dedicaram ao monitoramento do concorrente. Os destinatários tiveram, em diferentes graus, acesso a mais dados através dos clientes apresentação espontânea das ofertas dos concorrentes, a fim de negociar preços e via mystery shopping (ver parágrafo (29)).
55. Caso C-67/13 P Groupement des Cartes Bancaires v Commission, EU:C:2014:2204, paragrafo49; Caso C-286/13 P Dole Food and Dole Fresh Fruit Europe v Commission, EU:C:2015:184, parágrafo 113.
56. Cf. ponto 21 das Orientações sobre o conceito de efeito no comércio previsto nos artigos 81.» e 82.º do Tratado; OJ 2004C101.81.83.
57. Cf. ponto 53 das Orientações sobre o conceito de efeito sobre o comércio constante dos artigos 81.º e 82.º do Tratado.
58. Joined Casos C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P Aalborg Portland e Others v Commission [2004J ECR1-123, parágrafo 59.
59. Joined Casos C-189/02 P, C-202/02 P, C-205/02 P to C-208/02 P and C-213/02 P Dansk Rorindustri e Others v Commission [2005] ECR 1-5425, paragrafo 112; Caso C-222/04 Cassa di Risparmio di Firenzc e Others [20061 ECR 1-289, parágrafo 107; e Caso C- 205/03 P FENIN v Commission [2006| ECR 1-6295, parágrafo 25.
60. Joined Casos C-201/09 P e C-216/09 P Arcelor v Mittal e Luxembourg v Commission and outros [2011] ECR 1, ponto 95.
61. Caso C-97/08 P Akzo Nobel e outros v Commission [2009] ECR 1-8237, parágrafo 58.
62. Ver Caso C-97/08 P Akzo Nobel e outros v Commission [2009] ECR 1 -08237, parágrafo 60.
63. De acordo com o Artigo 5 do Regulamento do Conselho (KC) No 2894/94 de 28 Novembro 1994 Quanto às modalidades de aplicação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, as disposições comunitárias que aplicam os princípios estabelecidos nos artigos 85º e 86º (actuais artigos 101º e 102º do Tratado CE) do Tratado CF. aplicam-se mutatis mutandis” (OJ L 305,30.11.1994, p.6.).
64. Orientações sobre o método de fixação das coimas aplicadas por força do artigo 23(2Xa) do Regulamento (KC) n.º 1/2003 (OJ e 210, 1.09.2006, p. 2).
65. Comunicação da Comissão relativa à condução de procedimentos de transação com vista à adopção de decisões nos termos dos artigos 7. o e 23. o do Regulamento (CE) n. O 1/2003 do Conselho nos casos de cartéis (JOC167de2.7.2008, p. I).
66. Pontos 19-26 das Orientações sobre multas.
67. Pontos 12 das Orientações sobre multas.
68. Pontos 13 das Orientações sobre multas.
69. Pontos 21 e 22 das Orientações sobre multas.
70. Pontos 23 das orientações sobre coimas.
71. Pontos 24 das Orientações sobre multa.
72. Pontos 25 das Orientações sobre multa.
_______________________________________________________


Factos relativos à atividade da Autora:
e) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de transportes de mercadorias nacionais e internacionais (artigo 1.º da PIA).
Factos relativos à atividade da Ré:
f) A R. Iveco é a fabricante de camiões da marca IVECO e tem sede em Itália (artigo 2.º da PIA).
g) A R. não é, nem alguma vez foi, pelo menos, desde 1997 um fabricante, importador ou representante de veículos da marca MAN, nem nunca teve qualquer intervenção na venda e/ou aquisição de tais veículos (artigo 433.º da contestação da R.).
h) A IVECO Portugal – Comércio de Veículos Industriais, S.A. (“Iveco Portugal”) é uma empresa do grupo IVECO (artigo 13.º da contestação da R.).
i) Os camiões de marca IVECO são comercializados em Portugal pela IVECO Portugal (artigo 20.º da contestação da R.).
Factos relativos às viaturas:
j) A Autora celebrou diversos Contratos de Locação Financeira Mobiliária, para aquisição de viaturas pesadas (artigo 3.º da PIA).
k) Todas as viaturas objeto de tais contratos previam a opção de compra mediante o pagamento de um valor residual no final, tendo a Autora optado pela aquisição no final do contrato das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA e 54-57-VX e das viaturas da marca MAN com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29 (resposta ao artigo 4.º da PIA).
l) Todas as viaturas objeto dos referidos contratos eram novas e tinham, no que respeita às viaturas da marca IVECO, 40 toneladas e, no que respeita às viaturas da marca MAN, pelo menos, 19 toneladas (resposta ao artigo 5.º da PIA).
m) Tais contratos previam que as Instituições de Crédito cedessem à ora Autora, o gozo temporário das ditas viaturas, as quais foram adquiridas pelas mencionadas Instituições por indicação e interesse da Autora, mediante uma retribuição mensal a cargo desta, fixadas entre as partes (artigo 6.º da PIA).
n) Mais estabeleciam os contratos em causa que, decorrido o período acordado nos mesmos, a Locatária, ora Autora, poderia comprar as viaturas, pelo preço também aí determinado, o que veio a ocorrer nos contratos das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA e 54-57-VX e das viaturas da marca MAN com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29  (artigo 7.º da PIA).

Em pormenor:
Viaturas da marca Iveco:
Viatura com a matrícula 18-09-QN:
o) Uma dessas viaturas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula 18.09.QN (artigo 8.º da PIA).
p) O veículo em questão, da marca Iveco, foi vendido pela IVECO Portugal através da Fiat Distribuidora Portugal, S.A., (“Fiat Distribuidora”), empresa então pertencente ao grupo da R., ao concessionário Autoeste (artigo 90.º da contestação da R.).
q) O referido veículo foi inicialmente faturado à Fiat Distribuidora Portugal, S.A., (“Fiat Distribuidora”), para efeitos da sua venda à Autoeste (artigo 91.º da contestação da R.).
r) A fatura da IVECO Portugal à Fiat Distribuidora, cujos valores foram depois por esta passados, sem qualquer variação, à Autoeste, foi emitida em 27 de outubro de 2000 e por um preço bruto, incluindo os elementos opcionais, de 20.540.000$00, correspondente a 102.453,09 euros (resposta ao artigo 92.º da contestação da R.).
s) Foi aplicado um desconto total de 5.135.000$00, correspondente a 25.613,27 euros, pelo que o veículo foi adquirido pela Autoeste pelo preço total, líquido de IVA, de 15.405.000$00, correspondente a 76.839,82 euros (artigo 93.º da contestação da R.).
t) A Autoeste vendeu o veículo à BCP Leasing, S.A. pelo preço de 15.500.000$00, correspondente a 77.313,67 euros, acrescido de IVA, a qual, por sua vez, celebrou, em 7 de novembro de 2000, um contrato de locação financeira com a A., com o n.º 200040706, pelo prazo de 36 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 15.500.000,00 Escudos, ou seja, 77.313,72€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);
- Entrada inicial de 2.325.000 Escudos, ou seja 11.597,05€, acrescido de IVA à taxa em vigor (17%);
- 35 rendas no valor de 367.571 Escudos/cada, ou seja 1.833,44€/cada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);
- Valor residual de 310.000 Escudos, ou seja 1.546,27€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%) (artigos 8.º e 9.º da PIA e artigo 94.º da contestação da R.).
u) O veículo foi revendido a um terceiro, a empresa Rio Trucks, Lda, em 19 de janeiro de 2007, por um preço não indicado no título de venda, e a Rio Trucks, Lda revendeu o mesmo à empresa Freitas, Lda em 16 de abril de 2007 (resposta ao artigo 96.º da contestação da R.)
v) O registo e a matrícula do veículo foram cancelados em 2 de fevereiro de 2017, por motivos não indicados (artigo 97.º da contestação da R.).

Viatura com a matrícula 18-08-QN:
w) Outras das viaturas supra mencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula 18-08-QN.
x) O veículo em questão foi vendido pela IVECO Portugal, através da Fiat Distribuidora ao concessionário Autoeste (artigo 98.º da contestação)
y) O veículo foi inicialmente faturado à Fiat Distribuidora para efeitos da sua venda à Autoeste (artigo 99.º da contestação).
z) A fatura da IVECO Portugal à Fiat Distribuidora, cujos valores foram depois por esta passados, sem qualquer variação, à Autoeste, foi emitida em 27 de outubro de 2000 e por um preço bruto, incluindo os elementos opcionais, de 20.540.000$00, correspondente a 102.453,09 euros (artigo 100.º da contestação).
aa) Foi aplicado um desconto total de 5.135.000$00, correspondente a 25.613,27 euros, pelo que o veículo foi adquirido pela Autoeste pelo preço total, líquido de IVA, de 15.405.000$00, correspondente a 76.839,82 euros (artigo 101.º da contestação).
bb) A Autoeste vendeu o veículo à BCP Leasing, S.A. pelo preço de 15.500.000$00, correspondente a 77.313,67 euros, acrescido de IVA, a qual, por sua vez, celebrou, em 7 de novembro de 2000, um contrato de locação financeira com a A., com o n.º 200040683, pelo prazo de 36 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 15.500.000,00 Escudos, ou seja, 77.313,72€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);
- Entrada inicial de 2.325.000 Escudos, ou seja 11.597,05€, acrescido de IVA à taxa em vigor (17%);
- 35 rendas no valor de 367.571 Escudos/cada, ou seja 1.833,44€/cada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);
- Valor residual de 310.000 Escudos, ou seja 1.546,27€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%); (artigos 10.º e 11.º da PIA e artigo 102.º da contestação da R.);
cc) O veículo foi revendido a um terceiro, a empresa Rio Trucks, Lda, em 19 de janeiro de 2007, por um preço não indicado no título de venda, e a Rio Trucks, Lda revendeu o mesmo à empresa Transportes Olindo Lda, em 27 de abril de 2007, que o vendeu posteriormente à Auto 30 Coelhinhos, Lda, em 10 de dezembro de 2010 (artigo 104.º da contestação da R.)

Viatura com a matrícula 24-57-RA:
dd) Outras das viaturas supra mencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula 24-57-RA.
ee) O veículo ora em apreço foi vendido pela IVECO Portugal, através da Fiat Distribuidora, empresa então pertencente ao grupo da R., ao concessionário Autoeste (artigo 105.º da contestação da R.)
ff) O veículo foi inicialmente faturado à Fiat Distribuidora para efeitos da sua venda à Autoeste (artigo 106.º da contestação da R.).
gg) A fatura da IVECO Portugal à Fiat Distribuidora, cujos valores foram depois por esta passados, sem qualquer variação, à Autoeste, foi emitida em 29 de dezembro de 2000 e por um preço bruto, incluindo os elementos opcionais, de 20.540.000$00, correspondente a 102.453,09 euros (artigo 107.º da contestação da R.).
hh) Foi aplicado um desconto total de 7.394.400$00, correspondente a 36.883,11 euros, pelo que o veículo foi adquirido pela Autoeste pelo preço total, líquido de IVA, de 13.145.600$00, correspondente a 65.569,98 euros (artigo 108.º da contestação da R.)
ii) A Autoeste vendeu o veículo à BCP Leasing, S.A. pelo preço de 15.500.000$00, correspondente a 77.313,67 euros, acrescido de IVA, a qual, por sua vez, celebrou, em 7 de janeiro de 2001, um contrato de locação financeira com a A. 1 n.º 200100877, pelo prazo de 36 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 15.500.000,00 Escudos, ou seja, 77.313,72€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);
- Entrada inicial de 2.325.000 Escudos, ou seja 11.597,05€, acrescido de IVA à taxa em vigor (17%);
- 35 rendas no valor de 367.571 Escudos/cada, ou seja 1.833,44€/cada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);
- Valor residual de 310.000 Escudos, ou seja 1.546,27€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%); (artigos 12.º e 13.º da PI e artigo 109.º da contestação da R.);
jj) O veículo foi revendido a um terceiro, a empresa Rio Trucks, Lda, em 19 de janeiro de 2007, por um preço não indicado no título, e a Rio Trucks, Lda revendeu o mesmo ao Banif Leasing S.A., em 15 de maio de 2007, que o deu em regime de locação financeira à empresa Transportes Olindo Lda, em 25 de maio de 2007 (artigo 111.º da contestação da R.).
kk) O registo e a matrícula do veículo foram cancelados em 22 de dezembro de 2014, por motivos não indicados (artigo 112.º da contestação da R.).

Viatura com a matrícula 54-57-VX:
ll) Outra das viaturas supra mencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula 54-57-VX.
mm O veículo em questão foi vendido pela IVECO Portugal à BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (artigo 113.º da contestação)
nn) A fatura da IVECO Portugal à BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., foi emitida em 30 de dezembro de 2003 pelo preço bruto de 87.010,26 euros (86.960,00 euros + 50,26 euros), incluindo os elementos opcionais, tendo sido aplicado um  desconto total de 17.010,26 euros (16.960,00 euros + 50,26 euros), pelo que o veículo foi adquirido pela BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A. pelo preço líquido de 70.000,00 euros, acrescido de IVA (artigos 114.º e 115.º da contestação).
oo) A BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A. celebrou um contrato de locação financeira com a A. em 6 de janeiro de 2004, com o n.º 98106160, pelo prazo de 48 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 70.000,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);
- Entrada inicial de 7.000,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);
- 47 rendas no valor de 1.454,73 €/cada, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (19%);
- Valor residual de 1.400,00 €, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (19%) (artigos 14.º e 15.º da PI e artigo 116.º da contestação da R.);
pp) O registo e a matrícula do veículo foram cancelados em 28 de março de 2012, por motivos não indicados (artigo 117.º da contestação da R.).

Viatura com a matrícula 25-78-VT:
qq) Outra das viaturas supra mencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula 54-57-VX.
rr) O veículo em questão foi vendido pela IVECO Portugal à Caixa Central-Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL pelo preço bruto de 87.010,26 euros (86.960,00 euros + 50,26 euros), incluindo os elementos opcionais, tendo sido aplicado um desconto total de 17.010,26 euros (16.960,00 euros + 50,26 euros), pelo que o veículo foi adquirido pela Caixa Central-Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL pelo preço líquido de 70.000,00 euros (artigos 123.º e 125.º da contestação).
ss) Em dezembro de 2003, a Autora celebrou um Contrato de Locação Financeira Mobiliária n.º 2145, com a Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL relativo à viatura da marca IVECO, com a matrícula 25-78-VT, pelo prazo de 48 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 70.000,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);
- Entrada inicial de 6.974,79 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);
- 47 rendas no valor de 1.459,69 €/cada, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (19%);
- Valor residual de 1.400,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%) (resposta aos artigos 16.º e 17.º da PIA).
tt) O registo e a matrícula do veículo foram cancelados, por motivos não indicados, em 31 de dezembro de 2018, um dia após a apresentação, na Conservatória do Registo Automóvel, do pedido de registo da aquisição do veículo (artigo 126.º da contestação da R.).

Utilização e pagamento viaturas da marca Iveco:
uu) Todas as viaturas da marca IVECO foram utilizadas pela Autora para afetação à sua atividade comercial (artigo 18.º da PIA).
vv)       E foram fabricadas pela R. (artigo 51.º da PIA).
ww)     A Autora com a aquisição das referidas viaturas despendeu o montante total de, pelo menos, € 308.915,80, acrescido de IVA (artigos 19.º e 84.º da PI), correspondente a:


Viatura
Montante (sem IV)
18-09-QN
€ 77.313,72
18-08-QN
€ 77.313,72
24-25-RA
€ 77.313,72
54-57-VX
€ 70.000
25-78-VT
€ 6.974,79


Viaturas da marca MAN:
Viatura com a matrícula 21-EE-36:
xx)       Em 01.09.2007, a Autora celebrou um Contrato de Locação Financeira Mobiliário n.º 400066734, com o Banco Comercial Português, S.A. – Sociedade Aberta, relativo à viatura da marca MAN, com a matrícula 21-EE-36, pelo prazo de 60 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 82.500,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
- Entrada inicial de 1.541,46 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
- 59 rendas de 1.541,46 €/cada, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor;
- Valor residual de 1.650,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (artigos 21.º e 22.º da PIA).

Viatura com a matrícula 32-FH-29:
yy)       Em 10.03.2008, a Autora celebrou um Contrato de Locação Financeira n.º 80802, que celebrou com o BANIF GO, Instituição Financeira de Crédito, S.A., relativo à viatura da marca MAN, com a matrícula 32-FH-29, pelo prazo de 60 meses, nas seguintes condições:
- Valor de aquisição: 87.500,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (21%);
- Entrada inicial de 1.644,37 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (21%);
- 59 rendas de 1.644,37 €/cada, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor (21%);
- Valor residual de 1.750,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (21%) (artigos 23.º e 24.º da PIA).

Outros factos relativos às viaturas da marca MAN:
zz)       Estas viaturas foram também elas utilizadas pela Autora na prossecução da sua atividade comercial de transportes rodoviários (artigo 25.º da PIA).
aaa)     E foram fabricadas pelo grupo MAN (resposta ao artigo 51.º da PIA).
bbb)     As referidas viaturas foram vendidas pelo concessionário AC Manutenção SA às referidas instituições de crédito, que por sua vez as tinha adquirido à empresa portuguesa MAN Portugal, Unipessoal Lda, responsável pela importação e distribuição das viaturas pelos vários concessionários da marca em Portugal (artigo 64.º da PIA).
ccc)Com a aquisição das referidas viaturas a Autora despendeu o montante total de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), acrescido de IVA (artigo 26.º da PI), correspondente a:

Viatura
Montante (sem IVA)
32-FH-29
€ 87.500,00
21-EE-36
€ 82.500,00


Factos relativos aos “prejuízos”:
ddd) A prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita, na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados conduziu a que os preços das referidas viaturas pagos pelos importadores Iveco Portugal, no caso das viaturas da marca IVECO, e MAN Portugal, Unipessoal, Lda, no caso das viaturas da marca MAN, e pelos concessionários Autoeste, no caso das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA, e AC Manutenção S.A., no caso das viaturas da marca MAN, fossem superiores àqueles que teriam sido praticados caso não tivesse ocorrido a mesma (resposta ao artigo 63.º da PIA).
eee)     Tal aumento foi refletido pela IVECO Portugal, no caso da viatura com a matrícula 54-57-VX, e pelos concessionários, em relação às viaturas com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA e às viaturas da marca MAN, nos preços pagos pelos seus clientes finais, as instituições financeiras supra identificadas, que, por isso, pagaram um preço superior àquele que teriam pago, caso a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita não se tivesse verificado (resposta ao artigo 65.º da PIA).
fff) Em virtude disso, os montantes que a Autora despendeu com a aquisição das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA e 54-57-VX referidos na alínea ww) supra e os montantes que despendeu com a aquisição das viaturas da marca MAN com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29 referidos na alínea ccc) supra foram superiores àqueles que teria pago caso não se tivesse verificado a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados (resposta ao artigo 65.º da PIA).

