Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
| Descritores: | PROCESSO ABREVIADO REMISSÃO PARA AUTO DE NOTÍCIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/02/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | Tratando-se de processo na forma abreviada, a mera remissão para o auto de notícia por flagrante delito cumpre as exigências de narração dos factos quanto às circunstâncias de tempo modo e lugar que potencialmente preenchem os elementos constitutivos do tipo de crime imputado, as normas legais aplicáveis, as circunstâncias pertinentes à escolha e determinação concreta da sanção, desde que estes também constem do auto de notícia, tudo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 283° n° 3, ex vi, do art. 391°-B n° 1 e 391°-A n° 1, do CP, desde que o auto de notícia também descreva com clareza, as circunstâncias de tempo, modo e lugar do comportamento objectivo. Se a acusação, além de efectuar tal remissão, lhe acrescenta as menções: «O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. «Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. «O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», não pode ser rejeitada, pois que a sua rejeição em tais circunstâncias não tem respaldo em qualquer das alíneas do nº 3 do art. 311º do CPP. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO Por despacho proferido em 15 de Outubro de 2021, no âmbito do processo abreviado nº 26/19.0PAAMD, do Juízo Local Criminal da Amadora, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi rejeitada a acusação deduzida contra SR_____, na qual lhe era imputada a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d), por referência ao art. 2º nº 1 al. m), ao art. 3º nº 2 al. f) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com fundamento no disposto no art. 311º nº 3 al. b) do CPP e determinado o arquivamento dos autos. O Mº. Pº. interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado os motivos da sua discordância, nas seguintes conclusões: I.–Findo o inquérito nos autos Proc. n° 26/19.0PAAMD, o Ministério Público deduziu acusação para julgamento na forma de processo especial abreviado e por Tribunal Singular, contra SR_____, nos seguintes termos: (transcrição da acusação): Da Acusação O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos do art. 391.A e seguintes do CPP, deduz acusação, para julgamento na forma de processo abreviado e por Tribunal Singular, contra SR_____, melhor identificado no auto de notícia por detenção, pelos factos aí constantes, acrescentando que O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei II.–E dessa forma, foi imputado ao arguido, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.° 86.° n° 1 al. d), por referência ao art. 2.° n° 1 alínea m), art. 3.° n° 2 alínea f) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro. III.–Remetido os autos à distribuição, em 15.10.2021, foi proferido despacho, no qual se decidiu não receber a acusação, com o fundamento que a mesma não continha descritos factos que integrassem o elemento volitivo do dolo. IV.–Com o devido respeito, entende o Ministério Público, que inexistem fundamentos para a não aceitação da acusação proferida e que o despacho ora recorrido padece de vícios formais e substanciais. Porquanto, V.–O douto despacho não é claro no que respeita à aplicação da lei, acabando o seu leitor por não perceber ao abrigo de que norma ou dispositivo legal foi rejeitada a acusação; fazendo-se vaga referência ao art.° 311º, do CP, mas fundamentando a rejeição no AUJ n.° 1/2015, violando-se assim o disposto no art.° 97.°, n.° 5 do CPP, o qual dispõe que: “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. ” Mas ainda que se entenda que se basta a lei processual com uma possibilidade efectiva de compreensão do raciocínio exposto; ainda assim se dirá, também, em termos substanciais: VI.–Afirma o douto despacho ora recorrido que na acusação apenas se enuncia a culpa (o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei) e o elemento intelectual do dolo (o conhecimento de que a detenção do punhal, com aquelas características de lâmina não é permitida, de que a sua posse não se encontra justificada e que a detenção do mesmo em tais circunstâncias o faz incorrer na prática de um crime). E que no que ao concerne ao dolo do tipo, a acusação é omissa na descrição de factos que configuram o elemento volitivo. Ora, VII.–O Ministério Público, após inquérito sumário realizado em menos de 90 dias (cfr. 391.°-B, n.° 2, do CPP) e estando perante um crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. art.