Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS OLIVEIRA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO ACÇÃO DE DESPEJO INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL CONTRATO DE ARRENDAMENTO RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA NATUREZA SUPLETIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator) 1. Não é inepta a petição inicial, nos termos do Art.º 186.º n.º 2 al. b) do C.P.C., por contradição entre o pedido e a causa de pedir, quando os Autores, alegando serem os proprietários de um imóvel e que a Ré o está a ocupar sem título legítimo, nomeadamente por motivo de ter cessado o contrato de arrendamento, por terem exercício oportunamente o direito de oposição à sua renovação, concluem pedindo para ser reconhecidos como proprietários desse imóvel e que a Ré seja condenada a restituí-lo. 2. Nestes casos é completamente indiferente o recurso à ação de despejo ou à ação de reivindicação, pois ambas as ações em menção são meios processuais idóneos para obter o mesmo efeito prático, ainda que tenham causas de pedir diversas e pedidos distintos. 3. Em caso algum, nestas situações, o recurso à ação de reivindicação, e não à ação de despejo, poderia determinar a anulação de todo o processo, até porque não estando em causa o procedimento especial de despejo (regulado nos Art.s 15º e ss. da Lei n.º 6/2006 de 27/2 - NRAU), qualquer dessas ações seguirá os termos do processo declarativo comum (cfr. Art.º 546.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C. e Art.º 14.º n.º 1 do NRAU), sendo de ter sempre em consideração o disposto no Art.º 193.º do C.P.C. e a obrigação legal de aproveitamento de todo o processado. 4. O Art.º 1096.º n.º 1 do C.C. preenche a exceção constante da previsão da parte final do Art.º 1080.º do C.C. e, por isso, a regulamentação aí estabelecida quanto à renovação automática do contrato de arrendamento não tem natureza imperativa e pode ser afastada pela vontade das partes. 5. Não decorre do Art.º 1096.º n.º 1 do C.C. que os contratos de arrendamento com prazo certo estejam sempre sujeitos à renovação automática por períodos mínimos de 3 anos. 6. O que resulta desse normativo, na parte considerada, é que, se nada for estabelecido em sentido contrário pelas partes quanto à renovação do contrato de arrendamento, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente por períodos iguais ao do prazo inicial fixado no contrato, sendo que, no caso desse prazo ser inferior a 3 anos, a renovação ocorrerá pelo prazo mínimo de 3 anos. 7. O objetivo do legislador foi estabelecer uma norma supletiva que regulasse o regime da renovação automática dos contratos com prazo certo, no caso de as partes omitirem essa regulamentação específica. Caso as partes estabeleçam um regime específico de renovação automática do contrato de arrendamento, prevalecerá sempre o que for convencionado entre as partes, em respeito pela autonomia privada e pela liberdade contratual e de estipulação (cfr. Art.º 406.º n.º 1 do C.C.). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO MJA (1.ª A.), MMA (2.ª A.), VBG (3.º A.), AMP (4.º A.), MRR (5.ª A.) e MTM (6.ª A.) intentaram a presente ação de reivindicação, em processo declarativo comum, contra DN, peticionando que seja declarado que os A.A. são comproprietários do local que identificaram no artigo 1.º da petição inicial; e a R. condenada a reconhecer tal direito dos A.A.; e a restituir de imediato, aos A.A., livre e desocupado, o local reivindicado; condenando-se a R. a pagar aos A.A., a título de indemnização, a quantia de €850,00 por cada mês que decorra desde o dia 1 de Julho de 2021 e até à data da restituição. Para o efeito, alegaram sucintamente, que são os donos e legítimos proprietários, em comunhão hereditária, do imóvel situado em Lisboa, na Rua …., números 5 e 7, descrito sob o n.º …/20051201 da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António, sob o artigo …, o qual se mostra inscrito a favor de AAR, AMP (3.º A.), VBG (4.º A.) e MMRA, sendo que a 1.ª e 2.ª A.A. são as únicas e universais herdeiras de MMRA e de PAA, e as 5.ª e 6.ª A.A. são as únicas e universais herdeiras de AAR e de MFR. Mais alegaram que, por contrato do dia 30 de Dezembro de 2008, a 3.ª A. deu de arrendamento à R., por si e em representação dos demais proprietários, para fim habitacional e pela renda mensal de €425,00, o 3.º andar direito, com entrada pelo n.º 5, do identificado prédio, pelo prazo de 5 anos, com início a 1 de Janeiro de 2009 e término a dia 31 de Dezembro de 2013, o qual se renovava por períodos de 1 ano, caso não fosse denunciado. De acordo com a cláusula nona do contrato de arrendamento os senhorios teriam de denunciar o contrato em qualquer das suas prorrogações com a antecedência de um ano, por notificação judicial, ficando estabelecida uma cláusula penal com o valor equivalente a um ano de rendas, no caso de incumprimento pela R. na entrega atempada do arrendado, livre de pessoas e bens. Em conformidade, os A.A. pediram, no dia 10 de Outubro de 2019, a notificação judicial avulsa da R., manifestando a sua oposição à renovação do contrato para o dia 31 de Dezembro de 2020, que assim não se renovaria, devendo a R. restituir o locado, livre e desocupado de pessoas e bens até ao referido dia, sendo que se não fosse restituído seria devido montante igual ao dobro da renda, por cada mês que decorra até à efetiva restituição, nos termos do disposto no Art.º 1045.º, n.º 2 do C.C., tendo essa notificação sido cumprida no dia 26 de Novembro de 2019. A R., por carta de 30 de Dezembro de 2020, veio alegar o benefício resultante do Art.º 8º, al. b) da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, que consagrou um regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários, mantendo-se assim na posse do locado e pagando a renda, nos termos do nº 2 desse preceito. Posteriormente, por carta de 21 de Maio de 2021, comunicou que, ao contrário do que anteriormente havia referido, considerava que o contrato não caducara e que se renovara por três anos, por aplicação da Lei nº 13/2019 de 12 de Fevereiro, recusando-se a entregar o local dos autos. Os A.A. reiteraram que o contrato de arrendamento havia caducado no dia 31 de Dezembro de 2020 e, por isso, a R. deveria proceder à restituição do imóvel. Mas a R., por carta de 5 de Julho de 2021, reiterou a sua recusa à devolução, passando a depositar a renda na Caixa Geral de Depósitos, tendo em conta que os A.A. recusaram o recebimento da renda relativa ao mês de Julho de 2021. Assim, considerando que o contrato de arrendamento está caducado, nos termos e ao abrigo do disposto no Art.º 1051.