Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS | ||
Descritores: | ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS DELIBERAÇÕES ACÇÃO DE ANULAÇÃO AUSÊNCIA DE CONDÓMINO CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Como resulta claramente do disposto no art.º 1433 nº4 do CC – que dispõe que o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação – o direito que um condómino tem de pedir a anulação de uma deliberação da Assembleia não está legalmente condicionado a um pedido prévio de realização de Assembleia extraordinária, podendo o condómino propor diretamente a ação de anulação de tal deliberação. II. Ainda que o Autor tenha recebido o e-mail de convocação para a Assembleia de Condóminos, o mesmo não tem de se conformar com essa forma de convocação, a não ser que, conforme prevê o atual nº 2 do art.º 1432 do CC, tenha previamente manifestado, e ficado lavrado em ata de anterior Assembleia de condóminos, a vontade de ser convocado por essa via. III. E consequentemente também não fica vinculado a comparecer na Assembleia de condóminos para a qual foi convocado por modo que não observa os requisitos legais nem com a antecedência que a lei impõe. IV. A respetiva ausência não pode sequer ser entendida como forma de viabilizar a impugnação das deliberações aprovadas, uma vez que o autor também as poderia impugnar caso comparecesse e votasse contra as deliberações. (Sumário da exclusiva responsabilidade da Relatora). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: A, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, n.º …., …, Queluz-Belas, veio intentar a presente ação declarativa contra Condomínio do Prédio sito na Rua …, nº …, …, Queluz-Belas, contribuinte fiscal n.º …, representado pelos seus administradores B e C, pedindo, em substância, que sejam anuladas todas as deliberações tomadas na reunião da Assembleia de Condóminos realizada no dia 16 de Outubro de 2021, e, subsidiariamente, que seja anulada a deliberação referida na alínea b) do artigo 3.º da petição inicial. Alegou para o efeito, em síntese, que é dono e legítimo possuidor das frações autónomas designadas pelas letras C”, “D” e “F” do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua…, n.º ….., …, Queluz-Belas, tendo, no dia 7 de Outubro de 2021, sido convocado, via e-mail, para uma Assembleia de Condóminos a realizar no dia 16 de Outubro de 2021, tendo como ponto único da ordem de trabalhos a “Discussão e Aprovação dos Estatutos e Regulamento do Condomínio”. Em anexo ao e-mail de convocatória, foi-lhe remetido um ficheiro informático (em formato MSWord) com o Regulamento de Condomínio a ser submetido à referida Assembleia de Condóminos, mas tal ficheiro encontrava-se corrompido, impossibilitando o Autor de tomar conhecimento do seu conteúdo. Aduziu ainda que a Assembleia de Condóminos se realizou na data aprazada, não tendo o Autor estado presente na mesma, tendo aí sido tomadas, por unanimidade, as seguintes deliberações: a) Aprovação dos Estatutos e Regulamento do Condomínio; b) Aprovação da necessidade de recorrer a apoio judiciário para intervir em ação judicial, conforme exarado na respetiva ata – ata n.º 19, que o Autor recebeu por correio registado em 17 de Novembro de 2021. Sucede que, ademais de não ter sido convocada com antecedência e pelo meio legalmente imposto, a Assembleia de Condóminos deliberou sobre assuntos que não constavam da ordem de trabalhos, vícios que conduzem à anulabilidade das deliberações ou, pelo menos, da deliberação referente a assunto que não constava da ordem de trabalhos. * Regularmente citado, o Réu deduziu contestação, pugnando pela improcedência da ação, sustentando, para o efeito, em suma, que o recurso do Autor a Tribunal sem dar prévio conhecimento à Assembleia de Condóminos da sua discordância relativamente às deliberações tomadas e sem ter previamente exigido a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das aludidas deliberações, nos prazos de que dispunha para o efeito, é revelador de má fé. Acresce que entre a data em que o Autor confessou ter recebido o e-mail com a convocatória para a Assembleia de Condóminos e a sua realização mediaram os 10 dias legalmente impostos, não tendo o Autor comparecido à reunião apenas para poder impugnar as decisões aí tomadas. Por outro lado, o Autor não comunicou ao Réu que o anexo remetido com o e-mail de convocatória estivesse corrompido, como era sua obrigação se tal tivesse efetivamente ocorrido. Acresce que a matéria sobre a qual a Assembleia de Condóminos deliberou sem que constasse da ordem de trabalhos visava apenas autorizar o Réu a requerer proteção jurídica para contestar ação instaurada pelo Autor, uma vez que a notificação recebida pela Segurança Social teria que ser cumprida no prazo de 10 dias, o que era incompatível com a convocação de uma Assembleia de Condóminos para o efeito, sendo que tal deliberação se destinou apenas a evitar uma despesa para os condóminos, incluindo o Autor. Aduziu ainda que o Autor foi administrador do condomínio durante 16 anos e nunca procedeu à convocação e realização de assembleias de condóminos, assim como nunca prestou contas, e que ao intentar a presente ação actua em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, e litiga de má fé, visando prosseguir um objetivo ilegal (não pagamento das quotas do condomínio) e protelar sem fundamento sério o pagamento da dívida que tem para com o condomínio. * Notificado para o efeito, veio o Autor responder à exceção de abuso de direito e ao incidente de litigância de má fé suscitados pelo Réu, pugnando pela sua improcedência. * Em 07.11.2022 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Analisados os articulados, bem como os documentos juntos, e sem prejuízo da audição das partes a este propósito, antevê-se ser possível proferir decisão quanto ao mérito da causa no saneador, nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil. Ora, no uso do poder de simplificação e agilização processual e adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil), considera-se, neste circunstancialismo, ser de dispensar a realização da audiência prévia, que se destinaria apenas ao fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), 2ª parte, do Código de Processo Civil, proferindo-se a decisão por escrito, sem realização dessa diligência. Ponderando, no entanto, a necessidade de observância do princípio do contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), notifique-se as partes para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade do Tribunal dispensar a realização da audiência prévia, sendo que, caso concordem com tal dispensa, ser-lhe-ás oportunamente concedida a possibilidade alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência prévia se esta tivesse lugar. * Por se afigurar essencial para a célere, eficiente e adequada tramitação dos autos, assegurando a sua célere consulta, designadamente em contexto de diligências, ao abrigo do disposto no artigo 28.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, com as alterações e rectificações introduzidas pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de Maio e pela Declaração de Rectificação n.º 16/2017, de 6 de Junho, determino que seja organizado processo físico contendo os articulados e respectivos documentos, requerimentos probatórios e de dedução de incidentes, relatórios periciais, despachos, sentenças e actas de diligências * Oportunamente conclua com a apresentação do suporte físico dos autos.” * Por requerimento de 08.11.2022 o Réu veio dizer que: “CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …, BELAS, réu, melhor identificado nos autos do processo supra referenciado, no seguimento do despacho com data de 7 de novembro de 2022, vem dizer que nada tem a opor sobre a possibilidade de o Tribunal dispensar a realização da audiência prévia.” Por requerimento de 09.11.2022, o Autor veio dizer que: “A. nos autos supra identificados, notificado para tanto, vem dizer que não se opõe a que o Tribunal dispense a realização de audiência prévia, seguindo-se os termos indicados no Douto despacho a que se responde. “ * Em 23.01.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Atenta a concordância das partes quanto à dispensa da realização da audiência prévia e por se antever como possível decidir do mérito da causa no saneador, concede-se ao Autor e ao Réu o prazo de 15 dias para, querendo, apresentarem alegações escritas. O prazo do Autor começará a contar com a notificação do presente despacho e o prazo do Réu com a notificação das alegações da parte contrária (a efectuar directamente entre os ilustres mandatários – cfr. artigos 221.º e 255.º do Código de Processo Civil), ou, caso o Autor não apresente alegações, findo o prazo que corria em benefício deste. Notifique. “ * Em 13.02.2023 quer o Autor quer o Réu apresentaram alegações. * Em 13.02.2023 foi exarado despacho com o seguinte teor: “Da dispensa da audiência prévia Considerando que a audiência prévia se destinaria apenas ao fim previsto no artigo 591º, n.