Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA CARDOSO | ||
Descritores: | REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM HOMICÍDIO TENTATIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE E IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A intenção do agente, quando não expressamente admitida por confissão, extrai-se dos factos provados, com o recurso às regras da experiência comum. II – Comete o crime de homicídio simples tentado, com dolo eventual (de que vinha acusado e não, como foi condenado, o crime de ofensa à integridade física qualificada), quem, aquando de uma contenda com a vítima, e encontrando-se munido de um canivete com uma lâmina com 8 cms de comprimento, desfere dois golpes com tal objeto, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior), tendo este sofrido as lesões descritas nos factos provados (com relevância, ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante), mas não tendo falecido por razões alheias à vontade do recorrente arguido, no caso por ter recebido pronta assistência médica e hospitalar. III – Na verdade, quem, no meio de uma dinâmica de confronto físico que o acórdão recorrido reproduz, abre um canivete com uma lâmina de 8 cms. de comprimento e desfere um golpe na região peitoral esquerda de uma pessoa tem que saber que aí se encontram órgãos vitais (coração e pulmões) e que, porque os corpos estão em luta, em pé, em movimento, tem no mínimo que admitir como possível que um golpe nessa zona possa atingir um desses órgãos e conduzir à morte da vítima. Se prossegue a sua atuação, aí golpeando a vítima, necessariamente conforma-se com essa possibilidade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO I. No processo comum coletivo nº 170/23.0PAAMD do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Sintra, Juiz 3, foi proferido acórdão, em 17.10.2023, no qual se decidiu, como se transcreve: «Em face do que se deixa exposto, o Tribunal: 1. Absolve os arguidos AA e BB da prática, em coautoria material, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210º, nº 1 e 2 e 204º, nº 2, alínea f) e nº 4 do Código Penal; 2. Absolve o arguido da prática, em autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131º e 22º do Código Penal; 3. Procedendo à necessária reconvolação, condena o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste, artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (efetiva); 4. Julga procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela CC, EPE e, em consequência, condena o arguido AA no pagamento, a esta entidade, do montante de € 3157,87 (três mil, cento e cinquenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), acrescido dos juros de mora legais, vencidos desde a data da citação e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%. 5. Declara perdido a favor do Estado, nos termos previstos pelos artigos 109º, nº 1 do Código Penal, o canivete apreendido ao arguido AA, determinando a restituição dos demais bens apreendidos aos arguidos quando por si reclamados. Estes bens serão declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do n.º 3 do artigo 186º do CPP, caso não sejam reclamados no prazo máximo de 60 dias; 6. Condena o arguido AA no pagamento das custas criminais do processo (cfr. art.ºs 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e art.ºs 8º, 16º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III a este anexo), fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Unidades de conta; 7. Condena o demandado AA nas custas cíveis do pedido de indemnização – cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 523º do Código de Processo Penal». II. Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. «O presente recurso versa sobre a matéria de facto, pois que se considera que o Tribunal a quo: i. deu como provado, de forma incompleta ou deficiente, os factos 3, 5 e 10 da matéria de facto; ii. a prova produzida em audiência, em particular a documentação clínica de fls. 246 a 255 e 260, impunha que o Tribunal tivesse dado como provada a factualidade dada como não provada na al. g) da “matéria de facto não provada”, i.e. que g) Que o ofendido entrou no Hospital “em estado grave”, na sala de reanimação; iii. a prova produzida em audiência, que se encontra gravada, conjugada com a prova documental e pericial constante dos autos, impunha que o Tribunal tivesse dado como provada, sem margem para dúvidas, a factualidade dada como não provada nas alíneas j) e k) da “matéria de facto não provada”, em suma: que o arguido AA admitiu a possibilidade de causar a morte a DD, que só não sucedeu porque este recebeu auxílio e tratamento médico, e conformou-se com essa essa possibilidade de causar a morte ao ofendido (neste conspecto o entendimento do M.º P.º, converge, aliás, com a declaração de voto de vencida consignado por uma das Mm.ªs Juízas de Direito integrantes do Tribunal Colectivo ora recorrido). 2. A documentação clínica remetida pelo Hospital ... – fls. 246 a 255, a nota de alta de fls. 260 a 264, e os relatórios periciais de fls. 237 a 238, 271 a 272 e 212 a 214, e o fotograma de fls. 34 impunham que o Tribunal tivesse concretizado o local concreto em que o ofendido foi atingido pelo outro golpe que lhe foi desferido pelo arguido, dando como provado que a vítima DD foi atingido pelo arguido com dois golpes na zona do peito, sendo uma na região longitudinal torácica esquerda com componente perfurante no 9.º EIC esquerdo inframamilar e outro na região infraclavicular. 3. De resto, só assim se explicam as duas lesões torácicas que, como consequência da conduta do arguido, surgem explicitadas no ponto 5 da matéria de facto dada como provada pela deliberação recorrida, sob pena de contradição insanável entre esse e os pontos 3 e 10 da matéria de facto, vício que, porém, não faz grande sentido invocar, pois a própria contradição que ora se descortina pode ser ultrapassada com recurso não só ao texto da decisão recorrida como à própria documentação efectuada da prova (art.º 431.º, al. a) do C.P.Penal – v.g. declarações dos arguidos transcritas na motivação do recurso) e à prova documental e pericial mencionada na conclusão anterior. 4. Ainda quanto ao ponto 3 da matéria de facto, o auto de apreensão de fls. 17 e 18 e os fotogramas de fls. 133 e 134 (fotografias 20 e 21), impunham que o Tribunal recorrido tivesse concretizado as características do canivete utilizado pelo arguido AA para atingir a vítima, fazendo constar que o mesmo dispunha de um cabo com 8,5cm e uma lâmina que, quando exposta, atinge 8 cm de comprimento. 5. No que diz respeito ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, cremos que da analise à documentação clínica remetida pelo Hospital ... – fls. 246 a 255, nota de alta de fls. 260 a 264, relatórios periciais de fls. 237 a 238, 271 a 272 e 212 a 214, e ao fotograma de fls. 34, se impunha que o mesmo tivesse sido completado por forma a explicitar que, como consequência da conduta do arguido AA, a vitima sofreu “ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante no 9º espaço intercostal esquerdo” e ainda pneumotórax moderado do pulmão esquerdo. 6. Os factos complementares e concretizadores dos pontos 3, 5 e 10 da matéria de facto indicados acima (que foram desconsiderados pelo tribunal recorrido quer na matéria de facto dada como provada, quer na não provada) confirma-se, aliás, pela referência que a alguns deles se fez na parte da fundamentação do Acórdão (página 15 quanto às características do canivete, página 16 quanto à localização da componente perfurante de uma das lesões e consequência da mesma – pneumotórax do pulmão esquerdo), sendo que todos eles são deveras relevantes à cabal compreensão da actuação do arguido AA e da intencionalidade revelada pelo mesmo na prática dos factos. 7. Ainda que se considerassem meras alterações não substanciais dos factos descritos na acusação (o que não parece ser o caso, já que se trata de factualidade que constava da acusação ou de factualidade meramente complementar daquela que foi dada como provada) nada inibia o tribunal de, oficiosamente, a considerar, dando-o como provada e efectuando as necessárias comunicações legais. 8. A ficha de episódio de urgência constante de fls. 246 a 255 dos autos, da qual emerge, logo a fls. 246 que, ao entrar no Hospital ... após ter sido esfaqueado pelo arguido, foi atribuída prioridade muito urgente ao ofendido DD, e de fls. 248, parte final e 248 verso, que o mesmo entrou no Hospital ... como doente crítico, o que motivou a activação do protocolo Via Verde do Trauma (VVT) préhospitalar e que viesse a ser abordado na sala de reanimação (SR) pela anestesiologia e pela cirurgia geral, com apoio da cirurgia cárdio-torácica (CCT), são elementos de prova que impunham claramente que que o Tribunal tivesse dado como provada a factualidade dada como não provada na al. g) da “matéria de facto não provada”, i.e. que “Que o ofendido entrou no Hospital “em estado grave”, na sala de reanimação.” 9. Como quer que seja, temos por líquido que a prova produzida em audiência, conjugada com a prova documental e pericial constante dos autos e aí examinada, impunha que se desse como provado que ao desferir duas facadas no peito do ofendido DD, zona onde sabia encontrarem-se órgãos essenciais à vida (como foi, de resto, considerado provado no ponto 10 da matéria de facto) o arguido AA admitiu a possibilidade de causar a morte a DD, e conformou-se com essa essa possibilidade. 