Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CATARINA ARÊLO MANSO | ||
Descritores: | CASAMENTO UNIÃO DE FACTO ENRIQUECIMENTO ILEGÍTIMO PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. O casamento e a união de facto são situações materialmente diferentes, assumindo os casados o compromisso de vida em comum, mediante a sujeição a um vínculo jurídico, enquanto que os conviventes não o assumem, por não quererem ou não poderem. 2. Não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coacção (art. 403º nº2 CC) – no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º º1 CC). 3. O diferente tratamento do casamento e da união de facto não viola o princípio da igualdade expresso no artigo 13º da CRP. (CAM) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório Alfredo, intentou contra Dina, acção sob a forma de processo ordinário pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial, condenando-se a Ré a desocupar e a restituir-lho. Citada a Ré contestou por impugnação e por excepção, deduziu pedido reconvencional alegando que iniciaram vida em comum, em 1979, em Moçambique, tendo, posteriormente, fixado residência em Portugal Continental e depois na Madeira. Deste relacionamento nasceram três filhos, já maiores. O Autor e Ré decidiram, em comum, que o primeiro exerceria a sua profissão de engenheiro civil, enquanto que à Ré caberia ficar em casa, onde trataria das lides domésticas e da criação dos filhos, o que sucedeu durante os 25 anos de convivência de facto com aquele. A Ré não pôde prosseguir uma carreira profissional que, para além da realização pessoal, permitir-lhe-ia ter os seus próprios proveitos e independência económica, pelo que nunca lhe foi possível constituir um aforro. Adquiriram juntamente a casa onde iriam viver, assim como o seu mobiliário e decoração, nunca esperando a Ré vir a separar-se do Autor. Não tem idade nem qualificações adequadas para entrar no mercado do trabalho. A união de facto cessou, nomeadamente por várias cenas de violência física e psicológica exercida pelo Autor contra a Ré e os filhos. Concluiu pedindo: - o reconhecimento do direito de compropriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição; - o cancelamento da inscrição G2 de aquisição da propriedade sobre o referido prédio a favor do Autor, sob a ap..../...; - a acção julgada improcedente por não provada e a Ré absolvida do pedido; - procedente a reconvenção e, em consequência: - reconhecido o direito de compropriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial; - ordenado o cancelamento da inscrição G-2 de aquisição da propriedade sobre o referido prédio a favor do Autor, sob a ap..../...; - ou caso assim não seja entendido deve, então, o Autor ser condenado: - a pagar à Ré uma indemnização a título de enriquecimento sem causa, a liquidar em execução de sentença, por inexistência, neste momento, de dados susceptíveis de liquidar a referida obrigação de indemnização, acrescida de juros desde a notificação da contestação até integral cumprimento e, ainda: - a atribuir a casa de morada de família à Ré, sita ao ..., freguesia de ..., através da constituição de um direito de arrendamento a favor da Ré, por um prazo não inferior a cinco anos; - arbitrada pelo tribunal uma renda mensal pela contrapartida da utilização da casa, não superior ao montante de € 100,00; e - condenar o autor a sair da casa de morada de família e a entregá-la à Ré. Deduziu réplica o Autor que consta a fls. 126 a 140 dos autos concluindo no sentido de que deverão ser julgadas improcedentes as alegadas excepções e a reconvenção. Realizada a audiência preliminar, nela não foi possível conciliar as partes. Foi proferido despacho saneador que relegou para a decisão final o conhecimento das excepções invocadas pela Ré, tendo sido fixados os factos assentes e a base instrutória que não sofreram reclamação. A reconvenção foi liminarmente admitida. Procedeu-se a julgamento e a acção foi julgada procedente e improcedente a reconvenção, nos seguintes termos: - julgou improcedentes a existência de compropriedade e de abuso do direito e absolveu o Autor; - procedente a acção reconheceu o direito de propriedade do Autor sobre o prédio identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial; - condenou a Ré a desocupar e a restituir o prédio referido na al.a), ao Autor; - julgou improcedente o pedido reconvencional; - improcedente o pedido de condenação do Autor a pagar à Ré uma indemnização a título de enriquecimento sem causa; - improcedente por não provado o pedido de atribuição da casa de morada de família à ré. Não se conformando com a decisão interpôs recurso a ré e nas alegações concluiu: - mal andou o tribunal a quo, ao responder aos quesitos 1º, 2º, 4º, 7º, 10º, 23º, 30.º, 56 e 60º da base instrutória como o fez, dando origem aos pontos 18º, 19º, 21º, 22º, 25º, 35º, 38.º, 61.