Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI POÇAS | ||
Descritores: | REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA CONTRADITÓRIO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECVURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | (da responsabilidade do relator): I – O art.º 82-A, n.º 2 do CPP não refere a forma como deve operar o contraditório, em caso de arbitramento oficioso de reparação à vítima de crime, mas se o despacho de acusação contém expressamente o pedido de arbitramento de reparação oficiosa à vítima, o despacho de recebimento de acusação tomou posição expressa sobre a sua admissibilidade e ordenou a notificação do arguido para o contestar, nos termos do art.º 78.º CPP, é fora de dúvida que foi integralmente assegurado o cumprimento do contraditório. II - O crime de violência doméstica pode desdobrar-se em múltiplos atos de maus tratos praticados ao longo o tempo, em que é difícil precisar as datas exatas em que os mesmos se verificaram, mas que ainda assim relevam na medida em que permitem caracterizar a relação estabelecida entre o arguido e a vítima, evidenciando o estado de total sujeição à vontade do arguido em que a ofendida sempre se encontrou, tendo de suportar humilhações, ameaças e limitações intoleráveis, pois o arguido não consentia à ofendida que se ausentasse sozinha de casa, nem sequer para fazer compras, ou dispor de dinheiro factos permanentes e reiterados, respeitantes a todo o tempo de duração da vida em comum. III - Tais factos relevam, especialmente em conjugação com os atos de ameaças melhor especificados nos autos, cuja concretização o arguido não contesta, enquanto fatores de caracterização da relação existente e do estado de submissão e aviltamento da dignidade da ofendida. IV - A matéria de facto provada na sua globalidade revela uma reiteração e intensidade de comportamentos ao longo da convivência do casal, pautada pelo aniquilamento da vontade própria da ofendida por parte do arguido, sendo patente o clima de desvalorização, temor, intranquilidade, infelicidade, fragilidade e humilhação por esta permanentemente sofridos, pelo que importa concluir que os factos integram a prática de um crime de violência doméstica, transcendendo as concretas condutas e ameaças isoladamente consideradas. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo Local Criminal de Almada, Comarca de Lisboa, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e as normas legais invocadas, decido: a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, al. a) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, a qual se suspende na sua execução por igual período; b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, por qualquer meio, seja directamente, seja por interposta pessoa, pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses nos termos do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal; c) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de uso e porte de arma, pelo período de 5 (cinco) anos nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal; d) Não condenar o arguido em qualquer outra pena acessória; e) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s. f) Condenar o arguido AA a pagar, a título de arbitramento/reparação à ofendida BB o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros); g) Declarar perdidas a favor do Estado os objectos apreendidos a fls. 11, nos termos previstos no artigo 109.º do Código Penal, as quais deverão ser entregues à PSP, para que promova o seu destino». * Inconformado, recorreu o arguido formulando as seguintes conclusões: «1- Os factos provados nos pontos 6 a 12 da sentença recorrida não se encontram minimamente concretizados, no modo, tempo, espaço e respetivo circunstancialismo. 2- Quando assim é, está-se ante uma violação irreparável do contraditório e das garantias de defesa em processo penal – artigo 32º do Constituição da República Portuguesa, devendo, em consequência, serem os mesmos considerados não escritos. 3- Considerando os factos 6 a 12 como não escritos, restam dois blocos factuais, referentes aos acontecimentos de 2016 e 2022. 4- Quanto a estes o Tribunal, a quo faz uma errónea qualificação jurídica, uma vez que existe mais do que uma resolução criminosa, atento o hiato temporal de 6 anos que mediou a prática daqueles. 5- Os factos ocorridos em 2016 – facto 14 da sentença recorrida- deverão ser qualificados como um crime de ameaça p.p. pelo artigo 153.º do CP, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo tipo incriminador da violência doméstica não foi beliscado – a dignidade da pessoa humana no seio familiar- nem existem factos provados que o sugiram. 6- Sendo aquele crime qualificado como de ameaças, o mesmo tem natureza semipública, pelo que a ofendida teria de se ter queixado num prazo de 6 meses após o conhecimento dos factos, que ocorreram em 2016. 7- Uma vez que só se queixou em 2022, o direito de queixa estava já extinto, o MP não tinha legitimidade para o procedimento criminal e o Tribunal nunca poderia ter condenado o arguido por este bloco de factos, tudo sob pena de violação dos seguintes normativos: artigo 113.º e 153.º, n.º 3, ambos do CP artigo 115.º n.º 1 do CP e artigo 49.º, n.º 1 do CPP). 8- Se porventura o entendimento vier a ser o de que, o facto em análise, se subsume antes no crime de ameaça agravada sendo, portanto, um crime público, sempre se diria que aquando da apresentação da queixa em 2022, o procedimento criminal já se encontrava extinto, uma vez que o mesmo é de 5 anos e os factos datam do ano de 2016, devendo, em consequência, o arguido ser absolvido pela prática dos factos ocorridos em 2016, sob pena de violação dos artigos 153, 155, n.º 1, ambos do CP e 118.º n.º 1 al. c) do CPP. 9- Relativamente aos factos ocorridos em 2022, entende-se que apenas existem as declarações para memória futura da ofendida que relatam factos que não foram presenciados por qualquer testemunha e, portanto, não são corroborados por qualquer meio de prova de onde possa brotar episódio semelhante, devendo, em consequência, os factos constantes dos pontos 15 a 19 da sentença recorrida ser julgados como não provados, impossibilitando-se, assim, qualquer subsunção a uma prática criminal, por falta do preenchimento do elemento objetivo do tipo, o que levará à absolvição do arguido quanto à sua prática. 10- Ainda que assim não se entenda sempre se dirá, pelas mesmas razões apontadas para os factos ocorridos em 2016, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, os factos ocorridos em 2022, deverão ser enquadrados como um crime de ameaça p.p. pelo artigo 153.