Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
709/23.0TXLSB-A.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: PESSOA COLECTIVA
REABILITAÇÃO DE CONDENADO
CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO PROVISÓRIO DE CONDENAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A reabilitação do condenado, por via do cancelamento provisório das condenações, nos termos do art. 12º da Lei 37/2015, não é extensível às pessoas colectivas, porque foi opção clara do legislador, por um lado, incluir as pessoas colectivas no universo de pessoas sujeitas ao regime jurídico da identificação criminal, de resto, como não poderia deixar de ser, em sintonia com as regras de responsabilização criminal das pesssoas colectivas contidas nos arts. 11º e 90º A a 90º M do CP, mas, por outro lado, regular a identificação criminal das pessoas colectivas com as devidas adaptações ajustadas à sua diferente natureza ontológica e jurídica, por comparação com as pessoas singulares, quer sobretudo, ao específico paradigma de responsabilidade penal das pessoas colectivas, com uma escala de bens jurídicos muito próprios, característicos das actividades por estas levadas a cabo e com um sistema punitivo inspirado por finalidades diversas das prosseguidas em sede de responsabilidade criminal de pessoas singulares, precisamente, em função dessas especificidades.
E, por isso é que não fica minimamente vulnerado o princípio constitucional da igualdade pelo facto de o instituto do cancelamento provisório do registo criminal não ser aplicável a pessoas coletivas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por despacho proferido em 5 de Maio de 2023, no processo 709/23.0TXLSB-A, do Juízo de Execução de Penas, Juiz 7, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, foi julgado improcedente o pedido de cancelamento das condenações registadas no respectivo certificado de registo criminal por CM S.A. e, consequentemente, indeferido.
A condenada CM SA interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. A ora Recorrente foi condenada, por sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pela prática de um crime de desobediência qualificada previsto e punido pelo artigo 348 °, n.° 2, do Código Penal em conjugação com os artigos 60° e 66°, n.° 1, al. a), dos Estatutos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, no âmbito do processo n.° 6090/15.4TDLSB, que correu termos no Juiz 5 do Juízo Local Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca da Lisboa.
2. Sucede que tal condenação consta averbada no seu certificado do registo criminal.
3. Motivo pelo qual, e uma vez preenchidos os requisitos para tal, veio a Recorrente, nos termos e para os efeitos do referido artigo 12 °, da Lei n.° 37/2015 de 05 de maio (Lei de Identificação criminal, doravante LIC), requerer a V. Exa. que se determinasse o cancelamento provisório do referido averbamento no certificado do seu registo criminal a fim de possibilitar a candidatura a concursos públicos em conformidade com a factualidade supra exposta.
4. Todavia, considerou o Tribunal de Execução de Penas, em síntese, que "(...) porque legal mente inadmissível, julgo improcedente o pedido de cancelamento formulado nestes autos pela sociedade “CM, S.A.
5. Contudo, salvo melhor opinião, e conforme se demonstrará, o dispositivo da sentença de que se recorre julga manifestamente infundado o pedido deduzido pela Recorrente, sendo certo que toda a argumentação deduzida pelo Tribunal se refere à inadmissibilidade legal de aplicação do instituto do cancelamento provisório de registo criminal a pessoas coletivas.
6. Em primeiro lugar, a interpretação do Tribunal a quo não tem em consideração que o artigo 12.° da LIC remete para os n.°s 5 e 6 do artigo 10 ° do mesmo diploma só no que tange às finalidades dos certificados referidos nestes últimos. Em lugar algum da decisão se demonstra (por impossibilidade) que tais finalidades não possam ser comuns a pessoas singulares e a pessoas coletivas;
7. Em segundo lugar, a interpretação do Tribunal a quo é absolutamente omissa no que concerne à norma prevista no artigo 229 ° do CEPMPL que não distingue, para efeitos de pedidos de cancelamento Provisório de Registo Criminal, entre pessoas coletivas e pessoas singulares (até parecendo mesmo apontar para a inclusão de ambas as categorias), o que demonstra a fragilidade dos resultados da interpretação sistemática levada a cabo na decisão aqui recorrida;
8. Em terceiro lugar, a interpretação do Tribunal a quo mistura a questão da não transcrição de decisões condenatórias no registo criminal de pessoas coletivas (n.° 7 do artigo 10 ° da LIC) com a possibilidade de tais decisões serem provisoriamente canceladas ao abrigo do artigo 12.° do mesmo diploma. Estas duas situações são inconfundíveis e não concorrem para a justificação das soluções que a lei reserva a uma e a outra;
9. Em quarto lugar a interpretação do Tribunal a quo levaria a uma injustificada discriminação quando confrontada com o artigo 55 °, n.° 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), uma vez que obrigaria, sem motivo justificável, a que as pessoas coletivas, ao contrário das pessoas singulares, fossem excluídas por mais tempo da participação em procedimentos de contratação pública ou em atividades para as quais a lei remeta os respetivos critérios de idoneidade para o CCP (como é o caso da atividade da Recorrente);
10. Sendo que a decisão ora recorrida carece de qualquer fundamento jurídico, devendo o recurso interposto proceder na sua totalidade, sendo ordenada a revogação do despacho proferido pelo Tribunal de Execução de Penas e substituído por despacho que admita e determine o cancelamento provisório do referido averbamento no certificado do seu registo criminal.
11. Pelo que entende a Recorrente que a interpretação e aplicação do Direito imporia decisão diversa.
VI. Da interpretação do Tribunal a quo no que concerne ao artigo 12° da LIC
12. Ora, entendeu o Tribunal a quo que “Conforme resulta do artigo 10°, n°7, da Lei n° 37/2015, de 05/05: “(...) 7- Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas colectivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes. (...)" O cancelamento provisório do registo criminal apenas se mostra previsto as pessoas singulares.
13. Referindo, ainda, que “Assim o artigo 12°, da Lei n° 37/2015, 05/05, refere:
Sem prejuízo do disposto na Lei n° 113/2009. de 17 de setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n°s 5 e 6 do artigo 10° pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial das decisões que dele deveriam constar, desde que: (...)"