º, al. a) do C.C., e que a R. detém as chaves do locado, sem qualquer título, entendem que deve ser reconhecido aos A.A. o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e a mesma a eles restituída, nos termos dos Art.s 1305.º e 1311.º do C.C., dado que a R. detém o imóvel de forma ilícita, em prejuízo dos A.A., que se dele dispusesse para arrendar poderiam auferir uma renda de €850,00 por mês, em face da sua tipologia e localização. Citada a R. contestou invocando a ineptidão da petição inicial por entender que o direito pretendido fazer valer era típico duma ação de despejo, havendo incompatibilidade entre os pedidos e a causa de pedir; invocou uma exceção perentória inominada de inexistência do direito, por entender que se encontrava ainda em curso o prazo de renovação do contrato, que apenas findaria a 31 de Dezembro de 2022, o que comprometeria a viabilidade da ação; para além de defende-se por impugnação. No final, concluiu pela improcedência da ação, com o reconhecimento da ineptidão da petição inicial e da validade do contrato de arrendamento, devendo a R. ser absolvida do pedido. Mas, ainda que assim se não entendesse, deveria ser tido em conta o regime jurídico estatuído na Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, enquanto regime transitório e extraordinário de proteção dos arrendatários. Convidados para o efeito, os A.A. responderam às exceções alegadas, pugnando pela sua improcedência. Findos os articulados veio a ser agendada audiência prévia, no âmbito da qual foram as partes advertidas para a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa. Nessa sequência veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenou a R. nos seguintes termos: «a) Declaro serem os autores proprietários do imóvel situado em Lisboa, na Rua …, números 5 e 7, descrito na ficha nº …./20051201 da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António, sob o artigo… . «b) Condeno a R. a reconhecer o direito de propriedade dos autores; «c) Condeno a R. a restituir, de imediato, aos autores, livre e desocupado o imóvel situado em Lisboa, na Rua …, números 5 e 7, descrito na ficha nº …/20051201 da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António, sob o artigo … .; «d) Condeno a R. a pagar aos autores, a título de indemnização uma quantia equivalente ao valor da renda convencionada por cada mês que decorra desde o dia 1 de Julho de 2021 e até à data da restituição, e deduzindo os valores que tenham sido pagos a título de renda, nesse período. «e) No mais, vai a R. absolvida do pedido contra si formulado». É desta sentença que a R. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões: a) A decisão em recurso fundamenta-se na douta sentença que julgou improcedente a invocada exceção de ineptidão da petição inicial, bem como, a exceção perentória inominada de inexistência do direito invocado e, em conformidade com o disposto nos Art.s 186.º n.º 1 e n.º 2 al. b), 278.º n.º 1 al. b) e 577.º n.º 1 al. b) do C.P.C., não absolveu o ora Recorrente da instância; b) O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito, porquanto, considera a Recorrente com todo o devido respeito, que foram violadas as normas supra mencionadas, por parte do tribunal a quo, na medida em que, na presente ação “a causa de pedir é a de uma ação de reivindicação, e não duma ação de despejo” e que resulta da petição inicial que “toda a invocação dos autores (…) se alicerça na inexistência de um contrato de arrendamento com a Recorrente/inquilina e na sua caducidade (geradora da obrigação de entrega do locado aos Recorridos/senhorios”, e que “a ação é proposta contra a inquilina, pessoa que legitimamente ocupa o locado na vigência de um contrato de arrendamento, e que a mesma não se apoderou ilicitamente daquele, …”. c) Refere, também que “desde o início do arrendamento que ocupa o prédio, licitamente, apenas não o tendo entregue, (…) imediatamente após a cessação do contrato com a sua caducidade, nele permanecendo”, pelo que considera na alegação dos autos “não estar em causa o direito de propriedade, mas tão somente um dos efeitos da cessação do contrato de arrendamento”. d) Indica que “tratando-se a caducidade de uma forma de extinção do arrendamento, é apropriada a ação de despejo para obter a desocupação do arrendado, e não a ação de reivindicação…” e) Conclui “que a causa de pedir da ação não se compatibiliza com os pedidos dos ora requeridos”, pelo que “ocorre o vício previsto na alínea b) do n.º 2 do Art.º 186.º do Código de Processo Civil”. f) Salvo do devido respeito que é muito, não se aceitam os motivos doutamente explanados na sentença, portanto, a ação de reivindicação não é o meio próprio. g) Existiu um contrato de arrendamento entre os Recorridos e a ora Recorrente/arrendatária, conforme é alegado nos artigos 5.º a 8.º da petição inicial. h) Ainda na vigência de tal arrendamento, os Recorridos comunicaram à Recorrente através de Notificação Judicial Avulsa de 10/10/2019 de que não pretendiam a renovação do contrato de arrendamento em causa, pelo que o denunciavam com efeitos para o dia 1 de janeiro de 2021, data em que o locado deveria ser entregue livre de pessoas e bens. i) A ora Recorrente não entregou a habitação que lhe está arrendada, por considerar que a não renovação do contrato comunicada pelos Recorridos, apesar de ter sido feita na forma contratualmente prevista, não foi tempestiva, atendendo à validade do contrato de arrendamento que estava em vigor à data dessa comunicação. j) Não é verdade que o contrato de arrendamento tenha caducado pelo fim do prazo e que a Recorrente detém as chaves do local acima identificado, sem qualquer título e não celebraram com a Recorrente qualquer contrato de arrendamento relativamente ao locado acima identificado, conforme alegado nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da petição inicial. k) Assim, foi pedida a condenação da Recorrente nos pedidos de: declarar-se serem os Recorridos comproprietários do local identificado no artigo 1.