º do CP, e não como um crime de violência doméstica. 11- Em função do aduzido, e considerando que o Tribunal a quo dá como provados os elementos subjetivos do tipo, por força da prova dos elementos objetivos, deverão os factos provados dos pontos 21 a 25 da sentença recorrida serem julgados como não provados por falta de sustento factual que permite concluir pela existência daquele elemento. Adicionalmente, e 12- Admitindo-se apenas como possível a condenação do arguido por um crime de ameaça simples, o que tendo em conta a inexistência de antecedentes criminais, levaria a uma condenação em pena de multa e não numa condenação de pena de prisão. 13- Se se considerar que os episódios de 2016 e 2022 se subsumem num crime de violência doméstica, a medida da pena terá, forçosamente, de ser revista e reduzida para próximo dos seus limites mínimos, uma vez que o tribunal a quo, na ponderação que efetuou, teve sempre por base um comportamento reiterado, durante anos o que, como vimos, manifestamente não sucedeu. 14- Adicionalmente, a sentença é nula na parte em que o tribunal decidiu arbitrar uma indemnização à ofendida, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP, por não ter sido dada a oportunidade ao arguido de exercer o contraditório. 15- Assim, é insofismável que o Tribunal a quo se pronunciou sobre questões de que não se poderia pronunciar, sem conferir, previamente, ao arguido o direito ao contraditório, violando, assim, o disposto no artigo 82.º-A, nº.2 do CPP. 16- Tal preterição configura uma nulidade da sentença que nesta peça recursória se argui, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPP, não podendo em consequência ser aplicada qualquer indemnização ao arguido. Assim não se entendendo, sem conceder, 17- Como supra referimos, no limite, poderão estar em causa apenas dois blocos de factos, ocorridos, respetivamente, em 2016 e 2022, e que dada a qualificação jurídica que preconizámos como correta, nem sequer deveriam ser considerados para efeito do arbitramento de uma indemnização sob pena de se estar a premiar aquele que, podendo, não deduz qualquer pedido de indemnização civil. 18- Mas se se considerar que, ainda assim, e para aquele conjunto de factos, ocorridos em 2016 e 2022, o instituto do arbitramento tem lugar, então deverá haver uma redução do quantum indemnizatório para uma quantia que não pode ultrapassar os 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), atendendo a que se tratam de 2 episódios isolados, sem a capacidade de gerar um dano que careça de uma indemnização equiparável à que é aplicada, por exemplo, em casos de morte, e que merecem o maior grau de tutela penal e civil – indemnização -no nosso ordenamento jurídico». * Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo pela improcedência do recurso. * Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. * Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: a) Nulidade da sentença, nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPP, na parte em que o tribunal decidiu arbitrar uma indemnização à ofendida, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP, por não ter sido dada a oportunidade ao arguido de exercer o contraditório; b) Verificar se os factos provados sob os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 devem considerar-se não escritos por falta de concretização; c) Verificar se deve manter-se a qualificação jurídica dos restantes factos como integrando a prática de um crime de violência doméstica, ou como dois blocos factuais isolados; d) Caso a resposta à questão anterior seja positiva, verificar se os factos a que se reporta o ponto 14 devem ser qualificados como um crime de ameaça, previsto e punido pelo art.º 153.º do Código Penal, relativamente ao qual não foi tempestivamente exercido o direito de queixa; ou como um crime de ameaça agravada, cujo procedimento criminal se extinguiu por prescrição; e) Verificar se os factos referidos nos pontos 15 a 19 devem considerar-se não provados, por apenas terem sido relatados nas declarações para memória futura da ofendida, não tendo sido presenciados por qualquer testemunha, e qualificados como um crime de ameaça previsto e punido pelo art.º 153.º do Código Penal; f) Verificar se os factos referidos nos pontos 21 a 25 devem considerar-se não provados por falta de sustento factual; g) Verificar se o arguido apenas deve ser condenado em pena de multa por um crime de ameaça simples, tendo em conta a inexistência de antecedentes criminais; verificar a medida da pena, caso se mantenha a qualificação por um crime de violência doméstica, uma vez que o tribunal a quo, na ponderação que efetuou, teve sempre por base um comportamento reiterado durante anos, o que não sucedeu. h) Verificar se é inaplicável o arbitramento de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP, e o seu quantum deve ser reduzido. DA SENTENÇA RECORRIDA Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada: «1. A ofendida BB e o arguido AA contraíram casamento no dia ........1953. 2. A ofendida abandonou a casa conjugal de forma definitiva no dia ........2022. 3. Arguido e ofendida fixaram, primeiro, residência em ..., para depois irem viver na .... 4. O arguido e a ofendida residiram na .... 5. Desse relacionamento nasceram dois filhos, já maiores, CC, nascido no dia ........1960 e DD, nascida no dia ........1955. 6. Nessas discussões, o arguido acusava a ofendida de ter outros homens, e apelidava-a de “parvinha” não gostando que se risse, o que ocorreu um número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos duas. 7. O arguido nunca deixou que a ofendida saísse sozinha de casa, apenas permitindo que o fizesse quando acompanhada por si ou pelos seus filhos. 8. O arguido não deixava que a ofendida fizesse as compras para casa, ou a acompanhava ou ia ele próprio, sozinho. 9. O arguido nunca permitiu que a ofendida tivesse acesso a quantias em dinheiro, fazendo este a gestão do dinheiro como bem o entendia. 10. O arguido manteve relações extraconjugais, o que assumia perante a ofendida. 11. Sempre que a ofendida quis se separar, o que ocorreu um número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos duas, o arguido dizia-lhe “onde que é que estejas, eu vou te buscar e mato-te” 12. Em data não concretamente apurada, mas que situa próximo ao dia ........1981, data do casamento do seu filho, na sequência de uma discussão devida a ciúmes, quando se encontravam deitados, o arguido apertou o pescoço da ofendida com as duas mãos. 13. No ano de 2016, foi diagnosticado um cancro ao arguido. 