º e 64º da matéria de facto; (…) - a união de facto consiste na vivência em comum, entre duas pessoas, em condições análogas às dos cônjuges e encontra-se actualmente regulada entre nós, pela Lei 7/2001, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 23/2010; - regime jurídico que, contudo, não regula os efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da referida relação de união de facto, tornando-se então necessário procurar os institutos jurídicos do direito comum aos quais possamos recorrer; - no nosso ordenamento jurídico, assim como nos dos restantes estados europeus, a solução a dar ao problema da determinação dos efeitos patrimoniais da cessação da união de facto tem sido resolvida através dos institutos de direito comum que mais se adequam à situação do caso concreto e não, propriamente, através do recurso à analogia. - nos casos em que o que está em causa é o trabalho realizado para o lar durante o período duração da união de facto (“in casu”, 25 anos), os institutos a que se tem recorrido para tutelar o interesse do membro da união de facto, prestador do trabalho e que se vê desprovido de qualquer património em seu nome, por o outro membro ter adquirido todo o património imobiliário na pendência da união, mas apenas em seu nome, tem sido o recurso ao contrato de trabalho tácito e ao enriquecimento sem causa. Ao entender que a situação em causa não tem tutela jurídica, a sentença recorrida denegou a realização da justiça e a tutela judicial à R. - o enriquecimento sem causa depende da verificação de três requisitos, a saber: (i) a existência de um enriquecimento; (ii) que este se encontre desprovido de causa justificativa; (iii) que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (quem suportou o correspondente empobrecimento). -a vantagem em que o enriquecimento consiste é encarada do ponto de vista do enriquecimento patrimonial, que traduz a diferença produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não tivesse verificado (situação hipotética); - o facto do trabalho realizado para o lar ser, de certa forma, compensado com o sustento económico que é garantido pelo outro, não será de afastar o preenchimento do pressuposto do enriquecimento, mas apenas permitirá ponderar o montante da restituição, não sendo por essa razão, de afastar o instituto do enriquecimento sem causa. Ao entender o contrário, a sentença recorrida negou a tutela judicial dos direitos da R., enquanto pessoa humana, sujeito de direitos e deveres e violou os art. 1.º, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa; - o facto de poder qualificar-se o trabalho realizado para o lar, como uma obrigação natural, insusceptível de ser repetida também não afasta o instituto do enriquecimento sem causa, mas apenas a modalidade do enriquecimento sem causa baseado na repetição do indevido. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida, os artigos 402.º e 473.º do CC; - o enriquecimento sem causa abrange três grupos de casos, sendo o primeiro, o da repetição do indevido; o segundo, o da inexistência superveniente da causa que deu origem à realização da prestação e o terceiro, o da não verificação do efeito pretendido com a prestação; Ao entender de modo contrário, violou a sentença recorrida, o artigo 473.º do CC; - o trabalho realizado para lar deverá ser restituído com base no segundo grupo de casos de enriquecimento sem causa: a inexistência superveniente da causa que deu origem à realização da prestação, que neste caso, é consubstanciada pela cessação da relação da união de facto. Ao entender de modo contrário, violou a sentença recorrida, o artigo 473.º 1 do CC; - não obsta à restituição do enriquecimento sem causa, o facto de se considerar que o trabalho realizado para o lar, consubstancia uma obrigação natural, (o que não se concede), na medida em que as obrigações naturais têm relevância jurídica e determinam a obrigação de restituição quando a causa que lhes esteve subjacente deixa de existir. Não se trata aqui, da repetição do indevido, mas sim da restituição de uma prestação que, se na pendência da união de facto, tem causa justificativa do trabalho, cessando essa união, cessa essa mesma causa, dando origem assim, ao enriquecimento sem causa. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida, os artigos 473.º e 476.º do CC - no caso “sub judicio”, porém, há que ter em conta o facto de a R., ora Recorrente sempre ter querido trabalhar fora, para se sustentar a si própria e ter dinheiro para os seus assuntos pessoais, coisa que o R. nunca permitiu, pelo que, também não se estará perante uma verdadeira obrigação natural irrepetível, pois a sua prestação não foi totalmente livre, nem isenta de coacção. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida, o disposto nos artigos 402.º e 403.º do CC; - no regime do enriquecimento sem causa, assim como no regime da partilha e liquidação das sociedades de facto, instituto a que também tem sido usual socorrer-se para a tutela dos membros da união de facto, aquando da cessação da mesma e da determinação dos respectivos efeitos patrimoniais, o trabalho realizado para o lar é valorizado como prestação em espécie e indirecta para a aquisição do património dos unidos de facto. Ao entender de modo contrário, violou a sentença recorrida o disposto nos art. 473.º e 980.º do CC Factos 1º- O último registo definitivo de aquisição do prédio, actualmente urbano, identificado por lote 6, situado no (…), freguesia de ..., concelho do Funchal, a confrontar pelo norte com o novo arruamento, sul com M M e M F, leste com M R e oeste com o lote 5, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº .../..., está aí efectuado a favor do Autor, pela inscrição G2, Ap. .../.... 2º- Tal prédio é composto por três pisos, garagem e logradouro, destinado a habitação e está inscrito na matriz predial urbana, em nome do Autor, sob o artigo ..., como “prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente”. 3º- A Ré mora no referido prédio. 4º- O que faz, agora, contra a vontade do Autor. 5º- Autor e Ré, ambos solteiros e maiores iniciaram vida em comum em 1979, em Moçambique. 