º supra; condenar-se a Recorrente a reconhecer tal direito de propriedade dos Recorridos; condenar-se a Recorrente a restituir, de imediato, aos Recorridos, livre e desocupado o local reivindicado; condenar-se a ré a pagar aos Recorridos, a título de indemnização a quantia de €850,00 por cada mês que decorra desde o dia 1 de julho de 2021 e até à data da restituição – tudo com o mais da lei; l) A presente ação foi proposta contra a Recorrente/inquilina, que o continuou a ser apesar da oposição à renovação do contrato de arrendamento; e por conseguinte, não está a mesma a ocupar ilegitimamente a habitação que lhe está arrendada, não estando em causa o direito de propriedade sobre a mesma, porquanto, tal direito nunca foi posto em causa pela ora Recorrente; m) A eventual caducidade do contrato de arrendamento, com a sua extinção, é dirimida em ação de despejo, porque este não é o meio processual idóneo para os factos alegados na petição inicial, porque existe uma relação contratual de arrendamento entre os Recorridos e a Recorrente, desde 1 de janeiro de 2009, sendo esse o título que legitima a ora Recorrente de ocupar a habitação cuja reivindicação está a ser requerida pelos ora Recorridos; n) A ação de despejo diz respeito a casos de resolução do contrato de arrendamento, tal como previsto no Art.º 14.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), sendo esse o caso dos presentes autos; o) O fundamento da presente ação de reivindicação é a rescisão do contrato de arrendamento, por oposição à renovação do contrato de arrendamento, e a não entrega da habitação por parte da Recorrente, não sendo esse o meio processual idóneo face ao alegado. p) Assim, existe uma contradição entre o pedido e a causa de pedir invocadas na doutra sentença, ocorrendo o vício previsto na alínea b) do n.º 2 do Art.º 186.º do C.P.C., e consequentemente, verifica-se a existência da ineptidão da petição inicial invocada, daí resultando a nulidade de todo o processo e a consequente absolvição da ora Recorrente da instância, com todas as devidas e legais consequências. q) Acresce que a Recorrente celebrou com os Recorridos um contrato de arrendamento, ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano, regulado pela Lei 31/2012 de 14 de agosto, por um período inicial de 5 anos, com início a 1 de janeiro de 2009 a términus a 31 de dezembro de 2013 e que se renovaria automaticamente, por um período de 2 anos, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do Art.º 26.º do predito diploma legal, uma vez que o Art.º 1080.º do C.C. confere imperatividade às normas que regulam a resolução, caducidade e denúncia dos contratos de arrendamento urbano; r) Dessa forma, não pode a Recorrente consentir o entendimento do tribunal a quo, no sentido em que as alterações introduzidas ao regime legal do arrendamento urbano, não têm aplicabilidade ao contrato de arrendamento celebrado entre as partes, porquanto, estas decidiram ao abrigo da autonomia negocial e liberdade contratual, prever forma diversa de execução do contrato; s) Claro está, que o Regime do Arrendamento Urbano, não deixa ao livre arbítrio das partes a disposição quanto a matérias que afetam a estabilidade e a segurança jurídica dos contratos de arrendamento urbano, assegurando ao invés, a imperatividade legal das normas que as regulam; t) Com efeito, in casu, ocorreu uma primeira renovação automática por um período de dois anos, no dia 1 de janeiro de 2014 até 31 de dezembro de 2016, nos termos do disposto no n.º 3 do Art.º 26.º da Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, sendo que a renovação seguinte, já ao abrigo do NRAU, na sua nova redação dada pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, foi pelo período de 1 ano, ao abrigo do Art.º 1096.º o C.C.; u) Assim sendo, ocorreu uma primeira renovação no dia 1 de janeiro de 2014 que perdurou até 31 de dezembro de 2016, renovando-se consecutivamente por períodos de 1 ano até 1 de janeiro de 2019; v) Posteriormente, com a nova alteração que veio a ser dada ao n.º 1 do Art.º 1096.º do C.C., passando a renovação dos contratos de arrendamento a estar sujeita a períodos automáticos e sucessivos de 3 anos, o contrato de arrendamento que havia sido renovado até 1 de janeiro de 2020, sofreu uma nova renovação até 31 de dezembro de 2023, motivo pelo qual a presente ação de reivindicação do direito de propriedade, ao ter sido instaurada a 26 de julho de 2021, colidiu com a existência e validade do contrato de arrendamento cuja caducidade apenas se verificaria na data de 31/12/2023, pelo que não existe o direito invocado pelos Recorridos em obterem a desocupação e entrega do locado. Pede assim a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida. Os A.A. responderam ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões: 1.ª A apelante alega que a petição inicial é inepta porque a causa de pedir não se compatibiliza com os pedidos deduzidos. 2.ª Os apelados fundamentaram os seus pedidos na caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes no dia 30 de Dezembro de 2008, caducidade essa que ocorreu por comunicação de oposição à renovação e concretizada por Notificação Judicial Avulsa requerida no dia 10 de Outubro de 2019. 3.ª O contrato de arrendamento referido na petição inicial caducou por decurso do prazo, ou seja, nos termos do disposto no artigo 1051.º do Código Civil. 4.ª E, é por inexistir qualquer contrato de arrendamento em vigor que a posse da apelante não tem qualquer título e é, também, pelo facto da apelante não restituir o local dos autos aos apelados que o seu direito de propriedade se encontra violado e assim se encontrará enquanto a apelante permanecer, ilicitamente, na posse do imóvel. 5.ª Pelo que, o meio processual próprio é a ação de reivindicação, conforme resulta do disposto no artigo 1311º do Código Civil: 6.ª A ação de reivindicação pressupõe necessariamente a formulação de dois pedidos cumulativos: o de reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o de restituição da coisa reivindicada, por outro. 7.ª Na ação de reivindicação, a eventual subsistência dum contrato de arrendamento sobre o imóvel reivindicado, como vínculo contratual que legitima a detenção da coisa e alegada pela apelante, funciona como facto impeditivo à procedência do pedido de restituição da coisa. 8.ª A discussão que a apelante pretende trazer para o presente recurso não tem qualquer utilidade, porque tanto a ação de reivindicação como a ação de despejo são ambas ações declarativas que seguem a forma de processo comum. 9.ª A caducidade do contrato opera automaticamente, não sendo necessário que o Tribunal a declare. 10.ª A petição é clara e os pedidos deduzidos são compatíveis com a causa de pedir, inexistindo de qualquer ineptidão da petição inicial. 11.ª A apelante alega que: “74. Pelo exposto, a presente ação de reivindicação do direito de propriedade, foi instaurada no dia 26.7.2021, isto é, antes do termo da renovação do contrato de arrendamento em 31.12.2023, o que compromete desde logo a sua viabilidade, pois que, não poderá ter-se como cumprida a obrigação da inquilina desocupar o locado, aquando da instauração do procedimento, como estabelecido no nº 1 do art.º 15º do NRAU; 12.ª O entendimento da apelante padece de vários erros de aplicação da lei. 13.