14. Em datas não concretamente apuradas, mas desde o ano de 2016, em duas ocasiões, o arguido disse à ofendida “dou te um tiro e a seguir mato me a mim.” 15. No dia ........22, pelas 8h00, na residência do casal, quando a ofendida se encontrava na casa de banho, o arguido disse-lhe para ir buscar as armas ao cofre, o que aquela recusa. 16. Nessas circunstâncias o arguido tinha uma faca que agarrava. 17. A ofendida, com medo, obedeceu ao arguido. 18. Depois de ter estar na posse das armas, o arguido disse à ofendida “tu vais depois morrer, pensas que vai ser assim mas não vai ser assim, primeiro morres tu e depois é que eu morro.” 19. Receando pela sua integridade física e a sua vida, a ofendida abandonou o lar conjugal, indo para o posto da GNR. 20. No dia ........2022, aquando a realização de buscas à morada conjugal, foram aprendidas os seguintes objectos: Uma pistola de defesa, marca “Fabrique nationale d’armes de guerre herstal belgique (baby), nº série 296592 e carregador; - Um revólver de defesa de marca “Amadeu Rossi” nº sérieY007292; - Seis munições, calibre 32 - Uma caixa com 50 munições, calibre 6,35 - Livrete manifesto de armas com o nº ...9; - Livrete manifesto com o nº L...; - Uma faca de cozinha de cortar pão, com 18 cm de lâmina e 11 cm de cabo. 21. Em todas as situações acima mencionadas que a ofendida teve de suportar, o arguido sabia que estava a molestar física e psicologicamente a ofendida, que era sua mulher e mãe dos seus filhos. 22. Mais sabia que a humilhava e a ofendia na sua honra e consideração pessoal, que a atemorizava, a diminuía na sua honra e consideração, bem sabendo que as expressões por si proferidas e atitudes adoptadas são adequadas a causar medo, receio e inquietação e de lhe limitar a sua liberdade de movimentação e de lhe causar sentimentos de vergonha e humilhação, ofendendo-a na sua dignidade de pessoa humana. 23. O arguido sabia dever uma especial obrigação de respeito à ofendida, por ser sua mulher e que o facto de os praticar dentro da residência familiar e na presença dos seus filhos, quando ainda eram menores, os tornava particularmente gravosos. 24. O arguido quis humilhar, intimidar, ofender o corpo e a saúde e a honra e bom nome daquela, criando um clima de medo, conseguindo fazer a ofendida temer pela sua vida e pela sua integridade física, causando-lhe temor e inquietação e restringindo a sua liberdade de movimentação, garantindo, deste modo, a sua superioridade e domínio sobre ela, sujeitando-a à sua vontade, o que conseguiu. 25. Em todos os actos aqui descritos, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 26. O arguido não tem antecedentes criminais averbados ao seu certificado de registo criminal. Sobre as condições socioeconómicas do arguido 27. O arguido encontra-se reformado auferindo € 500,00 mensais de pensão de reforma. 28. Obtém cerca de € 10.000,00 mensais de …. 29. Arguido e ofendida tinham, em data próxima a ........2022 cerca de € 1.200.000,00 depositados na conta bancária. 30. O arguido beneficia de cuidadora formal remunerada que o assiste nos actos de vida quotidianos. 31. Reside em habitação própria. 32. O arguido padece de neoplasia (tumor neuroendocrino) e em virtude de tal contexto, é seguido na consulta de Oncologia do .... Apresenta assim dificuldades de locomoção e de comunicação (nomeadamente audição) que limitam a sua acção/ eficiência física e que o fazem carecer de apoio de terceiros para os actos de vida quotidiano 3 3. Concluiu o 9.º ano de escolaridade». FUNDAMENTAÇÃO a) Nulidade da sentença, nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPP. A primeira questão suscitada no recurso consiste na nulidade da sentença, por violação do direito ao contraditório, nos termos do disposto no art.º 82.º-A, n.º 2 e 379.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPP. Compulsados os autos, verifica-se que o Ministério Público deduziu acusação contra o ora recorrente, imputando-lhe um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1 al. a) e c) e nº 2, al. a) do Código Penal, do qual é ofendida a sua mulher, BB. Conforme consta da parte final da acusação, «dispõe o artigo 16.º, n.º 1, da Lei 130/2015, de 4/12, que à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. Por sua vez, preceitua o n.º 2, do mesmo artigo que há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. De acordo com o artigo 67.º-A, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 130/2015, de 4/12, considera-se “vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social. No caso dos autos é inquestionável que a ofendida é considerada vítima especialmente vulnerável. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 82-A do Código de Processo Penal desde já promovo, colmatando a eventualidade de não ser deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos do artigo 72º e 77º do citado diploma legal, o arbitramento de uma indemnização à ofendida». Conferido o despacho de recebimento da acusação, verifica-se que este admitiu o pedido de arbitramento de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, nos termos do artº 82º-A do CPP e ordenou a notificação do arguido para o contestar, ao abrigo do art.º 78.º do mesmo Diploma. O art.º 82-A, n.º 2 do CPP não refere a forma como deve operar o contraditório. Sendo previsível, pelos termos da acusação, que pode ser oficiosamente arbitrada indemnização em caso de condenação, ao abrigo desta disposição legal, basta a advertência desse facto ao arguido, no momento do recebimento da acusação, para cumprir o contraditório (cfr., neste sentido, Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do CPP, Tomo I, 2.ª Ed., p. 919). No caso dos autos, é fora de dúvida que o procedimento seguido assegurou integralmente o cumprimento do contraditório, na medida em que o despacho de acusação contém expressamente o pedido de arbitramento de reparação oficiosa à vítima. Por sua vez, o despacho de recebimento de acusação tomou posição expressa sobre a sua admissibilidade e ordenou a notificação do arguido para o contestar, nos termos do art.º 78.º CPP. Assim, independentemente da qualificação jurídica correspondente à omissão do contraditório previsto no art.º 82.º-A, n.º 2 CPP1, importa concluir que tal questão não se coloca, pois, o contraditório foi plenamente observado. O recurso improcede nesta parte. b) Falta de concretização dos factos provados sob os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12. O arguido sustenta que os supra referidos factos devem ter-se por não escritos, sob pena de violação irreparável do contraditório e das garantias de defesa em processo penal previstas no art.