6º- Do seu relacionamento nasceram três filhos: Paulo, nascido em 13 de Março de 1980; Marco, nascido em 25 de Julho de 1981; Manuel, nascido em 19 de Agosto de 1982. 7º- Em 1986 mudaram-se para Portugal, fixando-se uns meses depois na RAM, onde mantiveram vida em comum. 8º- O Autor é engenheiro civil de profissão a qual tem vindo a desempenhar há largos anos. 9º- A Ré iniciou a sua vida em comum com o Autor quando tinha 20 anos de idade. 10º- Nunca foi possível à Ré constituir um aforro. 11º- A Ré nasceu em 1959. 12º- Tendo cessado a união de facto, a Autora intentou uma acção, neste tribunal, (…), que se extinguiu por acordo das partes. 13º- Autor e Ré não podem mais conviver na mesma casa e debaixo do mesmo tecto. 14º- O Autor deixou de prover a todas e quaisquer despesas e encargos domésticos da Ré, nomeadamente os relacionados com a alimentação, lavagem e secagem de roupas e com a dos filhos, vivendo ambos em total separação de economias. Cada um faz as suas próprias compras e cozinha as suas refeições. 15º- Toda a família da Ré encontra-se a residir em Moçambique. 16º- Por escritura pública lavrada a 16 de Julho de 1990, no Segundo Cartório Notarial da extinta Secretaria Notarial do Funchal, intitulada “ Compra e Venda”, António, por si e em representação de outros declarou vender ao Autor, aí identificado como segundo outorgante, solteiro, que declarou comprar, mediante o preço de um milhão e quatrocentos mil escudos, um lote de terreno destinado a construção urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº (…). 17º- O filho Manuel já constituiu a sua própria família, composta por mulher e um filho, nascido em Maio de 2009. 18º- A Ré, desde que começou a viver com o Autor e até à data em que dele se separou passou a ser doméstica, sendo que, após a separação, a Ré trabalhou como empregada doméstica para particulares e como empregada de quartos num hotel e actualmente, explora um restaurante em Moçambique. ([1]) 19º- A Ré tratava da lide doméstica e da criação dos filhos, arrumando a casa, lavando, passando a ferro a roupa do agregado familiar e confeccionando as refeições para todos os seus elementos. 20º- O que fez durante 25 anos. 21º- A Ré, desde que chegou à Madeira, por vezes, queria trabalhar e ter uma profissão remunerada, mas o Autor opunha-se a que ela o fizesse. 22º- Desde que Autor e Ré passaram a viver juntos e até, pelo menos, ao ano de 2005, o Autor não necessitou de pagar uma empregada doméstica diária nem uma ama para os filhos, dado que esse trabalho era feito pela Ré. 23º- A Ré, durante os anos em que viveu com o Autor não prosseguiu uma carreira profissional. 24º- A Ré e o Autor escolheram, em conjunto, o mobiliário e a decoração da casa referida na al. A) dos factos assentes e onde decidiram viver. 25º- A Ré efectuou descontos para o sistema de Segurança Social nos anos e valores referidos a fls. 324 a 328 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 26º- O Autor avaliou as capacidades construtivas do prédio onde foi construída a casa a que alude a al. A) dos factos assentes, que era, à data, um lote de terreno para construção. 27º- A Ré sempre agiu perante os filhos, toda a família e toda a vizinhança como se fosse dona da casa onde vivia com o Autor. 28º- A Ré ajudou a colocar os tacos em algumas divisões da casa a que alude a al. A) dos factos assentes, bem como os encerou. 29º- A Ré escolheu as flores, ervas aromáticas e algumas árvores a plantar na casa em questão. 30º- A Ré ajudou a plantar algumas das flores e árvores a que alude o artigo anterior. 31º- Foi a Ré que escolheu os cortinados, roupa de cama, de cozinha e de quartos de banho, sendo que foi a Ré quem costurou os cortinados da casa. 32º- O que fez na convicção de que a casa também lhe pertencia. 33º- O que fez à vista de toda a gente. 34º- E sem usar de violência. 35º- Para além da sua actividade de doméstica, a Ré, por vezes, mudava as lâmpadas da casa quando se fundiam. 36º- Após a separação, a Ré ainda continuou a fazer algumas lides domésticas. 37º- Após a separação, o Autor permitiu que a Ré se mantivesse a viver na casa, embora contra a sua vontade. 38º- O Autor e a Ré, enquanto viveram juntos, aquele exerceu a sua actividade profissional e esta a sua actividade de doméstica, sendo que aquele apenas entregava à Ré o dinheiro estritamente necessário para fazer face às despesas domésticas. 39º- O Autor ainda é dono de uma casa geminada daquela onde vivem e de uma fracção autónoma sita na Praceta (…) Barreiro, inscrita na matriz sob o artigo .... 40º- A Ré tem, pelo menos, o 7º ano de escolaridade. 41º- Por vezes, o alarme de segurança que existe na casa, tocava às 3:00horas, o que fazia despertar o Autor, os filhos e a Ré, sendo que o dito alarme também tocava durante o dia, sendo o Autor o único que tem o código do mencionado alarme que pode ser accionado por telemóvel. 42º- Na Madeira, nem a Ré nem os filhos têm outro sítio onde possam morar. 43º- O Paulo foi empregado na Sociedade W, G e A, Lda. até 7 de Julho de 2011, onde auferia a quantia de € 505,03, sendo que, actualmente, está desempregado. 44º- O filho Manuel jogou futebol na Bulgária. 45º- Foi o Autor quem negociou a compra do lote com os vendedores. 46º- Foi o Autor quem pagou o preço da compra desse lote. 47º- Com o dinheiro ganho no exercício da sua profissão. 48º- E foi o Autor quem requereu à CMF o licenciamento da construção do edifício que veio a ser implantado no dito lote, cujo alvará de obras foi emitido no seu nome. 49º- Foi o próprio Autor quem elaborou o projecto de estabilidade e betão armado para a construção. 