Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25226/18.7T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: OBJECTO DO LITIGIO
TEMAS DA PROVA
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
DESPROPORCIONALIDADE
REDUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O objeto do litígio fixado na fase intermédia do processo deve coincidir com as questões a decidir na sentença, supondo o art. 596.º, n.º 1, que o tribunal identifique as questões controvertidas tendo em conta também as impugnações do réu e as exceções que este deduziu.
2. Apesar de nada obstar a que os temas de prova surjam enunciados como factos jurídicos concretos, isso não pode, nem deve constituir a regra, apenas se admitindo tal prática em casos pontuais, excecionais, que verdadeiramente o justifiquem, sob pena de se adulterar a vontade do legislador e se desvirtuarem princípios basilares orientadores do processo civil português vigente.
3. Uma cláusula contratual geral da qual consta que «Em caso de cessação antecipada por qualquer das partes (...) se a resolução for imputável ao CLIENTE, este ficará obrigado a liquidar todas as quotas devidas até à finalização do contrato (...)», é uma cláusula penal compensatória e tem função compulsória, na medida em que foi estipulada para o incumprimento, visando coagir a cliente, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu.
4. Por consagrar uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, aquela clausula é nula nos termos dos arts. 12º e 19º, al. c) da LCCG, reportando-se o juízo de valor sobre a desproporção ao momento em que a mesma é concebida, ou seja, aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado, sendo incorreta a sua relacionação com as vicissitudes sofridas pelo contrato em que se integra, nomeadamente, com os termos em que ocorreu a sua resolução.
5. A desproporcionalidade resulta, desde logo, da sua interpretação à luz dos princípios gerais do equilíbrio das prestações contratuais e da boa-fé, inexistindo qualquer preocupação em definir o critério subjacente à relação entre o montante da indemnização e os danos a ressarcir, antes se verificando um desequilíbrio e desproporção em detrimento do contratante aderente, traduzido num prejuízo económico para este, tendo como contrapartida um benefício exclusivo para a proponente.
6. Através da aplicação daquela cláusula contratual geral, a predisponente, apesar da restituição do equipamento objeto do contrato, a que tem direito nos termos dos arts. 289.º, nº 1, 433.º e 434.º, nº 2 CC, assim deixando de proporcionar à aderente as utilidades para esta decorrentes dos contratos, recolheria, na íntegra, todas as prestações remuneratórias a que teria dito, tal como sucederia no caso de o contrato se manter vigente até ao seu termo final, ignorando-se, pura e simplesmente a contabilização dos gastos, de quaisquer gastos, por si poupados com a extinção antecipada do contrato.
7. Num tal quadro, a predisponente, utilizadora daquela cláusula, ficaria, indiscutível e injustificadamente, em muito melhor, ou, pelo menos, em melhor situação do que a que se verificaria em caso de integral incumprimento do contrato.
6. Sendo nula, a referida cláusula estipulada unilateralmente pelo predisponente, tudo se passará como se ela não tivesse sido incluída no contrato, não sendo passível de redução de acordo com a equidade, nos termos do art. 812.º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO:
GNS, S.A., atualmente denominada NY, S.A. - SP, intentou a presente ação declarativa de condenação contra SHL, LDA., alegando, em síntese, que celebrou com a ré dois contratos de compra e venda e instalação de produtos de iluminação LED, em 6 de maio de 2016 e em 5 de julho de 2016, respetivamente.
Tais contratos foram celebrados pelo prazo de quatro anos, comprometendo-se a ré a pagar à autora, anualmente, durante tal período, a título de contrapartida monetária, determinadas quantias em dinheiro.
Sucede a ré não pagou à autora as quantias monetárias acordas, pelo que esta procedeu à resolução dos contratos.
A autora conclui pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 20.505,48, acrescida de juros de mora sobre a quantia de € 19.898,52.
A ré contestou ao longo de exageradamente extenso articulado, alegando, em suma, e tudo sob a “capa” de impugnação, que sendo de adesão os contratos celebrados com a autora, algumas das suas cláusulas são proibidas, o que determina a sua nulidade.
Tratando-se de contratos de adesão, a autora nunca cumpriu para com a ré o dever de informação que sobre si impendia quanto ao conteúdo do respetivo clausulado, antes a tendo enganado relativamente aos termos contratuais.
Além disso, a ré procedeu ao cancelamento do débito direto em 13 de fevereiro de 2017, o que implicou a revogação tácita dos contratos, o que foi aceite pela autora.
Por outro lado, em virtude do erro em que foi induzida pela autora, a vontade declarada da ré nos contratos não corresponde à sua vontade real, o que determina a anulação dos negócios jurídicos.
Conclui pugnando para que a ação seja «julgada improcede, por não provada, e a contestação procedente, por provada.»
*
Por despacho datado de 6 de fevereiro de 2019, a senhora juíza a quo convocou assim a audiência prévia:
«Para audiência prévia, com as finalidades a que aludem as alíneas a), c) d), f) e g) do n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil, sugiro o próximo dia 11.03.2019 às 14:00.»
Tal diligência acabou apenas por servir para uma frustrada tentativa de conciliação entre as partes, conforme resulta da ata com a Ref.ª 384972584, pois a senhora juíza a quo acabou por sanear o processo em subsequente despacho autónomo, datado de 17 de julho de 2019.
Nesse despacho, a senhora juíza a quo identificou desta forma aquilo que considerou ser o “objeto do litígio” na presente causa:
«Tal como a acção se mostra configurada, constitui objecto do processo a questão de saber se a A fez prova dos fundamentos de facto e de direito, em que assenta o pedido de condenação da R, a título de condenação no cumprimento contratual, isto é, no pagamento de preços devidos, conforme facturas elencadas na Petição Inicial e, também, no pagamento de clausula penal, decorrente de resolução contratual.»
E enunciou assim aquilo que denominou como “temas da prova”:
«VII- Dos Temas de prova
Tal como a acção se mostra configurada, constituem questões a decidir nos presentes autos, as seguintes:
1 - Aquando da celebração dos contratos e adendas identificados na douta Petição, foram entregues as respectivas cópias à legal representante da R?
2 - E foi-lhe explicado que o acordado consistia numa aquisição a crédito, com reserva de propriedade a favor da A, do material elencado nos contratos e adendas? Bem como o demais vertido nas condições gerais?
3 - E foi explicado à R que não teria um aumento mensal da sua facturação para poder beneficiar do fornecimento das lâmpadas LED?
4 - E que as lâmpadas LED seriam fornecidas sem qualquer contrapartida?
5 - E que as lâmpadas LED seriam substituídas à medida que se fossem avariando?
6 - Os técnicos da A concluíram a instalação das lâmpadas a que aquela contratualmente se obrigara?
7- Não obstante o compromisso assumido pela A, a R teve que despender a quantia total de 12.093,31€, em lâmpadas LED?
8 - E a R teve que substituir a expensas suas as restantes lâmpadas antigas por lâmpadas LED?
9 - A A remeteu as facturas cujos pagamentos reclama à R para a(s) morada(s) contratual(ais) e nas datas nelas apostas?
10 - A R cancelou a autorização de débito directo, por nunca ter recebido qualquer factura da A?
11 - A A aceitou o cancelamento da autorização de débito directo, não tendo levantado qualquer questão quanto a tal procedimento?
12 - A legal representante da R tem experiência na área hoteleira, estando encarregue da administração de dois hotéis em ____?
13 - E em momento algum solicitou quaisquer esclarecimentos quanto ao teor do clausulado contratual?
14 - A e R acordaram numa compra e venda a prestações, com reserva de propriedade, de produtos de iluminação LED, bem como a prestação, por parte da A, de outros serviços conexos, designadamente os de instalação e manutenção dos produtos contratualizados?
15 - E a R foi informada de que a aquisição do equipamento seria financiada na íntegra pela A?
16 - Como contrapartida de tal financiamento, a R obrigou-se ao pagamento das quotas fixas anuais bonificadas estabelecidas em cada um dos contratos, a saber € 2.490,00 pelo contrato 90034125 e € 1.554,42 pelo contrato 90034227, respetivamente, durante 4 anos, a serem pagas mensalmente?
17 - A R não autorizou o débito directo da sua conta, para pagamento das quantias aludidas em 16?
18 - A R nunca forneceu à A o seu IBAN ou a autorizou a debitar na sua conta bancária as quantias aludidas em 16?
19 - A A instalou todo o equipamento acordado nas instalações da R, identificadas nos acordos juntos aos autos?
20 - A R, após a instalação dos equipamentos pela A, não a voltou a contactar, nem solicitou a substituição de lâmpadas avariadas?
21 - A duração do contrato não está ligada, unicamente, ao tempo de vida útil do equipamento em causa senão, também, à capacidade financeira da Ré para fazer face ao pagamento do preço acordado?
22 - Por um atraso de faturação, a Autora só emitiu as primeiras faturas relativamente às prestações emergentes dos contratos no dia 27/02/2017?
23 - A R foi sempre informada sobre qual o valor do equipamento a ser instalado, bem como qual o valor do serviço de instalação e manutenção do referido equipamento?
24 - As lâmpadas colocadas pela R são totalmente diferentes às fornecidas pela A tanto em marca, qualidade e potência?
25 - E as lâmpadas adquiridas não visaram substituir as lâmpadas colocadas pela A?
26 - A indemnização peticionada pela A é calculada sobre o valor que a A gastou na aquisição e instalação do equipamento contratualizado nos locais indicados pela Ré e nos lucros cessantes, o que corresponde às prestações vincendas dos contratos resolvidos?
27 - Quando a A tomou conhecimento do cancelamento da autorização de débito direto, interpelou a R para que procedesse ao pagamento das faturas em dívida através de transferência bancária?»
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Sem que qualquer uma das partes tenha reclamado, quer contra a identificação do “objeto do litígio”, quer contra a enunciação dos “temas da prova”, os autos prosseguiram termos, até que foi realizada a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Por todo o exposto, julgo a ação improcedente, por não provada, e, por força da inexistência de contrato, condeno a R a entregar à A os equipamentos elencados nos pontos 10 e 11 da decisão de facto.»
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Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação.
No dia 14 de setembro de 2021 foi proferido o acórdão com a ref.ª 17346638, que determinou, nos termos do 662.º, n.º 3, al. d), a devolução dos autos à 1.ª instância para que aí fosse devidamente motivada a decisão sobre a matéria provada e não provada descrita na fundamentação de facto da sentença.
Uma vez na 1.ª instância, a senhora juíza a quo, após afirmar que «em estrito cumprimento do decidido, haverá que fundamentar a Sentença nos termos determinados pelo Tribunal da Relação de Lisboa», proferiu nova sentença, datada de 13 de dezembro de 2021, cuja parte dispositiva é, obviamente, a reprodução daquela que atrás se deixou transcrita.