ª O contrato de arrendamento dos autos foi celebrado no dia 30 de Dezembro de 2008, logo: • Não foi celebrado ao abrigo dos artigos 98º, nºs 1 e 2 do Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (RAU), mas sim da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU), regime jurídico em vigor na data da celebração do contrato dos autos. • Não é aplicável ao contrato dos autos o regime transitório previsto no artigo 26º do NRAU – este regime só se aplica aos contratos celebrados na vigência do RAU (isto é, aos contratos celebrados a partir do dia 18 de Novembro de 1990, data de início de vigência) e até à data de entrada em vigor do NRAU (12 de Novembro de 2006). 14.ª Mais entende a ré que a alteração do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil feita pela Lei nº13/2019 de 12 de Fevereiro deve ser interpretada no sentido de que as renovações do contrato dos autos passaram a ser de três anos e não de um ano tal como foi acordado pelas partes. 15.ª Da comparação entre as duas versões – entre a Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto e a Lei 13/2019 – conclui-se que esta limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior, mantendo todo o restante preceito. 16.ª Da manutenção, no início do artigo, da ressalva “Salvo estipulação em contrário” retira-se a ideia de que a supletividade aí anunciada abarca todos os elementos da norma: a consagração da renovabilidade automática do contrato e a estipulação do prazo ou prazos da sua renovação. 17.ª Ainda que a expressão “Salvo estipulação em contrário” tenha sido deslocada para a parte inicial da norma, a redação atual não impossibilita a leitura de que tal salvaguarda deve também abranger o prazo de renovação de três anos, isto é, de que deve estar na possibilidade das partes estipular um prazo de renovação inferior. 18.ª Não se retirando da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior proteção ao arrendatário no período sucessivo daquela que foi concedida no período inicial. 19.ª O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. 20.ª Estabilidade essa totalmente conseguida no caso dos autos, já que o contrato foi celebrado há cerca de 17 anos! 21.ª Acresce ainda que a ré bem sabe da intenção dos autores se oporem à renovação já desde o ano de 2016, considerando que já desde esse ano que lhe foi comunicada essa intenção, conforme se alcança dos documentos que aqui se encontram juntos aos autos sob números 1 e 2 com o articulado Resposta, apresentado no dia 17/01/2024 (referência nº 38191510). 22.ª De outro lado ainda, a apelante não pode ignorar que nos artigos 5º, 19º a 21º da contestação e agora nas suas alegações assim o repete (mas desta vez para o ano de 2023), que aceita que o contrato caducou - Confissão essa que por ter sido aceite, não pode ser retirada, nos termos do disposto no Artigo 465.º do CPC. 23.ª Logo, mesmo que a tese da ré quanto aos períodos de renovação procedesse, não tem qualquer fundamento legal a tese de que os apelados deveria ter enviado uma comunicação de oposição à renovação para o dia 31 de Dezembro de 2023. 24.ª Não só porque aceita a caducidade do contrato como porque a comunicação dos apelados não pode deixar de ser entendida como uma oposição à renovação seja ela para que data for. 25.ª Ainda assim, sempre a propositura da presente ação evidencia a manifesta e inequívoca vontade dos apelados se oporem à renovação e à permanência da ré no local reivindicado. 26.ª Deverá, portanto, manter-se a decisão recorrida. * II- QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) A ineptidão da petição inicial; e b) A inexistência do direito à restituição do imóvel reivindicado, por ainda subsistir, à data da propositura da ação, um contrato de arrendamento válido e eficaz que legitimaria a sua ocupação pela R.. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1. Os A.A. são donos e legítimos proprietários, em comunhão hereditária, do imóvel situado em Lisboa, na Rua …, números 5 e 7, descrito na ficha n.º …/20051201 da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António, sob o artigo … . 2. O imóvel encontra-se inscrito a favor de AAR, AMP, VBG e MMRA. 3. As 1ª e 2ª A.A. são as únicas e universais herdeiras de MMRA e de PAA. 4. As 5ª e 6ª A.A. são as únicas e universais herdeiras de AAR e de MFR. 5. Por contrato do dia 30 de Dezembro de 2008, a 3ª A. deu de arrendamento, por si e em representação dos demais proprietários, à ora R., para fim habitacional e pela renda mensal de €425,00, o 3.º andar direito, com entrada pelo número 5 do prédio identificado no artigo 1.º. 6. O referido contrato foi celebrado pelo prazo certo de cinco anos, que teve início no dia 1 de Janeiro de 2009 e terminou no dia 31 de Dezembro de 2013. 7. Conforme resulta da Cláusula Primeira do contrato: «O prazo de duração do arrendamento é de cinco anos, com início em 1 de Janeiro de 2009 e com termo em 31 de Dezembro de 2013, sendo as suas legais prorrogações de um ano, caso não seja denunciado no seu termo». 8. Conforme resulta da Cláusula Nona do contrato: «Dada a natureza temporária deste contrato e a faculdade que os primeiros outorgantes têm de o denunciar em qualquer das suas prorrogações com a antecedência de um ano, estes notificarão judicialmente o segundo outorgante para o efeito, ficando desde já estabelecida uma cláusula penal com o valor equivalente a um ano de rendas, no caso de incumprimento pelo segundo outorgante na entrega atempada do arrendado, livre de pessoas e bens». 9. Assim, no dia 10 de Outubro de 2019, os ora A.A. deram entrada de Notificação Avulsa com o seguinte teor: «Os requerentes são donos e legítimos proprietários, em comunhão hereditária, do imóvel situado em Lisboa, na Rua …, números 5 e 7, descrito na ficha nº …/20051201 da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António, sob o artigo …, conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o nº 1 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. «O imóvel descrito no artigo anterior encontra-se inscrito a favor de: «• AAR; «• AJP; «• MJG; «• MMA, «As 1ª e 2ª requerentes são as únicas e universais herdeiras de MMA e de PAA, conforme se alcança dos documentos que aqui se juntam sob os n.ºs 2 e 3 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. «Os 4º e 5ª requerentes são os únicos e universais herdeiros de AJP e de MAP, conforme se alcança dos documentos que aqui se juntam sob os nºs 4 e 5 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. «O 4º requerente é o tutor da 5ª requerente, conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o n.