14. E que o «(…) certificado requerido nos termos dos n°s 5 e 6 do artigo 10° (…) é o C.R.C. exclusivamente de pessoas singulares."
15. Contudo, discordamos do entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido uma vez que o art. 12° da LIC não estabelece qualquer distinção entre pessoas singulares e coletivas e quanto à remissão do referido artigo para os n.°s 5 e 6 do art. 10° da referida lei, remete para os fins previstos nesses preceitos, não se retirando a exclusão das pessoas coletivas desta remissão.
16. Desse modo, tal como requerido, resulta da conjugação do n° 6, do artigo 10.° e artigo 12° da Lei 37/2015, de 05 de maio (Lei da Identificação Criminal) que, destinando-se um certificado do registo criminal, requerido pelo interessado, a atividade para cujo exercício “seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa”, pode o Tribunal de Execução das Penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que preenchidos os requisitos.
17. No caso em apreço, e conforme já requerido, dúvidas não restam de que se encontram preenchidos os requisitos cumulativos supra elencados, nomeadamente:
iv) a pena da ora Recorrente já se encontra extinta desde o passado dia 19 de abril de 2023, tendo em consideração que o trânsito em julgado da condenação ocorreu a 19 de abril de 2021 (cfr. Documento 3 do requerimento para cancelamento do averbamento do registo criminal);
v) a Recorrente tem desde então, apresentado um comportamento que demonstra que se encontra readaptada;
vi) a Recorrente cumpriu em pleno com todas as obrigações que lhe foram determinadas pelo Tribunal na referida condenação.
18. Todavia, o tribunal a quo fez uma análise literal da norma prevista na LIC, concluindo que o facto de a norma prevista no artigo 10o se referir às pessoas singulares e ser omissa quanto às pessoas coletivas, configurava suficiente para exclui estas da aplicação deste regime. Todavia, tal não se pode aceitar.
19. O art° 10° da LIC, cuja epígrafe é precisamente “conteúdo dos certificados" prevê o âmbito de todo e qualquer certificado de acordo com todas as situações em que o certificado de registo criminal possa ser requerido por qualquer entidade, singular ou coletiva, nacional ou estrangeira.
20.  Ora, o art. 12° da LIC ao fazer referência apenas às finalidades previstas nos n°s 5 e 6 do seu art° 10° sem mencionar especificamente a natureza singular do “interessado” que pede o respetivo cancelamento provisório não permite concluir que apenas pessoas singulares possam pedir esse cancelamento.
21. Neste sentido, não poderia o Tribunal a quo retirar a conclusão, com base numa mera interpretação literal do regime previsto no artigo 10° da LIC que existe uma proibição de aplicação deste regime ás pessoas coletivas, uma vez que tal proibição não consta expressamente da lei.
22. É evidente que a aplicação do regime da LIC, bem como do cancelamento provisório no registo criminal dependerá sempre de uma avaliação e análise concreta do preenchimento dos requisitos necessários.
23. Sendo apenas estes os critérios de exclusão no que concerne a este requerimento - que no caso em apreço não podem ser invocadas, uma vez que foram cumpridas todas as formalidades legalmente exigíveis, conforme fundamentado no requerimento de cancelamento de averbamento.
24. Todavia, no que concerne ao facto de a norma prevista não se pronunciar expressamente sobre a sua aplicação às pessoas coletivas, urge referir que deve a mesma padecer de uma casuística baseada na razoabilidade e em harmonia com o ordenamento jurídico e o pensamento legislativo.
25. E facto é que o Tribunal a quo, na decisão recorrida, vem socorrer-se desta norma, fazendo uma leitura mera e absolutamente literal da mesma, sem proceder a uma interpretação extensiva e alargada deste regime, baseando-se única e exclusivamente no facto de constar uma menção expressa sobre a aplicação do regime às pessoas singulares, retirando a conclusão, desse modo, que tal regime não tem aplicabilidade às pessoas coletivas, o que não se pode aceitar.
VII. Da omissão da norma prevista no artigo 229.° do CEPMPL
26. A sede legal do instituto em que se enquadra o objeto dos presentes autos encontra-se na Lei n° 37/2015 de 05-05, que aprova a LIC, mas iqualmente na Lei 115/2009 de 12.10 que aprova o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).
27. Pelo que, quanto à questão atinente à possibilidade de aferir dos pressupostos de aplicação do instituto de cancelamento provisório do registo criminal no caso das pessoas coletivas, tal leitura terá de ser feita conjugada com o artigo 229° da Lei n.° 115/2009, de 12 de outubro.
28. E facto é que o Tribunal a quo não procede a uma análise nem faz uma única qualquer referência a este regime, sendo o mesmo fundamental para aplicação do cancelamento provisório do registo criminal.
29. Sendo que, é neste diploma legal que constam as normas referentes a este instituto, mais concretamente nos seus artigos 229° e seguintes, que prevêm as normas respeitantes à sua finalidade, legitimidade, modos de reação, entre outros.
30. Resulta do artigo 229° da referida Lei: “Artigo 229.° Finalidade do cancelamento e legitimidade 1 - Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins Destaques nossos
Constando, além disso, no n° 2 do referido artigo que “O cancelamento pode ser pedido pelo interessado, pelo representante legal pelo cônjuge ou por pessoa, de outro ou do mesmo sexo, com quem o condenado mantenha uma relação análoga à dos cônjuges, ou por familiar em requerimento fundamentado, que especifique a finalidade a que se destina o cancelamento, instruído com documento comprovativo do pagamento das indemnizações sem que tenha sido condenado.
31. Ora, conforme resulta desta norma, que não existe qualquer distinção entre pessoas singulares ou pessoas coletivas, referindo que o cancelamento pode ser requerido “para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública", sendo que se encontra previsto até, nos termos do n°2 do referido preceito, que tem legitimidade para requerer o cancelamento o “representante legal”
32.  Pelo que, além de não existir uma norma de expressa recusa à aplicação deste regime às pessoas coletivas, resulta expressa e claramente previsto que tal requerimento pode ser realizado pelo interessado, pelo representante legal, entre outros.