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Subsequentemente ao dispositivo desta sentença, a senhora juíza a quo exarou o seguinte:
«Dado que, na presente decisão, me limito a dar execução ao que foi determinado pelo Tribunal da Relação, mais determino que os autos aguardem o decurso do prazo de recurso de impugnação da sentença, em matéria de facto, por forma a assegurar que as partes, querendo, complementem ou aditem as suas doutas alegações, podendo ter presente a motivação agora acrescentada – cfr. artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
Decorrido o mencionado prazo (e o prazo de resposta, se for feito qualquer aditamento), venham os autos conclusos para que seja determinada a sua remessa do Tribunal da Relação de Lisboa.»
Não se percebendo a que concreto «prazo de recurso de impugnação da sentença, em matéria de facto» se refere a senhora juíza a quo, o certo é que nenhuma das partes acrescentou o quer fosse ao anteriormente produzido em sede de recurso.
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Assim, há a considerar as seguintes conclusões da alegação do recurso interposto pela autora:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 29/12/2020, a qual, julgou a ação totalmente improcedente.
2. Com a apresentação do presente recurso, pretende a Recorrente impugnar a mencionada decisão proferida sob o julgamento da matéria de facto (cfr. art.º 640 do CPC) quer a decisão proferida sobre a matéria de direito (cfr. art.º 639 do CPC), pois, no entender da Recorrente, verificou-se uma errada análise e julgamento da matéria de facto bem como uma errada interpretação e aplicação das normas de direito, que impunham uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido. Vejamos,
3. No âmbito do exercício da sua atividade comercial, a Recorrente e a Recorrida celebraram vários contratos, uns de fornecimento de energia elétrica e outros, os dos autos, correspondentes à compra e venda a prestações com reserva de propriedade de equipamento LED e serviços conexos (doravante contrato LedPlus) para dois hotéis da sua propriedade, um deles construído há pouco tempo.
4. Sucede que o Tribunal a quo entendeu que não foi demonstrado a existência de um acordo de vontades quanto à celebração dos contratos Ledplus, nomeadamente, quanto à fixação de quantias mensais a pagar pelo fornecimento dos equipamentos contratualizados e considerou que a Recorrente se limitou a entregar a documentação para a assinatura e a Recorrida limitou-se a “assinar de cruz” sem ler.
5. Não obstante a Recorrente entende que demonstrou que efetivamente existiu um acordo de vontades na celebração dos contratos, visto que foi provado, quer documentalmente quer pelo depoimento das testemunhas, que: i) entre a Recorrente e a Recorrida foram encetadas negociações tendo em vista à celebração dos contratos ora em causa, ii) que um comercial da Recorrente visitou por várias vezes às instalações da Ré e informou a sua legal representante da oferta comercial oferecida pela Autora.
6. Provou-se, também, que, posteriormente a essas visitas, foram entregues à Ré duas propostas onde constavam os custos dos serviços e o detalhe das quotas mensais a pagar durante a vigência dos contratos; propostas essas que foram devidamente assinadas pela legal representante da Recorrida em sinal de aceitação e cuja leitura não requer nenhum conhecimento técnico relevante.
7. Ficou, ainda, provado que foi com base naquelas propostas que, a 06/05/2016 e 05/07/2016, foram celebrados os contratos vindos de aludir. Mas mais, para além dos referidos contratos, foi também celebrada, no dia 30/08/2016, uma adenda ao primeiro contrato.
8. Pelo que a Ré foi posta na possibilidade de, querendo, conhecer e entender a profundidade, extensão e inexorabilidade do negócio que se encontrava prestes a celebrar e que livre e conscientemente, celebrou.
9. Ora, do exposto, é inconcebível que uma gerente experiente, apesar da sua alegada falta de escolaridade, assine não só um documento senão cinco, sem perceber o âmbito dos mesmos.
10. Além disso, tratando-se de contratos redigidos por escrito, em que se pede às partes para os assinarem, a assinatura pelos contraentes faz prova de que concordam com o que consta do respetivo texto.
11. Repare-se, aliás, que o que a lei pretende é que a comunicação “torne possível o seu conhecimento por quem use de “comum diligência” - cfr. art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º 446/85).
12. Destarte, tendo a Recorrente cumprido os termos do dever de comunicação previstos no artigo 5.º do DL 446/85, não se pode concluir que os termos essenciais do contrato não tenham sido do conhecimento da Ré.
13. Importa salientar que a Recorrida somente alegou o desconhecimento das cláusulas contratuais, após transcorridos 2 anos da assinatura dos contratos e quando confrontada para pagamento das faturas, entretanto, vencidas.
14. Ademais, foi dado como provado, sem que tenha sido apresentada qualquer prova concreta, pelo Tribunal a quo que a Recorrida foi pressionada para assinar os contratos por um comercial da Recorrente. Sendo que, o que resultou da prova produzida, foi que o comercial da Recorrente visitou várias vezes a Recorrida - visitas estas que se encontram registadas -, mas apenas com o objetivo de fazer o levantamento do equipamento existente e, posteriormente, fazer a entrega das propostas de fornecimento do equipamento Led.
15. Todavia, em evidente contradição com a prova documental constante nos autos, a testemunha AR (gestora da Recorrida) negou no seu depoimento qualquer visita do comercial da Recorrente às instalações da Recorrida, tendo afirmado que tudo foi realizado num só dia.
16. Repare-se, também, que na contestação a Ré alegou não conhecer o negócio em causa. No entanto, afirmou que a Recorrente não instalou todas as lâmpadas acordadas, facto que foi também referido pela testemunha AR no seu depoimento.
17. Isto, apesar de se ter junto aos autos as atas de entrega do equipamento contratualizado em dias diferentes e devidamente assinadas pelas gestoras de Recorrida, sem qualquer reserva.
18. O Tribunal a quo deu ainda como não provado a entrega das cópias dos contratos pela Recorrente à Recorrida. Porém, tal facto foi demonstrado testemunhalmente e existe o registo postal do envio desses contratos ao cliente, inclusivamente, o aviso de receção devidamente assinado. Mas o Tribunal a quo não considerou relevante a sua junção aos autos.
19. Acresce que, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente não fez prova de que tivesse oferecido a manutenção e substituição dos equipamentos. Contudo, a Recorrente não prestou o serviço de manutenção porque nunca lhe foi solicitado que o fizesse. Isto porque, em momento algum foi contactada pela Ré com vista à substituição das lâmpadas.
20. Tanto mais que a Recorrida não alegou quer na contestação quer na audiência realizada, em concreto, que lâmpadas recebeu e teve que substituir, nem fez prova dos contactos alegadamente realizados.
21. Inclusivamente a testemunha AR declarou que contactou apenas à Recorrente por telefone, mas que esses contactos nunca foram efetuados ao número indicado nos contratos LedPlus, ou ter-se identificado, nas supostas chamadas realizadas, como cliente LedPlus.
22. Em bom rigor, a Ré nunca remeteu qualquer comunicação por escrito (carta ou e-mail) à aqui Recorrente para a ativação da garantia do equipamento contratualizado, o que, numa situação assim, se imporia.
23. No que concerne à ativação do débito direto, foi dado como provado, também sem qualquer suporte, que o mesmo se tratou de um lapso, no entanto, consta nos autos que as autorizações de débito direto foram assinadas pela própria representante legal.
24. E perante a prova produzida nos autos, resulta claro que a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo quanto aos acima identificados Factos Provados e Não Provados padece de graves erros de julgamento da matéria de factos. Nomeadamente os pontos 22, 26, 27, 30 a 36 devem ser excluídos do elenco dos factos provados, pois a veracidade dos mesmos não resultou da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
25. Acresce que, o Tribunal a quo, erradamente, analisou os contratos LedPlus vindos de aludir, à luz da Lei n.º 23/96 de 26 de julho e do disposto no art.º 106 do Regulamento de Relações Comercias (RRC), que vigorou até 31/12/2020, os quais não são aplicáveis.
26. Com efeito, a relação comercial existente entre as partes reporta-se à data da celebração dos contratos de fornecimento de energia elétrica, mas isso não implica que os contratos de Leplus, em causa sejam uma derivação ou uma extensão daqueles. Podendo afirmar-se que se tratam de serviços adicionais independentes ao fornecimento de energia elétrica, que se encontram previstos no próprio RRC.
27. Sendo que, nos próprios contratos se estabelece que, caso o cliente optasse por rescindir o contrato de energia e mudar de comercializador, o serviço LedPlus permaneceria ativo, mas o preço do mesmo seria cobrado sem a bonificação atribuída, a partir da data da cessação desse contrato - cfr. n.º 3 da cláusula quinta dos contratos.
28. Nesta matéria, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (doravante ERSE) define serviços adicionais como sendo: “Os serviços facultativos prestados a título oneroso pelos comercializadores, associados ao fornecimento de energia elétrica, que não correspondam à prestação deste serviço público essencial incluindo os serviços ligados.” - cfr. Artigo 8.º n.º 4 do RRC que vigorou até 31/12/2020.
29. Todavia, o douto Tribunal entendeu, desacertadamente, que por ser o fornecimento de energia elétrica um elemento essencial para a utilização do equipamento instalado concluiu que é “ilegítima a pretensa autonomização da matéria contratual funcionalmente dependente e conexa ao fornecimento de energia elétrica”. Negando, portanto, a autonomia de ambos os contratos.
30. Destarte, entende a Autora que os contratos devem ser analisados ao abrigo do disposto no DL n.º 446/85, de 25 de outubro, no Código Civil no RRC para os serviços adicionais.
31. Assim, à luz Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, é possível concluir pela inexistência de qualquer cláusula proibida o nula nos contratos celebrados, nomeadamente no que diz respeito ao seu período de duração o qual foi fixado em 4 anos, de forma a garantir que, nesse prazo, o valor do equipamento contratualizado e demais serviços prestados pela Recorrente fossem integralmente amortizados.
32. Nesse seguimento, considera a Recorrente que, em conformidade com o disposto nos art. 342.º, n. º 1 e 406 do Código Civil, com os documentos juntos à p.i., comprovou o seu direito a reclamar da Ré o pagamento dos valores em dívida, provenientes da falta de pagamento das faturas emitidas no âmbito do contrato LedPlus.
33. Ora, com base no erróneo enquadramento dos contratos dos autos como contratos de fornecimento de energia elétrica, o Tribunal a quo julgou que os mesmos violam diretamente o disposto na alínea g) do n.º 3 e do n.º 5 do art. 106.º do Regulamento de Relações Comerciais, - que vigorou até 31/12/2020 - referentes a duração dos contratos, e à eventual existência de um período de fidelização, mas tal conclusão é totalmente equivocada, como supra explanado.
34. Face ao exposto, a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorreta apreciação e valoração da matéria factual e documental à luz do Direito aplicável ao caso dos autos.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser revogada a decisão recorrida
Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!»
*
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
*
II - ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, nº 1) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, nº 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (art. 635.º, nº 4).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, nº 1, 631.º, nº 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, nº 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, nº 2, ex vi do art. 663.º, nº 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
- se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, julgando a ação procedente, condene a ré no pedido formulado pela autora.