Factos relativos à divulgação e conhecimento da infração:
ggg) A Comissão Europeia efetuou buscas em 18.01.2011 no setor dos camiões por suspeita de condutas anti concorrenciais, nos termos do artigo 20.º do Reg. 1/2003 e publicou, no mesmo dia, um comunicado sobre esta matéria, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 1, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (artigo 80.º da Contestação das Chamadas).
hhh) A imprensa também noticiou e identificou as empresas MAN como denunciadas, bem como sobre a suspeita de condutas anti concorrenciais em 18.01.2011, 19.01.2011 e 03.03.2011, conforme  notícia publicada pela SIC Notícias em 19.01.2011, com o título “Fabricantes de camiões como Daimler, Volvo, Scania ou Man sob investigação”,  artigo publicado pelo Financial Times datado de 18.01.2011, com o título "Brussels swoops on truckmakers" e artigo publicado pelo Financial Times datado de 03.03.2011, com o título "Truckmakers in Brussels antitrust probe", juntos aos autos com a ref.ª 47006, doc. 2, doc. 3 e doc. 4 respetivamente, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (artigo 81.º da Contestação das Chamadas).
iii) Em 20.11.2014, a Comissão Europeia deu início ao processo ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6, do Reg. 1/2003 e transmitiu, entre outros, à Ré IVECO e às aqui Chamadas a correspondente comunicação de objeções (artigo 83.º da Contestação das Chamadas).
jjj) No mesmo dia, a Comissão Europeia publicou um comunicado de imprensa sobre esta matéria, intitulado “Antitrust: Commission sends statement of objections to suspected participants in trucks cartel”, IP/14/2002, que se mostra junto aos autos com a ref.ª 47006, doc. 5, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, que continha, entre o mais, o seguinte: (i) que a comunicação de objeções foi dirigida e diz respeito a empresas produtoras de camiões médios e pesados; (ii) os fabricantes em causa foram objeto de buscas em janeiro de 2011 e eram acusados de terem participado numa infração das regras da concorrência da UE (artigo 101.º TFUE e artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu), aludindo a “um cartel em violação às regras de concorrência da UE” e que as práticas em questão diziam respeito, pelo menos, a uma possível coordenação de preços; (iii) que a comunicação de objeções é um passo formal na investigação da Comissão Europeia antes da adoção de uma decisão e aplicação de uma sanção às empresas envolvidas nas condutas anti concorrenciais; (iv) a infração ocorreu na área do EEE;  (artigo 62.º da C. Ré e artigos 84.º e 85.º da Contestação das Chamadas).
kkk) Pelo menos, a publicação “Transportes e Negócios” noticiou a emissão da respetiva comunicação de objeções e  identificou o Grupo MAN como uma das entidades envolvidas e sujeito da investigação e da comunicação de objeções, conforme notícia de 26.11.2014, com o título “Volvo provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 6, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (cf. artigo 86.º da Contestação das Chamadas).
lll) O Financial Times publicou uma notícia com citação de algumas partes do conteúdo da comunicação de objeções, conforme notícia de 23.12.2014, com o título “Top truckmakers operated cartel for 14 years, says EU”, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 7, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (cf. resposta ao artigo 87.º da Contestação das Chamadas).
mmm)  Na data em que a Decisão da Comissão foi adotada (19.07.2016), foram efetuadas várias publicações no site oficial da Comissão Europeia a respeito do teor daquela Decisão, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 8, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (artigo 111.º da Contestação das Chamadas).
nnn) Nesse dia 19.07.2016, a Comissão Europeia publicou um comunicado de imprensa relativo à sua Decisão da mesma data, intitulado “Antitrust: Commission fines truck producers € 2.93 billion for participating in a cartel”, que continha informação, entre o mais, sobre: (i) os fabricantes de camiões envolvidos na conduta sancionada; (ii) o tipo de camiões em causa; (iii) a natureza da conduta sancionada; (iv) o âmbito geográfico dessa conduta; (v) a respetiva duração; e ainda (vi) uma referência específica ao facto de quaisquer lesados poderem recorrer aos tribunais nacionais para reclamação de eventuais danos, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 9, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor   (artigos 112.º e 113.º da Contestação das Chamadas).
ooo) Também em 19.07.2016, foi publicada uma Declaração (“Statement”) subscrita pela Comissária Europeia Margareth Vestager relacionada com a Decisão da Comissão, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 10, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor   (artigo 114.º da Contestação das Chamadas).
ppp) Após a publicação dos mencionados documentos, nesse mesmo dia (19.07.2016) várias agências de notícias por toda a Europa, incluindo pelo menos, em Portugal, noticiaram a informação contida em tais documentos e fizeram referência aos mesmos, conforme peças jornalísticas cujas cópias se mostram juntas aos autos com  ref.ª 47006, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, docs. n.ºs 11 a 15 (artigo 115.º da Contestação das Chamadas).
qqq) Decorre das referidas notícias que a Comissão Europeia havia proferido uma decisão condenatória abrangendo vários fabricantes de camiões, ali se referindo expressamente, e a título de exemplo, que “A multa atinge as alemãs MAN (subsidiária da Volkswagen) e Daimler, a sueco-francesa Volvo/Renault, a holandesa DAF e a italiana Iveco, que, segundo Bruxelas, ‘violaram as regras de concorrência da União Europeia’” ou ainda que “Cinco empresas europeias, que produzem quase nove em cada dez dos camiões na Europa, foram multadas por terem ‘pactuado para se livrarem da concorrência’”, conforme peças jornalísticas cujas cópias se mostram juntas aos autos com  ref.ª 47006, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, docs. n.ºs 14 e 15 (cf. artigo 116.º da Contestação das Chamadas).
rrr) A Decisão da Comissão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 06.04.2017 (artigo 13.º da resposta da A.).
sss) A Autora iniciou a presente ação em 12.07.2019 apenas contra a Ré IVECO, e não contra as Chamadas (artigo 102.º da Contestação das Chamadas).
ttt) A R. Iveco foi citada para os termos da presente ação em 2 de agosto de 2019 (resposta ao artigo 42.º da Contestação da R.).
uuu) A intervenção das Chamadas neste processo foi requerida pela Ré IVECO na sua Contestação apresentada a 19.11.2019, tendo o Tribunal deferido o referido pedido por despacho datado de 05.03.2020 (artigo 103.º da Contestação das Chamadas).
vvv) As Chamadas MAN Truck & Bus SE (doravante “MTB SE”) e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (doravante “MAN GmbH”) foram citadas em 28.07.2020 e a Chamada MAN SE em 29.07.2020 (artigo 101.º da Contestação das Chamadas).
www)  A A. só tomou conhecimento do direito que invoca e da natureza dos danos que tinha direito de reclamar no final do ano de 2018 (artigo 19.º da resposta da A.).