33. Motivo pelo qual tal regime se deve concluir, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, que este instituto se pode aplicar e aplica às pessoas coletivas.
34. Com efeito, é entendimento da Recorrente que as circunstâncias especificas do caso foram absolutamente ignoradas, tendo sido feita uma interpretação literal do artigo 10° da LIC, sem, ao contrário do leqalmente exigível, proceder a uma conjugação de todos os regimes aplicáveis ao caso em concreto, fazendo tábua rasa das normas previstas no Código de Execução de penas no que a este tema diz respeito, vedando, desse modo, à Recorrente, um direito de requerer que seja cancelado um averbamento no seu registo criminal.
VIII.   Da diferença entre a questão da não transcrição de decisões condenatórias no registo criminal de pessoas coletivas (n.° 7 do artigo 10.° da LIC) e a possibilidade de tais decisões serem provisoriamente canceladas ao abrigo do artigo 12.° do mesmo diploma;
35. Verifica-se que a interpretação do Tribunal a quo mistura a questão da não transcrição de decisões condenatórias no registo criminal de pessoas coletivas (n.° 7 do artigo 10° da LRC) com a possibilidade de tais decisões serem provisoriamente canceladas ao abrigo do artigo 12 ° do mesmo diploma,
36. Ora, tal como já referido anteriormente, tais regimes são distintos, uma vez que no artigo 10° apenas se aplica uma norma no que concerne aos requerimentos de não transcrição de decisões condenatórias no registo criminal, sendo que, no que concerne a este regime, aplica- se a norma do n°7 do mesmo e situação distinta é a da norma do artigo 12° deste regime, que especifica as situações em que podem ser determinado cancelamento provisório das decisões que constem no registo criminal.
37. Sendo que estas duas situações são inconfundíveis e não concorrem para a justificação das soluções que a lei reserva a uma e a outra
38. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 1975/20.9TXLSB-A.L1-3 onde consta o seguinte:
"Ou seia, o art° 12° da LIC não faz referência a pedidos efectuados apenas por pessoas singulares (na realidade não distingue entre pessoas singulares e pessoas colectivas) estando o seu âmbito definido apenas no que tange aos fins visados pelo registo criminal e seu respectivo cancelamento.
É certo que o n° 5 do art° 10° da LIC faz referência a "pessoas singulares" mas há que compreender que o art° 10°. composto por um total de 9 números, refere-se a várias situações.
(...)
A resposta não é linear uma vez que o art° 12° da LIC tem de ser conjugado com a Lei n° 115/2009, mais concretamente com o já citado art° 229° que prevê expressamente a possibilidade de se pedir o cancelamento do registo criminal para “exercício de actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública”, (...) sendo que o referido art° 229° não distingue entre pessoas colectivas, nem pessoas singulares prevendo ainda a possibilidade do pedido de cancelamento ser efectuado por “representante legal" do interessado./...) ' (sublinhado e negrito nossos).
39. Ou seja, é incompreensível e inaceitável esta conclusão do Tribunal a quo, na medida em que, se for levada ao extremo, resultaria numa absoluta e absurda violação do princípio da igualdade plasmado no art° 13° da Constituição da República Portuguesa atenta a previsão no art° 12° n° 2 da mesma CRP que abrange as pessoas coletivas, embora a equiparação não seja absoluta e estará sempre dependente da compatibilidade com a natureza coletiva.
40. Se se ficciona uma culpa de uma pessoa coletiva ao ponto de lhe imputar a pratica de um crime e se se prevê a inscrição no registo criminal dessa condenação então não se pode retirar à pessoa coletiva a possibilidade dada às pessoas singulares de, verificando-se certas circunstâncias legalmente delineadas, pedir o cancelamento daquele registo para efeitos de poder exercer a atividade prevista no seu objeto social
41. Tratando-se de uma desigualdade absolutamente desnecessária a menos que fosse devidamente enquadrada e justificada no contexto em se aplica, o que não é o caso.
42. Pelo que não se pode utilizar o argumento de que as pessoas coletivas não podem beneficiar, à semelhança das pessoas singulares, da faculdade da não transcrição de certos crimes no certificado do registo criminal (faculdade prevista no art° 13° da LIC), atendendo ao disposto no n° 7 do já citado art° 10° da LIC, uma vez que que tal situação implica forçosamente que as pessoas coletivas não podem consequentemente pedir o respetivo cancelamento.
43.  Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 1975/20 9TXLSB-A L1-3 no qual se refere que
"(...) Antes, pelo contrário, se a pessoa colectiva condenada no âmbito de um processo crime em pena e eventual sanção acessória de indole criminal não pode beneficiar da faculdade prevista no art° 13° da LIC, por maioria de razão deverá, então, ser-lhe permitido requerer o cancelamento do seu registo criminal se se verificar os condicionalismos legais subjacentes a esse cancelamento. ' (Destaques nossos).
44. E, ainda, a decisão constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 139/17.3IDLSB-A.L1-9 que refere: Assim, as razões que levam a não prejudicar as pessoas singulares, com a não transcrição no registo criminal, são exatamente as mesmas para as pessoas coletivas. Não é correto afirmar que as pessoas coletivas não têm razões válidas, para não ser transcrito no registo criminal um único crime. (...)
Ou seja. se se entender que há possibilidade de ocorrer identidade de razões, ou seja, permitir a inserção social e não prejudicar as empresas no exercício da sua atividade ou de acesso a contratos, então tem de se defender a extensão da norma às pessoas coletivas. (...)
Esta é uma restrição inadmissível e violadora do direito de acesso ao direito, previsto no art° 20°, n° 1, da Constituição.
O direito de acesso ao direito tem de ser igual para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Se as pessoas singulares têm o direito de, em certas circunstâncias, não ver transcrito no registo criminal crimes que cometeram, então, as pessoas coletivas, nas mesmas circunstâncias, têm esse mesmo direito.
E aqui tem também de se considerar o princípio constitucional da universalidade, pelo qual as pessoas coletivas gozam dos direitos compatíveis com a sua natureza (art° 12°, n° 2, da CP). Este é um direito fundamental das pessoas coletivas.
