Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
571/14.4GBMTJ.L1-9
Relator: RICARDO CARDOSO
Descritores: FURTO
CRIME CONSUMADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIDO
Sumário: 1 - Por ser um crime de consumação instantânea, para que o crime de furto esteja consumado, basta a sua mera consumação formal, não sendo necessário verificar-se o exaurimento total do plano do agente, não dependendo da duração de qualquer tempo imprescindível para que se verifique a consumação.

2 – Uma coisa é o apossamento/tomada da posse de coisa alheia, tomando-a como sua, assumindo-se como dono.
Outra a (eventual, necessariamente posterior) recuperação.
- De um lado a assunção da posse, uti domino.
- Do outro a destituição dessa posse/restituição do objecto, por efeito da descoberta, a posteriori, do crime.

3 - O crime ficara consumado com a tomada da posse de coisa alheia pré-intencionada à apropriação, uti domino, sem qualquer título de transmissão do direito.

4 - In casu, o crime de furto atingiu a sua perfeição quando o recorrente logrou, colocar o motor em funcionamento, por ser o momento em que adquire total controlo e domínio sobre o veículo, que lhe permitiu, após efectuar ligação directa, a recolha das patolas do pesado de mercadorias e a sua deslocação do local onde estava estacionado, sendo irrelevante se este logrou ou não concretizar o plano que delineou, uma vez que, como referido supra, este é um crime de consumação instantânea, não sendo, por isso, de exigir, como pretendido pelo recorrente, a posse pacífica da coisa, o que se traduziria in casu, no sentido interpretado pelo mesmo, na fuga bem-sucedida deste.

5 – A deslocação do veículo durante sete metros do local onde se encontrava estacionado, com o motor em funcionamento, demonstra a plena assumpção pelo arguido do veículo como coisa sua.

6 – A pena de 2 (dois) anos de prisão, achada dentro da moldura penal de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão, é insusceptível de ser reduzida, - não só por corresponder ao mínimo legal aplicável, como pela inexistência de atenuantes significativas, dado que a confissão do arguido é de insignificante relevância, tendo-se o arguido limitado a confessar o que não podia negar dado o flagrante delictu.

(Sumário do relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. No âmbito do processo sumário nº 571/14.4GBMTJ do Juiz nº 1 da Instância Local do Montijo – Secção Criminal - da Comarca de Lisboa no qual são arguidos V e L, por decisão proferida em 10 de Dezembro de 2014, a fls. 94 nos autos em epígrafe referenciados o Tribunal “a quo” decidiu o seguinte:

Nestes termos e pelo exposto julgo a acusação parcialmente procedente por provada nos termos supra referidos e consequentemente decido:

a. Absolver o arguido L, da prática de um crime dc furto qualificado, p. e p. pelos art.°s p. e p. pelo disposto nos artigos 203.° n.° l, 204°. n° 2. als. a) e e), com referência ao artigo 202°, als. b) e f), todos do Código Penal.

b. Condenar o arguido V pela prática, em autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s 203.° n.° l, 204°, n° 2, al. e), com referência ao artigo 202°. al. f), todos do Código Penal na pena de dois anos de prisão.

c. Considerando a personalidade do agente, a ilicitude apurada, o tribunal conclui que a censura do facto e a ameaça da pena, satisfazem os fins das penas, pelo que nos termos do art.° 50.° n.° l e 5 do Código Penal, determino a suspensão da execução da pena pelo período de dois anos, sujeita a regime de prova nos termos do art." 53º n.°s l e 2 do Código Penal.”

2.1. Inconformado com tal decisão o arguido V no interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido, ora recorrente, tendo sido julgado em Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, veio a ser condenado por Douta Sentença, como autor material, pela prática de um (1) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s 203° n.° 1, 204° n.° 2 al. e), com referência ao art. 202° al. f) todos do Código Penal, na pena de dois (2) de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos, sujeita a regime de prova nos termos do art. 53° n.° 1 e 2 do Código Penal

2. Com tal decisão condenatória, não se conforma o arguido, uma vez que não pode concordar com a qualificação jurídica dos factos e consequentemente com o critério e medida da pena.

3. Isto porque, entende o recorrente que face aos factos dado como assentes, bem como ao depoimento do militar da GNR e ao contrário da sentença recorrida, ocorreu isso sim, a práctica de um crime de furto qualificado mas na sua forma tentada.

4. Desde logo, porque, constata-se nos factos assentes que, o recinto em causa, trata-se de um espaço completamente vedado, sendo apenas acessível através de um portão.

5. E que, o bem a ser supostamente furtado, tratava-se de um veículo pesado de mercadorias, o qual nunca chegou a sair do aludido recinto, não se tendo apurado que manobras estariam a ser realizadas com o mesmo

6. Ora, face a esta factualidade apurada e dada como assente, entende o recorrente que nunca terá ocorrido um pleno e autónomo domínio de facto sobre a coisa - requisito esse fundamental para que se preencha a consumação do furto - mas sim um mero e instantâneo domínio de facto.

7. Pelo que, deveria o entendimento do Tribunal a quo, ter sido no sentido de que estamos perante a prática de um crime de furto qualificado na forma tentada e nunca um crime consumado.