*
III - FUNDAMENTOS:
3.1 - Fundamentação de facto:
3.1.1 – O tribunal a quo enunciou assim a matéria que considerou provada:
«1 - A autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras atividades, à comercialização de energia elétrica, à promoção de venda de bens, comercialização e prestação de assistência ao cliente e ainda à compra, venda, instalação e manutenção de todo o tipo de aparelhos, máquinas, utensílios ou elementos capazes de produzir, transformar, armazenar, fornecer, transportar, distribuir ou utilizar qualquer tipo de energia – cfr. certidão permanente com o código de acesso ____;
2 - No exercício da respetiva atividade, a Autora acordou com a Ré, em 06/05/2016 e 05/07/2016, que procederia à instalação de produtos de iluminação LED (doravante, Ledplus), nas instalações hoteleiras desta, sitas respectivamente, nos n.ºs __ e ___ da Av. ____, em Ourém (acordo);
3 – (...)[1];
4 - A A fornecia energia eléctrica à R (acordo e exame de facturas juntas, com a douta Contestação);
5 - Em 24/04/2016, um comercial, em representação da A, apresentou à R duas propostas “Led Plus”, mediante as quais apresentava as propostas, que estiveram na base do acordo referida em 2[2] – cfr. docs. 2 e 3, juntos com o douto Requerimento de resposta ao convite ao aperfeiçoamento, formulado em audiência prévia;
6 - Nas referidas propostas era feita a análise dos consumos e valores mensalmente pagos pela R, em cada uma das suas instalações hoteleiras, e, de seguida, uma projecção quanto aos consumos/valores mensais médios a pagar por aquela em caso de adesão às “soluções de iluminação eficiente” oferecidas pela A - – cfr. docs. 2 e 3, juntos com o douto Requerimento de resposta ao convite ao aperfeiçoamento, formulado em audiência prévia;
7 - Resulta do exame das referidas “propostas” que as respectivas aceitações implicariam 14% de poupança económica desde o primeiro dia na facturação de energia eléctrica, e que “Só por ser cliente de electricidade do Grupo Gás Natural F, desfrute de 15% de poupança adicional no seu serviço Led/Plus, 97,20€/ano” - cfr. docs. 2 e 3, juntos com o douto Requerimento de resposta ao convite ao aperfeiçoamento, formulado em audiência prévia;
8 - Segundo tais projecções, de acordo com a oferta 98000523-01, eram feitas comparações entre o estado em que a R se encontrava e aquele em que ficaria, no que respeita à manutenção e despesas com o fornecimento de energia elétrica:
“(…)
Comparação energética
Nos quadros apresenta-se a comparação dos consumos de electricidade em kWh e em € que obterá depois da instalação dos novos equipamentos
Situação actual
Consumo de eletricidade 22.620,00 kWh/ano
Despesas de eletricidade 2.642,25€/ano
Despesas de manutenção 663,00€/ano
Outras despesas (Potência e Reativa) 267,75€/ano
Total despesas 3.573,00€/ano
Solução Ledplus
Consumo de eletricidade 6.510,00 kWh/ano
Despesas de eletricidade 760,77€/ano
Despesas de manutenção 0,00€/ano
Outras despesas
(Potência e Reativa) 72,95€/ano
Total despesas futuras 833,72€/ano (…)
Oferta Ledplus
A oferta Ledplus da Gas Natural Servicios juntamente com a discriminação dos custos e o detalhe da quota a pagar anualmente indicam-se a seguir:
Discriminação Orçamento
Esquipamento, Instalação e Gestão 7.776,19€
Bonificação contratação electricidade – 388,80€
Total 7.387,39€
Meses de contrato propostos 48 meses
Quota mensal a pagar pelo cliente 159€/mês
Fatura Energia Eléctrica Actual 1.445,87€/mês
Factura Energia Eléctrica Futura 1.246,38€/mês;
Total
(Quota mensal + Factura energia eléctrica futura) 1.400€/mês
(…)” - cfr. doc 2, junto a fls. 130;
9 - Segundo tais projecções, de acordo com a oferta 98000524-01, eram feitas comparações entre o estado em que a R se encontrava e aquele em que ficaria, no que respeita à manutenção e despesas com o fornecimento de energia elétrica:
“(…)
Comparação energética
Nos quadros apresenta-se a comparação dos consumos de electricidade em kWh e em € que obterá depois da instalação dos novos equipamentos
Situação actual
Consumo de eletricidade 17,610,00 kWh/ano
Despesas de eletricidade 2.083,32€/ano
Despesas de manutenção 970,90€/ano
Outras despesas (Potência e Reativa) 384,76€/ano
Total despesas 3.438,98€/ano
Solução Ledplus
Consumo de eletricidade 4.060,00 kWh/ano
Despesas de eletricidade 480,29€/ano
Despesas de manutenção 0,00€/ano
Outras despesas
(Potência e Reativa) 88,59€/ano
Total despesas futuras 568,88€/ano (…)
Oferta Ledplus
A oferta Ledplus da Gas Natural Servicios juntamente com a discriminação dos custos e o detalhe da quota a pagar anualmente indicam-se a seguir:
Discriminação Orçamento
Esquipamento, Instalação e Gestão 8.537,38€
Bonificação contratação electricidade – 426,88€
Total 8.110,50€
Meses de contrato propostos 48 meses
Quota mensal a pagar pelo cliente 168€/mês
Fatura Energia Eléctrica Actual 1.187,40€/mês
Factura Energia Eléctrica Futura 966,73€/mês;
Total
(Quota mensal + Factura energia eléctrica futura) 1.135,70€/mês
(…)” – cfr. doc 3, junto a fls. 132;
10 - A A forneceu à R e instalou os seguintes equipamentos:
- noventa e oito Master Ledtube 10W ‘Alto Flujo + Rot’ – 600;
- vinte COREPro LEDBulb E27 9W;
- seis Master LEDTube 14,5W rotatório;
- quatro Master Ledtube 20W – 1.500mm;
- quarenta e sete MASTER LEDSpot MV VLE 4,3 w;
- duas Luminárias Interiores – coreline Downlight Compact (Gen 3)
- cento e vinte e uma COREPro LEDBulb E27 6W;
- duzentas e dez COREPro LED Esférica E14 4 W – cfr. doc. 4, junto com o requerimento de resposta, a fls. 135;
11 - A A forneceu à R e instalou os seguintes equipamentos:
- quinze Master Led Esférica E14 4W;
- uma Luminária interior - Coreline Panel Led34 60x60 – no regulable;
- duas Luminárias exteriores – Coreline Tempo BVP120 LED40/NM S;
- sete Luminárias interiores – Coreline Downlight mini (Gen3);
- cinco Luminárias interiores – Coreline Downlight Compact (Gen 3);
- vinte Master LedBulb E27 6W;
- sessenta e seis Master Ledtube VLE HO 18W 1.200mm;
- três Master LEdtube 9W “Alto flujo + Rot” - – cfr. doc. 5, junto com o requerimento de resposta, a fls. 135, v;
12 - Resulta dos Anexos V aos acordos aludidos em 1 os valores de “quotas anuais” de € 2.490 e de € 1.554,42 – cfr. docs. citados a fls. 12 e 19, pp;
13 - Mediante carta de 26/10/2017, a A comunicou à R que, encontrando-se em dívida as facturas aí elencadas, a interpelava a proceder aos respectivos pagamentos, no prazo de trinta dias, sob pena de não restar à A outra alternativa que resolução unilateral do contrato – cfr. doc. 5, junto com a douta Petição;
14 - Mediante carta de 06/02/2018, a R solicitou à A que lhe enviasse um extrato de dívida atualizado - cfr. doc. 6, junto com a douta Petição;
15 - A A enviou à Ré, na sequência do seu pedido, um extrato de conta corrente - cfr. doc. 7, junto com a douta Petição;
16 - Mediante carta de 2 de Julho de 2018, recebida a 04-07-2018, a A informou a Ré que, caso não pagasse as faturas que considerava em dívida, no prazo de 30 dias, o contrato seria resolvido com base nesse incumprimento - cfr. doc.s 8 e 9, juntos com a douta Petição;
17 - A A emitiu as seguintes facturas:
a) Relativamente ao n.º 52 da Avenida ____, n.º 52:
051701/00000093 28-02-2017 20-03-2017 255,23 10
051701/00000050 28-02-2017 20-03-2017 255,23 11
05 1701/00000158 31-03-2017 20-04-2017 255,23 12
05 1701/00000228 27-04-2017 17-05-2017 102,09 13
05 1701/00000242 27-04-2017 17-05-2017 255,23 14
05 1701/00000259 27-04-2017 17-05-2017 255,23 15
05 1701/00000282 27-04-2017 17-05-2017 255,23 16
05 1701/00000312 27-04-2017 17-05-2017 255,23 17
051701/00000403 31-05-2017 20-06-2017 255,23 18
05 1701/00000478 30-06-2017 20-07-2017 255,23 19
05 1701/00000566 26-07-2017 15-08-2017 255,23 20
05 1701/00000622 30-08-2017 19-09-2017 255,23 21
05 1701/00000769 27-09-2017 17-10-2017 255,23 22
051701/00000890 27-10-2017 16-11-2017 255,23 23
05 1701/00000935 27-11-2017 17-12-2017 255,23 24
05 1701/00001040 21-12-2017 10-01-2018 255,23 25
051801/00000053 26-01-2018 15-02-2018 255,23 26
05 1801/00000237 28-02-2018 20-03-2018 255,23 27
05 1801/00000401 29-03-2018 18-04-2018 255,23 28
051801/00000558 30-04-2018 20-05-2018 255,23 29
05 1801/00000733 25-05-2018 14-06-2018 255,23 30
05 1801/00000874 26-06-2018 16-07-2018 255,23 31
b) Relativamente ao n.º 130 da Avenida ____,
05 1701/00000133 28-02-2017 20-03-2017 159,32 32
051701/00000086 28-02-2017 20-03-2017 159,32 33
051701/00000038 28-02-2017 20-03-2017 118,20 34
05 1701/00000165 31-03-2017 20-04-2017 159,32 35
05 1701/00000352 27-04-2017 17-05-2017 159,32 36
05 1701/00000417 31-05-2017 20-06-2017 159,32 37
05 1701/00000492 30-06-2017 20-07-2017 159,32 38
05 1701/00000580 26-07-2017 15-08-2017 159,32 39
051701/00000608 30-08-2017 19-09-2017 159,32 40
05 1701/00000788 27-09-2017 17-10-2017 159,32 41
05 1701/00000873 27-10-2017 16-11-2017 159,32 42
05 1701/00000952 27-11-2017 17-12-2017 159,32 43
05 1701/00001057 21-12-2017 10-01-2018 159,32 44
051801/00000070 26-01-2018 15-02-2018 159,32 45
051801/00000220 28-02-2018 20-03-2018 159,32 46
05 1801/00000384 29-03-2018 18-04-2018 159,32 47
05 1801/00000541 30-04-2018 20-05-2018 159,32 48
05 1801/00000716 25-05-2018 14-06-2018 159,32 49
05 1801/00000857 26-06-2018 16-07-2018 159,32 50 – cfr. docs. juntos com a Petição;
18 - AD é a sócia e gerente que assume a gerência de facto da sociedade, tomando todas as decisões respeitantes à mesma;
19 - Os elementos do casal que integra a gerência da R têm um nível de escolaridade muito reduzido, que se cinge à (anteriormente denominada) 4.ª classe;
20 - São pessoas modestas e humildes que, com muito esforço, criaram uma empresa (a ora Ré) onde trabalha a família;
21 - A Ré é uma empresa de cariz familiar que tem apenas dez trabalhadores, nos quais se incluem a sócia e gerente AD, bem como a filha AR;
22 - A Ré explora dois pequenos hotéis, já antigos, ambos sitos em ____, mais concretamente na Avenida ____, n.ºs __ e ___, denominados “Hotel A” e “Residencial Dona AD”, respetivamente;
23 - Em meados do ano de 2016, em data que não pode precisar, a D.ª AD foi abordada na “Residencial Dona AD”, onde vive e trabalha, por um indivíduo do sexo masculino que se identificou como sendo comercial da “F”, que corresponde à ora A;
24 - O comercial da Autora propôs à D.ª AD o fornecimento e instalação de lâmpadas em led para os dois hotéis;
25 - Segundo referiu, essas lâmpadas, comparadas com as existentes nos dois hotéis, que tinham vários anos, permitiriam poupar muita energia elétrica, reduzindo o valor das faturas mensais de fornecimento;
26 - A D.ª AD informou que não estava interessada no negócio porque não tinha dinheiro para investir, estando mesmo a atravessar dificuldades financeiras;
27 - No entanto, o comercial da Autora insistiu, várias vezes, com a D.ª AD, dizendo-lhe que não teria de gastar um cêntimo, pelo contrário, até gastaria menos mensalmente em energia elétrica;
28 - Segundo informou, as novas lâmpadas seriam financiadas, na íntegra, pela “F”, ou seja, pela Autora, que, à data, era a fornecedora de energia elétrica da Ré, para os dois hotéis;
29 - Ou seja, o investimento em lâmpadas LED, seria compensado através da redução da faturação mensal do fornecimento de energia elétrica;
29-A - O comercial que actuou em representação da A informou ainda que à medida que as novas lâmpadas se fossem avariando (vulgo “fundindo”), procederia à sua substituição, garantindo que os seus técnicos se deslocariam as vezes necessárias às instalações da Ré.
