Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA SANTOS SILVA | ||
Descritores: | DESISTÊNCIA DO PEDIDO SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | (cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC): I - Como resulta do art.º 285º, nº 1 do CPC, a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, preceito que exprime a afirmação da direta atuação do negócio de autocomposição do litigio sobre a situação jurídica (material) que é objeto do pedido, a qual, quer existisse, quer não, anteriormente, é objeto de um negócio que opera como facto extintivo, precludindo a questão da sua existência ou conformação anteriores. Diferentemente da desistência da instância, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu. II - A sentença homologatória da desistência do pedido tem o efeito de constituir caso julgado material (arts. 291º, n.º 2 e 619º, n.º 1 do CPC), com o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável ao autor, ou seja, a sentença homologatória forma caso julgado material impeditivo da invocação do mesmo direito noutra ação entre os mesmos sujeitos. III - A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC, dá expressão legal ao efeito negativo do caso julgado. Pressupõe a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1 que ocorre se os sujeitos, o pedido e a causa de pedir da segunda ação são os mesmos que os da ação já transitada em julgado. Já a exceção de autoridade do caso julgado tem um efeito positivo de impor a primeira decisão quanto a determinada questão a uma segunda decisão de mérito a proferir. IV – O terceiro que não foi parte na ação precedente pode opor à parte primitiva a autoridade de caso julgado, graças aos mecanismos de extensão do caso julgado a terceiros, por força da lei ou pela sua vontade, constituindo a primeira um mecanismo de imposição de caso julgado alheio e a segunda, um mecanismo de adesão ao caso julgado alheio. Se é o próprio a querer “usar” da decisão, será de defender a existência de um princípio de adesão ao caso julgado alheio. V - Como vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência dominante, a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida. Terá de estar sempre em causa, em ambos os processos, a mesma questão jurídica já previamente decidida no processo anterior (questão prejudicial). VI – No caso dos autos, o reconhecimento de que não existia, na esfera jurídica dos autores, o direito de receber dos réus as quantias peticionadas a titulo de indemnização por consequência do alegado incumprimento de um acordo celebrado entre os sócios, operada por efeito da desistência do pedido na ação precedente, não constitui na presente ação, em que se pede a condenação da ré no pagamento de idêntica quantia, resultante de quantias aportadas pelo autor, a titulo de suprimentos, e de compensação pelo valor da quota cedida, e que tem o seu fundamento no exercício de direitos sociais dos sócios, condição para apreciação do seu objeto e daí a inexistência de uma relação de prejudicialidade entre ambas, a presente e a precedente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | I. Relatório “A”, e “B”, residentes (…), intentaram a presente ação declarativa de condenação, na forma comum, contra “CC”, LDA., sociedade por quotas com sede (…), formulando o seguinte pedido: 1) ser reconhecidos que os autores detêm um direito de crédito sobre a sociedade ré no valor total de € 1.118.926,58 (um milhão, centos e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos) e consequentemente, 2) ser a ré condenada a pagar aos autores o respetivo crédito no valor total de €1.118.926,58 (um milhão, centos e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora civis, à taxa legal, desde a citação da ré até efetivo pagamento e, ainda, 3) conforme disposto no artigo 829º-A do Código Civil, deve a ré ser condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória à taxa legal de 5% ao ano, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação a que vier a ser condenada desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória até efetivo pagamento da obrigação. A fundamentar este pedido alegou em síntese o seguinte: O primeiro Autor foi titular de quota sobre o capital social da Ré, e é casado com a segunda autora no regime de comunhão geral de bens, integrando aquela quota o património conjugal//A ré foi constituída em 26/05/2000, com o capital social de valor em escudos, equivalente a €5.000,00 (cinco mil euros), representado por 3 quotas, detidas por três sócios fundadores//No dia 04/10/2000 as três referidas quotas foram cedidas a “D”, que passou a deter 100% do capital social da Ré.// No dia 17/10/2000 “D” cedeu 50% do capital social da Ré para o 1.º Autor e, em ato sucessivo, ambos efetuaram o aumento de capital social da Ré para valor, em escudos, equivalente a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), passando a sociedade a ser detida por dois sócios, cada um detendo uma quota no valor nominal, em escudos, de valor equivalente a € 250.000,00//Em 11/01/2001 ocorreu uma nova alteração societária com a entrada de três novos sócios, passando o capital social da Ré no valor, em escudos, correspondente a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), a ser representado por cinco quotas//desde a sua constituição e até ao presente momento, a sociedade Ré vincula-se com a assinatura de apenas um dos gerentes//O 1.º Autor e o sócio “E” foram gerentes da sociedade até cessarem funções, respetivamente em 25/07/2011 e em 26/07/2011, por renúncia à gerência que efetuaram em 17/07/2011//Para além de terem integralizado os montantes correspondentes ao valor da quota que adquiriam, na medida em que iam sendo verificadas as necessidades financeiras da Ré, os sócios foram aportando valores à sociedade através de empréstimos que lhe fizeram sob a forma de suprimentos//Os aportes financeiros pelos sócios eram feitos, em regra, na proporção do capital social que detinham, e os montantes aportados iam sendo lançados na conta de suprimento em nome do sócio que efetuou o aporte// o 1.º Autor aportou mais de um milhão de euros à sociedade à título de suprimentos//Tendo em vista o desenvolvimento de um projeto imobiliário, no ano de 2008 a sociedade Ré alterou o seu objeto social para “compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; Promoção imobiliária, consistindo as respetivas atividades em desenvolver, com carácter permanente, programas imobiliários assumindo os promotores quer o risco financeiro, quer a responsabilidade de condução das operações necessárias à sua execução e podendo intervir quer como donos das obras quer como prestadores de serviços; a promoção imobiliária consubstancia a reunião de meios jurídicos, financeiros e técnicos a fim de se construir os edifícios ou de implementar infraestruturas com vista à venda: indústria hoteleira e atividades similares e turísticas, compreendendo a prestação de todo o tipo de serviços conexos com essa atividade, sendo este o atual objeto social da Ré (Insc.1 Ap. … e Insc.4 ….// Em outubro de 2000 a sociedade Ré procedeu à aquisição de um lote de terreno com 85.000 M2 de área, na (…), visando a construção de um empreendimento de grande dimensão, do qual uma parte seria afeto a uma unidade hoteleira e a restante à construção de um condomínio fechado com frações habitacionais para revenda// para tanto a sociedade contraiu um financiamento junto (…)// Uma vez obtida a Licença de Loteamento, no dia 01/02/2008, a Ré contratou um novo financiamento bancário à construção, junto (…), sob a forma de abertura de crédito e até o limite máximo de crédito aberto de € 45.000.000,00// No ano de 2011 a Ré começou a ter dificuldades para cumprir as suas obrigações financeiras, o pagamento (…) do serviço da dívida emergente do financiamento à construção e o pagamento aos prestadores de serviços, nomeadamente a empreiteira cuja dívida no dia 26/05/2011 ascendia ao valor de capital de € 8.198.778,84, razão pela qual esta última já tinha exercido o direito de retenção sobre a obra// Não autorizando (…) a libertação do montante do crédito do financiamento ainda não utilizado, nem sendo possível obter novo financiamento bancário em nome da sociedade deu-se a necessidade de os sócios aportarem mais suprimentos em montantes relevantes, com vista a obter a conclusão do Hotel e o cumprimento das obrigações, dado a crise económica que se fazia sentir a partir de 2008, que teve profundos reflexos na economia nacional a partir de 2010, quer o ora 1.º Autor, quer os outros três restantes sócios da Ré, não tinham disponibilidade financeira para aportar mais suprimentos à Ré// Nesse contexto, o 1.º Autor e os então sócios da Ré “E”, “F” e “G” viram-se obrigados a celebrar um acordo com o sócio “D” (único que tinha capacidade financeira para aportar os montantes necessários ao cumprimento imediato das respetivas obrigações pela Ré), incluindo a outorga de procuração para a cessão das respetivas quotas ao mesmo ou a sua mulher “H”, ou a sociedade detida por estes.// Foi condição essencial para o efeito que os sócios que não pudessem aportar valores à Ré lhes cedessem (temporariamente), ou a quem ele indicasse, as respetivas quotas, por forma ao mesmo controlar a atividade da sociedade sozinho e levar o Projeto imobiliário à frente.// Os demais sócios, incluindo o 1.º Autor, aceitaram o proposto, sempre na condição de a Ré, prioritariamente, proceder à construção do Hotel e, ainda, de ficar consignada a hipótese de qualquer um dos sócios que procedesse a cessão da sua quota a favor de “D” ou de “H”, ou de sociedade da esfera jurídica destes, poder retomar a sua participação no capital social da sociedade Ré, mas em qualquer caso – ou seja, retornando ou não ao capital da sociedade – ter direito ao reembolso da totalidade do investimento feito, de forma que os suprimentos deveriam permanecer em nome dos sócios cedentes até ao seu reembolso.