Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE FÁTIMA R. MARQUES BESSA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DIFAMAÇÃO DIREITO AO BOM NOME LIBERDADE DE EXPRESSÃO LIBERDADE DE INFORMAÇÃO INTERESSE PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I- Para ser conhecida, pelo Tribunal de recurso, a impugnação ampla da matéria de facto (erro de julgamento), tem o recorrente, nas suas conclusões, o ónus de especificar os pontos concretos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas concretas que impõe decisão diversa da recorrida, bem como, estando a prova gravada, de transcrever ou indicar a passagem ou passagens das declarações/depoimentos da gravação áudio, que suportem entendimento diverso, com indicação do início e termo desses segmentos em cumprimento do previsto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP. II- Não se mostrando cumprido esse ónus de especificação, e não sendo possível o seu aperfeiçoamento, outra solução não resta que considerar que esta parte do recurso não pode ser conhecida, por incumprimento das formalidades legalmente prescritas, nos n.ºs 2 e 3 do art.º 412.º, do CPP. III- Na impugnação restrita da matéria de facto, evidenciando o próprio texto da decisão recorrida que o Tribunal recorrido, na fundamentação da matéria de facto, tem uma posição segura e inequívoca, relativamente quer aos factos dados como provados quer aos dados como não provados, decidindo à luz das as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127.º, do CPP, estando a apreciação da prova, em primeira instância, enriquecida pela oralidade e pela imediação, que fez o Julgador atribuir credibilidade às declarações da arguida, sendo essa opção admissível face às regras da experiência comum, não padece a decisão do vício de facto de erro notório na apreciação da prova a que alude a alínea c) do n.º2 do art.º 410.º, do CPP. IV- O direito ao bom nome e reputação e o direito à liberdade de expressão e de informação são ambos direitos constitucionalmente protegidos, respectivamente, nos art.ºs 26.º, n.º1 e 37.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que devem ser compatibilizados, não estabelecendo a CRP qualquer hierarquia entre eles, nem deve ser conferida aprioristicamente e em abstracto a precedência de qualquer um dele, importando, em caso de conflito, um balanceamento concreto e não abstracto. V- O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem vindo a enfatizar de forma consistente, a centralidade do direito à liberdade de expressão consagrado no art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) como element conformador e estruturante de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do direito à manifestação de cada um, devendo, as limitações previstas no art.º 10.º, n.º2 da CEDH, serem interpretadas em termos restritos, nomeadamente em assuntos de interesse público, como o são os ligados à saúde e à assistência médica. VI- Na compatibilização desses direitos fundamentais deve ter-se em conta a mais recente orientação do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, devendo exigir-se um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que a concreta afirmação/imputação extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação. VII- No caso dos autos está em causa uma entrevista a um Jornal dada pelas arguidas, em que é imputada ao assistente, médico de profissão, actuação negligente em determinado acto praticado a um familiar das arguidas no exercício da sua profissão. VIII- Tratando-se critica dirigida à actividade profissional e não à pessoa do visado, estando as arguidas seriamente convictas da imputação e critica, considerando o contexto, o interesse público do assunto, chamando à colação o critérios da ponderação dos bens em causa, o princípio da concordância prática, o âmbito de protecção das normas pertinentes, o princípio da proporcionalidade e o juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, concluímos que as arguidas actuaram a coberto do exercício do direito à liberdade de expressão e critica, não extravasando os limites desse exercício, não sendo a sua conduta passível de responsabilidade penal nem civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, os Juízes, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO 1. O Ministério Público deduziu acusação, sob a forma de processo comum e perante Tribunal singular contra BB e CC pelos factos constantes de fls. 135 a 139 cujo teor aqui se dá por reproduzido e que, no seu entender, integram a prática, em autoria material, com dolo direto de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º (1.ª parte), 180.º, n.º1, 183.º n.º 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal. 2. Realizado o julgamento foi proferida Sentença Absolutória pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Criminal de Santa Cruz, cuja decisão final é a seguinte: A. Quanto à acusação: Perante o exposto, julga-se a acusação pública improcedente e, em conformidade, decide-se: a. Absolver a arguida BB pela prática em........2022, em autoria material, com dolo direto de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º (1.ª parte), 180.º, n.º1, 183.º n.º 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal. b. Absolver a arguida CC pela prática em........2022, em autoria material, com dolo direto de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º (1.ª parte), 180.º, n.º1, 183.º n.º 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal. c. Consignar que não são devidas custas processuais pelas arguidas BB e CC, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 a contrario e 522.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal. d. Condenar o assistente AA no pagamento das custas processuais, que se fixam em 3 (três) UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que seja beneficiária, nos termos do artigo 515.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais ex vi artigo 524.º, do Código de Processo Penal. e. Consignar que as medidas de coação de termo e residência aplicadas às arguidas BB e CC cessam imediatamente, nos termos dos artigos 196.º, n.º 3, alínea e) e 214.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal. * A. Quanto ao pedido de indemnização civil Perante o exposto, julga-se o pedido de indemnização civil totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, decide-se: f. Absolver as demandadas/arguidas BB e CC do pedido; g. Condenar o demandante/assistente AA no pagamento da totalidade (100 %) das custas processuais civis, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie. 3. Inconformado com a sentença absolutória, o ofendido/assistente veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. Impõe-se a modificação e/ou anulação da decisão do Tribunal “a quo”que decidiu pela absolvição das arguidas; 2. nomeadamente, dando por provados os factos das alíneas A) e B) da fímbria factos não provados da sentença recorrida e supra elencados e transcritos 3. O Tribunal “a quo”pronunciou-se e absolveu as arguidas, com todo o respeito, como se de “anjinhas”e/ou “santinhas”jurídicas se tratassem; 4. demonizando o assistente/recorrente. 5. O Tribunal “a quo”na sequência e dinâmica do vertido, nos dois artigos alegatórios anteriores, não protegeu a dignidade profissional e pessoal no recorrente como estava e está obrigado pelo disposto no artigo 1º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 6. O assistente, aliás, deixou bem claro, em sucessivas sessões de julgamento, que o que o movia e move não são interesses ganhuços e/ou monetários; 7. mas, sim, a sua dignidade pessoal e profissional ao que acresce ter uma filha, recentemente licenciada em medicina e debutante na arte medicinal, e não querer viver com o anátema de que tinha sido negligente no exercício do seu mister medicinal. 8. Nas diversas sessões de audiência de discussão e julgamento ficou e está patente uma diametrialidade de depoimentos opostos entre assistente e arguidas, nomeadamente da arguida presente, mas cristalizado que a mesma (presente) até confessou os factos; 9. pelo que as arguidas deveriam (de deverão) ser objecto de condenação pelo crimes pelos quais estão publicamente acusadas. 10. A decisão do Tribunal “a quo”em matéria criminal representa uma crassa e grosseira violação do disposto no artigo 37º da C.R.P e das diversas normas da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia supra elencados. 11. Ao recorrente e à Justiça que se avizinha e segue, embora possa parecer pouco, mas não deixa de ser muito, foi o Ministério Público que deduziu acusação particular nos presentes autos, inicialmente; 12. à qual, posteriormente, o assistente/recorrente aderiu. 13. O tribunal “a quo”deixou-se seduzir e foi temerário ante a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; 14. Fazendo autêntica tábua rasa do disposto no artigo 37º da C.R.P e dos artigos 1º; 3º e 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 15. Para o Tribunal “a quo”no presente feito judicial submetido a apreciação judicial todo o que, juridicamente, vem de fora é bom, como esta bom de ver mas ignorando e olvidando ostensivamente que o assistente/recorrente e, ao que se sabe e conhece, as arguidas não são figuras da arena política e/ou desportiva. 16. Como está bom de ver, toda a jurisprudência invocada pelo Tribunal “a quo”, para proteger as arguidas ao invés de proteger o assistente (artigo 1º da CDFUE) envolve pessoas públicas e/ou dotadas de autoridade pública e/ou desportiva, 17. o que se não verifica no presente caso sub iudice. 18. O Tribunal “a quo” tolerou e permitiu as arguidas/recorridas, através da liberdade de pensamento, usassem a liberdade de expressão para ofender e denegrir o assistente/recorrente. 19. Liberdade de pensamento e transmitir pensamento não se pode concatenar com liberdade de expressão; 20. Pois a liberdade de expressão têm de ser veículo e/ou travão para mitigar e minimizar a liberdade de pensamento. 21. Aliás, diga-se, sem qualquer tibieza e/ou temeridade, se alguém actuou com animus nocidendi foram as arguidas e recorridas; 22. ânimo e dolo altamente tóxicos e descarados, pelo que as alíneas A) e B) dos factos não provados não podem jazer e cristalizarem-se como não provadas. 23. O tribunal “a quo” consagrou, com a decisão recorrenda, o verdadeiro direito à ofensa pública, que só encontra arrimo jurisdicional no presente Tribunal “recorrido” e não em qualquer outro campo jurídico e/ou constitucional. 24. A vontade das arguidas foi, tanta e tanta em denegrir o arguido, na arena pública e campo público, através da imprensa, que não se coibiram de dizer: “tudo farão para responsabilizar (….) o médico pelos actos de negligência”; “perca a licença de médico”; “isto foi negligência, negligência”, ob cit. 25. O pecado “negligencial”do recorrente e assistente foi ter cumprido, como sempre fez e continuará a fazer em 40 anos de exercício medicinal, tudo, exemplarmente, assim cumprindo a sua legis artis medicinal. 26. Termos em que, e naqueles que V.exas. superiormente e sabiamente suprirão, deve revogar-se a sentença, ora, recorrido, tudo com suas legais consequenciais, nomeadamente prolacção de novo (outro) acórdão com a condenação, exemplar e categórica, das arguidas/recorridas. V.Exas, porém, e como, sempre, decidirão conforme de Direito e de Justiça! 4. O recurso foi admitido por despacho de 05/09/2024 nos seguintes termos: Atendendo a que a decisão é recorrível, que o assistente tem legitimidade e interesse em agir, que o requerimento de interposição de recurso é tempestivo, encontra-se devidamente motivado, com conclusões formuladas, admite-se o recurso interposto, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tudo nos termos dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, a contrario, 401.º, n.º 1, alínea b), 411.º, n.º 1, alínea a), n.º 3, 412.º, 407.º, n.º 2, alínea b), 406.º, n.º 1, 408.º, n.º 1, alínea c) e 414.º, todos do Código de Processo Penal. Notifique o assistente e os restantes sujeitos processuais, nos termos dos artigos 411.º, n.º 6 e 413.º, ambos do mencionado Código. 5. O Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso com o seguinte teor (transcrição). AA interpôs recurso da douta sentença que absolveu as arguidas BB e CC pela prática, cada uma de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º (1.ª parte), 180.º, n.º 1, 183.º n.º 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o Recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (n.ºs 2 e 3, do artigo 410.º do Código de Processo Penal). Das conclusões do recorrente extrai-se que o recurso versa apenas numa única questão a resolver: se o conteúdo das afirmações dadas pelas arguidas numa entrevista, integram a prática de um crime de difamação e calúnia agravada. As arguidas na sequência da morte do seu marido e pai concederam uma entrevista ao..., na sequência da qual, foi publicada uma notícia onde se dizia que: “A família do empresário DD acusa o Hospital ... e o médico que o acompanha de “negligência” e disse ao Jornal … que vai instaurar um processo crime contra o hospital e o médico AA para que o clínico “perca a licença” (…) BB e CC garantiram ao Jornal que “tudo” farão para responsabilizar (…) o médico pelos atos de “negligência” (…) A família está revoltada por o médico ter determinado a transferência do empresário para o... “Um doutor não faz coisas de qualquer maneira. O doente é a primeira responsabilidade de um médico. Se o protocolo não é bom para uma pessoa, não se faz o que o protocolo diz”, referiu CC, lembrando o juramento de Hipócrates que os médicos fazem quando ingressam na carreira. “Tem de ser feito o melhor para o paciente, e ele não fez”, acusa. (…) A esposa BB referiu, por outro lado, que irá apresentar queixa para que AA “perca a licença de médico”. “Isto foi negligência, negligência”, repete, revoltada, BB, que promete ir até às últimas consequências não só para fazer justiça ao marido, mas também para que sirva de exemplo e não se repita com outras pessoas. (…)» Destes factos dados como provados, entendeu – e bem – o Tribunal a quo, que as expressões e juízos formulados pelas Arguidas, na mencionada notícia, dizem respeito à actuação do assistente enquanto profissional e não à sua pessoa enquanto ser individual. E que estas estavam a exercer o seu direito liberdade de expressão, direito este que, no caso, se sobrepõe ao direito à honra do Assistente. Tal entendimento foi alicerçado em diversas condenações dos Estados Membros pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violação do direito à liberdade de expressão. Veja-se que o Tribunal seleccionou decisões em que eram visados Juízes e Procuradores da República, a fim de dar expressão e ilustrar que a critica à actuação profissional ocorre em todas as profissões principalmente quando se exerce funções públicas. A título de exemplo elencou: - Gouveia Gomes Fernandes and Freitas e Costa v. Portugal (no. 1529/08) na qual o TEDH considerou que foi violado o direito à liberdade de expressão, tendo condenado o Estado Português num caso em que dois advogados foram condenados pelos tribunais portugueses por difamação na sequência de terem realizado comentários na imprensa alegando o envolvimento de um juiz em corrupção, os quais foram considerados como ofensivos da honra de um juiz. - Cornelia Popa v. Romania (no. 17437/03) o TEDH considerou que se estava perante a violação do direito à liberdade de expressão num caso em os tribunais romenos condenaram uma jornalista por ter publicado um artigo em que criticava a conduta profissional de um juiz. - Veiga Cardoso V. Portugal (no. 48979/19), na qual Victor Veiga Cardoso, pai no âmbito de um processo do Tribunal de Família e Menores, se referiu ao procurador do processo como «isto é um enxovalho, aquilo não é um tribunal não é nada, aquele procurador, (…) é um indivíduo que bebe uns copos ou sei lá, não abre a boca.», e por isso foi condenado por difamação agravada, tendo o TEDH considerado que mais uma vez, o Estado Português desrespeitou o artigo 10.º da CEDH, pois que no seu entender, tais palavras foram proferidas em reação à implementação de visitas supervisionadas da sua filha, constituíram uma forma de desabafo, uma crítica ao aspeto profissional do desempenho do procurador e à sua falta de ação perante aquele processo. Efectivamente o direito à protecção da honra tem necessariamente que ser harmonizado com o direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E como supra se expôs este último normativo legal tem vindo a ser interpretado de forma cada vez mais lata, sobretudo no âmbito da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem considerado que aquele contempla o direito à crítica, incluindo com um certo grau de exagero ou de provocação, desde que não consubstancie um mero ataque pessoal gratuito. Na verdade, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem afirmado, repetidamente, que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, caracterizada pelo pluralismo, tolerância e espírito de abertura, implicando o direito de cada pessoa expressar a sua opinião e exercer o seu direito de crítica e, necessariamente, como contraponto, uma não imunidade do visado a essa crítica, ou, melhor dizendo, um não direito do visado a não ser criticado. Sendo evidente que o exercício deste direito pode entrar em conflito com o direito à honra e consideração, «importa que as expressões utilizadas se circunscrevam ao sentido próprio da crítica, não atingindo o nível da ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional a um normal exercício do direito de expressar a opinião, cabendo aos tribunais judiciais o controlo da crítica excessiva, arbitrária, gratuita ou desproporcionada, na medida em que seja ofensiva do bom nome e da reputação da pessoa»» Nessa função de controlo, são vários os arestos dos Tribunais Superiores onde se concluiu que dirigir a outra pessoa expressões como palhaço, camelo, não vales nada, incluindo no âmbito do exercício de funções de natureza pública, não constitui crime. Assim, lê-se no acórdão da Relação: • do Porto, de 19/12/2007, processo n.º 0745811, acessível em www.dgsi.pt. que a expressão "és um palhaço", ainda que proferida para manifestar desconsideração, não é ofensiva da honra ou consideração do visado; • do Porto de 09/09/2009, processo n.