10. Na verdade, impunham que se desse como provado o dolo eventual quanto ao resultado morte, as seguintes provas, conjugadas e apreciadas segundo as regras da experiência comum: a. As declarações prestadas pelo arguido AA quer em sede julgamento, quer em sede de primeiro interrogatório judicial, quer embora merecedoras de reduzido crédito, permitiram pelo menos concluir, sem margem para dúvidas, que foi o próprio quem desferiu deliberadamente, num sentido de cima para baixo, os golpes que vitimaram DD no contexto de uma discussão (declarações prestadas na sessão de julgamento de 26-09-2024, documentadas na acta de 26-09-2024, ref. citius 153115690, gravadas no sistema integrado de gravação digital, citius media Studio, com início pelas 9 horas e 52 minutos, entre os minutos 9:26 e 09:53, 14:20 e 14:45, 22:17 e 22:52, 22:56 e 24:14, 29:14; Declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial no dia 30-09-2023, documentadas no auto de interrogatório de arguido de 30-09-2023, ref. citius 146576220, gravadas no sistema integrado de gravação digital, citius media Studio, com início pelas 10 horas e 48 minutos, entre o minuto 3:17 ao minuto 4:45) b. As declarações prestadas pelo arguido BB, em sede de 1.º interrogatório não judicial de arguido detido, em 29-09-2023, constantes do auto de fls. 55 a 59 e que foram lidas em audiência de julgamento (acta de 26-09-2024, ref citius 153115690), nas quais refere, para além do mais, que “o arguido AA desferiu uma facada na zona lateral do peito do DD.” c. O auto de apreensão de fls. 17 e os fotogramas de fls. 133 e 134 (fotografias 20 e 21), que evidenciam as características da navalha com que o arguido AA desferiu golpes no peito da vítima; d. Os fotogramas de fls. 34 (neste bem visíveis as duas lesões no tórax) e 35, a documentação clínica remetida pelo Hospital ... – fls. 246 a 255, o fotograma de fls. 191, a nota de alta de fls. 260 a 264, e os relatórios periciais de fls. 237 a 238, 271 a 272 e 212 a 214 que evidenciam com precisão o local onde a vítima foi atingida com a navalha e as consequências que desse esfaqueamento resultaram para a mesma, tal como enunciados nos pontos 5 a 8 da matéria de facto provada. 11. Estando em causa um processo cognoscitivo e volitivo interior, a intencionalidade da conduta de um agente da prática do facto penalmente típico, quando não exteriorizada ou verbalizada pelo próprio, só pode ser apreendida ou captada através da análise dos factos que objectivamente foi possível demonstrar a respeito de uma dada realidade histórica. 12. Não se concebe que alguém que, no decurso de uma “refrega” (termo usado pelo tribunal) se dispõe a utilizar uma navalha com uma lâmina de 8 cm e, deliberadamente, com ele desfere dois golpes, num movimento de “cima para baixo”, na zona do peito do outro contendor, onde sabe que se alojam órgãos vitais como o coração e os pulmões, não atingindo o primeiro por escassos centímetros, mas atingindo e perfurando o segundo, provocando pneumotórax, lesão que, sem tratamento tempestivo, pode ocasionar a morte, não tenha configurado a possibilidade de, ao agir dessa forma, poder vir a causar a morte da vítima. Com efeito, 13. Como se explicitou na motivação deste recurso, a zona onde se encontrava a componente perfurante da ferida incisa longitudinal torácica que a vitima apresentava – situada no 9º espaço intercostal esquerdo, dista não mais de 5/6 cm do espaço intercostal esquerdo onde se encontra o ápice do coração. 14. Repousa, assim, em manifesto erro a fundamentação do tribunal na parte em que refere que o arguido atingiu a vítima ainda a largos centímetros da zona do coração (página 16 do Acórdão). 15. Por outro lado, considerando o contexto de discussão (ou refrega) em que o arguido actuou contra o ofendido, é inócua e desprovida de senso a análise crítica que o tribunal empreende sobre se o arguido pretendia atingir uma zona mais central ou mais lateral do peito e sobre se pretendia visar o coração ou o pulmão da vítima, quando é dado como provado no ponto 10 da matéria de facto que o arguido quis visar uma zona onde sabia que se alojavam órgãos (no plural) vitais. 16. Não colhe, por outro lado, a argumentação do tribunal recorrido no sentido de desvalorizar ou minimizar do estado de saúde em que ficou a vítima na sequência dos factos já que: a. ainda que a vítima possa não ter corrido perigo concreto para a vida, tal em nada afasta que ao desferir os golpes no ofendido, o arguido AA tenha admitido a possibilidade de causar a morte do ofendido e se conformado com essa possibilidade, que apena não ocorreu por razões alheias à sua vontade, nomeadamente o facto de a vítima ter, em tempo útil, recebido tratamento cirúrgico hospitalar adequado. b. como resulta da documentação clínica de fls. 246 e ss. à vitima foi atribuída prioridade laranja – muito urgente, mencionando-se na “História da doença actual” que se trata de “doente crítico”, ao qual teve de ser administrado oxigénio com máscara de alto débito a 15l/min (o máximo que pode ser administrado), ainda assim se mantendo polipneico (respiração rápida e superficial). c. o estado crítico em que o ofendido DD se encontrava quando entrou no Hospital ... motivou inclusivamente a activação do protocolo Via Verde do Trauma pré-hospitalar, logo tendo sido abordado na sala de reanimação pela anestesiologia e pela cirurgia geral, com apoio da cirurgia cárdio-torácica (fls. 248 in fine e 248 verso) d. o ofendido foi cirurgicamente intervencionado de urgência, com apoio da cirurgia cardio-torácica, não se concebendo que tal intervenção cirúrgica e demais cuidados que lhe foram prestados, dos quais se destaca a forte carga medicamentosa que lhe foi administrada (propofol, centamina, fentamil), não fossem imperiosos a garantir a vida da vítima. e. O facto de ter tido alta por parte da especialidade de cirurgia geral apenas significa que após ter sido intervencionado de urgência pela referida especialidade com o apoio da CCT – cirurgia cárdio-torácica, o arguido não ficou a carecer de subsequente acompanhamento por parte da mesma, nomeadamente em sede consulta, daí a alta dessa especialidade, o que não se confunde com a alta hospitalar, apenas concedida no dia 04-10-2023 (cfr. fls. 260); f. da menção ao “pneumotórax moderado à esq” feita a fls. 246 verso dos autos é abusivo concluir, como o faz o tribunal recorrido, que o pulmão da vítima foi apenas “muito superficialmente atingido”. Na realidade o pulmão foi atingido por duas vezes, uma na região infraclavivular, com ferida borbulhante e outra na região torácica esquerda, com componente perfurante no 9.º espaço intercostal esquerdo, inframamilar, borbulhante. A fls. 248 verso da documentação clínica pode mesmo ler-se. “Apresenta ferida incisa no tórax anterior com cerca de 15cm com exposição pleural e pulmonar (…) foi realizar Angio TC Tórax com acompanhamento médico e de enfermagem, sem intercorrências, e que revelou pneumotórax moderado à esquerda, com dreno bem colocado no seu interior (…)” Significa isto que a vítima foi atingida na região torácica esquerda com tal violência que os ferimentos evidenciavam exposição pleural e pulmonar, como bem o retrata o fotograma de fls. 34. g. A consequência dos golpes – pneumotórax – ainda que sob a forma moderada (e não ligeira como o Tribunal parece ter entendido) traduz um colapso parcial do pulmão devido à presença de ar entre as duas camadas da pleura - membrana fina, transparente, de duas camadas que reveste os pulmões e o interior da parede torácica, a qual, como acima se disse, motivou uma abordagem cirúrgica urgente ao ofendido, com vista a salvaguardar a sua vida. 17. Assim: – O contexto de discussão (ou refrega conforme também se diz no Acórdão) em que os factos ocorreram; – O número de golpes desferidos no peito da vítima pelo arguido – dois; – O local onde foram desferidos tais golpes, atingido a pleura e o pulmão esquerdo e ficando a cerca de 5/6 cm do local onde se situa o ápice do coração; – As características do objecto que o arguido utilizou – uma navalha dotada de lâmina de 8 centímetro, perfeitamente apta a perfurar o corpo humano e atingir órgãos vitais; – A força e energia que tais golpes implicaram, ocasionando ferida perfurante e consequente pneumotórax à esquerda (i.e. colapso parcial do pulmão devido à presença de ar entre as duas camadas da pleura - membrana fina, transparente, de duas camadas que reveste os pulmões e o interior da parede torácica); – O estado crítico de saúde em que a vítima ficou na sequência dos factos, que demandou intervenção cirúrgica urgente – colocação de drenagem torácica -, não se concebendo que tal intervenção cirúrgica não fosse imperiosa a garantir a vida da vítima; São razões e elementos que impunham que o tribunal colectivo, de acordo com as regras da lógica e da experiência, inferisse/concluísse, sem margem para dúvidas, que ao desferir aqueles golpes em DD, numa zona onde sabia alojarem-se órgãos vitais (como, de resto, se deu como provado) o arguido AA admitiu a possibilidade de causar a morte do ofendido e conformou-se com essa possibilidade, a qual apenas não ocorreu por razões alheias à vontade do arguido, designadamente porque a vítima recebeu, em tempo útil tratamento cirúrgico hospitalar adequado a evitar esse resultado ou porque, conforme se salienta no voto de vencida da Mma Juíza-adjunta, na dinâmica dos factos, o ofendido teve a sorte de não ser atingido ainda com maior profundidade num órgão vital. 18. Deverá, assim, revogar-se o Acórdão recorrido e substituir-se o mesmo por douto acórdão que julgue como provado, nos pontos 3, 5 e 10 da matéria de facto que: “3. O arguido AA, que se encontrava munido de um canivete, desferiu dois golpes com tal objeto na zona do peito do ofendido, atingindo-o com um deles na região infraclavicular e, com o outro, na linha axilar anterior; 5. Como consequência direta da conduta do arguido AA, o ofendido sofreu lacerações na zona do peito, tendo dado entrada no Hospital ... em estado grave na sala de reanimação, tendo sofrido ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante no 9º espaço intercostal esquerdo, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo e ainda pneumotórax moderado do pulmão esquerdo. 