8. Posto isto, entende o recorrente face ao supra exposto, que foram violadas as normas constantes dos artigos 22°, 23°, 71°, 72°, 73° e 203° n.° 1 e 2, todos do Código Penal.

9. Pelo que, o recorrente deveria ter sido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203° n.° 1 e 2, 204° n.° 2 al. e), com referência aos artigos 22° e 202° al. f), todos do Código Penal.

10. E a pena de prisão deveria ter sido especialmente atenuada nos termos do disposto na al. b) do artigo 73° do mesmo diploma legal.

11. Deverá consequentemente a pena aplicada em primeira instância ser reduzida para seis (6) meses de prisão suspensa na sua execução nos termos do artigo 50° do Código Penal, sujeita a regime de prova, podendo inclusive caso assim V.Exas. o entendam, o que se requer, ser substituída por pena de multa nos termos do artigo 43° do mesmo diploma legal, cujo montante deverá ser fixado dentro das condições económicas do recorrente.

12. Crendo-se assim por todo o exposto, que esta será a reacção penal por excelência ao caso sub judice, satisfazendo-se deste modo, simultaneamente, as necessidades de reprovação e prevenção do crime.”

2.2. Respondeu o MºPº formulando as seguintes conclusões:

“1. O crime de furto, p. e p. pelo artigo 203° do Código Penal, e, no caso com a qualificação do artigo 204°, n° 2, al. a), do Código Penal, consuma-se com a entrada da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceiro;

2. Tal ocorre quando a coisa é subtraída à posse de pessoa alheia e colocada na disponibilidade do agente, independentemente de existir apreensão, deslocação no espaço ou utilização por parte deste;

3. Ficou provado que o recorrente, de modo não concretamente apurado, logrou aceder ao interior do veículo e coloca-lo em funcionamento, bem como proceder à realização de manobras para o retirar do local onde se encontrava;

4. O crime pelo qual o recorrente foi condenado consumou-se a partir do momento em que este colocou o veículo em funcionamento, uma vez que, a partir desse momento, ficou em total controlo e domínio de facto sobre a coisa subtraída;

5. A consumação do crime de furto não exige a posse sossegada e tranquila da coisa, como pretende, ainda que de forma velada, o recorrente, nem, tampouco, a verificação de requisitos subjectivos, relacionados com a especial habilidade do recorrente em manobrar o veículo em questão;

6. No momento em que o recorrente foi interceptado, já o crime pelo qual foi condenado estava devidamente consumado;

7. Não merece qualquer censura a medida da pena concreta aplicada ao arguido, tendo em consideração os antecedentes criminais registados pela prática do mesmo crime pelo qual foi condenado nos presentes autos;

8. A decisão recorrida fez um correcto enquadramento jurídico da matéria de facto provada, pelo que deverá manter-se nos seus precisos termos.”

3. O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

4. Subidos os autos, neste Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Foi realizada a competente conferência.

6. O objecto do recurso versa a questão de saber se o crime de furto se reveste da forma tentada ou consumada;

Da medida da pena e da substituição da pena de prisão por multa..

7. Apreciação:

7.1. Observemos a decisão recorrida:

I Relatório:

Em processo sumário, o Ministério Público deduziu acusação contra:

V,

e

L.

imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s p. e p. pelo disposto nos artigos 203.° n.°l. 204°. n° 2, ais. a), e e), com referência ao artigo 202°. ais. b) e f). todos do Código Penal.

Os arguidos não apresentaram contestação, nem arrolaram testemunhas.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, conforme consta da respectiva acta.

Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação da causa.

Tudo visto e considerado. Cumpre decidir.

II - Fundamentação Factos Provados

Discutida a causa e produzida a prova, estão assentes os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

l. No dia 20 de Novembro de 2014, entre as 09h45m c as I0:00h. os arguidos V e L fazendo-se transportar num veículo ligeiro de passageiros, de marca Alfa Romeu, modelo  156. matrícula JB, dirigiram-se a um estaleiro cie obras de uma escola sita no Alto estanqueiro-Jardia, Montijo, área desta comarca, pertencente ao denunciante VA , tendo o arguido V a intenção de o assaltar.

2. O aludido estaleiro encontrava-se vedado, em toda a sua extensão, por um muro e uma vedação de arame, e tinha um portão de acesso que se encontrava fechado com um cadeado.

3. Ali chegados, o arguido V dirigiu-se ao portão do estaleiro, e de modo não concretamente apurado abriu o cadeado que o trancava, utilizando uma chave que trazia consigo, acedeu ao seu interior e deslocou-se para junto do veículo pesado de mercadorias da marca DA!", modelo 2300. e matrícula LZ. com o valor de cerca de € 6.000.00 (seis mil euros) que ali se encontrava, e que estava carregado com uma estrutura metálica, em ferro, no valor de € 10.000.00 (dez mil euros).

4. Após. o arguido V estragou a fechadura da porta daquele veículo, acedeu ao seu interior, e. de modo não concretamente apurado, efectuou uma ligação directa, lendo colocado o motor deste em funcionamento.

5. Quando procurava retirar o aludido veículo do interior do estaleiro onde se encontrava para encetar a fuga. veio a ser interceptado pelos elementos da GNR.

6. Os bens retirados foram recuperados pelo seu proprietário.

7. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido V actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de fazer seus o veículo e a carga que este tinha acondicionada, abrindo, para o efeito, o cadeado do portão, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem a autorização do respectivo dono.