º 564/07.8PAVCD.Pl, acessível em www.dgsi.pt que «As expressões "palhaço” e "camelo", dirigidas a outrem, constituem uma grosseria, mas não excedem o âmbito da falta de educação nem têm aptidão para ofender a honra e consideração do visado»; • de Guimarães, de 17/02/2014, processo n.º 1500/10.0GBGMR.GL, disponível em www.dgsi.pt., que «não comete o crime de injúria quem profere a expressão "vocês são uns palhaços, não sei como o povo vos escolheu': dirigida a um presidente de Junta de Freguesia no âmbito de uma contenda motivada por questões relacionadas com a actuação dos membros da autarquia, por a mesma se traduzir num juízo de valor em que se exerce o direito de crítica»; • de Lisboa, de 17104/2018, processo n.º 515/17.1PHSNTLl, 5.ª Secção, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/05/2019, processo n.º 55/16.5GESTB.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt que as expressões "vocês são uns palhaços, não valeis nada, ide-vos foder", dirigidas, entre outros, a um Agente da P.S.P., no exercício das suas funções, consubstanciam um «exercício de crítica exagerado, mas não são suscetíveis de afetar a honra e a consideração das pessoas a quem eram dirigidas de modo a merecer a tutela pena!.». Por tudo o exposto, nenhuma critica se aponta ao decidido pelo Tribunal a quo, na qual harmonizou o direito à integridade moral, ao bom-nome e à reputação do Assistente por um lado, com o direito de cada um exprimir e divulgar livremente o seu pensamento através da palavra, da imagem ou qualquer outro meio, das arguidas dando prevalência e este último, através da interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais internas, mas também pela aplicação das normas que integram as convenções internacionais a que Portugal está obrigado, com particular realce para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), tal como vêm sendo interpretadas e aplicadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). IV. CONCLUSÕES 1. O presente recurso versa exclusivamente em saber se as expressões proferidas arguidas quando concederam uma entrevista ao... configuram prática de um crime de difamação e calúnia agravada. 2. As expressões, constantes de notícia publicada na sequência de entrevista às arguidas e atribuídas a elas, de que tudo farão para responsabilizar (….) o médico pelos “pelos actos de negligência”; “perca a licença de médico”; “isto foi negligência, negligência”, nada de mais traduzem do que um juízo critico sobre a actuação funcional / profissional do Assistente, e, nessa medida, ainda que possam ser levadas por ele como ofensa, não são susceptíveis de violar o bem jurídico protegido pela norma incriminadora. 3. O tribunal a quo harmonizou o direito à integridade moral, ao bom-nome e à reputação do Assistente por um lado, com o direito das arguidas de criticar a actuação ou o desempenho profissional dele, e de exprimir e divulgar livremente essa opinião negativa através da palavra, da imagem ou qualquer outro meio. 4. No confronto desses dois direitos, o tribunal deu prevalência – e não podia deixar de dar – ao último, interpretando e aplicando não só as normas constitucionais e legais internas, mas também as normas que integram as convenções internacionais a que Portugal está obrigado, com particular realce para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), tal como vêm sendo interpretadas e aplicadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na integra a decisão judicial recorrida. 6. Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no seguinte sentido (transcrição): Parecer do Ministério Público Vista – art.º 416º, nº1do CPP Recurso próprio e tempestivo, sendo correto o efeito e regime de subida que lhe está atribuído. O presente recurso vem interposto pelo assistente AA, da sentença proferida nos autos à margem indicados, que absolveu as arguidas BB e CC pela prática, cada uma de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º1, 26.º (1.ª parte), 180.º, n.º1, 183.º n.º 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA 1.ª INSTÂNCIA A Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu ao recurso, manifestando-se no sentido de ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão judicial recorrida. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTA 2.ª INSTÂNCIA A. DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO O recorrente AA requereu a realização de audiência nos seguintes moldes: “roga-se a V.Exª se dignem realizar, tal qual dimana do art.º 411º, nº 5 do C.P.Penal, Audiência de Discussão e Julgamento, em sede recursiva, para debater-se e aprofundar-se os factos A) e B) da sentença absolutória sob o capítulo dos factos não provados da sentença recorrida.” Relativamente ao requerimento de audiência no tribunal ad quem, dispõe o artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que: No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos. Do requerimento do recorrente não resulta a especificação dos pontos da motivação que pretendem ver debatidos, pois que indica no seu requerimento como pontos para debate a totalidade das questões que suscita no seu recurso. A indicação de forma genérica dos pontos abordados no recurso como sendo os pontos do recurso que se pretendem ver debatidos em audiência não dá satisfação à citada norma. Não há qualquer especificação quando esta abrange o todo. Ou seja, ao indicar a genericamente as questões, o assistente acaba por querer debater em audiência a globalidade das razões do pedido. Neste sentido se colhe do acórdão desta Relação de Lisboa de 24.06.2020 (1) em cujo sumário se sintetizaram os respetivos fundamentos da seguinte forma: 1. A faculdade concedida aos recorrentes pelo disposto no art.º 411º nº 5 do Cód. Proc. Penal de realização da audiência perante o tribunal de recurso, exige a respectiva fundamentação, devendo no requerimento de interposição de recurso “especificar os pontos da motivação do recurso que pretendem ver debatidos». 2. Deve ser indeferido o pedido de realização de audiência, nos casos em que não seja cumprida tal exigência legal, em que o recorrente se limita a pedir a audiência para discutir de facto e de direito remetendo para a norma em causa. 3. Quando consagrou esta possibilidade, o legislador teve como objectivo central, a possibilidade de se discutir oralmente, em audiência, perante o tribunal de recurso, pontos específicos controvertidos que de alguma forma não pudessem resultar claros da simples leitura da motivação e das respectivas conclusões, visando assim, com o debate em audiência, um melhor esclarecimento desses pontos mais sensíveis. 4. Padecendo o requerimento em causa da inobservância da norma do art.º 411º nº 5 do Cód. Proc. Penal, a falta de fundamentação, não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento, pois ao contrário do que o legislador previu para a deficiência das conclusões no art.º 417º nº 3 do Cód. Proc. Penal, quanto à falta de fundamentação do pedido de audiência, a lei não contempla qualquer despacho de aperfeiçoamento, aliás nem faria sentido, impondo-se por isso o indeferimento liminar. 5. A audiência de julgamento perante este Tribunal assume um carácter excepcional, só devendo ser requerida quando resulte do recurso escrito a impossibilidade de explicitar ou dirimir qualquer matéria controvertida que não possa de outra forma elucidar este tribunal sobre o alcance do recurso, não devendo ser arbitrariamente requerida só porque a parte quer vir reiterar oralmente o mesmo que já alegou por escrito1. Em sentido idêntico na parte aqui relevante, o acórdão de 10.11.2021 também desta Relação de Lisboa: I-A alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08 (Rect. n.º 105/2007, de 09/11), que alterou o paradigma da audiência, em sede de recursos penais pretendeu agilizar o processamento dos recursos em sede penal, tornando a Audiência a excepção e não a regra, determinando que à mesma apenas se procedesse quando fosse expressamente requerida. II. Dentro dessa vertente, impôs a lei ao requerente que especificasse, que fizesse uma escolha e que a comunicasse ao tribunal e aos restantes intervenientes processuais, sobre qual a matéria que pretenderia debater nessa Audiência, especificação essa a realizar com referência a pontos da motivação. III. A lei impõe requisitos de procedência de tal diligência, pois cabe a quem requer um acto facultativo indicar qual o fim que pretende alcançar com o mesmo, no caso, quais os fundamentos do recurso que interpôs que pretende ver debatidos, de modo a que esse debate se possa, efectivamente, verificar, uma vez que os restantes intervenientes processuais só através de tal especificação se mostrarão habilitados a exercerem o seu direito ao rebate. IV. Não se mostrando cumpridos os requisitos que a lei impõe e dos quais faz depender a 5 admissibilidade da Audiência, o peticionado pelo recorrente não mereceria provimento, o que se mostra implicitamente decidido pela designação de dia de conferência e publicação de acórdão. V. Ainda que se entendesse que tal implicitude não se verificaria, estaríamos perante uma mera irregularidade (por inaplicação ao caso do disposto nos artºs 119 e 120 do C.P. Penal, atento o princípio da legalidade, expresso no art.º 118 do mesmo diploma legal) presentemente suprida (sanada), uma vez que teria de ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão prolatado em conferência (art.º 123 nº 1 do C.P. Penal), o que, no caso, não sucedeu.2 E, ainda, o acórdão de 08.02.20173 : I - O recorrente deve indicar com precisão/ especificadamente, quais os pontos que pretende discutir em audiência e não limitar-se a requerer em termos genéricos a realização da mesma remetendo para a generalidade das suas motivações. II - Aceitar tal remissão genérica levaria a que o art.º 411º nº 5 CPP se tornasse letra morta quando, na verdade, o que nele se exige é um pressuposto legal da realização da audiência de julgamento em 2ª Instância já que o legislador consagrou a audiência no Tribunal de Recurso como excepção. Pelo que sou do entender dever ser indeferida a requerida realização de audiência. B. DO RECURSO Caso se entenda não ser de designar dia para audiência, consigna-se, desde já, a posição do Ministério Público quanto ao mérito do recurso. Confrontados os fundamentos do recurso quanto à alegada impugnação da decisão proferida sobre a Matéria de Facto, alega o assistente que não se conforma com os factos dados como não provados nos pontos A) e B), os quais entende que devem ser considerados como provados. Estabelece o artigo 412º, do Código de processo Penal, sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”: “1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. 2 – Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e, c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada. 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 5 – Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse. 6 – No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. Em caso de impugnação da matéria de facto, a especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Ora, salvo melhor entendimento, e, não obstante seja percetível a discordância do assistente com os factos dados como não provados nos pontos acima mencionados e vertidos na sentença, afigura-se, contudo, que em sede de motivação de recurso não foi dado integral cumprimento pelo recorrente às disposições legais mencionadas no artigo 412º, n.º 3 do C.P.P. Assim e em consonância com a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, conforme melhor se alcança do teor da argumentação expendida na peça processual com a referência CITIUS n.º 5975306 , entende-se que a matéria de facto revela-se no texto da decisão de uma forma bastante explícita, sem obscuridade ou contradições, não se vislumbrando no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, erro na apreciação da prova, ou insuficiência da matéria de facto para a decisão, ademais se nos afigurando que, em face dos fundamentos de facto e de Direito detalhados, a douta sentença proferida não merece reparo no plano da aferição probatória e interpretação normativa da realidade de facto firmada pelo que deverá improceder o recurso. Por conseguinte, somos de parecer que deve ser indeferida a requerida realização de audiência por não ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal e indeferido o recurso interposto pelo assistente AA e, como consequência, confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo. Mas a final, não obstante, melhor se dirá. * 7. Por falta de especificação concreta dos pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos na audiência foi indeferida a realização da audiência por despacho proferido em 20.12.2024 que não foi objecto de reclamação. 8. No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. II. OBJECTO DO RECURSO Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP4, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).5 Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso (…). A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente (…) não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 que afetem o recorrente…” As questões colocadas à apreciação deste tribunal de Recurso são as seguintes: 1.ª -se os factos constantes das alíneas A) e B) dos factos não provados devem ser dados como provados; 2.ª- se a conduta das arguidas é ilícita, enquadrando-se na prática do crime previsto e punido pelos art.ºs 180.º, n.º1, 183.º, n.ºs 1 e 2 e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do CP. III -FUNDAMENTAÇÃO III.1-O Tribunal recorrido deu como provados e não provados em sede de sentença os seguintes factos: Da Acusação 1. O assistente AA exerce a profissão de médico, com cédula profissional: ..., no serviço de cuidados intensivos no Hospital ..., no ..., em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado. 2. No âmbito da sua atividade profissional prestou assistência médica, o paciente DD, marido da arguida BB e pai da arguida CC, internado que se encontrava no hospital., tendo falecido no dia .../.../2022. 3. No dia.../.../2022, as arguidas concederam uma entrevista ao Jornal da ..., resultando, de tal entrevista, além do mais, as seguintes passagens: «A família do empresário DD acusa o Hospital ... e o médico que o acompanha de “negligência” e disse ao Jornal ... que vai instaurar um processo crime contra o hospital e o médico AA para que o clínico “perca a licença”. A família acredita que foi a decisão comunicada pelo médico de transferir o empresário do Hospital ... para o Hospital ..., após a suspeita de que pudesse ter sido contaminado por um doente covid da mesma enfermaria, que agravou o estado de saúde do empresário que dias mais tarde faleceu. A família tinha pedido que como o empresário seria transferido para a África do Sul, como “já era do conhecimento”do hospital que seria “mais seguro” mantê-lo nos … isolado até saber o resultado do teste à covid. Mas o médico comunicou que o “protocolo”do hospital era a transferência do doente para a Unidade Covid do Hospital …. Quando o resultado do teste chegou, o empresário estava negativo à covid. A família assegura que depois da transferência de um hospital para o outro o empresário ficou mais fragilizado e a precisar de um reforço de oxigénio. Revoltados com o desfecho, os familiares querem agora “justiça”. (…) Em ... 2021, o empresário veio à … (…) [tendo testado] positivo à Covid-19. Inicialmente, ficou internado no Hospital .... CC, filha do empresário, disse ao Jornal ... que o pai recuperou do novo coronavírus, mas nesse momento foi-lhe detetado um problema cardíaco que o obrigou a fazer um cateterismo. Depois foi encontrado um “quisto sebáceo no baço” e, durante essa operação, o homem terá sido infetado por uma “superbactéria”de acordo com a filha. Essa infeção “apanhou os pulmões”, já “fracos pela covid” e o homem desenvolveu uma “pneuomonia”. O empresário ficou internado no Hospital ... “dois meses e meio a três meses”, sendo depois transferido para o hospital .... (…) Aos poucos, o empresário foi estabilizando até a esposa ouvir que o marido “apenas tinha problemas da infeção” da superbactéria e que o coração e os pulmões “já estavam bem”. (…) Já BB, esposa do empresário, garante que a primeira vez que falou com médico AA, “responsável” por tratar o marido, foi há “duas semanas”, apesar de ele estar internado há três meses naquele hospital. E quando falou, o médico estava apressado porque “tinha coisas a fazer”. A esposa recebia a informação a partir das “outras doutoras” que faziam parte da equipa. (…) No dia... de... de 2022, o advogado, o médico e a esposa do doente reuniram-se, e o hospital foi informado da transferência do doente para a África do Sul. Foi ainda pedido para manter o doente estável para que pudesse realizar a viagem. A partir daí, médicos sul-africanos começaram a participar do processo à distância. Quando receberam o relatório médico, viram que, afinal, o paciente “mantinha um problema cardíaco”, o que os deixou “muito preocupados”. “A minha mãe não sabia que o meu pai ainda tinha um problema no coração, porque o doutor lhe disse que não tinha que era só a infeção” da superbactéria. (…) BB e CC garantiram ao Jornal que “tudo” farão para responsabilizar (…) o médico pelos atos de “negligência”. A família está revoltada por o médico ter determinado a transferência do empresário para o Hospital .... “Um doutor não faz coisas de qualquer maneira. O doente é a primeira responsabilidade de um médico. Se o protocolo não é bom para uma pessoa, não se faz o que o protocolo diz”, referiu CC, lembrando o juramento de Hipócrates que os médicos fazem quando ingressam na carreira. “Tem de ser feito o melhor para o paciente, e ele não fez”, acusa. A filha lembra os pedidos da família para que esperassem pelo resultado do teste (que acabou sendo negativo) antes de decidir transferir o paciente, e de lhe ter sido respondido que “não queria saber da sua opinião”. “A única coisa que lhe pedíamos que fizesse pelo meu pai era que o deixasse estável, e nem isso ele fez”, disse ainda. A esposa BB referiu, por outro lado, que irá apresentar queixa para que AA “perca a licença de médico”. “Isto foi negligência, negligência”, repete, revoltada, BB, que promete ir até às últimas consequências não só para fazer justiça ao marido, mas também para que sirva de exemplo e não se repita com outras pessoas. (…)» Mais se apurou que: 4. Em virtude de as arguidas estarem insatisfeitas com os cuidados médicos prestados a DD diligenciaram pela contratação de um avião-ambulância da África do Sul, com vista a assegurar o transporte do mesmo para tal país e aí ser tratado, o qual seria realizado em........2022. 