A natureza das pessoas coletivas de direito comercial é contratar e fazer negócios.
Esta proteção jurídica das pessoas singulares tem de ser extensível às pessoas coletivas, por igualdade de razão e por forca de uma interpretação conforme com a Constituição. ” (fim de transcrição). (...) ”
IX. Da injustificada discriminação e confrontação com o artigo 55.°, n.° 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos
45. A interpretação do Tribunal a quo levaria a uma injustificada discriminação quando confrontada com o artigo 55.°. n.° 1, alínea b), do CCP, uma vez que obrigaria, sem motivo justificável, a que as pessoas coletivas, ao contrário das pessoas singulares, fossem excluídas por mais tempo da participação em procedimentos de contratação pública ou em atividades para as quais a lei remeta os respetivos critérios de idoneidade para o CCP (como é o caso da atividade da Recorrente),
46. A Recorrente é uma sociedade comercial anónima que se dedica, entre outras atividades, à atividade de comunicação social, sendo essencial ao desenvolvimento da atividade da Recorrente a participação em concursos públicos, entre outros, relativos a eventos, publicação de anúncios e subscrição de assinatura digital de publicações periódicas.
47. Como é sabido, entre os documentos de habilitação exigidos para qualquer concurso público, consta a certidão de registo criminal dos concorrentes - cf. artigo 81.°, n.° 1, alínea b), por referência ao artigo 55.°, n.° 1, alínea b). ambos do Código dos Contratos Públicos.
48. Quanto a isto, estipulam no Capítulo IV, e em particular no artigo 55°, n.° 1, alínea b) do Código dos Contratos Públicos as regras de participação em concurso público,
49. Desse modo, o Código dos Contratos Públicos exige que o adjudicatário se encontre habilitado para a adjudicação que pretende, designadamente, através da demonstração, nessa fase, de que não possuiu qualquer impedimento decorrente de qualquer crime que afete a sua honorabilidade profissional, para fins de emprego, exercício de profissão ou atividade cujo exercício dependa de titulo público, de autorização ou homologação da autoridade pública.
50. Assim, o acesso a concursos ou procedimentos públicos por parte da Recorrente, está condicionado à apresentação de um certificado do registo criminal sem quaisquer averbamentos
51. Pelo que, é inquestionável a relevância do cancelamento provisório de decisões judiciais no CRC das sociedades, em particular, em sede procedimentos no âmbito da contratação pública, como, “in casu". pretende a Recorrente
52.  Sendo que uma pessoa coletiva deve demonstrar a sua idoneidade para exercer a atividade contratual para a qual pretende ser contratada, sendo que, para tal, não poderá ter sido alvo de condenação de qualquer um dos crimes previstos na alínea b) do artigo 55° do CCP, e, neste âmbito, dúvidas não existem de que o crime de desobediência p.e.p pelo artigo 348 0 do Código Penal pelo qual a Recorrente foi condenada por sentença transitada em migado põe em causa a retidão da conduta profissional da mesma enquanto empresa consciente e zelosa dos seus deveres profissionais e, consequentemente, afeta inelutavelmente a honorabilidade profissional nos termos e para os efeitos do artigo 55.°, al. b), do CCP, tendo em consideração o tipo objetivo do crime (“o não cumprimento de uma ordem ou mandado legítimos"), impedindo no caso, a celebração do contrato e a própria participação no procedimento concurso
53. Assim, conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.07.2019, Processo n ° 02780/18 8BEBRG: (...) a noção de honorabilidade profissional convoca conceitos e valores de honra, deontologia e reputação, associadas à integridade moral no contexto do exercício da respetiva atividade profissional. Deve, portanto, verificar-se, caso a caso, se o crime afetarem concreto a honra e a reputação do seu agente, consoante a profissão por este desempenhada "
54. Assim, no caso concreto, é indubitável que o tipo de infração penal ora em causa que atenta contra a honorabilidade profissional da aqui Recorrente, impede que a mesma concorra em certos concursos públicos.
55. Face ao exposto afigura-se-nos que o pedido de cancelamento do registo por parte de uma pessoa coletiva que seja arguida e tenha sido condenada no âmbito de um processo penal é possível, e desse modo, o Tribunal a quo não poderia, como fez, ter rejeitado liminarmente o pedido da arguida recorrente devendo ter mandado o processo prosseguir a fim de apurar e decidir a final se o pedido em causa é ou não viável em termos legais,
56. Sendo que a decisão ora recorrida carece de qualquer fundamento jurídico e viola as disposições previstas no artigo 10° e 12° da LIC, bem como 229° do CEPMPL, e ainda, o 55° n°1, alínea b) do CCP,
57. Devendo o recurso interposto proceder na sua totalidade, sendo ordenada a revogação do despacho proferido pelo Tribunal de Execução de Penas e substituído por despacho que admita e determine o cancelamento provisório do referido averbamento no certificado do seu registo criminal.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.
Pois só se assim se fará a costumada Justiça!
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu que:
O cancelamento provisório está regulado na disposição legal base contida no artigo 12.° da Lei n.° 37/2015, de 5 de maio, o qual circunscreve o mecanismo em questão aos casos dos n.°s 5 e 6 do artigo 10.° da mesma Lei;
O legislador faz uma nítida separação entre as pessoas singulares e coletivas, ao regulamentar o conteúdo dos certificados de registo criminal, restringindo-o naqueles que são requeridos pelas primeiras, quando destinados a certos fins (n°s 5 e 6 do art. 10°), enquanto que, para as segundas, seja qual for o fim a que se destina o certificado, este tem de ser sempre integral (n° 7, do art. 10.°);
Consequentemente, não estando expressamente prevista a aplicação do instituto a pessoas coletivas e porque todos os elementos de interpretação do artigo 12.° apontam no sentido de que a sua aplicação é restrita às pessoas singulares, será de concluir que o cancelamento provisório do registo criminal é apenas aplicável a essas pessoas;
A remissão do artigo 229° do CEPMPL para o artigo 12° da LIC não compromete a interpretação deste mesmo artigo 12.°, de acordo com a qual a sua aplicação é restrita às pessoas singulares;
A falta de referência, na decisão recorrida, ao artigo 229° do CEPMPL não afeta, consequentemente, a validade da respetiva fundamentação jurídica;
Pessoas coletivas e pessoas singulares são entidades ontologicamente diferentes, pelo que os pressupostos da respetiva reabilitação são necessariamente diferentes;
Não poderá, por isso, estender-se às primeiras os critérios legais de reabilitação previstos para as segundas;
Nem o legislador terá querido que assim sucedesse, ao ponto de explicitamente ter previsto, quanto aos certificados de registo criminal requeridos por pessoas coletivas que os mesmos “...contivessem todas as decisões dos tribunais portugueses vigentes (n.° 7, do art. 10.°, da Lei 37/2015);
Os preceitos constitucionais invocados pela recorrente não são contrários à solução de restringir a aplicação do instituto do cancelamento provisório às pessoas singulares, dado que esta solução não viola nem o princípio da igualdade nem o princípio “do direito de acesso ao direito”.