// Nos termos do acordo alcançado, os sócios cedentes deveriam ser reembolsados de todo o investimento feito na Ré, concretamente o valor da quota integralizada e o valor dos respetivos suprimentos logo que a Ré tivesse disponibilidade para o efeito, podendo tal pagamento ser feito em dinheiro, ou em frações// O acordo consistia em os Autores (e os outros sócios) saíam da sociedade cedendo a sua quota por valor simbólico (“custo zero”), cederiam a sua quota gratuitamente, e ficavam com o direito de: a) retornar ao capital da sociedade dentro de um determinado prazo, mediante o pagamento de um determinado valor ou, b) seriam reembolsados do valor total do respetivo investimento (valor correspondente à soma do valor da quota de € 166.667,00 e dos suprimentos existentes à data - €952.259,58), de forma que os suprimentos deveriam ficar na contabilidade da Ré, para serem devolvidos posteriormente, quando a Ré tivesse disponibilidade para o efeito//ao valor dos suprimentos deveria ser acrescido o valor nominal da quota, cujo montante seria considerado como compensação pelos empréstimos que ao longo dos tempos foram feitos à sociedade Ré, a título de suprimentos// Entre as várias condições relevantes negociadas entre os então cinco sócios da Ré, a entrega por esta, em momento posterior, da totalidade do investimento feito, era condição essencial, sobretudo sob a ótica dos Autores, para a formalização da operação// Foi também condição essencial os sócios cedentes e respetivas mulheres serem liberados do aval que prestaram à Livrança associada ao financiamento à construção em questão e, sob a ótica de “D”, foi condição essencial os sócios cedentes outorgarem procurações irrevogáveis ao seu favor, com poder para o mesmo celebrar negócio consigo mesmo, e com poderes para, em representação dos sócios cedentes, ceder as quotas antes tituladas pelos outros sócios, à sua mulher “H”, e/ou a si, e/ou à sociedade “II”, LDA (sociedade da esfera jurídica deste casal)// Para consignar parte de tal acordo, todos os cinco então sócios da Ré, o 1.º Autor e os então sócios “E”, “F” e “G”, por um lado, e o sócio “D”, a sua mulher “H” e a sociedade comercial “II”, LDA (detida por este casal), por outro lado, outorgaram no dia 17/06/2011 um documento ao qual designaram “Acordo de Principio”, o qual por razões que os Autores desconhecem, “D”, a sua mulher “H” e a sociedade comercial “II”, LDA acabaram por não devolver, aos Autores, a versão por eles assinada do documento// A partir da formalização da operação de 17/06/2011, o 1.º Autor depositando extrema e inabalável confiança em “D” não ficou com qualquer dúvida de que o mesmo ficou vinculado ao que os então cinco sócios acordaram, no interesse da sociedade Ré e com reflexo na esfera jurídica da mesma// Foi apenas e só no contexto do acordo a que os cinco sócios chegaram, que no dia 17/06/2011 os Autores assinaram o documento designado Acordo de Princípio, e que: a) no próprio dia 17/06/2011 o 1.º Autor renunciou à gerência, no dia 21/06/2011, os Autores outorgaram a procuração irrevogável e a entregaram ao outorgado “D”, com poderes para este fazer negócio consigo mesmo e no dia 23/08/2011, data em que os Autores, nos termos do acordo alcançado já haviam sido liberados do aval, “D” utilizou a referida procuração irrevogável (e as outras procurações irrevogáveis que lhes foram outorgadas pelos outros três sócios cedentes) para outorgar a Escritura Pública de Cessão, Unificação e Alteração de Contrato, tudo nos termos do acordo alcançado entre os cinco ex-sócios fundadores e os então três gerentes da Ré, o qual foi parcialmente refletido no Acordo de Princípio// Em cumprimento do que ficou acordado, no dia 21/06/2011, os Autores outorgaram uma procuração irrevogável a favor de “D”, conferindo-lhe poderes para: representar o 1.º Autor em assembleias da Ré; vender à “H”, a totalidade da quota no valor nominal de € 166.667,00 que o 1.º Autor era titular na sociedade e para vender a totalidade dos suprimentos no montante de € 952.259,58, que naquela data encontravam-se contabilizados na Ré, em nome do 1.º Autor// A outorga da procuração foi feita pelos Autores na convicção de que sempre poderiam voltar a deter a quota objeto de cessão ou, de reaver todo o capital investido na sociedade Ré, nomeadamente, neste caso, de lhe serem restituídos os suprimentos efetuados e devolvido o valor nominal da quota, a título de compensação// Os Autores apenas outorgaram a procuração irrevogável no dia 21/06/2011 no contexto do acordo alcançado entre todos os sócios, em especial, tendo presente que no caso de a quota não ser reavida dentro do prazo estipulado no Acordo de Princípio os suprimentos no valor de € 952.259,58 e o valor nominal da quota lhes serem reembolsados pela Ré// Para cumprimento do acordo, os suprimentos deveriam manter-se na contabilidade em nome do 1.º Autor, não podendo ser transmitidos a quem quer que fosse, pese embora na Procuração Irrevogável ter constado poder para venda dos suprimentos, o que se justificou para eventual acerto de contas no caso de a Quota ser reavida pelos Autores// Por questões contabilísticas, quanto ao reembolso do valor nominal da quota a ser feito pela Ré, o sócio-gerente da Ré, “D”, assumiu que o montante correspondente seria entregue a título de compensação, juntamente com o valor dos suprimentos// Tão-só a quota no valor nominal de € 166.667,00 (cento e sessenta e seis mil e seiscentos e sessenta e sete euros), titulada em nome do 1.º Autor, foi cedida, transmitida para “H”, pelo valor de € 1,00 (um euro), ou seja, só a quota foi cedida, e não os suprimentos// Em nenhum momento “D” informou os Autores, máxime o 1.º Autor, de ter vendido os suprimentos à “H”, ou a si próprio, ao abrigo da procuração irrevogável// Algum tempo depois, a 2.ª Autora e o seu filho “J” contactaram “D” a fim de o questionar sobre a altura expectável do reembolso do investimento// Este, atuando com má-fé e ao arrepio do acordo que estabeleceu com o 1.º Autor e levou os Autores a outorgarem a Procuração Irrevogável afirmou à 2.ª Autora e ao seu filho “J” que não devia nada aos Autores, e que nada deveria fazer// Na falta de acordo, os Autores propuseram uma ação contra “D”, “H” e “II”, LDA, na qual deduziram os seguintes pedidos: a) ser declarado que os RR não cumpriram com as obrigações assumidas no acordo celebrado com os AA; b) Face ao incumprimento dos RR devem estes indemnizar os AA pelos danos que lhe causaram e que correspondem ao valor global de €1.118.926,58€; c) serem os RR condenados a indemnizar os AA, em função de os indevidamente terem provado da rentabilização do seu investimento, em quantia a apurar em liquidação de sentença// A aludida ação formou o processo n.º (…), que correu termos perante o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível (…)// Na audiência prévia realizada a 04/04/2019, vieram os ali e aqui Autores a desistir dos pedidos que deduziram naquela ação// Na presente ação o que está em causa é o reembolso de todo o investimento que os Autores fizeram na Ré, titulado em nome do 1.º Autor, os suprimentos no valor de € 952.259,58, e de uma compensação no valor de € 166.667,00, equivalente ao valor da quota que detinham no capital social da Ré// Ao invés de aportar suprimentos à Ré em montante suficiente para concluir a construção do Hotel no prazo de três anos, como se comprometera como condição essencial à celebração do Acordo e outorga da Procuração irrevogável pelos Autores, “D” não cumpriu integralmente o acordado// “D” nunca informou aos Autores de ter vendido os suprimentos ao abrigo da Procuração, nem em nenhum momento a sociedade Ré notificou o 1.º Autor de que os suprimentos deixaram de estar contabilizados em seu nome, por forma a se livrar da dívida perante o mesmo, obrigação que se lhe competia enquanto devedora do valor dos suprimentos ao 1.º Autor// A escritura apenas diz respeito à cessão da Quota, não se referindo aos suprimentos e, como tal, não se veio a realizar a venda dos suprimentos em questão, nem se poderá mais vir-se realizar, visto que “D”, procurador, veio a falecer// Até hoje, contrariamente ao acordo estabelecido, os Autores não foram restituídos do investimento que efetuaram na sociedade Ré, não tendo sido reembolsados dos valores devidos pela Ré, que em 2011 encontravam-se lançados na conta de suprimentos em nome do aqui 1.º Autor, os quais ascendiam ao montante de € 952.259,58, nem do valor de € 166.667,00 que lhes deveria ser entregue a título de compensação, valor este a ser entregue a este título, equivalente ao valor nominal da quota cedida// A partir do ano de 2017, a Ré passou a ter capacidade financeira significativa, tanto que veio a reduzir a sua dívida bancária até ao ano de 2022, ano em que as obrigações financeiras emergentes do referido empréstimo à construção foram integralmente liquidadas, e, neste mesmo ano, reduziu a dívida perante os participantes de capital, factos que atestam que tendo a Ré vindo a reduzir a sua dívida perante (…) e, não tendo a mesma obrigações financeiras decorrentes do financiamento concedido pela à construção por cumprir, a Ré tinha e tem condições de reembolsar/pagar o valor do investimento aos Autores, pelo menos desde o ano de 2022, não se verificando insuficiência financeira da Ré para o efeito// Sendo os Autores, máxime o aqui 1.º Autor, titular de um direito de crédito válido sobre a sociedade Ré, que se traduz no montante de € 1.118.926,58 (um milhão cento e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos = € 952.259,58 + € 166.667,00), que lhes é devido pela ré a título de devolução de suprimentos e compensação, do qual deverão os autores ser reembolsados, nos termos do acordo a que todos os sócios chegaram e que a ré está obrigada a cumprir// Toda a negociação entre as partes foi realizada sempre tendo em vista a possibilidade de os aqui Autores serem reembolsados dos montantes aportados à Ré a título de suprimentos, isto é, de se manter o direito de mesmo perante a cessão da Quota, estes serem restituídos dos empréstimos efetuados à sociedade, ao referido título, dos quais nunca renunciaram; encontrando-se a sociedade ré vinculada ao acordo que os então sócios estabeleceram, consubstanciado na operação formalizada em maio de 2011, que veio a ser parcialmente executada em agosto de 2011, conforme a Escritura de Cessão de Quotas. Regularmente citada a Ré contestou em sua defesa alegou em síntese o seguinte: Deduziu exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado alegando que: os Autores intentaram contra “D”, “H” e a sociedade “II”, Ld.ª, a ação que correu termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), coincidindo a causa de pedir nesta ação com a causa de pedir invocada pelos Autores nos presentes autos, ou seja, a alegada celebração de um acordo entre os então cinco sócios da Ré, seus cônjuges e a sociedade “II”, Ld.ª, que teria sido formalizado nos termos constantes do Doc. n.