5. Em........2022, a arguida CC foi contactada telefonicamente pelo assistente que lhe deu conta de que o paciente que se encontrava na mesma enfermaria que DD havia testado positivo para a covid e que, por isso, o seu pai seria transferido para Unidade de Covid do Hospital .... 6. A arguida pediu ao assistente para não realizar a transferência referida no facto anterior considerando que ainda não tinham o resultado do teste ao covid realizado a DD, podendo não ter covid, solicitando que mantivesse o pai estável para viajar no dia seguinte. 7. No dia........2022, DD foi transferido para a Unidade de Covid do Hospital .... 8. A arguida CC admitiu a prática dos factos, fundamentando os mesmos com o estado de revolta e tristeza que sentiu por o seu pai ter sido transferido de hospital, quando faltava menos de um dia para que o avião ambulância o transportasse para a África do Sul, em virtude de o paciente que se encontrava na mesma enfermaria que aquele ter testado positivo para a covid, desconhecendo-se se, à data, o seu pai tinha ou não covid. 9. Fundamentou, ainda, com o facto de querer informar os madeirenses do ocorrido, por forma a que uma situação idêntica à do pai não ocorresse. 10. A arguidas tinham a séria convicção de que o transporte agravou o estado de saúde de DD e que culminou na sua morte. 11. DD encontrava-se internado, no Hospital ..., desde........2021 até à sua transferência referida em 7. 12. O assistente contactou com a arguida BB em........2022, em........2022 e com a arguida CC em .......2022. Das Condições Pessoais e Socioeconómicas da arguida CC 13. A arguida é doméstica. 14. Reside com o marido e dois filhos, com 13 e 6 anos de idade, em casa própria. 15. A mensalidade da escola dos filhos ascende a 350,00 €. 16. Estudou até ao 12.º ano. Das Condições Pessoais e Socioeconómicas da arguida BB 17. A arguida encontra-se emigrada na África do Sul. 18. Não apresenta qualquer registo na Segurança Social em termos de rendimentos. 19. Não é proprietário de qualquer veículo automóvel em Portugal. 20. É sócia da sociedade com o NIPC.... 21. A sua última declaração de rendimentos refere-se ao ano de 2022, a título de rendimentos empresários, profissionais e prediais. Dos Antecedentes Criminais 22. As arguidas não têm antecedentes criminais registados. Do pedido de indemnização civil 23. As arguidas com a sua atuação causaram ao assistente desgosto, angústia, inquietação e enervamentos, andou triste, ensimesmado, asténico. 24. O assistente, durante muito tempo, passou a ser uma pessoa a refugiar-se em casa, logo após o trabalho e a fugir e a evitar colegas, amigos e familiares. Factos Não Provados Da acusação A. As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas, afetando e denegrindo a honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respetivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo, bem como imputando-lhe factos que sabiam falsos, não se coibindo de o fazer através de uma entrevista dada a um jornal local de modo a difundir tais declarações. B. As arguidas agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. Do pedido de indemnização civil C. O assistente, durante meses, teve de passar a ingerir calmantes e ansiolíticos para dormir e poder descansar. D. O assistente, durante muitos meses, sentiu irritação e dores de cabeça, coisa que nunca tinha sentido na sua vida. E. O assistente redobrou e envidou duplamente esforços físicos e psicológicos para sentir que estava e continuava a exercer a sua atividade profissional de médico proficiente de forma segura, exemplar e irrepreensível. F. O assistente, após a publicação da notícia e comportamento das arguidas, sentia e pressentia que as pessoas, v.g., seus pacientes e colegas de trabalho olhavam para o mesmo com olhares de soslaio e desconfiança. G. O assistente, não raras vezes, após a publicação da notícia, foi abordado por seus pacientes e lhe perguntaram se o mesmo tinha causado a morte e/ou matado um senhor da.... H. O assistente teve pacientes seus e/ou pacientes novos e pré-marcados que desmarcaram consulta médica a dizer que não confiavam no assistente. I. O assistente durante muito tempo deixou de praticar exercício físico e caminhadas ao ar livre por sentir-se em debilidade de forças e mesmo com falta de forças psíquicas e psicológicas. J. O assistente chegou a automedicar-se com medicamentos e ansiolíticos para descansar e ultrapassar a tristeza e angústia. K. O assistente teve noites e noites, quase seguidas, sem conseguir dormir e quando o conseguia, minimamente acordava sobressaltado durante a noite. III.2-O Tribunal recorrido procedeu à motivação da decisão de facto da seguinte forma: O Tribunal, num juízo crítico da prova produzida, formulou a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados com base na conjugação das provas infra referidas, aplicando as regras da experiência comum que a cada caso se exijam e a livre convicção do julgador, conforme dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal. Assim, o Tribunal atendeu à seguinte prova: a. Declarações da arguida CC; b. Declarações do assistente/demandante AA; c. Testemunhal: i. EE; ii. FF; iii. GG; iv. HH; v. II; vi. JJ; vii. KK. d. Documental: i. Auto de denúncia, fls. 4; ii. Notícia a fls. 9; iii. Procedimento, fls. 24 a 95; iv. Declaração, fls. 103 e 104; v. Certificados de registo criminal, de fls. 273 e 274; vi. Relatório clínico de fls. 280 e 281; vii. Certidão de óbito, fls. 300; viii. Informação Segurança Social, de fls. 301; ix. Informação Registo Automóvel, de fls. 302; x. Informação Autoridade Tributária e Aduaneira, de fls. 303; xi. Informação Finanças, de fls. 304; xii. Inquéritos de satisfação, fls. 308 a 311, 313 a 316, 318 a 379; xiii. Relatório clínicos, fls. 386 a 386; xiv. Diário Clínico, fls. 390 a 397; xv. Jornal na contracapa. Concretizando: A arguida BB requereu o julgamento na sua ausência não tendo sido, por isso, possível, apurar a sua versão dos factos. A arguida CC compareceu à audiência de julgamento tendo prestado declarações quanto aos factos. Explicou que a família reside na África do Sul, mas que o seu pai tinha vários investimentos na … e na sequência de uma das viagens a esta Ilha adoeceu com Covid-19 e teve que ser internado, primeiro no Hospital ..., tendo sido, depois, transferido para o Hospital ..., sendo que, a sua mãe, a arguida BB também se encontrava na …. Com efeito, explanou que desde que o seu pai foi para o Hospital ..., o médico responsável pelo pai, o ora assistente, não comunicava com a sua mãe, sendo que esta tentava falar com o assistente, sem sucesso, exceto uma vez em que o assistente terá entrado na enfermaria dando conta à arguida BB que teria mudado a medicação do marido, sendo que quando esta tentou fazer perguntas sobre o estado de saúde do marido junto do assistente, tal não lhe foi permitido. Afirmou que face à deterioração do estado de saúde do seu pai e insatisfeitos com os cuidados médicos prestados ao seu pai, a família diligenciou por contratar um avião ambulância para o transportar para a África do Sul, tendo a arguida CC viajado para a Ilha ... cerca de seis dias antes da chegada do avião. Relatou várias situações que lhe pareceram desadequadas acontecerem num hospital, sendo que disse nunca ter formalizado qualquer queixa com receio de que tal pudesse ter repercussões no transporte aéreo do seu pai. Disse que dois dias antes da chegada do avião, o assistente contactou-a telefonicamente, dando conta de que o outro paciente da mesma enfermaria que o pai havia testado positivo para a covid e que, por isso, teria de ser transferido para o... tendo a arguida pedido para que tal transferência não se realizasse e que, ao invés, o mantivessem estável, uma vez que não sabiam se este tinha ou não covid, pois estavam a aguardar o resultado do teste, tendo o assistente referido que estava a cumprir com o protocolo e desligado a chamada. Relatou que após esta chamada procurou localizar o seu pai e deixou mensagem no Hospital para falar com o assistente, à qual não obteve resposta. Mais disse que recebeu uma chamada de um outro médico, já do Hospital ... a pedir que a mesma se dirigisse de urgência para tal unidade de saúde, ao que a arguida acedeu, tendo o referido médico lhe dito que o pai estava em estado crítico, prevendo a sua morte para breve, sendo que o resultado do teste covid realizado ao pai deu foi negativo. Declarou que, no seu entender, o assistente deveria ter aguardado pelo resultado ao teste ao covid antes de realizar a transferência, dado o estado de saúde debilitado do seu pai, ainda para mais considerando que ele era, agora, a única pessoa naquela enfermaria e que por isso, poderia ter sido mantido em isolamento, pelo menos até obter o resultado do teste. Acredita que se o pai não tivesse sido sujeito a todo o stress da transferência, não teria morrido. Esclareceu que durante o período que mediou a transferência e a morte, foi contactada por um jornalista a quem acedeu partilhar o sucedido para que o aconteceu ao pai não acontecesse com mais ninguém, tendo concedido uma primeira entrevista presencial e outra, já após a morte do pai, via telefónica, tendo sido nesta segunda que a sua mãe também foi entrevistada. Confirmou tudo o que consta na publicação, esclarecendo que prestou tal entrevista num estado emocional muito frágil, em que tinha perdido o seu pai e que, voltaria a dizer tudo o que disse, mas de uma forma diferente, sendo que nada do que disse foi mentira. Pediu desculpa ao assistente dizendo que não era sua intenção magoá-lo como também o perdoava por ter desligado a chamada na sua cara, não falar com a família quando o pai estava internado e por ter transferido o pai de hospital embora este não tivesse covid. O assistente AA prestou declarações no sentido de confirmar a sua profissão, n.º de cédula profissional e local onde exerce funções, bem como ter prestado assistência médica ao pai e marido das arguidas durante o seu internamento no Hospital .... Relatou que DD era um paciente frágil que deu entrada na unidade chefiada pelo assistente em ........2021 e que durante o internamento falou por diversas vezes com a arguida BB, sendo que apenas conseguiu precisar no tempo os dias ........2022, ........2022. Mais disse que falou com a arguida CC no dia ........2022. Disse estar a acompanhar todo o procedimento relacionado com o transporte do doente para a África do Sul através de avião ambulância. Acrescentou que no dia........2022, o doente ao lado da cama de DD testou positivo para covid e que na sua opinião deveria ser cancelado tal transporte e, em cumprimento do Protocolo 034 versão 10, que consta a fls. 24 a 95 (mais concretamente, o ponto 7.4.2.3 a fls. 42v e o fluxograma de fls. 85) determinou a transferência do Hospital ... para a Unidade Covid no Hospital .... Esclareceu que tal Protocolo determina que se um doente é considerado contacto próximo de uma pessoa que testou positivo para COVID-19, tem de ser transferido para a Unidade Covid, que só existia no Hospital ..., o que ocorreu. Disse que DD faleceu dois dias depois da transferência, mas que a mesma não foi causa da sua morte, esclarecendo que enquanto esteve ao seu cuidado melhorou a sua condição, tendo, por exemplo, aumentado de peso, ganho maior autonomia para as atividades de vida básica, conseguindo sentar-se na cama e cadeira, ainda que necessite de auxílio nas transferências, sendo que era independente no uso da cadeira de rodas, conseguindo contornar esquinas. Afirmou que tomou conhecimento da notícia publicada no jornal através de uma mensagem escrita que recebeu de um colega, em jeito de solidariedade, bem como de LL, à data dos factos Presidente do Conselho de Administração do ..., tendo sido esta que lhe remeteu a notícia em PDF. Disse que quando leu a notícia sentiu-se enxovalhado publicamente, sendo que, em consequência, ficou depressivo, tendo realizado medicação, tendo sido acompanhado ao nível mental, não conseguia conduzir. EE, irmã do assistente, disse ter tomado conhecimento da notícia através do grupo da família no WhatsApp, dizendo que o assistente jamais iria prejudicar quem quer que fosse e que em consequência da notícia o mesmo ficou muito abalado, não queria frequentar quaisquer convívios familiares. FF, mulher do assistente, disse que tomaram conhecimento da notícia assim que a mesma saiu, por a terem lido online, como de costume. Disse que, em consequência de tal notícia, o assistente ficou transtornado, preocupado, com vergonha, necessitando de acompanhamento psicológico. GG, diretor clínico do ..., afirmou ter tomado conhecimento da notícia pelo Jornal, tendo ligado ao assistente apresentado a sua solidariedade para com a situação. Disse que analisou os relatórios clínicos todos, não lhe tendo suscitado quaisquer dúvidas quanto à forma de atuação do assistente, o qual obedeceu à legis artis e, bem assim, ao plano de contingência do ..., embora não tenha sido aberto qualquer processo de inquérito ou de averiguações formal. Esclareceu que o médico tem autonomia técnica e que, em certos casos, é necessário quebrar protocolos para salvar um doente, mas que neste caso não se justificava, sendo que a situação do COVID foi excecional. Mais disse não ter conhecimento de quaisquer queixas contra o assistente. HH, paciente e amiga do assistente disse que quando leu a notícia ficou apreensiva, na dúvida sobre a sua veracidade, tendo inclusive pensado em deixar de ser acompanhada pelo assistente. Mais disse que o questionou sobre a notícia, tendo o mesmo demonstrado tristeza com a mesma. II, enfermeiro que trabalha com o assistente e compadre do mesmo, disse que tomou conhecimento da situação por comentários realizados por colegas e, após, foi ler a notícia. Disse que o assistente é uma pessoa muito correta, que ficou abalado, triste, tendo recorrido a ajuda psicológica fora da Ilha .... JJ, jornalista responsável pela notícia em causa, esclareceu que tomou conhecimento de que havia uma pessoa que se estava a queixar da assistência médica prestada a DD, altura em que obteve o contacto da arguida CC e a contactou, tendo reunido presencialmente com a mesma dias antes da noticia sair, ainda quando o seu pai estava vivo e, novamente, via telefónica, quer com esta como com a arguida BB já após a morte. Esclareceu que, inicialmente, a notícia era sobre a vinda do avião ambulância, sendo que à data, a arguida CC tinha pedido para a mesma não ser publicada até que a viagem para a... se realizasse, pois a mesma tinha receio que a notícia poderia perturbar todo o processo de transporte. Mais disse que contactou, antes de publicar a notícia, por duas vezes o ... e o assistente, sendo que este não tinha disponibilidade, nem nunca devolveu o contacto. Com efeito, detalhou que o assessor de imprensa do ... o informou que tinha conhecimento da situação e que a sua resposta foi curta e consta da notícia, sendo que, a testemunha até fez questões diretas, não tendo qualquer resposta, embora o ... tivesse comunicado que ia abrir um inquérito. Relatou que antes do falecimento de DD, a arguida CC estava muito preocupada com o seu estado de saúde e que, após a sua morte, as arguidas estavam muito tristes e revoltadas, pois CC tinha pedido para que o pai não fosse transferido. Acrescentou que todas as frases e expressões que constam na notícia que estejam entre aspas é uma reprodução do que as arguidas lhe disseram. KK, amiga da arguida CC, disse que a mesma estava, antes da morte do seu pai, muito stressada, preocupada, não dormia, não comia, sentia falta de empatia do pessoal do Hospital ..., bem como falta de apoio e resistência do pessoal médico a lhe prestar qualquer informação, sendo que a família tratou de trazer um avião ambulância da África do Sul para que DD fosse transferido e tratado em tal país pois eram de opinião que o mesmo não estava a ser devidamente tratado na Ilha .... Ora, conjugada toda a prova, verifica-se que existe acordo entre o declarado pela arguida CC e o relatado pelo assistente, quanto aos factos n.ºs 1 a 3, 5 e 7. Com efeito, ambos confirmaram a profissão do assistente, a assistência médica prestada pelo assistente a DD, pai e marido das arguidas, o seu falecimento em........2022 (que aliás resulta da certidão de óbito de fls 300), bem como a entrevista que saiu publicada no..., cujo teor integral consta do Jornal que está na contracapa e, bem assim, de fls. 6 a 9, bem como a respetiva data de publicação, o contacto telefónico estabelecido pelo assistente com a arguida CC em........22 e seu teor e a efetiva transferência para a Unidade Covid. A cédula profissional e o regime de contrato de trabalho do assistente foram por este relatados. A contratação de um avião ambulância, sua causa e data de transporte resultam quer das declarações da arguida, como da notícia referida, sendo que ainda consta da documentação médica com a ref.ª 5774358 de ........2024 (páginas 785, 788, 791 a 792), estando, assim, demonstrado o facto n.º 4. Os factos n.ºs 6, 8 a 10, relativo ao pedido de não transferência, a admissão dos factos e razão da sua prática e a sua convicção, resultam provados pelas declarações da arguida CC em conjugação com o depoimento de JJ, nos termos em que se explanou, tendo ainda sido relatado por KK. É certo que esta última testemunha é amiga da arguida CC, mas a verdade é que o seu depoimento se limitou a reproduzir aquilo que a primeira lhe contava, em confidência, não tendo qualquer intuito persecutório, não acrescentando factos e até, negado outros, por exemplo, o dizer algo negativo sobre o assistente. A data em que o familiar das arguidas foi internado no... e bem assim os contactos que o assistente manteve com as arguidas resulta da documentação médica com a ref.ª 5774358 de ........2024 (nomeadamente, páginas 788, 792, 793 e 797), sendo que quanto ao último facto, resulta também das declarações do assistente, estando, assim provados os factos n.ºs 11 e 12. Os factos n.ºs 13 a 16 quanto às condições pessoais e socioeconómicas da arguida CC resultam provadas com base nas suas próprias declarações. Os factos n.