º 6 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. «As 6ª e 7ª requerentes são as únicas e universais herdeiras de AAR e de MFR, conforme se alcança dos documentos que aqui se juntam sob os nºs 7 e 8 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. «DOS FACTOS: «Por contrato do dia 30 de Dezembro de 2008, a 3ª requerente deu de arrendamento, por si e em representação dos demais proprietários, à requerida, para fim habitacional e pela renda mensal de €425,00, o 3.º andar direito, com entrada pelo número 5 do prédio identificado no artigo 1.º, supra, conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o n.º 9 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. «O referido contrato foi celebrado pelo prazo certo de cinco anos, que teve início no dia 1 de Janeiro de 2009 e terminou no dia 31 de Dezembro de 2013 – conf. cit. doc. nº 9. «Nos termos da cláusula 1ª as renovações do referido contrato ocorrem por períodos iguais e sucessivos de um ano - conf. cit. doc. nº 9. «Os requerentes vêm comunicar que se opõem à próxima renovação do contrato em causa e que teria lugar no dia 1 de Janeiro de 2021. «A oposição à renovação do contrato em causa é livre e tempestiva. «Termos em que, R. a V. Exª se digne ordenar a notificação da requerida para que fique bem ciente de que: a) que os ora requerentes opõem-se à renovação do contrato de arrendamento em apreço, ou seja, para o dia 31 de Dezembro de 2020, pelo que, tal contrato não se renovará; b) deverá a requerida restituir o local descrito no artigo 1º, supra, livre e desocupado de pessoas e bens até ao referido dia 31 de Dezembro de 2020; d) se o locado acima identificado não for restituído no referido dia é devido aos requerentes montante igual ao dobro da renda, por cada mês que decorra até à efetiva restituição, nos termos do disposto no artigo 1045º, número 2 do C.C. conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o n.º 7 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido». 10. No dia 26 de Novembro de 2019, a notificação judicial referida no artigo antecedente foi cumprida na pessoa da ora R., pelo Senhor Agente de Execução, RR 11. Por carta datada do dia 30 de Dezembro de 2020, a ora R. veio alegar o benefício resultante do artigo 8º, alínea b) da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março. 12. Assim, a ora R. manteve-se na posse do local acima identificado, pagando a correspondente renda, nos termos do nº 2 do preceito referido no artigo anterior. 13. Por carta datada de 21 de Maio de 2021, a R. comunicou que, ao contrário do que anteriormente havia referido, considerava que o contrato não caducara e que se renovara por três anos, por aplicação da Lei nº 13/2019 de 12 de Fevereiro, recusando-se a entregar o local dos autos 14. Os A.A. reiteraram que o contrato de arrendamento havia caducado no dia 31 de Dezembro de 2020 e, por isso, a R. deveria proceder à restituição do local dos autos. 15. Por carta datada de 5 de Julho de 2021, a R. enviou nova comunicação reiterando a sua recusa quanto à devolução do local dos autos e informando que passou a depositar a renda na Caixa Geral de Depósitos, tendo em conta que os A.A. recusaram o recebimento da renda relativa ao mês de Julho de 2021. 16. A R. não entregou o imóvel. 17. Os A.A. não podem usar, nem fruir, nem dispor do imóvel. 18. O valor locatício do imóvel é de €850,00 por mês. 19. O local descrito no artigo 1º, supra, é composto por cinco divisões assoalhadas: sala, quarto interior com janela de clarabóia, corredor, quarto, despensa, casa de banho e cozinha, com pequena varanda exterior e tem uma área aproximada de 78 m2. 20. O imóvel situa-se num local sossegado, tem chão de madeira e uma vista fantástica na parte das traseiras para o Rio Tejo e vários miradouros da cidade. 21. O imóvel em causa situa-se …, estando a cerca de cinco minutos de distância destes locais. 22. Ao redor do imóvel situam-se várias lojas de marcas internacionais, farmácias, o Hospital Curry Cabral e o Hospital São José, cinemas, teatros, supermercados, restaurantes, pastelarias e lojas de pequeno comércio tradicional. 23. O local situa-se perto da estação de metro da Avenida e dos Restauradores, da estação de comboios do Rossio e de vários autocarros para várias zonas de Lisboa. * Mais consignou o tribunal que inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa. Tudo visto, cumpre apreciar. * IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica, começando inevitavelmente pela alegada exceção dilatória de ineptidão da petição inicial. 1. Da ineptidão da petição inicial. A R., logo na sua contestação, veio invocar a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, por entender que a ação de despejo seria o meio processual idóneo ao reconhecimento da extinção duma relação contratual de arrendamento e não a ação de reivindicação, que foi o meio usado pelo A.A. para obterem precisamente esse mesmo resultado. Defendia assim, em termos sucintos, que a causa de pedir da presente ação pressupõe o reconhecimento da extinção do contrato de arrendamento por caducidade, o que não é compatível com o pedido de reivindicação, de reconhecimento do direito de propriedade e restituição do imóvel locado, tal como foram formulados. O que, no seu entender, preencheria a previsão da al. b) do n.º 2 do Art.º 186.º do C.P.C., verificando-se assim uma situação de ineptidão da petição inicial por haver contradição entre o pedido e a causa de pedir. A sentença recorrida, debruçando-se sobre esta questão limitou-se a dizer que: «Nos termos do art.º 186º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”, sendo que se diz inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis – cfr. n.º 2 do referido preceito. «Ora, da leitura dos articulados, considerando o pedido formulado e a causa de pedir, não existe contradição, nem a petição é ininteligível, tanto assim é que o R. na sua contestação conseguiu alcançar o sentido do pedido do A. e apresentar a sua defesa face ao mesmo. «Destarte, pelo exposto julga-se improcedente a alegada exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por não provada, com base no número 2 do artigo 186.º do Código do Processo Civil». Agora, nas alegações de recurso, a R., aqui Recorrente, volta a defender que a petição seria inepta, precisamente com base no mesmo tipo de argumentação. Apreciando, temos de dizer que não percebemos como é que ainda se alega este tipo de exceção, nestes termos, relativamente a uma questão serôdia, que há muito que se mostra ultrapassada. Em primeiro lugar, há que reconhecer que os A.A. lançaram mão duma ação de reivindicação, tal como a mesma se mostra regulada no Art.º 1311.º do C.C., e não duma ação de despejo, tal como prevista no Art.