10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao desferir dois golpes na zona do peito do ofendido, zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder vir a causar-lhe a morte, conformando-se com esse resultado, que apenas não sucedeu por razões alheias à sua vontade, em particular porque a vítima recebeu, em tempo útil tratamento cirúrgico hospitalar adequado a evitar o mesmo.” 19. Colhendo êxito a pretensão que antecede, o arguido AA deverá ser condenado pela prática, como autor material, na forma tentada, do crime de homicídio por que vinha acusado, p. e p. pelos artigos 131.º e 22.º, n.º 1 e 2, al. b) e 23.º do Código Penal. 20. Considerando a amplitude da moldura penal abstracta aplicável ao crime de homicídio tentado em apreço - punível com pena de prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 12 anos, e sopesando ainda os critérios e factores a atender para a medida da pena elencados pelo tribunal a quo (de que se destacam as elevadíssimas exigências de prevenção geral suscitadas por este tipo de crimes e as consideráveis exigências de prevenção especial suscitadas pelo arguido, que apesar de não ter antecedentes, evidencia falta de interiorização do desvalor do ilícito, indiferença aos bens e valores tutelados pela norma violada, inexistência de qualquer arrependimento genuíno), consideramos que para fazer jus às necessidades de punição que o caso requer, se imporia, e assim propugnamos, a aplicação ao mesmo de uma pena de 5 anos e 10 meses de prisão. Deste modo, entendemos que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se procedente a impugnação da matéria de facto e determinando-se a condenação do arguido nos termos jurídico-penais apontados nas conclusões 19 e 20». III. Igualmente inconformado, recorreu o arguido AA, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I. «- O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma. II. - O Tribunal a quo considerou que o arguido praticou o referido crime de ofensa à integridade física, utilizando um meio particularmente perigoso e, por isso, em circunstâncias que demonstram a especial censurabilidade da sua conduta. III. - Não obstante o arguido ter utilizado um canivete para agredir o ofendido, tal não significa, automaticamente, que o meio utilizado seja particularmente perigoso. IV. - Como também, a utilização de um meio considerado particularmente perigoso não significa, automática e forçosamente, que o agente actuou em circunstâncias que demonstram especial censurabilidade. V. - O arguido agiu de forma impulsiva, contra uma vítima beligerante, durante uma contenda entre ambos, lançando mão de um canivete que detinha para cortar produto estupefaciente, atingindo o ofendido com o referido, mas sem conceber que poderia atingir-lhe o pulmão, como acabou por fazer, de forma muito superficial. VI. - Tanto que o ofendido, não obstante as lesões sofridas, perseguiu em corrida o arguido e BB, com o claro propósito de retaliar. VII. - Face à dinâmica dos acontecimentos e às circunstâncias do caso concreto, não pode concluir-se que o arguido tenha utilizado um meio particularmente perigoso e que tenha agido com especial censurabilidade. VIII. - Termos em que o Tribunal a quo não deveria ter condenado o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo Artigo 145º n.º 1 alínea a) com referência ao Artigo 132º n.º 2 alínea h), ambos do Código Penal. IX. - O arguido foi condenado numa de prisão de 2 anos e 3 meses, decidindo o Tribunal a quo não suspender a sua execução, não obstante se tratar de pena inferior a 5 (cinco) anos de prisão. X. - O Tribunal a quo fundamentou esta decisão, resumidamente, no facto de as exigências de prevenção geral serem muito altas o que, conjugado com o facto de o arguido não ter integração social e laboral, bem como, a imagem social global da conduta praticada pelo arguido desaconselhar a aplicação de pena substitutiva, pois que causa, elevado alarme social. XI. - Mesmo sendo elevadas as exigências de prevenção geral, as necessidades de prevenção especial são, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, reduzidas. XII. - Ao decidir desta forma, o Tribunal a quo não teve em consideração um dos fins da pena, o qual, a par com as necessidades de prevenção geral e especial, é uma finalidade da punição que não deve ser desconsiderada: a reinserção social do condenado. XIII. - Resulta do relatório social do arguido que gostava de retomar os contactos com os familiares mais próximos, que regista uma trajetória de vida e um desenvolvimento adequado, que terá decorrido num contexto familiar organizado e estável, sem problemáticas de relevo ao nível afetivo, social e emocional. O arguido apresenta um percurso profissional ativo e enquadrado, com indicadores de estabilidade, revelando-se estas dimensões especialmente valoradas na sua vida e com impacto significativo no seu equilíbrio e bem-estar. Reconhece-se um esforço na aquisição de autonomia e na manutenção de atividade laboral remunerada, tendo exercido predominantemente a profissão de operário na construção civil. XIV. - O arguido não tem averbado no seu certificado de registo criminal nenhuma condenação, seja por que crime for. XV. - Encontra-se em prisão preventiva desde 30 de setembro de 2023, ou seja, há mais de um ano, tempo que se mostra suficiente para acautelar as necessidades de prevenção geral e ainda as reduzidas necessidades de prevenção especial. XVI. - Não se vislumbra o que poderá mais alcançar o arguido ao cumprir mais 1 ano e 1 mês de prisão, remanescente da pena descontado o período em que se encontra em prisão preventiva. XVII. - Assim, e por todo o exposto, o Tribunal a quo deveria ter suspendido a execução da pena de prisão aplicada ao arguido em nome da sua reinserção social, face às fracas exigências de prevenção especial que ressaltam do relatório social elaborado. XVIII. - Ao ter-se decidido pelo cumprimento efectivo de uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão, o Tribunal a quo violou o disposto nos Artigos 40º n.º 1 e 2, 71º e 50º, todos do Código Penal. XIX. - Termos em que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo deverá ser substituído por outro que, concedendo provimento ao presente recurso: a. Afaste a especial censurabilidade da conduta do arguido b. Determine a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, ainda que sob regime de prova». IV. Admitidos os recursos, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. V. Notificados para tanto, responderam o Ministério Público e o arguido, concluindo cada um pela improcedência do recurso apresentado pelo outro O Ministério Público não apresentou conclusões. O arguido, por seu lado, apresentou as seguintes conclusões: «1ª A alteração à matéria de facto provada pretendida pelo Ministério Público quanto aos factos provados sob os n.ºs 3 e 5, não tem a virtualidade de alterar a apreciação e valoração feita pelo Tribunal a quo, de modo a alterar a decisão final condenatória, com a qualificação jurídica que lhe foi dada, maxime no que respeita à intenção do arguido. 2ª Quanto ao facto dado como não provado na alínea g), que o Tribunal a quo interpretou e avaliou correctamente a documentação clínica junto aos autos, baseando-se, fundamentalmente na perícia médico-legal, prova subtraída à regra da livre apreciação da prova. 3ª A prova referida pelo Ministério Público, apesar de permitir uma decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo, não a impõe. 4ª Andou bem o Tribunal a quo na interpretação e valoração da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, bem como decidindo absolver o arguido da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio, previsto e Artigo 131º e 22º do Código Penal. 5ª Condenando o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos Artigos 143º, nº 1 e 145º, n.º 1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste Artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma. 6ª Decisão essa que deverá ser mantida nos seus precisos termos, assim se fazendo JUSTIÇA!» VI. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, que emitiu parecer concluindo pela procedência do recurso do Ministério Público e pela improcedência do recurso do arguido. VII – No exercício do contraditório, nada foi dito. VIII – Feito o exame preliminar, foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência. OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: 1. Do erro de julgamento (recurso do Ministério Público). 2. Da qualificação jurídica dos factos (recursos do Ministério Público e do arguido). 3. Do quantum da pena concreta (recurso do Ministério Público). 4. Da suspensão da execução da pena de prisão (recurso do arguido). DO ACÓRDÃO RECORRIDO Do acórdão recorrido consta a seguinte fundamentação, que se transcreve: «Discutida a causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos, com relevância: 1. No dia ... de ... de 2023, pelas 2h50, DD encontrava-se no Bairro ... quando ali se deparou com os arguidos BB e AA. 2. Os arguidos e DD começaram uma discussão por motivo concretamente não apurado. 3. O arguido AA, que se encontrava munido de um canivete, desferiu dois golpes com tal objeto, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior). 