ºs 17 a 21, quanto às condições pessoais e socioeconómicas da arguida BB resultam provadas com base nas informações da Segurança Social, Registo Automóvel, Autoridade Tributária e Aduaneira e Finanças, a fls. 301 a 304. Com efeito, em virtude de a arguida não ter comparecido à audiência de julgamento, não permitindo, assim, ao Tribunal apurar da sua situação económica e porque o Tribunal ficar numa situação de non liquet, determinou-se a realização de pesquisas nas bases de dados, o que culminou com a informação referida. O facto n.º 22, referentes aos antecedentes criminais das arguidas resulta demonstrado pelo certificado de registo criminal das mesmas (CRC) que consta a fls. 273 e 274. Os factos n.ºs 23 e 24, quanto aos danos sofridos pelo assistente, em consequência da atuação das arguidas, resultou demonstrado quer pelas declarações deste, como da sua irmã, EE, da sua esposa FF e II. Neste âmbito, importará referir que todas as testemunhas referidas apresentaram um discurso interessado dada a relação familiar e/ou laboral e/ou amizade que dispõem com o assistente, sendo que o Tribunal apenas considerou o seu depoimento na medida em que é consentâneo com as regras de experiência comum e está corroborado pelo relatório clínico de fls. 280 a 281. No que se refere à consciência da ilicitude e vontade de ação, o Tribunal não ficou absolutamente convencido de que, as arguidas soubessem que ao realizarem tal entrevista estariam a praticar um crime. Com efeito, as mesmas deram tal entrevista, conforme foi explanado por CC, para dar a conhecer a situação do pai, por forma a que casos idênticos não se repetissem, entendendo-se que se enquadra no direito a informar. Além disso atendendo a todo o contexto em que tal entrevista foi concedida, após a morte do familiar, na sequência de uma transferência de hospital que as próprias pediram ao assistente para que não se realizasse, é normal que o sentimento de revolta e tristeza tendo verbalizado ao jornalista aquilo que «lhes ia na alma», verbalizando o que acharam da atuação profissional quer do assistente como do hospital, sendo que, em qualquer caso, entende-se que as mesmas atuaram ao abrigo do direito de liberdade de expressão. Note-se que não foram as arguidas que procuraram o jornalista, mas sim o inverso, como o próprio jornalista relatou, o que contribui para afastar qualquer intenção de prejudicar, de dizer mal, de humilhar, ofender a honra e consideração do assistente. Acresce que, conforme explicitou a arguida CC o por si relatado correspondia ao efetivamente ocorrido, não tendo qualquer intenção de magoar o assistente. Referir, também, que as declarações da arguida foram absolutamente credíveis, por espontâneas, coerentes e consentâneas com as regras de experiencia comum e sem qualquer intuito lucrativo (ao contrário do que insinuou, por diversas vezes o Ilustre Mandatário do assistente, pois que, se assim fosse, as arguidas teriam movido um processo contra o assistente e contra o... com vista a obterem o reembolso do valor pago pelo avião ambulância, situação que não fizeram). Como tal, resultam não provados os factos A e B. Os factos não provados C a K quanto a danos sofridos pelo assistente que resultaram assim resultam não foram descritos pelo assistente nem por nenhuma das testemunhas referidas, sendo que alguns dos factos alegados são contrários às regras de experiência comum (como o facto D, que diz que o assistente nunca sentiu irritação ou dores de cabeça, o que é absolutamente contrário ao ser humano, pois todo o ser humano sente irritação e dores de cabeça, desde o seu nascimento). Pormenorizar que quanto ao facto F nenhuma prova se produziu quanto a qualquer desconfiança de colegas de trabalho. Aliás, note-se que até o diretor do ... GG, antes até de fazer a sua averiguação informal, ligou ao assistente mostrando-se solidário com o mesmo, como o fizeram outros colegas e pessoas (como a presidente do conselho de administração), conforme o próprio assistente relatou. A propósito desta testemunha, referir que apresentou um discurso interessado, protetor do assistente, sendo que perante a notícia em causa, na qualidade de superior do assistente deveria, no entender do Tribunal, ter diligenciado pela abertura de um processo formal embora, claro está, tal estivesse no seu livre arbítrio, sendo que revelou não conhecer todo o percurso profissional do assistente, pois que disse desconhecer a existência de qualquer queixa contra o mesmo quando, se atentarmos a fls. 123 a 127, existiu um processo de inquérito contra o mesmo, em relação a outro utente que não o dos autos. Dizer, por fim, quanto ao facto G, embora a testemunha HH tenha referido que perguntou ao assistente sobre a notícia (e no fundo a sua veracidade) e de ter pensado em deixar de ser acompanhada pelo assistente, o Tribunal não considerou o seu depoimento credível, desde logo porque omitiu a relação de proximidade que tinha com o assistente, pois além de paciente é amiga (situação que só referiu após instada pelo Tribunal) e, além disso, não é comum nas relações paciente-médico o primeiro questionar o segundo sobre a veracidade de uma dada notícia. A título final, dizer que as declarações do assistente em que informa o Tribunal de que recebeu diversos prémios e que os inquéritos de satisfação do seu serviço eram positivos (cf. fls. 308 a 311, 313 a 316, 318 a 379 – embora o Tribunal desconheça se existam outros que não os remetidos) em nada se reputou essencial para a descoberta da verdade, pois que, ainda que o assistente pudesse ter sido um profissional exemplar toda a vida, tal não quer dizer que, numa ocasião, o pudesse não ter sido (não querendo com isto o Tribunal dizer que o assistente errou ou agiu de forma menos diligente). Com efeito, ninguém é perfeito e os erros ocorrem e não é por ser se perfeito na maioria das vezes que se vá ser sempre. III.3-O Tribunal recorrido procedeu ao seguinte enquadramento jurídico-penal: As arguidas vêm acusadas da prática de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º (1ª parte), 180.º, n.º 1, 183.º n.ºs 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal Estipula o artigo 180.º, do Código Penal que «1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. 3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. 4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.» Já no artigo 183.º, do mesmo diploma legal prevê-se que se no caso do crime de difamação: «1 – (…) a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.» Por sua vez, quando a vítima do crime seja um funcionário público no exercício das suas funções ou por causa delas a pena é elevada de metade nos seus limites mínimo e máximo, nos termos dos artigos 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do referido Código. Em termos sistemáticos, o presente normativo legal, encontra-se integrado no Título I, relativo aos crimes contra as pessoas, e dentre deste, no Capítulo VI, relativo aos crimes contra a honra. O bem jurídico protegido por este normativo é a honra, bem este que constitui um direito fundamental consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, «[o] direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação.»6 O objeto dessa conduta tem de ser uma pessoa identificada ou identificável, sendo dirigida a um terceiro (caraterística que distingue este crime do crime de injúria em que a ofensa é dirigida em exclusivo ao ofendido). O tipo objetivo deste crime exige que a imputação do facto ou a formulação do juízo ofensivos da honra de outra pessoa ou a reprodução dessa imputação ou juízo. Por facto deve entender-se um dado real da experiência, i.e., aquilo que é ou que acontece. Ao invés, um juízo traduz-se numa valoração de uma determinada situação, comporta uma opinião, na forma de um comentário.7 «[A]s opiniões não são verdadeiras nem falsas. Podem ter mais ou menos sustento factual, mas não passam de opiniões, de juízos de valor que variam de pessoa para pessoa, pelo que não faz sentido condenar uma pessoa por ter uma opinião falsa (…).»8 O juízo de valor é ilício se enxovalhar, degradar e rebaixar o visado de tal forma que o mesmo nem é reconhecido como interlocutor, sendo-lhe atribuídas características que o singularizam como pessoa especialmente merecedora de repugnância.9 O facto pode ser comunicado como uma insinuação, suspeita, expectativa, sob a forma de perguntas, de uma proposição incompleta sobre a realidade, como uma meia verdade e sob a forma de repetição da alegação de um terceiro10, sendo irrelevante «fazer preceder a imputação do facto ou a formulação do juízo de um «diz-se», «ouvimos de vários lados», «tanto quanto julgamentos saber.» Mais. Mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo.»11 Este crime exige que se atente ao contexto e circunstâncias em que a expressão ou expressões são proferidas e, apreciar se, nesse âmbito, atingiu o visado num quadro que mereça tutela penal.12 Com efeito, «não deverá ser tida em conta uma hipersensibilidade desproporcionada do lesado relativamente à apreciação da sua própria honra social ou ao seu sentimento individual de honra.»13 Na verdade, nos casos em que «o ofendido [exerce] funções públicas, a esfera da respetiva honra encontra-se ainda mais comprimida, estando sujeita a suportar, com maior tolerância, a crítica.»14 O tipo subjetivo exige o dolo, em qualquer uma das formas previstas no artigo 14.º, do Código Penal. Por vezes, o direito à honra conflitua com direito à liberdade de expressão, igualmente, constitucionalmente consagrado, no artigo 37.º, da Constituição da República Portuguesa, o qual se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. Tal direito, tem uma grande amplitude, ao ponto de permitir que se emitam juízos desfavoráveis e críticas a outrem. Todavia, tal liberdade de expressão não é ilimitada. Com efeito, tem de respeitar a honra e dignidade da pessoa humana. Este direito encontra-se também previsto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no seu artigo 10.º que prevê que: «1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.» A propósito do confronto entre o direito à honra e o direito à liberdade de expressão, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem defendido que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e realização de cada um,15 sendo irrelevante se a opinião manifestada é consensual, inofensiva ou indiferente, ou se é chocante, fere ou causa inquietação.16 Com efeito, tal Tribunal considerou que foi violado o direito à liberdade de expressão, tendo condenado o Estado Português num caso em que dois advogados foram condenados pelos tribunais portugueses por difamação na sequência de terem realizado comentários na imprensa alegando o envolvimento de um juiz em corrupção, os quais foram considerados como ofensivos da honra de um juiz.17 Noutro caso, desta vez na Roménia, o TEDH considerou que se estava perante a violação do direito à liberdade de expressão num caso em os tribunais romenos condenaram uma jornalista por ter publicado um artigo em que criticava a conduta profissional de um juiz.18 Mais recentemente, no caso VEIGA CARDOSO v. PORTUGAL (n.º 48979/19), na qual um pai, V Veiga Cardoso, no âmbito de um processo do Tribunal de Família e Menores, numa reunião com assistentes sociais, disse, referindo-se ao procurador do processo, «isto é um enxovalho, aquilo não é um tribunal não é nada, aquele procurador, (…) é um indivíduo que bebe uns copos ou sei lá, não abre a boca.», foi condenado por difamação agravada, tendo o TEDH considerado que, mais uma vez, o Estado Português desrespeitou o artigo 10.º da CEDH, pois que no seu entender, tais palavras foram proferidas em reação à implementação de visitas supervisionadas da sua filha, constituíram uma forma de desabafo, uma crítica ao aspeto profissional do desempenho do procurador e à sua falta de ação perante aquele processo.19 Ora, está-se perante dois direitos fundamentais, sendo que nesta matéria deve atender-se ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, a crítica pode ser legitimamente exercida no contexto da atividade profissional do visado20, sendo que a crítica concreta a um serviço público constitui o exercício de um direito.21 «A condição essencial de legitimidade do juízo de valor é a de que ele se dirija `as obras, realizações ou prestações do visado e não ao visado em si mesmo, como pessoa.»22 Ora, de acordo com o artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, o facto não é ilícito quando for praticado no exercício de um direito, como é o caso do direito à liberdade de expressão. No presente caso, Provou-se que o assistente é médico, exercendo serviço de cuidados intensivos no Hospital ..., no..., em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado, sendo, por isso, funcionário público. Mais se provou que, no âmbito da sua atividade profissional, o assistente prestou cuidados médicos a DD, marido da arguida BB e pai da arguida CC, internado que se encontrava no Hospital, tendo falecido no dia .../.../2022. Também se demonstrou que, após a morte de DD, as arguidas concederam uma entrevista ao Jornal ..., a qual foi publicada em .......2022, com o seguinte teor: (opta-se por não transcrever de novo, por já constar dos factos provados). Provou-se que o assistente é médico, exercendo serviço de cuidados intensivos no Hospital ..., no..., em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado, sendo, por isso, funcionário público. Mais se provou que, no âmbito da sua atividade profissional, o assistente prestou cuidados médicos a DD, marido da arguida BB e pai da arguida CC, internado que se encontrava no Hospital, tendo falecido no dia .../.../2022. Também se demonstrou que, após a morte de DD, as arguidas concederam uma entrevista ao Jornal ..., a qual foi publicada em ........2022, com o seguinte teor: Acontece que, analisando tal entrevista, verifica-se, desde logo, que as arguidas imputam não só ao assistente como também ao próprio Hospital negligência na atuação que tiveram com o seu familiar. Com efeito, tal acusação baseou-se numa convicção séria das mesmas de que não fosse a transferência de DD de hospital, o mesmo não veria o seu estado de saúde agravado, com a sua subsequente morte. Ora, tais declarações não dizem respeito à atuação do assistente como pessoa, cidadão nem dizem respeito à sua vida pessoal. Na verdade, dizem respeito à sua atuação enquanto profissional que, no entender das arguidas, no que concerne àquele ato, não foi diligente. Todos os cidadãos estão sujeitos a serem criticados, sendo que a crítica no âmbito profissional é usual. No caso dos médicos, a crítica mais comum é, de facto, dizer-se que atuou de forma negligente, quando as coisas não correm conforme o paciente ou os familiares pretendiam. O assistente, enquanto médico de um serviço público sabe que está sujeito a este tipo de críticas (ainda que tenha um percurso profissional incólume) e, por isso, a esfera da sua honra está ainda mais comprimida, estando sujeito a ter uma maior tolerância à crítica. Com efeito, os médicos que como qualquer outro funcionário público ou quem exerce funções públicas estão sujeitos ao escrutínio e julgamento públicos que devem e têm de aceitar. Analisada a notícia, repete-se, entende-se que se está perante uma crítica uma concreta atuação do assistente (e do Hospital, diga-se) na sua qualidade de médico do familiar das arguidas e não à pessoa em si. Tal crítica apesar de desagradável e de ter sido difundida na comunicação social está protegida pelo direito à liberdade de expressão. Note-se que esta opinião das arguidas, neste juízo de valor formulado à atuação do assistente e do... não é ilícita, pois não enxovalha o assistente nem o visou fazer. Visou, sim, conforme foi referido pela arguida CC evitar que a situação ocorrida com o seu pai se repetisse. Com efeito, as arguidas pretenderam, na notícia, que o assistente e o hospital fossem responsabilizados pelos atos que fizeram e que na sua opinião não deveriam ter realizado. É certo que poderiam ter apresentado queixa no hospital, na Ordem dos Médicos, no ... ou até queixa crime contra o assistente e hospital e não o fizeram, tendo optado por irem para a comunicação social. Mas é importante atender a todo o contexto em causa. As arguidas concederam a entrevista quer uns dias antes como logo após a morte do familiar (que tinha o seu estado de saúde já debilitado) e estavam desagradadas com o serviço médico prestado ao mesmo, ao ponto de contratarem a suas expensas um avião ambulância para o transportar para a África do Sul. Estavam revoltadas e angustiadas. Mais, foram elas que foram contactadas pelo jornalista e não o oposto. Ora, neste tipo de contexto, muitas vezes dizemos coisas que ainda que no nosso entender não sejam falsas, poderiam ser ditas de outra forma. É certo que qualquer pessoa na situação do assistente fica desagradado com o ocorrido, mas não se entende que tal conduta tenha atingido o núcleo de qualidades morais e de consideração profissional do mesmo. Acresce que, a par da referência à negligência, a arguida BB refere na notícia que o assistente falou com ela a primeira vez há duas semanas, apesar de o familiar estar internado há cerca de 3 meses no hospital, o que, não é falso, conforme aliás, se demonstrou (que o assistente falou com BB em ........2022), sendo algo objetivo. Assim, pelo exposto, entende-se que as arguidas ao dizerem o que disseram exerceram um direito, que é o de liberdade de expressão, direito este que, no caso, se sobrepõe ao direito à honra do assistente. E como tal, não praticaram o crime por que vêm acusadas, devendo, por isso, ser absolvidas. III.4-O Tribunal recorrido decidiu o pedido de indemnização civil da seguinte forma. AA deduziu pedido de indemnização civil, a fls. 163 a 166 contra as arguidas, peticionando o pagamento, pelas mesmas, da quantia de 20.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a data da prática dos factos até inteiro e efetivo pagamento. Cumpre apreciar e decidir. «A consumação de um crime pode desencadear dois tipos de reações criminais: uma de natureza criminal – para que o seu autor seja penalmente censurado, isto é, para que lhe seja aplicada uma pena; uma de natureza civil – para que os prejudicados com o crime sejam ressarcidos pelas consequências materiais e morais advindas da sua prática.»23 Os artigos 71.º e seguintes do Código de Processo Penal, prevêem a possibilidade do lesado pedir a condenação do arguido ou mero responsável civil no pagamento de uma indemnização civil por danos causados pela prática de um crime. A responsabilidade civil emergente de crime encontra a sua previsão legal no artigo 129.