8. Sabia o arguido V que a sua conduta era proibida e punida por lei, o que não o impediu de a encetar.

9. O arguido L tem os antecedentes criminais constantes de fls. 74 a 83.

10. O arguido V foi condenado por sentença dc 29.09.2004 no âmbito do Processo Comum Singular n.° 334/03.2GAMTA do 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Moita, na pena de 150 dias de multa à razão diária de € 4.00. pela prática, em 14.06.2004 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

11. O arguido V foi condenado por sentença dc 20.12.2005 no âmbito do Processo Comum Singular n.° 395/03.4GABRR do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, na pena de 190 dias de multa à razão diária de € 3.00. pela prática, em 10.10.2003 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e de um crime de desobediência.

12. O arguido V foi condenado por sentença de 07.12.2005 no âmbito do Processo Sumário n.° 471/05.9G IS TB do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, na pena de quatro meses de prisão substituída por 120 dias de multa à razão diária dc € 5.00. pela prática, em 09.11.2005 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

13.O arguido V foi condenado por sentença de 29.01.2008 no âmbito do Processo Sumário n.° 284/07.3PTSTB do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução por um ano sob condição de realização de exame de código para obtenção de
carta de condução, pela prática, em 16.12.2007 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

14. O arguido V foi condenado por sentença de 23.06.2009 no âmbito do Processo Sumário n.° 215/09.6GBSXL do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, na pena de dez meses de prisão suspensa por um ano. pela prática, cm 23.05.2009 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

15. O arguido V não tem actividade profissional certa, fazendo biscates na construção civil auferindo € 40.00 por dia.

16. O arguido V vive com a mãe. e tem uma filha de cinco anos de idade pagando pensão de alimentos de cerca de (• 150.00 mensais.

17. O arguido V tem o 5.° ano de escolaridade.

18. O arguido L não tem actividade profissional certa, fazendo biscates na construção civil no ramo da pintura.

19. O arguido L vive com a companheira, que trabalha, e com três filhos do casal, de 21. 12 e 5 anos de idade.

20. O agregado familiar do arguido L despende mensalmente € 350.00 de renda de casa e € 150.00 de consumos de água, Luz, Gás, telefone.

Factos não provados

Os arguidos agiram na execução de uni plano previamente acordado entre ambos. O arguido L linha a intenção de assaltar o estaleiro.

O arguido L ficou no exterior do estaleiro, a vigiar a presença de outras pessoas no local.

O veículo com a matrícula 15-15-LZ. tem o valor de € 12.000.00 (doze mil euros).

Ao actuar da forma supra descrita, o arguido L actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de fazer seus o veículo e a carga que este tinha acondicionada, abrindo, para o efeito, o cadeado do portão, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem a autorização do respectivo dono.

Sabia o arguido L que a sua conduta era proibida c punida por lei. o que não o impediu de a encetar.

Fundamentação da decisão de facto

Nos termos do art.° 205.°. n." I. da Constituição da Republica Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.°. n.° 4 e 374.°. n.° 2. exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.

O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo indicados, apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.° 127.° do Código de Processo Penal.

A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto dada como provada, teve por base as declarações dos arguidos conjugadas com o depoimento das testemunhas e bem assim da prova documental dos autos.

A audiência de julgamento decorreu com o registo dos depoimentos e esclarecimentos nela prestados - no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso nos Tribunais.

Tal circunstância, permitindo una ulterior reprodução desses meios de prova e um efectivo controle do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve. também nesta fase do processo, dispensar o relato detalhado dos depoimentos e esclarecimentos prestados.

Os arguidos pretenderam prestar declarações, relatando de forma relativamente coincidente o decorrer histórico por ambos vivenciado.

O arguido V acabou por confessar a maior parle dos factos, esclarecendo que o
arguido L de nada sabia porque estavam a tomar o pequeno-almoço quando um seu
conhecido de nome R o abordou c pediu para levar o camião do estaleiro para outro
local, conversa que o L não ouviu. Quando foram ao estaleiro disse apenas ao L que ia
fazer um favor a um amigo. Sabia que o camião não era seu nem do tal R, foram de
automóvel atrás de tal sujeito e alega que terá sido ele a abrir o cadeado e a ligar o camião.
Pelas regras da experiência comum tal versão não é de lodo verosímil até porque da chamada que foi feita para o posto da GNR foram identificadas no local do estaleiro duas pessoas e não três.

No essencial o arguido L relatou de forma similar estes acontecimentos, revelando desconhecer o que o V ia fazer ao estaleiro, sendo as suas declarações sinceras.

Os arguidos também prestaram declarações quanto às suas condições socio­económicas, as quais foram merecedoras de credibilidade.

J C, militar da GNR prestou um depoimento sincero e isento, relatou que foi
chamado à escola onde estava um estaleiro, lendo-se deparado com o arguido V dentro do camião, ligado, a fazer manobra para dali sair. Assim que o arguido V foi abordado de imediato falou num tal Sr. R que lhe tinha pedido para lá ir buscar o camião. O arguido tinha o cadeado consigo mas não tinha chave.

Visualizou o arguido L nas imediações do local numa atitude de que não era nada consigo.