º 32.º da Constituição, pois os mesmos não concretizam o lugar, o tempo, as circunstâncias em que ocorreram e o grau de participação, referindo-se a um hiato temporal de 70 anos. Vejamos. De acordo com o disposto no art.º 283.º, n.º 3, al. c) do CPP, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada». Relativamente à acusação – peça processual que delimita o objeto do processo – a lei estabelece uma diferenciação, na medida em que impõe a narração, ainda que sucinta, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena; mas quanto aos elementos relativos à indicação do lugar, tempo e motivação da sua prática, o grau de participação do agente e outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, apenas exige que estes sejam indicados «se possível». Deste preceito extrai-se o critério normativo da concretização dos factos nos moldes exigíveis para o exercício do direito de defesa e do contraditório (cfr. o Ac. STJ 17/12/2020, P. 2081/18.1T8EVR.S1, em www.dgsi.pt). A acusação não pode conter imputações meramente conclusivas ou de tal modo genéricas que não traduzam qualquer especificação de facto, omitindo a descrição das condutas integradoras do crime acusado, e a delimitação mínima do tempo e lugar em que os factos sucederam, sob pena de não permitir ao arguido o exercício do contraditório. Daí que se devam ter por não escritas tais imputações, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente, para não comprometer o direito de defesa constitucionalmente consagrado no art.º 32.º, n.º 5 da CRP (cfr., neste sentido, os Ac. Relação de Lisboa de 28/04/2021, P. 4426/17.2T9LSB.L1 e 11/07/2024, P. 157/20.4SXLSB.L1-5 e da Relação do Porto de 24/11/2021, P. nº 304/20.6PAVLG.P1, ambos em www.dgsi.pt). No entanto, como se assinala no Acórdão da Relação do Porto de 24/11/2021, «resulta da experiência comum haver comportamentos humanos, sancionados penalmente, em relação aos quais não é possível (ou humanamente exigível) a concretização, quanto ao dia e à hora, de todos os atos que os integram; relativamente a comportamentos reiterados que se vão prolongando ao longo dos anos não é exigível de ninguém, sequer a vítima, que fixe/memorize o dia e o lugar concretos em que ocorreu cada um dos comportamentos ofensivos do agente». Assim, o momento e lugar da prática dos factos não tem sempre que se reportar a uma data e lugar concretos, podendo fixar-se apenas balizas temporais a delimitar a sua verificação, seja por referência a um ano, a algum momento festivo ou acontecimento com significado. Terá de ser ponderado no caso concreto, se a factualidade imputada na acusação tem a concretização suficiente para permitir ao arguido o exercício eficaz do seu direito ao contraditório. Estas considerações têm particular relevância no caso do crime de violência doméstica, o qual se pode desdobrar em múltiplos atos de maus tratos praticados ao longo o tempo, em que é difícil precisar as datas exatas em que os mesmos se verificaram. Como se diz no Ac. Rel. de Guimarães de 18/12/2024 (P. 378/20.0GBPVL.G2 em www.dgsi.pt), «nos crimes de violência doméstica é da natureza dos factos que ocorra alguma indeterminação, quanto ao momento da sua prática». Por outro lado, como se refere no mesmo aresto, o conceito de generalidade quanto aos factos é ele também relativo, devendo ser dominado pelo “bom senso”, pelo que é de admitir quanto a este tipo de crime alguns factos que, isoladamente, seriam inócuos, se a seguir forem concretizados, permitindo melhor conhecer a relação afetiva que existia entre arguido e vítima e melhor explicar a motivação do agente, por forma a aferir se esta se encontrava numa clara posição de subordinação e subjugação face ao agressor. Na verdade, o tipo de crime de violência doméstica previsto no art.º 152.º do Código Penal, «visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano» (Ac. Relação de Lisboa de 07/12/2010, P. 224/05.4GCTVD.L1-5 em www.dgsi.pt). Daí que seja importante a aferição de factos que permitam circunstanciar a relação afetiva, em ordem a detetar este clima que afeta de forma intolerável a dignidade da vítima ou a sua liberdade de determinação, que caracteriza o crime de violência doméstica. No caso dos autos, são os seguintes os pontos que o arguido contesta: «6 - Nessas discussões, o arguido acusava a ofendida de ter outros homens, e apelidava-a de “parvinha” não gostando que se risse, o que ocorreu um número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos duas. 7. O arguido nunca deixou que a ofendida saísse sozinha de casa, apenas permitindo que o fizesse quando acompanhada por si ou pelos seus filhos. 8. O arguido não deixava que a ofendida fizesse as compras para casa, ou a acompanhava ou ia ele próprio, sozinho. 9. O arguido nunca permitiu que a ofendida tivesse acesso a quantias em dinheiro, fazendo este a gestão do dinheiro como bem o entendia. 10. O arguido manteve relações extraconjugais, o que assumia perante a ofendida. 11. Sempre que a ofendida quis se separar, o que ocorreu um número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos duas, o arguido dizia-lhe “onde que é que estejas, eu vou-te buscar e mato-te”. 12. Em data não concretamente apurada, mas que situa próximo ao dia ........1981, data do casamento do seu filho, na sequência de uma discussão devida a ciúmes, quando se encontravam deitados, o arguido apertou o pescoço da ofendida com as duas mãos». Trata-se de factos reportados à constância do casamento entre a ofendida e o arguido, pelo que respeitam a um período de tempo muito longo, já que estes contraíram matrimónio em .../.../1953. Num período de tempo tão longo e em que a maioria dos factos acontece na intimidade do lar, é muito difícil concretizar, a não ser por aproximação a datas marcantes, como sucede em relação ao ponto 12), o exato dia, lugar e circunstâncias em que ocorreram todos os eventos. Ainda assim, são factos que permitem caracterizar a relação estabelecida entre ambos, evidenciando o estado de total sujeição à vontade do arguido em que a ofendida sempre se encontrou, tendo de suportar humilhações, ameaças e limitações intoleráveis, pois o arguido não consentia à ofendida que se ausentasse sozinha de casa, nem sequer para fazer compras, ou dispor de dinheiro (cfr. os pontos 7, 8 e 9, que revelam factos permanentes e reiterados, respeitantes a todo o tempo de duração da vida em comum). Deste modo, afigura-se que tais factos relevam, especialmente em conjugação com os que melhor se encontram especificados nos pontos 14 e seguintes, cuja concretização o arguido não contesta, enquanto