Pelo exposto, a decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DO ÂMBITO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma, quando a decisão impugnada é uma sentença;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, em face dos fundamentos do recurso apresentados nas conclusões, a única questão que cumpre apreciar, no presente recurso, é a de saber se existe fundamento legal para o deferimento pelo Juiz de Execução das Penas do pedido de cancelamento provisório no registo criminal, quando o requerente é uma pessoa colectiva.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O despacho recorrido tem o seguinte conteúdo (transcrição):
Conforme resulta do artigo 10°, n° 7, da Lei n° 37/2015, de 05/05:
7 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes.
(…)”
O cancelamento provisório do registo criminal apenas se mostra previsto para as pessoas singulares.
Assim o artigo 12°, da Lei n° 37/2015, de 05/05, refere:
Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17 de setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 10° pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que:
(…)”
O “(...) certificado requerido nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 10.º (...)” é o C.R.C. exclusivamente de pessoas singulares.
Assim, refere o artigo 10°, n° 5 e 6, da Lei n° 37/2015, de 05/05:
“(…)
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
(...)
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial,, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.0 ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.0, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
(…)»
Não se vislumbra, pois, que os C.R.C. requeridos nos termos do n.° 7, do artigo 10.°, da Lei n° 37/2015, de 05/05 possam ser, no âmbito desta Lei, alvo de cancelamento.
Nesse sentido ver Ac. T.R.P. de 22/03/2023, a consulta in www-dgsi.pt, sob o n° de processo 159/22.6TXPRT-A.P1.
Solicitando-se, no âmbito dos presentes autos, o cancelamento provisório das condenações registadas no C.R.C. da sociedade “CM, S.A.”, mais não resta que indeferir, por falta de fundamento legal, o requerido.
Pelo exposto, porque legalmente inadmissível, julgo improcedente o pedido de cancelamento formulado nestes autos pela sociedade “CM, S.A.”.
Custas pela requerente, com taxa de justiça que se fixa em 1 U.C. (Unidade de Conta).
Notifique registe e, oportunamente, arquive.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Nos termos do art. 10º da Lei 37/2015 de 5 de Maio, o certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada.
De acordo com o nº 5 als. a) a c), os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, devem conter as seguintes menções:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
Por seu turno, o nº 6 do citado art. 10º, prevê que os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida, a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contenham todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
E o nº 7 contém regulação própria para as pessoas colectivas, estabelecendo que «os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes».
O citado art. 12º, por seu turno, estabelece que estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 10º, o tribunal de execução das penas pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que verificados cumulativamente, três pressupostos: a extinção das penas impostas, ocorrida em momento anterior (al. a)); que face ao comportamento anterior do requerente, seja razoavelmente, de concluir pela sua reintegração social e ausência de factores de risco de reincidência (al. b)) e, no caso de na ou nas decisões condenatórias registadas terem sido fixadas indemnizações, que estas tenham sido pagas aos lesados a quem competem (al. c)).
Por fim, o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devem constar de certificados de registo criminal pode, de acordo com o disposto no art. 229º da Lei 115/2009 de 12/10, ter lugar para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos.
O nº 4 do citado art. 229º reconhece ao requerente a possibilidade de produzir prova acerca da verificação dos pressupostos do cancelamento provisório, previstos na Lei de Identificação Criminal.
Mas o que não está legalmente previsto em excerto algum é que este regime seja extensível às pessoas colectivas que, como a requerente, pretendam obter também o cancelamento provisório do registo das suas condenações.
E a ausência de previsão legal, nesse sentido não se deve a qualquer deficiência legislativa ou lacuna da lei.
É assim porque, pura e simplesmente, não há qualquer razão jurídica que legitime a extensão do regime inserto nos citados arts. 10º e 12º e 229º às pessoas colectivas.
Tal extensão nem sequer teria o menor correspondente no teor literal das normas jurídicas em consideração, pelo que sempre seria uma interpretação ilegal, por ir além do texto da lei, segundo os princípios gerais em matéria de interpretação normativa consagrados no art. 9º do CC.
Em segundo lugar, porque de acordo com a presunção de que o legislador é sapiente e soube exprimir no texto de forma fidedigna o seu pensamento e consagrou as soluções jurídicas mais justas e adequadas, se fosse sua intenção incluir as pessoas colectivas no acesso à medida de reabilitação por efeito do cancelamento provisório, não teria circunscrito o universo dos certificados de registo criminal em relação aos quais é possível esse cancelamento provisório, àqueles que são requeridos nos termos dos nºs 5 e 6 do art. 10º que claramente pressupõem a condição de pessoa humana, singular, do condenado, teria acrescentando ao referido nº 7 do art. 10º uma disposição semelhante à que está contida no nº 6 e ainda teria feito ressalvas ao pressuposto previsto na al. b) do art. 12º de molde a esclarecer que seria aplicável quando o condenado requerente fosse pessoas singular e, eventualmente, teria aditado um outro de conteúdo semelhante, mas especificamente adaptado às pessoas colectivas.