° 292.°, n.° 1, do CP), concluiu pela existência de indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente; bem como, que por força desses indícios existiria uma forte probabilidade de condenação, razão pela qual determinou o encerramento do inquérito com a dedução do despacho de acusação em processo especial abreviado, ora em apreço e rejeitado. VIII.–Sendo que, a identificação do arguido e a narração dos factos podem ser efectuadas, no todo ou em parte, por remissão para o auto de notícia ou para a denúncia. IX.–Bastando que a narração dos factos fosse efectuada, no todo ou em parte, para o auto de notícia, ficando assim preenchido desde logo, em absoluto, todas as exigências legais vertidas no art.° 283.°, n.° 3, ex vi, art.° 391.°-B, n.° 1 e 391.°-A, n.° 1, do CPP. X.–Mas vai além a acusação rejeitada, não se limitando a remeter os autos a julgamento por remissão para o auto de notícia e completa o mesmo com os factos que veio a descrever e também integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo imputado. Veja-se: XI.–Para efeitos do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.° da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, pratica a ação típica na modalidade de detenção quem tenha a arma consigo ou quem a tenha na sua esfera de disponibilidade, ainda que de forma esporádica ou transitória, sem prejuízo da eventual verificação das causas comuns de justificação ou de exclusão da culpa. XII.–Trata-se de um tipo legal de crime que se preenche pela simples detenção do objecto, por se considerar que tal detenção constitui uma conduta perigosa para vários bens jurídicos, sendo, por via disso, punida, sem se cuidar de saber se dessa conduta resulta ou não perigo concreto. XIII.–E nesse sentido, da leitura não só do despacho de acusação mas também do auto de notícia por detenção, resulta de forma clara e no que em concreto respeita aos elementos do tipo subjectivo que o arguido sabia que não podia deter tal arma na sua posse e naquelas condições, porque a lei o proíbe, e, ainda assim, deteve a mesma, agindo, por isso, com dolo directo. XIV.– São os seguintes os factos descritos quer no auto de notícia por detenção quer na acusação e que integram o tipo subjectivo: “O suspeito SR_____ afirmou que, tanto o Punhal como o x-ato eram seus, mas que para não ter problemas, assim que avistou a Policia os havia passado a Avelina, para que, com a ajuda da mesma, não ser apanhado pela Policia com tais objetos em sua posse. ” (fr. auto de notícia por detenção) “O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. ” (Cfr. despacho de acusação) XV.–Resultando assim de forma clara que o crime foi imputado ao agente a título doloso. XVI.–Em súmula, o dolo descrito em factos, traduz-se no conhecimento (no saber) e numa vontade (no querer). XVII.–E lê-se na acusação: O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. O arguido agiu (...) conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (Narração/indicação do elemento intelectual ou cognoscitivo (o conhecimento material de todos os elementos do tipo) XVIII.–E, (...) o suspeito a empunhar a arma branca (...); O arguido detinha o referido punhal (...) O arguido agiu voluntária (...) (Narração do elemento volitivo ou emocional - especial direcção da vontade em realizar o facto ilícito previsto e conhecido pelo agente) XIX.–Sendo que, agir de forma voluntária, significa que alguém de forma deliberada quis determinada acção; que não foi compelido a tanto, que não se tratou de um lapso, de um erro, de uma acção natural, ou de uma imposição de terceiro. Ou seja, a acção foi praticada com livre arbítrio e com plena consciência pelo próprio, querendo aquele resultado. XX.–Sendo ainda por demais evidente que tendo sido o mesmo visualizado a empunhar a referida arma e a deter a mesma na sua mão, sem que ninguém ali estivesse a segurar-lhe a mão ou a obrigá-lo a tanto, parece-nos, que também será de depreender da narração dos factos, que tal circunstância foi porque o arguido quis. XXI.–Outrossim, podendo o dolo revestir diversas modalidades (dolo directo, necessário ou eventual); nem sempre o narrador da história, ainda que percebendo o móbil da acção, poderá de imediato perceber também, o que se passou dentro da cabeça, ou da intenção do agente naquele momento, ou o que o terá levado a agir, sendo apenas confrontado com factos que mostram a circunstância deste ter agido de forma livre, consciente e voluntária, ao praticar aquela acção; i.e. de forma dolosa, talqualmente vem descrito no art.