Outros factos:
xxx) O preço de aquisição dos veículos, entre outros, faz parte dos custos da atividade da A. (artigo 321.º da contestação da R.).
yyy) A. já realizou a amortização fiscalmente dedutível dos veículos no que respeita ao preço total da aquisição das viaturas com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA, 54-57-VX, 21-EE-36 e 32-FH-29 (artigo 338.º da contestação da R.).
zzz)     Na Decisão da Comissão, no que diz respeito às empresas do Grupo MAN, o termo “Headquarters” ou “Headquarter-Level” (cfr., por exemplo, §§ 27, 28, 49 e 51 a 59) refere-se à MTB SE, enquanto o termo “German Subsidiar[y]” ou “German-Level” (cfr., por exemplo, §§ 49 e 54 a 59) refere-se à MAN GmbH (cfr. § 8)19, sendo “Headquarters” e “German Level” conjuntamente designados por “Fabricantes” / “Manufacturers”. (artigo 153.º da contestação das Chamadas).
*
Factos não provados:
40. Não se provaram os seguintes factos:
a) A A. exerceu a opção de compra relativa ao veículo com a matrícula 25-78-VT (artigos 4.º e 7.º da PIA).
b) Os factos descritos nas alíneas ddd) a fff) dos factos provados deveram-se também às práticas de colusão de transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6 descritas na Decisão da Comissão (artigos 63.º e 65.º da PIA).
c) O montante que a Autora despendeu com a aquisição da viatura da marca IVECO com a matrícula 25-78-VT referido na alínea ww) dos factos provados foi superior àquele que teria pago caso não se tivesse verificado a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita (artigo 65.º da PIA).
d) O valor que a A. pagou a mais pelos camiões identificados nos factos provados e que não teria pago caso a infração não se tivesse verificado fixou-se entre 15% e 25% ou em 20% (artigos 33.º, 66.º, 67.º e 77.º da PIA).
e) A A. pagou a mais pela viatura com a matrícula 18-09-QN, o valor de € 15.462,74, correspondente ao valor de aquisição de € 77.313,72 x 20% (artigo 78.º da PIA).
f) A A. pagou a mais o valor de € 15.462,74, correspondente ao valor de aquisição da viatura com a matrícula 18-08-QN de € 77.313,72€ x 20% (artigo 79.º da PIA).
g) Da viatura com a matrícula 24-57-RA pagou a A. a mais a quantia de € 15.462,74, correspondente ao valor de aquisição de 77.313,72€ x 20% (artigo 80.º da PIA).
h) Quanto à viatura com a matrícula 54-57-VX, pagou a A. a mais o valor de € 14.000,00, correspondente ao valor de aquisição de 70.000,00€ x 20% (artigo 81.º da PIA).
i) No que respeita à viatura com a matrícula 25-78-VT, pagou a Autora igualmente a mais a quantia de € 14.000,00, correspondente ao valor de aquisição de 70.000,00€ x 20% (artigo 82.º da PIA).
j) A pagou A. um valor acrescido no que respeita à viatura com a matrícula 32-FH-29 de € 17.500,00, correspondente ao valor de aquisição de 87.500,00€ x 20%, a título de capital (artigo 87.º da PIA).
k) Pagou ainda um valor acrescido aquando da aquisição da viatura com a matrícula 21-EE-36, no montante de € 16.500,00, correspondente ao valor de aquisição de 82.500,00€ x 20%, a título de capital (artigo 88.º da PIA).
l) A A. obteve a informação sobre a identidade dos alegados infratores em 19 de julho de 2016 (data do comunicado de imprensa da Comissão Europeia sobre a Decisão) (artigo 67.º da contestação da R.) – antes se provou o que consta na alínea www) dos factos provados.
m) A Autora tomou conhecimento dos atos, publicações e divulgações descritos nos pontos ggg) a rrr) dos factos provados nas datas aí indicadas (artigos 64.ºe 65.º da contestação da R. Iveco no que respeita ao comunicado de imprensa de 20.11.2014 e artigos 89.º e 117.º da contestação das Chamadas) – antes se provou o que consta na alínea wwww) dos factos provados.
n) A A. recuperou uma percentagem do custo adicional pago pelos veículos com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA equivalente à percentagem representada pelo preço de revenda dos veículos a terceiros em relação aos preços originais de compra dos mesmos (artigo 331.º da contestação da R.).
o) O sobre preço pago pela A. em resultado da conduta sancionada foi repercutido nos montantes que aquela cobrou aos seus clientes pelos serviços que prestou (resposta aos artigos 327.º e 328.º da contestação da R. e artigo 252.º da contestação das Chamadas).
p) A. já realizou a amortização fiscalmente dedutível no que respeita ao preço total da aquisição da viatura com a matrícula 25-78-VT (artigo 338.º da contestação da R.).
q) A A. pagou menos impostos pelo facto de ter incluído o custo de aquisição dos veículos como uma despesa totalmente dedutível fiscalmente, o que resultou numa redução equivalente na sua base tributável (artigo 339.º da contestação da R.).
*
41. Tudo o mais que tenha sido alegado e não conste nos factos provados e não provados é matéria de direito, de natureza irrelevante ou conclusiva.
42. Para além desta referência geral importa referir, em particular, que nas contestações, quer da Ré, quer das Chamadas, são alegados vários factos que visam contrariar os factos relativos à existência do dano, do nexo de causalidade e do respetivo montante. Por consubstanciarem uma impugnação motivada entende-se que os mesmos não têm de ser incluídos nos factos provados e não provados, pois a sua procedência ou improcedência ir-se-á refletir na inclusão nos factos provados ou não provados, conforme o caso, dos factos essenciais que visam afastar.”.
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IV. Do mérito do recurso
i. A sentença recorrida é nula na parte em que não se pronuncia sobre matérias de facto a que se reporta o tema da prova B (relativas a “características técnicas dos camiões”, ao “processo de negociação e fixação de preços dos camiões” e às “as características do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da infração”)? (recurso das Chamadas)
17. A presente questão é suscitada no recurso das Chamadas, em especial, nas conclusões 115 a 119.
18. Neste âmbito, é de recordar que da ata de Audiência Prévia, realizada no dia 15-10-2024 (ref.ª 321943), consta, no que é aqui relevante, o seguinte:
B) Factos relativos à conduta ilícita e ao nexo de causalidade, designadamente:
a. Das características técnicas dos camiões;
b. Do processo de negociação e fixação de preços dos camiões;
c. Da cadeia de comercialização dos camiões, em Portugal, durante o período da infração;
d. Das características do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da infração;
e. Do contexto e diferença entre preços de lista e preços de venda;
f. Da imputação à ré e às chamadas dos danos alegadamente incorridos pela autora”.
19. Conforme alegam agora as Chamadas as alíneas descritas no tema de prova B, “dizem respeito a factualidade alegada pelas Recorrentes para contraprova da existência dos invocados prejuízos”.
20. Mais alegam as Chamadas o seguinte:
“§ 117. Na Decisão Recorrida, o Tribunal a quo não deu uma resposta de provada ou não provada à factualidade contida nas referidas alíneas do Tema da Prova B) por considerar tais matérias irrelevantes ou “improcedentes” (cf. §§ 41 e 42, pp. 83 e 84 da Decisão Recorrida).
§ 118. Assim, a Decisão Recorrida é nula na parte em que não se pronuncia sobre matérias de facto a que se reporta o Tema da Prova B), pois o Tribunal a quo não podia demitir-se de emitir um juízo de provado ou não provado.
§ 119. A justificação avançada pelo Tribunal a quo nos §§ 238 e 239 da Decisão Recorrida para desconsiderar os factos que ficaram provados por referência a cada um dos temas da prova acima identificados, não é suficiente, não bastando remeter para o § 26 da Decisão da Comissão.
Apreciação deste tribunal
21. Como é sabido, os temas de prova previstos artigo 596.º do Código de Processo Civil, constituem uma expressão de mudança de paradigma subjacente ao CPCivil/2013. Não se trata mais de uma “quesitação” ou sequer de uma Base Instrutória onde os tribunais descreviam factos concretos que obtinham resposta especificada após a realização do julgamento.
22. Os temas de prova têm por principal função delimitar o objeto da instrução (cf. artigo 410.º do Código de Processo Civil).
23. Atualmente, não havendo especificação/questionário ou factos assentes/base instrutória, os factos que devem ser enunciados como provados ou não provados na sentença (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), são apenas os factos essenciais alegados pelas partes nos respetivos articulados.
24. Ora, tais factos essenciais são constituídos por aqueles cuja prova depende a procedência/improcedência da ação ou a procedência/improcedência de alguma exceção invocada pela Defesa.
25. Nestes termos, o tribunal não tem de se pronunciar sobre factos cujo único fito é a contraprova da factualidade constitutiva do direito invocado pelo Autor, neste caso, nas palavras das próprias Chamadas, “para contraprova da existência dos invocados prejuízos”.
26. Concorda-se, por isso, com o tribunal a quo quando esclarece que “Para além desta referência geral importa referir, em particular, que nas contestações, quer da Ré, quer das Chamadas, são alegados vários factos que visam contrariar os factos relativos à existência do dano, do nexo de causalidade e do respetivo montante. Por consubstanciarem uma impugnação motivada entende-se que os mesmos não têm de ser incluídos nos factos provados e não provados, pois a sua procedência ou improcedência ir-se-á refletir na inclusão nos factos provados ou não provados, conforme o caso, dos factos essenciais que visam afastar.” (n.º 42).
27. Conclui-se, pois, pela não verificação da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil), julgando-se improcedente o recurso das Chamadas neste ponto.
ii. Caso se entenda não existir omissão de pronúncia em resposta à questão anterior, este tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e face à prova produzida, deverá aditar a matéria de facto pertinente ao tema de prova B aos factos provados? (recurso das Chamadas)
28. De acordo com a conclusão n.º 122, os factos que as Chamadas pretendem ver como provados são os seguintes:
a) Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente.
b) Os camiões são produtos intrinsecamente complexos e cada fabricante de camiões, designadamente a IVECO e a MAN, oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes.
c) O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pela empresa nacional do Grupo MAN, como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado individualmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião e das características do cliente (designadamente, se encomenda um maior número de camiões, terá maior capacidade negocial).
d) Os preços pagos pelos clientes finais são opacos.
e) Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam.
f) As empresas do Grupo MAN desconhecem o desconto concedidos pelos concessionários e o preço final pago pelos clientes dos concessionários.
g) Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais.
h) Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões, tais como o custo do combustível, os custos de manutenção, os custos de assistência no pós-venda, entre outros.
i) A procura de camiões é altamente cíclica.
j) A estrutura de mercado é assimétrica.
k) O mercado dos camiões é um mercado extremamente competitivo.
29.Resulta da conclusão n.º 122 do recurso das Chamadas que a factualidade descrita deverá ser aditada aos factos provados porquanto: “A factualidade em apreço tem relevância para a decisão de mérito, na medida em que apontam claramente no sentido de que a Conduta Sancionada não conduziu a um aumento dos preços pagos pelos adquirentes dos camiões, pois essa a factualidade – que torna o mercado dos camiões não propenso ao conluio (expresso ou tácito), conjugada com a demais prova produzida, impedia o Tribunal a quo de estabelecer um nexo lógico entre a Conduta Sancionada e o alegado aumento dos preços.”.
Apreciação deste tribunal
30. A resposta a esta questão já se mostra implícita na resposta dada à questão anterior.
31. Conforme aí se aludiu, segundo o atual paradigma do Código de Processo Civil, os factos que devem ser enunciados como provados ou não provados na sentença (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), são apenas os factos essenciais alegados pelas partes nos respetivos articulados. Nestes termos, o tribunal não tem de se pronunciar expressamente sobre factos cujo único fito é a contraprova da factualidade constitutiva do direito invocado pelo Autor, neste caso, nas palavras das próprias Chamadas, “para contraprova da existência dos invocados prejuízos”.
32. Ora, os factos essenciais em causa, como é admitido pelas próprias Chamadas ao fazerem apelo à “contraprova, são os factos relativos aos prejuízos alegados pelo Autor, factos estes que resultaram provados e descritos nos factos ddd) a fff) (também objeto de impugnação), pelos motivos que o tribunal a quo enunciou.
33. Nestes termos, não se vislumbra qualquer necessidade de aditamento da matéria de factos em causa pelo que também aqui improcede o recurso das Chamadas.
iii. Os §§ 2 e 50 e § 47 da Decisão da Comissão na versão portuguesa, reproduzida no facto provado d), devem ser alterados para melhor corresponderem à versão oficial em língua inglesa? (recurso das Chamadas)
34. Conforme resulta das conclusões n.ºs 8 a 21, a requerida alteração da Decisão da Comissão reproduzida nos factos provados resulta, em essência, do confronto com a versão (oficial) da mesma Decisão em língua inglesa, alegando-se que inexiste tradução direta para português do termo inglês “arrangements”, a que acresce um claro erro de tradução na expressão “aumentos bruscos de preços”, quando se deveria referir “gross price increases”.
35. Mais concretamente, segundo as conclusões n.ºs 11 e 12, as versões em confronto, no que toca aos n.ºs 2 e 50 da Decisão, são as seguintes:
“(2) The infringement consisted of collusive arrangements on pricing and gross price increases (…)
(50) These collusive arrangements included agreements and/or concerted practices on pricing and gross price increases” (realces das Chamadas).
“(2) A infração consistiu em acordos colusórios sobre preços e aumentos bruscos de preços (…)
(50) Estes acordos colusórios incluíam acordos e/ou práticas concertadas sobre preços e aumentos brutos de preços” (realces das Chamadas).
36. Neste seguimento, as Chamadas propõem a seguinte redação dos n.ºs 2 e 50 da Decisão da Comissão:
(2) A infração consistiu em arrangements/mecanismos colusórios sobre preços e aumentos de preços brutos (…)
(50) Estes arrangements/mecanismos colusórios incluíam acordos e/ou práticas concertadas sobre preços e aumentos de preços brutos” (realces das Chamadas).
37. Seguindo raciocínio semelhante sustentam ainda as Chamadas, que o n.º 47 da Decisão da Comissão deve passar a ter a seguinte redação:
“(…) Ao trocar os preços brutos e as listas de preços brutos atuais, combinados com outras informações coletadas por meio da inteligência de mercado, os Destinatários ficaram em melhor posição para calcular os preços líquidos atuais aproximados dos seus concorrentes – dependendo da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição”?
38. Mais recordam as Chamadas, quanto ao n.º 47 da Decisão, que a redação que consta dos factos provados é a seguinte: “(…) Ao trocar os preços brutos e as listas de preços brutos atuais, combinados com outras informações coletadas por meio da inteligência de mercado, os destinatários puderam calcular melhor os preços líquidos atuais aproximados de seus concorrentes – dependendo da qualidade da inteligência de mercado à sua disposição”.
39. Sendo certo que na versão oficial inglesa lê-se: “By exchanging current gross prices and gross price lists, combined with other information gathered through market intelligence, the Addressees were better able to calculate their competitors’ approximate current net prices – depending on the quality of the market intelligence at their disposal”.
40. Quanto a este último ponto, realçam as Chamadas que “É completamente distinto afirmar que os destinatários da Decisão conseguiram calcular efetivamente os preços líquidos, como refere a tradução da Decisão da Comissão junta pela Recorrida, ou afirmar, como se lê no original (ou seja, na versão inglesa) da Decisão da Comissão, que os destinatários da Decisão estavam em melhor posição para calcular os preços líquidos aproximados dos seus clientes (não significando isso que tenham efetivamente conseguido) e, acrescente-se, apenas dependendo da qualidade das informações sobre o mercado que cada um tinha à sua disposição.”. ou seja, segundo as Chamadas “A tradução do § 47 da Decisão da Comissão junta pela Recorrida transformou aquilo que, para a Comissão, é uma mera possibilidade numa certeza” (v. n.ºs 79 e 80 da motivação do recurso).
Apreciação deste tribunal
41. Quanto à documentação em causa e o facto provado d), relativo à Decisão da Comissão, o tribunal a quo deixou desde logo consignado, em sede de motivação da convicção sobre a prova, que “Estes factos foram extraídos de uma fotocópia da Decisão da Comissão proferida em 19.07.2016, junta pela A. com a petição inicial originária, ref.ª 38298 (documentos n.º 11-A). Esta fotocópia não está certificada. Não decorre da lei qualquer exigência especial em termos de certificação, tanto mais que a Decisão, na versão aqui considerada em inglês, está publicada na página da Comissão (cf. 39824_8750_4.pdf (europa.eu)). Por conseguinte, não tendo sido impugnada a sua exatidão, considera-se que corresponde ao original (cf. artigo 368.º do CC)” (n.º 44 da sentença recorrida).
42. Mais esclareceu o tribunal a quo que “acerca deste documento impõem-se duas notas relevantes. A primeira diz respeito à tradução. Tal como a R. salienta, na contestação, e tal como consta na própria Decisão, na versão em inglês, apenas esta versão é considerada autêntica. Isto não significa que não se possa considerar uma tradução da Decisão para língua portuguesa. Simplesmente nunca esta tradução poderá – em caso de erro ou de desconformidade com a redação inglesa – prevalecer sobre esta. Ou seja, em última instância, a expressão da vontade e decisão da Comissão Europeia será sempre aquela que transmitiu através da língua inglesa.” (n.º 47).
43. Nada temos a apontar ao raciocínio exposto pelo tribunal a quo, sendo certo que esta fundamentação, na sua essência, não é aqui colocada em causa. Efetivamente, o que as Chamadas pretendem é que se leia a tradução portuguesa do documento em total conformidade com o documento autêntico em língua inglesa.
44. Ora, no que é aqui relevante, a única questão apreciada pelo tribunal a quo foi na sequência de uma questão suscitada pela Ré no artigo 79.º da contestação com a ref.ª 50561, onde se alegou que a “tradução apresentada pela A. enferma de deficiências graves”.
45. Neste âmbito, sublinhou o tribunal a quo que “apesar de [a Ré] o afirmar [que enferma de deficiências graves] o único ponto que identifica, em concreto, como estando errado, explicando porquê, diz respeito à expressãocollusive arrangements on pricing”, traduzidos paraacordos colusórios sobre preços” (n.º 50).
46. Mais afirmou tribunal a quo que “Considera a R. que a tradução mais fiel da expressão seria “entendimentos colusórios sobre preços” (cf. artigo 231.º da contestação com a ref.ª 50561 e nota de rodapé n.º 12). Discorda-se, pois conforme a própria reconhece a versão em português do resumo da Decisão da Comissão que juntou como documento n.º 13 (cf. ref.ª 40126) também utiliza expressão “acordos colusórios sobre os preços” (ponto 9) e apenas “acordos colusórios” (ponto 10)” (n.º 51).
47. Também neste ponto não podemos deixar de concordar com o tribunal a quo.
48. É certo que, o termo inglês “arrangements”, poderá não encontrar um termo exatamente igual na língua portuguesa. Cada língua é, em si mesma, um sistema de expressão e conteúdo[1]. Dir-se-ia que cada língua constitui um mundo em si mesmo[2], e, por isso, nenhuma tradução pode ser considerada exatamente igual ao original. Essencial é que o sentido da tradução seja o mais aproximado possível do sentido original.
49. Por seu turno, como se sabe, em Direito inexistem factos brutos, sendo certo que os “factos” que interessam à decisão judicial são factos jurídicos[3].
50. Ora, em sede de Direito da Concorrência (cf. artigo 101.º do TFUE), o próprio conceito de “agreement” ou, em português “acordo”, já foi objeto de esclarecimentos por parte do Tribunal Geral, por exemplo, no caso T-41/96 (disponível em https://curia.europa.eu), onde se afirma o seguinte:
67 Resulta […] de jurisprudência constante que, para que haja acordo, na acepção do artigo 85.º , n.º 1, do Tratado, basta que as empresas em causa tenham expresso a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect., 1969-1970, p. 447, n.º 112, e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.º 86; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, n.º 256).
68 No que respeita ao modo de expressão da referida vontade comum, basta que uma estipulação seja a expressão da vontade de as partes se comportarem no mercado de acordo com os seus termos (v., nomeadamente, acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão, n.º 112, e Van Landewyck/Comissão, n.º 86, já referidos), sem que seja necessário que a mesma constitua um contrato obrigatório e válido segundo o direito nacional (acórdão Sandoz, n.º 13).
69 Daqui resulta que o conceito de acordo na acepção do artigo 85.º, n.º 1, do Tratado, como foi interpretado pela jurisprudência, baseia-se na existência de uma concordância de vontades entre duas partes pelo menos, cuja forma de manifestação não é importante desde que constitua a expressão fiel das mesmas.”.
51. Ou seja, o conceito de “acordo” foca-se na existência de uma concordância de vontades entre pelo menos duas partes, sendo despicienda a forma como esta se manifesta desde que constitua a expressão fiel das intenções das partes. Exemplos de “agreements” ou “acordos” incluem, aliás, simples acordos de cavalheiros e meros “entendimentos”[4].
52. Também a linha entre um acordo (agreement) e uma prática concertada (concerted pratice) é, por vezes, difícil de delimitar, mas o que realmente importa não é tanto o conceito de acordo ou prática concertada, mas antes o conceito de colusão ou conluio. “It may be that, in a particular case, linguistically it is more natural to use one term than the other [agreement or concerted practice], but legally nothing turns on the distinction: the important distinction is between collusive and non-collusive behaviour[5].
53. Ora, a colusão ou conluio entre as visadas pela Decisão da Comissão não é posta em causa nestes autos, pelo que as sugestões de tradução adiantadas pelas Chamadas em substituição do termo agreements afiguram-se-nos irrelevantes pelas razões já adiantadas na sentença recorrida a que acrescem as razões ora expostas.
54. Já quanto à tradução da expressão “gross price increases”, presente no n.º 2 da Decisão, por “aumentos bruscos de preços”, parece-nos que se trata de um manifesto erro, que deverá, assim, ser corrigido para a expressão sugerida pelas Chamadas “aumentos de preços brutos”. Efetivamente, é manifestamente errado traduzir gross por bruscos, quando aquele termo quer se referir a “[preços] brutos”.
55. Por fim, quanto à expressão presente no n.º 47 da Decisão, “puderam calcular melhor”, e que as Chamadas pretendem ver alterada para a expressão “ficaram em melhor posição para calcular”, quando a expressão no original inglês é “were better able to calculate”, não se vislumbram razões para alterar a redação em causa.
56. Quanto a este ponto dir-se-á, em primeiro lugar, que não corresponde à verdade que da tradução conste a expressão “conseguiram calcular efetivamente os preços” (sublinhado nosso), como alegam as Chamadas (cf. n.º 79 das motivações de recurso). A expressão constante da tradução é simplesmente “puderam calcular melhor os preços”.
57. E tal expressão deve ser interpretada, como é óbvio, conjuntamente com os restantes dizeres da frase “Ao trocar os preços brutos e as listas de preços brutos atuais, combinados com outras informações coletadas por meio da inteligência de mercado, os destinatários puderam calcular melhor os preços líquidos atuais aproximados de seus concorrentes – dependendo da qualidade da inteligência de mercado à sua disposição”. Ora, se atentarmos na última parte da frase, o cálculo dos preços líquidos estaria sempre dependente da “qualidade da inteligência de mercado à sua disposição”. Não é, assim, verdade que a tradução tenha transformado uma mera possibilidade numa certeza.
58. Por último, a frase em causa deve ser interpretada no contexto da Decisão vista como um todo. Do texto da Decisão deve tomar-se em conta, nomeadamente, os n.ºs 51 a 54 que descrevem os contactos entre as empresas em causa, referindo-se, inclusive, que “Ocasionalmente, os participantes, incluindo representantes da sede de todos os destinatários, também discutiu preços líquidos para alguns países. Também concordaram com o momento da introdução e da taxa adicional a ser aplicada à tecnologia de emissões que cumpre os padrões de emissões da EUROPA. Além dos acordos sobre os níveis de aumentos de preços, os participantes informavam-se regularmente sobre aumentos planejados de preço brutos. Além disso, trocaram seus respetivos prazos de entrega e suas previsões gerais de mercado específicas do país, subdivididas por países e categorias de camiões. Além das reuniões, houve trocas regulares de informações sensíveis do ponto de vista concorrencial por telefone e correio eletrónico.” (n.º 51).
59. Aliás, quando o tribunal a quo se pronuncia, em sede de motivação de facto, sobre a questão da relação preços brutos e preços líquidos (n.º 180 a 235), de forma, aliás, extensa e exaustiva, é a decisão vista como um todo que serve de apoio às suas considerações, apoiando-se, por exemplo, nos n.ºs 49, 58, 71 e nos aludidos n.ºs 51-54 da Decisão (cf. n.ºs 186, 196 e 222 da sentença recorrida). De notar, que o tribunal a quo, nesta sede, não faz sequer alusão ao parágrafo n.º 47 ora em causa, pelo que nem se vislumbra relevância na sugerida alteração da tradução.
60. Em suma, o recurso neste ponto deve ser julgado improcedente, exceto no que concerne à expressão constante do n.º 2 da Decisão reproduzida no facto provado d), onde passará a ler-se “aumentos de preços brutos” em vez de “aumentos bruscos de preços”.
iv. Devem ser eliminadas da redação das alíneas k), n) e ccc) dos factos provados, as referências à alegada aquisição pela Autora, das viaturas de marca MAN matrículas 21-EE-36 e 32‑FH‑29, pelo preço total de 170.000,00 €? (recurso das Chamadas)
61. Os factos provados em causa têm a seguinte redação:
“k) Todas as viaturas objeto de tais contratos previam a opção de compra mediante o pagamento de um valor residual no final, tendo a Autora optado pela aquisição no final do contrato das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA e 54-57-VX e das viaturas da marca MAN com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29 (resposta ao artigo 4.º da PIA).

n) Mais estabeleciam os contratos em causa que, decorrido o período acordado nos mesmos, a Locatária, ora Autora, poderia comprar as viaturas, pelo preço também aí determinado, o que veio a ocorrer nos contratos das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA e 54-57-VX e das viaturas da marca MAN com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29  (artigo 7.º da PIA).

ccc) Com a aquisição das referidas viaturas a Autora despendeu o montante total de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), acrescido de IVA (artigo 26.º da PI), correspondente a:



Viatura
Montante (sem IVA)
32-FH-29
€ 87.500,00
21-EE-36
€ 82.500,00


62. Neste âmbito, as Chamadas, tecem as seguintes conclusões:
“§ 23 Não existe nos autos qualquer documento comprovativo do pagamento das quantias relativas ao preço dos camiões da marca MAN (designadamente, recibos de quitação, comprovativos de transferência bancária).
§ 24. O Tribunal a quo formou a sua convicção de que as quantias indicadas no facto ccc) terão sido efetivamente pagas essencialmente através de uma presunção judicial, constituindo o facto-base dessa presunção o exercício da opção de compra previsto nos contratos de locação financeira, que o Tribunal a quo considerou ter ficado provado com base nas declarações de parte da Autora prestadas por AAA, e no registo de propriedade dos veículos a favor da Recorrida.
§ 25. Porém, a aquisição das viaturas em causa terá sido feita através de contratos de locação financeira mobiliária, que estão sujeitos a um requisito de forma escrita (cf. artigo 3.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), pelo que o seu cumprimento não pode ser provado por prova testemunhal (cf. artigos 393.º, n.º 1, e 395.º do CC), limitação esta que se aplica, por analogia, às declarações de parte.
§ 26. O Tribunal a quo não poderia, assim, ter atribuído nenhum valor probatório às declarações de parte prestadas por AAA a este respeito e, não sendo admitida prova testemunhal, estava também impedido de fazer uma presunção judicial (cf. artigo 351.º do CC).
§ 27. Nem os contratos de locação financeira mobiliária nem as certidões do registo automóvel relativos aos veículos com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29 (os únicos documentos relativos a estes veículos que constam dos autos) permitem, por si só, provar que os referidos contratos foram cumpridos, nem, sobretudo, que a Recorrida pagou efetivamente 82.500 € para aquisição da viatura com a matrícula 21-EE-36 e 87.500 € para a aquisição da viatura com a matrícula 32-FH-29.
§ 28. Subsidiariamente, cumpre referir que a representante legal da Autora limitou-se a referir genérica e abstratamente que os contratos de locação financeira foram cumpridos, não se extraindo das suas declarações nenhum elemento que permita concluir que a mesma tem um conhecimento direto, real e concreto sobre a situação específica das viaturas com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29 e sobre os valores efetivamente despendidos.
§ 29. Tendo em conta que estão em causa factos constitutivos do direito da Autora, é a esta que incumbia fazer a prova desses factos, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC, pelo que, existindo dúvidas sobre a realidade dos mesmos (e, pelo menos, quanto às quantias efetivamente despendidas, as dúvidas existem), devem ser decididas em desfavor da Autora, em conformidade com o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, do CC e 414.º do CPC.”.
63. Ou seja, alegam as Chamadas, em essência, que o cumprimento dos contratos de locação financeira referentes às viaturas de matrícula 21-EE-36 e 32-FH-29, em especial, o pagamento do preço integral de, respetivamente, 82.500 €  e  87.500 € (= 170.000,00 €), não poderia considerar-se provado com base em presunções judiciais suportadas nos contratos de locação financeira mobiliária, nas certidões do registo automóvel e em declarações de parte (genéricas e abstratas), sendo exigível aqui prova documental (designadamente, recibos de quitação ou comprovativos de transferência bancária).
Apreciação deste tribunal
64. É consensual que estão aqui em causa contratos de locação financeira, relativos a duas viaturas de matrícula 21-EE-36 e 32-FH-29, ou seja, de bens móveis sujeitos a registo.
65. A celebração de tais contratos obedece à forma escrita (documento particular), e demais requisitos legais (artigo 3.º, n.º 1, 3 e 4, do DL. n.º 149/95, de 24/06).
66. Resulta do disposto no artigo 393.º do Código Civil, que se a declaração negocial, por disposição da lei, houver de ser reduzida a escrito, para a respetiva prova não é admitida prova testemunhal (requisito ad substantiam).
67. Efetivamente, segundo o artigo 393.º do Código Civil, sob a epígrafe “Inadmissibilidade da prova testemunhal”:
1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.”.
68. Por sua vez, segundo o artigo 395.º do Código Civil, sob a epígrafe “Factos extintivos da obrigação”, prevê-se que “As disposições dos artigos precedentes são aplicáveis ao cumprimento, remissão, novação, compensação e, de um modo geral, aos contratos extintivos da relação obrigacional, mas não aos factos extintivos da obrigação, quando invocados por terceiro.”.
69. Ou seja, a regra da redução a escrito é, em princípio, também aplicável quanto à prova de factos extintivos da obrigação (ad probationem), incluindo-se aqui o cumprimento: “É assim da maior importância a quitação por escrito, quando a obrigação resulte de documento autêntico ou particular, visto não ser admitida a prova testemunhal[6].
70. Ora, se o cumprimento do contrato não pode, em princípio, ser provado por prova testemunhal, por analogia, também não pode ser provado através de declarações de parte[7].
71. Contudo, não obstante a letra do artigo 395.º do Código Civil não prever qualquer limitação ou exceção à admissibilidade de prova testemunhal (e, por analogia, declarações de parte), por razões de justiça e “sob pena de a rigidez de interpretação desta norma conduzir nalguns casos a graves iniquidades”, a jurisprudência e parte da doutrina têm admitido a possibilidade de se produzir prova testemunhal quanto a situações cobertas pelo artigo 395.º desde que exista um princípio de prova documental ou quando o contraente demonstre que estava moral ou materialmente impossibilitado de se munir de prova escrita ou que o documento se perdeu, sem culpa do contraente (veja-se, por exemplo, o Ac. TRC de 06-09-2011, processo n.º 147/10.5TBPNL.C1[8], com indicação de jurisprudência e doutrina[9]).
72. Da nossa parte, seguimos aqui a interpretação do artigo 395.º do Código Civil, acabada de expor no parágrafo precedente, pelas razões que passamos a expor.
73. A este respeito pode ler-se na sentença recorrida:
Factos relativos às viaturas – alíneas j) a ccc) dos factos provados e alínea a) dos factos não provados:
“61. Os factos globais, expostos nas alíneas j) a n) dos factos provados, no que respeita à celebração dos contratos de locação financeira e ao seu conteúdo foram extraídos das cópias dos respetivos contratos, juntas aos autos e que serão indicadas infra em relação a cada um dos veículos, não havendo razões para duvidar da veracidade destes meios de prova pelas razões que se passam a explicitar.