º 1, alínea b), 2ª parte, do Código de Processo Civil, observado que foi previamente o princípio do contraditório, tendo as partes anuído à dispensa da sua realização e alegado por escrito o que iriam sustentar oralmente nessa diligência, caso a mesma tivesse lugar, ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio da adequação formal, previstos nos artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil, respectivamente, passa-se de imediato a conhecer do mérito da causa, dispensando-se a realização da audiência prévia.” * E logo de seguida foi proferido saneador sentença, com conhecimento do mérito da causa, e o seguinte dispositivo: “VII. Decisão Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, decide-se: 1. Anular as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos do prédio sito na Rua …, n.º …, … de 16 de Outubro de 2021; 2. Julgar não verificados os pressupostos de condenação do Autor como litigante de má-fé. Custas a cargo do Réu. Valor da causa: Fixa-se o valor da causa em € 30.000,01, nos termos do disposto nos artigos 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil. Registe e notifique.” * Inconformado, veio o Réu intentar recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES 1. O presente recurso visa colocar em crise e anular a sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Sintra, Juiz 4, que julgou procedente, a ação intentada pelo autor/apelado contra o réu/apelante, onde requereu que fossem anuladas todas as deliberações tomadas na reunião da Assembleia de Condóminos realizada no dia 16 de outubro de 2021. 2. A sentença contém contradições incompreensíveis por falta de justificação e de fundamentação. 3. Nomeadamente, a sentença recorrida fundamenta a decisão de anular as deliberações tomadas por unanimidade de todos os condóminos presentes nessa assembleia, alicerçada, sobretudo, pelo facto de o autor ter sido convocado para essa Assembleia de Condóminos por e-mail. 4. Considera a sentença recorrida ter como seguro (sem justificar essa segurança) que o e-mail não oferece as mesmas ou maiores garantias que a carta registada ou o aviso convocatório com recibo de receção, no penúltimo parágrafo da página 9. 5. Pese embora a sentença tenha, no início desse mesmo parágrafo, subscrito o entendimento que em face da nova redação do artigo 1432º, resultante do DL 26/94, de 25 de outubro, deverá dizer-se que, em alternativa à carta registada e ao aviso convocatório, será admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas ou maiores garantias, invocando, inclusive, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2023 proferido no processo 2164/16.2T8PTM.E1.S1 que defende ser admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas garantias. 6. Mas depois, a sentença decide em sentido contrário, sem justificar as razões que a levaram a decidir que o e-mail não oferece as mesmas ou maiores garantias que a carta registada ou o aviso convocatório com recibo de receção. 7. Como refere a sentença recorrida, houve dispensa da audiência prévia, não tendo sido efetuada qualquer prova dos factos invocados por qualquer uma das partes nos seus articulados. 8. Atendendo à posição do Tribunal a quo que no despacho proferido em 7 de novembro de 2022, considerou ser possível proferir decisão quanto ao mérito da causa, no saneador, o réu convenceu-se que a questão da convocatória por email oferecia as mesmas garantias que a carta registada e o aviso convocatório com recibo de receção, atendendo à confissão do autor de ter recebido esse e-mail. 9. Quanto a esta questão, a sentença recorrida desconsiderou e desvalorizou, totalmente; não só a contestação do réu, como a petição inicial do autor. 10. O autor confessa no artigo 4º da petição que no dia 7 de outubro de 2021 recebeu um email com a convocatória para a assembleia de condóminos a realizar no dia 16 de outubro de 2021. 11. O artigo 4º da petição inicial do autor deveria ter sido julgado pela sentença recorrida, como uma a confissão do autor em como o e-mail recebido tinha oferecido as mesmas garantias que carta registada e o aviso convocatório, tal como defendido pelo STJ no acórdão suprarreferido e que a sentença recorrida até subscreve. 12. Pois, a confessada receção desse e-mail é plenamente demonstrativo que essas garantias foram por ele assegurado, especialmente quando o autor até teve o cuidado de juntar documento comprovativo dessa receção que o réu não impugnou. 13. O réu, não só, não impugnou esse documento como referiu que esse artigo 4º da petição inicial constituía uma perfeita confissão do autor. 14. A sentença não só desvalorizou a confissão do réu, como, neste aspeto, constitui uma verdadeira sentença surpresa, atendendo à decisão do Tribunal a quo de dispensar a realização da audiência prévia, por considerar estar em condições de proferir decisão de mérito sobre o litígio, sem que tenha comunicado às partes, nomeadamente ao réu, a questão posteriormente suscitada, oficiosamente, na sentença. 15. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se poderia ter pronunciado (vg. acórdão proferido pelo STJ em 13 de outubro de 2020, no processo 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1; acórdão deste Tribunal da Relação proferida em 10 de setembro de 2020, no processo 12841/19.0T8LSB.L2-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). 16. Invocou um acórdão do STJ subscrito pela própria sentença, mas, sem justificação e fundamentação, decidiu afastar por considerar que o e-mail não apresenta as mesmas garantias que uma carta registada a carta registada e o aviso convocatório com recibo de receção, sem que fundamentasse em que medida e em concreto é que esse e-mail não ofereceu essas garantias quando o autor confessou a sua receção na petição inicial, o que constitui uma nulidade nos termos previstos no artigo 615º, nº 1 b) do CPC. 17. Em concreto, corre a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo apelante (vg. acórdão proferido pelo STJ em 9 de fevereiro de 2017, no processo 2913/14.3TTLSB.L1.S1; acórdão deste Tribunal da Relação proferida em 10 de setembro de 2020, no processo 12841/19.0T8LSB.L2-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). 18. O objetivo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando, para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si. E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos. 19. Deste modo, o princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronúncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical). 20. O nº 3, do referido artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”. 21. Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório – que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional. 22. A referida conceção ampla do princípio do contraditório traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (conforme defendido no Código de Processo Civil (anotado) de José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (1999)., vol. I, Coimbra Editora, página 8 e. “Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil”, de José Lebre de Freitas na Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, pp. 35 a 38.). 23. A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, como aquela a que o réu acabou por ser confrontado, constitui nulidade processual, prevista no nº 1, do artigo 195º do CPC. 24. Sustenta ainda a sentença recorrida que a convocatória para a assembleia de condóminos não foi feita com a antecedência de 10 dias legalmente imposta, considerando que, tendo o e-mail de convocação sido enviado em 7 de outubro de 2021, o dia 16 de outubro de 2021 corresponde ao 9º dia posterior ao envio. 25. Sobre essa questão o réu teve oportunidade de, nas alegações apresentadas a pedido do Tribunal, se pronunciar nos seguintes termos: “Conforme alegado na contestação o autor é useiro e vezeiro em recorrer ao Tribunal para instaurar ações cuja falta de fundamento o mesmo não pode desconhecer. Correram e continuam a correr neste Tribunal Judicial da Comarca de Sintra as seguintes ações: f) Processo 4566/21.3T9SNT que correu termos na 1ª Secção do DIAP de Sintra onde o autor deduziu queixa crime contra os administradores do réu, por difamação. O ministério Público não acompanhou a acusação particular. Requerida a abertura da instrução foram os administradores não pronunciados, pela prática do crime de difamação. Este processo já transitou em julgado. g) Processo 88001/19.5YIPRT que correu termos no Juiz 1, do Juízo Local Cível de Sintra onde o autor instaurou ação de condenação contra o réu pelo pagamento de prestação de serviços que nunca lhe prestou. Por sentença há muito transitada em julgado o réu foi absolvido desse pedido e o autor condenado em custas. h) Processo 8695/21.5T8SNT que corre termos neste mesmo Juiz 4 onde o autor também requer a anulação de uma outra ata (18) legalmente aprovada por todos os outros condóminos. i) Processo 11840/22.0T8SNT que corre termos no Juiz 1, deste Juízo Local Cível onde o autor requer a anulação da ata nº 20. j) Processo 12745/21.7T8SNT e respetivos apensos A, B e C, que correm termos no Juiz 1 do Juízo de Execução de Sintra, requerido pelo réu para que possa receber as quotas do condomínio que o autor se termos recusado a pagar e onde este deduziu oposição à execução e à penhora. São processos a mais e todos com um objetivo; não pagar as quotas e outras despesas do condomínio que o autor continua, teimosa e insistentemente, a recusar-se pagar, voluntariamente. O artigo 1432º, nº 7 do Código Civil - na redação em vigor à data em que a presente ação foi