O ofendido V A, proprietário do camião, prestou um depoimento isento, referindo que o arguido V lhe pediu desculpa prontificando-se a pagar estragos no veículo, confirmou o valor do camião e o valor da carga que transportava. Declarou ter recuperado os bens.

O tribunal atendeu ao auto de denúncia de fls. 4 a 8. ao suporte fotográfico de fls. 11 a 13, auto de apreensão de lis. 36 e termo de entrega de fls. 37.

Do cômputo geral da prova produzida só se poderia dar como provada parcialmente a tese da acusação face à incongruência das declarações e justificações dos arguidos.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o mesmo resulta do teor do Certificado dc Registo Criminal junto aos autos.

Enquadramento jurídico-legal

Os arguidos vêm acusados da prática em co-autoria material na forma consumada de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s 203.° n.°l. 204°, n° 2. ais. a), e e), com referência ao artigo 202°. als. b) e f) do Código Penal.

Dispõe o citado artigo 204.°. n.° 2. alíneas a) e e) do Código Penal «quem furtar coisa móvel alheia: a) de valor consideravelmente elevado (...) e) peneirando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial mi industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamenio ou chaves falsas (...) é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos», donde a aplicação do preceito e consequente funcionamento da circunstância qualificativa que do mesmo ressalta, supõe, no caso concreto,; verificação de um furto, nos termos do artigo 203.° n.° 1 do Código Penal, sendo que a circunstância qualificativa do furto é de funcionamento obrigatório, constituindo elemento objectivo do tipo legal de crime, que tem de ser abrangida pelo dolo do agente.

 O art.° 202.° als b) c 0 dispõem que: "valor consideravelmente elevado - aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto: (tendo em conta que a unidade de conta c de € 102.00 consuhstancia-se no valor de € 20.400.00)

f) Chaves falsas:

I. As imitadas, contrafeitas ou alteradas:

II. As verdadeiras quando, fortuita ou snbrepliciamente, estiverem fora do poder de quem tiver o direito de as usar: e

III. As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança;".

O tipo objectivo do crime de furto, previsto no artigo 203.°, traduz-se em alguém «com ilegítima intenção de apropriação para si ou pura outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia».

O bem jurídico protegido pela incriminação do furto é, para Faria Costa a «especial relação de facto sobre a coisa - poder de facto sobre a coisa - tuielando-se. dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa: como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica».

Diferente, é no entanto, a posição actualmente assumida maioritariamente pela doutrina, segundo a qual o bem jurídico tutelado é tão só a propriedade, a detenção só é protegida como emanação da protecção conferida ao direito de propriedade, pois que não distinguem a maioria dos autores a mera detenção como um bem jurídico autónomo protegido pela norma jurídica.

No entanto, embora a detenção ou. a relação fáctica de poder entre uma pessoa e uma coisa, não seja o bem jurídico protegido pela incriminação do furto, ela constitui, no entanto, um critério fundamental para determinar a consumação do crime de furto, para determinar quando e como se lesa o direito de propriedade.

Em primeiro, é elemento objectivo do tipo que a coisa subtraída seja móvel e alheia.

A definição dc coisa[1] tem de ir buscar-se aos conceitos de subtracção c de apropriação. Coisa é tudo aquilo que é susceptível de apropriação.

A tal acresce que a coisa objecto da acção do crime de furto tem que ser móvel, o que mais uma vez não pode ser definido através do conceito estabelecido na lei civil, mas antes como tudo aquilo que pode ser subtraído.

A coisa objecto do furto tem de ser alheia, ou seja. tem de ser uma coisa não pertencente ao autor do furto.

A subtracção é um outro elemento do tipo objectivo de furto, sendo fundamental não só para determinar o momento da consumação formal do tipo, mas também, para delimitar este crime relativamente a outros. A subtracção é composta por dois elementos: a quebra de uma detenção originária e a constituição de uma nova detenção por parte do agente e consiste no poder dc facto sobre uma coisa, através do domínio fáctico sobre a coisa, não no sentido de um contacto físico com a coisa ou de um relação material directa com a coisa, mas sim de um domínio efectivo no sentido das regras cia vida social. Necessário é assim, que exista a possibilidade efectiva de dispor da coisa, o que pressupõe o efectivo conhecimento de onde ela se encontra.

Para que se verifique a subtracção é necessário que o objecto seja deslocado da esfera      de domínio de uma pessoa para a esfera de domínio de outra pessoa. Ao que acresce que, a rotura de detenção se tem de dar sem ou contra a vontade do detentor inicial e tem de ser constituída uma nova detenção exclusiva sobre a coisa, que existe sempre que o agente detém o controlo efectivo sobre ela.

Aos elementos objectivos do tipo de furto, acrescem os dois elementos subjectivos o dolo e a intenção de apropriação.

 O dolo traduz-se no conhecimento e vontade de realização do facto típico, podendo verificar-se cm qualquer das modalidade^ previstas no artigo 14.° do Código penal e consistindo no conhecimento e vontade de que a coisa móvel que está a subtrair é alheia e na vontade de a subtrair.

Quanto à intenção de apropriação reporta-se a um elemento que não integra o tipo objectivo c basta-se com a subtracção, independentemente de se verificar ou não o resultado intencionada - crime de resultado cortado ou parcial.