66. No que respeita aos veículos da marca MAN, a celebração dos contratos de locação financeira foi impugnada, por desconhecimento, pela R. (artigos 434.º e 435.º da contestação), não tendo sido impugnada pelas Chamadas, que impugnaram apenas o pagamento e a transferência de propriedade (cf. artigo 236.º da contestação). Contudo, considera-se que as cópias dos contratos juntas aos autos são suficientes para provar os factos em análise pelas seguintes razões: estão completas; não contêm sinais de manipulação; não atestam apenas factos internos da A., mas documentam declarações de vontade de instituições financeiras, implicando, por isso, terceiros; as formas de aquisição corporizada nas mesmas é consentânea com práticas de mercado correntes; a aquisição de veículos desta natureza pela A. é compatível com a sua atividade; e não foi produzida prova minimamente consistente em sentido contrário ou suscetível de fazer duvidar da sua exatidão e veracidade. Assim, por todas estas razões, não é credível que os documentos juntos não correspondam à verdade.
67. Por fim, os factos respeitantes ao exercício da opção de compra em relação a todas as viaturas com exceção da viatura com a matrícula 25-78-VT (cf. alínea a) dos factos não provados), exarados nas alíneas k) e n) dos factos provados, decorreram das declarações prestadas por AAA [representante legal da Autora], que mereceram credibilidade nesta parte, porquanto há documentos nos autos que demonstram a transmissão da propriedade das instituições de locação financeira para a A. ou para efeitos de registo da transmissão desta para terceiros em relação a todos os veículos. O que, face ao teor dos contratos, apenas era possível por via do exercício, no final, da opção de compra.”

E ainda:
82. No que respeito às quantias efetivamente despendidas pela A., nos termos que constam nas alíneas ww) e ccc) dos factos provados, do exercício das opções de compra infere-se, de acordo com parâmetros de normalidade e razoabilidade, o pagamento pela A., pelo menos, do preço de aquisição dos veículos por parte das locadoras, com exceção do veículo com a matrícula 25-78-VT. Efetivamente, não existindo nenhuma circunstância excecional que aponte no sentido do pagamento ter sido feito por um terceiro em benefício da A. as regras da experiência comum conduzem à conclusão necessária de que foi esta quem despendeu as quantias respetivas. Ora, com exceção do veículo com a matrícula 25-78-VT, não há qualquer evidência de tais circunstâncias excecionais.”.
74. Ou seja, o tribunal a quo efetivamente deu como provada a factualidade relativa ao cumprimento do contrato de locação financeira e consequente aquisição das duas viaturas ora em causa, não com base em prova documental direta (maxime recibos de quitação), mas recorrendo a presunções judiciais baseadas, em essência, nos contratos de locação financeira juntos aos autos e na documentação de registo de propriedade, complementada com declarações de parte.
75. Da nossa parte, mesmo a inexistir nos autos prova documental que diretamente ateste o cumprimento e o pagamento dos preços de aquisição dos veículos, em especial, recibos de quitação, julgamos que o tribunal a quo, baseando-se, primordialmente em prova documental, julgou estes pontos da matéria de facto da forma mais correta, mesmo que para tanto tenha recorrido, de forma complementar, a declarações de parte.
76. De recordar, em primeiro lugar, que o contrato de locação financeira relativamente ao veículo de matrícula 21-EE-36, foi celebrado já em 01-09-2007, e relativamente ao veículo de matrícula 32-FH-29, em 17-03-2008 (cf. documentos n.º 9 e 10, juntos com a petição inicial original).
77. Quanto ao primeiro destes veículos, o contrato prevê uma duração de 60 meses com opção de compra a poder ser exercida a final. O preço do bem está descrito como sendo 82.500,00 €.
Relativamente ao segundo veículo o contrato prevê como data da opção de compra, o dia 23-03-2013, pelo valor total de 87.500,00 €.
78. Ou seja, já passaram mais de 10 anos sobre as datas previstas para o cumprimento integral de cada contrato, sendo, assim, compreensíveis dificuldades em apresentar documentos de quitação.
79. Por sua vez, segundo as certidões de registo automóvel juntos pelas Chamadas em 18-10-2023 (ref.ª 76009), verifica-se que a propriedade do veículo de matrícula 21-EE-36 foi registada a favor da Autora em 14-03-2013, ou seja em data muito próxima da data prevista no contrato para o exercício da opção de compra.
80. Quanto à propriedade do veículo de matrícula 32-FH-29, foi registada a favor da Autora no dia 06-07-2013, também, portanto, em data muito próxima da data final prevista no contrato de locação financeira.
81. Também de realçar que nos encontramos no âmbito de contratos de locação financeira que têm por objeto dois camiões pesados, celebrados entre instituições financeiras (BCP e Banif) e a Autora E… – Transportes Internacionais, Lda., empresa de transportes (cf. al. e) dos factos provados).
82. Neste contexto, é altamente improvável que o pagamento do preço de aquisição tenha sido feito por terceiros como por vezes ocorre no âmbito de relações civis, em especial, entre familiares (por exemplo, o pai que compra um automóvel para o filho/a). Assim se compreende o tribunal a quo quando salienta “Efetivamente, não existindo nenhuma circunstância excecional que aponte no sentido do pagamento ter sido feito por um terceiro em benefício da A. as regras da experiência comum conduzem à conclusão necessária de que foi esta quem despendeu as quantias respetivas.”.
83. Neste contexto, perante a documentação analisada e complementada pela confirmação do exercício das opções de compra com o pagamento dos respetivos preços pela A., confirmação esta feita ainda que de forma genérica por AAA (representante legal da Autora), é perfeitamente razoável a prova destes factos.
84. Aliás, o contrário – a não prova destes factos -, é que roçaria o absurdo e conduziria a uma injustiça manifesta, pois tendo sido a propriedade dos veículos (camiões pesados, de valor bastante elevado, locados por uma empresa de transportes), registada a favor da A. em datas coincidentes com a fase final dos contratos de locação financeira, a hipótese alternativa ao cumprimento por aquela seria que um terceiro (ou as próprias instituições financeiras) tivesse efetuado uma liberalidade a favor de uma empresa de transportes, pagando os respetivos preços, o que é altamente inverosímil inexistindo, como salientou o tribunal a quo, quaisquer indícios que tal tenha ocorrido.
85. Nada há, pois, a censurar neste âmbito à sentença recorrida.
86. Nestes termos, o recurso deve ser julgado improcedente.
v. Devem considerar-se provados os factos constantes das alíneas ddd) a fff), relativos à existência do dano (sobrecusto ou custo adicional) e nexo causal? (ambos os recursos)
87. A factualidade ora em causa é a seguinte:
ddd)   A prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita, na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados conduziu a que os preços das referidas viaturas pagos pelos importadores Iveco Portugal, no caso das viaturas da marca IVECO, e MAN Portugal, Unipessoal, Lda, no caso das viaturas da marca MAN, e pelos concessionários Autoeste, no caso das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA, e AC Manutenção S.A., no caso das viaturas da marca MAN, fossem superiores àqueles que teriam sido praticados caso não tivesse ocorrido a mesma (resposta ao artigo 63.º da PIA).
eee)  Tal aumento foi refletido pela IVECO Portugal, no caso da viatura com a matrícula 54-57-VX, e pelos concessionários, em relação às viaturas com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA e às viaturas da marca MAN, nos preços pagos pelos seus clientes finais, as instituições financeiras supra identificadas, que, por isso, pagaram um preço superior àquele que teriam pago, caso a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita não se tivesse verificado (resposta ao artigo 65.º da PIA).
fff)  Em virtude disso, os montantes que a Autora despendeu com a aquisição das viaturas da marca IVECO com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN, 24-57-RA e 54-57-VX referidos na alínea ww) supra e os montantes que despendeu com a aquisição das viaturas da marca MAN com as matrículas 21-EE-36 e 32-FH-29 referidos na alínea ccc) supra foram superiores àqueles que teria pago caso não se tivesse verificado a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados (resposta ao artigo 65.º da PIA).”.
88. Quanto a esta factualidade, concluem as Chamadas, que os factos não podiam ter sido dados como provados, tendo o Tribunal a quo incorrido em vários erros de julgamento, traduzidos essencialmente numa deturpada interpretação da Decisão Recorrida e numa incorreta apreciação da contraprova produzida pela Ré e pelas Recorrentes, adiantando argumentos que incidem concretamente sobre (conclusões n.ºs 32 a 114):
a) A insuficiência da Decisão da Comissão para prova dos prejuízos;
b) A inexistência de uma relação direta e sistemática entre preços brutos e preços líquidos, tendo em especial conta a contraprova produzida em julgamento (em particular, os depoimentos de BBB, CCC e de DDD e Parecer Técnico CL de 30.10.2023);
c) Neste contexto, as presunções judiciais e o standard da prova (probabilidade prevalecente) foram erradamente aplicados pelo tribunal a quo, tendo em conta, inclusive, a contraprova produzida em julgamento.
89. Por seu turno, a Recorrente Iveco, em prolixas e repetitivas conclusões (n.ºs 2 a 134, 144 a 147, 149 a 153, 166 e 167), sufraga também do entendimento das Chamadas no sentido da errada aplicação, por parte do tribunal a quo, do standard da prova e de presunções judiciais sustentadas unicamente na Decisão da Comissão.
90. Sublinha, assim, a Iveco que “o Tribunal a quo decidiu substituir-se à Autora, fazendo-o com recurso a uma presunção judicial para, a partir daí formar a sua errada convicção, aplicando como standard de prova a teoria da probabilidade prevalecente, com o único e exclusivo propósito de suprir a total falta de prova ou, sequer, de alegação que à recorrida incumbia.”. 91. Entende, por isso, que “A sentença recorrida incorre, por isso, em manifesto erro de julgamento, além de ter violado frontalmente as normas de repartição do ónus da prova e da satisfação deste ónus por uma Demandante, designadamente, os artigos 5.º e 17.º da Diretiva Danos, pelo que o ónus da prova dos alegados, mas inexistentes, prejuízos incumbia sempre à recorrida, nos termos gerais, designadamente do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC e dos artigos 9.º e 12.º da Lei de Transposição.” (e também dos artigos 349.º e 351.º, do Código Civil e do artigo 414.º do Código de Processo Civil).
92. Em sede de prova produzida em julgamento que, da sua perspetiva, deve conduzir à não prova dos factos ora em causa, salienta a Iveco as próprias declarações de parte prestadas pela já aludida AAA, que inclusivamente referiu que “não teve noção de ter havido um aumento de preços dos camiões que a tivesse chamado a atenção”. Mais salienta a Iveco, em sede de contraprova apresentada pelas Defesas, o parecer económico apresentado pela Ré, elaborado em nome da Compass Lexicon (CL), datado de 18-05-2021 e que designa de “Relatório CL”, o estudo Oxera 2009, o depoimento da testemunha da recorrente, GGG e testemunha indicada pelas Chamadas, BBB.
Apreciação deste tribunal
93. A presente ação trata de uma ação de private enforcement, regulada pela Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de novembro de 2014, publicada no JOCE em 5/12/2014 - Diretiva Private Enforcement (doravante, Diretiva).
94. Tal Diretiva foi transposta para o ordenamento nacional através da Lei n.º 23/2018 de 05/06 (doravante, Lei de Transposição ou LT).
95. Resulta igualmente consensual, em harmonia com jurisprudência estabelecida pelo Ac. TJUE de 22-06-2022, Volvo AB e DAF trucks, C-267/20, ECLI:EU:C:2022:494, que as presunções legais previstas no artigo 17.º, n.º 2, da Diretiva (e artigo 9.º, n.º 1, da LT), em concreto, a presunção legal (ilidível) do dano resultante da infração e do respetivo nexo causal, não são aqui aplicáveis.
96. Afastada a aplicabilidade das presunções legais previstas no artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva (presunções legais do dano e nexo causal), como é óbvio, caberá ao Autor, a prova da existência do dano (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
97. Quanto ao standard de tal prova a ser aqui aplicado, tal como a sentença recorrida (n.ºs 87 a 96), também nós sufragamos a teoria da probabilidade prevalecente, seguindo-se aqui a posição já expressa no Ac. TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1.
98. Efetivamente, na falta de norma de direito da União, as ações de indemnização são regidas pelas regras e pelos processos nacionais dos Estados-Membros (cf. considerando 11 da Diretiva).
99. No nosso caso, em termos de causa de pedir da ação, rege, portanto, o artigo 483.º, do Código Civil, no que aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual diz respeito (interpretado em conformidade com o Direito da EU).
100. Por seu turno, obviamente que não deixa de aqui ser aplicável, quando admissível à luz do direito nacional, o regime das presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º, 392.º, do Código Civil; artigo 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil).
101. Com efeito, de acordo com o Ac. TJUE de 20-09-2001, Courage, C-453/99, ECLI:EU:C:2001:465, n.º 29, “na ausência de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade)” (sublinhados nossos).
102. Ou seja, o acórdão ora citado esclareceu obrigações genéricas dos Estados-Membros no sentido de regular a matéria das indemnizações por infrações aos atuais artigos 101.º e 102.º do TFUE, de modo a garantir a salvaguarda dos direitos dos cidadãos prejudicados, em condições que não sejam menos favoráveis do que as das ações análogas de natureza interna e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Estes princípios gerais foram objeto de positivação no artigo 4.º da Diretiva.
103. Nesta esteira, também o standard da prova deve ser pelo menos equivalente à exigida em processos nacionais. Ora em sede de standard da prova, dir-se-á que a quem cabe provar determinado facto de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente, os factos atinentes ao dano e nexo causal, terá de demonstrar que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente).
104. Como constatou o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, em importante arresto nacional relativo a danos hipotéticos no âmbito da chamada “perda de chance”, “para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência”.
105. Ademais, porque no caso concreto se colocam também questões difíceis de nexo causal, haverá que recordar aqui, novamente com aquele AUJ: “a teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade”.”.
106. E como alude a sentença recorrida (n.ºs 91 a 93), recorrer a tal teoria da probabilidade prevalecente, está em harmonia, quer com a natureza do dano aqui em causa, que envolve necessariamente situações hipotéticas, quer com os já aludidos princípios de equivalência e efetividade do Direito da União.
107. Mas mesmo que não se adote a teoria da probabilidade prevalecente, com o seu critério de “mais provável do que não” e se adote um critério de um nível imediatamente superior, denominado nos sistemas de Common Law de “clear and convincing evidence”, ou seja, um critério de prova que se expressa por uma convicção “muito mais provável do que não” ou, na terminologia alemã, numa “verosimilitude objetiva” equivalente a uma “alta probabilidade”[10], o certo é que o caso concreto, como veremos, não pode conduzir senão às mesmas conclusões que as expressas na sentença recorrida.
108. Adianta-se, pois, desde já, que se concorda com o tribunal a quo quando afirma, após uma extensa e exaustiva análise da prova produzida nos autos (n.ºs 87 a 243), que: “Em consequência da análise conclui-se que face às características específicas da conduta, nos termos analisados, é altamente provável ou bastante mais provável do que o contrário que a conduta sancionada pela Comissão tenha conduzido preços líquidos de venda aos concessionários e destes às instituições financeiras e, consequentemente, à A. de preços superiores àqueles que teriam sido praticados sem a infração, não tendo sido produzida prova suscetível de infirmar essa probabilidade prevalecente.” (sublinhados nossos).
109. O que não se pode exigir aqui, como nos parece evidente, é que o standard da prova deva ser equivalente à do processo penal, ou seja, “para além da dúvida razoável”.
110. Feitos estes esclarecimentos, vejamos porque concordamos com a sentença recorrida.
111. Neste âmbito, a sentença recorrida faz a sua análise crítica da prova, quanto aos factos ora em causa, onde admite, desde logo, em n.º 97, que “a única prova produzida pela A. reconduziu-se à junção da referida versão provisória e não confidencial da Decisão da Comissão.” (doravante, a Decisão).
112. Para além de basear-se, assim, na Decisão, para fundamentar positivamente a demonstração dos factos relativos aos “prejuízos” causados pelo facto ilícito, a sentença recorrida faz uso dos seguintes elementos:
a) Guia Prático de Quantificação dos Danos da Comissão, inclusive na parte em que cita um “estudo encomendado” pela mesma Comissão, sobejamente conhecido neste domínio do Direito da Concorrência como o estudo Oxera 2009 (veja-se, por exemplo, n.ºs 93-94, 110, 140-143);
b) Comunicado de Imprensa da Comissão datado de 19-07-2016, junto pelas Chamadas com a ref.ª 47006, doc. 9 (veja-se n.º 174);
c) Jurisprudência da União e nacional, nomeadamente o Ac. TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1 (por exemplo, n.ºs 89-90 e 125-126, 171-173).
113. Estes últimos elementos são usados, como é evidente, não para a prova direta de factos, mas para justificar, em especial, os standards de prova aplicados, os elementos da Decisão a valorar e respetivo sentido, e para contextualizar os factos no domínio muito específico do direito da concorrência e do mercado em questão e daquilo que pode ser considerado comum neste domínio.
114. O tribunal a quo, ao longo da sua extensa e exaustiva análise não deixa de apreciar a prova documental produzida pelas Defesas, em concreto:
a) O estudo Oxera 2019, junto quer pela Ré quer pelas Chamadas, ref.ªs 40126 e 47007 (por exemplo, n.ºs 118, 142, 145, 214-215);
b) O parecer económico apresentado pela Ré, elaborado em nome da Compass Lexicon (CL), datado de 18-05-2021, junto pela Ré, ref.ª 50919 (por exemplo, n.ºs 118, 154, 228-229);
c) O parecer económico e respetivos anexos, junto pela Ré, datado de 27-04-2021, igualmente da Compass Lexicon, ref.ª 50554 (veja-se, por exemplo, n.ºs 127, 147);
d) O parecer económico junto pelas Chamadas, datado de 30-10-2023, também da Compass Lexicon, ref.ª 76352 (vide, por exemplo, n.ºs 118, 138, 155-156, 201-208, da sentença recorrida);
e) A Decisão proferida pela Comissão Europeia na qual avaliou a concentração MAN/Scania em 2006, junta aos autos pela Ré com a ref.ª 50919, doc. 4 (veja-se, por exemplo, n.º s 152-153 e 177).
115. Acresce, naturalmente, a apreciação da prova testemunhal apresentada pelas Defesas, em concreto, dos depoimentos de:
a) GGG (veja-se, por exemplo, n.ºs 164 e 167-169);
b) BBB (veja-se n.º 196).
c) CCC (veja-se, por exemplo, n.ºs 198-199, 224, 232).
116. É, pois, neste contexto probatório complexo, que o tribunal a quo concluiu pela suficiência da Decisão para prova dos “prejuízos”, quando conjugada com as regras da experiência comum deste domínio.
117. Tal meio de prova – a Decisão da Comissão – é essencialmente o mesmo que estava presente no caso subjacente ao Ac. TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1, onde também se concluiu pela suficiência deste meio de prova para provar o dano ou sobrecusto (aumento de preços derivado do cartel sancionado na Decisão) e respetivo nexo causal entre tal sobrecusto (dano) e o facto ilícito.
118. Em tal caso, como no presente, sublinhou-se que a Decisão da Comissão implica uma presunção inilidível sobre a existência, natureza e âmbito material, subjetivo, temporal e territorial da infração (vide n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos ex-artigos 81.º e 82.º do Tratado).
119. Ora, resulta desde logo claro da Decisão que a conduta sancionada trata de um cartel cujo objetivo era influenciar os preços praticados no mercado dos camiões médios e pesados. A sentença recorrida parte, portanto, do pressuposto que estamos perante um cartel, o que se afigura um juízo correto.
120. Efetivamente, neste âmbito, realça a sentença recorrida (n.º 125), citando o Ac. do TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1, o seguinte:
A Diretiva (e Lei de transposição) define um cartel como “o acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas concorrentes que vise coordenar o seu comportamento concorrencial no mercado ou influenciar os parâmetros relevantes da concorrência, através de condutas como, nomeadamente, fixar ou coordenar os preços de aquisição ou de venda ou outras condições de transação, incluindo relativamente a direitos de propriedade intelectual, atribuir quotas de produção ou de venda, repartir mercados e clientes, incluindo a concertação em leilões e concursos públicos, restringir importações ou exportações ou conduzir ações anti concorrenciais contra outros concorrentes, tal como proibido pelo artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, e, se aplicável, pelo artigo 101.º do TFUE” (artigo 2.º, n.º 14).