50º- Foi o Autor quem contratou o pessoal que executou a construção do edifício. 51º- Foi o Autor que pagou a mão-de-obra e adquiriu os materiais necessários para tal construção. 52º- Foi o Autor quem celebrou, em seu nome, o contrato de fornecimento de água para o prédio e paga os respectivos consumos. 53º- Foi o Autor quem celebrou, em seu nome, o contrato de fornecimento de electricidade para o prédio e paga os respectivos consumos. 54º- Foi o Autor quem celebrou, em seu nome, o contrato de prestação de serviço telefónico para o prédio e paga os respectivos consumos. 55º- Foi o Autor quem celebrou, em seu nome, o contrato de prestação de serviço de televisão por cabo para o mesmo prédio e paga os respectivos consumos. 56º- É o Autor quem paga o IMI do dito prédio. 57º- A escolaridade da Ré foi feita em Moçambique. 58º- O Autor concluiu o então 11º ano que lhe deu acesso à universidade, aos 18 anos de idade. 59º- A Ré era de famílias humildes. 60º- O Autor ainda matriculou a Ré no 4º ano do Liceu, em Nampula, Moçambique. ([2]) 61º- A Ré frequentou o referido curso, mas acabou por reprovar. ([3]) 62º- A partir dos 6 anos, cada um dos filhos comuns passou a frequentar a pré-escola onde se mantinham até às 16 horas. 63º- Sendo todas as despesas suportadas pelo Autor. 64º- Decorridos alguns anos, após se terem mudado para a casa de ..., o Autor e a Ré passaram a ter uma empregada doméstica, pelo menos, duas vezes por semana, paga pelo Autor sendo que, ainda assim, a Ré também continuava a tratar de algumas lides domésticas. ([4]) 65º- Em 9 de Maio de 2009, o filho Manuel já não residia no prédio em questão há mais de três anos, por estar emigrado no estrangeiro, nessa altura, na Grécia, a exercer a carreira de futebolista num clube da 1ª divisão (o “...), com mais de dois anos de contrato. 66º- E onde foi promovido a capitão da equipa e considerado o “melhor recuperador de bolas em campo”. 67º- Tendo declarado ao Diário ..., de 9 de Maio de 2009, que se sentia feliz na cidade grega em que se encontra. 68º- E que aufere “ um bom salário de futebolista”. 69º- Depois da cessação da união de facto, a Ré tirou habilitação para conduzir automóveis. 70º- A Ré, por vezes, viaja para fora da Madeira por tempo indeterminado e disso informa o Autor, por escrito. 71º- O apartamento que o Autor possui no Barreiro foi inscrito na matriz no ano de 1978 e nem sempre está habitado. 72º- O Autor tem toda a sua actividade profissional estabelecida na Madeira, há mais de 20 anos, onde é conhecido e tem os seus clientes habituais. Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão. Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento II - Apreciando O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Os presentes autos deram entrada em 22. Set. 2009, assim sendo, a versão do C.P.C. aplicável é o actual D.L. 303/2007, de 24 de Agosto, por força do art. 12/1. Inconformada com a decisão, defende a alteração da matéria de facto que vem fixada e, após tal desiderato, ter direito a uma indemnização a fixar com base no enriquecimento sem causa. 1.1 Alteração da respostas à matéria de facto (…) Não aceita a apelante as respostas aos art. da BI. 1, 2, 4, 7, 10, 23, 30º, 56 e 60º, a que correspondem os art. 18, 19, 21, 22, 25, 35, 38, 61 e 64 concluindo pela sua alteração. Vejamos (…) Em suma procede parcialmente a alteração do facto nos seguintes termos: - 18 – A ré é doméstica estudou em Moçambique onde conheceu o autor e iniciaram a união de facto. - 64 – Decorridos alguns anos, após terem mudado para a casa de ... em 2005, passaram a ter empregada doméstica, pelo menos uma vez por semana paga pelo autor e a ré continuava a tratar das lides domésticas. - Excluir os artigos 60 e 61 da matéria de facto. 1.2 Estamos no âmbito de uma acção de reivindicação. Na reconvenção a apelante pediu a tutela de efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da situação de união de facto entre A. e R. A presente acção deu entrada em 22.Set.2009. Vem provado que a união teve o seu iniciou em 1979 como do doc.6 consta e durou até Dezembro de 2004, terminando por acordo, como consta da acta de audiência de julgamento em 11.12.2008, doc.7. Os membros da união de facto não assumem qualquer compromisso; cada um pode romper a relação quando quiser livremente e sem formalidades, sem que o outro possa pedir uma indemnização pela ruptura. As relações patrimoniais entre os cônjuges, entre este e terceiros estão sujeitos a estatuto particular, a que se chama “ regime de bens do casamento”. Não acontece assim na união de facto. Não há aqui um “regime de bens”, nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentemente do regime de casamento, o chamado regime primário (art. 1678-1697CC). Nem se lhes aplica o art. 1714 que proíbe determinados contratos entre cônjuges. Como a apelante referiu nas suas alegações, o nosso regime jurídico não regula os efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da referida relação de união de facto, tornando-se então necessário procurar os institutos jurídicos do direito comum aos quais possamos recorrer. No nosso ordenamento jurídico, assim como nos dos restantes estados europeus, a solução a dar ao problema da determinação dos efeitos patrimoniais da cessação da união de facto tem sido resolvida através dos institutos de direito comum que mais se adequam à situação do caso concreto e não, propriamente, através do recurso à analogia. Não há na união de facto um regime de bens, nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento. Embora