A verdade é que não só não fez nada disso, como a própria evolução legislativa em matéria de identificação criminal aponta para uma opção clara do legislador, deliberada e expressamente assumida, no sentido de excluir as pessoas colectivas da possibilidade de obterem a sua reabilitação através do cancelamento provisório, nos termos definidos no art. 12º da Lei 37/2015.
Com efeito, durante a vigência da Lei 57/98 de 18.08, com as alterações introduzidas pela Lei 114/2009 de 22.09, o art. 11º continha no seu nº 1 disposições semelhantes à que integram agora o nº 5 do art. 10º da Lei 37/2015 de 5.05. e previa, no nº 3, que «os certificados requeridos por pessoa colectiva ou equiparada para o exercício de certa actividade contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do conteúdo», reproduzida no art. 12º nº 1 quanto a  certificados requeridos para fins não previstos no artigo anterior e depois o art. 16º da mesma Lei 57/98 que regia sobre o cancelamento provisório, estabelecia no seu nº 1 que, «estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos artigos 11.º e 12.º, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 11.º, pode o tribunal de execução das penas determinar, decorridos dois anos sobre a extinção da pena principal ou da medida de segurança, o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar».
Ou seja, enquanto a Lei 57/98 de 18 de Agosto esteve em vigor, após as alterações introduzidas pela Lei 114/2009, de 22 de Setembro, na medida em que o legislador não excluía as pessoas coletivas do âmbito subjectivo de aplicação do artigo 16º nº 1, antes se referia expressamente às situações excepcionais dos nº 2 e 3 do artigo 11º e ao art. 12º, impõe-se concluir que o instituto do cancelamento provisório era aplicável às pessoas coletivas.
Acontece que esse regime mudou e foi revogado pela Lei 37/2015 de 5 de Maio, actualmente em vigor.
Ora, a reabilitação prevista no art. 12º da Lei 37/2015, só será judicialmente decretada depois de uma indagação prévia e detalhada sobre as condições de vida do condenado, o seu grau de inserção no mercado de trabalho, a estabilidade familiar de que desfrute, a sua rede de contactos sociais, as suas características de personalidade, conhecidas e/ou reveladas nos factos integradores do crime, a própria natureza do e o contexto em que este tenha sido cometido, o tempo decorrido entre a sua prática e o pedido de reabilitação judicial, os seus hábitos de vida quotidiana e demais circunstâncias concretas que consintam a conclusão de que se encontra socialmente integrado e que detém as competências pessoais, a vontade e a sensibilidade necessárias a adequar o seu comportamento de forma consistente e duradoura com as regras ético jurídicas que regem o convívio social em liberdade, tendo em atenção, designadamente, o requisito cumulativamente exigido na al. b) do mesmo art. 12º, o qual envolve necessariamente juízos de prognose sobre comportamentos que são exclusivos da personalidade humana e incompatíveis com a natureza específica das pessoas colectivas.
A reabilitação opera a cessação do estado de perigosidade e a indignidade do ex-condenado e através dela deixam de se justificar quaisquer considerações de necessidade de defesa social.
E a reabilitação é um direito, um verdadeiro direito subjectivo do condenado já ressocializado, susceptível de ser feito valer em juízo (Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 214 e 223, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655).
No que se refere especificamente ao cancelamento do registo criminal, o mesmo pode consistir na eliminação total ou parcial das inscrições contidas nos certificados de registo criminal ou, pelo menos, na sua não comunicação às entidades que, de acordo com a lei, podem normalmente obter essas inscrições, por exemplo, vedando o acesso ao certificado registo criminal para fins não judiciais.
Acresce que o registo criminal para os fins administrativos de natureza privada ligados ao exercício de determinadas profissões ou de acesso a determinados cargos ou estatutos, deve afastar-se de uma concepção retributiva da pena ou de compensação pela culpa e dar primazia a razões de prevenção especial negativa, em sintonia com uma ideia de «defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3.ª reimpressão, p. 647), pelo menos, que assegure um certo equilíbrio entre as necessidades de protecção comunitária contra a proliferação da criminalidade e o valor da ressocialização dos condenados, em sintonia com os fins das penas, tal como os mesmos são configurados pelo Direito Penal (Almeida Costa, O Registo Criminal, História. Direito comparado. Análise politico-criminal do instituto, Coimbra, 1985, (nota 14), p. 193).
O registo de condenações no certificado de registo criminal é sempre, necessariamente, temporário.
Pelo decurso do tempo, associado à inexistência de notícia da prática de novos crimes durante os períodos fixados no art. 11º da Lei 37/2015, que dá lugar ao cancelamento definitivo ope legis, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e a pessoas colectivas, logo, mais tarde ou mais cedo, haverá sempre uma data a partir da qual todas e quaisquer condenações penais sofridas por cidadãos, empresas, sociedades comerciais, associações e outras pessoas jurídicas deixam de poder ser conhecidas por todos quantos pudessem ter interesse em obter tais informações ou legitimidade para lhes aceder e deixam de poder ser valoradas, seja para que efeito for.
E isso é o que está de acordo, quer com a proibição constitucional de sanções penais perpétuas ou de duração indefinida ou ilimitada, quer com a proibição constitucional da perda de direitos civis, políticos, económicos e sociais como efeito automático seja de que pena for, estabelecidas no art. 30º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, respectivamente e, ainda, com a manutenção da titularidade dos direitos fundamentais, pelas pessoas a quem tenham sido aplicadas penas ou medidas de segurança, exceptuadas apenas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução, como previsto no citado art. 30º nº 5.
De resto, porque «o princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas (bem como das medidas de segurança) privativas ou restritivas da liberdade (nº 1) é expressão do direito à liberdade (art. 27º) da ideia de proibição de penas cruéis, degradantes ou desumanas (art. 25º-2) e, finalmente, da ideia de protecção da segurança ínsita no princípio do Estado de Direito», consagrado no art. 2º, todos da CRP (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra editora, 4º edição portuguesa revista, volume I, p. 502).
Por conseguinte, mal se compreenderia que a pena fosse temporária, de duração limitada e definida e o respectivo registo criminal fosse perpétuo, para mais, produzindo efeitos restritivos ou mesmo totalmente inibidores do exercício de vários direitos, liberdades e garantias, para além dos limites da condenação judicial e das exigências da execução das penas, portanto, em flagrante violação do preceituado no art. 30º nº 5 da CRP. 