° 14.°, n.° 1, do CP. XXII.–Se o resultado, na percepção do seu autor, era directo, necessário ou eventual, na maioria das vezes (quando não, sempre) apenas só o próprio agente poderá contribuir para apurar. XXIII.–E nesse sentido, não podemos ser mais exigentes do que a lei - que não determina qual o tipo de dolo que é preciso verificar, se directo, se necessário ou se eventual. Ao ponto de numa acusação se exigir que seja logo limitado o tipo de dolo, quando dos elementos exteriores que temos, apenas nos é permitido inferir o dolo como directo. XXIV.–Mas ainda que persista este entendimento - que será necessário dizer ou concretizar o tipo de dolo - também sempre se poderá firmar que os factos descritos no despacho de acusação rejeitado integram o tipo de dolo directo e é esse que é imputado. XXV.–Dizermos mais do que aquilo que se disse e dizer, por exemplo, que o arguido previu o facto criminoso como consequência necessária da sua conduta voluntária e não se absteve ainda assim da sua prática; ou que, o arguido ao actuar, fê-lo conformando-se como possível que se viesse a realizar o facto criminoso como consequência da sua conduta e assumiu o risco de produzir o resultado, não lhe repugnando a sua verificação; seria entrar no campo das suposições. XXVI.–Se em sede de produção de prova, o arguido quiser esclarecer o seu móbil interior, nomeadamente, se agiu conformando-se com o resultado, se agiu tomando como previsível o resultado ou se agiu assumindo o risco desse resultado, tudo isso já será valorado na forma da intensidade do dolo (cfr. dispõe o art.° 71.°, n.° 2, al. b), do CP) ... Mas a conduta não deixa de lhe ser imputável a título de dolo. XXVII.–Pelas razões supra, é nosso entendimento que a acusação rejeitada contém factos suficientes para integrar o elemento volitivo do dolo. XXVIII.–E considerar que o elemento volitivo do dolo não se basta, até, com a menção a uma actuação voluntária por parte do agente, extravasa o disposto e o pretendido no invocado AUJ. XXIX.–Resultando, em nosso entender, da simples leitura e interpretação de todo o libelo acusatório, que o arguido conhecia todas as circunstâncias e elementos integradores do tipo, e que queria aquele resultado. Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente se suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão ora recorrida e determinado que a mesma seja substituída por decisão de admissão da acusação, nos termos do disposto nos art.°s 312.° e 313.° do CPP. O arguido não apresentou resposta. Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral de República apenas apôs visto. Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir. II–FUNDAMENTAÇÃO 2.1.–DO ÂMBITO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR: De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma; Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, a única questão a apreciar é a de saber se a acusação deduzida nos autos é manifestamente infundada nos termos do art. 311º nº 2 al. a) e nº 3 al. b) do CPP ou, se pelo contrário, a decisão recorrida que assim considerou, deverá ser revogada e substituída por outra que receba a acusação e determine a prossecução dos autos para julgamento. 2.2.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A acusação deduzida pelo Mº. Pº., nestes autos, contra o arguido SR_____ tem o seguinte teor: Findo o inquérito nos autos Proc. n.° 26/19.0PAAMD, o Ministério Público deduziu acusação para julgamento na forma de processo especial abreviado e por Tribunal Singular, contra SR_____, nos seguintes termos: (transcrição da acusação): Da Acusação O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos do art. 391.0A e seguintes do CPP, deduz acusação, para julgamento na forma de processo Abreviada e por Tribunal Singular, contra SR_____, melhor identificado no auto de notícia por detenção, pelos factos aí constantes, acrescentando que O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Pelo exposto, cometeu o arguido SR_____, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d), por referência ao art. 2º nº 1 al. m), ao art. 3º nº 2 al. f) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro (acusação com a referência Citius 132814456); O auto de notícia para o qual remete a acusação nos termos do art. 391º B nº 1 do CPP, tem o seguinte conteúdo: Quanto às menções da data, hora e local, respectivamente, 2019-02-24 / 01:45h e Rua ..... ..... (A______) (participação com a referência Citius 14196300 de 25.02.2019); Na parte relativa à