Para além disso, a intenção de apropriação tem de ser ilegítima, ou seja tem de estar em contradição com o direito de propriedade do ofendido.

Assim, o crime de furto pode ocorrer na forma mais simples prevista no artigo 203°, ou numa forma mais complexa, revestido de elementos laterais ou acidentais que aumentam ou indiciam maior perigosidade do agente, sendo estas circunstâncias agravantes que se encontram enumeradas taxativamente no artigo 204° do Código Penal, pois aos elementos que preenchem o tipo de furto, acresce para a verificação do tipo qualificado, in casu, o valor consideravelmente e o agente penetrar em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, vertida na alínea c) do n.°2 do art.0 204.° do Código Penal.

Assim, importa não só que o tipo se consuma num dos locais identificados no tipo incriminador qualificado, mas ainda que sc tenha processado pelos meios específicos que o legislador definiu.

Ora. no caso concreto, ficou apurado que o arguido V entrou no estabelecimento
que se deve considerar como industrial através de chaves falsas que permitiram abrir o cadeado que trancava o espaço.

O arguido V tinha conhecimento que os bens não eram seus e que actuavam contra a vontade do seu proprietário c. no entanto, apoderou-se dos mesmos.

Seguido de perto a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito de Acórdão de 29.01.2014 (disponível em www.dgsi.pt) "O crime de furto consuma-se quando o agente subirai a coisa da posse do respectivo dono e a coloca na sua própria posse, sendo instantâneo e como tal Indiferente ao lapso de tempo em que a coisa alheia subtraída esteve na posse do infractor, sendo ainda indiferente que "agente tenha o objecto subtraído em pleno sossego ou em estado de tranquilidade ainda que transitório.

Verifica-se a consumação do crime de furto sc os arguidos retiraram os objectos do interior da habitação (andar),  vindo a ser detidos na posse dos bens no patamar do referido andar, passando aqueles "a adquirir um mínimo de estabilidade no domínio de jacto correspondente ao seu empossamento. uma estabilidade que lhes assegura uma possibilidade plausível, ainda que não absoluta (posse pacífica), de fruição e disposição da coisa subtraída", ou seja, não se verifica apenas a prática do crime na forma tentada mas sim na forma consumada tendo em conta que o arguido V se encontrava tranquilamente a fazer a manobra de saída do estaleiro.

Não se verifica contudo, face ao valor apurado dos bens. a qualificativa prevista no art.0 204.° n.°2 al a) do Código Penal.

Não se verificam causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade, pelo que deve o arguido V ser punido pelo crime de que vinham acusado quanto à alínea e) do referido preceito legal.

Por outro lado. conclui-se pela impossibilidade de imputação ao arguido L dos factos que consubstanciam os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime de furto qualificado e. consequentemente, pela necessária absolvição do mesmo quanto à prática do crime de que vinha acusado.

Determinação da medida concreta da nena

Enquadrada a conduta do arguido da forma descrita, cumpre proceder à determinação da pena a aplicar em concreto, pela prática do crime que resultou provado.

A moldura abstracta da pena definida na lei no art.° 204.° n.° 2 al e) do Código Penal é de pena de prisão de 2 a 8 anos.

Uma vez que este crime é punido unicamente com pena de prisão, não se impõe a escolha da pena a aplicar, porquanto opera ope lege, importa apenas determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido. As circunstâncias atendíveis para a determinação da pena concreta são as referentes à culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do consagrado no n° 1 do art.° 71.° do Código Penal.

Dispõe o art.° 40.° do Código Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

A função primordial da pena consiste, assim, na protecção de bens jurídicos, ou seja. consiste na prevenção dos comportamentos danosos de bens jurídicos, e sempre com o limite imposto pelo princípio nula poena sim culpa. A culpa é assim não só elemento constitutivo do conceito de crime como elemento determinante do juízo da medida da pena.

A pena concreta será fixada entre um limite mínimo, definido pela moldura abstracta, e um limite máximo que será determinado em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

Dentro destes dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente, sendo certo que. para o efeito, o tribunal deverá atender "a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (v. n°2 do art. 71.° do Código Penal). E sempre alento o princípio da necessidade da pena, que assume dignidade e consagração constitucional.

Assim, a determinação da pena deve ser feita em três fases: na primeira, escolhem-se os fins das penas, por só com base nele se poder ajuizar dos factos do caso concreto relevantes e da valoração que se lhes deve dar; na segunda fase. fixam-se os factores que influem no doseamento da pena. as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação aos fins da punição, têm importância para a determinação do tipo c gravidade da pena: na terceira fase. formulam-se os considerandos qi e fundamentam a determinação efectuada.

Para o efeito, ter-se-á em atenção as circunstâncias a que alude o n° 2 do mesmo art.0 71.° do Código Penal (circunstâncias que não fazendo parle do tipo de crime, deponham a favor do agente ou comia ele).

No domínio do grau da ilicitude, importa ler em conta o modo de execução do crime, a extensão dos danos que dele advieram, factores que correspondem a uma ilicitude situada num plano médio.

O dolo foi directo, o valor dos bens é relativamente alto, sendo que os mesmos foram recuperados.

Quanto à prevenção especial, o arguido tem 36 anos, está inserido social e familiarmente, não tem actividade profissional remunerada.

Tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal

Ao arguido deve ser aplicada uma pena suficientemente dissuasora de futuros crimes e que o consciencialize da censurabilidade da sua conduta.

Ponderando todos estes factores e a conduta do arguido assumida no decorrer da audiência de julgamento, mostrando ter interiorizado a gravidade da sua conduta, verifica-se que as exigências de prevenção especial se situam a um nível médio/diminuto.

Na verdade, face ao que acima se disse, a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras, os sentimentos de segurança e de confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais entende-se ser adequada e necessária a aplicação ao arguido, pela prática do crime de furto qualificado, a pena de dois anos de prisão.

A tendendo à personalidade do arguido, às suas condições de vida e circunstâncias do crime, consideramos que se poderá neste momento fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do mesmo, conforme já acima expusemos, entendendo-se que a simples ameaça da pena é suficiente para realizar as finalidades da punição pelo que será suspensa na sua execução a pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de dois anos (cfr. art.° 50.° n° l c 5 do Código Penal).

Contudo, o regime de execução da pena deve contribuir para intensificar a integração social do arguido, melhorando o seu carácter na problemática do respeito ao património alheio, onde a personalidade do arguido falhou. Assim sendo a suspensão será acompanhada por regime de prova nos termos do art.° 53.° n.°s l e 2 do Código Penal.”

7.2. Do preenchimento do tipo penal (tentativa e consumação).

Perscrutados os autos, dos mesmos resulta que o recorrente se deslocou ao estaleiro de obras em causa, abriu o cadeado que fechava a porta com uma chave que trazia consigo, acedeu ao seu interior, dirigiu-se ao veículo pesado, violou com estragos a chave de ignição deste, após o que efectuou uma ligação directa assim colocando o motor em funcionamento, praticando as manobras necessárias com vista a retirá-lo do espaço em que se encontrava, iniciou a condução deslocando a viatura cerca de sete metros do local onde se encontrava estacionada, quando foi surpreendido pelos militares da GNR.

7.3. O tipo do crime de furto previsto e punível nos termos do disposto na previsão do artigo 203° do Código Penal, tem como elementos constitutivos: a subtracção de coisa móvel como o carácter alheio da coisa subtraída e a ilegítima intenção de apropriação do agente.

No que concerne ao momento em que ocorre a consumação do crime de furto, várias têm sido as teses defendidas na jurisprudência, relacionadas, na sua essência, com os diferentes significados atribuídos ao conceito de "subtracção".
A subtracção traduz-se na "conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa", momento em que o agente da infracção "lança sobre a coisa um novo poder de facto", observando que a subtracção se caracteriza, sobretudo, pela finalidade prosseguida, a qual consiste, no fazer entrar no domínio de facto do agente da infracção as utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha, sendo, para tal efeito, "absolutamente indiferentes e irrelevantes as modalidades e os meios de realização da conduta". Segundo Faria Costa (vide Faria Costa in "Comentário Conimbricense do Código Penal", Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 43 e ss.).

7.4. Sabemos que na jurisprudência alguma indefinição reinava quanto ao momento da consumação em certos tipos de crime, vigorando o entendimento de que o furto só se consumaria quando a coisa subtraída entrasse e permanecesse no domínio do agente, com absoluto sossego e tranquilidade, enquanto outros entendiam que o furto, - por ser um crime de consumação instantânea, - se consumava logo que a coisa entrasse na esfera patrimonial do agente, ficando à sua disposição, ou seja, logo que o agente passasse a controlá-la, a tê-la sob o seu domínio, (não se exigindo que este domínio se exercesse com, absoluto e total, sossego e tranquilidade).
Para outros, numa interpretação “intermédia”, a consumação do furto pressupunha apenas um mínimo de tempo e de estabilidade na entrada da coisa no domínio de facto do agente.

7.5. Observada a argumentação expendida na motivação de recurso, dela resulta que o recorrente sustenta um entendimento que pretende fazer depender a consumação do crime de critérios de natureza subjectiva, nomeadamente da sua especial habilidade, capacidade, ou rapidez em conseguir manobrar o veículo que subtraiu, motivo pelo qual conclui que apenas poderia adquirir o domínio de facto da coisa retirada unicamente a partir do momento em que, tranquilamente, conseguiria abandonar o local onde o veículo se encontrava.
Contudo tal entendimento contraria o evidenciado “domínio do facto” vertido na constatação de que o recorrente, a partir do momento em que colocou o veículo em funcionamento, adquiriu o domínio do facto da “res”, que sabidamente lhe era alheia, no seguimento da pré-intencionada vontade apropriativa, sabendo que não existia qualquer título de transmissão do direito, retirando-a, da esfera patrimonial do seu respectivo proprietário e, assim, estava então já o recorrente em total domínio da coisa alheia, a partir do momento em que fez a ligação directa colocando o motor em funcionamento, recolheu as patolas de pesado de mercadorias com carga, e iniciou a condução deslocando o veículo do local onde se encontrava estacionado, sendo detido sete metros depois, fazendo-a coisa sua.

7.6. Como é do entendimento comum, para que o crime de furto esteja consumado, basta a sua mera consumação formal, não sendo necessário verificar-se o exaurimento total do plano do agente, por ser um crime de consumação instantânea, característica que nada tem a ver com a duração de tempo imprescindível para que se verifique a consumação.
Assim, “a determinação do processo de consumação pode ser, eventualmente longo, mas isso é absolutamente independente da própria consumação.
Aqui - contrariamente, por exemplo, aos crimes permanentes - o momento da consumação opera-se de uma maneira instantânea".