Podemos, assim, ter por certo, desde logo com os considerandos citados [n.ºs 71 e 81], que a infração envolveu acordos colusórios que incluíram acordos e/ou práticas concertadas que visaram alinhar os preços brutos e respetivas subidas em todo o território do EEE, incidindo os acordos em alguns casos sobre preços líquidos (considerando 51). O objetivo de tais acordos e práticas era a distorção do estabelecimento independente dos preços no mercado respetivo e a coordenação dos timings e respetiva repercussão de custos da introdução de standards de tecnologias de emissões.
Não surpreende, por isso, que no parágrafo 40 da decisão do TJUE no já aludido caso C-588/20, se refira “há que salientar que, segundo o artigo 1.º da decisão em causa, o cartel em questão no processo principal tinha como objeto, por um lado, a fixação de preços e o aumento dos preços brutos no EEE dos camiões médios e dos camiões pesados, e, por outro, o calendário e a repercussão dos custos relativos à introdução de tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6”.
Resultou, pois, evidente ao TJUE que a Decisão incidiu sobre um cartel destinado, desde logo, à fixação e aumento de preços brutos de camiões médios e pesados.
Podemos, assim, ter por certo que a infração subjacente à Decisão, tinha como objeto, para além da troca de informações sensíveis, acordos e práticas de fixação de preços e o aumento dos preços brutos no EEE dos camiões médios e dos camiões pesados.”.
121. Partindo-se, portanto, do facto assente que a conduta sancionada pela Comissão (o que não pode ser aqui posto em causa pelas razões já aduzidas), tratou de “um cartel destinado, desde logo, à fixação e aumento de preços brutos de camiões médios e pesados”, há que ter presente o que o conhecimento científico nos ensina a respeito dos efeitos dos cartéis nos preços praticados no mercado.
122. E a este respeito diz-nos a sentença recorrida (n.ºs 141 e 142), baseando-se nos aludidos Guia Prático da Comissão e estudo Oxera 2009:
“141.   Assim, esclarece a Comissão que um estudo encomendado por si “examinou os dados empíricos no que respeita à existência de efeitos em matéria de preços adicionais e a sua importância. Este estudo baseia-se numa série de estudos empíricos existentes sobre os efeitos dos cartéis. Em especial, examina de forma mais aprofundada a amostra de cartéis analisada no estudo mais completo realizado até à data, tomando unicamente em consideração os cartéis a) com início após 1960 (ou seja, os mais recentes), b) em relação aos quais estava disponível uma estimativa do custo adicional médio (em detrimento de uma estimativa do preço adicional máximo ou mínimo), c) em relação aos quais o estudo de base havia expressamente explicado o método de cálculo da estimativa do preço adicional médio e d) que haviam sido debatidos em artigos académicos ou em capítulos de livros validados por peritos” (§ 141 do Guia Para a Quantificação de Danos). Mais refere que com “base nos dados observados, este estudo concluiu que, em 93% dos cartéis examinados, estes haviam resultado num preço adicional” (§ 142 do Guia Para a Quantificação de Danos), cerca “de 70% dos cartéis examinados neste estudo resultaram num preço adicional compreendido entre 10% e 40%, situando-se a média em torno dos 20%” (§ 143 do Guia Para a Quantificação de Danos) e que as “conclusões deste estudo são consentâneas com as de outros estudos empíricos disponíveis, a saber, que a) a grande maioria dos cartéis conduz efetivamente a um preço adicional, e b) verificam-se grandes oscilações nos preços adicionais observados. De igual forma, todos os demais estudos empíricos pautam-se, de modo geral, por uma estimativa análoga da dimensão dos preços adicionais médios, conforme acima descrito” (§ 144 do Guia Para a Quantificação de Danos).
142. Este estudo foi elaborado pela Oxera, conforme a própria reconhece no parecer junto aos autos pela R. e pelas Chamadas (cf. tradução em português com a ref.ª 47007) – cf. entre outros pontos 3.7. a 311.” (sublinhados nossos).
123. Ou seja, segundo os estudos científicos (empíricos) mais fiáveis neste domínio, 93% dos cartéis implicam um aumento de preços, situando-se a média de tal subida em 20%.
124. Assim se compreende, aliás, que a conduta colusória (e veja-se o que se despendeu supra em 48-53, acerca dos conceitos de acordo e colusão) tenha sido enquadrada e sancionada a título de objeto, dispensando-se a avaliação dos respetivos efeitos (artigo 101.º do TFUE). É que, recorde-se, a infração por objeto revela que a conduta em si mesma considerada, implica já “um grau suficiente de nocividade para a concorrência” (Ac. TJUE de 11-09-2014, C-67/13, Groupement des Cartes Bancaires v Commission, EU:C:2014:2204, n.º 49).
125. Neste contexto, dir-se-á, portanto, que de acordo com as regras da experiência comum, existe uma elevadíssima probabilidade de determinado cartel provocar uma subida de preços dos respetivos produtos, prejudicando, assim, os respetivos compradores.
126. É certo que, segundo os estudos aludidos, em 7% dos cartéis não foi confirmada qualquer subida de preços.
127. Perguntar-se-á, assim, se a prova produzida propendeu mais, ou até muito mais, para a primeira hipótese ou para a segunda, ou seja, se no caso concreto, se deverá concluir que o cartel em causa conduziu, com uma elevadíssima probabilidade (93%), a subidas de preço, ou se, pelo contrário, perante a contraprova produzida, tal juízo se deverá mostrar seriamente abalado de modo a concluir-se ou pelo menos considerar-se como bastante verosímil, que estamos perante um caso excecional de um cartel que não provocou qualquer subida de preços no mercado dos camiões.
128. Ora, tal como sublinhou a sentença recorrida, a primeira hipótese não só é mais provável, como é muito mais provável (cf. n.º 243).
129. E para tanto salientou os seguintes “factos base”:
a) a natureza da conduta (n.ºs 114 e ss. da sentença recorrida), tendo em especial conta o já expresso supra em 120;
b) a longíssima duração do cartel (de 1997 a 2011 – cf. n.º 161 e ss. da sentença recorrida);
c) a intencionalidade e continuidade da conduta (cf. n.º 171 e ss.);
d) a enorme extensão territorial da conduta, que abrangeu todo o Espaço Económico Europeu e envolveu empresas com uma quota de mercado de 90% (n.º 173 e ss.);
e) a (não) substituibilidade dos produtos (n.º 177 e ss.);
f) a relação preços brutos e preços líquidos (n.º 180 e ss.).
130. Ora, perante estas características inerentes ao cartel em causa, conhecido como o cartel dos camiões, pode-se seriamente duvidar da muitíssima elevada probabilidade de aquele ter causado uma subida artificial dos preços praticados no mercado? A resposta é claramente negativa, mesmo sopesando a contraprova apresentada, tal como julgou o tribunal a quo.
131. Por seu turno, é incontroverso que os camiões em causa nestes autos foram todos adquiridos durante o período em que perdurou o cartel.
132. Em suma, pela mera análise da Decisão da Comissão e das características do cartel apuradas naquela, mostra-se perfeitamente legítimo, em conjugação com as regras da experiência comum, inferir-se, ao abrigo do artigo 351.º do Código Civil (presunção judicial), que os preços (brutos e líquidos) dos camiões vendidos pelas Recorrentes à Recorrida, durante o período em que perdurou o cartel, sofreram subidas derivadas do comportamento colusório em causa e isto, note-se, como uma probabilidade muito elevada.
133. E, como é exaustivamente analisado na sentença recorrida, a contraprova já supra indicada - mesmo tendo em conta os depoimentos indicados e cujas gravações foram aqui ouvidas -, não afeta este juízo com suficiente intensidade de forma a abalar a seriedade e consistência da referida conclusão.
134. Concorda-se, pois, com a análise da contraprova feita na sentença recorrida, assumindo aqui especial relevância a refutação das Defesas sustentadas na (não) relação entre preços brutos e preços líquidos (veja-se, em especial, n.ºs 186 a 235 da sentença recorrida).
135. Nada há, pois, a censurar nesta sede à sentença recorrida, pelo que os recursos deverão ser julgados improcedentes.
vi. As alíneas n) e o) dos factos não provados (relativamente à repercussão do alegado sobrecusto pela Recorrida nos preços cobrados aos seus clientes), devem considerar-se provados? (quanto à alínea n) recurso da Iveco e no que toca à alínea o), ambos os recursos)
136. A factualidade não provada ora em causa é do seguinte teor:
n) A A. recuperou uma percentagem do custo adicional pago pelos veículos com as matrículas 18-09-QN, 18-08-QN e 24-57-RA equivalente à percentagem representada pelo preço de revenda dos veículos a terceiros em relação aos preços originais de compra dos mesmos (artigo 331.º da contestação da R.).
o) O sobre preço pago pela A. em resultado da conduta sancionada foi repercutido nos montantes que aquela cobrou aos seus clientes pelos serviços que prestou (resposta aos artigos 327.º e 328.º da contestação da R. e artigo 252.º da contestação das Chamadas).
137. Considera aqui a Recorrente Iveco, em primeiro lugar, que:
136. … não é credível nem sequer plausível sugerir que uma empresa que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias, dentro e fora do território nacional, não considere nos custos da sua atividade o preço que paga pelos veículos que adquire destinados ao exercício dessa atividade no preço de venda dos serviços que presta aos seus clientes.
137. As regras meridianas da experiência sempre impõem a conclusão de que a ora recorrida ao recuperar, através dos preços que cobra aos seus clientes todos os custos decorrentes da sua atividade comercial, neles se incluindo também o custo fixo com a aquisição dos camiões que afeta ao exercício do seu comércio, com todas as componentes em que este se possa decompor, sempre terá de ter repercutido nos seus clientes qualquer eventual sobrecusto que pudesse ter suportado, ou pelo menos parte dele, que em realidade não suportou, como foi dito pela sua legal representante.”.
138. Salienta ainda a Iveco a dualidade de critérios imputável ao tribunal a quo: “a recorrente não pode deixar de manifestar a sua estranheza pela dualidade de critérios adotada pelo Tribunal a quo já que, para considerar a repercussão do sobrecusto ao longo da cadeia de comercialização dos camiões até à aquisição destes pela Autora, a Senhora Juíza a quo recorreu às regras da experiência, mas a jusante daí, e como que por um passe de magia, o efeito dessas mesmas regras esvaiu-se por completo.”.
139. Por fim, alega a Iveco que “[t]ambém no que respeita à revenda pela recorrida dos veículos com as matrículas 18-09-QN, 19-08-QN e 24-57-RA a Autora recuperou qualquer alegado sobrecusto. resulta da natureza das coisas: se alguém adquire um bem pelo preço de x e o revende pelo preço de y, o preço de revenda incorpora automaticamente uma parcela de todos os custos com a aquisição, que são assim pelo menos parcialmente recuperados, sejam eles quais forem.”.
140. Mais salientam as Recorrentes Chamadas que perante a prova produzida nos autos, em particular, os esclarecimentos prestados pela Senhora Perita em audiência de julgamento Sr.ª Dr.ª FFF), bem como da teoria económica (em especial, conforme exposta nas “Orientações sobre o Cálculo da Repercussão”), que deve considerar-se provada a factualidade constante da ora citada alínea o).
Apreciação deste tribunal
141. A este respeito pode ler-se na sentença recorrida, em sede de motivação da convicção sobre a não prova destes factos, o seguinte:
256.   Quanto à factualidade vertida na alínea n) dos factos não provados não foi produzida qualquer prova, sendo certo que não pode ser inferida do facto de se concluir que a A. pagou pelos camiões um preço superior àquele que teria sido pago caso não tivesse ocorrido a infração, pois as revendas foram efetuadas vários anos após a aquisição, tendo por objeto veículos usados e não novos e não enquanto atividade económica principal da A. Devido a estes fatores as revendas foram efetuadas num contexto temporal, material, económico e comercial completamente distinto das aquisições efetuadas pela A..
257. Efetivamente, conforme esclarece o TRL no acórdão proferido no processo n.º 54/19.6YQSTR.L1 sobre esta matéria, “cremos que, em geral, o mercado de bens em segunda mão pouco ou nada tem haver com o mercado de bens novos. Como é do conhecimento geral, qualquer veículo ligeiro ao sair do stand perde importante parte do seu valor comercial”.
258. No que respeita à factualidade exarada na alínea o) dos factos não provados a mesma não pode ser inferida do facto de se concluir que a A. pagou pelos camiões um preço superior àquele que teria sido pago caso não tivesse ocorrido a infração, pois o preço do camião não é a base de fixação do preço cobrado a cada cliente, mas constitui um custo que se dilui nos serviços prestados. Para além disso, conforme nota a Decisão, a procura neste mercado é cíclica (cf. ponto 26), pelo que mesmo que o impacto nos preços na conduta tivesse sido transversal a todo o mercado, não se teria verificado ao mesmo tempo para todos os adquirentes de camiões. Em consequência, a factualidade em análise precisava de ser demonstrada.
259. Para o efeito, foi determinada a realização de uma perícia, tendo sido nomeada FFF. Contudo, a conclusão da Sra. Perita foi a seguinte: “não é possível concluir com assertividade sobre a eventual repercussão do preço de aquisição dos camiões nos preços de venda unitários ao longo do período analisado, na medida em que: • A amostra de faturas analisada cobre apenas o período de 2006 a 2013, deixando de fora o período mais relevante de aquisições dos camiões (2000 a 2004); • Os preços médios praticados oscilam ao longo dos exercícios, não assumindo uma tendência uniforme crescente ao longo de todo o período de 2006 a 2013; • Ainda que os preços médios por quilómetro sejam, em 2012, superiores aos preços praticados em 2006, tal não se afigura desajustado com a evolução da inflação e com a variação do preço dos combustíveis nesse período. Por outro lado, salienta-se novamente que a análise realizada tem por base uma dedução dos preços médios por quilómetro praticados com base na descrição dos percursos constante das faturas e na pesquisa manual de quilómetros entre localizações realizada no Google Maps e não as tabelas de preços praticadas pela sociedade e o número de quilómetro considerado para efeitos da prestação do serviço. Deste modo, na ausência das faturas relativas ao período de 1999 a 2005 e dos indicadores de gestão ou outra documentação interna que evidencie a evolução do custo unitário por serviço cobrado e do preço de venda unitário cobrado, assim como das variáveis que contribuem para a sua formação, não é possível concluir que a aquisição dos camiões tenha tido um impacto na situação financeira da entidade o que a mesma que tenha importado diretamente um aumento de preços cobrados aos clientes” (cf. ref.ª 69659).
260. A prova produzida em audiência de julgamento em nada infirmou as conclusões exaradas e também não há razões para concluir que a A. tivesse na sua posse a documentação que a Sra. Perita considerava necessária para completar a sua análise.”.
142. Conforme alude o tribunal a quo, sobre esta matéria foi, portanto, determinada a realização de uma perícia, cujo relatório, da autoria da FFF, foi junto aos autos em 16-01-2023 (ref.ª 69659). Tal perícia foi ordenada oficiosamente, conforme se pode verificar pelo despacho proferido em 29-11-2021 (ref.ª 328821) e, conforme sublinhou a sentença recorrida, foi inconclusiva sobre se existiu ou não repercussão do sobrecusto nos preços cobrados a clientes da Recorrida ou na revenda dos veículos.
143. Por seu turno convirá aqui recordar que esta matéria vem tratada na Diretiva e LT (respetivamente, artigo 13.º e 8.º, n.º 1).
144. Em concreto, dispõe o artigo 8.º, n.º 1 da LT: “Nas ações de indemnização o réu pode invocar como meio de defesa o facto de o autor ter repercutido total ou parcialmente os custos adicionais resultantes da infração ao direito da concorrência no preço praticado a jusante na cadeia de produção ou de distribuição, cabendo-lhe o respetivo ónus da prova.”.
145. Cremos que resulta claro da jurisprudência do TJUE, em concreto, do Ac. de 22 de junho de 2022, Volvo AB e DAF trucks, C-267/20, já supra referido, que a citada disposição legal, de natureza processual e relativa ao ónus de prova, é aplicável nos presentes autos, tal como ocorre com o artigo 17.º, n.º 1 da mesma Diretiva (cf. n.ºs 31, 84, 86, 89 do Acórdão TJUE em referência).
146. De qualquer forma, quanto ao aludido ónus da prova, tratando-se aqui de factos impeditivos ou modificativos da pretensão do Autor, à luz da lei nacional a solução é a mesma (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
147. Também convirá aqui recordar que a Comissão, tal como ocorre no âmbito da quantificação do dano, emitiu, em 2019, “Orientações destinadas aos tribunais nacionais sobre a forma de calcular a parte dos custos adicionais repercutida nos adquirentes indiretos[11] (doravante, Orientações), documento este, aliás, referido no recurso das Chamadas (cf. conclusão n.º 127).
148. Tal como se refere nas Orientações, “os fatores mais importantes que afetam a existência e a amplitude dos efeitos da repercussão incluem:
i) A natureza dos custos dos fatores de produção [[12]] sujeitos a um custo adicional (se estes custos são fixos ou variáveis, se a infração leva ao aumento destes custos apenas para um cliente ou para todos ou para a grande maioria dos clientes num determinado mercado); 
ii) A natureza da procura do bem que os clientes diretos ou indiretos enfrentam (em especial, a ligação entre a procura e o nível de preços); 
iii) A força e a intensidade da concorrência nos mercados em que os clientes diretos ou indiretos operam; e 
iv) Outros elementos, como os custos de ajustamento de preços, a proporção dos custos de uma empresa afetados pelo custo adicional, o poder dos compradores, a integração vertical dos clientes diretos e indiretos, a regulação dos preços ou o momento das decisões em matéria de preços tomadas nos diferentes níveis da cadeia de abastecimento.”.
149. A existência da repercussão, portanto, depende de vários fatores e pode ou não ocorrer em determinado caso concreto.
150. Não resulta, assim, das regras da experiência comum, ou da teoria económica, diferentemente do que parecem entender as Recorrentes, que simplesmente por ter havido um sobrecusto derivado, em especial, de um cartel para a fixação de preços e o aumento dos preços de mercado, que se deva concluir pela repercussão de tal aumento nos preços praticados pelas empresas afetadas.
151. Para ilustrar este ponto podemos citar o seguinte exemplo presente nas Orientações:
Exemplo 4
Situação: As empresas A e B são as únicas empresas proprietárias e locadoras de gruas torre no Estado-Membro 1. De 2005 a 2015, as empresas A e B participaram num cartel, tendo acordado aumentar o preço da locação das gruas torre em 80 %. A empresa e é uma empresa de construção que opera em cidades de todo o Estado-Membro 1. Projeta, constrói e vende apartamentos residenciais em arranha-céus a clientes finais. Os preços dos apartamentos são anunciados em vários meios e locais, nomeadamente na Internet, em jornais e em cartazes de rua. A autoridade nacional da concorrência do Estado-Membro 1 considerou a concertação de preços no setor da construção uma violação do direito da concorrência, e a sua decisão de aplicar multas aos membros do cartel não foi objeto de recurso da empresa A ou B.  A empresa e é cliente direta do cartel. Pediu indemnizações aos membros do cartel A e B. No entanto, as empresas A e B invocaram a repercussão como meio de defesa, alegando que a empresa e repercutiu todo o custo adicional nos adquirentes indiretos, ou seja, os clientes finais que compraram os apartamentos.
Análise: A locação de gruas torre é um dos muitos custos dos fatores de produção que a empresa e enfrenta ao projetar e construir arranha-céus. As matérias-primas, como o aço e o betão, a mão de obra e os custos financeiros são outros exemplos de fatores de produção. Por conseguinte, é provável que a locação de gruas torre constitua apenas uma pequena parte dos custos totais. Dado que os preços dos apartamentos são amplamente divulgados, a empresa e pode incorrer em custos de ajustamento de preços significativos. No entanto, uma vez que o cartel esteve ativo durante 10 anos, os custos de ajustamento de preços podem ser insignificantes quando comparados com o custo adicional após um determinado período, acabando por dar à empresa e um incentivo para ter em conta o custo adicional ao fixar os preços dos apartamentos. Assim, devido aos custos de ajustamento de preços, a empresa e pode não ter o incentivo de repercutir o custo adicional a curto prazo. Contudo, tal pode mudar durante o período da infração. Para apreciar a repercussão efetiva durante o período em questão, o tribunal deve, por conseguinte, calcular o efeito da repercussão com base nos elementos de prova disponíveis, por exemplo, utilizando um dos métodos descritos na secção 4.”.
152. Neste contexto, parece-nos que seria desde logo importante, termos uma noção dos fatores que eram tidos em conta na fixação de preços praticados pela Recorrida, em especial, da magnitude, pelo menos aproximada, que representava o custo de um camião (ou amortizações de tal custo) nos preços dos serviços de transporte prestados pela mesma, para além de outros fatores como salários, preços de combustíveis, taxas de inflação, etc. (informação esta que não foi possível obter, conforme esclarece a Sr.ª Perita – cf. respetiva gravação aproximadamente a 31:00).
153. Neste âmbito, a perícia apenas refere, citando a empresa Autora que: “o preço de venda praticado era o preço de mercado, tendo em conta os custos das viagens a faturar, nomeadamente os relacionados com combustíveis, portagens, motorista, etc.” (p. 7).
154. Em sede de fatores a ter em conta na fixação de preços de serviços de transporte, a perícia, não deixa, contudo, de considerar o seguinte (p. 14):
“… na definição dos preços de venda, há ainda considerar a conjuntura macroec[on]ómica, mais especificamente a evolução da inflação, e a evolução dos preços dos combustíveis ao longo do período considerado, que poderão justificar total ou parcialmente a variação nos preços praticados.
A este respeito, salienta-se a grande redução da inflação ocorrida em 2009 e o aumento relevante ocorrido em 2011.
O preço dos combustíveis acompanha esta tendência evidenciando igualmente uma redução em 2009 e aumentos nos anos de 2008, 2010, 2011 e 2012.
Por outro lado, comparando os preços do gasóleo em 2006 e em 2013, verifica-se um aumento de 34% que se crê poder estar na origem dos aumentos registados no preço por quilómetro percorrido nalguns dos exercícios.”.
155. Assim se compreende a seguinte conclusão do relatório pericial:
Considerando a evolução da inflação no período analisado, que incluiu os anos 2006 a 2013 e a variação no preço médio do gasóleo, que registou um aumento de 34% neste período, não é possível concluir que o aumento de preços não esteja relacionado com estas variáveis.
No entanto, sem acesso ao mapas de formação do preço de venda que permita analisar as variáveis relevantes para a sua composição, não é possível concluir que o aumento de preços seja resultado da aquisição dos camiões e não apenas um mero ajustamento aos factores de mercado.” (p. 17).
156. Acresce que, dadas as dificuldades na obtenção de documentação na posse da Recorrida, desde logo devido à antiguidade dos factos, em sede de análise de faturas, apenas foi possível ter em conta o intervalo temporal entre 2006 e 2013.
157. Convirá recordar aqui que segundo a factualidade apurada, e tal como refere a perícia, os camiões em causa foram adquiridos em 2000, 2001, 2004, 2007 e 2008.
158. Neste contexto e na análise da faturação realizada na perícia, constatou-se que “não existe uma tendência clara de aumento ou redução de preços, assistindo-se a uma redução dos preços médios cobrados em 2007, 2008, 2010 e 2011 e aumento dos mesmos nos anos 2009, 2012 e 2013.”. Ainda neste âmbito, refere a perícia que não foi possível “aferir se a variação no preço médio é efetiva e se resulta de variações ocorridas na tipologia de serviços prestados ou se reflecte uma variação dos custos internos.” (p. 10).
159. Subsequentemente, numa análise das faturas por cliente, concluiu-se que “não existe uma tendência clara de aumento ou redução de preços entre 2006 e 2013, registando-se subidas e descidas no valor cobrado por quilometro percorrido aos vários clientes.” (p. 13).
160. A análise dos preços praticados por rota também resultou inconclusiva (cf. p. 13-15).
161. Já quanto ao valor das amortizações de camiões adquiridos pela Recorrida, refere a perícia o seguinte (p. 9):
Verifica-se que foi registado entre 2000 e 2008 um montante de amortizações acumuladas de € 260.084,32, impactando negativamente os custos da empresa neste montante, e que as operações de venda dos camiões implicaram valores inferiores ao seu valor contabilístico à data, gerando uma menos valia de € 142.856,84€.
Relativamente ao camião com a matrícula 25-78-VT, o mesmo sofreu um sinistro em 2004, não constando dos referidos mapas.
Não é assim displicente o impacto negativo em resultados no montante de € 402.941, diferido entre os exercícios de 2000 e 2013, resultante da aquisição dos camiões.”.
162. Ou seja, nesta sede, a Recorrida sofreu um evidente prejuízo.
163. Neste contexto, face à inconclusividade da perícia, não se vislumbra, pois, como poderia o tribunal a quo ter decidido a matéria de facto em causa de forma diversa. É evidente que o ónus da prova que incumbia à Defesa, não foi cumprido.
164. É certo que, as Recorrentes Chamadas salientam ainda o seguinte: “a Senhora Perita admitiu-nos seus esclarecimentos orais, uma prevalência de aumento de preços praticados pela Recorrida entre os anos de 2006 a 2010, quer em número de clientes, quer de rotas”.
165. Ora, ouvida a gravação da Sr.ª Perita, tomando particular atenção às passagens aludidas pelas Chamadas (minutos 00:16:21 a 00:19:22), não se vislumbram razões para concluir de modo diverso.
166. Em primeiro lugar, no depoimento da Sr.ª Perita, nas passagens sublinhadas e no que se refere a aumentos de preços de serviços cobrados pela Recorrida no período de 2006 a 2010, refere-se “um bocadinho mais de aumentos”, admitindo-se, portanto, que os aumentos não eram “flagrantes”.
167. Ademais não se retira destes trechos, nem do depoimento visto na sua globalidade, qualquer conclusão diversa das já contidas no relatório. Resulta, aliás, claro do depoimento aproximadamente a partir da gravação a 28:00, que a conclusão da autora da perícia seria a mesma, mesmo tendo em conta o ligeiro aumento de preços verificado no período de 2006-2010, e isto porque “há uma prevalência de aumentos mas não há uma tendência estável de aumento do preço transversal a todos os clientes” (cf. aproximadamente a 29:30).
168. Tal declaração é, portanto, perfeitamente compatível com as conclusões constantes do relatório, nomeadamente no sentido de que:
Foram realizadas várias análises, por exercício económico, por cliente e por trajecto e ainda que se possam retirar algumas tendências na evolução dos preços entre os vários exercícios analisados, não se pode concluir pela existência de uma tendência clara de aumento ou redução de preços ao longo do período de 2006 a 2013, existindo oscilações em ambos os sentidos e consoante o cliente.
e, ainda
não é possível concluir com assertividade sobre a eventual repercussão do preço de aquisição dos camiões nos preços de venda unitários ao longo do período analisado” (p. 15).
169. Nestes termos, os recursos devem ser aqui julgados improcedentes.
vii. In casu, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do dano e do nexo causal? (recurso das Chamadas)
170. Nas conclusões de recuso das Chamadas, a presente questão é suscitada sob o título de “Recurso da Decisão sobre a Matéria de Direito” e sub-título “Os requisitos do Dano e do Nexo de Causalidade não estão verificados”.
171. Como nos parece evidente, esta questão não é de Direito, mas de Facto e foi já respondida na questão v.
172. Aliás, as Chamadas repetem por diversas vezes que a questão aqui é uma questão de prova (cf. conclusões n.ºs 139-142), concluindo que “não tendo sido provada a existência de um dano – correspondente ao pagamento de um sobrepreço – e necessariamente, o nexo de causalidade, não estão verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar e, como tal, deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida e absolver a Ré Iveco do pedido.”.
173. Conforme resultou da já aludida resposta à questão vi, a matéria de facto descrita sob ddd) a fff), aqui relevante, mantém-se intocada.
174. Obviamente que tal factualidade descreve os danos e nexo causal destes com o facto ilícito.
175. Nestes termos, o recurso deve ser julgado improcedente.
viii. Não estando reunidos os requisitos legais para poder estimar judicialmente o quantum do dano (artigo 9.º, n.º 2, da Lei de Transposição), por falta de apresentação de prova pela Autora para além da Decisão da Comissão, não se deveria ter relegado a respetiva liquidação para a fase da execução da sentença, devendo antes ter sido julgada a ação improcedente? (ambos os recursos)
176. A suscitar a presente questão, em sede de conclusões da Iveco, alega-se, em essência, o seguinte:
“148. O Tribunal a quo entendeu que, não sendo possível recorrer a uma estimativa dos (pretensos e inexistentes) danos, tal “não significa a improcedência da ação, antes se impondo o recurso ao artigo 609.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, nos termos do qual se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado

162. Atento o regime específico de acesso aos meios de prova e poderes decisórios de um Tribunal estabelecido na Diretiva Danos e na Lei de Transposição, e considerando o Tribunal a quo, como considerou, que não estavam reunidos os requisitos legais para poder estimar a quantificação do dano, apenas lhe restava julgar a ação improcedente por não provada, absolvendo a ora recorrente dos pedidos contra ela formulados.
163. À luz do referido regime e do acesso a meios de prova que o mesmo confere a um Demandante, é inadmissível e violador das normas desse regime e do princípio de igualdade entre as partes, abrir, através de uma condenação em quantia a liquidar, uma segunda via para um Demandante apresentar ou requerer a prova que devia ter apresentado ou requerido, mormente ao abrigo do artigo 12.º da lei de Transposição, num momento em que já teve oportunidade de conhecer toda a defesa apresentada pela Demandada e a argumentação expendida pelo Tribunal!
164. Assim, mesmo a considerar, o que apenas se faz por mero dever de patrocínio e sem nada conceder, que os autos onde sobe o presente recurso contêm alguma prova de qualquer dano sofrido pela ora recorrida em resultado da infração punida pela Decisão – e não contêm – a verdade é que, face à total ausência de prova do montante de tal (hipotético) dano e à total inércia da ora recorrida em termos de probatórios, nunca poderia o Tribunal a quo condenar, como erradamente fez, em quantia a liquidar devendo, outrossim, julgar a ação totalmente improcedente por não provada e absolver a Ré, aqui recorrente, dos pedidos contra ela formulados.
165. Ao condenar em quantia a liquidar o Tribunal a quo violou de forma patente e manifesta o disposto nos artigos 17.º, n.º 1, e 5.º da Diretiva Danos, bem como os artigos, 9.º, n.º 2 e 12.º da Lei de Transposição, e, ainda, o artigo 4.º do CPC.