º 16, junto com a PI - ”Acordo de Principio”// O pedido formulado pelos Autores na referida ação foi o de condenação dos ali Réus ao pagamento da quantia de € 1.118.926,58 (um milhão, cento e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), correspondente € 952.259,58 (novecentos e cinquenta e dois mil duzentos e cinquenta e nove euros cinquenta e oito cêntimos) ao valor dos suprimentos que havia feito à Ré, e € 166.667,00 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e sete euros) ao valor da quota que detinha// Este pedido coincide com o pedido que os Autores formulam nos presentes autos// A ação então intentada pelos Autores terminou com a prolação de sentença que absolveu os Réus do pedido, homologando a correspondente desistência do pedido formulada pelos Autores// A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer no processo, ou seja, no presente caso, o direito que os Autores se arrogam de receberem o valor dos suprimentos feitos à Ré, bem como o valor das quotas de que eram titulares// Esta extinção provoca a extinção da situação jurídica que o desistente pretendia tutelar mediante a ação, uma vez que a desistência do pedido, como se viu, traduz o reconhecimento, por parte do autor, de que aquela situação jurídica não existia ou se extinguiu// Na ação que correu termos no Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), os Autores vieram alegar que, por via do incumprimento do acordo de princípio, sofreram um elevado prejuízo financeiro, correspondente ao montante da respetiva quota e ao valor dos suprimentos, direito que os Autores pretendem fazer valer mediante a presente ação, mas agora contra a Ré, sendo que esta modificação subjetiva não implica, que estes autos nada tenham a ver com os que correram termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…). Conclui alegando que o direito que os Autores se arrogam está extinto, em virtude da desistência do pedido que concretizaram nos autos que correram termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), homologada por sentença que adquiriu força de caso jugado material. Defende-se ainda por impugnação, concluindo pela improcedência total da ação e pedindo a condenação dos autores como litigantes de má fé em multa e indemnização. Os autores responderam ao pedido de condenação como litigantes de má fé, relegando para momento próprio a resposta à arguida exceção. Foi junta certidão da petição inicial, contestação e ata de audiência prévia, apresentados no âmbito do processo (…) do Juízo Central Cível de Lisboa, (…) (ref. n.º 15251900). Realizou-se audiência prévia. No seguimento da audiência prévia e após a audição das partes quanto às exceções invocados o tribunal entendeu, que nesta fase processual, o processo já reunia os elementos essenciais para se conhecer do mérito da causa. Seguiu-se saneador sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Julga-se procedente a excepção peremptória de autoridade de caso julgado invocada pela R. e, em consequência absolve-se a R. “CC”, Lda., dos pedidos contra ela formulados por “A” e “B”. 2. Absolvem-se os AA. “A” e “B” do pedido de condenação dos mesmos como litigantes de má fé. Custas da acção a cargo dos AA. e custas da litigância de má fé a cargo da R. (art.º 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). Não se conformando com o assim decidido, vieram os autores interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Nas alegações de recurso dos apelantes são formuladas as seguintes conclusões que se reproduzem: 1.ª A Sentença em crise contempla ERRO DE JULGAMENTO relativo à matéria de direito (processual, diga-se), por ter acolhido, com o devido respeito, porém, como se verá, mal, a exceção perentória imprópria da autoridade do caso julgado invocada pela Ré. O Douto Tribunal a quo não sopesou, como devia, a necessidade de fino equacionamento deste instituto e dos seus requisitos, trazendo a estes autos o lastro decisório da ação anterior, que, como se verá, não se estende à presente ação, o que importou uma violação clara da lei processual, por erro de interpretação e de aplicação de determinados preceitos legais, nomeadamente, do disposto nos artigos 283.º, n.º 1, 284.º, 285.º, n.º 1, 576.º, 619º n.º 1 e 621.º do CPC, onde se prevê o alcance do caso julgado (“Decisão Recorrida”). O presente recurso tem, assim, por OBJETO a Sentença, quanto aos referidos segmentos da Decisão – de facto e de direito -, e como FUNDAMENTO violação da lei de processo, por erro na interpretação e aplicação das disposições legais acima enunciadas. 2.ª Em termos muito sintéticos, o Tribunal a quo elencou as seguintes questões jurídicas, a que depois deu resposta: 1) Verificação, ou não da identidade de sujeitos, vindo a concluir que no caso concreto não há identidade de partes. Mesmo assim, entendeu que seria possível considerar a verificação da autoridade do caso julgado. Tal não é admissível à luz do ordenamento jurídico, nem a doutrina e a jurisprudência acolhem tal posição, pelo que errou o Tribunal a quo ao prescindir de um requisito essencial do instituto em causa. 2) Efeito da desistência do pedido homologada por Sentença na Ação Precedente, na Presente Ação, vindo a concluir que ao desistir do pedido na Ação Precedente, “nos termos da petição inicial (…) e face à contestação dos ali RR. [sic!], aceitaram os AA. que não tinham direito ao segundo, ou seja a peticionar contra a sociedade R. os mesmos valores de que desistiram.”, concluindo então que, “vir, nesta acção peticionar o pagamento dos mesmos valores por parte da sociedade aqui R. seria, não apenas, uma repetição de pagamento, mas também a verificação de decisões contraditórias, entre a sentença homologatória da desistência do pedido e a que viesse a ser proferida nesta acção.” Ora, também aqui errou o Tribunal a quo porque a desistência, quanto aos pedidos de indemnização, nunca poderia importar qualquer renúncia aos suprimentos e ao “valor da quota” pelos Recorrentes. Antes, a própria natureza dos pedidos indemnizatórios afasta tal interpretação. Acresce que os pedidos foram estritamente sustentados na responsabilidade civil e em relação jurídica estabelecida entre os sócios. Acresce ainda que para sustentar a tal renúncia, o Tribunal a quo considerou, além do mais, a contestação dos Réus na Ação Precedente, quanto mais quando tal ação foi logo extinta na audiência prévia e a decisão final foi de mera homologação da desistência dos pedidos. 3.ª É apenas e tão só pela apreciação do objeto – causa de pedir e pedido – das duas ações em cotejo que se afere a autoridade do caso julgado, pelo que é essencial fazer o cotejo entre o objeto processual das duas Ações, Precedente e Presente. 4.ª Assim, face aos pedidos em concreto, a pretensão dos Autores na Ação Precedente foi: obter o reconhecimento de que os Réus incumpriram o acordo - efeito declarativo relativo a ato de incumprimento praticado pelos Réus; decorrente do incumprimento dos Réus, a sua condenação no pagamento de indemnização, pelos danos e prejuízos que sofreram - efeito condenatório - no valor global que apuraram ser de € 1.118.926,58, segundo o critério que entenderam para contabilizar o valor e, em valor, a apurar em liquidação de sentença, correspondente à rentabilização do seu investimento, de que ficaram privados. Ora, atendendo aos pedidos – maxime de condenação no pagamento de indemnização – os factos essenciais da causa de pedir estavam essencialmente relacionados ao incumprimento do acordo pelos Réus, à indicação dos danos e dos prejuízos, por serem estes os factos que deveriam resultar provados para que os Autores viessem a ver reconhecido o incumprimento pelos Réus e o seu direito de receber indemnização. Não se lê nos pedidos que o valor peticionado na letra b) seja o correspondente à devolução da quota e dos suprimentos, antes, a teor da fundamentação dos prejuízos, decorre que o referido valor corresponde ao montante dos prejuízos que os Autores entenderam ter sofrido. 5.ª Diferentemente, relativamente ao objeto da Presente Ação, como se retira da petição inicial, a pretensão dos Autores nesta Ação é obter o reconhecimento de que detêm crédito sobre a Ré (que atendendo às alegações será a título de suprimentos no valor de € 952.259,58 e de compensação no valor de € 166.667,00, que equivale ao valor da quota); e, decorrente de tal reconhecimento, a condenação da Ré no pagamento de €1.118.926,58, acrescidos de juros. Atendendo aos pedidos e à causa de pedir, o objeto da Presente Ação está direta e unicamente relacionado à verificação da existência, ou não, de suprimentos na contabilidade da Ré em nome do Recorrente marido e ao direito à compensação, e, bem assim, da cessão, ou não, de tais suprimentos à “H” ao abrigo da procuração irrevogável, bem como do direito à compensação que o Recorrente tem, pela antiguidade dos ditos na Ré. De tal resulta que os factos principais da causa de pedir que conformam o seu objeto tem a ver com a específica questão dos suprimentos, que entendem os Recorrentes mantêm-se registados no nome do Recorrente marido, junto da Ré. Além disto, com o direito a uma compensação. 6.ª O simples facto de nas duas petições iniciais existirem alegações de alguns factos semelhantes, não conduz à necessária prejudicialidade. Pelo que, atendendo aos diferentes objetos das Ações, ou seja, aos diferentes objetos processuais, não existe nem particular, nem especial relação material do objeto processual da Presente Ação, com o objeto processual da causa anterior, ou seja, da Ação Precedente, não sendo admissível considerar que exista qualquer prevalência do sentido decisório da primeira Ação sobre a Presente Ação. 7.ª Em suma, a Sentença padece de vício por ter entendido que seria aplicável a autoridade do caso julgado, mesmo sem que no caso concreto exista identidade de sujeitos entre a Ação Precedente e a Presente Ação (nem mesmo sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica); e, por ter entendido que a desistência do pedido homologado por Sentença na Ação Precedente forma caso julgado material que abrange, inclusive, alegações dos Réus na sua contestação e a imaginária aceitação pelos Recorrentes (ali autores) da posição manifestada pelos mesmos, sendo que a desistência teve por efeito extinguir o direito do Recorrente marido aos suprimentos e ao valor da quota, a cujo direito, à luz do entendimento do Tribunal a quo, os Recorrentes renunciaram. A Ré/recorrida apresentou contra-alegações, concluindo por pedir que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida, para o que formula as seguintes conclusões: 1. A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se o Tribunal recorrido decidiu bem, ao julgar procedente a exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado, invocada na contestação. 2. Invocação esta que se sustentou na extinção do direito que os Autores pretendem fazer valer na presente ação, em virtude da desistência do pedido que formularam na ação que correu termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), homologada por sentença transitada em julgado. 3. É inquestionável – não sendo, sequer, questionado pelos Recorrentes -, que a sentença que homologa a desistência do pedido tem força de caso julgado material, sendo equiparada a uma sentença que julga improcedente a ação, com a consequente extinção do direito que o desistente pretendia fazer valer na mesma. 4. Como foi, desde logo, invocado pela Recorrida, de forma clara e expressa, na sua contestação, não está em causa a exceção de caso julgado – que assente na tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir – mas antes da autoridade do caso julgado, nos termos da qual um tribunal não pode reconhecer um direito que foi negado – ou declarado extinto – em ação anterior, por decisão transitada em julgado. 