instaurada e atual nº 10 desse mesmo artigo - estabelece que os condóminos têm 90 dias após a receção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância. A presente ação foi instaurada no dia 15 de dezembro de 2021, ou seja, menos de 30 dias após o recebimento da ata nº 19 que o autor requer seja anulada, quando tinha ainda muito tempo para cumprir com o estipulado nesse anterior ponto nº 7 do artigo 1432º (atual nº 10) para discordar das deliberações aprovadas em 16 de outubro de 2021. Se o autor estivesse de boa fé, deveria ter comunicado, no prazo dos 90 dias previsto na lei, à assembleia de condóminos a sua discordância. Nem tão pouco o autor se dignou a cumprir o estipulado no nº 2 do artigo 1433º do Código Civil, pis no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes. O autor tinha 10 dias - após o recebimento da ata que confessa ter recebido no dia 17 de novembro no artigo 10º da sua petição - para exigir a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações que considera inválidas. Por outro lado, o autor decidiu não comparecer a essa assembleia – como decide não comparecer a nenhuma delas - com o pérfido objetivo de poder impugnar qualquer decisão que nessas assembleias seja aprovada, porque se recusa a pagar as quotas a que está obrigado. O autor não aparece em nenhuma das Assembleias de condóminos, nem comunica à assembleia os motivos do seu absentismo. O autor escolheu, de moto próprio, obstaculizar qualquer decisão aprovada nessas assembleias. A comparência do réu nas assembleias de condóminos seria um motivo pessoal bastante forte para que delas não se pudesse ausentar, reiteradamente. Nomeadamente, para que nas atas dessas assembleias ficasse exarada a posição do autor sobre as deliberações tomadas e aprovadas. Coisa que o autor nem sequer nesta ação invoca, limitando-se a invocar disposições legais que nem sequer lhe conferem o direito a requerer a anulação das deliberações. A falta de um anexo na convocatória para a Assembleia realizada no dia 16 de outubro de 2021 não permite que o autor venha intempestivamente invocar essa falha porque era sua obrigação comunicar ao réu essa inexistência, requerendo-lhe que também que lhe fosse reenviado esse anexo, putativamente, em falta. Coisa que o autor nunca fez. Alega o autor que a assembleia deliberou sobre matérias que não constavam na ordem de trabalhos. Porém, nessa assembleia e enquanto matéria que não constava na ordem de trabalhos, apenas foi aprovado que o condomínio pudesse requerer proteção jurídica para contestar a ação que o autor também instaurou contra o réu, no processo 8695/21.5T8SNT, deste Juiz. Essa deliberação só foi posta à discussão da assembleia porque a notificação recebida pela Segurança Social teria se ser cumprida no prazo, muito curto, de 10 dias. Uma assembleia de condomínios convocada para esse efeito, nos termos e com as formalidades que o autor requer seria sempre inócua e inconsequente, tendo em conta o cumprimento do prazo estabelecido pela lei e pela Segurança Social. Ademais, essa deliberação visou, tão somente, que o condomínio ficasse isento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, da qual até o autor iria beneficiar enquanto condómino integrante do condomínio do prédio. O comportamento do autor só encontra justificação por ter sido foi administrador do réu desde 2002 até 2018. E, durante esses longos 16 anos em que foi administrador, o autor nunca procedeu à convocação e realização de assembleias de condóminos. Durante os longos anos da sua administração o autor nunca apresentou quaisquer contas aos outros condóminos. Conclui-se assim que o autor não cumpre as disposições legais que lhe dariam o direito de requerer a anulação da ata nº 19, devendo o seu pedido ser julgado totalmente improcedente. Como também se conclui que o autor faz da litigância um modo de vida apenas com o vil propósito de se eximir ao pagamento de quotas e de outras despesas do réu e que os restantes condóminos têm assumido e pago, tempestivamente.” 26. A sentença recorrida desconsiderou totalmente estas alegações, como desvalorizou totalmente os factos invocados pelo réu na contestação, nomeadamente os pontos 3 a 16 e 20 a 46. 27. Aa sentença recorrida fez incorreta apreciação do comportamento do autor, quanto ao abuso do direito invocado pelo réu tanto na contestação, como nas alegações apresentadas, a convite do Tribunal a quo. 28. O autor, ancorando a sua pretensão em questões formais - vacuidade da convocatória - e substanciais sem fundamento ético - [deliberação que o coage], patenteia um claro abuso do direito, previsto no artigo 334º do Código Civil. 29. Tal abuso de direito, expresso numa pretensão exercida em manifesta desconformidade com os bons costumes e com o fim social do direito conferido aos condóminos, obliterando o facto essencial que os direitos dos condóminos devem, como quaisquer outros direitos, ser exercidos com respeito pelos legítimos interesses de quem não deve ver a sua situação jurídica afetada por condutas persistentes e ilegais potenciadoras de risco. 30. É neste patamar de atuação antiética e antijurídica que deve ser apreciada e julgada a pretensão do autor, que não merece, por isso, a tutela do direito (vg. acórdão proferido pelo STJ em 4 de outubro de 2011, no processo 1872/07.3TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt). 31. Considera ainda esse acórdão do STJ que: «A ratio legis do nº 2 do art.º 1432º do Código Civil – ao impor certos requisitos do aviso convocatório da assembleia de condóminos – visa garantir-lhes o direito à informação das matérias objecto da convocatória a fim de assegurar uma participação esclarecida na discussão e votação. No caso em apreço, a convocatória usou, em parte, uma forma vaga já que mencionou na ordem de trabalhos “outros assuntos em geral”. Numa perspectiva formalista, ante o teor da convocatória e a vacuidade do seu conteúdo, ela poria em causa nessa parte, o direito à informação e à participação esclarecida dos condóminos. Numa estrita e formalista concepção do direito, desligada da realidade social e dos interesses legítimos que visa proteger, ter-se-ia que reconhecer razão à Autora: a formalidade legal, no que respeita à ordem dos trabalhos não foi rigorosamente observada, mas o direito não pode ser dissociado da sua função última – realizar a Justiça nas suas vertentes “alterum non laedere” e “suum cuique tribuere”.» 32. Também este Tribunal da Relação já se pronunciou quanto à questão do abuso de direito suscitada pelo réu, nos seguintes termos: “Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.” (vg. acórdão proferido em 24 de abril de 2008, no processo 2889/2008-6, disponível em www.dgsi.,pt). 33. As razões que levaram o réu a convocar a assembleia no 9º dia posterior ao envio foram plenamente invocadas nos artigos pontos 32 e 33 da contestação. 34. Ora, como refere a ata nº 19, a deliberação que decidiu recorrer ao apoio judiciário para intervir em ação judicial, só foi posta à discussão da assembleia porque a notificação recebida pela Segurança Social teria se ser cumprida no prazo muito curto de 10 dias. 35. Uma assembleia de condomínios convocada para esse efeito, nos termos e com as formalidades que o autor requer seria sempre inócua e inconsequente, tendo em conta o cumprimento do prazo estabelecido pela lei e pela Segurança Social. 36. Nessa ata que o autor, indevidamente decidiu impugnar apenas foram decididas duas questões: a) Aprovação do regulamento do condomínio; b) Necessidade de recorrer a apoio judiciário para intervir em ação judicial. 37. O autor, durante os longos 16 anos em que foi administrador, nunca procedeu à convocação e realização de assembleias de condóminos (ponto 40 da contestação) facto totalmente desconsiderado e desvalorizado pela sentença recorrida quanto à atuação antiética e antijurídica do autor. 38. Pois estabelece o artigo 1431º, nº 1 do Código Civil que as assembleias de condóminos devem ser realizadas pelo menos uma vez por ano. 39. Durante os longos 16 anos da sua administração o autor nunca apresentou quaisquer contas aos outros condóminos, violando com essa conduta o mesmo preceito legal (ponto 41 da contestação). 40. Estabelece ainda o artigo 1429º-A do Código civil a obrigatoriedade do regulamento do condomínio quando existam mais do que quatro condóminos, como é o caso do condomínio, réu, conforme vasta prova documental junta aos autos. 41. O autor, nunca procedeu ao agendamento de uma assembleia de condóminos para aprovação desse regulamento. 42. Acresce ainda à conduta antiética e antijurídica do autor, o facto de ter sido da sua responsabilidade a elaboração desse regulamento devido à sua não existência, e que nunca o tenha feito. 43. Como é bom de ver os dois únicos pontos aprovados na assembleia de condóminos do dia 16 de outubro de 2021 foram efetuados, desde logo: a) de forma urgente atendendo ao prazo imposto pela lei quanto ao pedido de proteção jurídica formulado pelo réu para poder intervir numa ação que o próprio autor tinha contra si instaurado, sublinhe-se. b) Para ultrapassar uma desconformidade do Condomínio quanto à não existência de um regulamento a que o próprio autor deu causa ao nunca, nos 16 anos em que foi administrador, ter concretizado essa existência 44. Atendendo ao comportamento reiterado do autor, a sentença recorrida fez incorreta apreciação e aplicação do instituto do abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil, ao caso em concreto. 