descrição dos factos: «Por a data, hora, quando me encontrava de serviço de patrulha auto, inserido na 2ª Equipa de Intervenção Rápida da A_____, ao passar no local associado como local da ocorrência, verifiquei um grupo de cerca de 10 (dez) indivíduos em desordem. «Após os indivíduos se aperceberem da presença desta Policia, encetaram fuga apeada no sentido descendente da rua, não sendo possível fazer perseguição em virtude de termos verificado o suspeito a empunhar a arma branca (Punhal) em direção aos indivíduos, sendo que assim que o suspeito se apercebeu da presença desta Policia, passou de imediato o Punhal para a testemunha, e esta, consequentemente escondeu a arma debaixo de uma roupa que levava na mão começou a caminhar em passo rápido para fora do local. «Seguidamente AV passou o Punhal e o x-ato à EP, devidamente identificada como testemunha, tendo esta também tentado ocultar a arma e abandonar o local. «Visto que me apercebi de toda a situação, abordei os três indivíduos, retirei a arma da posse da testemunha EP______. «Posto isto, o suspeito SR_____ afirmou que, tanto o Punhal como o x-ato eram seus, mas que para não ter problemas, assim que avistou a Policia os havia passado a Avelina, para que, com a ajuda da mesma, não ser apanhado pela Policia com tais objetos em sua posse. Nestes termos e enquadrando-se a mesma, na classe de armas proibidas no âmbito da LEI 5/2016 de 23 de Fevereiro, classificada como Arma proibida de classe A, nos termos do Artº 3º nº 2 al. f) do mesmo diploma, cuja arma é proibida a sua detenção uso e porte, motivo pelo qual lhe dei voz de detenção, tendo sido informado dos direitos e deveres inerentes à sua qualidade processual. Perante esta factualidade e dado este tipo de arma não ser passível de licenciamento sendo de uso proibido, considerando-se uma arma de grande letalidade, foi-lhe de imediato apreendida conforme Auto de apreensão junto, que sendo utilizada produz graves consequências na integridade física de outrem, podendo mesmo produzir a morte, motivo pelo qual é proibida a sua posse comercialização, tendo o mesmo perfeito conhecimento deste facto. (…)» (participação com a referência Citius 14196300 de 25.02.2019); Da mesma participação consta que se trata de um punhal com 18,2 cm de lâmina (participação com a referência Citius 14196300 de 25.02.2019); A decisão recorrida tem o seguinte texto (transcrição integral): Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.° 86.° n° 1 al. d), por referência ao art.° 2.° n° 1 alínea m), art. 3.° n° 2 alínea f) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as suas sucessivas alterações. Nos termos do disposto no artigo 311.°, do CPP, considerando a remissão do art.° 386.° do CPP, recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. Acrescenta o n.°2 do citado normativo que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente rejeita a acusação se a considerar manifestamente infundada (al. a)), considerando-se como tal aquela que, além do mais, não contenha a narração dos factos (artigo 311.°, n.°3, al. b), do CPP). Relativamente ao estatuído na última alínea do n°3 do preceito acabado de citar, tem entendido a doutrina e a jurisprudência actuais que a rejeição da acusação somente pode ocorrer quando manifestamente inexistam factos que correspondam à prática de um ilícito criminal, i. e., quando diante do texto da acusação faltem elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal portuguesa ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante (neste sentido vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica, 2008, p. 791, n. 8, sublinhado nosso). Do ponto de vista subjectivo, o crime de detenção de arma proibida é um crime doloso. Para que o dolo do tipo se afirme é necessário que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto. Ou seja, para que se possa afirmar a actuação dolosa necessário se monstra que o “agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito”- Figueiredo Dias, Doutrina Geral do Crime, Lições do 3.° ano da Faculdade de Direito, Coimbra, 2001, pág. 90.- Elemento intelectual do dolo. Mas o dolo não se basta com o conhecimento das circunstâncias do facto e da sua configuração jurídica, antes sendo igualmente necessário a “verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização” - o elemento volitivo do dolo do tipo, o qual pode assumir a forma de dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual- artigo 14.