4. Após os dois arguidos fugiram ambos do local, tendo sido detidos momentos mais tarde pela PSP, tendo o arguido AA, na sua posse, o instrumento usado para desferir os golpes no corpo do ofendido. 5. Como consequência direta da conduta do arguido AA, o ofendido sofreu ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; e feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo. 6. O ofendido deu entrada no Hospital ..., de urgência, tendo sido sujeito a procedimento cirúrgico (colocação de dreno torácico). 7. Ficou internado até dia 4 de outubro de 2023, data em que teve alta. 8. Tais lesões determinaram, na pessoa do ofendido, um período de doença fixável em 60 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional. 9. O arguido AA utilizou um instrumento de natureza cortante contra o ofendido, diminuindo, dessa forma, a capacidade de defesa e de resistência da vítima. 10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao desferir dois golpes, um deles na zona do peito, zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe ferimentos dolorosos, conformando-se com esse resultado. 11. O arguido AA atuou de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 12. Por força das lesões descritas em 5., o DD foi assistido, entre o dia 29 de setembro e 4 de outubro de 2023, em episódio de urgência e em internamento, no Hospital ..., onde lhe foram prestados os cuidados médicos descriminados na fatura nº 2024/..., constante de fls. 321, que se considera reproduzida, no valor de € 3157,87. 13. Este valor jamais foi liquidado ao demandante CC.. 14. Em setembro de 2023, AA viva sozinho, em ..., no Bairro ..., num quarto arrendado. 15. Encontrava-se desempregado, depois de se ter despedido da empresa de construção civil onde trabalhava, revelando uma situação economia frágil. 16. O arguido AA nasceu em ... e é o mais novo de uma fratria de oito. 17. Viveu com os pais e os irmãos germanos, numa zona próxima de .... 18. Não são conhecidas dificuldades financeiras nessa fase do seu desenvolvimento, estando ambos os pais integrados no mercado de trabalho e, assim, com capacidades financeiras para fazer face às despesas gerais e familiares. 19. A dinâmica familiar do agregado onde decorreu o processo de socialização de AA é encarada pelo próprio como harmoniosa e equilibrada. 20. Este arguido relaciona-se de forma adequada e revela proximidade e afetividade com os demais elementos do agregado familiar. 21. A educação dada pelos pais é encarada como normativa e adequada e consonante com as regras e normas vigentes na sociedade em que estava inserido, no seu país de origem. 22. A mãe é identificada como a mais exigente e como a figura de autoridade, com a imposição de regras e limites, num modelo comportamental sem recurso à violência. 23. Quando ocorreu a separação dos pais, o arguido ficou aos cuidados da mãe com quem viveu, na zona de ..., até a falecimento desta. 24. O arguido assegurou, então, os cuidados necessários à mãe, exercendo o papel de cuidador informal da mesma, quando ela adoeceu. 25. O pai refez a sua vida e teve mais cinco filhos, irmãos com quem o arguido mantém contactos esporádicos. 26. Alguns destes irmãos residem em Portugal. 27. Em 2017, com 37 anos de idade, o arguido AA veio para Portugal com uma irmã da parte do pai que vive em .... 28. Permaneceu dois dias neste país e foi para ..., para conhecer familiares, ali permanecendo durante um mês. 29. Depois, voltou para Portugal e foi viver com uma madrinha na ..., na zona do ..., durante cerca de três/quatro meses. 30. Como trabalhava na construção civil em …, decidiu mudar-se para mais perto do trabalho, considerando que perdia muito tempo em viagens, diariamente. 31. Inicialmente, foi viver para um quarto arrendado na zona da ... e, em 2022, mudou-se para ..., para o Bairro ..., local onde residiria na data indicada em 1.. 32. Completou o 9º ano de escolaridade no seu país de origem, mas acabou por deixar a escola e ir trabalhar, de forma informal, em várias áreas. 33. O seu trajeto laboral foi caracterizado por atividades na área da mecânica automóvel, da agricultura e, mais tarde, na construção civil, emprego que manteve durante um maior período de tempo. 34. À data dos factos, não estava integrado em mercado de trabalho. 35. Como tinha conhecimentos profissionais na área da construção civil, fazia trabalhos ocasionais sempre que era chamado. 36. O arguido dedicava-se, nesta altura, ao consumo de cocaína. 37. Com 10 anos de idade, o arguido ingressou no mundo do basquetebol, tendo sido jogador profissional, no seu país de origem, até à maioridade, atividade pela qual demonstra gosto e entusiasmo. 38. O arguido verbaliza que, quando em liberdade, pretende continuar a residir em Portugal, regularizar a sua documentação junto da AIMA, já que permanece neste país sem licença de permanência, e integrar o mercado de trabalho por forma a conseguir organizar a sua vida de forma normativa. 39. E verbaliza que gostaria de retomar os contactos com os familiares mais próximos. 40. Atualmente em reclusão no Estabelecimento Prisional de …, onde se encontra preso preventivamente desde 30/09/2023 à ordem dos presentes autos, tem registo de uma sanção disciplinar datada de 30/10/2023, que foi arquivada. 41. O arguido não se encontra integrado em nenhuma atividade laboral, nem formativa, em virtude de estar ainda na situação jurídico-penal de prisão preventiva. 42. O arguido AA não recebe visitas, uma vez que não informou familiares nem amigos próximos da sua situação de reclusão, não mantendo, assim, contacto com ninguém do exterior. 43. O arguido BB vive como se de marido e mulher se tratasse, com EE, desde 2016, numa altura em que viviam, ainda, ambos, em .... 44. O casal tem um filho, com 4 anos de idade. 45. O arguido frequentou, em ..., o primeiro ano de curso superior, não continuando os estudos. 46. Por forma a procurarem melhorar as condições de vida, o casal resolveu mudar-se para Portugal, em 2022, tendo o arguido chegado em abril e a sua companheira em setembro. 47. Em Portugal, o arguido, apesar de ter começado a desenvolver atividade profissional, ficou desempregado em julho de 2023. 48. O arguido dedicava-se ao consumo de produtos estupefacientes, em especial cocaína, pelo que resolveu, com a ajuda da família, voltar a ..., onde está internado num Centro de Reabilitação e Reinserção, em .... 49. Este arguido beneficia do apoio, naquele país, dos pais, tios e avós. 50. A sua companheira permaneceu em Portugal e beneficia do apoio logístico e financeiro da respetiva família, avós e tios. 51. Tem executado trabalhos esporádicos e sem vínculo, nos quais aufere entre € 500,00 a € 600,00 por mês. 52. Vive em casa da mãe do arguido. 53. Os arguidos não têm qualquer condenação averbada nos seus registos criminais. * Factos que, com relevância para a causa, não se consideraram provados: a. Que DD fosse abordado, nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas em 1., pelos arguidos BB e AA, bem como por um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, que lhe pediram a entrega dos bens que trouxesse consigo; b. Que uma vez que DD recusou, oferecendo resistência, o arguido BB tenha desferido um soco na face daquele, o que fez com que o mesmo caísse ao solo; c. Que um dos golpes tivesse atingido DD junto ao coração; d. Que após os golpes descritos em 3., os dois arguidos lograssem retirar a quantia monetária de € 20,00, um título navegante e a carta de condução do ofendido; e. Que os arguidos fizessem seus, assim, estes objetos; f. Que o arguido BB, com a sua conduta, tenha contribuído para as lesões descritas em 5.; g. Que o ofendido tenha entrado no Hospital “em estado grave”, na sala de reanimação; h. Que os arguidos atuassem com o propósito de se apropriarem, em comunhão de esforços, dos objetos referidos, que sabiam não lhes pertencer e que atuassem contra a vontade do ofendido, causando-lhe prejuízo patrimonial, resultado que quiseram e conseguiram; i. Que a faca fosse usada para criar no ofendido um estado de intimidação e medo; j. Que o arguido AA, ao golpear o ofendido em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, admitisse a possibilidade de causar-lhe a morte, que só não sucedeu porque DD recebeu auxílio e tratamento médico; k. Que o arguido AA se tenha conformado com essa possibilidade de causar a morte ao ofendido; l. Que o arguido BB atuasse de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. * Motivação da Decisão de Facto A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto descrita na acusação e que ora se deu por assente, estriba-se no confronto crítico das declarações produzidas, em audiência, pelo arguido AA, das declarações produzidas por ambos os arguidos perante Juiz de Instrução Criminal, dos depoimentos produzidos pelas testemunhas FF, GG, EE e HH, dos relatórios periciais de medicinal legal de fls. 212 e 271 e da documentação carreada para os autos, com especial enfoque para o auto de notícia de fls. 6, autos de apreensão de fls. 17, 19, 21 e 23, auto de exame e avaliação de fls. 25, relatório de visionamento de fls. 36 e 37, documentação clínica de fls. 81 e 246, reportagem fotográfica de fls. 123 a 137 e 191 a 193 e resultado da pesquisa na base de dados do IMT. Ora, apesar de todos os esforços do tribunal para notificar e fazer comparecer DD em audiência, tal não se tornou possível. Resulta transversalmente das declarações dos dois arguidos, dos depoimentos de FF e de HH e da observação da documentação clínica de DD que este é pessoa sem abrigo com problemas de consumo/abuso de estupefacientes. Efetivamente, como se observa na ficha clínica de fls. 81, esta pessoa foi trazida aos serviços de urgência do Hospital ..., em …, de ambulância, em estado relativamente