30 - Perante a garantia que nada lhe seria cobrado e a pressão e insistência do colaborador da Autora, a Ré acedeu à pretensão desta autorizando a instalação das lâmpadas LED nos dois hotéis, convencida que iria poupar mensalmente no consumo de energia elétrica;
31- Na deslocação efectuada para a instalação, o instalador limitou-se a entregar a documentação para a assinatura e a representante da R, confiando no que lhe foi dito, assinou “de cruz”, sem ler, todos os documentos que lhe foram exibidos e que correspondem aos dois contratos e aditamento juntos com a Petição Inicial.
32 - As lâmpadas “novas” começaram a avariar, “fundindo-se”.
33 - Os contactos para assistência não davam resposta aos pedidos de substituição das lâmpadas, pelo que a Ré teve de proceder, a expensas suas, à substituição das lâmpadas em LED que se foram fundindo;
34 - No dia 13 de fevereiro de 2017, a Ré foi surpreendida com um débito direto da sua conta bancária no valor de € 102,09 (cento e dois euros e nove cêntimos) que havia sido pedido pela Autora;
35 - De imediato, a Ré, através da colaboradora AR, diretora dos hotéis, contactou telefonicamente os serviços da Autora pedindo explicações acerca do sucedido até porque não tinha recebido qualquer fatura.
36 -Tendo sido informada que o pedido de débito direto tinha sido um lapso.
37 - A Ré procedeu ao cancelamento do débito direto junto do Banco M – cfr. documentos 21 a 23, juntos com a Contestação;
38 - A R remeteu à A carta, mediante a qual lhe comunicou não lhe haver sido explicado que os acordos dos autos se tratavam de contratos de fidelização, mediante o pagamento de prestações mensais durante quatro anos, pelo que houve “erro na declaração, o negócio é anulável, uma vez que não corresponde, nem nunca correspondeu à nossa vontade” – cfr. doc. 24, junto com a douta Contestação.»
3.1.2 – (...) e enunciou assim a matéria que considerou não provada:
a) «A A entregou à R cópias dos acordos que constituem documentos 1 e 2, juntos com a douta Petição - por não ter sido produzida qualquer prova a tal facto»;
b) «E foi-lhe explicado que o acordado consistia numa aquisição a crédito, com reserva de propriedade a favor da A, do material elencado nos contratos e adendas, bem como o demais vertido nas condições gerais»;
c) «A R foi sempre informada sobre qual o valor do equipamento a ser instalado, bem como qual o valor do serviço de instalação e manutenção do referido equipamento»;
d) «As facturas elencadas na douta Petição tivessem sido remetidas à R – por não ter sido produzida qualquer prova a tal facto»;
e) «A Ré despendeu de abril de 2017 até à data da douta Contestação, quantia total de € 12.093,31 (doze mil e noventa e três euros e trinta e um cêntimos), em lâmpadas LED, que supostamente seriam vendidas e mantidas pela Autora – por não ter sido feita prova bastante do alegado quanto ao valor despendido, tanto mais que a R não alegou, em concreto, que lâmpadas recebeu e teve que substituir»[3].
*
3.2 - Enquadramento jurídico:
3.2.1 - Nota prévias:
3.2.1.1 - Quanto à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova:
O objeto de um litígio, a fixar previamente à fase da instrução da causa, não consiste, obviamente, na «questão de saber se a A fez prova dos fundamentos de facto e de direito, em que assenta o pedido».
A ser assim, apenas haveria lugar à identificação do objeto do litígio após a realização de todas as diligências de prova no processo.
No despacho a que alude o art. 596.º, n.º 1, a identificação do objeto do litígio deveria ter sido feita nos seguintes termos:
«1. O direito da autora a receber da ré a quantia de € 20.505,48, acrescida de juros de mora sobre a quantia de € 19.898,52, em consequência da resolução, por si operada, por incumprimento, pela ré, dos contratos entre ambas celebrados:
- um, no dia 6 de maio de 2016, tendo por objeto a compra e venda e instalação de produtos de iluminação LED, num edifício propriedade da ré, sito na Avenida ____, n.º __, em Ourém;
- outro, no dia 5 de julho de 2016, tendo por objeto a compra e venda e instalação de produtos de iluminação LED, num edifício propriedade da ré, sito na Avenida ____, n.º ___, em Ourém.
2. A validade das cláusulas 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 9.ª, 10.ª e 12.ª de cada um daqueles contratos.
3. Subsidiariamente, saber se aqueles contratos foram tacitamente revogados pela ré com efeitos a 13 de fevereiro de 2017;
4. Ainda subsidiariamente, saber se aqueles contratos devem ser declarados anulados por «erro de declaração».
Aliás, como facilmente de pode constatar, na sentença recorrida, a senhora juíza a quo fixou ao litígio um outro objeto, que não aquele que identificou no despacho a que alude o art. 596.º, n.º 1.
O objeto do litígio fixado na fase intermédia do processo deve coincidir com as questões a decidir na sentença.
Conforme referem Rita Lobo Xavier/Inês Folheada/Gonçalo Andrade e Castro, «o despacho do art. 596.º supõe que o tribunal identifique as questões controvertidas tendo em conta também as impugnações do réu e as exceções que este deduziu.»[4].
Não é por acaso que o legislador manda identificar o objeto do litígio numa fase intermédia do processo (art. 596.º, nº 1), e não apenas na sentença (art. 607.º, nº 2).
Fá-lo, desde logo para que fique afastado o risco de a parte a quem os factos essenciais complementares e/ou concretizadores que devem integrar a causa de pedir da ação ou da reconvenção, ou a matéria de exceção perentória, aproveitam, por absurdo - e contra factum proprium -, não os inclua no contexto do litígio, afastando-os, assim, do âmbito de cognição do juiz em sede de sentença.
Presentemente, o objeto do litígio é fixado por despacho proferido em momento anterior ao início da instrução, rectius, à produção da prova constituenda (art. 596.º, nº 1), sujeito a reclamações (art. 596.º, nº 2), havendo possibilidade de recurso do despacho proferido sobre elas (art. 596.º, nº 3), pelo que as partes sabem, sem que isso lhes cause surpresa, que a elas é imputado o pedido de consideração de todos os factos essenciais abrangidos pelo objeto do litígio, alegados ou não, assim se explicando, atualmente, a desnecessidade de uma nova manifestação de vontade das partes quanto ao aproveitamento dos factos essenciais complementares e/ou concretizadores, sendo o direito da parte interessada em influenciar um tal desenvolvimento processual assegurado através do respeito pelo princípio do contraditório[5].
Assim, o objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando a causa de pedir[6], não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença[7].
E quanto aos temas da prova?
É também evidente que aquilo que a senhora juíza a fez no despacho saneador não foi enunciar temas da prova.
Conforme salienta Paulo Pimenta, «por isso é que o art. 410.º, sobre o objecto da instrução, diz que esta tem por objeto “os temas da prova enunciados”. Como é evidente, a prova recai sobre factos e não sobre temas. O que o art. 410.º pretende significar é que, na produção de prova, os factos a considerar serão todos os que tenham atinência com os temas da prova enunciados.»[8].
Afirma ainda o Autor que «quando mais adiante o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.
Estamos aqui perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos[9], seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas.
Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova, cumpre dizer que o modelo a empregar é fluído, não sendo suscetível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e à base instrutória.
Agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas. Nessa conformidade, os temas da prova serão aqueles que os exactos termos da lide justifiquem. (...) pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo ou dos tipos legais accionados pelas alegações das partes, o que implica que o juiz e os mandatários atentem nisso. Para essa ponderação contribuirá também a circunstância de, nos termos do CPC de 2013, a enunciação dos temas da prova ocorrer em seguida à identificação do objecto do litígio, já que esta identificação logo demandará uma adequada consciencialização daquilo que está realmente em jogo em cada acção.»[10].
A este respeito, refere Lebre de Freitas que «(...) a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais: o tribunal relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado, ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova.
Sobre esta distinção apenas a decisão de direito se preocupará.
Consequentemente, se o tribunal de recurso, em apelação ou em revista, vier a fazer uma interpretação diferente da do tribunal da 1.ª instância, da norma, geral ou especial, de distribuição do ónus da prova, os factos que interessem a esta noa perspetiva constarão todos da decisão de facto, que por esse motivo deverá ser alterada ou completada[11].
A distinção entre matéria de facto e matéria de direito esbate-se no despacho do art. 596, que poderá enunciar temas da prova usando qualificações jurídicas que na anterior base instrutória eram inadmissíveis.»[12].
Ou seja, com a enunciação dos temas da prova (art. 596.º, n.º 1), o legislador pretendeu erradicar, de uma vez por todas, da prática judiciária portuguesa, a cultura durante décadas arreigada à figura do questionário, elegendo os temas da prova como a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, nºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos, factos esses sobre os quais incidirá a produção da prova, enquanto atividade desenvolvida em juízo com vista ao convencimento do julgador acerca da realidade de um determinado facto, e que passa utilização de meios de prova.