exista comunhão de vida não se produzem efeitos patrimoniais decorrentes da lei. Tanto assim, que há países que, nestas situações, admitem a existência de “contratos de coabitação”, na Holanda, Estados Unidos e Canadá, os serviços notariais têm modelos para celebrar esses contratos. Também a França e Espanha o admitem. Carbonnier (Droit Civil, t.2 pag. 335) refere que a prática dos “contratos de concubinato”, feitos no notário, é corrente nos Estados Unidos, no Canadá e na Holanda, mas põe em dúvida a validade desses contratos no direito francês. Embora apenas reúnam num só acto acordos que seriam válidos considerados isoladamente, Carbonnier entende que a sua “dinâmica de conjunto” torna o contrato suspeito, não de imoral mas de ilícito, porque quer dar força obrigatória a uma espécie de casamento privado, violando assim o monopólio do Estado em matéria de casamento. No nosso regime, como defendeu o Prof. Pereira Coelho, são válidas todas as cláusulas que, segundo as regras de direito comum, poderiam ser estipuladas por qualquer pessoa nos seus contratos; mandato, preferência ou indivisão. O que necessitam para não serem inválidos é que regulem efeitos patrimoniais e não factos pessoais da união, como por exemplo não poder romper a ligação ou que impusesse o dever de fidelidade. Ou também o pacto que por morte atribuísse os seus bens ao outro, seria proibido pelo art. 2028/2. No nosso caso não equiparando o casamento à união de facto, não se pode fazer uma aplicação analógica de um sistema ao outro. Nem se pode falar em lacuna. Não é lícito presumir que a sua não existência é uma “lacuna”. A inexistência da regulamentação em causa tendo o legislador oportunidade para o fazer e, não o fazendo, poderemos concluir que não se pretendeu regular especificamente essa matéria da união de facto, por aplicação do regime do casamento. Os Professores Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, entendem que a legislação que equiparasse inteiramente a união de facto ao casamento seria inconstitucional, fosse por descaracterizar o instituto matrimonial garantido constitucionalmente, fosse por violar o direito de não casar ( dimensão negativa do direito de não contrair casamento). Aliás, se a aplicação das regras reguladoras do casamento até podia pensar-se até à Lei 7/2001., de 11/5, que com esta lei que estende às uniões entre pessoas do mesmo sexo os efeitos jurídicos da união de facto, a similitude das situações que poderia justificar a aplicação analógica das disposições do casamento à união de facto deixa de se verificar dado aquele exigir a diversidade de sexos. Hoje com as uniões do mesmo sexo, não poderia justificar a aplicação analógica. O casamento e a união de facto são situações materialmente diferentes, assumindo os casados o compromisso de vida em comum, mediante a sujeição a um vínculo jurídico, enquanto que os conviventes não o assumem, por não quererem ou não poderem. O diferente tratamento do casamento e da união de facto não viola o princípio da igualdade art. 13 da CRP. O casamento não é seguramente, um facto constitutivo de um direito de crédito em si mesmo. Quando muito haverá um ganho imaterial onde se podem incluir as vantagens da união das pessoas e a sua satisfação pessoal, familiar e eventualmente social. Mas as relações patrimoniais estão sujeitas a um estatuto particular, a que se chama regime de bens de casamento. Os membros da união de facto, em princípio, são estranhos um ao outro, ficando as relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais. E podemos continuar que a união de facto não é geradora de enriquecimento. O facto constitutivo, união não remete para direito de crédito. A união não gera nem é constitutiva de acto lícito ou ilícito nem produz proveito. Parece que a apelante pretende uma indemnização pelo contributo que deu na união de facto para a vida em comum. No casamento, em situações pontuais havia casos de indemnização por dano morais quando houvesse culpa pontualmente. No caso vertente, defende-se a fixação de uma indemnização pela dissolução da união de facto. Ou seja, ficou gorada a sua expectativa de manter essa união para toda a vida em face do seu contributo na vida em comum. Ora, sem danos materiais não há relações de crédito nem se provou o empobrecimento. Aliás, se a união fosse transformada num contrato como a parceria vivem juntos e prestam contas. A lei não contempla no vínculo pessoal consequências patrimoniais de prestação de contas em associação. A união de facto é hoje objecto de normas de protecção na legislação do trabalho, fiscal, segurança social mas não há norma que no domínio da relações patrimoniais, bem como a regulação das consequências das dissolução da união. Acresce que, no casamento quando vigora o regime de separação bens, poderá haver bens que pertençam a ambos os cônjuges em compropriedade, mas não há bens comuns. Nesse regime cada um conserva o domínio e a fruição de todos os seus bens presentes e futuros, de que pode dispor livremente. A separação não é só de bens mas também de administrações, mantendo os cônjuges uma quase absoluta liberdade de administração e disposição dos seus bens próprios. O apelado foi o elemento do casal a trabalhar e a auferir rendimentos para custear as despesas da casa, dos filhos e da apelante. Nada se apurou quanto ao acordado entre ambos sobre a aquisição de bens. Nem alegou que foi com bens próprios da apelante que o apelado comprou a casa. Além disso, em 2012 os filhos de ambos tinham 28, 27 e 26 anos respectivamente. A união terminou em 2004. Há uma declaração de pagamentos feita aos filhos pelo apelado por trabalhos efectuados em Julho e Agosto de 1997 a 2000, fls. 322, que não se explicou mas indica trabalhos prestados. A nossa ordem jurídica não reconhece a união de facto como fonte típica de relações jurídicas familiares, art. 1576.