grave – tendo-lhe sido atribuída pulseira laranja dentro do critério da Escala de Manchester – mas mostrou-se um “doente pouco colaborante (discurso alternante entre francês/inglês-português – de difícil compreensão mas algo coerente apesar das dificuldades linguísticas”, mostrando-se “agitado”. Assim, estes elementos, na falta da sua presença em tribunal, permitem concluir que, nesta parte, as declarações produzidas pelos arguidos – BB apenas perante Juiz de Instrução Criminal e do arguido AA em dois momentos – mantêm alguma coerência, pelo que o conflito entre aqueles e o ofendido se poderá ter despoletado por causa de assuntos relacionados com o consumo de estupefacientes. Estes meios de prova não permitem, igualmente, após analisado o auto de visionamento da gravação vídeo recolhida pela PSP, excluir que o ofendido poderia ter-se comportado, ele próprio, como uma pessoa agressiva perante os arguidos. Efetivamente, desta gravação não se permite concluir que os arguidos, como o fotograma de fls. 37 documenta, levassem com eles objetos que não lhe pertencessem, não se excluindo que a perseguição tenha ocorrido na sequência da refrega e das facadas e motivada pela intenção de DD retaliar. E não se permite concluir desta prova produzida em audiência, em alternativa, que este corria no encalço dos arguidos na tentativa de recuperar os seus pertences. A falta de DD em audiência e da sua explicação sobre a dinâmica dos factos impossibilita, assim, a conclusão de que os arguidos fizeram seus, deliberadamente, valores e pertences do ofendido. Mais, tendo sido participada a subtração da carta de condução, verificamos que o resultado da pesquisa negativa que antecede, realizada nas bases de dados do IMT, permite concluir que DD não tinha carta emitida por este organismo. Não se descura que este ofendido é cidadão guineense, mas o certo é que, não se inserindo os títulos de condução emitidos pela ... naqueles reconhecidos em acordos bilaterais celebrados com Portugal, nem integrando, aquele país, a Convenção sobre Trânsito Rodoviário, celebrada em Genebra a 19.09.1949, aumentam as dúvidas da razão pela qual o ofendido se faria transportar com aquele título, nestas circunstâncias. A prova produzida em audiência não permite apontar, sequer, para uma séria possibilidade da ocorrência dos factos que se deram por não assentes em a),b),d),e),f),h)e l), muito menos permitindo ancorar a certeza exigida em processo penal. Efetivamente, ambos os arguidos negam estes factos e não existe qualquer elemento de prova que permita concluir que o arguido BB concretizou qualquer ação que contribuísse para a lesão do corpo de DD. As declarações de ambos os arguidos não excluem, no entanto, como se deixou assinalado, uma refrega nas circunstâncias de facto e de lugar descritos em 1., O arguido AA, nas suas declarações incoerentes e pouco espontâneas, assume, de forma que não nos merece dúvidas, que foi o autor dos golpes que vieram a vitimar DD e a produzir as lesões que se encontram documentados nas fotografias de fls. 34 e 35 e nas fichas de atendimento hospitalar de fls. 81 e 246 (e analisadas no auto de perícia de fls. 212). Também em sede de primeiro interrogatório, ainda que em declarações divergentes das produzidas em audiência, AA tinha assumido a autoria desses golpes, produzidos com a faca que lhe veio a ser apreendida, nos termos descritos no auto de apreensão de fls. 17.. E o arguido BB tinha, também ele, em sede de primeiro interrogatório, cujo auto de fls. 55 e ss. aqui se considera reproduzido, declarado que o arguido AA “desferiu uma facada na zona lateral do peito do DD”. Pelo que não existem dúvidas, igualmente, sobre a autoria de golpes com o canivete apreendido ao arguido AA. Segundo as declarações ali produzidas por BB, julgado na ausência, o DD é que tentou assaltar outro jovem que se encontrava no Bairro e, não o conseguindo, abordou-o e tentou puxá-lo e desferir socos para lhe tirar a cocaína que o declarante destinava ao seu consumo. O arguido AA interveio, tentando saber o que se estava a passar e o DD tenta bater-lhe e no declarante com duas garrafas com que, entretanto, se muniu. E foi nessa altura que o AA se defendeu. Ora, em audiência, o arguido AA apresenta uma explicação atabalhoada, mas divergente desta. Assim, ainda que procure argumentar que agiu para se defender, a sua versão é contrária às mais basilares regras de experiência comum, desacreditando-o, bem como ao seu coarguido. Conta o arguido AA que, naquela noite, vinha a descer a a rua do Bairro ... com um amigo seu, o II. Mas, mais à frente, nas suas declarações sempre pouco credíveis, o arguido AA já diz estar acompanhado do “…”. E explica que tinham saído, pouco tempo antes, de um café onde estiveram, ambos, a conviver. Em determinado momento, começam a ouvir gritos fortes, com pedidos de socorro, distinguindo a expressão “larga-me”. De forma que não fundamenta, nem se torna inteligível, o arguido afirma que pensou que era uma rapariga, o que o leva a ficar alerta e a procurar intervir, não obstante reconhecer de que se trata de um bairro muito perigoso. Assim, disse ao seu amigo de ocasião que o declarante seguiria pela estrada abaixo, combinando com ele que aquele seguiria por outro caminho. E a falsidade desta versão, desprovida de contorno credíveis, é tão evidente que termina, neste momento, a sua narrativa relativamente a este amigo, que não vem a ser localizado, nem identificado pela polícia. A existir tal amigo, dificilmente se compreende que se perdesse num bairro composto, essencialmente, por uma estrada e ruas a esta anexas. O arguido AA conta que, então, veio a encontrar o BB “desamparado”, sem t-shirt e com mazelas na boca, o que excede, manifestamente, a narrativa deste e não corresponde a lesões observadas no momento da respetiva detenção, registada no auto de fls. 6.. Ainda assim, o arguido ora declarante questionou o seu coarguido BB sobre “quem era a vítima” e aquele anunciou-lhe que esta era o próprio e que o DD lhe estava a bater e estava a assaltar. O BB contou-lhe que tinha ido ali ao Bairro comprar droga e parou debaixo de uns prédios, quando lhe apareceu o DD que lhe pede a droga. O BB teria partilhado a droga com este, mas o DD queria mais e começou a bater-lhe e a dizer que ele lhe devia dinheiro. Enquanto o BB lhe contava o sucedido, conta o arguido AA, o DD veio por trás e queria “saltar para cima” do primeiro. Não se controlava, comenta o arguido AA, pelo que este teve de se meter no meio para defender o BB. O DD dizia que o BB lhe devia dois euros e fazia-se munir de um cachimbo de metal na mão esquerda. O declarante afiança que o DD, pessoa que já o tinha tentado assaltar anteriormente, tentou acertar-lhe com o cachimbo, mas o primeiro, felino (numa agilidade que atribui a ter jogado basket em adolescente) desviou-se. O arguido, numa dinâmica que não consegue explicar face a esta descrição, conta que tinha consigo o canivete que usa para cortar droga e fez-se munir dele. Ora, como se observa do auto de apreensão e do auto de exame do canivete e como o arguido assume, este instrumento não estava dotado de qualquer mecanismo de abertura rápida, pelo que as declarações do arguido, segundo as quais o canivete lhe aparece aberto na sua mão, como por mágica, são incongruentes, mais uma vez, com as regras da lógica e da experiência comum. Não se concebe, pois, que o arguido tivesse, nestas circunstâncias por si narradas, a serem verdadeiras, qualquer oportunidade de abrir o canivete. Nestas declarações, o arguido AA não consegue explicar, igualmente, de forma racional, os cortes encontrados na palma da mão esquerda (cfr. reportagem fotográfica de fls. 35 e ficha de atendimento hospitalar) da vítima. Estas lesões, mais superficiais, têm natureza manifestamente defensiva. O que contraria, uma vez mais, as declarações do arguido. O arguido AA, que começa a dizer que o DD segurava o cachimbo na mão esquerda e que tentou atingi-lo com este objeto, explica, depois, que este tentou socá-lo com a mão oposta àquela que foi, considera, inadvertidamente por si golpeada. O arguido explica, assim, a transferência de sangue para a sua roupa pelo facto do DD ter, ainda, com essa mão, acertado no seu braço na tentativa de lhe bater. Em audiência, o arguido AA prossegue a sua narrativa explicando que o DD, sob o efeito de estupefacientes, tentou, sempre, bater-lhe de forma descontrolada. Assim, o DD, com respetiva mão direita, segurou o braço esquerdo do declarante e, com a mão oposta, segurou no braço em que o arguido segurava no canivete. Cruzando as mãos, o DD, com a mão direita, deu uma palmada (de cima para baixo) na mão com que o arguido segurava o canivete (a direita). E numa dinâmica contraditória, mais uma vez, com as mais básicas regras de experiência de vida, o canivete saltou para a parte lateral do peito do DD (que reconhece que era mais alto do que ele e estava de frente para si), assim justificando a lesão mais grave. E conta que, depois, o canivete caiu no chão. Quando o canivete caiu no chão, o arguido AA pegou no mesmo e fugiu, sendo acompanhado pelo BB e seguido pelo DD que lhe dizia “agora é que te vou matar”. E afirma que o DD andou, assim, a segui-lo, em redor de um carro, com pessoas a filmar. Depois, o declarante agarra no BB para fugirem pela estrada principal, acabando o DD de ficar para trás. Então, o declarante e o arguido BB pararam os dois, cansados, numa paragem de autocarro. Os agentes da PSP abordaram-no e o declarante contou-lhes tudo e entregou voluntariamente o canivete. Nega que tivesse € 20,00 consigo, apesar dos agentes o agredirem para procurarem a restituição de tal valor que rejeita ter