º 14.º do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27/2). Os A.A. pediram que seja declarado que são os comproprietários do andar que identificaram no artigo 1.º da petição inicial (cfr. al. b) do petitório) e que a R. fosse condenada a reconhecer tal direito (idem al. c)) e a restituir de imediato, aos A.A., livre e desocupada, a coisa reivindicada (idem al. d)). Para tanto, alegaram que são os comproprietários desse imóvel, invocando em seu benefício a presunção que emerge do registo predial (cfr. Art.º 7.º do C.R.P.) e a sucessão hereditária (cfr. artigos 1.º a 4.º da petição inicial); que o título que eventualmente poderia no passado ter justificado a ocupação da casa pela R. já se mostra extinto (cfr. artigos 5.º a 12.º da petição inicial); e que a R. ocupa a casa sem título legítimo (cfr. artigo 19.º da petição inicial). A ação de reivindicação, tal como ela é regulada no Art.º 1311.º do C.C., pressupõe necessariamente a formulação de dois pedidos cumulativos: o de reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o de restituição da coisa reivindicada, por outro. É isso que resulta literalmente da lei. Na mesma medida, a procedência da ação de reivindicação está sempre dependente da procedência desses dois pedidos. Pelo que, se não se provar que os A.A. são proprietários da coisa reivindicada, ou se o detentor demandado provar que é titular de direito que legitime a sua posse ou detenção sobre a coisa reivindicada, a ação de reivindicação improcede necessariamente na totalidade, porque não é cumprida a finalidade que ela pressupõe na sua plenitude. Admitimos ainda assim, como Luís Menezes Leitão (in “Direitos Reais”, 8.ª Ed., pág. 234), que o tribunal possa limitar-se a reconhecer o direito de propriedade, não condenando na restituição da coisa, quando o demandado logre provar ser legítimo titular de direito incompatível com o pedido de restituição. Mas daí não decorre uma procedência parcial da ação de reivindicação. A ação de reivindicação, nesse caso, deve ser julgada totalmente por improcedente, mesmo que se reconheça, porque não foi sequer posto em causa, que os A.A. são proprietários da coisa reivindicada. Assim sendo, os pedidos formulados, para além de conformes a uma típica ação de reivindicação (cfr. Art.º 1311.º do C.C.), também são conformes à causa de pedir explicitamente invocada na petição inicial. Logo, não vemos como possa ser sustentado que a petição inicial é inepta, nos termos do Art.º 186.º n.º 2 al. b) do C.P.C.. Claro que, temos de reconhecer que, subjacente à defesa assim apresentada, está fundamentalmente o problema do alegado “erro do meio processual” utilizado, considerando que a ação que deveria ser instaurada deveria ser de “despejo” e não de “reivindicação”. Mas, temos de realçar que, para haver uma ação de despejo era preciso que os A.A. tivessem pedido explicitamente que se reconhecesse a cessação duma situação jurídica de arrendamento (cfr. Art.º 14.º n.º 1 do NRAU). Ora, esse pedido não foi formulado, nem tinha de o ser no seio duma ação de reivindicação. Por outro lado, temos de realçar que, quer a ação de reivindicação prevista no Art.º 1311.º do C.C., quer a ação de despejo prevista no Art.º 14.º do NRAU (não estando, portanto, em causa a ação especial de despejo prevista nos Art.s 15.º e ss. do NRAU), seguem ambas a forma comum do processo declarativo (cfr. Art.º 546.º e 548.º do C.P.C.). Pelo que, a questão nunca poderia ser configurada como “erro na forma de processo”. Finalmente, no âmbito duma ação de reivindicação pode ser discutida a questão da existência, validade e eficácia, de um contrato de arrendamento como facto impeditivo do direito à reivindicação. Sendo, aliás, uma das exceções perentórias típicas de recusa da procedência do pedido de restituição da coisa reivindicada, nos termos do n.º 2 do Art.º 1311.º do C.C.. Pelo que, nesse pressuposto, é objetivamente indiferente, para o exercício da defesa da R., se os A.A. lançam mão duma ação de reivindicação ou duma ação de despejo. Em qualquer das duas hipóteses, que são meios processuais perfeitamente idóneos e adequados, está garantido por lei um processo equitativo que tutela, satisfatória e plenamente, a pretensão da R.. O que não estamos é, certamente, perante uma situação de ineptidão da petição inicial, seja por que alínea for do n.º 2 do Art.º 186.º do C.P.C.. Acresce ainda que, atualmente, não existe uma obrigatoriedade de recurso à ação de despejo para todos os casos em que se pretenderia cessar uma situação de arrendamento, como resultava do Art.º 55.º n.º 1 e n.º 2, do Art.º 63.º, 68.º e 70.º do RAU (aprovado pelo Dec.Lei n.º 321-B/90 de 15/10). Como já foi sustentado no acórdão de 8 de fevereiro de 2022 do Tribunal da Relação de Lisboa, subscrito pelo mesmo relator do presente acórdão (Proc. n.º 19864/15.7T8LSB.L1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), em repetição do que também já havíamos dito no acórdão de 23 de outubro de 2018 (Proc. n.º 657/14.5TBFUN.L1 – que não está publicado), atualmente, já não importa discutir se a este tipo de ações deveria corresponder sempre uma ação de despejo – como resultava dos revogados Art.s 55.º e 56.º do R.A.U. – ou uma ação de reivindicação, pois o que agora releva é apenas que não está em causa o procedimento especial de despejo (regulado nos Art.s 15º e ss. da Lei n.º 6/2006 de 27/2 - NRAU), considerando que qualquer outra ação que pressuponha uma apreciação sobre a cessação de um contrato de arrendamento seguirá sempre os termos do processo declarativo comum (“ex vi” Art.º 14.º n.º 1 do NRAU), tal como sucede com as ações de reivindicação (Art.º 546.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.). Certo é que, seguindo ambas essas ações a forma de processo declarativo comum, nunca estaríamos perante uma situação de “erro na forma de processo” ou de “erro no meio processual”, que nos termos do Art.º 193.º n.º 1 a n.º 3 do C.P.C. também nunca poderia determinar a anulação de todo o processado, mas sim, e apenas, que fosse ordenada a realização dos atos necessários a aproximar o processo à forma aplicável, ou a correção oficiosa do meio aplicado, aproveitando-se todos os atos já realizados (vide, também, a este propósito, o acórdão de 16 de maio de 2023, desta Relação e do mesmo relator - Proc. n.