º do CC, nem mesmo para a generalidade das relações dessa natureza, na definição dada pelo artigo 36.º, nº 1, da Constituição da República, muito embora se trata de uma realidade sociologicamente firmada e alcançada por uma protecção jurídica cada vez mais disseminada, tanto na área do direito da segurança social como no âmbito do direito civil – Ac. STJ, de 9/3/2004. De igual modo se vem entendendo que não é de equiparar o regime do casamento à união de facto, sendo que, após a cessação desta, a situação pessoal e patrimonial dos conviventes não é igual à dos casados Ac. STJ de 9/3/2010. De resto, como escreve Rita Xavier, “uma união de facto não implica forçosamente solidariedade patrimonial, logo não basta a prova dessa relação para considerar verificada a diminuição da capacidade económica – – cf. In Uniões de Facto e Pensão de Sobrevivência -, Jurisprudência Constitucional, 3, Julho-Setembro 2004, pag. 17. Tal não significa que a união de facto, para além dos seus domínios de protecção específicos, não possa relevar, em termos gerais, como situação de facto geradora de efeitos de que o direito se não pode alhear. É o que sucede no que respeita aos efeitos patrimoniais emergentes da vivência em comum e, em particular, à liquidação dos mesmos em consequência da cessação dessa vida em comum. Na verdade, no decurso da união de facto, tanto podem ocorrer situações de constituição de património comum resultante do esforço económico compartilhado por ambos os conviventes, como de realização de despesas comuns à custa da património de cada um deles, ou mesmo o ingresso de bens no património de um deles à custa do património comum ou do património do outro convivente. Assim, uma vez cessada a união de facto, poderá haver necessidade tanto de liquidar o património comum acumulado durante a vivência em comum, como ainda determinar os efeitos patrimoniais favoráveis e desfavoráveis repercutidos, reciprocamente, em cada um dos patrimónios individuais. Para a liquidação do património comum, tem-se entendido aplicar, em primeira linha, por via de aplicação subsidiária, o instituto da liquidação das sociedades civis disciplinado nos artigos 1010.º e seguintes do CC, a efectivar mediante o mecanismo do processo de liquidação judicial de patrimónios previsto nos artigos 1122.º e seguintes do CPC, incluindo a declaração judicial da dissolução da união de facto prevista no artigo 8.º, nº 1, al. b), e nº 2, da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, com a redacção actual dada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto [STJ, de 31-3-2009]. Em alternativa, é também pacífico na jurisprudência que poderá ainda qualquer dos conviventes de facto lançar mão dos meios comuns para obter a restituição de bens ou valores com que o outro convivente se tenha indevidamente locupletado à custa do património daquele, a coberto das regras do enriquecimento sem causa, nos termos do disposto nos artigos 473.º e seguintes do CC É pacífico o entendimento – que decorre directamente do n.º 1 do art. 473º do CC – de que, para se verificar uma obrigação de restituir fundada num enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido vantagens económicas à custa de outra. É ainda necessário que não exista uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial – ou porque nunca a houve, ou porque, entretanto, desapareceu. Mandato, contrato trabalho ou outro. O enriquecimento sem causa pressupõe que alguém se tenha locupletado injustificadamente à custa alheia. Trata-se de uma fonte autónoma de obrigações no nº1 do art.473 O enriquecimento diz-se sem causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial – cf. Mário Júlio De Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., págs. 334/335. Na verdade, de acordo com o disposto no art. 474º do CC, não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. Fala-se, a este respeito, do carácter subsidiário da obrigação de restituir. Com o carácter subsidiário o legislador quer dizer que, se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos art. 473º e seguintes Prof. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed. pág. 191). E para o Prof. Menezes Leitão (que sobre o tema fez incidir a respectiva dissertação de doutoramento), no enriquecimento por prestação (ao lado do qual existem o enriquecimento por intervenção, o enriquecimento por despesas realizadas em benefício doutrem e o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio), “a ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido subjectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação”, havendo, assim, lugar à restituição da prestação sempre que esta é realizada com vista à obtenção de determinado fim e esse fim não vem a ser obtido (“condictio ob rem”), ou, aditaremos nós, com directa aplicação ao caso vertido nos autos, quando a causa jurídica – no sentido que ficou evidenciado – da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização (“condictio ob causam finitam). Como poderá, igualmente, ocorrer, segundo aquele insigne Mestre, “no caso de extinção do casamento, quando um dos cônjuges realizou ao outro atribuições patrimoniais que excedam o cumprimento dos seus deveres conjugais e não revistam a natureza de uma doação” ( pags. 425). Afastada a possibilidade de aplicação analógica, a alternativa é a sujeição da regulação dos efeitos patrimoniais da união de facto ao regime geral. No caso vertente também não estamos perante um a obrigação natural, que nos termos do art. 402 é definida quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça. A apelante defendeu que no caso “sub judicio”, porém, há que ter em conta o facto da ora Recorrente sempre ter querido trabalhar fora, para se sustentar a si própria e ter dinheiro para os seus assuntos pessoais, coisa que o R. nunca permitiu, pelo que, invocou também estar-se perante uma verdadeira obrigação natural irrepetível, pois a sua prestação não foi totalmente livre, nem isenta de coacção. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida, o disposto nos artigos 402.º e 403.º do CC. Sendo uma obrigação natural seria inexigível judicialmente e insusceptível de ser repetida ao abrigo do disposto nos art. 403.º Ora o dever de ordem moral ou social em que se funda a obrigação não é definido por lei nem podia sê-lo. Como escreveu o Prof. Antunes Varela CC Anotado (…) esta abrange apenas aqueles cujo cumprimento corresponda a uma ideia de justiça (comutativa), como é o caso da obrigação prescrita, ou o dever legal que haja caducado. Neste sentido o Ac. STJ, de 07/06/2011, acessível em www.dgsi.pt - “ É o caso da contribuição para a economia comum na união de facto, desde que assente a ausência de vínculos juridicamente relevantes entre os seus membros, designadamente os deveres de coabitação, cooperação e assistência enunciados no art. 1672º CC sobretudo estes dois últimos, na modalidades de socorro e auxílio mútuos e de assunção conjunta das responsabilidades da vida familiar (art. 1674º CC) e na de alimentos e de contribuição para os encargos da vida familiar de harmonia com as possibilidades de cada um através da afectação dos seus recursos àqueles encargos e do trabalho dispendido no lar (art. 1675º nº1 e 1676º nº1 CC). Ora, não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coacção (art. 403º nº2 CC) - no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º º1 CC) . Não sendo o trabalho dispendido no lar judicialmente exigível no âmbito da união de facto, a sua prestação como contribuição para a economia comum configura-se como cumprimento espontâneo de obrigação natural, insusceptível de ser repetido, pelo que falece à apelante e autora o direito à restituição do respectivo valor”. Não se entende a invocação do art. 980 que dá a definição de sociedade e seguramente não tem aplicação ao caso vertente. Invoca o Ac. TRL de 23/11/2010, aí decidiu-se que: “[…] d) Consequentemente, para que em sede de partilha do património adquirido no âmbito de uma união de facto se apliquem as regras da sociedade de facto, o fundamental é que, na vigência de uma vivência comum de duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges, tenha resultado um substrato patrimonial que importe partilhar (cessada a união) e que, de alguma forma, seja ele o resultado da contribuição de ambos os sujeitos (com bens e serviços), maxime em sede do exercício em comum de uma actividade económica que não seja de mera fruição, verificando-se assim, o núcleo duro da facti species do art. 980.º do Código Civil.” No caso vertente, trabalhou em casa e não exerceu qualquer profissão durante 25 anos período que durou a união de facto com o apelado. Resulta da declaração da segurança social que iniciou uma actividade em 2006. Mas não iniciou logo de imediato a sua actividade laboral, aquando da cessação da união em Dezembro de 2004. Podia ter trabalhado sem descontos, não sabemos, mas aqueles só se iniciaram em Junho de 2006. Parece que continuou a viver na casa onde sempre viveu com o companheiro e filhos e as despesas custeadas pelo apelado. Não se entende o relevo dado ao facto de ter uma empregada na parte final da vivência em comum, provou-se que era uma vez por semana e apenas para os trabalhos de jardim e limpeza da casa, quando a união estava finda. Trabalhou e assegurou as tarefas da casa e dos filhos durante 25 anos. Foi esse o acordo das partes. Quem suportou todas as despesas foi o companheiro com a casa e filhos, sendo certo que foi ela que sempre executou as tarefas domésticas, mas esse foi o caminho escolhido por ambos. Acresce lembrar que o património do apelado será para os filhos. Como escreveu o Prof. Pereira Coelho (obra citada) os membros da união de facto não assumem, qualquer compromisso; cada um pode romper a relação quando quiser, livremente e sem formalidades, sem que outro possa pedir uma indemnização pela ruptura. E continuando refere que não excluímos, porém, a possibilidade de a ruptura da união de facto, em determinados circunstancias, se mostrar clamorosamente injusta, com manifesto excesso dos limites imposto pela boa fé ou pelos bons costumes ao exercício do direito art. 334 do CC. Dá como exemplo um dos sujeitos que numa união muito longa sempre trabalhou nessa união e não pode por estar velhinho e doente trabalhar para garantir a sua sobrevivência. O outro sujeito pode romper a união, mas tem de assegurar a sobrevivência do outro que precisa. Tal não se verifica, no caso vertente. Sendo certo que, nada se provou que possibilite a aplicação de outros institutos jurídicos. A apelante por acordo cessou a união em 2004. 1.3 Vêm invocadas variadas inconstitucionalidades por banda da apelante. Assim, imputa à sentença recorrida negando a tutela judicial dos direitos da R., enquanto pessoa humana, sujeito de direitos e deveres a violação dos art. 1.