Os temas da prova, constituindo a dita vertente normativa ou jurídica dos factos principais, assumem normalmente um cariz vago, genérico, por vezes conclusivo e até jurídico, representando um instrumento delimitador do âmbito da atividade instrutória da causa, que terá por objeto mediato, como se frisou, não os temas da prova enunciados, mas os concretos factos jurídicos em que eles se traduzem e desdobram, e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos dos arts. 607.º, nº 3 e 4[13]; ou seja, são os concretos enunciados fáticos alegados no processo e não os temas da prova, que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.
Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 13.11.2014, Proc. n.º 444/12.5TVLSB.L1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, perante uma enunciação puramente conclusiva dos temas da prova, cabe ao juiz, na fase de julgamento, ao considerar provada ou não provada a concreta matéria de facto a que eles se reportam, a tarefa de especificar e densificar tal factualidade concreta, fundamentando a sua decisão, não podendo limitar-se a considerar provada ou não provada a matéria, puramente conclusiva, que na fase de saneamento e condensação havia sido enunciada.
É claro que se algum dos temas da prova corresponder a um concreto facto jurídico, nomeadamente, a um facto constitutivo ou excetivo, será ele o alvo direto da instrução[14].
Importa, no entanto, ter presente que apesar de nada obstar a que os temas de prova surjam enunciados como factos jurídicos concretos, isso não pode, nem deve constituir a regra, apenas se admitindo tal prática em casos pontuais, excecionais, que verdadeiramente o justifiquem[15], sob pena de se adulterar a vontade do legislador e se desvirtuarem princípios basilares orientadores do processo civil português vigente.
É vedada ao julgador a adoção de procedimentos que vão em sentido contrário àquela que é, manifesta e indubitavelmente, a vontade do legislador.
Além disso, a inadequada e há muito ultrapassada técnica utilizada pela senhora juíza a quo, de quesitação, é suscetível de constituir um fator de perturbação da instrução do processo, podendo dar azo a dúvidas acerca daquilo sobre que deve incidir a produção de prova através da atuação dos respetivos meios probatórios.
Aquilo que se exige e impõe ao julgador na prolação de qualquer decisão que não seja de mero expediente (e a enunciação dos temas da prova é matéria de primordial relevância para a boa decisão da causa), é que prime pelo rigor, clareza, objetividade e certeza, com propriedade terminológica e de modo tecnicamente rigoroso, por forma a não deixar dúvidas, nomeadamente de interpretação ou de procedimento, a quem quer que seja, sobretudo, às partes.
Sucede que, tendo a senhora juíza a quo, sob a incorreta denominação de “temas da prova”, formulado 27 (vinte e sete) quesitos, na sentença recorrida dá como provados alguns enunciados que não correspondem a nenhum daqueles quesitos.
Alguns dos enunciados dados provados na sentença recorrida são considerados assentes por acordo das partes.
Ainda que os 27 quesitos formulados pela senhora juíza a quo constituíssem, muito excecionalmente, temas da prova, e como é óbvio não constituem, não estando vedado ao juiz a enunciação, após contraditório, dos factos já assentes, sobre os quais não terá que incidir mais prova[16], é evidente que a enunciação desses factos já plenamente provados, nunca poderia ser apresentada como se de temas da prova se tratassem; e, evidentemente, muito menos sob a forma de quesitos.
Os temas da prova são, como se disse, a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos, e não, naturalmente, dos factos já plenamente provados, p. ex., por documentos dotados de força probatória plena, por acordo ou por confissão.
Essa matéria, a que já se encontra plenamente provada aquando da prolação do despacho a que alude o n.º 1 do art. 596.º, não pode, nem deve, desde logo por manifesta inutilidade, ser objeto dos temas de prova.
É por isso que, embora a lei o não diga expressamente, os factos que no momento da prolação daquele despacho já se encontrem assentes, devem ser como tal enunciados no despacho saneador, de modo a evitar que as partes, por cautela e receio, na audiência final, venham a produzir sobre eles prova testemunhal, sem qualquer resultado útil.
O que nunca podem é, reitera-se, ser enunciados como temas da prova.
3.2.1.2 - Quanto à enunciação factológica da sentença:
O teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências:
- aos meios de prova, ao contrário do que, incorretamente, se faz na sentença recorrida quanto aos pontos de facto provados sob os n.ºs 1 a 17, 37 e 38, ou às respetivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como por exemplo:
- «Resulta do exame das referidas “propostas” (...)» - 7.º;
- «Segundo tais projecções (...)» - 8.º e 9.º;
- «Resulta dos Anexos V (...)» - 12.º.
As referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
O que se pretende é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas.
*
3.2.2 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Além da inadequada técnica processual de identificação das testemunhas por alíneas, o que, naturalmente, dificulta a apreciação dos depoimentos testemunhais gravados, é evidente a amalgama que a apelante faz entre impugnação da decisão sobre a matéria de facto e impugnação da decisão sobre o aspeto jurídico da causa.
Dispõe o art. 640.º:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 – (...).»
Em anotação a este artigo refere Abrantes Geraldes que «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.»[17].
Em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve identificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, não podendo limitar-se a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham para cada um desses pontos de facto fosse julgado provado ou não provado. A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º[18].
O ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, consagrado no art. 640.º, impõe, sob pena de rejeição, a identificação, com precisão, nas conclusões da alegação do recurso, os pontos de facto que são objeto de impugnação[19].
O art. 640.º exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permite pôr em causa o sentido da decisão da 1ª instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 640.º, nº 1/2.
Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados[20].
Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa salientam que o S.T.J. «tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm que reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos de facto sobre que incide a impugnação[21]-[22].
Dispõe o art. 662.º, nº 1 que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
Como é sabido, as competências que o art. 662.º atribui à Relação apenas podem ser exercidas dentro do objeto recursório fixado pelo recorrente nas conclusões de recurso, nos termos dos arts. 635º e 640.º do mesmo código. Ou seja, a Relação apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se o recorrente a impugnar e na medida em que impugnou.
No caso de o recorrente ter impugnado (apenas ou também) a decisão sobre a matéria de facto, deverá indicar os concretos pontos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e indicar a decisão que deve ser proferida, nos termos que decorrem do citado art. 640.º.
É o resultado desta especificação efetuada pelo recorrente, que constituirá o objeto da atividade recursória da Relação, em sede de art. 662.º.
Assim, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art. 615.º, nº 1, al. d), 2ª parte.
É dentro destes limites objetivos que o art. 662.º atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração[23].
A este propósito refere Francisco Ferreira de Almeida, que «a Relação não pode exorbitar os poderes cognoscitivos delimitados e balizados pela alegação do recorrente, no exercício do seu poder de impugnação (art. 640º). Há, assim, que observar o princípio dispositivo, ou seja, a iniciativa da parte interessada, devendo a atividade cognitiva cingir-se aos pontos de facto especificamente indicados, desde que mostrem cumpridos os requisitos formais constantes do art. 639.º.»[24].
Segundo Rui Pinto, «as competências que se atribuem no art. 662.º apenas se podem exercer dentro do objeto fixado pelo recorrente nas conclusões do recurso, nos termos dos arts. 635.º e 640.º.
Em suma: a Relação apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se o recorrente a impugnar e na medida em que impugnou.
Efetivamente, está na disponibilidade do legitimado (cf. artigo 631.º) recorrer ou não da decisão sobre a matéria de facto, segundo o princípio tantum devolutum quantum appelatum.
Se o recorrente apenas impugnou matéria de direito, a Relação não pode alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Já se o recorrente impugnou (apenas ou também) a decisão sobre a matéria de facto deverá indicar os concretos pontos incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar a decisão que deve ser proferida, conforme o artigo 640.º. O resultado dessa especificação operada pelo recorrente, constituirá o objeto da atividade recursória da Relação em sede de artigo 662.º.
Se o recorrente impugnou certos pontos da matéria de facto, mas não impugnou outros pontos, estes não podem ser alterados, sob pena de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. d) segunda parte.»[25].
À luz do enquadramento que antecede, de imediato se conclui que a apelante não cumpre, relativamente a qualquer um dos itens da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os ónus constantes do art. 640.º.
A apelante divide a impugnação a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes itens:
a) «Do dever de informação»:
Depois de transcrever diversos excertos dos depoimentos de diversas testemunhas, sem qualquer critério de rigor ou objetividade, misturados com esclarecimentos pessoais sobre o teor dos mesmos, com considerandos jurídicos e transcrições doutrinárias, a apelante afirma o seguinte:
«Sucede que, apesar de toda a factualidade supra exposta, o Tribunal a quo considerou que não resultou provado que: “A R foi sempre informada sobre qual o valor do equipamento a ser instalado, bem como qual o valor do serviço de instalação e manutenção do referido equipamento” em evidente contradição com a prova documental produzida.
(...)
Em face do exposto, considera a Apelante que os factos relativos ao suposto incumprimento do dever de informação por parte desta devem ser excluídos do elenco dos factos provados, pois a sua veracidade não resultou da prova produzida nestes autos.»
Pretende, assim, a apelante impugnar a decisão quanto enunciado acima descrito sob a al. c) dos factos não provados.
Além de transcrever, sem critério, vários excertos de depoimentos testemunhais, incumprindo, assim, o ónus imposto na al. b) do n.º 1 e na al. b) do n.º 2 do art. 640.º, a apelante não especifica:
- nas conclusões, aquele ponto de facto, entre os que considera incorretamente julgados;
- a decisão que em seu entender deve ser proferida quanto à questão de facto subjacente àquele enunciado,
assim incumprindo os ónus impostos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 640.º.
Rejeita-se, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
b) «Antiguidade dos Hotéis»:
Neste item, a autora pretende impugnar a decisão quanto ao enunciado descrito sob o ponto 22. dos factos provados: «A Ré explora dois pequenos hotéis, já antigos, ambos sitos em ____, mais concretamente na Avenida ____, n.º s 52 e 136, denominados “Hotel A” e “Residencial Dona AD”, respetivamente».
Trata-se de um enunciado sem qualquer relevo para a decisão da causa.
Seja como for, a apelante não cumpre o ónus imposto na al. c) do n.º 1 do art. 640.º, pois limita-se, em sede de conclusões, a afirmar que aquele enunciado, assim como outros, «deve ser excluídos do elenco dos factos provados, pois a veracidade dos mesmos não resultou da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.»
Rejeita-se, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
c) «Da suposta insistência da Autora na celebração dos contratos»:
Pretende a apelante impugnar a decisão quanto aos enunciados descritos sob:
- o ponto 27. dos factos provados: «No entanto, o comercial da Autora insistiu, várias vezes, com a D.ª AD, dizendo-lhe que não teria de gastar um cêntimo, pelo contrário, até gastaria menos mensalmente em energia elétrica»; e
- o ponto 30. dos factos provados: «Perante a garantia que nada lhe seria cobrado e a pressão e insistência do colaborador da Autora, a Ré acedeu à pretensão desta autorizando a instalação das lâmpadas LED nos dois hotéis, convencida que iria poupar mensalmente no consumo de energia elétrica».