5. Aliás, a razão pela qual os Recorrentes instauraram a presente ação contra a Recorrida – e não contra qualquer dos Réus na pretérita ação – foi precisamente a de tentarem furtar-se à invocação da exceção de caso julgado, esquecendo-se que, para além desta – e não se confundindo com ela – temos também a autoridade do caso julgado, que no caso concreto também impede a procedência da pretensão que formulam nos presentes autos. 6. Devendo recordar-se que só o fizeram mais de quatro anos depois de terem desistido do pedido formulado na ação que correu termos com o n.º (…), já na pendência do processo crime contra o Autor, pela indevida apropriação do valor pedido nos presentes autos, nos termos descritos na contestação, sem que alguma vez tenham invocado ter a Ré qualquer tipo de responsabilidade perante os Autores. 7. Tendo em conta a matéria de facto julgada provada, o Tribunal recorrido decidiu – para além das questões acima elencadas, ou seja, a existência do instituto da autoridade do caso julgado, ou do seu efeito positivo, e que a sentença homologatória da desistência do pedido o produz, não impugnadas pelos Recorrentes – que no caso dos autos se verificava a exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado. 8. Revelando-se decisivo para a correção da sentença recorrida a identidade do direito que os Autores pretendem fazer valer nos presentes autos e a cuja titularidade renunciaram, ao terem desistido do pedido formulado nos autos que correram termos com o n.º (…), ou seja, o direito de receberem o valor dos suprimentos e da quota de que eram titulares na Ré, identidade esta que resulta, de modo cristalino, da matéria de facto julgada provada. 9. Ao desistirem do pedido que formularam na ação que correu termos com o n.º (…) os Autores não só renunciaram ao direito cuja titularidade se arrogavam, de receberem o valor dos suprimentos prestados à Ré e o valor da quota que nela detinham, que se extinguiu, mas reconheceram ainda que os Réus naquela ação eram os titulares destes direitos. 10. Se a mera renúncia ao direito, com a sua consequente extinção, já seria suficiente para que os Autores não pudessem vir instaurar a presente ação, por a tal se opor a força de caso julgado resultante da sentença homologatória da referida desistência do pedido, tal renúncia implicou ainda o reconhecimento de que a titularidade dos direitos em causa é dos Réus na pretérita ação. 11. Por esta razão, a eventual procedência da presente ação sempre conduziria a uma intolerável contradição, pois implicaria o reconhecimento de que o direito a receber o valor dos suprimentos e da quota pertenceria, em simultâneo, aos Autores e aos Réus na ação que correu termos com o n.º (…), quando o direito dos Autores se encontra extinto. 12. Ao contrário do que invocam os Autores, no seu recurso, trata-se de uma situação de intolerável contradição - pois não se pode reconhecer a alguém, por decisão judicial, um direito que se encontra extinto em virtude de sentença anterior transitada em julgado, nem que esse mesmo direito pertence a duas pessoas diferentes - que a nossa ordem jurídica não permite, constituindo o instituto do caso julgado material o instrumento técnico jurídico de que dispõe para a evitar. 13. No critério proposto por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, supra referido, o objeto da primeira ação condiciona o objeto da segunda, uma vez que na primeira ficou decidido, por sentença transitada, que o direito aos suprimentos e à quota que os Autores invocavam que detinham na Ré se extinguiu e pertence aos Réus nessa ação, pelo que constituiria uma intolerável contradição vir a decidir-se, em nova ação, que afinal são os Autores os titulares desses já extintos direito. 14. Ao que acresce a circunstância de a perda do alegado direito cuja titularidade os Autores se arrogavam ter resultado da sua manifestação de vontade livre e esclarecida, traduzida na desistência do pedido formulada nos autos que correram termos com o n.º (…). 15. Resulta do exposto que está devidamente demonstrado nos autos o requisito de que depende a existência da exceção processual inominada da força de caso julgado material, uma vez que os Autores, ao desistirem do pedido que deduziram na referida ação, provocaram a extinção deste direito e reconheceram que os titulares do mesmo eram os Réus nessa mesma ação, pelo que a procedência do pedido que deduzem nos presentes autos conduziria a uma intolerável contradição, que se traduziria na atribuição do mesmo direito – já extinto na esfera jurídica dos Autores, por sua manifestação de vontade - a pessoas diferentes, razão pela qual o presente recurso sempre terá de improceder. 16. Os Autores, no seu recurso, bem sabendo que não lhes assiste razão, embora se pronunciem sobre a exceção processual inominada da força do caso julgado, invocam que para a sua procedência teria de verificar-se a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, que constitui requisito da exceção processual do caso julgado. 17. Não lhes assiste qualquer razão, pelos motivos supra invocados, como bem se compreende por esta singela razão: se assim fosse, a autoridade do caso julgado não tinha qualquer autonomia perante a exceção do caso julgado, sendo que o reconhecimento do primeiro instituto tem como consequência prática o resultado oposto, ou seja, a possibilidade de aquela autoridade se impor, ainda que não ocorra a referida tríplice identidade, como é reconhecido, uniformemente, pela nossa jurisprudência e doutrina, supra citadas. 18. Sem conceder, deve ter-se presente que, ao contrário do que pretendem os Autores, a causa de pedir nas duas ações é a mesma, pelas seguintes razões. 19. Como resulta, entre outros, dos artigos 9.º a 19.º da correspondente petição inicial, a causa de pedir na ação que correu termos com o n.º (…) traduz-se na alegada celebração de um acordo entre os então cinco sócios da Ré, seus cônjuges e a sociedade “II”, Ld.ª, que teria sido formalizado nos termos constantes do Doc. n.º 16, junto com a petição inicial que deu origem a estes autos. 20. Do mesmo modo, como causa de pedir na presente ação os Autores invocam – como resulta, entre outros, dos artigos 53.º a 74.º da petição inicial – a alegada celebração, em junho de 2011, do mesmo “acordo de princípio”, em nome próprio, entre os então cinco sócios da Ré, seus cônjuges e a sociedade “II”, Lda. 21. Se dúvidas houvesse a este respeito, basta ter em conta o artigo 144.º da petição inicial, no qual os Autores expressamente invocam que “nos termos do acordo a que todos os sócios chegaram em 2011, a Ré está obrigada a cumprir o pagamento devido do valor total de € 1.118.926,58 um milhão, cento e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos)”. 22. Esta identidade é bem patente no esforço – embora manifestamente inglório, pelas razões que se invocam nos arts. 190. a 235.º da contestação – que os Autores empreendem nos artigos 145.º a 147.º da petição inicial que deu origem aos presentes autos, tentando construir uma tese peregrina, nos termos da qual a Ré estaria vinculada a este “acordo de princípio”, no qual não foi parte, bem como o que os Autores invocam, em sede de “Matéria de Direito”, nos artigos 191.º a 202.º. 23. Ou seja, os próprios Autores reconhecem que, para que a pretensão que formulam na presente ação pudesse ter alguma viabilidade – que não tem – seria necessário alegar e demonstrar que a Ré se encontraria vinculada ao sempre mencionado “acordo de principio”. 24. Esta atitude traduz o reconhecimento expresso de que este “acordo de princípio” é a causa de pedir que os Autores escolheram para sustentar o pedido que formulam nos presentes autos pois, se assim não fosse, não sentiriam a necessidade de, em peregrina invocação, alegarem que a Ré se encontra ao mesmo vinculada, apesar de não o ter subscrito. 25. Em síntese, apesar de se tratar de fundamentação manifestamente improcedente, e que sempre conduziria à improcedência da presente ação, a tentativa de os Autores demonstrarem que a Ré estaria vinculada ao sempre mencionado “acordo de princípio”, mediante a peregrina tese que invocam na sua petição inicial, bem demonstra que assumem que este constitui a causa de pedir nos presentes autos. 26. Por fim, os Autores invocam ainda que a identidade de sujeitos nas duas ações seria requisito necessário para que pudesse operar a exceção processual inominada da autoridade de caso julgado, fundada no seu efeito positivo, referindo que a solução oposta traduziria a violação da proibição de indefesa. 27. Como é óbvio, esta argumentação só vale para os casos em que se pretende invocar um direito que foi reconhecido por decisão judicial transitada em julgado contra um sujeito que não foi parte na ação anterior, já não no caso oposto, como o dos presentes autos, em que o que está em causa é impedir o exercício de um direito que foi julgado extinto por sentença transitada em julgado contra um sujeito que não foi parte na ação anterior. 28. Nestas situações, o terceiro em nada fica prejudicado com a autoridade do caso julgado, sendo completamente deslocado invocar-se que o seu direito de defesa ficou inviabilizado, uma vez que na decisão transitada em julgado, proferida na ação em que não foi parte, foi julgado que o Autor não era titular do direito que se pretende fazer valer contra o terceiro na nova ação. 29. Antes pelo contrário, a autoridade do caso julgado protege este terceiro, pois impede que o mesmo corra o risco de na nova ação vir a ser reconhecido, de forma contraditória com a decisão anterior, um direito que foi negado aos Autores na ação anterior, ainda que instaurada contra outros sujeitos. 30. Aliás, os Autores permitem-se fazer apelo ao acórdão do STJ, de 30 de Abril de 2024 (Proc. n.º 5765/03.5 TVLSB-A.L2.S1), citado na douta sentença recorrida, para sustentar a sua tese, mas truncando o mesmo, pois o que dele resulta é precisamente o oposto, em particular na seguinte passagem: Mesmo assim, não se afasta o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente em face de terceiros “juridicamente indiferentes” – a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos – e de terceiros que se arrogam ou se querem prevalecer da titularidade de uma relação ou da existência de uma posição jurídica compatível com a reconhecida no decisão transitada em julgado, relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do princípio do contraditório/direito de defesa.” (sublinhados nossos). 31. É precisamente este, como se viu, o caso dos presentes autos, uma vez que a Ré não só em nada é prejudicada – muito menos mediante a alegada violação dos princípios do dispositivo e do contraditório – com o reconhecimento da exceção processual inominada da força do caso julgado. 32. Ao invés, na qualidade de titular de uma relação ou posição jurídica compatível com a reconhecida na decisão transitada em julgado só tem a beneficiar – e por isso mesmo a invocou nestes autos – com o reconhecimento desta mesma exceção. 