retirado ao ofendido. E esclarece que tanto o declarante como o BB traziam, com eles, bolsas, que terão sido retiradas pelos agentes. Confrontado com o fotograma de fls. 37, o arguido reconhece-se na dianteira, sendo seguido pelo BB e pelo DD, por esta ordem. Ora, observa-se, destas declarações, a omissão a qualquer referência a garrafas. Nas suas declarações, o arguido AA emprega uma expressão, que é elucidativa do que se pode ter passado naquela ocasião e que ajuda a permitir a conclusão de que atingiu, deliberadamente, o DD com o canivete que trazia consigo. Afirma o arguido AA que “na rua, vale a lei do mais forte”. Procedeu-se, em seguida, à reprodução das declarações produzidas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório, ficando a nu a notórias contradições com as ora produzidas, sem que nada o justifique. Assim, naquela sede, o arguido explica que conhecia o DD, da rua, desde há cerca de dois meses. E, numa declaração menos rebuscada, afirmou que quando chegou, encontrou o BB com a t-shirt desfeita e o DD a tentar assaltá-lo. Ora, logo aqui se observa a primeira divergência já que, em sede de audiência, conta que o DD não estava com o BB, antes aparecendo por detrás quando este lhe explicava o que acontecera. Também nesta narrativa produzida em sede de primeiro interrogatório, o arguido conta que se meteu no meio e procurou apaziguar as coisas, explicando que o DD também lhe avançou a explicação de que o BB o tinha assaltado e tinha tirado dois euros. No entanto, entendeu que alguma coisa não batia certo nesta explicação, após o que o DD pegou num cachimbo e procurou atingir o declarante com o mesmo. O DD não o atinge e procura, de novo, acertar-lhe com esse cachimbo, conseguindo o declarante repelir essa segunda tentativa, já com o canivete. O declarante afirma que, nesse momento, fez “um corte sem querer” no DD, presumindo que foi na mão. O DD voltou, então, com uma garrafa e partiu para cima do arguido. Este “mexeu-se” e, “sem querer”, para se “defender” acertou-lhe com a faca. Foi aí que, “se calhar” acertou no peito. Após o que os dois arguidos correram, com o DD no seu encalço. Quando a polícia os mandou parar, explica, obedeceram. Questionado, admite que, nesta refrega, “não ficou com nenhum arranhão”, o que justifica com a circunstância de estar sóbrio, enquanto o DD sob o efeito de estupefacientes. Também nestas declarações o arguido deixa transpirar uma consideração que é comprometedora e que permite perceber que atuou com a intenção de atingir o DD e já não com a intenção de se defender. Efetivamente, depois de ter explicado que o DD já o tentara assaltar anteriormente, sem sucesso graças à intervenção de terceiros, o arguido AA comenta que, ao defrontar o DD, nestas circunstâncias de tempo e de lugar descritas na acusação, lhe disse que “aquilo ia ficar resolvido” (entre os dois). Ideia que, recalcitrantemente, parece repetir, ao afirmar que existe uma lei do mais forte nas ruas do Bairro, avessa, pois, à nossa lei penal. As declarações produzidas nos dois interrogatórios pelo arguido AA são produzidas de forma que não nos merece, repetimos, qualquer crédito. As contradições e incongruências permitem apenas concluir que as lesões foram propositadamente produzidas pelo arguido AA, ainda que não se descure, pelo que ficou dito, uma atitude agressiva de DD, mas sem a carga e intensidade que o primeiro tentou insinuar. A configuração de tais lesões pressupõe o emprego de uma energia que dificilmente se poderiam explicar por acidente. Na verdade, o arguido AA – à semelhança do BB – é que se encontrava munido de uma faca. Assim, atenta a circunstância de se encontrar de frente para a vítima, e ainda que esta não estivesse absolutamente estática, permite-se concluir que o arguido AA pretendeu atingir, num golpe de cima para baixo, DD, produzindo-lhe lesão necessariamente dolorosa. Vista as caraterísticas do canivete – com uma lâmina de 8 centímetros de comprimento - e as parcas circunstâncias conhecidas em que o arguido atuou, não se permite concluir que este quisesse atingir uma zona mais central do peito, nomeadamente o coração. O relatório pericial, a documentação clínica e a reportagem de fls. 34 permite concluir que o arguido atingiu a vítima ainda a largos centímetros da zona do coração, ainda que visando uma zona em que está albergado o pulmão esquerdo. Atentas as caraterísticas do canivete, é de presumir que, querendo atingir mortalmente a vítima, procurasse, espetar a respetiva lâmina perpendicularmente à linha do peito, em vez de produzir uma ferida com estas caraterísticas – apesar de incisiva, com rasgão de poucos centímetros de comprimento, e com orientação longitudinal. O que apenas permite, com as certezas que o processo penal exige, e afastada a plausibilidade de ter repelido uma ameaça atual ou iminente para a sua integridade física e vida, concluir que o arguido visou apenas magoar, ainda com seriedade, o seu oponente. Não se permitindo, pois, assentar certezas de que se conformaria com o resultado morte. O relatório pericial conclui que do evento não resultou qualquer perigo para a vida do arguido, resultando que o texto da acusação não encontra abrigo na prova concretamente carreada para os autos. Efetivamente, não se permite concluir que o golpe tenha atingido DD “junto ao coração”, não resulta da documentação médica de que tenha corrido perigo de vida, nem que tenha sido reencaminhado para a reanimação, como se verteu na peça acusatória. Ainda que se possa conceber que a introdução de cateter é um ato médico invasivo e, assim, constitui um procedimento cirúrgico, o certo é que na documentação médica (cfr. fls 246 verso) se observa logo, pela especialidade de cirurgia geral “sem patologia do foro da cirurgia geral. Tem alta por parte da especialidade”. A localização do pulmão junto à zona atingida não permite, com as mesmas certezas que o direito penal exige, concluir que o arguido concebeu que poderia atingir este órgão como, muito superficialmente, acabou por o fazer, causando “pneumotórax moderado à esq.” (cfr.- fls. 248). A intenção do arguido e os factos assentes em 10. e 11., ligados à vontade interior de AA, resultam do que se disse e da sua objetivação no exterior. A extensão das lesões e as consequências médico legais da sua atuação, assentes em 5. e 8., resultam comprovadas com base nos relatórios de perícia de avaliação de dano corporal em direito penal, apresentando-se o relatório pericial final a fls. 212. A prova da prestação dos serviços pela demandante resulta da documentação médica já analisada, sendo que a liquidação dos respetivos serviços se encontra assente com base na fatura junta a fls. 321, essencial para a prova do facto inserido em 12.. As testemunhas inquiridas não permitem infirmar a convicção ora exposta sobre os factos, antes os corroborando. Assim, o inspetor FF, da Secção de Homicídios da Polícia Judiciária, revela que os dois suspeitos já tinham sido detidos e interrogados judicialmente quando o processo lhe foi enviado para investigação. Na altura, a testemunha não teve facilidade em encontrar a vítima, apurando que esta se encontrava na situação de sem abrigo. O discurso e o hábito externo de DD eram compatíveis, diz-lhe a experiência profissional, com uma situação de um consumidor de estupefacientes. GG, agente da PSP a exercer funções na Esquadra da PSP da ..., declara conhecer os arguidos desta situação, tendo tido outra intervenção em que o aqui arguido AA se apresentava como vítima. A intervenção desta testemunha limitou-se, explica, a localizar, em fontes abertas, e em extrair o vídeo que foi alvo de visionamento reduzido a auto, a fls. 36.. HH, agente da PSP em exercício de funções na Esquadra de Investigação Criminal da ... confirma a autoria e o teor do auto de detenção de fls. 6, por si subscrito. A testemunha, na altura dos factos, integrava a Esquadra ..., tendo recebido uma comunicação, por volta das 3 horas da madrugada, de que havia um homem esfaqueado, no interior do Bairro ..., na .... Um colega seu chegou ao local primeiro e apurou que se tratara de um roubo, tendo transmitido as caraterísticas dos suspeitos, que a testemunha e demais colegas vêm a abordar numa paragem de autocarro a cerca de 300 a 400 metros do local onde havia a indicação do “roubo” ter ocorrido. Estes indivíduos, os arguidos, tinham vestígios de sangue, pelo que foi recolhida a roupa e a faca do arguido AA, que tinha, igualmente, vestígios hemáticos. Na abordagem policial, o arguido AA não se mostrou surpreso. O depoente confirma que não foram detetados quaisquer bens associados ao roubo. Questionado, declara ter a ideia de que os arguidos não teriam bolsas a tiracolos, mas esclarece que, se as tivessem, teriam feito a revista. E assevera que, no auto, fez constar tudo o que apreendeu, não descurando a hipótese de alguma bolsa, que não tenha sido apreendida aos arguidos por não relevar para o processo, poder integrar o respetivo espólio dos detidos. A testemunha esclarece, ainda, que não contactou a vítima e, sendo-lhe perguntado, responde que o arguido BB seria mais alto do que o arguido AA, tendo 1,80m, tendo estaturas físicas similares. EE tem um depoimento objetivo, confirmando os factos relativos às atuais condições económicas e sociais do seu marido. Valorou-se, a este propósito, o documento junto pelo arguido BB em 25 de setembro de 2024. As condições económicas e sociais do arguido AA resultaram assentes com base nas suas declarações e no relatório social junto aos autos, a fls. 338 e seguintes. O facto concretamente assente em 36. resulta das suas próprias declarações, em que se conclui que este arguido tinha um sistema de vida