º, do Código Penal, que dita que: «[a] indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.», i.e., pelas disposições do Código Civil, nomeadamente os artigos 483.º e seguintes de 562.º e seguintes. Destes normativos legais, resultam os pressupostos da responsabilidade civil como também as regras de determinação dos danos a indemnizar, encontrando-se a obrigação de indemnizar condicionada à prática pelo lesante de um facto ilícito e culposo. O artigo 483.º do Código Civil dispõe que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Resulta desta norma legal que são cinco os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos a saber: i. Facto voluntário do lesante, i.e., o facto dominável ou controlável pela vontade, facto este que pode ser positivo (ação) ou negativo (omissão); ii. Ilicitude, traduzida na reprovação da conduta do agente, conduta essa que se manifesta através da violação do direito de outrem e da violação da lei que protege interesses alheios; iii. Culpa, traduzida na reprovação ou censura do direito face à conduta do agente. iv. Dano, traduzido na perda que o lesado sofreu em virtude de um facto ilícito, que pode ser de dois tipos, o dano patrimonial e o dano não patrimonial. O dano patrimonial, que se traduz no reflexo do dano real na situação patrimonial do ofendido, pode ser de duas categorias (i) dano emergente, i.e., o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data do facto; (ii) lucro cessante, i.e., os benefícios que o lesado deixou de obter em virtude do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data do facto. O dano não patrimonial ou moral traduz-se em prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, uma vez que estão em causa bens que não integram o património do lesado. Por essa razão, tais danos apenas podem ser compensados. O Código Civil prevê a reparação destes danos no artigo 496.º. Todavia, delimitou esta reparação aos danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. A fixação do valor da compensação por danos não patrimoniais é realizada de acordo com a equidade nos termos do artigo 496.º, n.º 4 do mencionado Código. v. Nexo de causalidade entre o facto e o dano: o facto tem de ter dado origem (ser a causa) ao dano. Vigora entre nós a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, prevista no artigo 563.º, do Código Civil. De acordo com esta teoria a «inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. (…) [O] facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.»24 Nos termos do disposto nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil, a obrigação de reparação de danos provocados a outrem consiste, em princípio, na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesante. A fixação do valor da compensação por danos não patrimoniais é realizada de acordo com a equidade, tendo em atenção a situação económica do agente e do lesado e demais circunstâncias do caso concreto, nos termos dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil. No caso dos autos, Provou-se que o assistente é médico, exercendo serviço de cuidados intensivos no..., no..., em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado, sendo, por isso, funcionário público. Mais se provou que, no âmbito da sua atividade profissional, o assistente prestou cuidados médicos a DD, marido da arguida BB e pai da arguida CC, internado que se encontrava no Hospital, tendo falecido no dia.../.../2022. Também se demonstrou que, após a morte de DD, as arguidas concederam uma entrevista ao Jornal ..., a qual foi publicada em .......2022, com o seguinte teor (…). Demonstrou-se, ainda, que em consequência de tal notícia, o assistente teve desgostoso, angustiado, inquieto, enervado, triste, ensimesmado, asténico, procurando refugiar-se em casa. Assim, verifica-se o preenchimento dos requisitos do facto, do dano e do nexo de causalidade. Todavia, em nosso entender, não se encontra preenchido o requisito da ilicitude. Com efeito, conforme se explanou no capítulo anterior, para onde se remete por uma questão de economia e celeridade processual, as arguidas atuaram no exercício do direito à liberdade de expressão, direito este que é lícito. Assim sendo, é de improceder o pedido de indemnização civil.” IV- FUNDAMENTOS DO RECURSO E RESPECTIVA APRECIAÇÃO Apreciemos, então, as questões a resolver: 1.ª se os factos constantes das alíneas A) e B) dos factos não provados devem ser dados como provados; Alega o assistente/recorrente em sede de conclusões que: - devem ser dando por provados os factos das alíneas A) e B) da fímbria dados como não provados da sentença recorrida. - Se alguém actuou com animus nocidendi foram as arguidas e recorridas; - ânimo e dolo altamente tóxicos e descarados, pelo que as alíneas A) e B) dos factos não provados não podem jazer e cristalizarem-se como não provadas. Vemos, porém, da análise global da motivação e conclusões, que o recorrente é parco na argumentação, não alegando em concreto, se fundamenta o recurso nos vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 do CPP (em particular, no “erro notório da apreciação da prova”) ou na impugnação alargada da matéria de facto (“erro de julgamento”) a que alude o art.º 412.º, n.º3 do mesmo Diploma Efectivamente, nos termos do art.º 410.º, do CPP (Fundamentos do recurso) 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada. (destaques nossos). Mais dispõe o art.º 412.º, do CPP: (Motivação do recurso e conclusões) 1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. (…) 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 5 - Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse. 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. (destaques nossos). O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, embora não vise a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, isto é, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal. Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2021, proferido no Processo n.º 797/14.0TAPTM.E2.S1 (Relator: NUNO GONÇALVES): No nosso sistema, o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido. No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido. Assim, impõe-se-lhe: i. a especificação dos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado; ii. a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa. iii. a especificação, sendo caso disso, das “provas que devem ser renovadas”, que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – cfr. artigo 430º, nº 1, do citado diploma. No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão recorrida, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente. Como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 3/2012 de 08.03.2012, publicado no D.R. I Série, nº 77, de 18.04.2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório. A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas. O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto. Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”. Tal como entendimento exarado no seguinte aresto do TRL de 02.12.2020 proc. 3606/15.0T9SNT.L15 (in www.dgsi.pt): “para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõe decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (…) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportem entendimento divergente, com indicação de início e termo desses segmentos”. No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2021, proferido no Processo n.º 522/18.7PBELV.E1 (Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA): O ónus que recai sobre o recorrente é de uma impugnação especificada, impugnatória de factos concretos, fazendo em cada ponto referência aos meios de prova que considere relevantes. A lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1.ª instância apenas ocorre nos termos apontados no art.º 431º do CPP, entre os quais a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do mesmo diploma. Na impugnação da matéria fáctica não basta mera referência ou indicação genérica dos pontos de facto e das provas dissonantes, mas deve especificar-se os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa. (…) Torna-se necessário a indicação expressa dos concretos pontos de facto e das concretas provas que para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa. (destaques nossos). No caso dos autos, o assistente/recorrente não menciona em concreto os meio de prova ou de obtenção da prova cujos conteúdos imporiam decisão diversa nem especifica, quais os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação seria, sendo caso disso, pretendida, nem muito menos, estando a prova gravada, nos termos do nº 4 do art.º 412º do CP Penal, o recorrente não indica concretamente as passagens (das gravações) em que fundamenta a impugnação. Não podemos deixar de concluir que não foram cumpridas as formalidades presentes nos preceitos legais supra mencionados, sendo certo que não pode haver lugar a um convite ao aperfeiçoamento. Com efeito, o incumprimento do percurso legalmente definido não está presente apenas nas conclusões extraídas pelo recorrente, mas também na “motivação” apresentada em que não se mostra qualquer preocupação com o cumprimento das exigências previstas na lei a tal respeito, sendo o texto da motivação do recorrente o limite das correcções possíveis. A falta das referidas especificações compromete a possibilidade do Tribunal de recurso sindicar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido, tornando inviável a modificação da decisão sobre a matéria de facto, e não contendo também o corpo das motivações essa especificação, não se trata de insuficiência das conclusões, mas sim de deficiência substancial da própria motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insusceptível de aperfeiçoamento, com a consequência de nesta parte o recurso não poder ser conhecido (neste sentido Ac. TRG de 14.04.2020, proc. 621/19.8T9VNF.G1 in www.dgsi.pt.) Ademais, um qualquer convite ao aperfeiçoamento das aludidas conclusões redundaria na concessão de um alargamento do prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso (neste sentido Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.2004, 05/07/2007, 04/10/2006, Ac TRL de 24.01.2012, in proc. 708/07.0JDLSB.L1 e os Ac TC n.º 259/2002, de 18.06.2002, e 140/2004, de 10.03.2004, in www.tribunalconstitucional.pt.). Não podendo deixar de se concluir que se não mostra cumprido o ónus de especificação exigido pela lei, outra solução não resta que considerar que esta parte do recurso não pode ser conhecida, por incumprimento das formalidades legalmente prescritas, impondo-se a rejeição do recurso interposto para os efeitos do n.º3 do art.º 412.º, do CPP, por não poder ser conhecido. * Analisando, agora, os fundamentos do recurso a fim de concluir se ocorre algum dos vícios de conhecimento oficioso (Cfr. Jurisprudência uniformizadora: Ac. Do STJ n.º 7/95 de 19/10/95, in DR de 28/12/1995), previstos no n.º 2 do art.º 410.º, do CPP, diremos que em comum aos três vícios aí previstos, o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum (parte final do n.º 2 do referido art.º). Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871. Com pertinência para o caso, o erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.”– cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. e loc. citados. Um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida. O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício. Se os factos descritos na sentença e considerados provados e não provados se apresentam, aos olhos de um homem dotado de mediana inteligência e experiência da vida, contraditórios ou de verificação impossível, no contexto daquela descrição e a respectiva análise crítica pelo Juiz não obedece a claros princípios de racionalidade, ou viola regras de prova vinculada ou conhecimentos comuns inquestionáveis. (cfr. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição, Almedina, pág. 958.) O erro notório na apreciação da prova constitui vício intrínseco e endógeno da decisão, independente de qualquer elemento que lhe seja exterior, designadamente de meios de prova produzidos [ressalvada a desconsideração de prova de valor legalmente vinculado] ou que o deveriam ter sido, e que decorre de aquela assentar em premissas ou chegar a conclusões entre si excludentes ou frontalmente contrariadas por regras científicas ou por qualquer regra da normalidade e experiência. Os três vício, consubstanciam, em suma, vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto [constituem vícios da decisão relativa à matéria de facto e não do julgamento], verificando-se quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Volvendo ao caso dos autos, relembrando, estão em causa os seguintes factos não provados que o assistente considera que devem ser dados como provados: A. As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas, afetando e denegrindo a honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respetivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo, bem como imputando-lhe factos que sabiam falsos, não se coibindo de o fazer através de uma entrevista dada a um jornal local de modo a difundir tais declarações. B. As arguidas agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. Em sede de motivação da decisão de facto o Tribunal fundou a convicção em dar os mesmos como não provados pela forma seguinte: “O Tribunal, num juízo crítico da prova produzida, formulou a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados com base na conjugação das provas infra referidas, aplicando as regras da experiência comum que a cada caso se exijam e a livre convicção do julgador, conforme dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal. (…) No que se refere à consciência da ilicitude e vontade de ação, o Tribunal não ficou absolutamente convencido de que, as arguidas soubessem que ao realizarem tal entrevista estariam a praticar um crime. Com efeito, as mesmas deram tal entrevista, conforme foi explanado por CC, para dar a conhecer a situação do pai, por forma a que casos idênticos não se repetissem, entendendo-se que se enquadra no direito a informar. Além disso atendendo a todo o contexto em que tal entrevista foi concedida, após a morte do familiar, na sequência de uma transferência de hospital que as próprias pediram ao assistente para que não se realizasse, é normal que o sentimento de revolta e tristeza tendo verbalizado ao jornalista aquilo que «lhes ia na alma», verbalizando o que acharam da atuação profissional quer do assistente como do hospital, sendo que, em qualquer caso, entende-se que as mesmas atuaram ao abrigo do direito de liberdade de expressão. Note-se que não foram as arguidas que procuraram o jornalista, mas sim o inverso, como o próprio jornalista relatou, o que contribui para afastar qualquer intenção de prejudicar, de dizer mal, de humilhar, ofender a honra e consideração do assistente. Acresce que, conforme explicitou a arguida CC o por si relatado correspondia ao efetivamente ocorrido, não tendo qualquer intenção de magoar o assistente. Referir, também, que as declarações da arguida foram absolutamente credíveis, por espontâneas, coerentes e consentâneas com as regras de experiência comum e sem qualquer intuito lucrativo (ao contrário do que insinuou, por diversas vezes o Ilustre Mandatário do assistente, pois que, se assim fosse, as arguidas teriam movido um processo contra o assistente e contra o... com vista a obterem o reembolso do valor pago pelo avião ambulância, situação que não fizeram). Como tal, resultam não provados os factos A e B.” Analisadas as declarações da arguida CC o Tribunal recorrido assentou que: “A arguida CC compareceu à audiência de julgamento tendo prestado declarações quanto aos factos. Explicou que a família reside na África do Sul, mas que o seu pai tinha vários investimentos na … e na sequência de uma das viagens a esta Ilha adoeceu com Covid-19 e teve que ser internado, primeiro no Hospital ..., tendo sido, depois, transferido para o Hospital ..., sendo que, a sua mãe, a arguida BB também se encontrava na …. Com efeito, explanou que desde que o seu pai foi para o Hospital ..., o médico responsável pelo pai, o ora assistente, não comunicava com a sua mãe, sendo que esta tentava falar com o assistente, sem sucesso, exceto uma vez em que o assistente terá entrado na enfermaria dando conta à arguida BB que teria mudado a medicação do marido, sendo que quando esta tentou fazer perguntas sobre o estado de saúde do marido junto do assistente, tal não lhe foi permitido. Afirmou que face à deterioração do estado de saúde do seu pai e insatisfeitos com os cuidados médicos prestados ao seu pai, a família diligenciou por contratar um avião ambulância para o transportar para a África do Sul, tendo a arguida CC viajado para a Ilha ... cerca de seis dias antes da chegada do avião. Relatou várias situações que lhe pareceram desadequadas acontecerem num hospital, sendo que disse nunca ter formalizado qualquer queixa com receio de que tal pudesse ter repercussões no transporte aéreo do seu pai. Disse que dois dias antes da chegada do avião, o assistente contactou-a telefonicamente, dando conta de que o outro paciente da mesma enfermaria que o pai havia testado positivo para a covid e que, por isso, teria de ser transferido para o Hospital ..., tendo a arguida pedido para que tal transferência não se realizasse e que, ao invés, o mantivessem estável, uma vez que não sabiam se este tinha ou não covid, pois estavam a aguardar o resultado do teste, tendo o assistente referido que estava a cumprir com o protocolo e desligado a chamada. Relatou que após esta chamada procurou localizar o seu pai e deixou mensagem no Hospital para falar com o assistente, à qual não obteve resposta. Mais disse que recebeu uma chamada de um outro médico, já do Hospital ... a pedir que a mesma se dirigisse de urgência para tal unidade de saúde, ao que a arguida acedeu, tendo o referido médico lhe dito que o pai estava em estado crítico, prevendo a sua morte para breve, sendo que o resultado do teste covid realizado ao pai deu foi negativo. Declarou que, no seu entender, o assistente deveria ter aguardado pelo resultado ao teste ao covid antes de realizar a transferência, dado o estado de saúde debilitado do seu pai, ainda para mais considerando que ele era, agora, a única pessoa naquela enfermaria e que por isso, poderia ter sido mantido em isolamento, pelo menos até obter o resultado do teste. Acredita que se o pai não tivesse sido sujeito a todo o stress da transferência, não teria morrido. Esclareceu que durante o período que mediou a transferência e a morte, foi contactada por um jornalista a quem acedeu partilhar o sucedido para que o aconteceu ao pai não acontecesse com mais ninguém, tendo concedido uma primeira entrevista presencial e outra, já após a morte do pai, via telefónica, tendo sido nesta segunda que a sua mãe também foi entrevistada. Confirmou tudo o que consta na publicação, esclarecendo que prestou tal entrevista num estado emocional muito frágil, em que tinha perdido o seu pai e que, voltaria a dizer tudo o que disse, mas de uma forma diferente, sendo que nada do que disse foi mentira. Pediu desculpa ao assistente dizendo que não era sua intenção magoá-lo como também o perdoava por ter desligado a chamada na sua cara, não falar com a família quando o pai estava internado e por ter transferido o pai de hospital embora este não tivesse covid. Vista a motivação da decisão de facto do Tribunal recorrido, agrupando os factos, fundamentou de forma exaustiva cada um dos grupos de factos, por reporte à prova produzida, concluindo, no final de cada grupo, convicção positiva ou negativa, explicando cabalmente, todo o processo de formação da sua convicção fazendo um exame crítico da prova. Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte: «Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art.º 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum». Ao Tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. “Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253). É certo que a livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana. De acordo com o aludido princípio da livre apreciação da prova, o julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório sendo que “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.”– cfr. Professor Figueiredo Dias, ob. e loc. citados e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.” Ora, no caso dos autos e analisado o texto do Acórdão recorrido na fundamentação de facto e supra transcrita, é notório que o Tribunal evidencia, na sua exposição motivacional uma posição segura e inequívoca relativamente quer aos factos dados como provados quer aos dados como não provados, decidindo à luz das as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127.º, do CPP, sendo que a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, por “erro notório”, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância está enriquecida pela oralidade e pela imediação, que fez o Julgador atribuir credibilidade às declarações da arguida CC, opção assente na referida imediação e na oralidade, sendo que essa opção é admissível face às regras da experiência comum não havendo razões para ser objecto de critica por este Tribunal de recurso. Na sentença recorrida em crise, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova inserto no art.º 127.º, do CPP, que em conjunto com o princípio da imediação enfatiza a livre convicção da Juiz da 1.ª Instância, que realizou o julgamento e proferiu a sentença absolutória, a qual se mostra consentânea com as regras da experiência e da lógica. Como vimos, o percurso seguido pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, mostra-se, perfeitamente explicado, de forma lógica e objectivável e, nessa medida, porque beneficiou da imediação e da oralidade, deve prevalecer. A fundamentação realizada pelo Tribunal recorrido é lógica e escorreita, despida de contradições, insuficiências, vícios de racíocinio, ou erro crasso, e a decisão encontra-se escorada no circunstancialismo fundamentador não padecendo o texto do acórdão recorrido de qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão nem erro notório na apreciação da prova previstos no art.º 410.º, n.º2, do CPP. Improcede assim, também nesta parte, o recurso interposto pelo assistente, encontrando-se definitivamente fixada a matéria de facto provada e não provada. Apreciemos agora a segunda questão: 2.ª se a conduta das arguidas é ilícita e culposa, enquadrando-se na prática do crime previsto e punido pelos art.ºs 180.º, n.º1, 183.º, n.ºs 1 e 2 e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do CP, devendo ser revogada a sentença absolutória. Alega o assistente, em suma, que a decisão do Tribunal “a quo”em matéria criminal representa uma crassa e grosseira violação do disposto no artigo 37º da C.R.P e das diversas normas da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia supra elencados; que o tribunal “a quo”deixou-se seduzir e foi temerário ante a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, fazendo autêntica tábua rasa do disposto no artigo 37º da C.R.P e dos artigos 1º; 3º e 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. As arguidas vêm acusadas da prática de um crime de difamação e calúnia agravada, previsto e punível pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º (1ª parte), 180.º, n.º 1, 183.º n.º 1 e 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2, al. l), todos do Código Penal. Porém, o Tribunal recorrido absolveu-as quer penal quer civilmente, por considerar a conduta das mesmas na entrevista ao... publicada em.../.../2022, lícita porque a coberto do direito à da liberdade de expressão, nos termos do art.º 31.º, n.º 2, al. b. do CP e do art.º 10.º da CEDH e tendo presente a posição adoptada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos nos Acórdãos em matéria de confronto entre o direito à honra e o direito à liberdade de expressão que cita. Atentemos: Estipula o artigo 180.º, do Código Penal relativo ao crime de difamação que «1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. 3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. 4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.» Já no artigo 183.º, (publicidade e calúnia) do mesmo diploma legal prevê-se que se no caso do crime de difamação: «1 – (…) a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.» Por sua vez, quando a vítima do crime seja um funcionário público no exercício das suas funções ou por causa delas a pena é elevada de metade nos seus limites mínimo e máximo, nos termos dos artigos 184.º (Agravação) e 132.º, n.º 2, alínea l), do referido Código. Em termos sistemáticos, o presente normativo legal, encontra-se integrado no Título I, relativo aos crimes contra as pessoas, e dentro deste, no Capítulo VI, relativo aos crimes contra a honra. Para que o tipo de ilícito de difamação seja cometido é necessário ao nível dos elementos objectivos do tipo que: a. Alguém se dirija a terceiro sem a presença do ofendido; b. Impute a esse terceiro mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formule sobre ela um juízo, ou reproduza uma tal imputação ou juízo; c. Ofensivo da sua honra ou consideração. Entende-se por facto o acontecimento ou situação pertencente ao passado ou ao presente susceptível de prova, e por juízo de valor toda a afirmação contendo uma apreciação sobre o carácter do ofendido que não esteja inscrita em factos. A delimitação tem importantes consequências práticas pois que as afirmações que contêm um juízo de valor impedem a aplicação da causa de justificação (exceptio veritatis) do n.º2 do art.º 180.º, do CP. Sendo que quando coexistem numa mesma afirmação factos e juízos de valor, ou estes se ocultem por detrás de factos prevalece, para efeitos de qualificação jurídica, a componente fáctica da afirmação (Cfr. Augusto Silva Dias, Alguns Aspectos do Crime de Difamação e de Injúrias, A.A.F.D.L, 1989). No que concerne à natureza do tipo de ilícito de difamação, para uns trata-se de um crime de dano, para outros um crime de perigo, e dentro desta categoria, um crime de perigo abstracto-concreto (veja-se Augusto Silva Dias, obra citada e AJ Oliveira Mendes, O direito à Honra e a Sua Tutela Penal, pág. 44 e ss.). Ao nível do tipo subjectivo do ilícito de difamação, é pacífico na jusrisprudência e na doutrina não ser necessário que o agente tenha procedido com animus injuriandi vel diffamandi ou dolo específico, bastando o dolo genérico traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são de molde a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada, podendo revestir qualquer das modalidades do dolo previstas no art.º 14.º, do CP, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminadoras respectivas e que o agente saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor cujo significado é ofensivo da honra ou consideração alheias o que conhece, e o queira fazer, traduzindo-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei. (neste sentido Ac. do TRL proferido em 11/04/2024 processo 7971/20.9T8LSB-9 relator JORGE ROSAS DE CASTRO in www.dgsi.pt). Trata-se de um crime comum, sendo que o bem jurídico protegido por este normativo é a honra e a consideração social, bem este que constitui um direito fundamental consagrado no artigo 26.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa. Consignou o legislador Constitucional, no art.º 26º, nº 1, que «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.» A Constituição da República Portuguesa estabelece logo no seu art.º 1º que a República Portuguesa baseia-se na dignidade da pessoa humana. O direito ao bom-nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação”25. Também para a lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados, conforme resulta dos artigos 180.º a 184.º, do CP, 70º e 484º do Código Civil. No art.º 70º, do Código Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. E independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (Cfr. nºs 1 e 2). Já no art.º 484º, do Código Civil, estatuiu-se que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Ao proteger-se o bom-nome de qualquer pessoa, está-se a tutelar um dos elementos essenciais da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos: a sua honra. Em sentido lato, a honra abrange o bom nome e reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político, engloba o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que se prende ao trato social, e envolve o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem26. Por conseguinte, pode dizer-se que o direito à honra, enquanto bem jurídico a proteger, é uma das mais importantes concretizações da tutela dos direitos de personalidade. “A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas. A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda e no respeito que a pessoa tem por si própria. (…) A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público”27. Daqui se extrai a honra interna ou subjectiva, resultante do auto-reconhecimento e da auto-avaliação, em que o homem se coloca perante si mesmo como objecto de percepção e valoração. O direito ao bom-nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação. Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos (designadamente, a liberdade de informação e de imprensa).” – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., pág. 181. No dizer de Rabindrath Capelo de Sousa, a honra “abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância… Em sentido amplo inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político” - O Direito Geral da Personalidade, pp. 303-304 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2002, relator Ferreira Ramos, CJ (STJ), II, pág. 65. A personalidade e com ela a honra, acabam por criar no homem uma certa e determinada imagem, a qual se reflecte perante os outros homens e mesmo perante a sociedade em geral. A esta chamamos a honra externa ou objectiva e traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa merece ou de que goza na comunidade28. O art.º 16º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estipula que “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, acrescentando o n.º 2 que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, significando este princípio que “no caso de polissemia ou plurissignificação de uma norma constitucional de direitos fundamentais, deve dar-se preferência aquele sentido que permita uma interpretação conforme à Declaração Universal, devendo recorrer-se ao sentido desses conceitos na Declaração Universal, salvo se esse sentido for contra constituionem.”– cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pág. 138. O art.º 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.” Posto isto, há que reconhecer a existência, na esfera pessoal do ofendido/assistente dos autos, do direito subjectivo e objectivo à honra interna e externa, o direito ao bom nome, reputação e à imagem e consideração social e profissional, valores que se inscrevem no âmbito dos direitos de personalidade. Confrontam-se, por vezes o direito à imagem, ao nome, à honra e reputação e o direito à liberdade de expressão. Também este último direito encontra protecção constitucional e internacional, a que o Estado português está vinculado por força do art.º 8º, da C.R.P. Dispõe-se o art.º 19º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que «Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e da procurar, receber e difundir, sem considerações de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão». A Convenção Europeia dos Direitos do Humanos, prevê no seu art.º 10º, que «(n.º 1) Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. (n.º 2) O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde e da moral, a protecção da honra e dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial»29. Na lei interna, encontramos o direito à liberdade de expressão no art.º 37º da CRP, sob a epígrafe de Liberdade de expressão e informação que dispõe que: “1.– Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2.– O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3.– As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos Tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4.– A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.” O direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra pode entrar em rota de colisão com a pretensão individual e constitucionalmente consagrada de cada cidadão não ser depreciado aos olhos da comunidade. É que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, e deve ser compatibilizada nomeadamente com o direito à honra, que assume relevância idêntica na hierarquia dos direitos que têm tutela constitucional, questão esta que nos reconduz à problemática da conflitualidade entre direitos fundamentais. A previsão de limites ao direito de expressão decorre do nº 3 do art.º 37º da C.R.P., no qual se estabelece a submissão das infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e informação aos princípios gerais de direito criminal, atribuindo-se a competência para a sua apreciação aos tribunais judiciais. Essas infracções traduzem-se na violação de outros direitos ou interesses com garantia constitucional, como o direito ao bom-nome e reputação, reconhecido no nº 1 do art.º 26º da C.R.P., com o qual o direito de expressão não raras vezes conflitua. A Doutrina Constitucional convoca, quando se está perante conflitos de direitos constitucionais de igual intensidade ou idêntica valência normativa como o são os em causa nos autos, as linhas metódicas e argumentativas de ajuizarmos segundo um princípio de concordância prática e da ponderação dos direitos e interesses em causa (neste sentido José de Faria Costa, O Círculo e a Conferência: em redor do Direito penal da Comunicação, pág. 13 e ss.). Refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4ª ed., p. 496, que “a solução destes casos de conflito não é tarefa fácil, recorrendo muitas vezes a doutrina e jurisprudência ao “critério da ponderação de bens”, ao “princípio da concordância prática”, à “análise do âmbito material da norma” e ao “princípio da proporcionalidade”. No seu Acórdão nº 81/84, D.R., II Série, de 31-01-1985, do Tribunal Constitucional, Relator: Conselheiro MESSIAS BENTO, considerou que: “a liberdade de expressão ― como, de resto, os demais direitos fundamentais ― não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de proteção para ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional. (...). Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos ― designadamente com aqueles que se acham também diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)]―, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização”. No seu Acórdão nº 67/99, de 3.2.99, relator PAULO MOTA PINTO, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional reiterou que: “(…) a liberdade de expressão e a liberdade de informação – que, como a liberdade de imprensa, se encontram numa “relação intrinsecamente conflitual”com certos bens jurídicos pessoais (…) não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada”. Entre os outros direitos constitucionalmente protegidos e que atuam como limites imediatos à liberdade de imprensa estão, de facto, a integridade moral e física das pessoas (Artigo 25º, nº1, da Constituição) e os direitos ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar (Artigo 26º, nº1, da Constituição). Em jeito de resumo Jónatas Machado, “Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas e Equiparadas”, ensina que: «(…) o TEDH tem vindo a enfatizar de forma consistente a centralidade do direito à liberdade de expressão, imprensa e radiodifusão, consagrado no artigo 10º do CEDH, enquanto elemento conformador e estruturante de uma sociedade democrática, com inevitáveis limitações para os direitos de personalidade, especialmente de figuras públicas. O TEDH tem sustentando que a imprensa desempenha um papel eminente numa sociedade democrática. Se é verdade que isso não significa que ela tem direito de ultrapassar certos limites, nomeadamente respeitantes à proteção da reputação ou de outros direitos, também é verdade que lhe incumbe comunicar, no respeito dos seus deveres e das suas responsabilidades, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. Acresce que, no entender do TEDH, essa função difusora de informações e ideias não pode ser separada do direito dos cidadãos de as receberem. A imprensa deve poder desempenhar a sua função de “cão de guarda”do Estado de direito democrático. (…) tem-se verificado uma nítida dessintonia entre o entendimento dos tribunais nacionais e o do TEDH, que tende a afirmar o seu direito de supervisão europeia e a reduzir a margem de apreciação dos Estados, apontando claramente para uma interpretação dos direitos de personalidade de uma forma restritiva, que não comprometa o papel central da liberdade de expressão, de informação e de imprensa numa sociedade democrática.» in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, V. 85 (2009), p. 80. O TEDH tem asseverado, repetidamente, a título de exemplos, nos seguintes Acórdãos: - Acórdão Oberschlick contra Áustria, de 1.7.97: “A liberdade de expressão vale não somente para as “informações” ou “ideias” favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam. Esses princípios assumem particular importância no domínio da imprensa. Se ela não deve ultrapassar os limites em vista, nomeadamente, da reputação de outrem, incumbe-lhe, contudo, transmitir informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre outros temas de interesse geral. Os limites da crítica admissível são mais largos quando é visado um político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, do que quando é visado um simples particular. O homem político expõe-se inevitável e inconscientemente a um controlo atento das suas ações e gestos, quer pelos jornalistas quer pelos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância, sobretudo quando produz declarações públicas que se possam prestar à crítica.» «(…) a liberdade do jornalista compreende também a possibilidade de recurso a uma certa dose de exagero ou até mesmo de provocação. O direito à liberdade de expressão, consagrado no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do direito de manifestação de cada um. A liberdade de expressão vale não somente para as “informações” ou “ideias” favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam. Assim o recomendam o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não há “sociedade democrática”. (…) - Acórdão Lopes Gomes da Silva contra Portugal, de 28.9.2000. “(…) Exige-se uma interpretação restritiva das exceções ou condicionamentos à liberdade de expressão previstos no nº2 do art.