Porém, por efeito de um pedido de declaração de reabilitação do condenado, nos termos do art. 12º da mesma Lei 37/2015, a reabilitação não é extensível às pessoas colectivas, do mesmo modo que também não se lhes aplica a possibilidade de revogação do cancelamento provisório nas condições previstas no art. 233º da Lei 115/2009 de 12.10, pela simples razão de que às pessoas colectivas, pela sua própria natureza jurídica, não são aplicáveis, nem os pressupostos da reincidência, nem os da pena relativamente indeterminada que são sanções penais que só às pessoas singulares podem ser aplicadas. «Esta situação configuraria um inaceitável “privilégio” relativamente às pessoas singulares, porque o cancelamento provisório relativo às pessoas coletivas para estas equivaleria sempre a um cancelamento definitivo, insuscetível de revogação (Ac. da Relação do Porto de 22.03.2023, proc. 159/22.6TXPRT-A.P1, in http://www.dgsi.pt).
Em contrapartida, a possibilidade de reabilitação da pessoa coletiva, no que se refere a alguma das penas em que tenha sido condenada, prevista nos artigos 90º-J nº 3 e 90º-L nº 3 do Código Penal, é específica e exclusiva das pessoas colectivas. Não tem, nem pode ter aplicação quando a responsabilidade penal seja de pessoas singulares.
Estas semelhanças e diferenças de regimes jurídicos, consoante os concretos aspectos da identificação criminal a ponderar e conforme os condenados sejam pessoas singulares ou colectivas, só pode significar a opção clara do legislador no sentido de, por um lado, incluir as pessoas colectivas no universo de pessoas sujeitas ao regime jurídico da identificação criminal, de resto, como não poderia deixar de ser, em sintonia com as regras de responsabilização criminal das pesssoas colectivas contidas nos arts. 11º e 90º A a 90º M do CP, introduzidas pela revisão ao CP da Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, mas regular a identificação criminal das pessoas colectivas com as devidas adaptações ajustadas à sua diferente natureza ontológica e jurídica, por comparação com as pessoas singulares, quer sobretudo, ao específico paradigma de responsabilidade penal das pessoas colectivas, com uma escala de bens jurídicos muito próprios, característicos das actividades por estas levadas a cabo e com um sistema punitivo inspirado por finalidades diversas das prosseguidas em sede de responsabilidade criminal de pessoas singulares, precisamente, em função dessas especificidades.
E por isso é que previu tratamento igual para pessoas singulares e para pessoas colectivas no que concerne ao cancelamento definitivo do registo criminal mas já não o fez em matérias como a da não transcrição das condenações e do cancelamento provisório do registo criminal.
Assim, os elementos literal e histórico de interpretação do artigo 12º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio apontam claramente no sentido de que o instituto cancelamento provisório do registo criminal não é aplicável às pessoas coletivas do instituto, o mesmo tendo de dizer-se acerca do conceito de «readaptação» como requisito desse cancelamento previsto na al. b) porque pressupõe a formulação de um juízo cujo ponto de partida são comportamentos e factos incindivelmente ligados à condição humana e insusceptíveis de transposição para pessoas colectivas.
Não se duvida, tal como refere a recorrente que o cancelamento provisório do registo criminal teria inquestionável relevância para as sociedades, em particular em sede de procedimento para contratação pública (veja-se o artigo 55.º, n.º 1, h), do Código dos Contratos Públicos.
Também é certo que o art. 55º A nº 2 do mesmo Código estipula que o candidato ou concorrente que tenha sido criminalmente condenado pode demonstrar que medidas (nomeadamente as aí especificadas) por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afetação dos interesses que justificam o impedimento resultante da condenação.
Só que esta forma de readaptação, sendo diferente da que é própria das pessoas singulares, não pode ser equiparada à reabilitação prevista no art. 12º da Lei 37/2015, nem com esta confundida.
E a verdade é que este artigo 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio sobrepõe-se ao artigo 229.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, por lhe ser posterior e porque é ele que define os requisitos substantivos do cancelamento provisório do registo.
«Poderia dizer-se que à letra da lei deve sobrepor-se o seu espírito, a sua ratio, que o legislador não disse tudo o que queria e, por isso, se impõe uma interpretação extensiva desse artigo 12.º. No entanto, se atendermos à história do preceito, não poderemos concluir que tenha sido outra a intenção do legislador histórico. A um regime anterior que não excluía as pessoas coletivas do cancelamento provisório do registo sucedeu-se outro que, numa interpretação literal das normas em questão, as exclui. Parece claro que se fosse outra a intenção do legislador histórico, ela teria definido de outra forma os requisitos do cancelamento provisório e não teria limitado a remissão do aludido artigo 12.º apenas para preceitos relativos a certificados de pessoas singulares, excluindo o preceito que é relativo a certificados de pessoas coletivas.» (Ac. da Relação do Porto de 22.20.2022, proc. 275/22.4TXPRT-A.P1, in http://www.dgsi.pt).
E, diversamente do que a recorrente pretende, não fica minimamente vulnerado o princípio da igualdade.
O art. 13º da CRP está sistematicamente integrado no título dedicado aos princípios gerais em matéria de exercício de direitos fundamentais e assenta na dignidade social prevista no seu nº1 como um atributo natural e universal dos cidadãos portugueses em directa consequência do valor axiológico fundamental da dignidade da pessoa humana em que se alicerça toda a concepção constitucional portuguesa do Estado de direito democrático.