45. Porquanto, pese embora o autor, pudesse ser detentor de um determinado direito (unicamente formal, sublinhe-se) o exercitou, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante. 46. Designadamente, apenas com intenção de prejudicar ou de comprometer o direito do réu ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do seu direito e as consequências a suportar pelo réu, tal como foi decidido no acórdão deste Tribunal da Relação em 24 de abril de 2008, suprarreferido. Termos em que se requer a sentença recorrida seja anulada por: a) Violação do princípio do contraditório (artigos 3º e 195º do CPC); b) Ser uma decisão-surpresa, como causa de nulidade, por excesso de pronúncia ao prescindir da audiência prévia sem atender aos articulados apresentados pelas partes, nomeadamente à confissão do autor quanto à receção do email no dia 7 de outubro de 2021 (artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC); c) A decisão sobre o e-mail não assegurar as mesmas garantias da carta registada e do aviso convocatório com recibo de receção, sem que a fundamentasse (artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC); d) Ter subscrito o entendimento defendido pelo STJ de que em alternativa à carta registada e ao aviso convocatório, será admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas ou maiores garantias, conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente oposto (artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC); e) Incorreta interpretação e aplicação do artigo 334º do Código Civil no que concerne à atuação antiética e antijurídica do autor. Mais se requerendo seja proferido acórdão que julgue a ação intentada pelo autor, totalmente improcedente, por não provada, atendendo às razões invocadas pelo réu, tanto na contestação, como agora neste recurso de apelação, mas que não mereceram, por parte da sentença recorrida qualquer acolhimento, sem que delas pudesse ter sido ouvido, como é de lei e de direito. Assim se fazendo, JUSTIÇA!” * O autor apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES 1ª- Com o dispensa pelo M.º Juiz “a quo” da Audiência Prévia, não existiu qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que foi dada a possibilidade às partes, mormente, ao Recorrente, de discutirem o mérito da causa. 2ª- O próprio Recorrente formalmente aceitou a não realização da Audiência Prévia, avançada pelo M.º Juiz “a quo”, não se tendo oposto por qualquer forma. 3ª- A matéria convertida e que foi objecto da sentença ― modo e forma de convocação de assembleia de condóminos ― era matéria em discussão desde os articulados, tendo as partes, novamente, tido a possibilidade de se pronunciarem nas alegações para que foram convidadas produzir pelo M.º Juiz “a quo”; em consequência, 4ª- Não só inexiste violação do princípio contraditório, como a decisão não constitui decisão surpresa tal como entendido pela lei e jurisprudência. 5ª- Não padece, pois, a sentença de qualquer nulidade nesta matéria. 6ª- O Recorrente, nesta matéria, litiga de má-fé, pois não pode desconhecer que formalmente aceitou a não realização da Audiência Prévia, pelo que deve ser condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização (art.º 542º, nº 1 e 2, al. a) CPC). 7ª- Ao tempo dos factos, não constituía forma de convocação válida da assembleia de condóminos, a convocação por correio electrónico, por violação do disposto no nº 1 do art.º 1432º do Código Civil, na redacção vigente ao tempo dos factos. 8ª- Não constitui forma de convocação válida da assembleia de condóminos, a convocação com 9 dias de antecedência sobre a sua realização, por violação do disposto no nº 1 do art.º 1432º do Código Civil (redacção vigente ao tempo dos factos). 9ª- Como reacção a deliberação nula ou anulável, o art.º 1433º do Código Civil estabelece 3 possibilidades, em alternativa, sendo uma delas, a da interposição directa da acção de anulação. 10ª- Não violou, pois, o Recorrido qualquer disposição legal ao intentar a presente acção. 11ª- O Recorrido, ao intentar a presente acção, não exerceu esse seu direito em abuso de direito, nem com má-fé. 12ª- Os eventuais actos ou omissões, alegadamente e não provados, praticados pelo Recorrido no passado, não legitimam o não cumprimento pelo Recorrente das regras legais quanto à convocação da assembleia de condóminos. 13ª- O Recorrido exerce o seu direito na presente acção em defesa da legalidade e do seu legítimo interesse, nunca havendo faltado à verdade ou feito manifesto uso ilegítimo da acção. 14ª- A Douta Sentença recorrida não merece qualquer censura, havendo procedido à correcta interpretação dos factos e aplicação do direito, pelo que deve ser mantida in totum, sendo negado provimento ao recurso. Assim decidindo, será feita a costumada JUSTIÇA!” * O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo (cf. despacho de 03.04.2024). * Em 08.04.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Atento o teor do despacho que antecede, passa-se o proferir o despacho a que alude o artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, No que se refere à invocada nulidade da sentença por violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil, entende-se ser de manter a decisão objecto de recurso por considerar estar a mesma conforme com o direito. Não obstante seja este o nosso entendimento, Vªs. Exªs., como sempre, farão a costumada justiça. “ * Já neste Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos verifica-se que nas contra-alegações de recurso o Autor defende que o Recorrente litiga de má-fé “ pois não pode desconhecer que formalmente aceitou a não realização da Audiência Prévia, pelo que deve ser condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização (art.º 542º, nºs 1 e 2, al. a) CPC).” – cf conclusão 6ª das contra-alegações. Assim sendo, ao abrigo do art.º 3º nº 3 do CPC, notifique o recorrente para, querendo, se pronunciar, em dez dias, especificamente sobre a litigância de má fé que lhe é imputada nas contra-alegações de recurso. Notifique.” * O recorrente respondeu, considerando que a pretensão de o recorrente ser condenado como litigante de má fé formulada pelo recorrido nas suas contra-alegações é totalmente desprovida de fundamento, e que quem litiga de má fé é o recorrido que sabe ou deveria saber que não pode deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, requerendo-se, isso sim, que o recorrido seja condenado como litigante de má fé, nos termos previstos no artigo 542º, nº 1 e nº 2, alínea a) do CPC. – cf req. de 14.09.2024. * Foi seguidamente proferido o seguinte despacho (cf. despacho de 18.09.2024): “Req. de 14.09.2024: Ao abrigo do art.º 3º nº3 do CPC, notifique o recorrido para, querendo, se pronunciar, em dez dias, especificamente sobre a litigância de má fé que lhe é imputada no requerimento de 14.09.2024.” * O autor/recorrido respondeu por requerimento de 30.09.2024, onde conclui que não litigou com má fé, pelo que, não pode ser condenado como litigante de má-fé. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – Objeto do recurso: Atentas as conclusões do recurso apresentado, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a apreciar são as seguintes: - Aferir se a decisão recorrida é nula: a) por violação do princípio do contraditório e por ser uma decisão-surpresa, por excesso de pronúncia; b) por falta de fundamentação; c) por contradição entre os fundamentos e a decisão. - Aferir se nela foi feita incorreta interpretação e aplicação do artigo 334º do Código Civil; - Aferir se as partes litigam com má fé no âmbito do recurso. * III – Fundamentação de facto: O tribunal de 1ª instância considerou provada, com base no acordo entre as partes e na prova documental junta aos autos, a seguinte factualidade: 1) O Autor é dono e legítimo possuidor das fracções autónomas designadas pelas letras C”, “D” e “F” que correspondem, respectivamente, às garagens 3 e 4 e Cave Esquerda do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º …, …, Queluz-Belas, com entrada também pela Praceta …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o n.º …, da freguesia de Belas. 2) No dia 16 de Outubro de 2021, reuniu a Assembleia de Condóminos do prédio sito na Rua …, n.º ..., …. 3) O Autor foi convocado para a referida Assembleia dos Condóminos por e-mail, enviado em 7 de Outubro de 2021, ao qual se encontrava anexa a convocatória em ficheiro informático em formato MSWord e sem qualquer assinatura. 4) Na convocatória para a mencionada Assembleia dos Condóminos fez-se constar o seguinte: “Nos termos do n.º 2 do artigo 1431.º, do n.º 1 do artigo 1432.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, e segundo a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, a Administração do Prédio sito na Rua … n.º ..., vem pelo presente meio convocar os Exmo.(s) e Exma.(s) Condóminos(as) para a Assembleia-Geral Ordinária do edifício em referência, a realizar no próximo dia 16 (dezasseis) de Outubro de 2021 pelas 21H00 (vinte e uma horas) na Sala de Condóminos do edifício, com a seguinte ordem de trabalhos: → Discussão e Aprovação dos Estatutos e Regulamento do Condomínio Os assuntos referidos exigem aprovação por maioria de votos, ou seja, representativos de pelo menos metade do valor total do imóvel. Não se obtendo o número de condóminos necessários para deliberar nesses termos, fica desde já, convocada, ao abrigo do disposto do nº 4 do art.