º 10º da Convenção. A ingerência litigiosa que configure um condicionamento deve corresponder a uma necessidade social imperiosa e ser proporcional ao objetivo legítimo pretendido.» Também nos Acórdão citados na sentença recorrida: - Gouveia Gomes Fernandes and Freitas e Costa v. Portugal (no. 1529/08) na qual o TEDH considerou que foi violado o direito à liberdade de expressão, tendo condenado o Estado Português num caso em que dois advogados foram condenados pelos tribunais portugueses por difamação na sequência de terem realizado comentários na imprensa alegando o envolvimento de um juiz em corrupção, os quais foram considerados como ofensivos da honra de um juiz. - Cornelia Popa v. Romania (no. 17437/03) o TEDH considerou que se estava perante a violação do direito à liberdade de expressão num caso em os tribunais romenos condenaram uma jornalista por ter publicado um artigo em que criticava a conduta profissional de um juiz. - Veiga Cardoso V. Portugal (no. 48979/19), na qual Victor Veiga Cardoso, pai no âmbito de um processo do Tribunal de Família e Menores, se referiu ao procurador do processo como «isto é um enxovalho, aquilo não é um tribunal não é nada, aquele procurador, (…) é um indivíduo que bebe uns copos ou sei lá, não abre a boca.», e por isso foi condenado por difamação agravada, tendo o TEDH considerado que mais uma vez, o Estado Português desrespeitou o artigo 10.º da CEDH, pois que no seu entender, tais palavras foram proferidas em reação à implementação de visitas supervisionadas da sua filha, constituíram uma forma de desabafo, uma crítica ao aspeto profissional do desempenho do procurador e à sua falta de ação perante aquele processo. -Igualmente nos acórdão ciados pelo já supra referido aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 11/04/2024 processo 7971/20.9T8LSB-9 Relator JORGE ROSAS DE CASTRO in www.dgsi.pt e, porque pertinente, se reproduz nesta parte: “(…) importa sempre atentar ao circunstancialismo da situação concreta, em todas as suas valências [Acs. do TEDH Von Hannover v. Germany (no. 2) (GC), nºs. 40660/08 e 60641/08, de 7/12/2012, §§ 104-107, e Axel Springer AG v. Germany, nº 39954/08, de 7/02/2012, §§ 85-88), Couderc and Hachette Filipacchi Associés v. France [GC], nº 40454/07, de 10/11/2015, §§ 90-93, e Perinçek v. Switzerland (GC), nº 27510/08, de 15/10/2015, § 198]. Continuando a olhar para a jurisprudência de Estrasburgo, é patente com efeito a importância nela reconhecida à liberdade de expressão, e importa perceber o contexto e os termos em que uma tal importância é afirmada com essa ordem de grandeza, a partir de alguns pontos de apoio: - a liberdade de expressão é apontada como um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática e uma das condições primordiais para a sua promoção e para o desenvolvimento de cada indivíduo, sendo que são marcas fulcrais de qualquer sociedade democrática as ideias de pluralismo, tolerância e espírito de abertura…; - …e dentro da liberdade de expressão ganha particular realce o desempenho de quem observa, acompanha e vigia a coisa pública, os chamados «public watchdogs», como sejam a imprensa (Ac. do TEDH Barthold v. Germany, nº 8734/79, de 25/03/1985, § 58); os bloggers e outros utilizadores de redes sociais (Ac. do TEDH Falzon v. Malta, nº 45791/13, de 20/03/2018, § 57); e organizações não governamentais (Ac. do TEDH Association Burestop 55 and Others v. France, nºs 56176/18 e cinco outros, de 1/07/2021, § 88); ou o papel de quem participa no debate político ou de outros assuntos de interesse público (Ac. do TEDH Castells v. Spain, nº 11798/85, de 23/04/1992, §§ 42-43); - dada a importância da liberdade de expressão, as limitações previstas no art.º 10º, nº 2 da CEDH devem ser interpretadas em termos estritos, devendo a «necessidade» de cada uma de tais limitações ser estabelecida de forma convincente (Acs. do TEDH Lingens v. Austria, nº 9815/82, de 8/07/1986, § 41, e Nilsen et Johnsen v. Norway [GC], no 23118/93, § 43), tanto mais que, acrescente-se, uma condenação nesta área pode produzir um efeito dissuasor («chilling effect») sobre a prática daquela liberdade, o que é particularmente delicado em assuntos de interesse público (Acs. do TEDH Karsai v. Hungary, nº 5380/07, de 1/12/2009, § 36 e Magyar Jeti Zrt v. Hungary, nº 11257/16, de 4/12/2018, § 83). (…) Como recentemente sintetizado nesta matéria pelo TEDH, sempre que estejam em causa questões de interesse público, a CEDH garante uma proteção alargada da liberdade de expressão, e o contrário ocorre quando se esteja diante discursos ou práticas de violência, ódio, xenofobia ou outras formas de intolerância (Ac. do TEDH Zearguido BBour30 v. France, nº 63539/19, de 20/12/2022, § 49).” Progressivamente, o Supremo Tribunal de Justiça foi assumindo os parâmetros valorativos adotados pelo TEDH, sendo exemplo disso os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.9.2016, Relator JOSÉ RAINHO, 60/09: «I.-A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata. II.-De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objeto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.» Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2017, Relator LOPES DO REGO, 1405/07: «Ocorrendo conflito entre os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação - e a liberdade de imprensa, não deve conferir-se aprioristicamente e em abstrato precedência a qualquer deles, impondo-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art.º 10º da CEDH pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português - e tendo ainda necessariamente em conta a dimensão objetiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa, em que o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido se reporta, em última análise, à formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correto funcionamento da democracia.» Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.12.2020, Relatora FÁTIMA GOMES, 24555/17: «II.- Nos casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, legitimando a reprovação da ordem jurídica, importa um balanceamento concreto (não podendo aferir-se em abstrato). III.- Neste sentido, a mais recente orientação jurisprudencial do STJ tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adotaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.» Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-04-2009 - Proc. n.º 104/02.5TACTB-A.S1 - 5.ª Secção Relator RODRIGUES DA COSTA, em recurso de revisão na sequência de decisão do TEDH: I - O recorrente foi condenado pela prática de um crime de difamação, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 10 ou 66 dias de prisão subsidiária, sendo certo que, com base no mesmo quadro factual, o TEDH concluiu que a condenação do requerente “resultaria num entrave substancial da liberdade de que devem beneficiar os investigadores no âmbito do seu trabalho científico”, pelo que, no caso concreto, foi violado o art.º 10.º da CEDH, assim sendo condenado Portugal, na sua qualidade de subscritor dessa Convenção - Ac. de 27-03-2008. II- Esta decisão, proferida por uma instância internacional e que vincula o Estado Português, está frontalmente em oposição com a decisão condenatória proferida pelos Tribunais portugueses. III - O TEDH, na esteira, aliás, de jurisprudência abundante, onde se contam várias decisões condenando o Estado Português, considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objectivos, para garantir a protecção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art.º 10.º da Convenção, sendo que essa excepção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”. IV - No caso sub judice, o TEDH teve como não verificada essa condição, afirmando a primazia da liberdade de expressão, considerando que a condenação do requerente não representou um meio razoavelmente proporcional, com vista ao cumprimento do objectivo legítimo visado, tendo em conta o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de expressão. V - Verifica-se inconciliabilidade de decisões e, mais do que isso, oposição de julgados, visto que, enquanto que os Tribunais portugueses consideraram violado o direito à honra da assistente e condenaram o recorrente com esse fundamento, o TEDH considerou que aquela violação se continha dentro dos limites do art.º 10.º da Convenção, sendo a sua condenação desproporcionada e não justificada como meio de defesa do direito à honra, em face do direito à liberdade de expressão. VI - A CEDH foi acolhida pela CRP (art.º 16.º) e o Estado Português ratificou-a pela Lei 65/78, de 13-10; tendo sido depositada em 09-11-1978, entrou em vigor nessa data, passando a vincular o Estado Português; assim sendo e dada a inconciliabilidade de decisões, há fundamento para a pretendida revisão de sentença. Os Tribunais da Relação também têm vindo a adoptar os parâmetros valorativos adotados pelo TEDH, sendo exemplo disso os seguintes arestos: - Acórdão da Relação do Porto de 17/01/2024 Relator JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO processo 6148/19.5T9PRT.P2 onde foi exarado, além do mais, que: “De nada vale apregoar a retórica da mais ampla liberdade de expressão e critica num Estado de Direito, mormente em relação ao exercício dos cargos políticos, convocando a propósito a moderna jurisprudência dos nossos tribunais [5] e do TEDH [6] em torno do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [7] ali onde, na verdade, a cada caso, acaba por imperar a intolerância da critica relativa a essa mesma atividade ou ao funcionamento das instituições, por muito dura – ou mesmo infundada – que seja. Os princípios desenvolvidos pelo TEDH na área de crítica, especialmente a que incide sobre a política, e a distinção entre factos e opiniões foram reafirmados em muitos outros julgamentos, designadamente em Dalban v. Roménia (28/09/1999 (GC), Lopes Gomes da Silva v. Portugal (28/09/2000, §35) e Oberschlick v. Áustria (No. 2) (01/07/1997), enfatizando essa jurisprudência que, pese embora as opiniões constituam pontos de vista ou avaliações pessoais de um evento ou situação - e, por isso, insuscetíveis de serem comprovadas como verdadeiras ou falsas - os factos subjacentes, sobre os quais a opinião ou o juízo de valor assentam, podem ser comprovados como verdadeiros ou falsos. Consequentemente – a par de informações ou de dados objetivos que possam ser verificados - as opiniões, críticas ou especulações (que não podem ser submetidas à "prova da verdade") estão igualmente protegidas pelo art.º 10º da CEDH; além disso, julgamentos de valor, em particular aqueles expressos no campo político, gozam de uma proteção especial, enquanto exigência do pluralismo de opiniões, cruciais numa sociedade democrática. Neste sentido, a Jurisprudência do TEDH tem considerado que a liberdade de expressão admite e impõe a aceitação, com alguns limites, de expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. Do mesmo modo que o TEDH tem sublinhado a necessidade de ponderar o sentido das expressões, integrando-as no contexto em que surgiram (…). Mais tem sido considerado pelo TEDH que os políticos e outras figuras públicas, com cargos públicos ou incumbidos de funções públicas, pela sua exposição, pela discutibilidade das suas ideias e até pelo controle a que devem ser sujeitos, quer pela comunicação social, quer pelo cidadão comum, devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, sendo admissível um maior grau de intensidade das críticas. O TEDH não parte da tutela da honra para aquilatar da concordância prática da mesma com a liberdade de expressão e opinião, mas parte da liberdade de expressão e situa a honra como um fundamento para uma possível restrição à mesma. De acordo com a jurisprudência do TEDH, na resolução do confronto entre estes valores fundamentais, deve partir-se da prevalência da liberdade de expressão, enquanto pilar da sociedade democrática, situando-se a honra num segundo momento da aplicação da lei. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/10/2019, processo: 4161/16.9T9LSB-3, Relator JOÃO LEE FERREIRA, que sumariou o seguinte: I–A concordância prática do direito à integridade moral, ao bom-nome e à reputação, por um lado, com o direito de cada um exprimir e divulgar livremente o seu pensamento através da palavra, da imagem ou qualquer outro meio, por outro, tem de se afirmar, não apenas pela interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais internas, mas também pela aplicação das normas que integram as convenções internacionais a que Portugal está obrigado, com particular realce para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), tal como vêm sendo interpretadas e aplicadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). II–Em sucessivos acórdãos incidindo sobre aplicação do artigo 10º da Convenção, o TEDH consolidou jurisprudência segundo a qual “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais das sociedades democráticas, e uma das condições primordiais do seu progresso e desenvolvimento”, enfatizando-se que o direito à liberdade de expressão vale para as ideias ou informações consideradas favoravelmente pelo conjunto da sociedade ou que sejam inofensivas ou indiferentes mas também para as que ferem, chocam ou inquietam, pelo que, em consequência, a possibilidade de admitir excepções à liberdade de expressão deve ser entendida sob interpretação restritiva e deve corresponder a uma imperiosa necessidade social. III–O TEDH tem sublinhado a necessidade de se proceder a uma valoração do conteúdo ou sentido das expressões em causa, integrando-as no contexto em que surgiram , considerando que mesmo os juízos de valor susceptíveis de reunirem indiscutivelmente apenas um conteúdo ofensivo, podem afinal merecer a protecção da liberdade de expressão, desde que sejam dotados de uma base factual mínima e de uma explicação objectivamente compreensível de crítica sobre realidades objectivas em assunto de interesse público ou em debate de natureza política. No campo restrito das comunicações sobre factos, ou seja, sobre acontecimentos da vida real, o Tribunal tem entendido que a protecção pela liberdade de expressão depende da veracidade desses mesmo factos ou, no limite, da ocorrência de fundamento bastante para que o agente, agindo de boa fé e com a informação disponível, acreditasse na veracidade desses mesmos factos. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2021 processo 8777/21.3T8LSB.L1-7 Relator LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, cujo sumário é o seguinte: I.–A liberdade de expressão não é um direito absoluto, tendo limites imanentes, devendo ser objecto de restrições para tutela de direitos de personalidade em que incluem o direito à honra, à imagem e à reserva da vida privada e familiar. II.–A doutrina e a jurisprudência têm enunciado várias teses e metodologias quanto à articulação possível entre a liberdade de expressão, por um lado, e o direito à honra e à imagem, por outro, designadamente: critério da ponderação de bens; critério do âmbito material da norma; critério do princípio da proporcionalidade; critério da concordância prática; critério da restrição de direitos prima facie pela existência de outros direitos prima facie. III.–Segundo o TEDH, pode haver interesse legítimo na partilha de informações, mesmo que impliquem alguma devassa da privacidade ou intimidade de alguém, relativas a questões de saúde pública, administração da justiça, cumprimento das obrigações fiscais, criminalidade, protecção ambiental ou desporto. IV.–Segundo o TEDH, a liberdade de expressão abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade, sendo que os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda”- devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas. V.–No que tange à conjugação de tais direitos fundamentais, o STJ entende actualmente ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que a concreta afirmação/imputação extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.