destruturado e assente no consumo de cocaína, deambulando, para esse efeito, pelo Bairro indicado em 1., conhecido por problemático, ainda que vivesse em ..., numa outra área desfavorecida. Assim, das declarações produzidas em audiência e do seu discurso desculpabilizador conclui-se, em dissonância com as conclusões vertidas no relatório social, que este arguido não se encontrava, de todo, inserido socialmente. A situação descrita em 38., que se descortina da informação prestada pela AIMA a fls. 28 e 29, é sintomática dessa desorganização pessoal. A prova da falta de antecedentes criminais assenta no certificado de registo criminal de fls. 352 e 353. Os factos não provados justificam-se pelo que ficou dito e pela falta de qualquer meio de prova que os corrobore». INCIDÊNCIAS PROCESSUAIS COM RELEVO PARA A DECISÃO I. Do voto de vencido O acórdão recorrido tem o seguinte voto de vencido (transcrição): «Vencida, na medida em que entendo que, em face da apurada dinâmica dos factos, do número de golpes e da localização e das características do golpe desferido pelo arguido AA na zona do peito de DD, incluindo a sua profundidade, tendo como resultado as lesões descritas no ponto 5. dos factos provados, que as fotografias de fls. 34 (da zona torácica) e 35 (na zona da mão esquerda/ferida defensiva) exibem, tendo necessariamente implicado força e vontade dirigidas a atingir o ofendido na zona do peito/tórax, onde se alojam órgãos vitais, nomeadamente o coração e os pulmões, levam à conclusão, segura, de que ao desferir aquele golpe o arguido AA admitiu a possibilidade de causar a morte do ofendido e se conformou com essa possibilidade, e de que a morte do ofendido apenas não ocorreu por razão alheia àquela vontade do arguido AA, designadamente porque, na dinâmica dos factos, o ofendido teve a sorte de não ser atingido ainda com maior profundidade num daqueles órgãos (e só por isso não sofreu concreto perigo de vida, sendo que ainda chegou a ser atingido num pulmão – cfr. o relatório pericial de fls. 212 a 214), o que não descaracteriza objectiva, nem subjectivamente, a conduta do arguido. Por conseguinte, entendo que deveria ter-se julgado provada aquela factualidade e, em consequência, deveria o arguido AA ser condenado pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, a título de dolo eventual (com interesse a este respeito, vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no Proc. n.º 2139/19.0JAPRT, em 28.10.2020, disponível em www.dgsi.pt., e a doutrina e demais jurisprudência nele referenciadas)». II. Da acusação Porquanto, como adiante se desenvolverá, terá interesse para a decisão, transcreve-se o teor da acusação deduzida nestes autos: «No dia 29.09.2023, pelas 02h50, o ofendido DD encontrava-se no Bairro ... quando foi abordado pelos arguidos BB e AA, bem como um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, que lhe pediram a entrega dos bens que trouxesse consigo. Uma vez que o ofendido recusou, o arguido BB desferiu um soco na face daquele, o que fez com que o mesmo caísse ao solo. Após e vendo a resistência do ofendido, o arguido AA, que se encontrava munido de uma faca, desferiu dois golpes com tal objecto na zona do peito do ofendido, junto ao coração. Em acto contínuo, os arguidos lograram retirar a quantia monetária de € 20, um título navegante e a carta de condução do ofendido. Após, fugiram ambos do local, apropriando-se dos objectos em causa, tendo sido detidos momentos mais tarde pela PSP, estando o arguido AA na posse da faca utilizada para desferir golpes no corpo do ofendido. Como consequência da conduta dos arguidos, o ofendido sofreu lacerações na zona do peito, tendo dada entrada no Hospital ... em estado grave na sala de reanimação, tendo sofrido ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; feridas incisas superficiais dispersas nos membros superiores, tendo sido sujeito a intervenção cirúrgica e ficado internado até dia 04.10.2023. Tais lesões determinaram na pessoa do ofendido, um período de doença fixável em 60 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional. Os arguidos actuaram com o propósito de se apropriarem, em comunhão de esforços, dos objectos referidos, que sabiam não lhes pertencer e que actuavam contra a vontade do ofendido, causando-lhe prejuízo patrimonial, resultado que quiseram e conseguiram. Para tal, o arguido AA utilizou um instrumento de natureza cortante contra o ofendido, criando-lhe dessa forma, um estado de intimidação e medo para que fosse diminuída a capacidade de defesa e resistência da vítima. O arguido AA actuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando a faca que tinha na sua posse quando abordou o ofendido, admitindo a possibilidade de, ao atingi-lo por duas vezes, no peito, em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe ferimentos graves ou até mesmo a morte, que só não sucedeu porque o ofendido recebeu auxílio e tratamento médico, conformando-se com essa possibilidade. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal». FUNDAMENTAÇÃO I. Do erro de julgamento É sabido que em face do nosso quadro normativo, a decisão da primeira instância pode ser modificada (artigo 431.º/b) por duas vias diferentes: Ou através da invocação dos vícios referenciados no artigo 410.º/2 do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, onde, consabidamente, se vem inserindo a violação do princípio in dubio pro reo), vícios, aliás, de conhecimento oficioso, no que se vem denominando de “revista alargada”. Ou mediante o que se vem denominando de “impugnação ampla”, procedendo-se à invocação de erros de julgamento, de harmonia com o estatuído no artigo 412.º/3 e 4 do mesmo diploma. No caso dos vícios do artigo 410.º/2 do CPP estamos perante vícios da decisão, sendo que qualquer das situações aí mencionadas se traduz em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspetiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova. Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410.º do CPP, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado em face da mesma - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência - sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, nos termos do estatuído no artigo 426.º CPP. Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410.º/2 CPP, terá que ser detetada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum. Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410.º do CPP, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto. Qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência, não podendo ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º do CPP. Pretende o ora recorrente Ministério Público impugnar o julgamento sobre a matéria de facto nos termos prescritos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP. Nesta situação a apreciação do Tribunal ad quem alarga-se à análise da prova produzida em audiência, mas com os limites impostos pela norma invocada. Nos termos deste preceito, “1 - A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. … 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata nos termos do nº 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. … 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.” Assim, nos termos do normativo acabado de citar, incumbe sobre o recorrente que pretende impugnar amplamente a matéria de facto “o ónus de uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio], acrescendo, relativamente às concretas provas, que quando tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na ata, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação, devendo todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas…” - cf. Ac. do TRC de 06-07-2016, proc. n.º 340/08.0PAPBL.C1, www.dgsi.pt. Em síntese, o recorrente tem o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP: i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados; ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP). No que tange às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente o ónus de, havendo gravação das provas, as mesmas deverem ser efetuadas com referência ao consignado na ata (caso funde as razões da sua discordância em prova gravada), com a concreta indicação das passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos, pois são essas concretas passagens que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, nos termos dos nºs 4 e 6 do artigo 412.º, do CPP. Por outro lado, a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida. E a demonstração desta imposição recai igualmente sobre o recorrente, que deve relacionar o “conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1135). Seguindo de perto o acórdão da Relação do Porto de 05.06.2024, Relator Pedro Afonso Lucas, processo 466/21.5PAVNG.P1, «Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art.º 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas. Assim, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguida/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesma arguida/arguida), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios. Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo, não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto. O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal». No mesmo sentido, vide o acórdão desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.7.2023, Relatora Alda Casimiro, processo 1074/21.6JAPDL.L1-5, que refere: «A ausência de imediação determina que o Tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, nos termos previstos pelo art.º 412º, n.