33. Deste modo, as considerações dos Recorrentes, bem como a doutrina e jurisprudência pelos mesmos citadas, são absolutamente deslocadas, porque no caso dos autos não está em causa, mediante a invocação do instituto da força do caso julgado, permitir o exercício de um direito reconhecido em ação anterior, por sentença transitada em julgado, contra terceiro, que nela não interveio – o que constituiria a tal ofensa dos princípios do dispositivo e do contraditório. 34. Ao invés, está em causa impedir o exercício de um direito cuja inexistência foi declarada por sentença transitada em julgado contra um terceiro que é titular de uma relação ou posição jurídica compatível com a reconhecida na decisão transitada em julgado. 35. É esta situação que se pretende evitar com o instituto da autoridade do caso julgado, ou dos efeitos positivos do caso julgado, como defende, entre outros, RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Revista Julgar, 2019, pp. 32-33 e se decidiu, a título de exemplo, numa situação em que não existia a identidade de sujeitos nas duas ações, no acórdão da Relação do Porto, de 13.06.2019, Proc.4640/17.0T8AVR-A.P1. 36. Por todas estas razões, bem andou a douta sentença recorrida, ao ter julgado procedente a exceção processual perentória inominada da força ou autoridade do caso julgado. Termina pedindo que julgue improcedente o recurso interposto pelos Autores, mantendo-se a sentença recorrida, que julgou procedente exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado, Colhidos os vistos legais cumpre conhecer e decidir. II. Objeto do recurso Sendo o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), a que acrescem as questões compreendidas no âmbito preventivo da ampliação do objeto do recurso, a apreciar a requerimento da parte vencedora com respeito pela previsão do art.º 636º, n.º1 do Código de Processo Civil, importa apreciar e decidir: - se a sentença homologatória da desistência do pedido proferida na ação proposta pelos autores e que correu os seus termos sob o n.º (…), transitada em julgado, vale na ação posterior proposta pelos mesmos autores contra a sociedade ré, que não interveio na primeira, como autoridade de caso julgado. III. Fundamentação De Facto O Tribunal proferiu a seguinte decisão de facto: Em sede de factualidade relevante para efeitos de decisão da exceção perentória invocada, temos por assente, com base em documentos, certidão judicial e acordo das partes, que: 1.º - Os aqui AA. intentaram contra “D”, “H” e a sociedade “II”, Ld.ª, a ação que correu termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), com o n.º (…), peticionando, para além do mais, condenação dos ali RR. ao pagamento da quantia de € 1.118.926,58 (um milhão, cento e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), correspondente € 952.259,58 (novecentos e cinquenta e dois mil duzentos e cinquenta e nove euros cinquenta e oito cêntimos) ao valor dos suprimentos que havia feito à Ré, e €166.667,00 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e sete euros) ao valor da quota que detinha, com os fundamentos constantes da mesma, conforme petição inicial junta com a certidão com a referência 15251900, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 2.º - No processo referido em 1., os ali RR. apresentaram contestação, alegando, para além do mais, que não celebraram o acordo de princípio junto aos autos, sendo que, porém, na sequência de dificuldades económicas da aqui R., os AA. renunciaram a qualquer direito quanto ao valor da quota e/ou suprimentos efectuados à mesma, com a condição de saírem da sociedade R. e ficarem desvinculados de qualquer obrigação (…), S.A., o que sucedeu, pelo que não têm direito ao pagamento de qualquer valor a título de valor de quota ou suprimentos efectuados, conforme contestação junta com a certidão com a referência 15251900, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 3.º - No processo referido em 1. os AA., em sede de audiência prévia realizada em 4 de Abril de 2019, desistiram do pedido formulado contra os, ali, RR., o qual foi homologado por sentença transitada em julgado, conforme acta junta com a certidão com a referência 15251900, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 4.º - Nos presentes autos, os AA. intentaram acção de processo comum contra “CC”, Lda., peticionando, para além do mais o reconhecimento do crédito e a condenação da R. no pagamento da quantia de € 1.118.926,58 (um milhão, cento e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), correspondente € 952.259,58 (novecentos e cinquenta e dois mil duzentos e cinquenta e nove euros cinquenta e oito cêntimos) ao valor dos suprimentos que havia feito à Ré, e €166.667,00 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e sete euros) ao valor da quota que detinha, com os fundamentos constantes da mesma, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido. Há ainda a considerar os seguintes factos resultantes da certidão junta aos autos sob a Ref. n.º 15251900 à qual se teve acesso informático: - No processo que correu termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), com o n.º (..) em que eram autores os aqui autores e RR. “D”, “H” e a sociedade “II”, Ld.ª fundamentaram os primeiros o seus pedido alegando em síntese que: O Autor “A” foi sócio da sociedade “CC”, Lda., sendo titular de uma quota no valor nominal de €166.667,00; no âmbito do seu objeto social a referida sociedade “CC” procedeu à aquisição de um terreno, tendo para tanto, contraído um financiamento bancário para o efeito e deu início ao projeto; face às condições de mercado e atento o desenvolvimento do projeto, verificou-se a necessidade de obter verbas adicionais para possibilitar o andamento das obras e a sua futura conclusão, porquanto apesar de ainda existir saldo para utilização do financiamento originalmente obtido junto (…) o ora Réu “D” opôs-se a que o mesmo fosse logo utilizado; uma vez que não era possível obter novo financiamento bancário em nome da sociedade, os sócios reuniram e foi discutida a situação financeira da empresa, tendo o Réu “D” (igualmente sócio da sociedade “CC”) insistido que a melhor solução para a estratégia financeira da empresa deveria passar pelos sócios efetuarem prestações suplementares à sociedade com vista a obter dos fundos necessários para o desenvolvimento do projeto, bem sabendo que com tal posição iria causar constrangimentos aos restantes sócios; atenta a crise económica que atingiu a Europa e o nosso país em particular, quer o ora autor “A” quer outros sócios da sociedade “CC” não tinham então disponibilidade financeira para reforçar a sua participação social, nomeadamente com a concretização de prestações suplementares; Face a tal situação o Réu “D”, porque naquele momento tinha uma situação financeira distinta dos restantes sócios, propôs-se fazer um acordo com estes, designadamente com o ora autor que implicaria que os sócios que não pudessem acompanhar o Réu no aumento de capital da sociedade “CC” ou na realização de prestações suplementares, se dispusessem a ceder-lhe a custo zero as suas quotas para que este pudesse controlar sozinho a atividade da empresa e levar para a frente o projeto imobiliário supra identificado, sempre na condição de prioritariamente a sociedade “CC” proceder à construção do hotel e tendo ficado expressamente consignada a hipótese de que qualquer um dos sócios que procedesse nesses termos à cessão da sua quota a favor do Réu “D” ou quem este indicasse para esse efeito, poderia retomar a sua posição social na sociedade “CC”, pelo preço correspondente ao custo de construção do hotel acrescido de 25% de majoração; para titular tal acordo, AA e RR outorgaram um documento que apelidaram de “ACORDO DE PRINCIPIO” em 17 de Junho de 2011; face ao acordo atingido, e atuando de manifesta boa-fé e na convicção de que o mesmo seria cumprido por todos os intervenientes, os AA procederam conforme combinado e outorgaram uma procuração irrevogável a favor do Réu “D” conferindo-lhe poderes para vender à Ré “H” a totalidade das quotas de que “A” era titular na sociedade “CC” e bem assim todos os suprimentos que até então o mesmo havia efetuado a tal sociedade; aquele acordo foi subscrito na convicção de que com a construção do hotel e com a alteração das suas condições financeiras, sempre poderiam voltar a reaver todo o capital investido na sociedade “CC” e beneficiar do sucesso do projeto imobiliário a que se haviam dedicado durante anos; foi combinado entre as partes aquando da celebração de tal acordo que mesmo na hipótese de os AA não pretenderam readquirir a sua quota sempre teriam direito a lhe ser restituído o capital e suprimentos efetuados na sociedade “CC” se o empreendimento hoteleiro viesse a ter resultados positivos nos 36 meses subsequentes à data da assinatura do referido acordo; Contudo, contrariamente a tudo o que havia sido conversado entre as partes e que levou à realização dos negócios supra referidos, a verdade é que os RR ficaram com as quotas dos AA na sociedade “CC” mas nunca procederam à construção do Hotel no prazo de três anos; os AA vieram a tomar conhecimento de que os RR teriam antes procedido à utilização do financiamento bancário que havia sido concedido à “CC” para a construção do hotel, na construção de apartamentos habitacionais para revenda, de onde terão auferido consideráveis receitas que fizeram suas mas impedindo assim os AA de ter o direito de readquirir as suas quotas na sociedade bem como serem ressarcidos dos suprimentos efetuados; os RR não cumpriram com as obrigações assumidas no “ACORDO DE PRINCIPIO” celebrado em 17.06.11 porquanto não procederam à construção do Hotel nos termos convencionados nem procederam à restituição dos suprimentos aos sócios cedentes, designadamente aos ora AA, assistindo-lhes, nos termos do acordado, a ser indemnizados pelos RR., pelos danos a que o incumprimento deu lugar, concretamente o valor nominal da quota que o autor Sabir detinha na empresa “CC” no valor de €166.667,00 e o valor que tinham pessoalmente investido no negócio correspondente ao valor dos suprimentos efetuados pelo sócio “A” no montante de €952.259,58, a que acrescem despesas. * Do mérito do recurso A decisão recorrida julgou procedente a exceção perentória de autoridade de caso julgado invocada pela ré e, em consequência absolveu-a dos pedidos contra ela formulados pelos autores em face da desistência do pedido no processo que correu termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), em que eram autores, os aqui autores e réus “D”, “H” e a sociedade “II”, Ld.ª contra o que se insurge o apelante, por entender que autoridade de caso julgado não tem qualquer aplicabilidade ao caso sub judice. Vejamos se assim é. Temos por assente que os aqui AA. intentaram contra “D”, “H” e a sociedade “II”, Ld.ª, a ação que correu termos pelo Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, (…), com o n.