O princípio da igualdade assume uma vertente negativa, que proíbe  quaisquer  privilégios  e  discriminações,  e  uma  vertente  positiva,  que  abrange  cinco  dimensões:  o  tratamento  igual  de  situações iguais,  o  tratamento  desigual  de  situações  substancial e objetivamente desiguais, o tratamento das situações  relativamente  iguais  ou  desiguais  de  acordo com o princípio  da  proporcionalidade,  o  tratamento  das  situações não apenas como existem mas como devem existir e, finalmente, a consideração do princípio da igualdade não por si só, isoladamente, mas na sua relação com os valores e padrões materiais da Constituição (Maria Lúcia Amaral, «O princípio da igualdade na Constituição portuguesa», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, págs. 35-57; Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Artigo 13.º”, Constituição Portuguesa Anotada – Volume I, 2ª edição, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2017, pp. 167-171; J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada…, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 339-342).Acórdão do Tribunal Constitucional nºs 44/84, 157/88, 186/90, 370/94, 232/2003, 437/06, 353/2012, 594/2012, 187/2013 e 195/2017, in http://tribunalconstitucional.pt).
A estas dimensões acresce a proibição de arbítrio que não é propriamente um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, mas antes um seu limite exterior que expressa e limita a competência de controlo judicial. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade, deixando alguma margem de liberdade à acção modeladora do legislador ordinário quanto à definição e qualificação das situações de facto e das relações jurídicas que merecem tratamentos iguais e as que merecem tratamentos desiguais.
Foi precisamente, no uso desse liberdade de conformação reconhecida pela CRP ao legislador ordinário que a Lei 37/2015 não prevê, nem autoriza o cancelamento provisório do registo criminal, até porque as razões que subjazem à reabilitação, resultante do cancelamento provisório, que é excepcional, não têm a mesma premência nem razão de ser estando em causa pessoas colectivas, em relação às quais «as medidas sancionatórias visam, também, numa perspetiva de prevenção geral dos comportamentos ilícitos, impedir a ocorrência de certas condutas com reflexos negativos na organização social. Pois bem: essas condutas, em última análise, são sempre imputáveis à atuação de certas pessoas singulares, sendo certo que, em regra, as sanções aplicadas à pessoa coletiva se refletem de forma já muito atenuada sobre aquelas pessoas singulares». Acórdão do TC nºs 569/98. No mesmo sentido, Ac. do TC nº 772/2017, in http://tribunalconstitucional.pt).
Assim sendo, bem se compreende que, para se poder atingir o referido objetivo de prevenção geral, evitando-se a diluição de responsabilidade individual que sempre resulta da personalidade colectiva, haja particularidades no regime de identificação criminal que se traduzam em não conceder às pessoas colectivas o benefício excepcional do cancelamento provisório.
É que «geralmente o grande público desconhece quem são os administradores das grandes sociedades com que entra em relação», em termos de prevenção, «o efeito da condenação penal dos administradores e representantes da sociedade não tem o impacto, o efeito preventivo, nomeadamente o resultado da publicação da condenação, que pode ter a própria condenação da sociedade» (cfr. Germano Marques da Silva, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Lisboa, Verbo, 2009, p. 119, e ainda pp. 125-126).
«Se se considera, e a criminologia parece demonstrá-lo, que as empresas e as organizações são, na sociedade actual, os principais agentes de riscos para alguns bens jurídicos, também se pode admitir que as sanções que lhes sejam aplicáveis pela perpetração de crimes sejam mais severas do que as correspondentes aplicáveis às pessoas singulares, se essa maior severidade for justificada pela realização dos fins próprios do direito penal e das sanções penais, mas, de qualquer modo, a quantidade da pena é uma outra questão de política criminal que nada tem que ver com a admissibilidade ou não da responsabilidade penal dos entes colectivos. Não vale aqui o argumento da igualdade, porque a igualdade há-de estabelecer-se entre iguais e é manifesto que não são iguais as pessoas físicas e as pessoas colectivas.” (…) A actividade social das sociedades assenta em grande parte na confiança das pessoas que com elas entram em relação (…); essa credibilidade passa pelo seu prestígio, pela confiança que geram perante terceiros nas suas boas práticas, de que actuam de acordo com a lei. A notícia da condenação por comportamentos contrários ao Direito, sobretudo quando se trata de comportamentos criminalmente censuráveis, afecta a credibilidade das suas práticas sociais, cria suspeitas quanto à correcção de comportamentos e por isso que a condenação criminal tenha relativamente a estas pessoas um efeito em tudo semelhante, na perspectiva da prevenção da criminalidade, ao que exerce sobre as pessoas físicas, porventura ainda maior, sobretudo no mundo dos negócios em que a confiança na correcção do parceiro é de importância decisiva.» Germano Marques da Silva, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Lisboa, Verbo, 2009, pp. 156, 158).
«Assim, a própria efetivação da responsabilidade criminal das pessoas coletivas parte de um paradigma distinto da responsabilidade penal individual, prosseguindo fins próprios, correspondentes, grosso modo, à tutela de bens jurídicos afetados pela atividade de tais entidades. Deste modo, afigura-se coerente que o legislador atribua primazia a tais fins privilegiando a publicidade do registo criminal, no caso das pessoas coletivas, e as finalidades preventivas da pena, no caso das pessoas singulares» (Ac. do TC nº 410/2022, in http://tribunalconstitucional.pt).
Trata-se, tão-só de tratar de modo desigual, o que não é igual, na medida da desigualdade. 
E nem vale a pena invocar a equiparação prevista no art. 12º nº 2 da CRP, porque, além de em face da natureza necessariamente temporária do registo das condenações no certificado de registo criminal, por estarem em causa direitos eminentemente pessoais, não faz qualquer sentido aplicá-los globalmente a pessoas colectivas, salvo quanto a alguns aspectos, designadamente a capacidade civil, a cidadania, e o bom nome e reputação. «Todavia, mesmo aí, a intensidade da protecção desses direitos das pessoas colectivas não é a mesma que a das pessoas físicas ou humanas» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º Edição, Volume I p. 474).   
O instituto do cancelamento provisório do registo criminal não é, pois, aplicável a pessoas coletivas.
E o recurso improcede.
III – DECISÃO
Termos em que julgam o recurso não provido e, em consequência, confirmam o despacho recorrido nos seus precisos termos.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc´s – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Veneranda Juíza Adjunta.
                                                          
Tribunal da Relação de Lisboa, 20 de Dezembro de 2023
Cristina Almeida e Sousa
Maria da Conceição Miranda
Rui Miguel Teixeira