fatores de caracterização da relação existente e do estado de submissão e aviltamento da dignidade da ofendida. Acresce que tais factos têm uma suficiente concretização quanto à ação praticada, para permitir o exercício do contraditório, não estando obviamente em causa o preenchimento do tipo de crime de violência doméstica relativamente a eventos anteriores à tipificação legal, como consta da sentença recorrida («…dos factos cujo período temporal seja anterior à previsão normativa do crime de violência doméstica entendemos que estão excluídos de integrarem a prática de tal crime porquanto tal situação, à data da prática de tais factos não era antijurídica na acepção do preenchimento de tal crime [podendo, eventualmente, preencher outros tipos legais distintos]. Quanto aos demais crimes que, eventualmente, pudessem integrar facilmente se constata que ocorreu já a prescrição quanto aos mesmos e/ou não foi exercida queixa tempestivamente»). Face ao exposto, o recurso improcede quanto a esta questão, não se verificando qualquer nulidade da sentença ou fundamento para considerar não escritos os supra citados pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 dos factos provados. c) Qualificação jurídica dos factos ocorridos em 2016 e 2022 e suas consequências. O recorrente sustenta que, não sendo considerados os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 dos factos provados, a sentença recorrida contempla apenas dois blocos de factos, um em 2016 outro em 2022 (factos 14 a 19 da sentença recorrida), os quais não preenchem o tipo de crime da violência doméstica, mas apenas de ameaças, previstos e punidos pelo art.º 153.º do Código Penal. Cumpre apreciar. De acordo com o disposto no art.º 152.º do Código Penal: «1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a. Praticar o facto (…) no domicílio comum ou no domicílio da vítima; (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos (…)». O crime de violência doméstica, integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo relativo aos crimes contra a integridade física, visa tutelar, não a comunidade familiar e conjugal, mas sim a pessoa individual na sua dignidade humana, abarcando, por isso, os comportamentos que lesam esta dignidade (cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, págs. 329 a 339). Como resulta expressamente do n.º 1 do art.º 151.º do Código Penal, a reiteração não é um requisito do crime. Um único ato, ainda que isolado, é passível de preencher o tipo, desde que essa ação seja apta a colocar em causa, de forma intolerável, a dignidade da vítima ou a sua liberdade de determinação (cfr. Ac. STJ 02/10/2024, P. 156/23.4GBVNG.P1.S1 em www.dgsi.pt). O que se exige é um padrão de comportamento com perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima, o que haverá de ser apreciado pela imagem global do facto: «no polo objetivo, pela existência de uma agressão ou ofensa que revele o mínimo de violência sobre a pessoa, intensidade ou reiteração; subjetivamente e da parte do agressor uma motivação para a agressão, ofensa, achincalhamento, menosprezo; da parte da vítima o reflexo negativo e sensível na sua dignidade, por via de uma ofensa na sua saúde física, psíquica ou emocional, ou na sua liberdade de autodeterminação pessoal ou sexual» (cfr. Acórdãos da rel. de Évora de 08/01/2013, P. 113/10.0TAVVC.E1 e 11/07/2019, P. 627/17.1GDSTB.E1 em www.dgsi.pt). No caso dos autos, o recorrente parte do pressuposto de que não podem ser considerados os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 dos factos provados, o que, como já se viu, é um pressuposto errado. Tais factos revelam importantes características da relação estabelecida entre o arguido e a ofendida, evidenciando que ao longo de toda a convivência conjugal aquele a mantinha num estado de submissão aviltante, interferindo com a sua liberdade de autodeterminação, nomeadamente ao nunca permitir que esta se ausentasse de casa sozinha ou tivesse acesso a quantias em dinheiro. À luz deste quadro, a factualidade narrada no ponto 14 dos factos provados («em datas não concretamente apuradas, mas desde o ano de 2016, em duas ocasiões, o arguido disse à ofendida “dou te um tiro e a seguir mato-me a mim”»), tem uma gravidade que supera os dois atos de ameaças isoladamente considerados, na medida em que revela uma reiteração nos comportamentos abusivos do arguido sobre a vítima, submetendo-a a uma permanente menorização e aniquilamento da sua vontade, mediante temor. O mesmo se diga quanto aos factos ocorridos em .../.../2022 (pontos 15 a 18 dos factos provados), quando o arguido, agarrando uma faca, ordenou à ofendida que fosse buscar as armas ao cofre e, depois de ter estar na posse das mesmas, disse à ofendida “tu vais depois morrer, pensas que vai ser assim mas não vai ser assim, primeiro morres tu e depois é que eu morro”. Trata-se aqui de um ato com uma intensidade só por si significativa do atingimento do bem jurídico tutelado pelo crime de violência doméstica, na medida em que traduz uma ameaça à vida da ofendida, dita com foros de seriedade e de forma totalmente imotivada, revelando o propósito de atemorizar e submeter a vítima, como se não fosse uma pessoa humana com vontade própria, mas uma coisa de que o arguido pudesse dispor como entendesse, inclusivamente não permitindo que esta lhe sobrevivesse. Importa, pois, concluir que não existem apenas dois blocos de factos isolados, correspondendo a duas resoluções criminosas distintas. A matéria de facto provada revela uma reiteração e intensidade de comportamentos ao longo da convivência do casal, pautada pelo aniquilamento da vontade própria da ofendida por parte do arguido, sendo patente o clima de desvalorização, temor, intranquilidade, infelicidade, fragilidade e humilhação por esta permanentemente sofridos, pelo que importa concluir que os factos integram a prática de um crime de violência doméstica, transcendendo as concretas condutas e ameaças isoladamente consideradas. Não existe, pois, qualquer errada qualificação dos factos por parte do Tribunal a quo, pelo que improcede o recurso nesta parte. d) Tempestividade do exercício do direito de queixa/ prescrição do procedimento criminal quanto às ameaças referidas no ponto 14 dos factos provados. Face à qualificação jurídica dos factos aqui descritos a que se procedeu anteriormente, esta questão encontra-se prejudicada. Como se referiu no ponto anterior, os atos isolados de ameaças descritos no ponto 14 dos factos provados encontram-se compreendidos no tipo de violência doméstica, pelo que não se coloca qualquer questão relativa ao exercício do direito de queixa ou à prescrição do procedimento criminal. Assim, o recurso improcede também nesta parte. e) Alteração dos factos referidos nos pontos 15 a 19 de provados para não provados. Sua qualificação como um crime de ameaça previsto e punido pelo art.