 Afirma na motivação que «não há prova da suposta pressão exercida pelo comercial da Autora para a celebração dos contratos dos autos. No entanto, existe prova bastante da falta de credibilidade da testemunha B.»[26].
No ponto 24. das conclusões afirma que «perante a prova produzida os autos, resulta claro que a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo quanto aos acima identificados Factos Provados e Não Provados padece de graves erros de julgamento da matéria de factos. Nomeadamente os pontos 22, 26, 27, 30 a 36 devem ser excluídos do elenco dos factos provados, pois a veracidade dos mesmos não resultou da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.»
A apelante incumpriu, assim, o ónus imposto na al. a) do n.º 1 do art. 640.º, pois não especifica a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, não bastando, para o efeito, a afirmação de que um grupo de enunciados deve ser excluído do elenco dos factos provados, por a veracidade dos mesmos não ter resultado da prova produzida.
Ainda que assim não fosse, as passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que, nesta parte, a apelante funda o seu recurso, são insuscetíveis de infirmar a veracidade do afirmado naqueles enunciados.
Rejeita-se, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
d) «Da entrega das cópias dos contratos é ré»:
Pretende a autora impugnar a decisão sobre o ponto de facto não provado acima identificado sob a al. a): «A A entregou à R cópias dos acordos que constituem documentos 1 e 2, juntos com a douta Petição - por não ter sido produzida qualquer prova a tal facto.»
A apelante não especifica:
- nas conclusões, aquele ponto de facto, entre os que considera incorretamente julgados;
-  a decisão que em seu entender deve ser proferida quanto à questão de facto subjacente àquele enunciado,
assim incumprindo os ónus vertidos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 640.º.
Ainda que assim não fosse, as passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que, nesta parte, a apelante funda o seu recurso, são insuscetíveis de infirmar a veracidade do afirmado naqueles enunciados.
Rejeita-se, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
e) «Dever de manutenção»:
Pretende a apelante impugnar a decisão quanto aos enunciados descritos sob:
- o ponto 32. dos factos provados: «As lâmpadas “novas” começaram a avariar, “fundindo-se”»; e
- o ponto 33. dos factos provados: «Os contactos para assistência não davam resposta aos pedidos de substituição das lâmpadas, pelo que a Ré teve de proceder, a expensas suas, à substituição das lâmpadas em LED que se foram fundindo».
A apelante incumpriu o ónus imposto na al. a) do n.º 1 do art. 640.º, pois não especifica a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, não bastando, para o efeito, a afirmação de que um grupo de enunciados deve ser excluído do elenco dos factos provados, por a veracidade dos mesmos não ter resultado da prova produzida.
Ainda que assim não fosse, as passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que, nesta parte, a apelante funda o seu recurso, são insuscetíveis de infirmar a veracidade do afirmado naqueles enunciados.
Rejeita-se, nesta parte, a decisão sobre a matéria de facto.
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3.2.3 – Enquadramento jurídico:
Não é, salvo o devido respeito, de fácil apreensão a fundamentação jurídica da sentença recorrida.
Autora e ré celebraram, por escrito:
a) no dia 6 de maio de 2016, um contrato de adesão, pelo qual a autora forneceu e instalou, no estabelecimento da ré denominado “Residencial Dona AD”, sito na Avenida ____, n.º __, em ____, as lâmpadas descritas em 10. dos factos provados (Anexo I ao contrato, assinado pela ré e pela autora), mediante a contrapartida monetária anual de € 2.226,76 (Anexo V ao contrato, assinado pela ré e pela autora), fracionada em 12 prestações mensais e sucessivas
b) no dia 5 de julho de 2016, um contrato de adesão, pelo qual a autora forneceu e instalou, no estabelecimento da ré denominado “Hotel A”, sito na Avenida ____, n.º ___, em ____, as lâmpadas descritas em 11. dos factos provados (Anexo I ao contrato, assinado pela ré e pela autora), mediante a contrapartida monetária anual de € 1.554,52 (Anexo V ao contrato, assinado pela ré e pela autora), fracionada em 12 prestações mensais e sucessivas.
A ré não pagou à autora as prestações mensais em que se fracionava cada uma daquelas quantias, correspondentes às faturas identificadas:
- em 17. a) dos factos provados, relativamente ao contrato referido em a) supra, no valor global de € 5.419,92;
- em 17. b) dos factos provados, relativamente ao contrato referido em a) supra, no valor global de € 2.985,96.
Mais se provou que:
- mediante carta de 26/10/2017, a autora comunicou à ré que, encontrando-se em dívida as faturas nela elencadas, a interpelava a proceder aos respetivos pagamentos, no prazo de trinta dias, sob pena de não lhe restar outra alternativa que não a resolução unilateral do contrato;
- mediante carta de 06/02/2018, a ré solicitou à autora que lhe enviasse um extrato de dívida atualizado.
- na sequência dessa solicitação, a autora enviou à ré um extrato de conta corrente.
Uma vez que a ré nada pagou, mediante carta de 2 de julho de 2018, recebida a 4 de julho de 2018, a autora informou a ré que, caso não pagasse as faturas que considerava em dívida, no prazo de 30 dias, o contrato seria resolvido com base nesse incumprimento.
Dispõe o art. 406.º, nº 1 CC que «o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.»
O advérbio “pontualmente” é empregado não no sentido restrito de cumprido a tempo, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito, extraindo-se da regra da pontualidade a conclusão de que a prestação debitória deve ser realizada integralmente[27].
Dúvidas não subsistem que a ré deve pagar à autora:
- a quantia de € 5.419,92, correspondente ao valor total das faturas identificadas em 17.a) dos factos provados;
- a quantia de € 2.985,96, correspondente ao valor total das faturas identificadas em 17.b) dos factos provados,
o que perfaz o valor global de € 8.405,88, a que, nos termos dos arts. 102.º, do Cód. Comercial e 519.º-A, 804.º, nº 2, 805.º, nº 2, al. a), e 806.º, nºs 1 e 2 CC, acrescem juros de mora, sobre a quantia titulada em cada uma das referidas faturas, vencidos desde a data do respetivo vencimento, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, até efetivo e integral pagamento.
Consta do anexo V de cada um dos referidos contratos: «Duração do contrato de serviço: 4 anos.»
O art. 10.º, nº 2, al. b) das cláusulas gerais de cada um dos referidos contratos, tem a seguinte redação: «Em caso de cessação antecipada por qualquer das partes (...) se a resolução for imputável ao CLIENTE, este ficará obrigado a liquidar todas as quotas devidas até à finalização do contrato (...).»
É ao abrigo desta cláusula que a autora pede ainda a condenação da ré a pagar-lhe:
- a quantia de € 6.788,85, com referência ao contrato referido em a) supra, celebrado no dia 6 de maio de 2016;
- a quantia de € 4.661,79, com referência ao contrato referido em b) supra, celebrado no dia 5 de julho de 2016,
acrescidas de juros de mora.
A transcrita cláusula contratual geral contém um mecanismo através do qual é fixado um montante indemnizatório por danos correspondentes ao valor da totalidade das prestações (das quotas, no dizer dos contratos) previstos até ao termo do prazo contratado para a vigência dos contratos, em caso de resolução do contrato por incumprimento da ré.
E não deixa de conter também um mecanismo de pressão sobre a ré no sentido do integral cumprimento do contrato.
Assume, inequivocamente, a natureza de uma cláusula penal!
A cláusula penal resulta de um acordo das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização[28].
Está regulamentada no Código Civil, nos termos dos arts. 810.º a 812.º.
Reveste, tradicionalmente, duas modalidades:
- compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento;
- moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento.
Em função do escopo visado pelos contraentes, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória.
A cláusula penal compensatória não pode, como é óbvio, cumular-se com a realização específica da obrigação principal, mas já o pode ser a cláusula penal moratória, visto esta se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento, sendo nula qualquer disposição em contrário (art. 811.º, nº 1 CC)[29].
A dupla função que a cláusula penal é normalmente chamada a exercer, no sistema da relação obrigacional, é explicitada por Antunes Varela do seguinte modo:
«Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional.
A cláusula penal é, nesses casos, um plus em relação à indemnização normal, para que o devedor, co receio da sua aplicação, seja menos tentado a faltar ao incumprimento.
A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal.
E só assim se explica, aliás, o apelativo especial (penal) da cláusula, bem como a outra designação sinonímica (pena convencional) (...) que os autores usam na sua denominação.
Por outro lado, a cláusula pena visa amiudadas vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível.
Assim sucede, com alguma frequência, quando os danos previsíveis a acautelar sejam muitos e de cálculo moroso, quando os prejuízos sejam, por natureza, de difícil avaliação ou quando sejam mesmo de carácter não patrimonial.»[30].
Calvão da Silva também define a cláusula penal como «a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória».[31].
E refere, ainda, que «dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer (sic) que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.
No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto (…) o que significa que o devedor, vinculado à cláusula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811º-2)».[32].
Por sua vez, a segunda função (a coercitiva) constitui um «poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação», já que «o carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que sobre si recai em caso de inadimplemento e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento.»[33].
Pinto Monteiro, por sua vez, distingue três tipos de cláusulas penais, dependendo do objetivo a que se propõem e do modo como atuam.
São elas:
a) as que fixam antecipadamente o montante da indemnização. Têm escopo meramente indemnizatório, e consistem numa fixação antecipada da indemnização, por razões de segurança jurídica, evitando o alea através da liquidação convencional prévia dos danos, que substitui a indemnização. Trata-se, no entanto, de uma cláusula que:
- não evita a necessidade da prova da existência de danos por parte do credor;
- nem sequer importa a inversão do ónus da prova quanto a esse facto, pois apenas resolve o problema do cálculo do montante desses danos.
São aquelas a que alude o art. 810.º, nº 1 CC.
b) as puramente compulsórias. São cláusulas penais autónomas em relação à indemnização, acrescendo a esta. Têm um intuito de mero constrangimento ao cumprimento da obrigação, que não indemnizatório. Nessa medida, a pena estipulada é devida pelo facto do incumprimento, independentemente da existência ou não de danos.
c) as cláusulas penais em sentido estrito. São cláusulas penais que, não se quedando por uma função meramente indemnizatória, perfilam-se como uma alternativa à indemnização. O credor poderá optar pela pena, que não acresce à indemnização, antes a substituindo[34].
A cláusula aqui em apreciação é uma cláusula penal compensatória e tem função compulsória, na medida em que foi estipulada para o incumprimento e visou coagir a cliente, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu.
É, sem margem para qualquer dúvida, um tipo de cláusula penal que cabe na previsão do art. 19.º, al, c) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais[35]), e que se afigura desproporcionada.
O juízo de valor sobre a desproporção de uma cláusula contratual geral deve reportar-se ao momento em que a mesma é concebida, ou seja, aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado, sendo incorreta a sua relacionação com as vicissitudes sofridas pelo contrato em que se integra, nomeadamente, com os termos em que ocorreu a sua resolução[36].