º (…), peticionando, para além do mais, a condenação dos ali réus ao pagamento da quantia de € 1.118.926,58 (um milhão, cento e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), correspondente € 952.259,58 (novecentos e cinquenta e dois mil duzentos e cinquenta e nove euros cinquenta e oito cêntimos) ao valor dos suprimentos que havia feito à Ré, e €166.667,00 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e sete euros) ao valor da quota que detinha. Subjacente a tal pedido invocam: i) a formalização em 17 de Junho de 2011 de um acordo que denominam de “ACORDO DE PRINCIPIO”; em face do qual, atuando de manifesta boa-fé e na convicção de que o mesmo seria cumprido por todos os intervenientes, procederam conforme combinado e outorgaram uma procuração irrevogável a favor do Réu “D” conferindo-lhe poderes para vender à Ré “H” a totalidade das quotas de que o autor “A” era titular na sociedade “CC” e bem assim todos os suprimentos que até então o mesmo havia efetuado a tal sociedade; ii) que foi combinado entre as partes aquando da celebração de tal acordo que mesmo na hipótese de os autores não pretenderam readquirir a sua quota sempre teriam direito a lhe ser restituído o capital e suprimentos efetuados na sociedade “CC” se o empreendimento hoteleiro viesse a ter resultados positivos nos 36 meses subsequentes à data da assinatura do referido acordo; iii) que, contrariamente a tudo o que havia sido conversado entre as partes e que levou à realização dos negócios supra referidos, os réus ficaram com as quotas dos autores na sociedade “CC” mas nunca procederam à construção do Hotel no prazo de três anos; iv) que os réus teriam antes procedido à utilização do financiamento bancário que havia sido concedido à “CC” para a construção do hotel na construção de apartamentos habitacionais para revenda, de onde terão auferido consideráveis receitas que fizeram suas mas impedindo assim os autores de ter o direito de readquirir as suas quotas na sociedade bem como serem ressarcidos dos suprimentos efetuados; v) que os réus não cumpriram com as obrigações assumidas no “ACORDO DE PRINCIPIO” celebrado em 17/06/2011, assistindo-lhes, nos termos do acordado, a ser indemnizados pelos réus, pelos danos a que o incumprimento deu lugar, concretamente o valor nominal da quota que o autor “A” detinha na empresa “CC” no valor de €166.667,00 e o valor que tinham pessoalmente investido no negócio correspondente ao valor dos suprimentos efetuados pelo sócio “A” no montante de €952.259,58, a que acrescem despesas. Nos presentes autos, intentada pelos mesmos autores contra a ré “CC”, pedem os primeiros, além do mais, que seja reconhecido que detêm um direito de crédito sobre a sociedade ré no valor total de € 1.118.926,58 (um milhão, centos e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos) e consequentemente que a ré seja condenada a pagar aos autores o respetivo crédito no valor total de 1.118.926,58 (um milhão, centos e dezoito mil, novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora civis, à taxa legal, desde a citação da ré até efetivo pagamento. Como fundamento do pedido, pretendendo agora que a ré seja condenada no pagamento da quantia de correspondente ao valor de todo o investimento por eles efetuado na apelada e que corresponde ao valor dos suprimentos efetuados pelo autor na sociedade ré, no montante de €952.259,58 e da quantia de €166.667,00, relativo ao valor nominal da quota que detinha naquela sociedade, a título de compensação. Para o efeito alegam os autores/apelantes que: aportaram valores em suprimentos à ré; que se viram obrigados a celebrar um acordo por não terem capacidade para efetuar os suprimentos que foram acrescidamente exigidos pelo sócio “D”, celebraram o acordo, formalizado pelo denominado “Acordo de Principio” na condição de terem direito ao reembolso da totalidade do investimento feito, de forma que os suprimentos deveriam permanecer em nome dos sócios cedentes até ao seu reembolso (artigo 52º e 55º da PI), a devolução do investimento foi condição de formalização do acordo, portanto prévia (art.º 63º da PI), a outorga da procuração foi feita pelos autores na convicção de que sempre poderiam voltar a deter a quota objeto da cessão ou, de reaver todo o capital investido na sociedade Ré, nomeadamente, neste caso, de lhe serem restituídos os suprimentos efetuados e devolvido o valor nominal da quota, a titulo de compensação (art.º 79º), para cumprimento do acordo, os suprimentos deveriam manter-se na contabilidade em nome do 1º Autor, não podendo ser transmitidos a quem quer que fosse (art.º 82º) pese embora na procuração irrevogável ter constado poder proceder a venda dos suprimentos, o que se justificou para eventual acerto de contas, no caso de a quota ser reavida pelos Autores (artigo 83), só foi cedida a quota e não os suprimentos. Assim, na presente ação, e apesar de alegarem o incumprimento do acordo pelo sócio “D”, o suporte essencial do pedido é a existência de um crédito dos autores sobre a ré (artigo 90º), a invocação de que os suprimentos não foram cedidos, nem restituídos e que permanecem contabilisticamente identificados na ré (artigo 114º e ss.). Ou seja, apesar de alegarem (artigos 94º e 102º da PI) o incumprimento daquele acordo formalizado no que denominaram “Acordo de Principio”, e que, contrariamente ao acordo estabelecido, o investimento não foi restituído (artigo 108º), a verdade é que não fazem assentar o seu direito neste elemento essencial, mas antes na capacidade financeira da ré para o reembolso dos suprimentos e na obrigação de reembolso de todo o investimento efetuado que corresponde ao montante dos suprimentos e ao valor nominal da quota, que é o pedido formulado na presente ação. Do exposto resulta que, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, embora exista coincidência quanto ao montante líquido do pedido formulado, não existe identidade de causa de pedir. Na ação precedente o pedido tinha como causa de pedir um contrato celebrado entre os sócios, contrato parassocial (convenções celebradas entre todos ou alguns dos sócios relativos ao funcionamento da sociedade, ao exercício dos direitos sociais ou à transmissão das quotas ou ações) previstos no art.º 17º do CSC (o que, de resto, como tal, é pressuposto pela apelada na contestação – artigos 209 a 214), acordo que só pode ter e tem como partes os sócios; na presente ação, o pedido tem como causa de pedir um contrato celebrado entre o sócio e a sociedade, ou seja, o direito de crédito que o contrato de suprimentos gera em beneficio do sócio que os presta, independentemente de manter ou não a qualidade de sócio, dada a autonomia jurídica entre o crédito de suprimentos e a quota social do sócio que os prestou e que só pode ter e tem como sujeitos passivo a sociedade à qual foi prestado. Porém, o acordo que foi celebrado não é constitutivo do direito do crédito a titulo de suprimentos, mas antes e apenas da definição dos termos do cumprimento do seu reembolso, que, no caso, pouco acrescenta às condições que a lei define para o reembolso dos suprimentos que é a existência de meios na sociedade suficientes para o fazer, alegação em que, como se viu, a apelante faz assentar o seu pedido. E, assim sendo, apenas a sociedade ré é obrigada à sua devolução. Ora, a ação que correu termos sob o n.º (…) veio a ser extinta em consequência da sentença homologatória da desistência do pedido ali formulado pelos autores, já transitada em julgado. A sentença recorrida considerou que a desistência do pedido operada pelos autores naquele processo, devidamente homologada por juiz, formou caso julgado material e determinou a extinção do direito que os autores aí pretendiam fazer valer. Com efeito, como resulta do art.º 285º, nº 1, do CPC, a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer. Referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Vol. I, pág. 577, que este preceito exprime a afirmação da direta atuação do negócio de autocomposição do litigio sobre a situação jurídica (material) que é objeto do pedido, a qual, quer existisse, quer não, anteriormente, é objeto de um negócio que opera como facto extintivo, precludindo a questão da sua existência ou conformação anteriores. A subsequente sentença homologatória (art.º 290º, n.º 3) é, por conseguinte, proferida perante realidade jurídica que o autor livremente alterou na pendência da instância e a sentença proferida é dotada de foça de caso julgado material (art.º 619º do CPC) ao contrário do que ocorre com a desistência da instância que consiste na declaração expressa do autor de que quer renunciar à ação proposta, sem simultaneamente renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer. Diversamente do negócio de autocomposição do litígio que constitui a desistência do pedido, a desistência da instância não opera sobre as situações jurídicas materiais que constituem o objeto do processo, sendo a sentença homologatória proferida dotada de força de caso julgado formal (art.º 620º do CPC). De facto, diferentemente da desistência da instância, a desistência do pedido - que pode ser total ou parcial (artigo 283.º, n.º 1, do CC) -, é um “acto jurídico unilateral” que pode ter lugar em qualquer fase do processo, sendo, por isso mesmo, “inteiramente livre”, e não dependendo da concordância da contraparte, constituindo, no ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 205 e 206) o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado. Diferentemente da desistência da instância, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu (ou no caso de uma ação de simples apreciação negativa, de que a situação por ele negada realmente existe) A desistência do pedido extingue a situação jurídica que o autor pretendia tutelar (art.º 295º, n.º1). Nas palavras de Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 477 “A desistência do pedido é igualmente um ato unilateral do autor que implica o abandono, ou melhor, a renúncia à pretensão que o autor formulara. Quando desiste do pedido, o autor reconhece implicitamente que a sua pretensão judicial é infundada; porque se convenceu do que não tem razão, retira o pedido que enunciara, renuncia a ele.” Tratando-se a desistência (assim como a confissão ou a transação) de negócio de autocomposição do litígio, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Ob. Cit., pág. 587 que o juiz, verificado que o ato é válido e que é pertinente para o processo, profere sentença homologatória, que, embora não aplicando o direito objetivo aos factos provados na causa, constitui uma sentença de mérito, como tal absolvendo o réu do pedido, extinguindo, como se disse, a situação jurídica que o autor pretendia tutelar. A sentença homologatória da desistência do pedido tem o efeito de constituir caso julgado material (arts. 291º, n.º 2 e 619º, n.