º 2066/20.8T8LRS.L1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em que a questão se colocava na inversa, sustentando-se que deveria ser uma ação de reivindicação e não de despejo). O propósito final desses dois tipos de ações acaba na prática por ser fundamentalmente o mesmo, embora fundados em causas de pedir diversas e com pedidos distintos, sendo que no caso os A.A. formularam pedidos compatíveis à causa de pedir que invocaram, como já evidenciámos, ficando a procedência da ação de reivindicação dependente da conclusão de saber se a R. é, ou não, titular de direito de arrendamento sobre o imóvel que ocupa. Julgamos assim que improcedem todas as conclusões que sustentam que no caso deveria proceder a alegada exceção dilatória de ineptidão da petição inicial. 2. Da improcedência da reivindicação. O segundo tema da presente apelação tem a ver com alegada inexistência do direito à restituição do imóvel reivindicado, na medida em que a R. defende que subsistia, à data da propositura da presente ação, um contrato de arrendamento válido e eficaz que legitimaria a sua ocupação do bem assim locado. A sentença sob recurso veio defender o seguinte: «O contrato em causa nos autos teve início em 01.01.2009. «Trata-se de um contrato habitacional celebrado durante a vigência de Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e que entrou em vigor 120 dias após a sua publicação. «Determina o art.º 1051.º do CC que: “O contrato de locação caduca: “a) Findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei; (…)”. «Prevendo o art.º 1054.º do mesmo diploma que: “1 - Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei. “2 - O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo.” «E o art.º 1055.º que: “1 - A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte: “a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; “b) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; “c) 30 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a três meses e inferior a um ano; “d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a três meses. “2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.” «Alega a R. que: “tendo o contrato de arrendamento in casu, sido celebrado ao abrigo do antigo RAU, após a entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, que ocorreu no dia 14 de Dezembro, com base na norma transitória dos n.ºs 1 e 3 do artigo 26.º do predito diploma legal, considerar-se-á que esta renovação, ficou sujeita a um período de 2 anos”. «Porém, não lhe assiste razão. «Nem o contrato de arrendamento foi celebrado ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano anterior à Lei n.º 6/2006. «Nem as alterações da Lei n.º 31/2012 têm o alcance previsto, porquanto o referido art.º 26.º tem a seguinte redação: “1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes. “2 - À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.º e 58.º “3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos, se outro superior não tiver sido previsto. (…)”. «Porquanto esta norma destina-se a contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano e contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro. «Já a lei n.º 13/2019, de 12.02 veio introduzir a alteração do art.º 1096.º: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. “2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior. “3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes. (sublinhado nosso).” «Sendo que o próprio art.º 1080.º do CC prevê que “As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.” «Daqui resulta que os diplomas que vieram ao longo dos anos a introduzir alterações no regime do arrendamento não têm aplicabilidade ao contrato em causa nos autos, porquanto as partes decidiram, ao abrigo da sua autonomia negocial e liberdade contratual, prever a forma de execução do contrato ajustado. «Sendo apenas aplicável o regime extraordinário previsto pela Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, em concreto o art.º 8.º que previa que: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021: “a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; “b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação; “c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; “d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas; “e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado. “2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto nos artigos 8.º ou 8.º-B da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, na sua redação atual. “3 - O disposto no número anterior aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020 e de janeiro a junho de 2021. “4 - No caso de contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo a estabelecimentos que, por determinação legal ou administrativa da responsabilidade do Governo, tenham sido encerrados em março de 2020 e que ainda permaneçam encerrados a 1 de janeiro de 2021, a duração do respetivo contrato é prorrogada por período igual ao da duração da medida de encerramento, aplicando-se, durante o novo período de duração do contrato, a suspensão de efeitos prevista no n.º 1. “5 - A prorrogação prevista no número anterior conta-se desde o termo original do contrato e dela nunca pode resultar um novo período de duração do contrato cujo termo ocorra antes de decorridos seis meses após o levantamento da medida de encerramento e depende do efetivo pagamento das rendas que se vencerem a partir da data de reabertura do estabelecimento, salvo se tiverem efetuado o respetivo diferimento. “6 - A suspensão de efeitos prevista no n.º 1 e a prorrogação prevista no n.º 5 cessam se, a qualquer momento, o arrendatário manifestar ao senhorio que não pretende beneficiar das mesmas ou se o arrendatário se constituir em mora quanto ao pagamento da renda vencida a partir da data da reabertura do estabelecimento, salvo se tiverem efetuado o respetivo diferimento – sublinhado nosso”. «Assim, o contrato iniciou em 01.01.2009 e terminou em 31.12.2013. «A primeira renovação ocorreu em 01.01.2014 e até 31.12.2014. «A segunda renovação ocorreu em 01.01.2015 e até 31.12.2015. «A terceira renovação ocorreu em 01.01.2016 e até 31.12.2016. «A quarta renovação ocorreu em 01.01.2017 e até 31.12.2017. «A quinta renovação ocorreu em 01.01.2018 e até 31.12.2018. «A sexta renovação ocorreu em 01.01.2019. «Os senhorios opuseram-se em 26.11.2019 para o fim do contrato em 31.12.2020. «A entrega do imóvel deveria ter ocorrido em 01.07.2021, após o fim da suspensão do prazo previsto no regime extraordinário. «A oposição à renovação ao contrato foi tempestiva». «Pelo que, a ação será procedente (…)» A Recorrente não concorda com esta solução, porque o Art.º 1080.º confere imperatividade às normas sobre caducidade e denúncia dos contratos de arrendamento, sendo que o contrato dos autos foi celebrado ao abrigo do RAU, tendo a primeira renovação ocorrido já no âmbito da Lei n.º 31/2012 de 14/8 e da norma transitória do Art.º 26.º n.º 1 e n.