° do CP. Por outro lado, um facto ilícito só é punível se culposo, ou seja, se for reprovável porque o agente não “motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não se ter motivado na norma, quando poderia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ao direito (...) A culpabilidade representa, pois, um juízo de censura do agente por não ter agido em conformidade com o dever ser jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele e realizá-lo, mas significa também o conjunto de pressupostos desse juízo de reprovação jurídica. (...)- Germano Marques da Silva, Direito Penal Português Parte Geral, III, Verbo, páginas 149 a 150. Da acusação e no que ao elemento subjectivo diz respeito, nele se incluindo quer o dolo do tipo quer a culpa, consta o seguinte: “O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.” Assim, na acusação apenas se enuncia a culpa (o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei) e o elemento intelectual do dolo (o conhecimento de que a detenção do punhal, com aquelas características de lâmina não é permitida, de que a sua posse não se encontra justificada e que a detenção do mesmo em tais circunstâncias o faz incorrer na prática de um crime). Mas, no que ao concerne ao dolo do tipo, a acusação é omissa na descrição de factos que configuram o elemento volitivo. Ou seja, nada se diz se a realização do tipo é o fim último ou uma consequência necessária ou meramente eventual da conduta do arguido. Ora, como foi decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n°1/2015, in DR, série I, de 27/01/2015, “a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual). A acrescer a esses elementos teríamos o tal elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, como vimos, do tipo de culpa doloso” (sublinhado nosso). Mais entendeu o STJ que “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.° do Código de Processo Penal”. (negrito nosso) Pelo exposto, por ser omissa na descrição de factos essenciais, que não podem ser completados pelo Tribunal considerando a doutrina do AUJ 1/2015 atrás citado, não se recebe a acusação e ordena-se a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes. Notifique. 2.3.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO O art. 311º nº 2 a) do CPP admite a rejeição da acusação, pública ou particular, quando, não tendo havido instrução, ela seja manifestamente infundada. Este conceito mostra-se concretizado nas quatro alíneas do nº 3 do mesmo artigo, verificando assim quando, a) a acusação não contenha a identificação do arguido, b) quando a acusação não contenha a narração dos factos, c) quando a acusação não indicar as normas legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam e, d) quando os factos descritos na acusação não constituírem crime, ou seja, quando a acusação padeça de deficiências estruturais de tal modo graves «que, em face dos seus próprios termos, não tem condições de viabilidade» (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado e comentado, 12ª ed., pág. 605. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., p. 207 a 208). A estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente consagrada no art. 32º nº 5 da CRP, envolve a proibição da realização de julgamento pela prática de crime sem precedência de acusação por esse crime, a exigência de que a acusação seja deduzida por órgão distinto do julgador e a atribuição à acusação das funções de condição e limite do julgamento, concretamente, a fixação do objecto do processo e a definição vinculativa do âmbito dos poderes de cognição do tribunal (Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, p. 522 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora Lda., 1984 – reimpressão -, pp. 136, 137 e 144). Em complemento, o princípio constitucional da plenitude das garantias de defesa, a que se refere o art. 32º n.º 1 da Constituição, postula a necessidade de o arguido conhecer, na sua real dimensão, os factos cuja autoria lhe é atribuída, para que os possa rebater, apresentado provas, prestando declarações, em suma, organizando a sua defesa. Assim, nos termos do disposto no art. 283º nº 3 als. a), b) e c) do CPP, a acusação deve conter a identificação do arguido, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» e a indicação das disposições legais aplicáveis. É o princípio da vinculação temática (do qual resulta que os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objecto do processo, o qual, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal, define o thema probandum, circunscrevendo a actividade probatória a realizar na fase da audiência de discussão e julgamento