º 153.º do Código Penal. O recorrente alega que relativamente aos factos ocorridos em 2022, apenas existem como meio de prova as declarações para memória futura da ofendida, que relatam factos que não foram presenciados por qualquer testemunha nem são corroborados por qualquer meio de prova, pelo que os factos constantes dos pontos 15 a 19 da sentença recorrida devem ser julgados como não provados. Como é sabido, a impugnação da matéria de facto pode ocorrer por duas vias: a invocação dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2 do CPP (revista ampliada) e a impugnação ampla a que alude o art.º 412.º, n.º 3 e 4 do CCP. No primeiro caso, estão em causa vícios patentes no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. Já quando o recurso tenha por objeto a impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação do Tribunal de recurso versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, pois o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição de todas as gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio corretivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida. A impugnação do julgamento sobre a matéria de facto tem de obedecer aos requisitos prescritos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, que impõe ao recorrente o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP: i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados; ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP). Acresce ainda a exigência de que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, pois a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal. No caso dos autos, como é bom de ver, o recorrente não invoca os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, nem indica qualquer passagem da sentença que pudesse revelá-los. Oficiosamente, também não se descortina qualquer incoerência manifesta na fundamentação da sentença que possa enquadrar-se no âmbito de qualquer desses vícios. Tão pouco se mostram cumpridos os requisitos previstos no art.º 412.º, n.º 3 e 4 do CPP, quer na motivação, quer nas conclusões do recurso, para a impugnação ampla da matéria de facto. O recorrente simplesmente manifesta a sua discordância com a valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido ao conferir credibilidade ao depoimento da vítima, porquanto os factos ocorridos em 2022 não foram presenciados pela filha e genro, nem são consentâneos com outros meios de prova. Acresce que nas declarações para memória futura não se verifica a imediação que poderia justificar a credibilidade atribuída ás declarações da ofendida. Consta da fundamentação de facto da sentença: «A ofendida BB prestou declarações para memória futura as quais se mostram escorreitas e credíveis. Há que notar, desde logo, que muitos dos acontecimentos relatados ocorreram ao longo de cerca de 70 anos, pelo que é natural a dificuldade em precisar datas e acontecimentos específicos de forma circunstanciada. Pese embora a idade da vítima e dificuldade de circunstanciar os factos face ao longo período de matrimónio com o arguido, a mesma logrou identificar algumas situações que ocorreram e que denotaram credibilidade e se mostram consentâneas com a demais prova junta aos autos, como melhor se verá infra. A testemunha EE, filha do arguido e ofendida prestou um depoimento escorreito, sendo que, maioritariamente não teve conhecimento directo dos factos em apreço. Contudo, a mesma relatou situações anteriores ao seu casamento, enquanto vivia com os pais, sendo que tal, ainda que em período muito longínquo, vem credibilizar o depoimento da ofendida naquilo que era o comportamento do arguido [designadamente quanto à sua agressividade, expressões que empregava, bem como a circunstância de a mesma não sair sozinha de casa e não ter acesso a quantias financeiras], que estriba as declarações da ofendida. A forma como a testemunha depôs, com conhecimento directo e privilegiado de alguns factos [ainda que com muita antiguidade], fizeram merecer toda a credibilidade por parte do Tribunal, e vieram corroborar e confirmar a versão trazida pela ofendida nas suas declarações. A testemunha FF, genro de arguido e ofendida depôs de forma que se nos afigurou isenta, clara e credível, relatando como encontrou psicologicamente a ofendida, bem como descreveu as condições socioeconómicas do arguido, demonstrando credibilidade nesse particular e conhecimento sobre as mesmas, permitindo uma prova destas de forma mais aprofundada do que o constante do relatório social. A testemunha GG, médica psiquiatra, relatou o estado emocional da ofendida após os factos, consentânea com a vivência por esta dos factos narrados, ou seja, acaba por vir estribar os factos face às consequências sentidas, tal como mencionadas pelas testemunhas EE e FF. As testemunhas HH e II, militares da GNR depuseram de forma escorreita e credível sobre as suas intervenções nos autos ainda que não tenham conhecimento directo dos factos perpetrados contra a vítima. As testemunhas JJ, KK, LL e MM não têm conhecimento dos factos, apenas relatando que, sendo amigos do casal, nunca assistiram a episódios de violência. É de frisar que no seu depoimento, LL, acaba por mencionar que quando se encontravam na propriedade do arguido em ... a ofendida podia deambular na quinta com a esposa da testemunha, não sendo vulgar sair para a rua, o que vem credibilizar o depoimento da vítima. Acresce que foi notório face a tais testemunhos que era sempre o arguido quem estabelecia contacto, ainda que a ofendida se considerasse como amiga das testemunhas, o que vem ainda estribar a vertente controladora do arguido tal como descrito pela ofendida. (…) No que concerne aos bens apreendidos o Tribunal considerou o teor do auto de apreensão de fls. 10 e relatório fotográfico de fls. 11 para melhor apuramento do local. Assim, é com base nas declarações da ofendida e das testemunhas como supra se explanou que o Tribunal considerou os factos como provados (…)». Como resulta da fundamentação transcrita, o Tribunal ponderou as declarações para memória futura, em conjugação com outros elementos, que lhe permitiram considerar aquelas credíveis. É fora de dúvida que as declarações para memória futura da ofendida podem ser tomadas em conta no julgamento, como resulta do art.º 271.º, n.