º 3, que implicou que renovação fosse por 2 anos, sendo as posteriores por um período de 1 ano, já ao abrigo do NRAU. Ocorre que a Lei n.º 13/2019 de 12/2, que entrou em vigor em 13 de fevereiro de 2019, ampliou o prazo de renovação automático para períodos de 3 anos. Por isso, na renovação ocorrida em 1 de janeiro de 2020, o contrato renovou-se até 31 de dezembro de 2023, sendo que a petição inicial da presente ação deu entrada em juízo a 26 de julho de 2021 e, portanto, no momento da propositura da ação deveria improceder o direito invocado, por subsistir como válido o contrato de arrendamento que legitimaria a ocupação pela R. do locado. Os Recorridos não aceitam esta esta interpretação do Art.º 1096.º n.º 1 do C.C., sustentando o seu caráter não imperativo, sendo que ainda que assim se não entendesse, não haveria motivo para deixar de relevar a confissão da R. de que o contrato entretanto já caducou e, portanto, a ação de reivindicação sempre teria de proceder. Apreciando, verificamos que a única divergência efetiva entre as partes refere-se à interpretação do Art.º 1096.º n.º 1 e a sua conjugação com o disposto no Art.º 1080.º do C.C.. Estabelece o Art.º 1080.º do C.C. que: «As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário». O Art.º 1096.º n.º 1 do C.C., por sua vez, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12/2, estatui que: «Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do número seguinte». A primeira conclusão a retirar é que o Art.º 1096.º n.º 1 do C.C. preenche claramente a exceção constante da previsão da parte final do Art.º 1080.º do C.C.. Assim, porque existe explicita disposição legal em contrário, a regulamentação estabelecida no Art.º 1096.º n.º 1, quando à renovação automática do contrato, não tem natureza imperativa e pode ser afastada pela vontade das partes. Em segundo lugar, o que está previsto na primeira parte do Art.º 1096.º n.º 1 do C.C. é que, se nada for estabelecido em sentido contrário pelas partes, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente por períodos iguais ao do prazo certo fixado para o contrato. Ou seja, se o contrato foi estabelecido por 5 anos, renova-se por 5 anos. Se for celebrado por 1 ano, renova-se por 1 ano. Isto, se nada for dito em contrário. Mas, no caso de o prazo inicial do contrato for, por exemplo, de 1 ou 2 anos, ressalva a segunda parte desse preceito, que a renovação automática, a ocorrer, nunca poderá ser por período inferior a 3 anos. Portanto, o objetivo do legislador foi estabelecer uma norma supletiva que regulasse o regime da renovação automática dos contratos com prazo certo, no caso de as partes omitirem essa regulamentação específica. Caso as partes estabelecessem um regime específico de renovação automática do contrato de arrendamento, prevaleceria sempre o que fosse convencionado entre as partes, em respeito pela autonomia privada, pela liberdade contratual e de estipulação (cfr. Art.º 406.º n.º 1 do C.C.). Significa o exposto que a ressalva constante da 2.ª parte do n.º 1 do Art.º 1096.º do C.C. não tem por propósito estabelecer que os contratos de arrendamento com prazo certo têm sempre, e obrigatoriamente, de renovar-se por períodos mínimos de 3 anos. Portanto, com todo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Recorrente. Por isso, subscrevemos inteiramente a posição defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/1/2023 (Proc. n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7, relatado pelo Sr. Desembargador Pires de Sousa e no qual foi 2.º adjunto o relator do presente acórdão – disponível em www.dgsi.pt), quando aí se de esclarece no respetivo sumário que: «i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus); «ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º; «(…) iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato». Ou ainda o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/3/2022 (Proc. n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6 – Relator: Nuno Lopes Ribeiro, disponível no mesmo sítio), quando aí se afirma que: «I. A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redação resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes» (idem, no mesmo sentido: Acórdãos da Relação do Porto, 23.3.2023, processo 3966/21.3T8GDM.P1, 21/10/2024, Processo 5746/22.0T8MTS.P1, 9/4/2024, Proc. 3179/23.0T8VNG.P1, 27/4/24, 1390/22.0YLPRT.L1-6 e os Acórdão da Relação de Lisboa, 27.4.2023, processo 1390/22.0YLPRT.L1-6, 18/4/24, Proc. 2197/23.2YLPRT.L1-6, 7/5/24, Proc. 2363/23.0YLPRT.L1-7, 11/7/24, Proc. 10489/23.4T8SNT.L1-7, 10/9/24, Proc. 814/24.6YLPRT.L1-7 e Acórdão da Relação de Évora de 7/3/24, Proc. 780/23.5YLPRT.E1 - todos consultáveis em www.dgsi.pt). No caso, o contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 1 de janeiro de 2009 e termo em 31 de dezembro de 2013, explicitando-se nele que se renovaria automaticamente por períodos de 1 ano, se não fosse oportunamente denunciado (cfr. cláusula primeira do contrato – doc. n.º 6 da petição inicial). Logo, depois de 31 de dezembro de 2013, o contrato renovou-se anualmente, por períodos de 1 ano, tal como convencionado pelas partes (cfr. Art.º 406.º n.º 1 e Art.º 1096.º n.º 1, 1.ª parte, do C.C.). Os senhorios opuseram-se à renovação em 26/11/2019, com um ano de antecedência, com vista a pôr termo ao contrato no dia 31 de dezembro de 2020, conforme notificação judicial avulsa (doc.s n.º 7 e 8 juntos com a petição). Pelo que, sem prejuízo da suspensão provisória dos prazos decorrente do regime legal temporário de proteção dos inquilinos no quadro da pandemia relativa à doença por Covid-19 (v.g. a Lei n.º 1-A/2020 de 19/3), os A.A. exerceram o seu direito tempestivamente (cfr. Art.º 1055.º do C.C.) e a R. já estaria obrigada à entrega do imóvel à data da propositura da ação em 26 de julho de 2021 (cfr. “petição” de 26-07-2021 – Ref.ª n.º 29899094 - p.e.). Improcedem, em consequência, todas as conclusões que sustentam posição diversa da exposta, devendo a sentença ser integralmente confirmada. Resta dizer que a responsabilidade por custas relativas ao presente recurso deverá respeitar a regra da causalidade, nos termos do Art.º 527.º do C.P.C.. * V- DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar a presente apelação improcedente, por não provada, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos. - Custas pela Apelante (Art.º 527º n.º 1 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi oportunamente concedido por decisão da Segurança Social (cfr. “Apoio Judiciário” de 11-08-2022 – Ref.ª n.º 33345528 - p.e.). * Lisboa, 25 de março de 2025 Carlos Oliveira Paulo Ramos de Faria Alexandra de Castro Rocha |