a esses factos (embora integrada também pelos princípios da investigação da verdade material e do contraditório) e também determina os limites da decisão - Figueiredo Dias, em «Direito Processual Penal», Coimbra Editora, pág. 145). E é o princípio da vinculação temática resultante da narração precisa dos factos imputados ao arguido, na acusação, que garante a concretização dos princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objeto do processo penal, ou seja, os de que o objeto do processo deve manter-se o mesmo, desde a dedução da acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido, por efeito do caso julgado, impeditivo da repetição de outros processos penais, pelos mesmos factos, ainda que nem todos tenham sido conhecidos, mas devendo tê-lo sido, por força da imposição daquele conhecimento esgotante, assumindo relevância, neste conspecto, o princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29º nº 5 da CRP (Eduardo Correia, Caso Julgado E Poderes De Cognição Do Juiz, Livraria Almedina, Coimbra, 2.ª Reimpressão, 1996, pp. 318 e 319, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora Lda., p. 145 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, p. 214 e ss.). Por conseguinte, se a nulidade da acusação prevista no art. 283º nº 3, for arguida perante o titular do inquérito e por este declarada, ficará sujeita à disciplina do art. 122º (trata-se de uma nulidade relativa, dependente de arguição). A falta de narração dos factos na acusação determinante da sua nulidade, pode também constituir causa de rejeição da acusação, por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311º nºs 2 a) e 3 b) do CPP. Se for declarada no âmbito da instrução, no seio da decisão instrutória, aquando do saneamento do processo (art. 308º nº 3), determinará a não pronúncia. Se for reconhecida, em sede de julgamento – posto que se trata de uma alteração substancial de factos, ou não estaria prevista a nulidade da acusação por ausência de narração dos factos –, a consequência será a absolvição do acusado, porquanto o «regime que decorre das normas dos artigos 1º, alínea f), 358º e 359º situa-se num plano diverso, que tem como pressuposto que na acusação, ou na pronúncia, se encontravam devidamente descritos os factos que integravam, quer todos os elementos do tipo objectivo de ilícito, quer todos os elementos do tipo subjectivo de ilícito, respeitantes ao tipo de ilícito incriminador pelo qual o arguido fora sujeito a julgamento» e, por isso mesmo, «a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.» (Ac. do STJ de 20.11.2014, AUJ nº 1/2015, Diário da República n.º 18/2015, Série I de 27.01.2015. No mesmo sentido, Ac. da Relação de Guimarães de 19.06.2017, processo 430/15.3 GEGMR.G1, da Relação do Porto de 15.11.2017, processo 2070/16.0T9VFR.P1, da Relação de Coimbra de 02.03.2016, processo 2572/10.2TALRA.C2 e da Relação de Lisboa de 01.10.2019, processo 1/16.7P3LSB-C.L2-5, in http://www.dgsi.pt). E é por efeito da estrutura acusatória do processo penal e de duas das suas principais consequências – a vinculação temática e a delimitação dos poderes de cognição do juiz do julgamento – que, no momento a que se refere o artigo 311º do CPP, o juiz não pode decidir do mérito da acusação por via da sindicância da avaliação da suficiência dos indícios efectuada pelo Ministério Público, mas apenas pode formular um juízo sobre a própria atipicidade da conduta imputada. Esta opção foi, de resto, expressamente assumida pelo legislador com a entrada em vigor da Lei nº 65/98, de 25/8 que alterou a redacção do citado art. 311º e, ao mesmo tempo, determinou a caducidade do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/93, que preconizava a possibilidade de rejeição da acusação por manifesta insuficiência de prova indiciária. Assim, os fundamentos das als. a), b) e c) e d) passaram a só poderem «ser aferido(s) diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objetivos e subjetivos de qualquer ilícito criminal da lei penal portuguesa» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 779), seja devido a uma insuficiente descrição fáctica, seja porque a conduta imputada ao agente não tem relevância penal. «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal» (AUJ nº 1/2015, publicado no DR, SÉRIE I de 27.01.2015). Em contrapartida, já não poderá conduzir a tal rejeição a circunstância de a acusação padecer de vícios ou lacunas não essenciais ou proceder a uma descrição incompleta dos factos, se essa insuficiência não conduzir inexoravelmente à sua não