185. Nos termos expostos na presente alegação, entende a ora recorrente que o artigo 609.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, interpretado e aplicado naquele sentido e com aquelas implicações, é inconstitucional, violando os princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, consagrados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o princípio da igualdade acolhido no artigo 13.º e o princípio a proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 18.º do mesmo normativo legal.”.
177. Nesta sede, as Chamadas partilham, em essência, do entendimento da Iveco (cf. conclusões 144 a 154), acrescentando o seguinte argumento:
“§ 147. A melhor jurisprudência entende que apenas é possível condenar numa obrigação ilíquida quando, no momento da prolação da sentença, ainda não foi possível conhecer todos os factos necessários à liquidação, por não se terem verificado ou estarem em evolução (cf. Acórdão do TRL de 20.04.2005 e Acórdão do STJ de 17.01.1995 citados nas alegações).
§ 148.  A “falta de elementos” a que se refere o 609.º, n.º 2, do CPC, não pode ser entendida como consequência do “fracasso da prova” e, muito menos, da total inexistência de prova.”.
178. Por seu turno, a sentença recorrida efetivamente reconheceu, desde logo, que “A A. não fez prova do montante dos prejuízos sofridos – cf. alíneas d) a k) dos factos provados” (n.º 393) e, ainda: “[n]o caso concreto, não estamos em condições de concluir pela existência de uma impossibilidade prática ou dificuldade excessiva objetivas, à luz dos parâmetros indicados, porquanto a A. praticamente não fez qualquer esforço de quantificação dos danos, pois limitou-se a alegar – erradamente – que o montante dos prejuízos sofridos foi dado como provado pela Comissão Europeia na Decisão, o que, entre o mais e conforme já analisado, não corresponde à verdade.” (n.º 397).
179. Apesar de tais evidências, o tribunal a quo sustentou, por um lado, que não poderia recorrer à estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018 e artigo 17.º, n. º 1, da Diretiva 2014/104/EU, desde logo porque, segundo jurisprudência do TJUE “na hipótese de a impossibilidade prática de avaliar o dano resultar da inação do demandante, não cabe ao juiz nacional substituir-se a este último nem colmatar as suas falhas” [Acórdão de 16-02-2022, Traficos Manuel Ferrer, C-312/21, EU:C:2022:494, § 57]. Por conseguinte, tem de se tratar de uma impossibilidade prática ou dificuldade excessiva objetivas, que deve ser aferida tendo “em conta todos os parâmetros que conduzem a essa conclusão”. Entre estes parâmetros inclui-se “o caráter infrutífero de diligências como o pedido de produção de provas, previsto no artigo 5.º da referida diretiva” (§ 65). Contudo, importa notar, não ser imperativo que o demandante faça uso dos meios de produção de prova previstos no artigo 5.º da Diretiva (transposto para o nosso ordenamento jurídico, entre o mais, pelos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 23/2018) e que se destinam a mitigar a assimetria de informação que caracteriza este tipo de casos, pois o uso desses meios pode revelar-se à partida inútil.” (cf. n.º 396 da sentença recorrida).
180. Por outro lado, sustenta-se na sentença recorrida “que [tal] não significa a improcedência da ação, antes se impondo o recurso ao artigo 609.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, nos termos do qual se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado. Conforme esclarece o STJ, no acórdão de 18.09.2018, processo n.º 4174/16.0T8LRS.L1.S1, estamos aqui “perante um poder dever do Juiz e não perante um poder discricionário”, que deve ser “usado sempre que se encontrem reunidas duas condições: A primeira que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor e a segunda que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados”. Estas condições estão verificadas, sendo certo que o recurso à liquidação posterior do dano não impede que, no final, se aplique o artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, caso se conclua pela referida impossibilidade objetiva ou excessiva dificuldade.” (n.º 404).
Apreciação deste tribunal
181. No Acórdão de 16-02-2022, Traficos Manuel Ferrer, C-312/21, EU:C:2022:494, TJUE efetivamente decidiu, que os tribunais nacionais para poderem proceder à estimativa judicial do dano prevista no artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva, pressupõe-se, por um lado, “que a existência desse dano tenha sido demonstrada e, por outro, que seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil quantificá‑lo com precisão, o que implica que devem ser tidos em conta todos os parâmetros que conduzem a essa conclusão e, em particular, o caráter infrutífero de diligências como o pedido de produção de provas, previsto no artigo 5.º da referida diretiva.”.
182. Mais resulta da fundamentação deste ponto, no mesmo acórdão que “a necessidade de proceder à estimativa judicial dos danos pode depender, em particular, do resultado obtido pelo demandante na sequência de um pedido de produção de provas em aplicação do artigo 5.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104”. Acrescentando ainda o TJUE que “devido ao papel fundamental dessa disposição na diretiva, cabe ao juiz nacional, antes de proceder à avaliação do dano, verificar se a parte demandante fez uso da mesma. Com efeito, na hipótese de a impossibilidade prática de avaliar o dano resultar da inação do demandante, não cabe ao juiz nacional substituir‑se a este último nem colmatar as suas falhas.” (n.ºs 56 e 57 do Acórdão).
183. Resulta patente nos presentes autos, que a Autora não fez uso dos poderes previstos no artigo 5.º da Diretiva, quer antes de intentar a presente ação (cf. artigo 13.º da LT), quer depois (cf. artigo 12.º, n.º 1, da LT). Aliás, como deixou claro a sentença recorrida “a A. praticamente não fez qualquer esforço de quantificação dos danos, pois limitou-se a alegar – erradamente – que o montante dos prejuízos sofridos foi dado como provado pela Comissão Europeia na Decisão”.
184. Por seu turno, efetivamente resulta de jurisprudência dominante do nosso STJ que “provada a realidade de um dano, a eventual insuficiência da prova de elementos relevantes para o quantificar, ainda que por fracasso da actividade probatória do lesado, não impede a utilização do mecanismo da condenação genérica” (por todos, Acórdão STJ de 07-05-2020, processo n.º 233/12.7TBMIR.C1.S1).
185. Mais resulta da citada jurisprudência do STJ, o entendimento segundo o qual:
“… sendo possível obter o valor do dano de modo mais justo, tal é preferível do que arbitrá-lo segundo o critério da equidade, especificado no art.º 566.º, n.º 3, do CC, dada uma certa aleatoriedade e delicadeza na fixação do dano por equidade.
A opção, contudo, dependerá das circunstâncias do caso, tendo em consideração as possibilidades da prova a realizar no âmbito da liquidação. Apresentando-se essa prova como improvável, deve desde logo, na sentença, fixar-se o valor do dano com recurso à equidade, evitando a demora excessiva e inútil (ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, VOL. I, 2018, pág. 729).
Não obstante o valor do dano deva ser fixado na sentença, sempre que possível, pode relegar-se para liquidação ulterior quando, inexistindo factos para determinar o valor exato, é possível prever a sua prova. De contrário, justifica-se a fixação imediata, recorrendo à equidade, do valor exato do dano (posição idêntica foi sufragada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2015, no processo n.º 480/11.9TBMCN.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt).”.
186. Ou seja, de acordo com jurisprudência do STJ, quando não se logra determinar o montante do dano, mas a existência do mesmo é certa, por regra, deve condenar-se em quantia a liquidar em sede de execução de sentença (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Tal condenação em quantia ilíquida pressupõe, contudo, que seja previsível poder fazer-se prova ulterior do quantum do dano. Nestes termos, quando a determinação do montante do dano, pelas circunstâncias reveladas pelo caso concreto, não se mostrar previsível, deve fixar-se logo a indemnização de acordo com critérios de equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil).
187. Neste contexto, há que concluir que, se por um lado, e de acordo com jurisprudência do TJUE, o tribunal nacional não pode recorrer à estimativa judicial para colmatar as falhas da Autora em sede de quantificação do dano, por outro, de acordo com jurisprudência nacional, o tribunal deve condenar em quantia a liquidar em momento ulterior, exceto se tal quantificação se afigurar, em sede probatória, como improvável.
188. Em bom rigor, nos presentes autos, desconhece-se se a prova do quantum do dano será ou não possível em momento ulterior, pois nenhuma prova foi aqui produzida.
189. Assim sendo, tentando conciliar estas duas linhas jurisprudenciais referidas, e atendendo a que nenhum esforço probatório sério foi ainda encetado pela Autora para a determinação do montante do dano, há que concluir como o tribunal a quo, no sentido de apenas ser possível nos autos condenar em quantia a liquidar em momento ulterior. E isto sem prejuízo, tal como sustenta a sentença recorrida de, na fase de liquidação, se recorrer à estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2 da LT (e artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva), caso se conclua que a quantificação precisa do dano é, na prática, impossível ou excessivamente difícil.
190. Afigura-se-nos, pois, que se mostra afastada a solução propugnada pelas Recorrentes, ou seja, de julgar simplesmente improcedente a ação.
191. Nem se vislumbra minimamente como é que o presente entendimento poderá ser considerado contrário à Constituição.
192. Contra este entendimento, ao que se julga, apenas poderia, porventura, criticar-se a não realização imediata da estimativa judicial, tal como fez o Ac. TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1, evitando-se, deste modo demoras excessivas e atos inúteis. Contudo, tal como sublinhou o tribunal a quo, não se procedeu de tal forma, desde logo porque nenhum elemento adequado à prova em questão foi careado para os autos. Aliás, mesmo quanto ao aludido estudo Oxera 2009, apenas é conhecido nestes autos através das respetivas citações presentes no Guia Prático.
193. Em suma, neste ponto, há que julgar improcedentes os recursos, mantendo o decidido na sentença recorrida.
ix. O regime legal aplicável não permite responsabilizar solidariamente a Recorrente MAN SE (“empresa-mãe”), em sede de responsabilidade civil extracontratual, pela infração jus‑concorrencial praticada pelas MTB SE e MTB DE (empresas subsidiárias) e não por aquela? (recurso das Chamadas)
194. No âmbito da presente questão as Chamadas alegam, de essencial, o seguinte:
“§ 130. A Chamada e ora Recorrente MAN SE não praticou nem esteve envolvida na conduta descrita na Decisão da Comissão, que é causa de pedir da presente ação, e é destinatária da mesma apenas e só na qualidade de empresa-mãe da MTB SE e da MTB DE, sendo estas as duas entidades do grupo MAN que estiveram diretamente envolvidas na Conduta Sancionada (cf. § 95 da Decisão da Comissão).
§ 131. O regime legal aplicável não permite responsabilizar a Recorrente MAN SE, no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, pela infração jus concorrencial praticada pelas MTB SE e MTB DE.
§ 132.  Em primeiro lugar porque o artigo 3.º, n.º 2, da Lei 23/2018, que é uma disposição inovadora na medida em que configura uma responsabilidade objetiva, reveste natureza substantiva e, portanto, não é aplicável à presente ação, sob pena de aplicação retroativa proibida no artigo 24.º da referida lei, como reconhece o Tribunal a quo.
§ 133.  A imputação de responsabilidade a empresas-mãe por ilícito cometido por subsidiária representa uma exceção ao princípio da responsabilidade individual e culposa, e traduz, por conseguinte, uma limitação dos direitos fundamentais das pessoas coletivas, pelo que esta solução só pode ser aplicada quando expressamente prevista na lei.
§ 134. Sendo aplicável à presente ação o disposto no artigo 483.º do CC, competia à Recorrida a alegação e prova do facto ilícito (e culposo), o que, in casu, não podia bastar-se com a mera invocação da Decisão da Comissão, pois a mesma é, por si só, insuficiente para a imputação de um ato ilícito e culposo.
§ 135. Em segundo lugar, à data da Conduta Sancionada, uma boa parte da doutrina entendia não ser possível a aplicação do conceito de empresa/unidade-económica no âmbito de ações de private enforcement, outra parte da doutrina interpretava o silêncio do legislador na Diretiva como intencional e demonstrativo da vontade de manter a autonomia dos tribunais nacionais quanto a esta questão e o TJUE nunca se tinha pronunciado sobre a questão.
§ 136. Os Acórdãos Skanska e Sumal são ambos posteriores ao termo da Conduta Sancionada e a solução neles adotada não é aplicável à situação em causa nos presentes autos dada a especificidade das situações ali analisadas.
§ 137. Por conseguinte, não podia o Tribunal a quo ter considerado a MAN SE solidariamente responsável com a Ré Iveco pelos danos invocados pela Recorrida ao abrigo do disposto no artigo 497.º, n.º 1, do CC (cf. §§ 445 e 446 da Decisão Recorrida), pelo que deve a Decisão Recorrida ser revogada nesta parte e substituída por outra que declare que a MAN SE não é solidariamente responsável com a Ré Iveco pelos danos invocados pela Recorrida.”.
195. Por seu turno, quanto à responsabilidade civil da Chamada MAN SE e perante argumentação das Chamadas perante o tribunal a quo essencialmente idêntica à ora exposta, a sentença recorrida, para concluir no sentido da respetiva responsabilidade, fundamentou-se primordialmente em jurisprudência do TJUE expressa no Acórdão de 06.10.2021, Sumal, C-882/19, ECLI:EU:C:2021:800 (cf. n.º 352 a 367 da sentença recorrida, com consequências advindas da responsabilidade solidária das Ré e das Chamadas referidas mais adiante em n.ºs 444 a 447).
196. No referido Acórdão do TJUE, decidiu-se, em concreto, o seguinte:
1) O artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a vítima de uma prática anticoncorrencial cometida por uma empresa pode intentar, indiferentemente, uma ação de indemnização contra uma sociedade‑mãe que foi sancionada por essa prática numa decisão da Comissão ou contra uma filial desta sociedade não visada nesta decisão, quando juntas constituem uma unidade económica. A filial em causa deve poder invocar utilmente os seus direitos de defesa a fim de demonstrar que não pertence à referida empresa e, quando nenhuma decisão é adotada pela Comissão nos termos do artigo 101.º TFUE, tem igualmente o direito de contestar a própria veracidade do comportamento infrator alegado.
2) O artigo 101.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a possibilidade de imputar a responsabilidade do comportamento de uma sociedade a outra sociedade apenas quando a segunda sociedade controla a primeira sociedade.”.
197. Em sede de fundamentação, tal Acórdão, salienta, desde logo, que “resulta da redação do artigo 101.º, n.º 1, TFUE que a opção dos autores dos Tratados foi utilizar este conceito de «empresa» para designar o autor de uma infração ao direito da concorrência, passível de ser punido nos termos desta disposição, e não outros conceitos, como «sociedade» ou «pessoa coletiva»” (n.º 39).
198. Convirá, por isso, recordar aqui a redação do artigo 101.º, n.º 1, al. a) do TFUE (com sublinhados nossos):
1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação;”.
199. Na interpretação do conceito de “associações de empresas” presente no citado normativo, Philippe Léger, Advogado Geral junto do TJUE, no caso Wouters, C-309/99 (ECLI:EU:C:2001:390), em Opinião de 10-07-2001, esclareceu o seguinte:
61. O conceito de associação de empresas não é definido pelo Tratado. Regra geral, a associação agrupa empresas do mesmo ramo e encarrega-se de representar e de defender os seus interesses comuns em relação aos outros operadores económicos, aos organismos governamentais e ao público em geral.
62. No entanto, o conceito de associação de empresas assume uma função especial no artigo 85.º, n.º 1, do Tratado. Tem por objectivo evitar que as empresas possam furtar-se às regras da concorrência devido apenas à forma segundo a qual coordenam o seu comportamento no mercado. Para garantir a efectividade deste princípio, o artigo 85.º, n.º 1, abrange não apenas as modalidades directas de coordenação de comportamentos entre empresas (os acordos e as práticas concertadas), mas também as formas institucionalizadas de cooperação, quer dizer, as situações em que os operadores económicos agem por intermédio de uma estrutura colectiva ou de um órgão comum.”.
200. Nesta esteira, o que importa para determinar a responsabilidade de uma “empresa” ao abrigo do disposto no artigo 101.º do TFUE, quando não age diretamente no mercado, mas através de empresas subsidiárias, é a verificação de “influência determinante” daquela sobre estas, de forma que as subsidiárias não gozem de autonomia na determinação das suas políticas comerciais[13].
201. É, pois, neste contexto que se compreende, por exemplo, as seguintes passagens do Acórdão do TJUE de 10-09-2009, Akzo c. Comissão, C-97/08, (ECLI:EU:C:2009:536):
58. Resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe (v., neste sentido, acórdãos Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido, n.ºs 132 e 133; Geigy/Comissão, já referido, n.º 44; de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.º 15; e Stora, já referido, n.º 26), atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.º 117, e ETI e o., n.º 49).
59. Com efeito, é assim porque, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa, na acepção da jurisprudência mencionada nos n.ºs 54 e 55 do presente acórdão. Assim, o facto de uma sociedade‑mãe e a sua filial constituírem uma única empresa, na acepção do artigo 81.º CE, permite à Comissão dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar a implicação pessoal desta última na infracção.”.
202. Por seu turno, recorde-se que a responsabilidade civil das empresas, por condutas violadoras do Direito da Concorrência também foi reconhecida pelo TJUE muito antes da Diretiva Private Enforcement (cf. Acórdão de 20-09-2001, C-453/99, Courage c. Crehan, ECLI:EU:C:2001:465 e Acórdão de 13-07-2006, C-295/04 to C-298/04, Manfredi, ECLI:EU:C:2006:461).
203. Aliás, resulta da jurisprudência do TJUE posterior à Diretiva que esta, em muitos aspetos, não passa de uma codificação da sua anterior jurisprudência. A este respeito pode ler-se, por exemplo, em Traficos Manuel Ferrer, C-312/21, n.º 61 que “o artigo 11.º, n.º 1, da Diretiva 2014/104, na medida em que prevê essa possibilidade [de dirigir um pedido de indemnização baseado na existência de um dano causado por um comportamento anticoncorrencial apenas contra um dos autores desse comportamento], deve ser considerado uma disposição que codifica a jurisprudência do Tribunal de Justiça e, pelas mesmas razões expostas no n.º 35 do presente acórdão a propósito do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, desta diretiva, faz parte das disposições da referida diretiva cujas medidas nacionais de transposição se aplicam imediatamente.”.
204. Ora, baseando-se a responsabilidade civil por violação do Direito da Concorrência, desde logo, no que aqui importa, numa violação ao disposto no artigo 101.º do TFUE, o âmbito da responsabilidade subjetiva tem, como nos parece evidente, que conduzir-se pelos mesmos critérios.
205. Na Decisão da Comissão que serve aqui de causa de pedir, a responsabilidade da “unidade económica” constituída pelas Chamadas, foi descrita, em n.º 95, nos seguintes termos:
As seguintes entidades jurídicas são responsáveis conjunta e solidariamente pela infracção cometida pela MAN:
(a) MAN Truck & Bus AG, enquanto participante directo, pelo envolvimento na infração de 17 de Janeiro de 1997 a 20 de Setembro de 2010 e, na qualidade de empresa mãe, pela conduta da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH a partir de 3 de Maio 2004 até 20 de setembro de 2010. A MAN Truck & Bus AG reconheceu que, como uma empresa-mãe, exerceu influencia decisiva sobre a sua subsidiaria MAN Truck & Bus Deutschland GmbH durante o período relevante.
(b) MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, como participante directo, pelo seu envolvimento na infracção de 3 de Maio de 2004 a 20 de Setembro de 2010.
(c) MAN, na qualidade de empresa-mãe, para a condução da sua filial MAN Truck & Bus AG de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010 e da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro de 2010 reconheceu que exercia, como uma empresa-mãe, influencia de sua subsidiaria integral MAN Truck & Bus AG de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010 e como controladora indireta sobre sua subsidiaria MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro de 2010.”.
206. Conforme já foi referido supra, o artigo 16.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1/2003, implica uma presunção inilidível sobre a existência, natureza e âmbito material, subjetivo, temporal e territorial da infração.