º 1 do CPP, sem que a lei imponha a necessidade de corroboração por depoimentos testemunhais presenciais. Na sua essência, as declarações para memória futura têm o mesmo valor que as declarações prestadas presencialmente em audiência, não se exigindo qualquer prova acrescida. As declarações da vítima, tal como quaisquer outros meios de prova, estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do qual «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» (art.º 127.º CPP). A livre apreciação da prova, que não se confunde com livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, pressupõe que esta se realize de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável (ainda que não totalmente objetiva, pois não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual «desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis [v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova] e mesmo puramente emocionais (…)» - cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 205). Embora não esteja sujeita a regras rígidas e catalogadas, a valoração da prova está limitada pelas regras da experiência comum, da normalidade e da lógica, para além das restrições impostas por lei. Este princípio permite ao julgador valorar livremente a prova, mas tem o dever de a fundamentar de forma lógica e racional. No caso dos autos, o Tribunal considerou as declarações da ofendida e explicou porquê, relevando o facto de esta ter identificado algumas situações que ocorreram e se mostram consentâneas com o depoimento da filha do arguido, na parte em que esta confirmou a agressividade deste, certas expressões que empregava, bem como a circunstância de não permitir que a ofendida saísse sozinha de casa e tivesse acesso a quantias financeiras; bem como com o depoimento do genro do arguido, que relatou como encontrou psicologicamente a ofendida. O Tribunal considerou ainda o depoimento de GG, médica psiquiatra, relatou o estado emocional da ofendida após os factos, consentânea com a vivência por esta dos factos narrados. Deve ainda anotar-se que na sequência dos factos ocorrido em .../.../2022 a ofendida se refugiu no posto da GNR, tendo sido realizadas buscas que revelaram a existência no domicílio do casal das armas apreendidas nos autos, o que também inculca a existência de uma atuação do arguido a motivar esta reação da ofendida. O crime de violência doméstica é cometido normalmente na intimidade do lar, fora da vista de testemunhas, nem sempre deixando vestígios físicos no corpo da vítima, como sucede no caso de ameaças ou maus tratos psicológicos. Daí que tenham que ser tomadas em conta as declarações da vítima, pois estas não deixam de ser um meio de prova admissível, cabendo ao Tribunal ponderar a sua credibilidade em face do circunstancialismo do caso concreto. No caso dos autos, o Tribunal fez uma ponderação razoável, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade e da lógica, conjugando as declarações da ofendida com outros elementos que permitem atribuir credibilidade a essas declarações, o que permitiu concluir pela prática dos factos pelo arguido. Deste modo, não existe qualquer motivo ou fundamento para alterar os pontos 15) a 19) de provados para não provados. Quanto à qualificação destes factos como crime de ameaça, trata-se de questão prejudicada pela solução dada ao enquadramento jurídico dos factos que supra se expôs na alínea c). Pelo exposto, o recurso improcede também nesta parte. f) Da ausência de prova para os factos referidos nos pontos 21 a 25. O recorrido defende que, considerando que o Tribunal a quo dá como provados os elementos subjetivos do tipo, por força da prova dos elementos objetivos, deverão os factos provados dos pontos 21 a 25 da sentença recorrida ser julgados como não provados por falta de sustento factual. A questão suscitada neste ponto encontra-se prejudicada pela solução dada às questões anteriores. Considerou-se na sentença: «Quanto ao elemento subjectivo, o mesmo foi dado como provado com base na matéria objectiva apurada, aliada às regras de experiência comum e da normalidade da vida. Com efeito, entende o tribunal que se mostra consentâneo com as regras da experiência comum que as condutas praticadas pelo arguido são aptas a ofender a integridade física, honra e dignidade da ofendida, cercear a sua liberdade e autodeterminação e causar-lhe medo e inquietação, e que o arguido sabia que tal lhe era proibido e punido por lei, sendo tais circunstâncias do conhecimento do arguido. Assim, as intenções do arguido e o conhecimento do carácter reprovável das suas condutas resultou evidente em face dos factos objectivos demonstrados». O arguido pretendia que os factos provados sob os pontos 21) a 25) fossem dados como não provados em consequência do decesso da restante matéria de facto provada, só que não é assim. Toda a restante matéria de facto subsiste. Não procedendo o arguido à impugnação ampla da matéria de facto constante dos pontos 21) a 25), nem existindo qualquer vício de conhecimento oficioso que imponha a sua alteração, improcede o recurso também quanto a esta questão. g) Condenação do arguido em pena de multa por um crime de ameaça simples/ alteração da medida da pena, uma vez que o tribunal a quo, na ponderação que efetuou, teve sempre por base um comportamento reiterado durante anos, o que não sucedeu. Como resulta do enquadramento jurídico supra exposto, está prejudicada a condenação do arguido pela prática de um crime de ameaça simples, pelo que não há que ponderar a aplicação das correspondentes sanções, nomeadamente qualquer pena de multa. O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, al. a) do Código Penal na pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. A moldura penal abstrata do crime em questão é de dois a cinco anos de prisão. O Tribunal recorrido ponderou, para a determinação da medida concreta da pena, à luz do n.º 2 do artigo 71.