º 1432º do Código Civil, nova reunião, para o dia 23 (vinte e três) de Outubro de 2021, pelas 21H00 (vinte e uma horas) no mesmo local e com a mesma ordem de trabalhos, desde que se encontrem presentes pelo menos, um quarto do valor total do edifício.”. 5) Da mencionada Assembleia dos Condóminos, realizada no dia 16 de Outubro de 2021, foi lavrada acta n.º 19, cuja cópia constitui o documento n.º 2 junto com a petição inicial (tendo a respectiva transcrição sido junta com o requerimento ref.ª citius 21418280, de 07/07/2022), designadamente com o seguinte teor: “(…) No dia 16 de outubro de 2021, pelas 21h00, e nos termos do nº 2 do artigo 1431º, do nº 1 do artigo 1432º do código civil aprovado pelo decreto-lei nº 47344/66, de 25 de novembro, e segundo a lei nº 4-b/2021, de 1 de fevereiro, realizou-se na sala de condóminos do prédio sito na Rua … nº ... em …, Queluz Belas, a Assembleia Geral de Condóminos marcada pela atual administração B, C.. Com a seguinte ordem de trabalhos: - Discussão e Aprovação dos Estatutos e Regulamento do Condomínio. Para a realização da Assembleia Geral de Condóminos foram tomadas todas as medidas de higiene e segurança recomendadas pela DGS, devido à pandemia Covid-19. A convocatória, estatutos e regulamento e procuração anexa foram enviados por email e afixados no hall do prédio no prazo legalmente exigido para o efeito. Estiveram presentes na assembleia geral de condóminos os seguintes condóminos: (…) Estatutos do condomínio: 1- (…) Regulamento do condomínio (…) Depois da elaboração da ordem de trabalhos e da sua notificação a todos os condóminos, a administração foi confrontada com uma notificação da Segurança-Social relacionada com o pedido aí formulado para que ao condomínio fosse deferido o pedido de proteção jurídica nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo para contestar uma ação que foi movida contra o condomínio por A, também condómino deste prédio. Assim a administração coloca à assembleia a introdução de um novo ponto da ordem de trabalhos, para que seja discutido e aprovado nos seguintes termos: - Necessidade de recorrer a apoio judiciário para intervir em ação judicial. Posto à votação, este novo ponto da ordem de trabalhos, foi aprovado por unanimidade dos condóminos presentes. Tendo sido também aprovado, por unanimidade dos condóminos presentes, a necessidade de recorrer a apoio judiciário para intervir em ação judicial. Todas as alterações acima apresentadas e descritas, foram efetuadas, debatidas e aprovadas por todos os condóminos presentes, assim como os representantes dos ausentes através de procuração passada e assinada perfazendo um total de 825 de 1000 em percentagem 82,5% a favor dos 100% do total do prédio. (…).”. 6) No dia 17 de Novembro de 2021, o Autor recebeu, por correio registado, cópia da referida acta n.º 19. 7) O Autor não esteve presente na Assembleia dos Condóminos referida em 2). * IV- Fundamentação de Direito: Da invocada nulidade do saneador sentença por violação do princípio do contraditório (artigos 3º e 195º do CPC) e por ser uma decisão-surpresa, por excesso de pronúncia ao prescindir da audiência prévia sem atender aos articulados apresentados pelas partes, nomeadamente à confissão do autor quanto à receção do email no dia 7 de outubro de 2021: Alega o recorrente que houve lugar a dispensa da audiência prévia, e que atendendo à posição do Tribunal a quo no despacho proferido em 7 de novembro de 2022, considerando ser possível proferir decisão quanto ao mérito da causa no saneador, o réu convenceu-se que a questão da convocatória por e-mail oferecia as mesmas garantias que a carta registada e o aviso convocatório com recibo de receção, atendendo à confissão do autor de ter recebido esse e-mail, questão que a sentença desconsiderou e desvalorizou; sendo certo que o autor confessa no artigo 4º da petição que no dia 7 de outubro de 2021 recebeu um email com a convocatória para a assembleia de condóminos a realizar no dia 16 de outubro de 2021. E que tal artigo deveria ter sido julgado pela sentença recorrida, como uma confissão do autor em como o e-mail recebido tinha oferecido as mesmas garantias que carta registada e o aviso convocatório, pelo que “a sentença não só desvalorizou a confissão do réu, como, neste aspeto, constitui uma verdadeira sentença surpresa, atendendo à decisão do Tribunal a quo de dispensar a realização da audiência prévia, por considerar estar em condições de proferir decisão de mérito sobre o litígio, sem que tenha comunicado às partes, nomeadamente ao réu, a questão posteriormente suscitada, oficiosamente, na sentença”. Mais alega que “Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se poderia ter pronunciado” e que “a violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, como aquela a que o réu acabou por ser confrontado, constitui nulidade processual, prevista no nº 1, do artigo 195º do CPC.” O recorrido discorda, considerando que com a dispensa pelo M.º Juiz “a quo” da Audiência Prévia, não existiu qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que foi dada a possibilidade às partes, mormente, ao Recorrente, de discutirem o mérito da causa, o próprio Recorrente formalmente aceitou a não realização da Audiência Prévia avançada pelo M.º Juiz “a quo”, e a matéria convertida e que foi objeto da sentença ― modo e forma de convocação de assembleia de condóminos ― era matéria em discussão desde os articulados, tendo as partes, novamente, tido a possibilidade de se pronunciarem nas alegações para que foram convidadas produzir pelo M.º Juiz “a quo”. Vejamos. Conforme resulta do art.º 591 º do CPC nº 1 al b) do CPC, concluídas as diligências do preceituado no n.º 2 do artigo 590º, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. Tal regra não se aplica nos casos previstos no art.º 592º do CPC e nas ações previstas no art.º 597º do CPC (ações de valor não inferior a metade da alçada da Relação). Todavia, tem vindo a ser jurisprudencialmente admitido que, ao abrigo do dever de gestão processual e do principio da adequação formal previstos, respetivamente, no art.º 6º e no art.º 547º do CPC, o juiz, mesmo nos casos em que tencione conhecer imediatamente do pedido, possa dispensar a realização da audiência prévia, desde que ouça previamente as partes para o efeito e lhes permita o exercício do contraditório sobre esse conhecimento de mérito. Vejam-se, a esse respeito, os seguintes Acórdãos, cujos sumários, nas partes que aqui interessam, passamos a reproduzir: - AC do TRC de 03.03.2020 proferido no Proc.1628/18.8T8CBR-A.C1: “I – A situação em que o juiz tencione conhecer do mérito da causa no despacho saneador não está incluída nos casos em que, nos termos previstos no nº 1 do art.º 593º do CPC, a audiência prévia pode ser dispensada; nessa situação, a audiência prévia – que, nos termos da lei, se apresenta como obrigatória por não figurar nos casos em que pode ser dispensada – apenas poderá ser dispensada ao abrigo dos poderes de gestão processual que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, devendo essa dispensa ser precedida de audiência das partes. II – Estando em causa uma situação em que, mediante despacho prévio ao despacho saneador, se anuncia a intenção de conhecer o mérito da causa no despacho saneador sem realização da audiência prévia e em que se determina a notificação das partes para se pronunciarem sobre a matéria em discussão no sentido de evitar “decisão surpresa”, o despacho saneador que, depois disso, vem a ser proferido não enferma de qualquer vício (relacionado com a falta de audiência prévia) que possa determinar a sua anulação ou revogação no âmbito de recurso dele interposto.” - Ac. do TRL de 08.03.2022 proferido no Proc. 5152/19.3T8LRS.L1-7: “1 – No âmbito de uma acção declarativa de processo comum, quando o juiz se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa ou de alguma excepção peremptória, deve convocar a audiência prévia para esse fim, não o podendo fazer sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes, sem prejuízo de, no uso do poder de gestão e adequação processuais prescindir desse acto processual, por decisão fundamentada, desde que as razões de facto e de direito já se mostrem debatidas nos articulados, as partes sejam notificadas dessa intenção e tenham a possibilidade de sobre ela tomarem posição.” - Ac do TRL de 08.02.2018 proferido no Proc.3054/17.7T8LSB-A.L1-6: “I.– No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no art.º 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº1 b) II.– A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º III.– A dispensa da audiência prévia fora destes casos, só é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no art.º 547 e 6 do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do art.º 3º, nº 3, do NCPC. IV.