A propósito do art. 19.º, al. c), da LCCG, afirma Joaquim de Sousa Ribeiro que «a cláusula penal comporta também consideráveis riscos para o devedor, sendo das que potencialmente mais se presta à imposição de gravames injustificados. A coberto de uma das linhas funcionais da figura - a de estimular o cumprimento voluntário das obrigações assumidas, em reforço da sua eficácia vinculativa - o credor é facilmente tentado a exigir, a título de pena convencional, uma prestação de valor arbitrariamente excessivo, sem qualquer relação com o dever violado e as suas consequências danosas.
Já presente nos próprios contratos negociados - justificando aí as providências excepcionais previstas nos arts, 812.º, 935.º e 1146.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil - esse risco é, naturalmente muito acrescido nos contratos com base em c.c.g., dada a unilateralidade da estipulação. Daí a necessidade imperiosa de restringir, neste campo, a liberdade de conformação do predisponente.
É esse o objectivo da al. c) do art.. 19.º (...). Trata-se de uma proibição relativa, operante conforme «o quadro negocial padronizado», e não em termos fixos e invariáveis.
Saliente-se que o único objectivo da norma é o de estabelecer um limite de conteúdo para as cláusulas penais. O controlo incide apenas sobre o montante da pena fixada, nada nos dizendo, pois, quanto à questão prévia do nascimento e subsistência do crédito que ela intenta quantificar. (...).
 Para a formação desse juízo sobre a adequação do conteúdo da cláusula, a lei estabelece como critério a relação entre a pena e o montante dos danos a reparar. Para aplicação da norma há, pois, que pôr em confronto dois valores: o fixado em cláusula penal (ou o seu equivalente pecuniário, quando a prestação tenha outra natureza) e o correspondente aos danos a ressarcir. Este segundo termo de comparação remete para a situação factual danosa de que nasce a pretensão indemnizatória do utilizador da cláusula. Mas os prejuízos a considerar não são os efectivamente suportados, no caso concreto, pelo contraente singular, antes porém os que normal e tipicamente resultam, dentro do “quadro negocial padronizado” em que o contrato se integra, da insatisfação do direito do credor. Ou seja, no cômputo dos danos deverá seguir-se critérios objectivos, numa avaliação prospectiva guiada por cálculos de probabilidade e por valores médios e usuais, tendo em conta os factores que, em casos daquele género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos. Inatendíveis ficarão, pois, todas as circunstâncias incomuns e anómalas que, no caso em litígio, contribuíram para danos especialmente avultados ou, ao invés, particularmente diminutos.
É certo que o texto do art. 19.º, al. c), é bem menos expressivo, nesse sentido, do que o correspondente preceito da lei alemã (...), que toma como referência «os danos que são de prever de acordo com o normal decurso das coisas». Mas não pode ser outro o alcance da disposição.
De facto, só essa visão generalizadora, desligada do circunstancialismo específico do contrato sub judice e das resultantes concretas da sua inexecução, está em harmonia com o critério de concretização das proibições relativas (“consoante o quadro negocial padronizado”). Só ela justifica, aliás, a preterição do regime previsto no art. 812.º do Código Civil, quer quanto aos seus pressupostos, quer quanto aos seus efeitos, por incompatível, pelo seu apelo aos dados singularizadores, com a natureza própria das c.c.g.. E, por último, sendo a norma aplicável no âmbito da acção inibitória (cfr. o art. 24.º), como instrumento do controlo preventivo e abstracto aí exercitado, só esse padrão de referência faz sentido, pois não há ainda (ou pode não haver) danos concretos e efectivos a contabilizar.
Não é, pois, como no âmbito do art. 812.º, ao nível do exercício do direito à pena (, tendo em conta o prejuízo real que o facto que fundamenta a sua exigência acarreta para o credor, mas antes ao nível da sua estipulação, e tendo em conta os danos prováveis, que actua a proibição do art. 19.º, al. c).
Nos contratos de fornecimento em massa de bens ou serviços, esses danos corresponderão, grosso modo, aos lucros cessantes, aos ganhos médios que o predisponente normalmente obtém com aquele tipo de transacções, cifrados numa certa percentagem do preço do objecto da prestação. Essa percentagem variará, como é óbvio, consoante o sector de actividade em que o contrato se integre, podendo ainda ser levados em conta outros factores objectivos de ponderação, como a natureza e qualidade do bem ou serviço a prestar, por exemplo.
É o valor assim obtido que, constituindo um limite do conteúdo da cláusula, deverá ser com ele cotejado, para nos permitir ajuizar da sua validade.
Tem-se entendido que a previsão da norma só estará preenchida em face de uma «desproporção sensível», uma flagrante descorrelação entre o montante da pena e o montante dos danos, não bastando uma «pura, e simples superioridade» do primeiro sobre o segundo.
Temos sérias dúvidas em subscrever esta opinião.
O elemento literal depõe fortemente - há-de convir-se - contra tal interpretação. De facto, representando o art. 19.º, al. c), o equivalente funcional, no âmbito das c.c.g., do art. 812.º, a lei não reproduz a fórmula aqui utilizada, dispensando o reforço adverbial (“manifestamente”) que nesta norma gradua, de modo explicito, o excesso que justifica a redução da pena. É difícil, nestas condições, deixar de reconhecer à omissão um preciso e intencional valor significante, podendo até sustentar-se que ao texto da lei deverá aqui atribuir-se um peso acrescido em relação ao que normalmente lhe caberia, pelo contraste com o disposto em lugar paralelo tão próximo.
E em apoio dessa diferença de critérios entre os dois preceitos poderão alinhar-se razões de fundo, que lhe dão justificação material. Atente-se em que, a nível da disciplina comum dos contratos, a redução da cláusula é uma providência de todo excepcional, por contrariar uma estipulação cujo conteúdo é imputável a ambas as partes, Compreende-se bem, assim, que a lei só a permita quando a prestação convencionada se vier a revelar claramente inequitativa, por penalizar, de forma notoriamente excessiva, o obrigado.
Nos contratos com base em c.c.g., pelo contrário, o controlo do conteúdo é um dado normal do regime a que o seu utilizador tem que se submeter, como contrapartida das vantagens que recolhe da predisposição e uniformização dos termos contratuais. Neste diferente contexto teleológico e valorativo, onde imperam mais apertados limites de conformação, não será de estranhar que um desvio, mesmo não especialmente gravoso, à medida previsível do dano possa fundamentar um juízo negativo e a oposição do legislador.
Esta solução é, aliás, a que melhor se harmoniza com a atitude compromissória que caracteriza o modelo a que a nossa lei aderiu. O que ela basicamente visa é “conciliar as vantagens das cláusulas contratuais gerais (atendendo aos fins de racionalização do direito aplicável aos diversos ramos da actividade comercial) com a defesa dos legítimos interesses dos clientes (...)”. Ora, as medidas de certificação, uniformização e economia de meios que a contratação em série imperativamente reclama satisfazem-se por inteiro com a predeterminação de uma pena fixa, aplicável sem variações a todos os contratos, mas de quantitativo equivalente ao dos danos previsíveis. Mais não exigindo a consideração daqueles interesses do predisponente, uma tal cláusula penal em nada prejudica o círculo dos obrigados à reparação.
Já o mesmo não sucederá com a admissão de uma pena superior aos danos a ressarcir, ainda que não manifestamente excessiva. Pois então o valor adicional representaria um ganho, já não “processual”, de simplificação e economia de gestão, mas uma mais-valia substancial que o predisponente arrecadaria à custa dos que tiveram que aderir aos termos contratuais por si impostos.
Não chocará que a lei, em matéria tão sensível, de alta potencialidade lesiva para o aderente, e não estando em causa nenhum dos interesses que legitimam este modo de contratar, não lho permita.
E nem se diga, em contrário, que a solução é menos razoável, por introduzir dificuldades de cálculo e incertezas de validade. Estas só existiriam se o termo de referência fosse constituído pelos danos efectivamente sofridos por cada contraente singular, de montante inevitavelmente sujeito a factores subjectivos e aleatórios. Ora, já vimos que não é assim. O valor a ter em conta é o dos danos que provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal desenrolar das coisas, o predisponente venha a sofrer. No que necessariamente se subentende uma celta margem de variação contida toda ela dentro dos limites do previsível e, portanto, proporcionada aos danos a ressarcir. Não está em causa, pois, uma perfeita coincidência com uma soma fixamente quantificada (que, essa sim, poderia levantar obstáculos injustificados à previsão de uma cláusula penal em c.c.g.), mas apenas um juízo de adequação a um espectro de valores, o qual admite gradações aproximativas, só sendo de afirmar a desproporção quando a pena atinge um montante que ultrapassa tudo o que ainda corresponde minimamente a um cálculo baseado em índices de tipicidade e normalidade.
Este critério de controlo estabelecido no art. 19.º, al. c), é de aplicação geral, não só às cláusulas penais por incumprimento do contrato, como ainda à prévia estipulação das quantias devidas por factos extintivos lícitos, admitidos por lei ou pelo programa relacional, mas impositivos da obrigação de indemnizar.»[37].
Estes extensos, mas elucidativos ensinamentos, colhidos da lição do Prof. Joaquim Sousa Ribeiro, permitem-nos agora, com segurança concluir:
- pela desproporcionalidade da cláusula contratual geral agora em análise;
- pela inaplicabilidade, ao caso concreto, do disposto no art. 812.º, do C.C..
A desproporcionalidade resulta, desde logo, da sua interpretação à luz dos princípios gerais do equilíbrio das prestações contratuais e da boa-fé, inexistindo qualquer preocupação em definir o critério subjacente à relação entre o montante da indemnização e os danos a ressarcir, antes se verificando um desequilíbrio e desproporção em detrimento do contratante aderente, traduzido num prejuízo económico para este, tendo como contrapartida um benefício exclusivo para a proponente.
Através da aplicação desta cláusula contratual geral, a aqui apelante, apesar da restituição do equipamento objeto do contrato, a que tem direito nos termos dos arts. 289.º, nº 1, 433.º e 434.º, nº 2 CC, assim deixando de proporcionar à ré as utilidades para esta, decorrentes dos contratos, recolheria, na íntegra, todas as prestações remuneratórias a que teria dito, tal como sucederia no caso de o contrato se manter vigente até ao seu termo final, ignorando-se, pura e simplesmente a contabilização dos gastos, de quaisquer gastos, poupados pela predisponente com a extinção antecipada do contrato.
Num tal quadro, a predisponente/apelante, utilizadora daquela cláusula, ficaria, indiscutível e injustificadamente, em muito melhor, ou, pelo menos, em melhor situação do que a que se verificaria em caso de integral incumprimento do contrato[38].
Não se vislumbra qualquer fundamento para uma tal situação.
É certo que a apelante é uma sociedade comercial, detentora de uma estrutura comercial e empresarial, com tudo o que a esta realidade está subjacente, e que tem que dar resposta.