º, as seguintes circunstâncias: «- O grau de ilicitude dos factos praticados – elevado, atenta a reiteração de condutas ao longo do período em causa, as concretas formas como foram executadas [designadamente quanto à questão de restringir a liberdade de movimento da ofendida], as concretas agressões perpetradas e as expressões empregues, designadamente as quais criam receio; - A intensidade do dolo – directo; - As consequências das condutas do arguido na vítima – a ofendida sentiu medo, humilhação, ficou ofendida na sua honra e consideração, e encontrava-se impedida de livremente se deslocar onde quisesse. - A inexistência de antecedentes criminais averbados ao certificado de registo criminal; - As exigências de prevenção geral – elevadas, considerando que a liberdade de determinação e a integridade física e psicológica têm uma carga elevadíssima para a sociedade, num país de tradições fortemente enraizadas, onde a violência doméstica é uma realidade quotidiana que se traduz num número considerável de vítimas mortais, pelo que os valores fundamentais são fortemente abalados por atitudes como as supra descritas, sendo necessário restaurar a confiança societária na validade da norma. - O arguido encontra-se socialmente inserido; - O estado actual de saúde do arguido, dependendo de terceiros». O arguido pugna pela redução da pena para perto dos seus limites mínimos. Ora, a moldura penal do crime em questão é de dois a cinco anos de prisão, pelo que é inequívoco que a pena concreta de dois anos e dez meses de prisão já se encontra fixada muito perto do limite mínimo e suspensa na sua execução. Para sustentar a pretendida redução da pena concreta, o arguido refere que a ponderação do Tribunal a quo teve por base um comportamento reiterado, durante anos o que não sucedeu. O recorrente parte de um pressuposto de facto sem correspondência com a realidade espelhada na sentença. A matéria de facto provada evidencia uma atuação reiterada ao longo dos anos, nomeadamente no que se refere à restrição de liberdade de movimento da ofendida e ao clima de receio e intimidação, de que são expressão mais evidente os episódios de ameaças descritos. Por conseguinte, não existe qualquer violação das normas relativas à determinação da medida concreta da pena que justifique a pretendida redução da pena aplicada, a qual, reitera-se, foi graduada muito perto do seu limite mínimo. O recurso improcede também nesta parte. h) Inaplicabilidade do arbitramento de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP, e redução do seu quantum. Como resulta do enquadramento jurídico dos factos, afastada a tese do arguido de que apenas se verifica a prática de um crime de ameaça, a atuação do arguido integra a prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, al. a) do Código Penal, pelo qual este foi condenado. De acordo com o disposto no artigo 82.º-A, n.º 1, do CPP, «não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham». Por sua vez, o n.º 1, do artigo 21.º do Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro dispõe que «à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável», acrescentando o n.º 2 que «para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.° -A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser». No caso dos autos, a ofendida não se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada uma quantia, pelo que não merece censura a decisão do Tribunal de a fixar. Para a sua fixação, o Tribunal recorrido ponderou o seguinte: «Na verdade, perscrutando a matéria considerada provada, dúvidas não existem de que o arguido praticado por acção factos voluntários, já que era passível de controlo por parte do mesmo, sendo antijurídicos ou contrários ao direito, porque violadores de direitos individuais de outrem e, assim, ilícitos. Ora, uma vez que o arguido podia e devia ter agido de outra forma, as suas condutas são ético-juridicamente censuráveis e, assim, culposas, tendo actuado com dolo directo, tendo a sua conduta causado, face às várias ofensas e bens jurídicos atingidos, de forma grave, danos de natureza não patrimonial suficientemente graves para justificarem a fixação de uma compensação (cfr. artigo 496.º do Código Civil). Deste modo, atendendo às consequências da conduta do arguido, ao contexto em causa e às condições socioeconómicas do arguido [extremamente favoráveis, muito acima da média da população], tendo resultado que aquele proferiu as expressões supra mencionadas à ofendida que a ofenderam, humilharam e criaram medo, bem como à restrição de liberdade da arguida de sair de casa quando assim o entendesse e à ausência de gestão, por esta, do dinheiro, tendo presente o lapso temporal entre os factos e a sua reiteração – ocorrendo por muitos anos -, considero ajustada para compensar a vítima BB em consequência da conduta do arguido o arbitramento da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) – a qual representa cerca de 4 meses de rendimentos do arguido -, que será tida em conta em eventual acção que venha a conhecer de pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal». Também aqui se afigura de acordo com os critérios legais a argumentação expendida ma sentença, sendo certo que as razões de discordância invocadas pelo recorrente não têm apoio na matéria de facto provada, pois não estão apenas em causa dois episódios isolados, nem se trata de indemnizar o dano morte. Deste modo, o arbitramento de uma indemnização de apenas € 1.500,00, como pretendido pelo arguido, seria absolutamente inadequado e até aviltante para a vítima. Como se refere no Ac. Rel. Coimbra de 27/09/2023 (P. 18/23.5GCGRD.C1 em www.dgsi.pt), «a reparação deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, os padrões geralmente adotados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda e deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme vem sendo repetidamente afirmado pelos tribunais superiores. Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo à a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção corretiva aos casos em que a indemnização arbitrada se mostrar desconforme com aquelas regras». No caso em apreço, considerando as consequências da atuação do arguido, o longo lapso de tempo pelo qual se verificou e a sua reiteração da conduta, e bem assim as condições socioeconómicas do arguido, que tem rendimentos da ordem dos € 10.000,00 mensais, afigura-se ajustada a quantia oficiosamente arbitrada. Assim, e em conclusão, o recurso improcede na íntegra. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso do arguido totalmente improcedente. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 UC a respetiva taxa de justiça. Lisboa, 06/05/2025 Rui Poças Ana Lúcia Gordinho Alexandra Veiga _______________________________________________________1. No sentido de que se trata de uma irregularidade processual, a qual, verificando-se a situação descrita no artigo 334.º, n.º 4, do CPP, sob pena de sanação, deverá ser invocada logo após o ato de leitura da sentença, cfr. o Ac. RC 16/06/2021, P. 1153/18.7PBVIS.C1; no sentido de que é uma irregularidade de conhecimento oficioso, cfr. o Ac. RE 28/10/2019, P. 231/18.7PATVR.E1; já o Ac. RC 07/06/2016, P. 267/14.7PAMGR.C1, todos em www.dgsi.pt, considerou uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. |