É este pois o sentido dominante na jurisprudência dos tribunais superiores e sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça. Neste sentido, verbi gratia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, (disponível em www.dgsi.pt), que versa detalhadamente a evolução jurisprudencial verificada nesta matéria:
"A jurisprudência do STJ, como nos dá nota José António Barreiros, Crimes Contra o Património, p. 36, na esteira do entendimento de Eduardo Correia, começou por orientar-se (acórdão de 23 -11- 82, BMJ, 321, 316), no sentido de que a consumação exigiria a posse pacífica e sossegada pelo ladrão em relação ao objecto por ele furtado. Nesta corrente mais exigente, para se verificar a consumação, é preciso que o agente concretize a sua posse, ou seja, que para além do desapossamento da vítima, ocorra um consequente apossamento em benefício da pessoa do sujeito activo, o que se verificará com a entrada e integração da coisa furtada na sua esfera jurídico patrimonial, ainda que tal ocorra por um breve período de tempo.
A partir do acórdão de 21-07-87, BMJ nº 369, páginas 376, passou a inclinar-se para a segunda alternativa, entendendo que se consuma o furto quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que perseguido venha a ser despojado.
Passa a entender-se que o que releva é a consumação formal ou jurídica, a qual não depende de o agente haver conseguido a sua meta, ou de estarem produzidos todos os efeitos materiais do crime, ou praticando todos os actos a ele posteriores e previstos pelo agente no seu plano, apenas se supondo, para que o furto seja concretizado, que se realizem todos os elementos constitutivos do crime".
Continua o mesmo acórdão:
"Por outro lado, distingue-se entre o que releva ao nível do exaurimento do crime - isto é, do esgotamento do planeado pelo dolo do agente - daquilo que reveste eficácia quanto à consumação do crime, ocorrendo esta quando aquele ainda não foi atingido: consuma quando, tendo apenas subtraído, ainda não logrou apropriar-se da coisa, como queria. Segundo o acórdão do STJ de 22-10-1998, processo 726/98, a colocação do produto do crime em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, ainda que transitoriamente, diz respeito ao exaurimento do crime e não à sua consumação. No crime de furto a consumação formal ocorre no momento em que a coisa alheia entra na esfera patrimonial do arguido, ficando à sua disposição".

7.7. No mesmo sentido, vejam-se, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, (de 09/09/2009 e de 27/11/2013), bem como Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Março de 2014, aliás, muito bem observado e apropriadamente citado na decisão condenatória recorrida na parte da fundamentação respeitante à consumação do crime de furto e à rejeição da subsunsão do crime à forma de tentativa.

Como também observado pelo magistrado do MºPº na resposta à motivação do recurso, “o facto de a referida posse não se ter tornado pacífica deveu-se, apenas, à (in)capacidade demonstrada pelo arguido de manobrar, com a rapidez que pretendia, o veículo que subtraiu, de forma a sair do espaço onde este se encontrava antes da chegada dos elementos policiais”.
Com efeito, observa-se que o recorrente não só efectuou uma ligação directa (na forra da parte eléctrica debaixo do guiador), como conduziu o veículo pesado de mercadorias, com carga, “cerca de sete metros fora do local” onde estava estacionado pela última vez, sendo de referir que tal como observado:
“A pessoa que fez este trabalho, tem conhecimento na área, nomeadamente na condução de veículos pesados, devido ao mesmo ter recolhido as patolas e efectuado várias manobras que só pessoas especializadas na área teriam conhecimento para o fazer.”
Mostram-se preenchidos, com a conduta deste, todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado, na forma consumada. O recorrente logrou subtrair o veículo pesado, colocando-o, de facto, no domínio da sua vontade, retirando-o, desta forma, do controlo do seu efectivo proprietário.
Ao contrário do defendido pelo recorrente, não se verificou apenas um mero e instantâneo domínio de facto da coisa subtraída, pois o veículo pesado de mercadorias, com carga, ficou na posse, tranquila, do próprio recorrente, que conduziu efectivamente o veículo deslocando-o, pelo menos por sete metros, realizando as manobras (profissionais conhecidas e) necessárias à saída do estaleiro, apenas não as logrando fazer com a rapidez pretendida por ter sido prontamente interceptado pelos militares da GNR.
Demonstra-se por isso acertada a apreciação dos factos e a sua subsunsão ao direito aplicável, efectuadas na decisão recorrida, assim como é correcta a conclusão de que "não se verifica apenas a prática do crime na forma tentada mas sim na forma consumada tendo em conta que o arguido V se encontrava tranquilamente a fazer a manobra de saída do estaleiro."

7.8. É assim claro que o recorrente confunde a verificação de dois momentos diferentes e integralmente dissociados:
- O primeiro, em que se verifica a apropriação ilegítima de um bem alheio, sem que o agente esteja para tal legitimado;
- E um segundo momento, que se segue à prévia apropriação da coisa, onde ocorre a intercepção policial (pelo arguido indesejada) com a consequente recuperação do bem subtraído (recuperação esta que ocorreu por causa independente à vontade do arguido).