– Sendo esta uma formalidade obrigatória e essencial, a sua não observância é fundamento de nulidade, que inquinou a sentença proferida por ter decidido de questão de que não podia conhecer e apenas impugnável por via do competente recurso.” Logo, se o juiz, previamente ao despacho saneador que conhece do mérito da causa, ouvir as partes sobre a dispensa de audiência prévia e lhes facultar a possibilidade de tomarem posição sobre a matéria a conhecer, inexiste nulidade, pois, por um lado, o juiz atua ao abrigo de normas legais (arts. 6º e 547º do CPC) e, por outro lado, não se mostra violado o princípio do contraditório, por não existir decisão surpresa, na medida em que as partes já não podem ser surpreendidas com a não realização da audiência prévia, tendo tido a possibilidade de se pronunciarem sobre tal dispensa e sobre a matéria conhecida no saneador sentença. No caso dos autos, verifica-se que, após os articulados, foi em 07.11.2022 proferido despacho onde se se refere que se antevê a possibilidade de proferir decisão quanto ao mérito da causa no saneador, e, no uso do poder de simplificação e agilização processual e adequação formal, se considera ser de dispensar a realização da audiência prévia, que se destinaria apenas ao fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), 2ª parte, do Código de Processo Civil, proferindo-se a decisão por escrito, sem realização dessa diligência. E, ponderando-se a necessidade de observância do princípio do contraditório, tal despacho determinou a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade do Tribunal dispensar a realização da audiência prévia, sendo que, caso concordassem com tal dispensa, ser-lhes-ia oportunamente concedida a possibilidade de alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência prévia se esta tivesse lugar. Nessa sequência, as partes referiram expressamente nada ter a opor à dispensa de audiência prévia. Foi então proferido despacho, em 23.01.2023, no qual, atenta a concordância das partes quanto à dispensa da realização da audiência prévia e por se antever como possível decidir do mérito da causa no saneador, se concedeu ao Autor e ao Réu o prazo de 15 dias para, querendo, apresentarem alegações escritas. E em 13.02.2023 quer o Autor quer o Reu apresentaram alegações, pelo que em 13.02.2023 o Tribunal a quo, proferiu despacho nos seguintes termos: Considerando que a audiência prévia se destinaria apenas ao fim previsto no artigo 591º, n.º 1, alínea b), 2ª parte, do Código de Processo Civil, observado que foi previamente o princípio do contraditório, tendo as partes anuído à dispensa da sua realização e alegado por escrito o que iriam sustentar oralmente nessa diligência, caso a mesma tivesse lugar, ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio da adequação formal, previstos nos artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil, respectivamente, passa-se de imediato a conhecer do mérito da causa, dispensando-se a realização da audiência prévia.” E imediatamente proferiu saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa. Ou seja, o próprio réu ora recorrente, previamente confrontado com a possibilidade de dispensa de realização de audiência prévia e de apreciação, por decisão escrita, do mérito da causa, expressamente referiu não se opor à dispensa de audiência prévia, vindo mais tarde, na sequencia de notificação para o efeito, a alegar por escrito o que entendeu por conveniente quanto ao mérito da causa. Não lhe foi, pois, negada qualquer audição ou contraditório prévio ao conhecimento e decisão da causa, tendo tido a oportunidade de alegar por escrito o que poderia ter alegado oralmente no decurso da audiência prévia. Faculdade que usou, alegando por escrito. Logo, a prolação de decisão mérito sem realização de audiência prévia, per si, não violou o princípio do contraditório. Todavia, o recorrente também alega que “a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se poderia ter pronunciado”. Também aqui não lhe assiste razão. O saneador sentença decide pela anulação das deliberações dos condóminos com base em duas razões: o modo de convocação do autor (e-mail) e a antecedência de tal convocação relativa à Assembleia (inferior à antecedência de dez dias legalmente imposta), conforme se pode constatar através do seguinte trecho da fundamentação de direito: “(…) temos como seguro que o e-mail não oferece as mesmas ou maiores garantias que a carta registada ou o aviso convocatório com recibo de recepção. Na verdade, a opção pelo envio de e-mail traduz um aligeirar das formalidades à data prescritas para a convocação da Assembleia de Condóminos, sem que tal procedimento se encontre de algum modo legitimado (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/07/2023, proc. n.º 19909/21.1T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt). Atente-se, aliás, que mesmo à luz da actual redacção do artigo 1432.º do Código Civil, tal procedimento apenas é admissível nas estritas condições previstas no n.º 2. Acresce que, ao contrário do defendido pelo Réu, a convocatória para a Assembleia de Condóminos não foi feita com a antecedência de 10 dias legalmente imposta, antecedência que visa, desde logo, conceder aos condóminos um prazo razoável para que possam reflectir, e se possam aconselhar e documentar sobre as matérias a sujeitar a deliberação. (…) Ora, esses dois fundamentos de anulação das deliberações foram logo invocados na p.i., conforme resulta, designadamente, do art.º 11º da p.i., com o seguinte teor: “Para além da convocatória ter sido enviada ao A., 9 dias antes da data prevista para a realização da reunião da Assembleia de Condóminos, também, por ter sido enviada por email, não cumpriu outro requisito legal essencial – ser remetida por carta registada.” P.i. que o ora recorrente contestou. Portanto, os dois fundamentos considerados pelo Tribunal a quo para a anulação das deliberações, foram logo arguidos na p.i., integrando o objeto da discussão entre as partes, pelo que não existe qualquerquestão nova que o Tribunal tenha apreciado sem prévia audição das mesmas; o Tribunal apreciou apenas, como fundamento do pedido de anulação das deliberações que foi formulado pelo autor, as concretas irregularidades de convocação do autor para a Assembleia de Condóminos que foram invocadas na p.i.. Por outro lado, o alegado convencimento do réu de que a questão da convocatória por e-mail oferecia as mesmas garantias que a carta registada e o aviso convocatório com recibo de receção, alicerçado na confissão do autor de ter recebido esse e-mail, questão que o réu alega que a sentença desconsiderou e desvalorizou, não tem qualquer sustentação como fonte ou origem de uma “decisão surpresa”. Desde logo porque se trata de uma mera perceção subjetiva de uma parte quanto ao sentido da futura decisão, que não tem qualquer assento no teor do despacho de 07.11.2022, o qual não contém qualquer referência ao sentido da decisão a proferir. Por outro lado, o recorrente confunde factos com direito: a confissão reporta-se a um facto - a Assembleia de Condóminos ter sido convocada em 07.10.2021 por e-mail enviado aos condóminos, pelo menos ao A., remetendo-se uma convocatória apenas em ficheiro informático em formato MSWord e sem qualquer assinatura - que foi alegado no art.º 4º da p.i.; ora, a conclusão que o recorrente retira no sentido de que o e-mail recebido tinha oferecido as mesmas garantias que a carta registada e o aviso convocatório extravasa o facto alegado, reportando-se à subsunção jurídica do facto, ou seja, à apreciação do direito aplicável, que, como tal, nunca poderia integrar a matéria de facto dada provada. Acresce que o teor do art.º 4 da p.i. foi considerado pelo Tribunal a quo em termos de factualidade dada como assente, integrando-o no ponto 3 da matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, com o seguinte teor: ”O Autor foi convocado para a referida Assembleia dos Condóminos por e-mail, enviado em 7 de Outubro de 2021, ao qual se encontrava anexa a convocatória em ficheiro informático em formato MSWord e sem qualquer assinatura”. O respetivo enquadramento ou valorização jurídica é área de livre apreciação do Tribunal – cf. art.º 5º nº3 do CPC –, não podendo ser invocado como fundamento de decisão surpresa. Alega ainda o autor que a factualidade alegada na contestação (arts 3 a 16 e 20 a 46) foi desconsiderada, bem como o teor das alegações escritas que apresentou a convite do Tribunal. Em causa estão diversas condutas imputadas ao autor, que segundo o Réu, revelam a má fé daquele, concluindo o réu pela existência de abuso de direito e litigância de fé por parte do autor, e ainda a justificação apresentada pelo réu relativamente à aprovação de deliberação sobre matéria (necessidade de recorrer a apoio judiciário para intervir em ação judicial) não incluída na ordem de trabalhos. Ora, o Tribunal a quo, em sede de análise da exceção de abuso de direito, e de apreciação do pedido de condenação do autor como litigante de má fé, apreciou as condutas do autor alegadas pelo Réu; simplesmente, entendeu que as mesmas não integravam a referida exceção nem litigância de má fé, qualificação que está no domínio de livre apreciação do Tribunal (art.º 5º nº3 do CPC), não podendo fundamentar qualquer arguição de “decisão surpresa”. Quanto à aprovação de deliberação sobre matéria não incluída na ordem de trabalhos, considerou o Tribunal tratar-se de questão prejudicada pela procedência da invalidade das deliberações decorrente dos vícios de convocação do autor para a Assembleia, o que tem sustentação legal no art.