º1), com o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável ao autor, ou seja, a sentença homologatória forma caso julgado material impeditivo da invocação do mesmo direito noutra ação entre os mesmos sujeitos (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 369). Mas a extinção (ou constituição) da situação jurídica provocada pela desistência do pedido releva, também, em todas as situações nas quais a existência desse direito constitua uma questão prejudicial para a apreciação de um outro objeto. Mantém, por isso, atualidade a jurisprudência fixada pelo Assento n.º 6/88 (Ac. do STJ de 15/06/1988, DR, I Série, 1/08/88), segundo o qual “o desistente do pedido de simples apreciação prescinde do conhecimento do respetivo direito e, por isso, o caso julgado impedi-lo-á de estruturar nele um pedido de condenação”. (Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Ob. Cit., pág. 206). Aqui chegados, tendo por assente o efeito do caso julgado material produzido pela sentença homologatória da desistência do pedido, mediante o qual o autor reconhece implicitamente que a sua pretensão judicial é infundada e se extingue a situação jurídica que pretendia tutelar, importa apurar se a sentença homologatória da desistência do pedido proferida na ação com o n.º (…), tem força de caso julgado material no âmbito do presente processo e se esse caso julgado material se projeta na presente ação na sua “eficácia positiva, relativa à vinculação subjetiva à não contradição e à repetição adjetiva da decisão sobre a situação substantiva” (Cfr. Teixeira de Sousa, in O objecto da sentença e o caso julgado material, in BMJ, nº 325, pág. 159) ou antes, se aqui se projeta como impedimento subjetivo à repetição do conteúdo do aí decidido e (simultaneamente) à contradição do conteúdo dessa decisão (Cfr. Teixeira de Sousa, In Ob. Cit. pág. 179.), caso em que o caso julgado material vale como autoridade de caso julgado, isto é, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior (cf. ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/08/2014, proferido no processo n.º 600/14TBFLG.G1, relator Jorge Teixeira e de 17/12/2013, proferido no processo n.º 3490/08.0TBBCL.G, relator Manuel Bargado, ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt). Em síntese, importa saber se a existência do direito invocado na primeira ação constitui questão prejudicial para a apreciação do objeto da segunda, como se entendeu na decisão recorrida. A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC, dá expressão legal ao efeito negativo do caso julgado, pressupondo uma particular relação entre ações judiciais: a relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1 que ocorre se os sujeitos, o pedido e a causa de pedir da segunda ação são os mesmos que os da ação já transitada em julgado, a qual foi afastada pela decisão recorrida, desde logo, por não se verificar a identidade de sujeitos. Pese embora serem os mesmos os autores, são diversos os réus. A autoridade do caso julgado, julgada verificada na decisão recorrida, tem um efeito positivo de impor a primeira decisão quanto a determinada questão a uma segunda decisão de mérito a proferir. Rui Pinto in “Excepção e Autoridade de Caso Julgado”, Revista Julgar Online, Novembro de 2018, pág. 6. sustenta que a força obrigatória do caso julgado desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado: “O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577º, alínea i), segunda parte, 580º e 581º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo ne bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.” Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos distintos mas materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/05/2022, proferido no processo n.º 16638/20.7T8PRT-A.P1, relator Jorge Seabra, disponível para consulta in www.dgsi.pt): “a autoridade de caso julgado impõe na acção posterior e com objecto distinto a anterior decisão transitada em julgado, quando esta última decisão se mostre, de um ponto de vista substantivo, como prejudicial ou condicionante da decisão de mérito a proferir na acção subsequente.” Neste contexto, como vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência dominante, a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida. (cf. os Acórdãos do STJ de 06.03.2008, proferido no processo n.º 08B402, relator Oliveira Rocha, de 2/06/2021, proferido no processo n.º 2381/19.3T8CBR.C1.S1, relator Tibério Nunes da Silva, de 13.11.2011, de 26/02/2019, proferido no processo n.º 4043/10.8TBVLG.P1.S1, relator Pinto de Almeida, da Relação de Lisboa de 18/04/2013, proferido no processo n.º 2204/10.9TBTVD.L1-2, relatora Ondina Alves, todos disponíveis in www.dgsi.pt). Como refere Rui Pinto in Ob. Cit, pág. 26 “a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado.” Porém, terá de estar sempre em causa, em ambos os processos, a mesma questão jurídica já previamente decidida no processo anterior (questão prejudicial), o que determina a irrelevância da questão de saber se existe ou não identidade de pedido e de causa de pedir, como se concluiu na decisão recorrida e contra o que se insurge o apelante nas suas alegações recursivas, argumentando que, ao contrário do que sucedeu na ação precedente, os factos principais da causa de pedir que conformam o objeto da presente ação têm a ver com a específica questão dos suprimentos, que entendem manter-se registados no nome do Recorrente marido, junto da Ré e além disto, com o direito a uma compensação equivalente ao montante da quota e que corresponde à totalidade do investimento aportado pelos apelantes junto da ré. No caso da ação precedente e da presente, são diversos os sujeitos. São distintos os réus nesta ação e na precedente o que, na ótica dos apelantes, obsta à verificação da exceção de autoridade de caso julgado (conclusão 2). Já vimos que a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Todavia, como avança Rui Pinto, in Ob. Cit., pág. 28, para que se verifique a força vinculativa do caso julgado fora do seu objeto processual devemos acrescentar uma condição subjetiva: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2 do CPC e isto porque como defendido nos Acórdãos do STJ de 18/06/2014, relator Abrantes Geraldes e de 28/06/2018, proferido no processo n.º 2147/12.1YXLSB.L2.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt., seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa. Como se lê nos acórdãos citados: «O objetivo de evitar toda e qualquer contradição lógica entre duas sentenças judiciais, ainda que proferidas em processos diferentes, não pode justificar que, contra as mais elementares regras processuais, se façam repercutir numa ação que corre entre determinados sujeitos os efeitos decorrentes de uma sentença proferida noutro processo que correu entre outros sujeitos.» (…) «Sem pretender esgotar os argumentos impeditivos de uma solução tão estranha como a acolhida no acórdão recorrido, basta anotar que, a ser aceite, tal representaria, além do mais, uma flagrante violação do princípio do contraditório que, tal como Castro Mendes ensinava em Direito Processual Civil, II vol., pág. 781, determina, além do mais, que “o caso julgado não pode prejudicar terceiros que não intervieram no processo”». Em idêntico sentido o Acórdão do STJ de 19/09/2024, proferido no processo n.º 3042/21.9T8PRT.S2, relator Fernando Batista, disponível para consulta in www.dgsi.pt. em cujo sumário se lê que: “A figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objectiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjectiva entre as duas causas.” Como refere Rui Pinto in Ob. Cit, Loc. Cit.: desta regra decorre então que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio. Não obstante, para este efeito, “terceiro” é o que decorre a contrario da definição legal do artigo 581.º, n.º 2 do CPC: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro. E, assim sendo, é ainda parte o sujeito que não esteve no processo (terceiro processual), mas está na relação jurídica que foi julgada. Tendo por assente que a ré/apelada não foi parte na ação precedente, coloca-se então a questão de saber se poderá ela opor a uma dessas partes, concretamente aos aqui apelantes, aquela decisão, como entendeu a decisão recorrida e defende a apelada, para tanto argumentando que o que está em causa é impedir o exercício de um direito que foi julgado extinto por sentença transitada em julgado, situação em que o terceiro em nada fica prejudicado com a autoridade do caso julgado, que, pelo contrário, fica protegido pois impede que o mesmo corra o risco de na nova ação vir a ser reconhecido, de forma contraditória com a decisão anterior, um direito que foi negado aos autores na ação anterior, ainda que instaurada contra outros sujeitos. Respondendo à questão, diz-nos Rui Pinto, in Ob. Cit., pág. 31 que a resposta é positiva graças aos mecanismos de extensão do caso julgado a terceiros, por força da lei ou pela sua vontade, constituindo a primeira um mecanismo de imposição de caso julgado alheio e a segunda, um mecanismo de adesão ao caso julgado alheio. A lei pode admitir mecanismos de extensão eventual do caso julgado a terceiros mediante extensão do caso julgado a terceiros secundum eventum litis, em que o terceiro tem a faculdade de fazer seus os efeitos da sentença para os opor à parte contrária (é o que se passa no caso das obrigações solidárias), admitindo-o ainda nos casos em que a lei nada diga porquanto a limitação inter partes do caso julgado se justifica pela necessidade de proteger quem não se pode defender, se é o próprio a querer “usar” da decisão, será de defender a existência de um princípio de adesão ao caso julgado alheio. O único limite será, naturalmente, a indisponibilidade substantiva dos respetivos direitos. Isto mesmo se considerou no Acórdão do STJ de 30/04/2024, proferido no processo n.