procedência e ainda puder ser sanada, v.g. através do recurso ao mecanismo do art. 358º do CPP, ou de uma descrição mais concreta e objectiva dos factos, que ainda assegure a coincidência naturalística e jurídica com a descrição factual vaga e conclusiva da acusação. Do mesmo modo, que a rejeição da acusação será inadmissível se a qualificação jurídica dos factos nela narrados como crime, for controversa, mas ainda possível segundo as várias soluções plausíveis de Direito, por estar alicerçada num entendimento jurisprudencial ou doutrinário possível, pois tal inviabiliza a sua consideração como manifestamente infundada (cfr. Acs. da Relação do Porto de 11.07.2012, proc. 1087/11.6PCMTS.P1 e da Relação de Lisboa de 18.10.2017, proc. 1212/15.8PBAMD.L1-3 in http://www.dgsi.pt e Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, pág. 644). «Uma acusação é manifestamente infundada quando o juiz que a recebe consiga, ante os termos da mesma, considerar que, mesmo que tudo o que na mesma conste se venha a provar, ainda assim haverá lugar a uma absolvição» (Ac. da Relação de Lisboa de 27.01.2021, proc. 1068/18.3T9LSB.L1-3 in http://www.dgsi.pt). O fundamento da rejeição da acusação, foi, na decisão recorrida, a ausência de descrição do elemento subjectivo do tipo de crime imputado ao arguido SR_____ que é um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006. Analiticamente, o dolo desdobra-se, em dois elementos, um intelectual e outro, elemento volitivo ou emocional, segundo a doutrina tradicional, representada pelo Prof. Eduardo Correia, ou em três elementos em que o emocional assume autonomia relativamente ao volitivo e ao intelectual, de acordo com a tese do Prof. Figueiredo Dias. «Ora, a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual). «A acrescer a esses elementos teríamos o tal elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, (…), do tipo de culpa doloso, (…). «Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).» (…) «Em conclusão: a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito. (Ac. do STJ nº 1/2005 de 20.11.2004, Diário da República nº 18, I Série, de 27.01.2015). Especificamente no que se refere à detenção de arma proibida, o crime é essencialmente doloso, logo, implica o conhecimento por parte do agente das características dos objectos que se subsumam a alguma das alíneas do art. 86º do RJAM e do seu carácter proibido e a vontade de os ter na sua esfera de uso e disponibilidade, como resulta da definição de «detenção de arma», contida no art. 2º nº 5 al. f) da Lei 5/2006. Ora, a rejeição da presente acusação não tem respaldo em qualquer das alíneas do nº 3 do art. 311º do CPP, pois que, tratando-se, como se trata de processo na forma abreviada, a mera remissão para o auto de notícia por flagrante delito cumpre as exigências de narração dos factos quanto às circunstâncias de tempo modo e lugar que potencialmente preenchem os elementos constitutivos do tipo de crime imputado, as normas legais aplicáveis, as circunstâncias pertinentes à escolha e determinação concreta da sanção, desde que estes também constem do auto de notícia, tudo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 283° n° 3, ex vi, do art. 391°-B n° 1 e 391°-A n° 1, do CP. Ora, o auto de notícia é explícito e claro quanto à forma como o punhal foi utilizado, para que efeitos, por quem, em que circunstâncias de tempo, lugar, ao comprimento da lâmina, sendo certo que do mesmo auto de notícia também resulta claramente que o arguido conhecia as características letais e a natureza proibida de tal punhal, precisamente por isso, é que o entregou a outras pessoas para disfarçar ou dissimular a sua posse sobre o mesmo. Acresce que as menções a «o arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características. «Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse. «O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», vertidas na acusação cumprem perfeitamente a descrição dos elementos intelectual e volitivo do dolo do tipo e da culpa, pelo que não sendo preciso mais para sujeitar a causa a julgamento, a decisão recorrida não pode manter-se. III–DECISÃO Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa: Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que receba a acusação e dê seguimento aos termos subsequentes do processo. Sem Custas. Notifique. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Meritíssima Juíza Adjunta. Tribunal da Relação de Lisboa, 2 de Março de 2022 Cristina Almeida e Sousa - Relatora - Florbela Sebastião e Silva - Adjunta - |