No entanto, essa resposta não pode ser obtida onerando de forma desproporcionada os seus próprios clientes, transferindo para estes o risco que é inerente a toda a atividade comercial e contrapartida do lucro.
Assim, é proibida, por desproporcionada, nos termos do art. 19.º, al. c) da LCCG, a cláusula contratual geral acima transcrita, o que acarreta a sua nulidade, nos termos do art. 12.º do mesmo diploma legal.
Uma palavra ainda para referir que a faculdade de redução da cláusula penal, concedida pelo art. 812.º CC (redução equitativa da cláusula penal), não é de conhecimento oficioso, antes dependendo de pedido do devedor da indemnização nesse sentido[39].
Ainda que assim não fosse, sempre teríamos de concluir pela inaplicabilidade do art. 812.º CC ao caso concreto.
A este propósito, concorda-se inteiramente com José Manuel de Araújo Barros, quando, depois de referir, também ele, que não é confundível o critério plasmado na al. c) do art. 19.º da LCCG (cláusula penal desproporcionada) com o plasmado no art. 812.º, n.º 1, do C.C. (cláusula penal manifestamente excessiva), pois que, neste último preceito, ao contrário do que sucede naquele, admite-se que no juízo de valor sobre a manifesta excessividade da cláusula se entre em linha de conta com circunstâncias não verificadas na altura em que a cláusula foi pactuada (esta pode ser reduzida, quando for excessiva, ainda que por causa superveniente), salienta que, «enquanto, nos termos do n.º 1 do artigo 812.º do Código Civil, a cláusula penal excessiva pode ser equitativamente reduzida pelo tribunal, a cláusula penal desproporcionada prevista na al. c) do art. 19.º, sendo nula, não comporta essa redução. (...).
Sendo nula, por desproporcionada aos danos a ressarcir, a cláusula estipulada unilateralmente pelo predisponente, tudo se passará como se tal cláusula não tivesse sido incluída no contrato (...). O que não colherá, nunca, é à falar neste caso de redução equitativa da cláusula nula, por referência ao artigo 812.º do Código Civil.»[40].
Não tem, assim, a apelante direito às quantias de:
- € 6.788,85, com referência ao contrato referido em a) supra, celebrado no dia 6 de maio de 2016;
- € 4.661,79, com referência ao contrato referido em b) supra, celebrado no dia 5 de julho de 2016,
acrescidas de juros de mora, peticionadas ao abrigo do art. 10.º, nº 2/b) das cláusulas gerais de cada um daqueles contratos.
*
Uma última palavra para referir que, perante tudo o que antecede, é de todo incompreensível o segmento da parte dispositiva da sentença recorrida onde se afirma que «(...) por força da inexistência de contrato (...)», pois nunca existiu qualquer dúvida que entre autora e ré foram celebrados os contratos acima identificados.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que:
4.1 - condenam a ré/apelada, SHL, LDA., a pagar à autora/apelante, NY, S.A. - SP, a quantia de € 8.405,88 (oito mil quatrocentos e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), sendo:
a) € 5.419,92 (cinco mil quatrocentos e dezanove euros e noventa e dois cêntimos), referentes às faturas identificadas em 17. a) dos factos provados; e,
b) € 2.985,96 (dois mil novecentos e oitenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), referentes às faturas identificadas em 17. b) dos factos provados;
4.2 – condenam a ré/apelada a pagar à autora/apelante juros de mora, sobre a quantia titulada em cada uma das faturas identificadas em 17. a) e b) dos factos provados, vencidos desde a data do vencimento de cada uma delas, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, até efetivo e integral pagamento.
4.2 – mantêm, no mais, o decidido na sentença recorrida.
Custas da apelação, na vertente de custas de parte:
a) a cargo da apelante na proporção de 55%;
c) a cargo da apelante na proporção de 45%, nos termos dos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2.

Lisboa, 26 de abril de 2022
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] Na sentença inicialmente proferida o ponto 3. dos factos provados tinha a seguinte redação: «Os acordos são compostos de condições gerais e de vários anexos, todos assinados pela R – cfr. docs. 2 e 3, juntos com a douta Petição.» É evidente que um tal enunciado não constitui um facto jurídico.
[2] Certamente por lapso, a senhora juíza a quo escreveu em “1”.
[3] É da nossa autoria a discriminação dos enunciados não provados por alíneas. A sentença recorrida não descreve, por números ou alíneas, os enunciados considerados não provados, assim dificultando a tarefa, das partes quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quer do tribunal de recurso quanto à apreciação dessa impugnação.
[4] Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral, Princípios, Pressupostos, Universidade Católica Editora - Porto, 2014, p. 105. O destacado a negrito é da nossa autoria.
[5] Cfr. Ramos de Faria / Ana Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44.
[6] Neste sentido se inclinam conceituados processualistas brasileiros como Santos Bedaque: «a causa de pedir revela o nexo existente entre direito material e processo, sendo que o próprio objeto mediato da ação (bem da vida pretendido) é identificado em função da causa de pedir, ou seja, a partir dos fatos e do fundamento jurídico da demanda, chega-se ao pedido.» - cfr. Santos Bedaque, Os Elementos Objetivos da Demanda Examinados a Luz do Contraditório. Causa de Pedir e Pedido no Processo Civil (questões Polêmicas), 2002, p. 29); Tucci: «o objeto litigioso é o pedido identificado com a causa de pedir.» (cfr. José Rogério Cruz e Tucci, A Causa Petendi no Processo Civil, 2ª Ed., 2001, p. 159); Eduardo Talamini, cujas significativas palavras merecem particular atenção: «a causa de pedir está para a pretensão assim como a vida de uma pessoa está para essa pessoa. Não se pode dizer que a vida de alguém seja alguém. Um aspeto é o ser, sua essência, seu espírito; o outro, sua experiência. No entanto, não há como tentar compreender o que alguém é ou foi senão compreendendo a sua vida, o que fez, disse, passou, deixou de fazer … qualquer tentativa de compreensão que prescinda disso, será, quando muito, um simples retrato, um resumo de dados burocráticos (nome, endereço, documentos de identificação, telefone (…) ou coisa que o valha. Do mesmo modo a tentativa de compreensão e identificação da pretensão processual sem a consideração da causa de pedir incidiria no mesmo defeito.» (cfr. Eduardo Talamini, Coisa Julgada e sua Revisão, 2005, p. 80.), todos apud Souza e Silva, Executividade da Sentença de “Improcedência” Proferida no Processo Civil, 2013, pp. 27-28, obra onde se referem algumas das teses em confronto acerca do conceito de objeto do processo. Em Espanha, por exemplo, afirma Montero Aroca que os elementos objetivos da pretensão são o que se pede (ou petitum) e a causa de pedir (ou causa petendi), impondo o princípio dispositivo que o juiz seja congruente com o que é pedido pelas partes, não podendo ter em conta mais que os factos aduzidos como causa de pedir dessa pretensão. A individualização da pretensão, ou seja, a sua distinção de todas as demais possíveis, consta, além de um elemento subjetivo, de um elemento objetivo: o que se pede e a causa de pedir. A petição determina o objeto do processo civil porque, tratando-se de direitos subjetivos privados, o demandante tem completa liberdade para fixar o que pede. Mas esse objeto também o determina a razão pela qual se pede (cfr. Montero Aroca, La Prueba en el Proceso Civil, 7ª Edição, Pamplona, Thomson Reuters, Civitas, 2012, p. 31). Em Itália, onde a maioria da doutrina identifica objeto do processo com pretensão e considera esta como sinónimo de pedido, já Chiovenda advertia que a identidade objetiva do processo se traduz na identificação do bem da vida que é objeto de discussão, bem controvertido esse que se individualiza através do “petitum” (o que se pede) e da causa de pedir (“com qué titulo o fundamento se pide”) - cfr. Giuseppe Chiovenda, Instituciones de Derecho Procesal Civiil, Vol. I, 1954, p. 420.
[7] Cfr. Teixeira de Sousa, Sobre a Teoria do Processo Declarativo, Coimbra Editora, 1980, pp. 160-161.
[8] Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 281, nota 646.
[9] «Por isso é que o n.º 1 do art. 516.º, acerca do regime do depoimento testemunhal, refere que “a testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova”.»
[10] Processo Civil Declarativo cit., pp. 281-283 e nota 647.
[11] «Ao invés, num sistema de quesitos formulados na perspetiva do ónus da prova, a que haverá que responder “provado” ou “não provado”, uma nova perspetiva do tribunal de recurso pode implicar a baixa do processo à 1.ª instância para obter prova do facto, de efeito contrário ao não provado, que a Relação entenda dever ser apurado, uma vez que não é lícito retirar ilações probatórias das respostas negativas aos factos quesitados.»
[12] A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 197-198 e nota 51.
[13] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 482.
[14] Idem, ibidem. A este propósito afirma também LEBRE DE FREITAS que «não está, porém, vedada ao juiz uma concretização dos temas da prova maior do que a que a lei lhe exige, desde que essa concretização não se traduza em espartilho que impeça ou dificulte a produção da prova sobre factos alegados, mas não mencionados pelo juiz.» - A Ação Declarativa cit., p. 198, nota 52. Espartilho, foi precisamente o que a senhora juíza a quo fez no caso concreto.
[15] O que não é manifestamente o caso na situação sub judice.
[16] Cfr. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa cit., p. 198, nota 52.
[17] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 158-159.
[18] Cfr. Acs. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes) e Proc. n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt.
[19] Cfr. Ac. do S.T.J. de 01.10.2015, Proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1 (Ana Luísa Geraldes), in www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Ac. de 03.12.2015, Proc. n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima), in www.dgsi.pt.
[21] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 771; cfr. ainda os Acs. do S.T.J. citados pelos Autores.
[22] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[23] Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pp. 324-325.
[24] Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 469.
[25] Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2018, pp. 324-325.
[26] A apelante utiliza a estranha, confusa e complicativa técnica de identificar as testemunhas por alíneas. A testemunha B) é AR.
[27] Ac. da R.P. de 25.02.1971, B.M.J. 308º, 333.
[28] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª Edição, Revista e Atualizada, p. 75.­
[29] Cfr. Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 6.ª Edição, Coimbra Editora, p. 448, e Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Edição de 1987, p. 253.
[30] Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7.ª Edição, pp. 139-140.
[31] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, Almedina, 2002, pp. 247-248.
[32] Cumprimento cit., p. 248.
[33] Cumprimento cit., p. 250.
[34] Cfr. António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Coleção Teses, Almedina, 1990, pp. 577 ss.
[35] Diploma que doravante será referido apenas por “LCCG”.
[36] Cfr. José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2010. p. 237.
[37] Responsabilidade de Garantia das Cláusulas Contratuais Gerais, in Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2007, pp. 138-144.
[38] Cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, Responsabilidade cit., p. 145.
[39] Cfr., por todos, o Ac. desta Relação e Secção de 01.12.2015, Proc. n.º 668/13.2TBFUN.L1-7 (Dina Monteiro), in www.dgsi.pt.
[40] Ob. cit., pp. 236-241. No mesmo sentido, veja-se, por todos, o acórdão citado na nota anterior.