"Uma coisa é o apossamento/tomada da posse de coisa alheia, tomando-a como sua, assumindo-se como dono. Outra a (eventual, necessariamente posterior) recuperação. De um lado a assunção da posse, uti domino. Do outro a destituição dessa posse/restituição do objecto, por efeito da descoberta, a posteriori, do crime. (...)
O crime ficara consumado com a tomada da posse de coisa alheia pré-intencionada à apropriação, uti domino, sem qualquer título de transmissão do direito.”
Neste sentido, verbi gratia o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de Junho de 2012.

In casu, o crime de furto atingiu a sua perfeição quando o recorrente logrou, colocar o motor em funcionamento, por ser o momento em que adquire total controlo e domínio sobre o veículo, que lhe permitiu após efectuar ligação directa, a recolha das patolas do pesado de mercadorias, a realização de manobras adequadas a retirar o veículo daquele espaço e a sua deslocação do local onde estava estacionado, pelo menos por cerca de sete metros, sendo irrelevante se este logrou ou não concretizar o plano que delineou, uma vez que, como referido supra, este é um crime de consumação instantânea, não sendo, por isso, de exigir, como pretendido pelo recorrente, a posse pacífica da coisa, o que se traduziria, no caso, na fuga bem-sucedida deste.

7.9. Da medida da pena e da substituição da pena de prisão por multa.

Observando-se que o recorrente foi correctamente condenado pela prática do crime de furto qualificado, na forma consumada, não poderá merecer provimento a pretensão formulada quanto à atenuação especial da pena que o recorrente alegava ser aplicável por efeito da forma tentada do furto qualificado, parte do recurso já demonstradamente improcedente.

7.10. Quanto à medida da pena aplicada, de dois anos de prisão, cumpre observar que a mesma corresponde ao mínimo legal aplicável dentro da moldura penal abstrata correspondente ao apurado crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos art.°s 203° n.° l, e 204° n° 2, al. e), com referência ao artigo 202° al. f), todos do Código Penal.

Não discutindo sequer a benevolência da pena imposta, nem o concreto grau de elevada ilicitude do facto, revelado na execução da apropriação do valioso veículo pesado de mercadorias, nem da sua carga, observa-se que não milita em favor do recorrente qualquer atenuante com especial relevo, tanto que a confissão dos factos resulta da impossibilidade da negação dos mesmos, face ao flagrante delito verificado, assim como, que a recuperação do apropriado ocorreu por força da intervenção policial, independentemente da vontade do arguido, pelo que é inadmissível qualquer redução da pena mínima de prisão aplicada, uma vez que a mesma se revela adequada e justificada não apenas em face dos concretos factos praticados pelo arguido, como também em razão dos anteriores registos criminais apresentados pelo mesmo, pela prática do mesmo tipo de crime pelo qual foi condenado nos presentes autos.

Inexistem igualmente os pressupostos legais e fundamentos de facto para a pretendida substituição da pena de prisão por multa.


7.11. Concluindo:

1 - Por ser um crime de consumação instantânea, para que o crime de furto esteja consumado, basta a sua mera consumação formal, não sendo necessário verificar-se o exaurimento total do plano do agente, não dependendo da duração de qualquer tempo imprescindível para que se verifique a consumação.
2 – Uma coisa é o apossamento/tomada da posse de coisa alheia, tomando-a como sua, assumindo-se como dono.
Outra a (eventual, necessariamente posterior) recuperação.
- De um lado a assunção da posse, uti domino.
- Do outro a destituição dessa posse/restituição do objecto, por efeito da descoberta, a posteriori, do crime.
3 - O crime ficara consumado com a tomada da posse de coisa alheia pré-intencionada à apropriação, uti domino, sem qualquer título de transmissão do direito.
4 - In casu, o crime de furto atingiu a sua perfeição quando o recorrente logrou, colocar o motor em funcionamento, por ser o momento em que adquire total controlo e domínio sobre o veículo, que lhe permitiu, após efectuar ligação directa, a recolha das patolas do pesado de mercadorias e a sua deslocação do local onde estava estacionado, sendo irrelevante se este logrou ou não concretizar o plano que delineou, uma vez que, como referido supra, este é um crime de consumação instantânea, não sendo, por isso, de exigir, como pretendido pelo recorrente, a posse pacífica da coisa, o que se traduziria in casu, no sentido interpretado pelo mesmo, na fuga bem-sucedida deste.
5 – A deslocação do veículo durante sete metros do local onde se encontrava estacionado, com o motor em funcionamento, demonstra a plena assumpção pelo arguido do veículo como coisa sua.
6 – A pena de 2 (dois) anos de prisão, achada dentro da moldura penal de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão, é insusceptível de ser reduzida, - não só por corresponder ao mínimo legal aplicável, como pela inexistência de atenuantes significativas, dado que a confissão do arguido é de insignificante relevância, tendo-se o arguido limitado a confessar o que não podia negar dado o flagrante delictu.

Deste modo, a sentença condenatória não merece qualquer reparo ou censura, pelo que o recurso será consequentemente julgado improcente.


8. Decisão:

Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 (cinco) Ucs a taxa de justiça.

(Texto elaborado em suporte informático e revisto pelo relator)

  Lisboa, 12 de Maio de 2015

                

Ricardo Cardoso

Filipa Macedo