º 608º nº2, 1ª parte, do CPC, não podendo de modo algum consubstanciar surpresa. Improcedem, pois, as nulidades invocadas ao abrigo do arts. 3º, 195º e 615º nº 1 al. d) do CPC. Das nulidades do saneador sentença por falta de fundamentação e por contradição entre os fundamentos e a decisão: Considera o recorrente que o saneador sentença é nulo por a decisão sobre o e-mail não assegurar as mesmas garantias da carta registada e do aviso convocatório com recibo de receção não ter sido fundamentada (artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC); e por ter subscrito o entendimento defendido pelo STJ de que em alternativa à carta registada e ao aviso convocatório, será admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas ou maiores garantias, o que conduziria necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente oposto (artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC). O recorrido discorda. Como tem sido comummente entendido pela jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação (e não a fundamentação alegadamente errada, incompleta ou insuficiente) origina a nulidade da sentença – veja-se, entre outros, o AC do STJ de 03.03.2021 proferido no Proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1 ou o Ac. do STJ de 18.02.2021 proferido no Proc. 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1 - esclarecendo-se aliás neste último que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade. Não têm que ser analisados e dissecados todos os argumentos ou fundamentos invocados pelas partes na ação. No caso dos autos, o tribunal a quo considerou na sua análise que: “(…) A convocação da assembleia necessita de obedecer aos requisitos explicitamente discriminados no artigo 1432.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. Caso contrário a reunião será irregular e as suas deliberações susceptíveis de impugnação, nos termos do artigo 1433.º (Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, págs. 380/381). O artigo 1432.º do Código Civil, na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, estabelecia, no seu n.º 1 que “A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.”, acrescentando o n.º 2 que “A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.”. No caso vertente, resulta da factualidade apurada que o Autor foi convocado para a Assembleia de Condóminos que teve lugar no dia 16 de Outubro de 2021 por e-mail, ou seja, sem observância do modo de convocação que à data se encontra legalmente prescrito (carta registada ou aviso convocatório, desde que houvesse recibo de recepção assinado pelos condóminos). Como dá nota o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2023 (proc. n.º 2164/16.2T8PTM.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt), “Em face da antiga redacção do art.º 1432.º, dizia-se que “o modo de convocação prescrito (carta registada com aviso de recepção) não [tinha] de ser observado sacramentalmente” — em alternativa à carta registada com aviso de recepção, seria admissível qualquer modo de convocação “que [oferecesse] a mesma ou maiores garantias”, dando adequada realização a todos os interesses que a lei pretende realizar ou satisfazer —; em face da nova redacção do art.º 1432.º, resultante do Decreto-Lei n.º 26/94, de 25 de Outubro, deverá dizer-se que, em alternativa à carta registada e ao aviso convocatório, será admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas ou maiores garantias.”. Ora, ainda que se subscreva tal entendimento, temos como seguro que o e-mail não oferece as mesmas ou maiores garantias que a carta registada ou o aviso convocatório com recibo de recepção. Na verdade, a opção pelo envio de e-mail traduz um aligeirar das formalidades à data prescritas para a convocação da Assembleia de Condóminos, sem que tal procedimento se encontre de algum modo legitimado (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/07/2023, proc. n.º 19909/21.1T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt). Atente-se, aliás, que mesmo à luz da actual redacção do artigo 1432.º do Código Civil, tal procedimento apenas é admissível nas estritas condições previstas no n.º 2. (…)” Está pois fundamentada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou que o e-mail não oferece as mesmas ou maiores garantias que a carta registada ou o aviso convocatório com recibo de receção, por traduzir um aligeirar das formalidades à data prescritas na lei para a convocação de credores, e que mesmo à luz da atual redação do artigo 1432.º do Código Civil, tal procedimento apenas é admissível nas estritas condições previstas no n.º 2 (remetendo pois para a exigência da lei atual no sentido de só ser admissível convocatória efetuada através de correio eletrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em assembleia de condóminos realizada anteriormente, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respetivo endereço de correio eletrónico). A fundamentação existe, e é inequívoca. Improcede, pois, a arguição de nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação. Passemos a analisar a nulidade invocada por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão. Considera o recorrente que a decisão recorrida subscreveu o entendimento defendido pelo STJ de que em alternativa à carta registada e ao aviso convocatório, será admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas ou maiores garantias, o que conduziria necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente oposto (artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC). O recorrido discorda. Da alínea c) do nº 1 do mesmo art.º 615 do CPC decorre ser nula a sentença cujos fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís filipe Pires de Sousa, obra citada, pág. 793 e 794, anot. 11, “a nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o Juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe solução jurídica diferente”. E apenas ocorrerá a nulidade da sentença por oposição entre os seus fundamentos e a decisão quando todos os fundamentos analisados pelo Tribunal apontarem num determinado sentido decisório e o segmento decisório contiver decisão de sentido diverso. Sobre esta matéria veja-se o Ac. do STJ de 29.04.2021 proferido no Proc. 704/12.5TVLSB.L3.S1, cujo sumário se passa a reproduzir: A nulidade por contradição entre os fundamentos e decisão verifica-se sempre que, considerada a decisão final como o desenlace de um raciocínio, se regista, a final, uma contradição – uma contradição lógica – entre os pressupostos e a conclusão (todos os argumentos apontavam para certa decisão e, sem que nada o fizesse esperar, a decisão final foi a oposta ou diferente da que se anunciava). In casu, não se verifica contradição entre a fundamentação do saneador sentença e a sua parte decisória, o que desde logo leva à improcedência da arguição da nulidade em causa. Na fundamentação considerou-se que as deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos são inválidas (por vícios de convocação), e na decisão anularam-se tais deliberações, o que constitui uma consequência lógica de tal fundamentação. Por outro lado, mesmo dentro da própria fundamentação, não existe a apontada contradição. O facto de o tribunal a quo considerar que, em alternativa à carta registada e ao aviso convocatório, será admissível qualquer modo de convocação que ofereça as mesmas ou maiores garantias, não o impede de considerar que a concreta forma de convocação por e-mail não oferece as mesmas ou maiores garantias que a carta registada ou o aviso convocatório com recibo de receção, por traduzir um aligeirar das formalidades à data prescritas na lei para a convocação de condóminos, e que mesmo à luz da atual redação do artigo 1432.º do Código Civil, apenas é admissível nas estritas condições previstas no n.º 2. O raciocínio é lógico e coerente. Improcedem, pois, as apontadas nulidades da decisão recorrida por falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão. Da alegada incorreta interpretação e aplicação do artigo 334º do Código Civil Considera o recorrente, remetendo para as alegações escritas que apresentou, que atendendo ao comportamento reiterado do autor, a sentença recorrida fez incorreta apreciação e aplicação do instituto do abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil ao caso em concreto, porquanto, pese embora o autor, pudesse ser detentor de um determinado direito (unicamente formal, sublinhe-se) o exercitou, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante. Em causa estão diversas condutas que o réu imputa ao autor, e que segundo o réu, revelam a má fé daquele. O recorrido discorda. Vejamos então o que na decisão recorrida se consignou relativamente ao invocado abuso de direito: (…) Reconhecido o direito do Autor à anulação das deliberações adoptadas pela Assembleia dos Condóminos de 16 de Outubro de 2021, importa aferir se existe algum facto impeditivo, modificativo ou extintivo deste direito (cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil). No caso, invoca o Réu que o Autor, ao intentar a presente acção para obter a anulação das ditas deliberações, actua com abuso de direito. O instituto do abuso do direito encontra-se consagrado no artigo 334.