207. Assim sendo, perante o tecido normativo e a jurisprudência ora citados, e o conteúdo da Decisão, há forçosamente que concluir que a MAN SE pode e deve ser responsabilizada civilmente pelas condutas das demais Chamadas, a MAN Truck & Bus SE e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, nos termos descritos na sentença recorrida, nada havendo aqui a censurar.
208. O recurso das Chamadas deve, pois, ser julgado improcedente.
x. O presente tribunal deve proceder ao cálculo da repercussão com recurso a uma estimativa aproximada? (recurso da Iveco)
209. Na conclusão n.º 170 do recurso da Iveco, alega-se o seguinte: “Considerando ainda que, através da perícia realizada se esgotou (conforme documentado nos autos) todo o esforço probatório que seria exigível à ora recorrente, não podendo imputar-se a esta, qualquer inércia neste sentido, o Tribunal está em condições de, à luz do disposto no artigo 9.º, n.º 2, da Lei de Transposição, proceder ao cálculo da repercussão com recurso a uma estimativa aproximada.”.
210. Ora, como nos parece evidente, o pressuposto da estimativa judicial prevista o artigo 9.º, n.º 2 da LT e no artigo 12.º, n.º 5, da Diretiva, é o efetivo apuramento de repercussão do sobrecusto ou custo adicional em atos praticados pela Recorrida.
211. Tal pressuposto não resultou provado conforme resulta da resposta à questão vi, pelo que o recurso deve ser aqui julgado improcedente.
xi. Deve permitir-se que se opere – ainda que em sede de liquidação – uma redução equitativa do montante do sobrecusto por via da sua provável repercussão pela Recorrida nos preços dos serviços por ela cobrados? (recurso das Chamadas)
212. Neste âmbito, no recurso das Chamadas, é alegado, em termos subsidiários, o seguinte:
“§ 155. Como se viu no recurso quanto à matéria de facto, o Tribunal a quo, considerando (erradamente) provado a existência de um sobrecusto, deveria ter dado como provado que “[o] sobre preço pago pela A. em resultado da conduta sancionada foi repercutido nos montantes que aquela cobrou aos seus clientes”.
§ 156.  Assim, para a hipótese de improcedência da primeira parte do presente recurso, com a confirmação no todo ou em parte da Decisão Recorrida, deve nesta parte conceder-se provimento ao recurso, permitindo que se opere – ainda que em sede de liquidação – uma redução equitativa do montante do sobrecusto por via da sua provável repercussão pela Recorrida nos preços dos serviços por ela cobrados.”.
213. Conforme resulta da resposta à questão viii, o ato de relegar a determinação do quantum do dano para a fase da liquidação, tem como pressuposto essencial, o apuramento da existência do dano na ação.
214. Igual raciocínio deve aplicar-se ao fenómeno da repercussão.
215. Ou seja, apenas se poderia relegar o cálculo da repercussão para a fase da liquidação, caso se tivesse efetivamente apurado a existência de tal facto.
216. Tal pressuposto não resultou provado conforme resulta da resposta à questão vi, pelo que o recurso deve ser aqui julgado improcedente.
xii. Os juros de mora são devidos a partir da produção do dano ou do momento da citação? (ambos os recursos)
217. Neste âmbito, concluem as Chamadas:
“§ 157.  Subsidiariamente¸ e apenas para o caso de o Tribunal ad quem confirmar a Decisão Recorrida na parte em que esta condenou a Ré Iveco ao pagamento de uma indemnização à Recorrida relativamente aos veículos da marca MAN, o Tribunal a quo não podia ter condenado a Ré Iveco a pagar juros de mora contados a partir da data de produção dos danos, mas somente a partir da data de citação.
§ 158.  Os juros de mora não são um mecanismo alternativo à atualização prevista no artigo 566.º, n.º 2, do CC e não podem ser exigidos antes de o devedor se constituir em mora, uma vez que visam, precisamente, compensar a mora.
§ 159.  Ao interpretar e aplicar o artigo 566.º, n.º 2, do CC, em articulação com o direito europeu, no sentido de, num caso em que o crédito é ilíquido e emerge de responsabilidade civil por facto ilícito, serem devidos juros de mora a partir da data da verificação do dano e não desde a data da citação, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos nos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição.
§ 160.  Por conseguinte, caso o presente recurso seja julgado improcedente quanto à inexistência de um dano (no que não se concede e que apenas se equaciona por dever de patrocínio), deve a Decisão Recorrida ser revogada na parte em que condena a Ré Iveco a pagar juros de mora a partir das datas da verificação dos danos e substituída por outra que determine que, a serem devidos juros de mora, os mesmos só são devidos desde a data citação da Ré Iveco.”.
218. A Ré Recorrente também partilha do entendimento de que a haver juros devidos, estes devem ser contabilizados a partir da citação, invocando “o n.º 3 do artigo 805.º do CC, que prevê que, num caso de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, não tendo o credor que aguardar a liquidação da obrigação feita na sentença.” (conclusão n.º 172).
219. Nesta sede, a sentença recorrida tece as seguintes considerações essenciais:
“411. Nesta matéria, importa ter presente os parâmetros que decorrem do direito europeu. Parâmetros esse que a Comissão Europeia sintetiza, no ponto 20 do Guia para a quantificação de danos, e que consistem no seguinte:  a “concessão de juros constitui uma componente essencial da indemnização. Como salientado pelo Tribunal de Justiça, a plena reparação dos danos sofridos deve incluir a reparação das consequências desfavoráveis resultantes do lapso de tempo decorrido desde a produção dos danos causados pela infração. Estes efeitos consistem numa desvalorização monetária e na oportunidade perdida para a parte lesada de dispor desse capital”.
412. A generalidade destes parâmetros decorre de decisões do TJ, desde logo do acórdão proferido no caso Manfredi, no qual o TJ afirma que a atribuição de juros é uma componente indispensável da indemnização[14]. O seu fundamento é o “decurso do tempo”, conforme o Tribunal esclarece por via da remissão para o n.º 31 do acórdão de 2 de agosto de 1993, Marshall (C 271/91, Colect., p. I-4367).
413. Para além disso, o Tribunal também já havia clarificado no parágrafo § 40 do acórdão proferido em 03.02.1994, no processo C-308/87 Grifoni II, Coletânea 1994, que “a reparação do prejuízo tem por objecto reconstituir, na medida do possível, o patrimônio da vítima (…). Segue-se que deve ser efectivamente tida em conta a depreciação monetária posterior ao facto danoso”. Nos mesmos termos esclareceu o TJ no parágrafo § 51 do acórdão proferido em 27.01.2000, nos processos apensos C-104/89 e C-37/90, Mulder e outros/Conselho e Comissão, Coletânea 2000, p. I-203, n.º 51, que “a reparação do prejuízo no quadro da responsabilidade extracontratual tem por objectivo reconstituir, na medida do possível, o património da vítima. Consequentemente, desde que se encontrem preenchidas as condições da responsabilidade extracontratual, as consequências desfavoráveis resultantes do lapso de tempo decorrido entre a produção do facto danoso e a data do pagamento da indemnização não podem ser ignoradas, … na medida em que a desvalorização monetária deve ser tida em conta”.
414. Em consonância com esta jurisprudência, a Diretiva 2014/104/EU veio estipular, no artigo 3.º, n.º 2, que a reparação integral pressupõe o pagamento de juros. Esta norma foi transposta pelo artigo 4.º da Lei nº 23/2018, que, contudo, não é aplicável ao caso, uma vez que é uma norma de natureza substantiva, pelo que está excluída, por força do artigo 24.º, n.º 1, do diploma, do âmbito de aplicação temporal do diploma.
415. No entanto, o pagamento de juros enquanto parte integrante da indemnização, como forma de compensação do tempo e nessa medida, desde a produção dos danos, já se encontrava e encontra previsto no nosso ordenamento jurídico enquanto corolário necessário do artigo 566.º, n.º 2, do CC, e mecanismo de atualização alternativo à atualização monetária por aplicação de taxas de inflação e deflação. Recorde-se que nos termos desta norma a “indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
416.  Daqui decorre que a A. tem direito a juros de mora desde a data da produção dos danos. Essa data corresponde ao momento em que a A. despendeu o custo adicional gerado pela infração.”.
Apreciação deste tribunal
220. Já no Acórdão desta relação de 06-11-2023, proferido no processo 54/19.6YQSTR.L1, se tinha exposto a argumentação subjacente ao entendimento da contagem de juros a partir da produção do dano, então igualmente sufragado pela primeira instância, nos seguintes moldes:
a) O acervo comunitário, inclusive resultante da jurisprudência do TJUE, sustenta que o pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional;
b) Esta posição, que resultava já do acervo comunitário, encontra-se agora positivada no artigo 3.º, da Diretiva, lido à luz do respetivo considerando 12;
c) Ao nível do direito interno, são aqui aplicáveis os artigos 483.º, 566.º, n.º 2, 805.º e 806.º, do Código Civil, segundo os quais, prima facie, os juros seriam computados a partir da citação, porquanto se trata de responsabilidade civil extracontratual e de um crédito ilíquido (v. artigos 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1, do Código Civil);
d) Contudo, tais normativos devem ser interpretados à luz do dito acervo comunitário, desde logo porque se os juros aplicados se reportarem apenas à data da citação da Ré, o princípio da efetividade sairia beliscado, pois não tem em conta a remuneração da oportunidade perdida para a parte lesada de dispor do capital, apurado desde a data em que ocorreu o dano, até ao momento do pagamento da reparação, não sendo o lesado compensado pela perda da oportunidade do capital à disposição.
e) Nesta senda, considera-se que os infratores das normas dos artigos 101.º e 102.º do TFUE entram em mora no pagamento dos juros, a partir do facto danoso, pois a falta de liquidez acaba por provir de culpa dos próprios, na medida em que, sabendo da infração e estando mais próximos do mercado que os lesados, têm a obrigação de saber o valor do sobrecusto dos produtos afetados pela infração.
f) Nestes termos, em harmonia com o princípio da interpretação conforme, a situação subsume-se antes à previsão do artigo 805.º, n.º 2, al. b) e n.º 3, primeira parte, do Código Civil, porquanto a iliquidez do crédito é imputável aos infratores.”.
221. O dito “acervo comunitário” resulta da jurisprudência do TJUE devidamente citada na sentença ora recorrida, em concreto, Acórdão de 02-08-1993, M. H. Marshall, C-271/91, ECLI:EU:C:1993:335, Acórdão de 03-02-1994, Grifoni II, C-308/87, ECLI:EU:C:1994:38, Acórdão de 27-01-2000, Mulder e o., C-104/89 e C-37/90, ECLI:EU:C:2000:38, Acórdão de 13-07-2006, C-295/04 to C-298/04, Manfredi, ECLI:EU:C:2006:461.
222. Pouco haverá, assim, a acrescentar à fundamentação do tribunal a quo, que se mostra em sintonia com o “acervo comunitário”.
223. Tal como salienta a sentença recorrida, no n.º 51 de Mulder e o., reitera-se “que, segundo o acórdão de 3 de Fevereiro de 1994, Grifoni/CEEA (C-308/87, Colect., p. I-341, n.º 40), a reparação do prejuízo no quadro da responsabilidade extracontratual tem por objectivo reconstituir, na medida do possível, o património da vítima. Consequentemente, desde que se encontrem preenchidas as condições da responsabilidade extracontratual, as consequências desfavoráveis resultantes do lapso de tempo decorrido entre a produção do facto danoso e a data do pagamento da indemnização não podem ser ignoradas, não obstante a referida declaração expressa do demandante, na medida em que a desvalorização monetária deve ser tida em conta.”.
224. Assim se compreende que, no considerando 12 da Diretiva se reconheça, no âmbito do direito à reparação, que esta apenas “reafirma o acervo comunitário”. Mais acrescentando que “[o] pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional e da questão de saber se o decorrer do tempo é tido em conta como uma categoria separada (juros) ou como uma parte constitutiva dos danos emergentes ou dos lucros cessantes.”.
225. Dir-se-á, em suma, que “apenas sendo devidos [os juros] desde a data do facto ilícito (quando o dano coincide com este no tempo), é que se obtém a reparação efetiva do lesado e, assim, a concordância entre o direito nacional e o Direito da União.” (Ac. TRL de 06-11-2023, já largamente citado).
226. Por último, não se vislumbra aqui qualquer violação da CRP, em especial do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º), da Força Jurídica (artigo 18.º) ou do Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º). A conclusão deverá ser, ao que se julga, precisamente a contrária, apenas com a interpretação normativa aqui adotada é que se tutela, de forma efetiva, o direito à reparação, tal como sublinha a jurisprudência do TJUE.
227. Deve, assim, manter-se a contagem dos juros a partir do momento decidido pelo tribunal a quo e julgar os recursos improcedentes.
xiii. Os juros vencidos em momento anterior aos cinco anos que antecederam a citação, devem considerar-se prescritos ao abrigo do artigo 310.º, alínea d) do Código Civil? (recurso da Iveco)
228. Em sede do disposto no artigo 310.º, al. d), do Código Civil, considerou o tribunal a quo que efetivamente não era aqui aplicável.
229. Neste seguimento, alega a Recorrente Iveco, o seguinte:
175O Tribunal a quo afasta a aplicação do artigo 310.º, alínea d), do CC, o que faz em nome do princípio da efetividade.
176.  Trata-se, com o devido respeito, de uma interpretação contra legem do direito nacional.
177. O entendimento do Tribunal a quo desembocaria numa inadmissível aplicação retroativa do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva Danos, já que determinaria a contabilização de juros [que] já teriam prescrito nos termos da lei vigente no momento em que tal prescrição teria ocorrido.”.
230. Conclui ainda a Iveco que “o artigo 310.º, alínea d), do CC, interpretado e aplicado naquele sentido restritivo e com aquelas implicações, é inconstitucional, violando os princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, consagrados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o princípio a proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 18.º do referido normativo legal.” (conclusão n.º 186).
Apreciação deste tribunal
231. Segundo o artigo 310.º, al. d) do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos, os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos.
232. Quanto à questão da (não) aplicabilidade do disposto no artigo 310.º, al. d), do Código Civil em casos como o presente, o Acórdão TRL de 06-11-2023, proferido no processo 54/19.6YQSTR.L1, confirmou que “apesar da previsão do artigo 310.º do Código Civil, ter longa “tradição” entre nós, como salienta o referido parecer[15], o que é certo é, perante o primado do Direito da União, a sua aplicabilidade deve mostrar-se prejudicada, pelos fundamentos apontados na sentença recorrida.”.
233. E tais fundamentos da então sentença recorrida foram reiterados pelo tribunal a quo no caso ora em apreço (cf. n.ºs 433-434), em especial, o seguinte: “se é certo que a ratio da al. d) do artigo 310.º do CC é evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor – vide Manuel de Andrade, in Teoria Geral, II, 1996, pág. 452), prosseguir essa ratio nesta sede não faz qualquer sentido, pois falamos de condutas cartelizadas, normalmente com carácter secreto, em que o retardamento na propositura da acção absorve aquele carácter secreto da conduta ilícita e não é imputável aos credores, mas sim aos devedores”.
234. Cremos que resulta já da resposta à questão anterior que assiste aqui razão ao tribunal a quo, pois caso se aplicasse aqui a norma invocada pela Recorrente frustrar-se-iam os objetivos do Direito da União, em especial, os resultantes dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, no âmbito dos quais, conforme já aludimos supra, se enquadra o direito a uma reparação efetiva dos danos.
235. Recorde-se, aqui a importância, portanto, dos referidos artigos 101.º e 102.º (anteriores artigos 81.º/85.º e 82.º/86.º do Tratado CE), mesmo em sede de ações de indemnização:
23. … deve recordar-se que o Tribunal de Justiça já declarou que os artigos 85.º, n.º 1, do Tratado e 86.º do Tratado CE (actual artigo 82.º CE) produzem efeitos directos nas relações entre particulares e criam direitos na esfera jurídica destes, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (v. acórdãos de 30 de Janeiro de 1974, BRT e SABAM, dito «BRT I», 127/73, Colect., p. 33, n.º 16, e de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C-282/95 P, Colect., p. I-1503, n.º 39).”
24. Resulta das considerações precedentes que qualquer particular tem o direito de, em juízo, invocar a violação do artigo 85.º, n.º 1, do Tratado, mesmo quando é parte num contrato susceptível de restringir ou falsear o jogo da concorrência na acepção daquela disposição.
25. No que respeita à possibilidade de reclamar uma reparação do prejuízo causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou falsear o jogo da concorrência, há que recordar, desde logo, que, como resulta de jurisprudência constante, aos tribunais nacionais encarregados de aplicar, no quadro das suas competências, as disposições do direito comunitário cabe garantir a plena eficácia destas normas e proteger os direitos que as mesmas conferem aos particulares (v., nomeadamente, acórdãos de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colect., p. 243, n.º 16, e de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., C-213/89, Colect., p. I-2433, n.º 19).”.
(caso Courage c. Crehan, C-453/99, já supra citado).
236. Neste contexto, portanto, não se vislumbram razões para discordar da sentença recorrida.
237. Nem se vislumbra aqui, qualquer interpretação normativa inconstitucional, remetendo-se aqui para o já consignado supra em 226. Aliás, de acordo com o princípio do primado do Direito da União, ao transferirem determinados poderes para a EU (no nosso caso, pelo artigo 8.º, n.º 4, da CRP), os Estados-Membros limitaram os seus direitos soberanos e, por conseguinte, para que as normas da UE sejam eficazes, devem ter precedência sobre qualquer disposição do direito nacional, incluindo as constituições.
238. Nestes termos, o recurso será julgado improcedente.
*
V. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida, nos seguintes termos: no n.º 2 da Decisão da Comissão reproduzida no facto provado d), deve passar a ler-se “aumentos de preços brutos” em vez de “aumentos bruscos de preços”.
No mais, acorda-se em julgar os recursos improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelas Recorrentes (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 13-11-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
Bernardino Tavares
Eleonora Viegas
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[1] Vejam-se, desde logo, os estudos seminais de Ferdinand de Saussure, Curso de linguística geral, trad. José Victor Adragão, 6a ed (Lisboa: Dom Quixote, 1992).
[2] Como sustenta o importante linguista dinamarquês, Louis Hjelmsev, cada língua é constituída por uma forma de expressão específica e uma forma de conteúdo específica (Louis Hjelmslev, Prolegomena to a Theory of Language, trad. Francis J. Whitfield (Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1961).
[3] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, «Os chamados “factos conclusivos”: as razões de um equívoco - Anotação ao acórdão do STJ de 14/7/2021 (Proc. 19035/17)», Revista do CEJ, n.º 2021–II (semestre de 2021): 249.
[4] Richard Whish e David Bailey, Competition law, Tenth edition (Oxford, United Kingdom: Oxford University Press, 2021), 105.
[5] Whish e Bailey, 106.
[6] Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4.a ed., vol. I (Coimbra, 1987), 345.
[7] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil. Volume 1 (Lisboa: AAFDL Editora, 2022), 551.
[8] Os acórdãos de tribunais nacionais citados no presente acórdão estão disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Vejam-se também Rita Gouveia e Lebre de Freitas, em, respetivamente, José Brandão Proença et al., eds., Comentário ao Código Civil - Parte Geral, 2.a ed. (Lisboa: Universidade Católica Editora, sem data), 120; Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I (Coimbra: Almedina, 2017), 480–81. Contra, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.a ed. (Coimbra: Almedina, 2015), 632.
[10] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 4.a ed. (Coimbra: Almedina, 2023), 177–79.
[11] Acessível em
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A52019XC0809%2801%29 (acedido em 28-10-2024).
[12] Na versão inglesa “the nature of input costs”.
[13] Whish e Bailey, Competition law, 96.
[14] Acórdão do Tribunal de Justiça de 13.07.2006, processos apensados C-295/04 a C-298/04, Manfredi, Coletânea da jurisprudência 2006 I-6619, págs. 6641 a 6674, § 95 a 97.
[15] Nos autos em referência foi junto um parecer jurídico, da autoria de Paulo Mota Pinto e Sandra Passinhas, defendendo a aplicabilidade do artigo 310.º, al. d), do Código Civil.