(…)”(destaque sublinhado nossos) Tendo o explanado supra em mente, volvendo, de novo, ao caso dos autos, ao contrário do afirmado pelo assistente/recorrente, o Tribunal a quo não se deixou seduzir pela jurisprudência do TEDH, porquanto muita jurisprudência nacional segue a linha de racciocínio do Tribunal recorrido, como supra se citou. Por outro lado, como decorre dos factos provados provou-se que o assistente é médico, exercendo serviço de cuidados intensivos no..., no..., em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado, sendo, por isso, funcionário público. Mais se provou que, no âmbito da sua atividade profissional, o assistente prestou cuidados médicos a DD, marido da arguida BB e pai da arguida CC, internado que se encontrava no..., tendo falecido no dia.../.../2022. Também se demonstrou que, após a morte de DD, as arguidas concederam uma entrevista ao..., a qual foi publicada em........2022. Nessa entrevista “A família do empresário DD acusa o Hospital … e o médico que o acompanha de “negligência” e disse ao Jornal ... que vai instaurar um processo crime contra o hospital e o médico AA para que o clínico “perca a licença”. A família acredita que foi a decisão comunicada pelo médico de transferir o empresário do Hospital ... para o Hospital ..., após a suspeita de que pudesse ter sido contaminado por um doente covid da mesma enfermaria, que agravou o estado de saúde do empresário que dias mais tarde faleceu. A família tinha pedido que como o empresário seria transferido para a África do Sul, como “já era do conhecimento”do hospital que seria “mais seguro” mantê-lo nos Marmeleiros isolado até saber o resultado do teste à covid. Mas o médico comunicou que o “protocolo”do hospital era a transferência do doente para a Unidade Covid do Hospital .... Quando o resultado do teste chegou, o empresário estava negativo à covid. A família assegura que depois da transferência de um hospital para o outro o empresário ficou mais fragilizado e a precisar de um reforço de oxigénio. Revoltados com o desfecho, os familiares querem agora “justiça”. (…) Em ...2021, o empresário veio à … (…) [tendo testado] positivo à covid-19. (…) O empresário ficou internado no Hospital ... “dois meses e meio a três meses”, sendo depois transferido para o Hospital .... (…). Aos poucos, o empresário foi estabilizando até a esposa ouvir que o marido “apenas tinha problemas da infeção” da superbactéria e que o coração e os pulmões “já estavam bem”. (…) Já BB, esposa do empresário, garante que a primeira vez que falou com médico AA, “responsável” por tratar o marido, foi há “duas semanas”, apesar de ele estar internado há três meses naquele hospital. E quando falou, o médico estava apressado porque “tinha coisas a fazer”. A esposa recebia a informação a partir das “outras doutoras” que faziam parte da equipa. (…). No dia... de... de 2022, o advogado, o médico e a esposa do doente reuniram-se, e o hospital foi informado da transferência do doente para a África do Sul. Foi ainda pedido para manter o doente estável para que pudesse realizar a viagem. A partir daí, médicos sul-africanos começaram a participar do processo à distância. Quando receberam o relatório médico, viram que, afinal, o paciente “mantinha um problema cardíaco”, o que os deixou “muito preocupados”. “A minha mãe não sabia que o meu pai ainda tinha um problema no coração, porque o doutor lhe disse que não tinha que era só a infeção” da superbactéria. (…). BB e CC garantiram ao Jornal que “tudo” farão para responsabilizar (…) o médico pelos atos de “negligência”. A família está revoltada por o médico ter determinado a transferência do empresário para o Hospital .... “Um doutor não faz coisas de qualquer maneira. O doente é a primeira responsabilidade de um médico. Se o protocolo não é bom para uma pessoa, não se faz o que o protocolo diz”, referiu CC, lembrando o juramento de Hipócrates que os médicos fazem quando ingressam na carreira. “Tem de ser feito o melhor para o paciente, e ele não fez”, acusa. A filha lembra os pedidos da família para que esperassem pelo resultado do teste (que acabou sendo negativo) antes de decidir transferir o paciente, e de lhe ter sido respondido que “não queria saber da sua opinião”. “A única coisa que lhe pedíamos que fizesse pelo meu pai era que o deixasse estável, e nem isso ele fez”, disse ainda. A esposa BB referiu, por outro lado, que irá apresentar queixa para que AA “perca a licença de médico”. “Isto foi negligência, negligência”, repete, revoltada, BB, que promete ir até às últimas consequências não só para fazer justiça ao marido, mas também para que sirva de exemplo e não se repita com outras pessoas. (…)» Analisada a entrevista, é certo que as arguidas imputam, não só ao assistente como também ao próprio Hospital, negligência na atuação que tiveram com o seu familiar que acabou por falecer. Essas declarações, críticas, é certo, não se reportam à actuação do assistente enquanto pessoa e cidadão, nem à sua esfera pessoal, mais sim à sua atuação enquanto profissional que, no entender das arguidas, no que concerne àquele acto, foi negligente. Na verdade, em geral no que respeita à crítica da actividade profissional a condição essencial da legitimidade do juízo de valor é a de que ele se dirija às obras, realizações ou prestações do visado e não ao visado em si mesmo, como pessoa, sendo o juízo de valor apenas ilícito quando consubstancia um ataque pessoal gratuito porque não é acompanhado de uma explicação objectiva (Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª edição actualizada pág. 842). O assistente, tratando-se, de um médico, não se olvida que tenha ficado ofendido, porém, a imputação pelas arguidas baseou-se numa convicção séria das mesmas de que, não fosse a transferência de DD de hospital, para Unidade de Covid do Hospital ..., o mesmo não veria o seu estado de saúde agravado, o que havia sido pedido pela família que tinha efectuado já contratação de um avião-ambulância da África do Sul, com vista a assegurar o transporte do mesmo para esse país, onde ia ser tratado, o qual seria realizado em ........2022, tendo a transferência ocorrido no dia antes, tanto mais que não se sabia se o mesmo tinha sido mesmo infectado. Efectivamente ficou provado que: • Em virtude de as arguidas estarem insatisfeitas com os cuidados médicos prestados a DD diligenciaram pela contratação de um avião-ambulância da África do Sul, com vista a assegurar o transporte do mesmo para tal país e aí ser tratado, o qual seria realizado em ........2022. • Em ........2022, a arguida CC foi contactada telefonicamente pelo assistente que lhe deu conta de que o paciente que se encontrava na mesma enfermaria que DD havia testado positivo para a covid e que, por isso, o seu pai seria transferido para Unidade de Covid do Hospital .... • A arguida pediu ao assistente para não realizar a transferência referida no facto anterior considerando que ainda não tinham o resultado do teste ao covid realizado a DD, podendo não ter COVID, solicitando que mantivesse o pai estável para viajar no dia seguinte. • No dia ........2022, DD foi transferido para a Unidade Covid do Hospital .... • A arguida CC admitiu a prática dos factos, fundamentando os mesmos com o estado de revolta e tristeza que sentiu por o seu pai ter sido transferido de hospital, quando faltava menos de um dia para que o avião ambulância o transportasse para a África do Sul, em virtude de o paciente que se encontrava na mesma enfermaria que aquele ter testado positivo para a covid, desconhecendo-se se, à data, o seu pai tinha ou não covid. • Fundamentou, ainda, com o facto de querer informar os madeirenses do ocorrido, por forma a que uma situação idêntica à do pai não ocorresse. • A arguidas tinham a séria convicção de que o transporte agravou o estado de saúde de DD e que culminou na sua morte. • DD encontrava-se internado, no Hospital ..., desde ........2021 até à sua transferência referida em 7. • O assistente contactou com a arguida BB em ........2022, em ........2022 e com a arguida CC em ........2022. Não ficou, ademais, provado que: • As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas, afetando e denegrindo a honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respetivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo, bem como imputando-lhe factos que sabiam falsos, não se coibindo de o fazer através de uma entrevista dada a um jornal local de modo a difundir tais declarações. • As arguidas agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. Não podemos descurar o contexto covid que se vivia à época, e todo o nervosismo das famílias quando tinham um familiar internado no hospital, em especial quando se tratava de pessoa de idade, e as regras restritas implementadas nas instituições de saúde, muitas vezes discutidas na comunicação social. Ademais, não podemos deixar de salientar, ser frequente a critica de familiares de que o médico ou o hospital x ou y teve uma conduta negligente com um seu familiar, mesmo veiculada na comunicação social, em especial nas televisões nacionais, em que a difusão é maior do que a imprensa escrita. Não se deixa de concordar com o Tribunal recorrido quando refere que “o assistente, enquanto médico de um serviço público sabe que está sujeito a este tipo de críticas (ainda que tenha um percurso profissional incólume) e, por isso, a esfera da sua honra está ainda mais comprimida, estando sujeito a ter uma maior tolerância à crítica. Com efeito, os médicos que como qualquer outro funcionário público ou quem exerce funções públicas estão sujeitos ao escrutínio e julgamento públicos que devem e têm de aceitar.” A critica das arguidas formulada à atuação do assistente e do Hospital não é ilícita, no cotejo das posições jurisprudenciais supra, quer do TEDH, quer do STJ, quer das Relações, porquanto não visou enxovalhar o assistente, pretendendo dar a conhecer a situação ocorrida com falecido e que a mesma não se repetisse. É certo que, como referido pelo Tribunal recorrido, poderiam ter apresentado queixa no hospital, na Ordem dos Médicos, no … (Portal do Serviço de Saúde da Região ...) na IGAS, ou até queixa crime contra o assistente e Hospital e não o fizeram, tendo optado por irem para a comunicação social, ainda assim, foi o jornalista que as contactou e não elas que o contactaram. Não podemos igualmente deixar de atender ao contexto em que a entrevista ocorreu, pois que, como referido na sentença “As arguidas concederam a entrevista quer uns dias antes como logo após a morte do familiar (que tinha o seu estado de saúde já debilitado) e estavam desagradadas com o serviço médico prestado ao mesmo, ao ponto de contratarem a suas expensas um avião ambulância para o transportar para a África do Sul. Estavam revoltadas e angustiadas.” Depreende-se dos factos provados que o falecido nem sequer estaria em condições de tomar decisões, porquanto terá sido a família, em representação do mesmo, que decidiu transferi-lo para África do Sul, tendo já contratado avião-ambulância para o efeito. O médico tomou uma decisão, a coberto do protocolo instituído, que previsivelmente podia ter um impacto clínico sobre o doente, contra a vontade da família, que pediu expressamente ao médico que mantivesse o pai estável para viajar no dia seguinte, protocolo instituído esse, que nos parece até discutível a sua aplicação no caso concreto, perante a oposição da família e uma vez que ainda não havia confirmação de que o falecido estaria infectado com covid. Consideramos inteiramente legítimo à família levantar publicamente esta questão, que reputamos do maior interesse ver discutida: a da legitimidade e bondade de ser tomada pelo médico assistente uma decisão de transferência do doente, no estado crítico em que estava e com os riscos associados, contra a vontade presumida do paciente ou contra a vontade expressa dos seus representantes de facto. Seguindo as linhas do STJ, e dos Tribunais da Relação, fazendo um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que as concretas afirmações/imputação não extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação. Integrando as imputações no contexto em que surgiram, estando dotados de uma base factual mínima e de uma explicação objectivamente compreensível de crítica sobre realidades objectivas, não se podendo olvidar que em tempos de covid se tratava de assunto de interesse público, considerando a boa fé em que agiram as arguidas e que acreditavam na veracidade do que declararam desses mesmos factos, chamando à colação o critérios da ponderação dos bens em causa, o princípio da concordância prática, do âmbito de protecção das normas pertinentes já chamadas à colação supra e o princípio da proporcionalidade, consideramos que as arguidas actuaram a coberto do exercício do direito à liberdade de expressão e critica, que deve prevalecer. Assim, concordando com a decisão recorrida, consideramos que as arguidas não praticaram o crime por que vêm acusadas, impondo-se a absolvição das mesmas, e não a sua condenação, não sendo de revogar a sentença. O mesmo ocorrendo relativamente ao pedido de indemnização cível, por falta do pressuposto da ilicitude para a condenação das demandadas, como decidido pelo Tribunal recorrido. De qualquer forma, estando fixada a matéria de facto provado e não provada, tal qual decidido pelo Tribunal recorrido, como se supra se concluiu a propósito da primeira questão a apreciar, sempre seria de absolver as arguidas por falta de prova do elemento subjectivo do tipo de ilícito criminal pelo qual vinham acusadas. À luz da supra citada legislação e jurisprudência interna e externa pertinentes, concorda-se inteiramente com sentença absolutória proferida pelo Tribunal recorrido. Improcede assim o recurso interposto pelo assistente/recorrente. * IV – Dispositivo Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em: Negar provimento ao recurso interposto pelo assistente AA e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. * Condenar o assistente no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC nos termos dos art.º 515º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, 8º/9.º do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) e Tabela III anexa a este último diploma. Notifique. * Lisboa, 06/02/2025 (Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) Maria de Fátima R. Marques Bessa Eduardo Sousa Paiva Jorge Rosas de Castro _______________________________________________________ 1. 1 Acórdão proferido no processo 1402/07.7TDLSB.L1-3, do qual é relator o Exmo. Desembargador Augusto Lourenço, disponível para consulta em www.dgsi.pt 2. Acórdão proferido no processo 9668/18.0P8LSB.L2-3, do qual é relatora a Exma. Desembargadora Margarida Ramos de Almeida, disponível para consulta em www.dgsi.pt. 3. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo 577/14.3TAALM-3, do qual é relatora a Exma. Desembargadora Adelina Barradas de Oliveira, disponível para consulta em www.dgsi.pt 4. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995 5. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção. 6. CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º Edição, Volume I, p. 195 7. GARCIA, M. Miguez e outro, Código Penal Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 2014, p. 747 8. Francisco Teixeira da Mota, ulgar n.º 32, Almedina, 2017, p. 184, disponível em: https://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/05/JLGR32-FTM.pdf 9. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª Edição atualizada, p.726 10. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª Edição atualizada, pp. 723 e 724. 11. COSTA, José de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p. 612 12. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-07-2023, relator ISILDA PINHO, processo n.º 4592/18.0T9LSB.L3-5, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ec0efb52f205ac1280258a220056fa1d?OpenDocument 13. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09-10-2017, relator ALDA CASIMIRO, processo n.º 198/15.3T9PTL.G1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/48613deb0a1c69e3802581c300353eaa?OpenDocument 14. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-01-2023, relator MAFALDA SEQUINHO DOS SANTOS, processo n.º 1027/19.4T9VFX.L1-5, disponível em https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/990e8ec7ede3492a8025893a0049c24f?OpenDocument 15. Caso ALMEIDA ARROJA v. PORTUGAL no. 47238/19, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-231606%22]} 16. Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal - 28.09.2000 17. Caso Gouveia Gomes Fernandes and Freitas e Costa v. Portugal (no. 1529/08), disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22appno%22:[%221529/08%22],%22itemid%22:[%22001-104151%22]} 18. Caso Cornelia Popa v. Romania (n.º 17437/03) 19. Disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-230257%22]} 20. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª Edição atualizada, p.725 21. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08-11-2022, relator ANTÓNIO CONDESSO, processo n.º 26/19.0T9STC.E2, disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c7e3b0224481e7a180258904004c8577?OpenDocument 22. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª Edição atualizada, p.725 23. SANTOS, Manuel Simas e LEAL – HENRIQUES, Manuel, Noções de Direito Penal, Rei dos Livros, 5.ª Edição, 2016, p. 423 24. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-11-2010, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, disponível em www.dgsi.pt 25. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 466. 26. Rabindranah Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 301 a 304. 27. Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, p. 164. Também, Acórdão do STJ, de 30.10.2003, Proc. N.º 03P3369, Relator Simas Santos, in www.dgsi.pt. 28. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 60. 29. Também o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, dispõe no art.º 19º, que: (nº 1) «Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões»; (nº 2) «Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob a forma oral ou escrita, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio à sua escolha»; (nº 3) «O exercício das liberdades previstas no parágrafo 2 do presente artigo comporta deveres de responsabilidade especiais. Pode, em consequência, ser submetido a certas restrições, que devem, todavia, ser expressamente fixadas na lei e que são necessárias: a) Ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem; b) À salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moralidade públicas». 30. Procede-se à correcção de lapso no nome do acórdão que é «Zemmour v. France» como se pode verificar no seguinte endereço: https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-221837%22]} |