º 5765/03.5TVLSB-A.L2.S1, Relator Ricardo Costa, disponível para consulta in www.dgsi.pt no qual se pode ler que: “(…) não se afasta o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente em face de terceiros “juridicamente indiferentes” – a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos – e de terceiros que se arrogam ou se querem prevalecer da titularidade de uma relação ou da existência de uma posição jurídica compatível com a reconhecida no decisão transitada em julgado, relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do princípio do contraditório/direito de defesa.” Seria, pois, possível, a ocorrência da força da autoridade de caso julgado, ainda que os sujeitos na primeira ação e na precedente fossem diversos. Também não existe, como se viu, identidade de causa de pedir no que diz respeito ao pedido de devolução da quantia que alegadamente se mostra contabilisticamente registada a título de suprimentos - não foram transmitidos a terceiros, ficando na esfera jurídica da apelada e que, por tal motivo os deve devolver aos apelantes – arts. 245º do CSC e 777º do Código Civil. E, também não ocorre tal identidade, no que diz respeito ao montante peticionado a título de compensação pelo valor da quota no montante de € 166.667, porquanto, como vimos, a razão de ser dessa devolução, embora assentando no imputado incumprimento do acordo formalizado no denominado “Acordo de Principio”, integra o montante total da quantia que os apelantes alegam constituir o montante do investimento que aportaram à apelada (suprimentos anteriormente efetuados e valor da quota cedida, a titulo de compensação, para o caso de não voltarem a reingressar na sociedade como sócios). Entendeu-se na sentença recorrida que, atento o teor da contestação apresentada naquele processo, no âmbito da qual se alegou que os aqui apelantes renunciaram ao direito de receber o valor da quota e dos suprimentos condicionado à libertação dos mesmos de qualquer responsabilidade para com (…), o que se veio a verificar. Ao desistirem do pedido naquela ação os apelantes concordaram que assim foi, ou seja, aceitaram a defesa dos RR. de que não têm direito a reaver quaisquer suprimentos ou valor da quota porquanto tais quantias pertencem aos réus. No entanto, a desistência do pedido, não tem este efeito, como se verá adiante. Com efeito, e como notam os apelantes nas suas conclusões recursivas (conclusão 3ª) o que é essencial para se aferir da autoridade de caso julgado é aferir do objeto da causa, isto é, é essencial fazer o cotejo entre o objeto das duas ações. O que importará, antes, é considerar se o que está em causa em ambas as ações é a mesma questão jurídica, previamente decidida, a relação de prejudicialidade, a que Rui Pinto, in Ob. Cit, pág. 27, denomina de “condição objetiva positiva” do efeito positivo externo do caso julgado que consiste na existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor, admitindo-se a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão ao passo que na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão. Dito isto, ao invés do que se entendeu na sentença recorrida, a questão que releva para responder à procedência ou improcedência da exceção de autoridade de caso julgado, é saber, desde logo, em que medida é que a desistência do pedido ocorrida na ação com o n.º (…) condiciona ou vincula a decisão de mérito a proferir nestes autos, sendo que, como acima se expôs, só existindo uma relação de prejudicialidade entre os objetos processuais em concurso será possível afirmar-se a exceção da autoridade de caso julgado. Já antes se referiu que, na ação precedente os autores pediam a condenação dos ali réus ao pagamento da quantia de € 1.118.926,58, correspondente € 952.259,58 ao valor dos suprimentos que o autor havia feito à Ré, e € 166.667 ao valor da quota que detinham, a titulo de indemnização, no pressuposto no incumprimento pelos réus do acordo formalizado pelo documento que denominaram de “Acordo de Principio” firmado em 17 de junho de 2011 e na sequência do qual outorgaram uma procuração irrevogável a favor do ali Réu “D” conferindo-lhe poderes para vender à ali Ré “H” a totalidade das quotas de que o autor “A” era titular na sociedade “CC” (aqui ré) e bem assim todos os suprimentos que até então o mesmo havia aportado a tal sociedade. Por outro lado, é pacífico que os autores desistiram dos pedidos formulados naquela ação precedente contra os ali réus (“D” e mulher, “H” e “CC”, LD.ª), sendo essa sua desistência do pedido foi homologada por sentença transitada em julgado. Vimos também que a sentença judicial homologatória de uma desistência do pedido, devidamente transitada, produz eficácia de caso julgado material em relação ao direito que o desistente pretendia fazer valer naquela ação e, muito embora não se tenha procedido à apreciação do mérito da causa por via do julgamento, tudo se passa ou equivale a como se o tribunal o tivesse feito e nele concluísse que o autor/desistente não tinha razão, ou seja, que não lhe assistia o direito que ali invoca. Nesta perspetiva, a desistência do pedido pelo autor traduz o reconhecimento de que o mesmo não tinha o direito que pretendia acionar, ficando, pois, a composição do litígio definitivamente resolvida com a declaração de que o autor não tem o direito que invocou, tudo se passando como se a ação tivesse sido julgada improcedente (cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.06.2018, proferido no processo n.º 364/05.0TBCMN-K.G1, relator José Flores, disponível para consulta in www.dgsi.pt). No entanto, este reconhecimento – da inexistência do direito por força da desistência do pedido – opera apenas em relação ao réu ali demandado e não também relativamente a quem não está na ação da qual desistiu, porque, por exemplo, pode ter chegado à conclusão que demandou a pessoa errada já que quem lhe deve é outrem. Também não implica o reconhecimento de que aceitaram a defesa dos RR. constante da contestação de que não têm direito a reaver quaisquer suprimentos ou valor da quota porque este constituiu contrapartida da desoneração das obrigações assumidas perante o financiador bancário. A desistência do pedido não tem por efeito o reconhecimento dos factos alegados na contestação como impeditivos do seu direito. Por último, a autoridade do caso julgado pressupõe o prosseguimento da primeira ação e a apreciação do seu mérito, sendo na apreciação do pedido da segunda ação que releva o que foi decidido na precedente. Ou seja, em face da desistência do pedido, o que transitou e se tornou indiscutível para futuro (para o tribunal que proferiu tal sentença ou para qualquer outro tribunal) foi que pelo concreto fundamento ali invocado, os autores não tinham o direito que alegavam em relação aos ali réus, fundado no incumprimento pelos ali réus do acordo firmado e formalizado no denominado “Acordo de Principio” e por consequência a serem ressarcidos/reaverem para si o montante relativo ao valor dos suprimentos efetuados pelo autor na aqui ré “CC” e ao valor da sua quota nesta sociedade, a titulo de compensação, pelos réus, não excluindo, naturalmente, o direito que a posteriori, pretendem fazer valer contra a ré, a cujo acordo de principio alegam estar vinculada (cf. artigos 145 e ss. da petição inicial). A vinculação da ré ao acordo inicial quanto ao montante peticionado, tem aqui que ver com o mérito da ação, subtraída, por isso, ao âmbito da autoridade do caso julgado. É precisamente esta a pretensão que os autores formulam agora contra a ré “CC” – de reaverem para si o valor da totalidade do investimento realizado na ré que corresponde ao valor dos suprimentos efetuados pelo autor os quais não foram vendidos e que, por isso, se mantêm na disponibilidade da ré, que tem capacidade para os pagar, e do valor da sua quota nesta sociedade, a titulo de compensação –, ainda que, quanto a este, com substrato no acordo firmado com os então cinco sócios e suas mulheres, formalizado no documento que denominaram “Acordo de Principio”, ao qual também vinculam a ré. Nesta perspetiva, o “conflito” a dirimir na presente ação não é o mesmo subjacente à ação com o n.º (…). Nesta, era o incumprimento do acordo firmado entre os sócios e os seus cônjuges e os seus efeitos em termos de restituição dos autores à situação anterior à da sua celebração. Nos presentes autos, discute-se a obrigação de restituição pela ré/apelada do valor dos suprimentos e do valor da quota a título compensatório com base em fundamento jurídico diverso. O acordo celebrado entre os sócios e a que vinculam, igualmente a sociedade ré, constituiu, nesta ação, a justificação que os autores adiantam para não terem renunciado ao direito a serem compensados do investimento feito na sociedade e justificarem a motivação financeira (da qual fazem o correspondente enquadramento) que determinou a outorga da procuração irrevogável, ao invés de uma base de formalização das obrigações contratuais cujo incumprimento suporta o pedido, como sucedeu na ação precedente. E, nessa medida, o que se retira da desistência do pedido anterior não é uma definitiva renúncia aos seus direitos sociais, mas apenas a aceitação definitiva de que o imputado incumprimento pelos réus ali demandados do clausulado do acordo não é causa de obrigação de indemnizar, constituindo a desistência do pedido renúncia ao direito de crédito, que tem a sua fonte na obrigação de indemnizar resultante do incumprimento contratual, em relação a eles. É por isso que concluímos, que mesmo estando a presente ação centrada no invocado acordo formalizado no denominado “Acordo de Principio”, não se mostra definitivamente prejudicada por força da autoridade do caso julgado, a possibilidade de exercício dos invocados direitos sociais perante a sociedade, decorrentes da globalidade do investimento nela feito, direitos aos quais, insistem na sua alegação, os apelantes não renunciaram. Em face do exposto, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida não existe possibilidade de contradição quanto ao decidido de mérito na anterior ação quanto à apelada, porquanto, e quanto a ela, que não era parte na ação, nem integrante da causa de pedir ali invocada, não se pode defender que a desistência do pedido equivalha à renúncia ali operada ao recebimento do valor dos suprimentos efetuados pelo apelante na sociedade ré e do valor da quota, a titulo de compensação. O reconhecimento face ao pedido de condenação dos réus de que não existia, na sua esfera jurídica, o direito de deles receber as quantias peticionadas, operada por efeito da desistência do pedido, não surge nesta ação, como condição para apreciação do seu objeto e daí a inexistência de relação de prejudicialidade entre ambas, a presente e a precedente. Aqui chegados, como viemos de expor, não estando verificada a situação de prejudicialidade entre a sentença homologatória da desistência do pedido formulada pelos autores, no processo com o n.º (…), ali também autores, e por consequência a extensão dos seus efeitos à ré, que, embora terceiro face àquela ação, se pretende prevalecer daquela decisão transitada em julgado, não ocorre a invocada autoridade de caso julgado, procedendo a apelação e revogando-se a sentença recorrida que julgou procedente a autoridade de caso julgado invocada pela apelada e, em consequência a absolveu dos pedidos contra ela formulados pelos apelantes, determinando-se o prosseguimento da ação, e nesse seguimento, também, a apreciação dos fundamentos integradores do pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé formulado pela ré/apelada. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 1ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida que julgou procedente a autoridade de caso julgado invocada pela Ré e, em consequência a absolveu dos pedidos contra ela formulados por “A” e “B”, e bem assim os absolveu do pedido de condenação como litigante de má fé formulada pela ré ordenando-se, em consequência o prosseguimento dos autos, com o conhecimento a final da eventual procedência do pedido de litigância de má fé formulado pela ré. Custas pela apelada (art.º 527º do CPC). Registe e notifique. Lisboa, 28-01-2025 Susana Santos Silva Ana Rute Costa Pereira Amélia Sofia Rebelo |