º, 13.º e 20.º da C.R.P. No art. 1, temos os direitos fundamentais e estatui: Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Uma vez que não explicou a razão de tal inconstitucionalidade podemos sem mais não a conhecer. No entanto, sempre se refere que a legislação respeita a vontade das pessoas dando-lhe a liberdade de escolher a forma de viver a vida casando ou vivendo em união de facto e essa sim é a verdadeira escolha que garante o cumprimento de uma sociedade livre. Só que, cada um tem de assumir as suas responsabilidades na execução do caminho escolhido. A invocada violação do art. 13, princípio da igualdade. 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. O princípio da igualdade estatuído no art. 13.º da nossa Lei Fundamental, ao consignar que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, não impõe que a lei seja aplicada de modo igual, generalizadamente, a todo o cidadão; o que esta máxima exige é que a situações iguais se aplique tratamento semelhante, deste modo possibilitando que relativamente a casos diferentes sejam utilizadas regras diversas, desde que diferenciadamente justificadas. Este princípio, entendido como um modo de controlar o legislador ordinário, não impede que este estabeleça uma pontual diversificação de procedimento, se este se mostrar ponderadamente conforme à razão, objectivamente fundada e com o intuito de obstar à prepotência legislativa. É esta a “opinio communis” advogada consensualmente pela moderna doutrina que se pronuncia no sentido de que a igualdade constitucional engloba a proibição de arbítrio, proibição de discriminação e privilégio, obrigação de diferenciação (tratamento igual de situações iguais ou semelhantes e tratamento desigual), especificando que a proibição de arbítrio se traduz na exigência de fundamento racional e a proibição de discriminação e privilégio obsta, v.g., ao que modernamente sob influência germânica e em detrimento da nomenclatura tradicional bem mais clarificadora, se vem chamando “lei-providência” (Massnahmegesetze), ou seja, a norma personalizada, individualizada, excepcional por não conter uma regra geral, maximamente se se puder detectar nela «uma intenção discriminatória, injustificada», para usar uma fórmula de Vieira de Andrade (in Direitos Fundamentais, pág. 199) Martim de Albuquerque; da Igualdade, pág. 74; Gomes Canotilho e Vital Moreira; CRP, Anotada; pág.68/69; Jorge Miranda; Manual, pág. 239. e que, também unanimemente, é seguida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que vem entendendo que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções; proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, isto é, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e proíbe ainda a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas. Acórdão do Tribunal Constitucional de 08.10.1992; www dgsi.pt/ Estamos perante o princípio da igualdade, ou seja deve tratar-se de modo igual o que for igual e de forma diferente o que não for. O tratamento diferente, tem a sua origem, no contrato que as partes celebram de livre vontade e na aplicação do princípio da liberdade contratual, tem na sua base a vontade das partes. E seria violado o princípio da igualdade se ambos fossem tratados de igual forma quando não quiseram assumir os mesmos compromissos. E sempre se recordará que, se fossem casados em regime de separação de bens, nada haveria para partilhar. E, assim sendo, não se vê nenhuma diferença para a situação da união de facto. Seguramente não querem ser tratada como empregadas domésticas e com um ordenado fixo pelo trabalho desempenhado. Também não entendemos a violação do art. 20 da CRP que visa o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva. 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. Não vemos em que consta a invocada inconstitucionalidade e, assim sendo, abstemo-nos de a apreciar. Concluindo - O casamento e a união de facto são situações materialmente diferentes, assumindo os casados o compromisso de vida em comum, mediante a sujeição a um vínculo jurídico, enquanto que os conviventes não o assumem, por não quererem ou não poderem. - Ora, não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coacção (art. 403º nº2 CC) – no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º º1 CC). - O diferente tratamento do casamento e da união de facto não viola o princípio da igualdade art. 13 da CRP. III – Decisão: em face do exposto - julga-se parcialmente procedente a alteração da matéria de facto como da decisão consta; 18: A ré é doméstica estudou em Moçambique onde conheceu o autor e iniciaram a união de facto.64- Decorridos alguns anos, após terem mudado para a casa de ... em 2005, passaram a ter empregada doméstica, pelo menos uma vez por semana paga pelo autor e a ré continuava a tratar das lides domésticas Excluídos os art. 60 e 61 da matéria de facto. - julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada Custas pela apelante Lisboa, 29 de Novembro de 2012 Maria Catarina Manso Alexandrina Branquinho Ana Luísa Geraldes ---------------------------------------------------------------------------------------- ([1]) A matéria de facto descrita neste número foi alterada nesta instância. ([2]) Esta matéria foi excluída dos factos provados ([3]) Esta matéria foi excluída dos factos provados ([4]) A matéria de facto descrita neste ponto foi alterada nesta instância | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: |