º do Código Civil, nos termos do qual é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O abuso de direito conforma uma excepção peremptória imprópria de direito adjectivo, de conhecimento oficioso, constituindo um limite ao exercício de direitos, sendo que o seu funcionamento não depende de consciencialização pelo sujeito. Ora, neste circunspecto é de considerar que a factualidade alegada pelo Réu para alicerçar a ocorrência desta excepção, ainda que se provasse, não seria susceptível de conduzir ao efeito pretendido. Desde logo, como se referiu, o imediato recurso a Tribunal como meio de reacção a deliberações inválidas é uma faculdade do Autor, pelo que nunca poderia a mesma ser sancionada. Por outro lado, ainda que o Autor tenha recebido o e-mail de convocação para a Assembleia de Condóminos, tal não significa que o mesmo tenha que aceitar ser convocado por essa via. E não tendo o Réu alegado que o Autor em algum momento manifestou o seu acordo inequívoco a tal procedimento de convocação, não se vislumbra em que medida é que a invocação do vício decorrente da inadmissibilidade do meio usado para tanto pode ser considerado como configurando abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. De resto, é indiferente se o Autor tinha ou não motivos atendíveis para não comparecer à Assembleia dos Condóminos, sendo certo que nenhuma norma legal impõe um qualquer procedimento de “justificação de faltas” neste âmbito. Acresce que nem se percebe a alegação do Réu de que tal ausência visou apenas viabilizar a impugnação das deliberações aprovadas, uma vez que tal via sempre lhe estaria aberta desde que votasse contra tais deliberações. Em todo o caso, nunca poderia impor-se ao Autor que comparecesse numa Assembleia para a qual não foi regularmente convocado, como sucedeu no caso. Por último, ainda que o Autor, enquanto administrador de condomínio, tivesse, efectivamente, incumprido as obrigações legais inerentes ao exercício do cargo, nem por isso ficaria o mesmo coarctado dos respectivos direitos enquanto condómino, nem se vê que o exercício de tais direitos, legalmente consagrados, possa, de algum modo, considerar-se ofensivo do princípio da boa fé. Com efeito, a circunstância dos condóminos, no passado, se terem, alegadamente, conformado com a sua actuação, seja por inércia, seja por concordarem com a mesma, não impõe ao Autor que, colocado em posição distinta, assuma idêntica postura. Em suma, nenhuma das descritas condutas imputadas ao Autor é susceptível de gerar uma situação de confiança por parte do Réu ou de justificar o alegado investimento de confiança de que o mesmo não irá exercer o direito de anulação das deliberações da assembleia de condóminos ora em apreço. (…)” Pela sua clareza e assertividade, subscrevemos este raciocínio do Tribunal a quo. Como resulta claramente do disposto no art.º 1433 nº4 do CC – que dispõe que o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação – o direito que um condómino tem de pedir a anulação de uma deliberação da Assembleia não está legalmente condicionado a um pedido prévio de realização de Assembleia extraordinária, podendo o condómino propor diretamente a ação de anulação de tal deliberação. É, como refere o tribunal a quo, uma “faculdade” ao dispor de tal condómino, não lhe podendo ser exigido que previamente recorra a mecanismo diverso. Por outro lado, ainda que o Autor tenha recebido o e-mail de convocação para a Assembleia de Condóminos, o mesmo não tem de se conformar com essa forma de convocação, a não ser que, conforme prevê o atual nº 2 do art.º 1432 do CC, tenha previamente manifestado, e ficado lavrado em ata de anterior Assembleia de condóminos, a vontade de ser convocado por essa via (situação que in casu o réu não alegou). E consequentemente também não fica vinculado a comparecer na Assembleia de condóminos para a qual foi convocado por modo que não observa os requisitos legais nem com a antecedência que a lei impõe. Diga-se, tal como ressalva o Tribunal a quo, que a respetiva ausência não pode sequer ser entendida como forma de viabilizar a impugnação das deliberações aprovadas, uma vez que o autor também as poderia impugnar caso comparecesse e votasse contra as deliberações. Por último, quanto ao alegado incumprimento do autor, enquanto administrador do condomínio, e ao longo de vários anos, dos deveres de proceder à convocação e realização de assembleias de condóminos e de apresentação de contas aos outros condóminos, caberia aos restantes condóminos atuar em sede própria. Se não o fizeram, a si o devem. Tal omissão, a existir, não pode, contudo, paralisar qualquer direito do autor, enquanto condómino, relativamente a deliberações posteriores ao período em que foi administrador. Não se confirma, pois, a invocada atuação jurídica e antiética do autor, não tendo sido alegada qualquer efetiva conduta do autor suscetível de criar no condomínio réu uma situação de confiança justificada em que o Autor não arguiria a anulabilidade das deliberações da assembleia ora em causa nos autos. Logo, não existe abuso de direito. Improcede, também, este fundamento de recurso. Da litigância de má fé das partes no âmbito do recurso: Nas contra-alegações ao recurso o autor/recorrido refere que não só inexiste violação do princípio contraditório, como a decisão não constitui decisão surpresa, pelo que não padece a sentença de qualquer nulidade nesta matéria; e que o Recorrente, nesta matéria, litiga de má-fé, pois não pode desconhecer que formalmente aceitou a não realização da Audiência Prévia, pelo que deve ser condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização (art.º 542º, nºs 1 e 2, al. a) CPC). O réu/recorrente respondeu, referindo, em síntese, que tal pretensão não tem fundamento, uma vez que a aceitação da não realização da audiência não é uma renúncia tácita ao direito de poder recorrer. E, como tal, quem litiga de má fé é o recorrido que sabe ou deveria saber que não pode deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, requerendo, por sua vez, que o recorrido seja condenado como litigante de má fé, nos termos previstos no artigo 542º, nº 1 e nº 2, alínea a) do CPC. O recorrido respondeu a tal pedido, referindo, em síntese que não colocou em causa o direito constitucional ao recurso por parte do Recorrente; apenas, de forma clara considerou que, no que diz respeito aos específicos fundamentos de recurso violação do princípio contraditório e que a sentença constituiu uma decisão surpresa, o Recorrente litiga de má-fé pois não pode desconhecer que formalmente aceitou a não realização da Audiência Prévia. Pelo que não pode o recorrido ser condenado como litigante de má fé. Apreciemos. Está em causa, segundo a posição das partes, o disposto no art.º 542 nº1 CPC do CPC, dos quais resulta que tendo litigado de má fé a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. E o número 2 al. a) do mesmo artigo, do qual resulta que litiga de má fé quem, com dolo ou negligencia grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar. Desde já se refere que a condenação, como litigante de má fé, da parte que deduz, em sede de recurso, pretensão/oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar não contende com a efetividade do direito de recurso. Esse direito não legitima a parte a, com dolo ou negligencia grave, deduzir no recurso pretensão/oposição que não possa ignorar ser infundada. Tal como se refere no Ac. do STJ de 12.11.2020 proferido no Proc. 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, a condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito. No caso concreto, é certo que um dos fundamentos do recurso se prende com a arguição de nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório e prolação de decisao surpresa, arguição que foi julgada improcedente. Também é certo que o réu ora recorrente deu o seu assentimento à dispensa de realização de audiência prévia e alegou por escrito antes da prolação da decisão recorrida, que conheceu do mérito da causa. Todavia, os fundamentos invocados para a alegada violação do princípio do contraditório e para a prolação de decisão surpresa, embora infundados, transcendem a mera não realização da audiência prévia, reportando-se também ao próprio conteúdo da decisão. Assim sendo, entende-se não haver lugar a condenação do recorrente em multa, como litigante de má fé, em multa e indemnização favor da parte contrária. O mesmo se diga relativamente à pretendida condenação do recorrido como litigante de má fé, uma vez que efetivamente o réu ora recorrente deu o seu assentimento à dispensa de realização de audiência prévia e alegou por escrito antes da prolação da decisão recorrida, sendo, pois, defensável (embora tal posição não tenha ora sido acolhida, pelos motivos suprarreferidos) a invocação de má fé do recorrente. Em suma, a apelação improcede na sua totalidade e não há lugar à condenação quer do recorrente quer do recorrido em multa e indemnização, por litigância de má fé em sede de recurso. As custas do recurso são a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). *** V. Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida, e em absolver recorrente e recorrido dos pedidos de condenação em multa e indemnização formulados, respetivamente, por um contra o outro, em sede de recurso, por litigância de má fé. Custas do recurso pelo apelante. Notifique. Lisboa, 19.12.2024 Carla Cristina Figueira Matos Amélia Loupo Carla Figueiredo |