º 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, mas já não quando permitirem outra decisão. Ou seja, a convicção da primeira instância, só pode ser posta em causa quando se demonstrar ser a mesma inadmissível em face das regras da lógica e da experiência comum. Significa isto que o recorrente não pode pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção». Também no acórdão desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.12.2024, Relatora Sandra Oliveira Pinto, processo 628/23.0POLSB.L1-5, pode ler-se que «a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão. (…) Como expressamente resulta do disposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b), e nº 4 do Código de Processo Penal, quanto à impugnação da matéria de facto, para além da especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, deve o recorrente indicar ainda as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Esse desiderato não se alcança com a mera formulação de opiniões quanto à clareza ou precisão do que foi dito, na medida em que tais elementos possam permitir diferentes conclusões – só se atinge com a indicação das provas que impõem, que obrigam a decisão diversa. De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01.04.2008, citado neste último aresto de 05.12.2024 na nota de rodapé nº 6, «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente. As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida». * No caso dos autos, alega o recorrente Ministério Público que: I. O Tribunal deu como provado, de forma incompleta ou deficiente, os factos 3, 5 e 10, que têm o seguinte teor: 3. O arguido AA, que se encontrava munido de um canivete, desferiu dois golpes com tal objeto, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior). 5. Como consequência direta da conduta do arguido AA, o ofendido sofreu ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; e feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo. 10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao desferir dois golpes, um deles na zona do peito, zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe ferimentos dolorosos, conformando-se com esse resultado. I.I. Esses factos deverão passar a ter a seguinte proposta redação: “3. O arguido AA, que se encontrava munido de um canivete, desferiu dois golpes com tal objeto na zona do peito do ofendido, atingindo-o com um deles na região infraclavicular e, com o outro, na linha axilar anterior; 5. Como consequência direta da conduta do arguido AA, o ofendido sofreu lacerações na zona do peito, tendo dado entrada no Hospital ... em estado grave na sala de reanimação, tendo sofrido ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante no 9º espaço intercostal esquerdo, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo e ainda pneumotórax moderado do pulmão esquerdo. 10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao desferir dois golpes na zona do peito do ofendido, zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder vir a causar-lhe a morte, conformando-se com esse resultado, que apenas não sucedeu por razões alheias à sua vontade, em particular porque a vítima recebeu, em tempo útil tratamento cirúrgico hospitalar adequado a evitar o mesmo.” I.II. Para tal, convoca os seguintes meios de prova (transcrição): «(…) quanto ao ponto 3 da matéria de facto, o auto de apreensão de fls. 17 e 18 e os fotogramas de fls. 133 e 134 (fotografias 20 e 21), impunham que o Tribunal recorrido tivesse concretizado as características do canivete utilizado pelo arguido AA para atingir a vítima, fazendo constar que o mesmo dispunha de um cabo com 8,5cm e uma lâmina que, quando exposta, atinge 8 cm de comprimento. No que diz respeito ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, cremos que da analise à documentação clínica remetida pelo Hospital ... – fls. 246 a 255, nota de alta de fls. 260 a 264, relatórios periciais de fls. 237 a 238, 271 a 272 e 212 a 214, e ao fotograma de fls. 34, se impunha que o mesmo tivesse sido completado por forma a explicitar que, como consequência da conduta do arguido AA, a vitima sofreu “ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante no 9º espaço intercostal esquerdo” e ainda pneumotórax moderado do pulmão esquerdo». Para que se conclua pelo dolo eventual de homicídio, o recorrente convoca: «a) As declarações prestadas pelo arguido AA quer em sede julgamento, quer em sede de primeiro interrogatório judicial, quer embora merecedoras de reduzido crédito, permitiram pelo menos concluir, sem margem para dúvidas, que foi o próprio quem desferiu deliberadamente, num sentido de cima para baixo, os golpes que vitimaram DD no contexto de uma discussão (declarações prestadas na sessão de julgamento de 26-09-2024, documentadas na acta de 26-09-2024, ref. citius 153115690, gravadas no sistema integrado de gravação digital, citius media Studio, com início pelas 9 horas e 52 minutos, entre os minutos 9:26 e 09:53, 14:20 e 14:45, 22:17 e 22:52, 22:56 e 24:14, 29:14; Declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial no dia 30-09-2023, documentadas no auto de interrogatório de arguido de 30-09-2023, ref. citius 146576220, gravadas no sistema integrado de gravação digital, citius media Studio, com início pelas 10 horas e 48 minutos, entre o minuto 3:17 ao minuto 4:45) b. As declarações prestadas pelo arguido BB, em sede de 1.º interrogatório não judicial de arguido detido, em 29-09-2023, constantes do auto de fls. 55 a 59 e que foram lidas em audiência de julgamento (acta de 26-09-2024, ref citius 153115690), nas quais refere, para além do mais, que “o arguido AA desferiu uma facada na zona lateral do peito do DD.” c. O auto de apreensão de fls. 17 e os fotogramas de fls. 133 e 134 (fotografias 20 e 21), que evidenciam as características da navalha com que o arguido AA desferiu golpes no peito da vítima; d. Os fotogramas de fls. 34 (neste bem visíveis as duas lesões no tórax) e 35, a documentação clínica remetida pelo Hospital ... – fls. 246 a 255, o fotograma de fls. 191, a nota de alta de fls. 260 a 264, e os relatórios periciais de fls. 237 a 238, 271 a 272 e 212 a 214 que evidenciam com precisão o local onde a vítima foi atingida com a navalha e as consequências que desse esfaqueamento resultaram para a mesma, tal como enunciados nos pontos 5 a 8 da matéria de facto provada». II. Deveriam ter sido julgados provados os factos não provados nas alíneas g), j), e k), cujo teor é: g) Que o ofendido tenha entrado no Hospital “em estado grave”, na sala de reanimação; j) Que o arguido AA, ao golpear o ofendido em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, admitisse a possibilidade de causar-lhe a morte, que só não sucedeu porque DD recebeu auxílio e tratamento médico; k) Que o arguido AA se tenha conformado com essa possibilidade de causar a morte ao ofendido; Neste particular, além dos meios de prova já convocados, o recorrente chama a atenção para a «ficha de episódio de urgência constante de fls. 246 a 255 dos autos, da qual emerge, logo a fls. 246 que, ao entrar no Hospital ... após ter sido esfaqueado pelo arguido, foi atribuída prioridade muito urgente ao ofendido DD, e de fls. 248, parte final e 248 verso, que o mesmo entrou no Hospital ... como doente crítico, o que motivou a activação do protocolo Via Verde do Trauma (VVT) préhospitalar e que viesse a ser abordado na sala de reanimação (SR) pela anestesiologia e pela cirurgia geral, com apoio da cirurgia cárdio-torácica (CCT) (…)». Apreciemos: Começa-se por estranhar a agora proposta redação dos pontos 3 e 5 dados como provados, cujo teor se baseia apenas e tão só em documentação clínica e relatórios periciais. Estes elementos, ora analisados por este Tribunal, já constavam dos autos quando a acusação foi deduzida. Se o Ministério Público, nesse momento, fez constar uma diferente redação na acusação (vide ponto II das Incidências Processuais com relevo para a decisão), não se percebe por que razão o Ministério Público, agora em sede de recurso, entende que esses factos devem ter outro teor, sendo certo que, no essencial, o acórdão recorrido acolheu nesta parte a acusação (excetua-se a parte levada aos factos não provados sob a alínea g), que mais à frente analisaremos). Em rigor, mais do que questionar o acórdão recorrido, nesta parte o Ministério Público critica a sua própria acusação que, afinal, deveria ter outra redação, sugerindo uma alteração factual (porventura não substancial) baseada em elementos de prova que precederam a sua elaboração. O apontado erro, a existir, não se afigura ser aqui de julgamento, mas sim da própria acusação. Com efeito, a acusação dizia que: «(…) O arguido AA, que se encontrava munido de uma faca, desferiu dois golpes com tal objecto na zona do peito do ofendido, junto ao coração. (…) Como consequência da conduta dos arguidos, o ofendido sofreu lacerações na zona do peito, tendo dada entrada no Hospital ... em estado grave na sala de reanimação, tendo sofrido ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; feridas incisas superficiais dispersas nos membros superiores, tendo sido sujeito a intervenção cirúrgica e ficado internado até dia 04.10.2023». E deu-se como provado que: 3. «O arguido AA, que se encontrava munido de um canivete, desferiu dois golpes com tal objeto, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior). (…) 5. Como consequência direta da conduta do arguido AA, o ofendido sofreu ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; e feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo. 6. O ofendido deu entrada no Hospital ..., de urgência, tendo sido sujeito a procedimento cirúrgico (colocação de dreno torácico). 7. Ficou internado até dia 4 de outubro de 2023, data em que teve alta». Não é este o propósito dos recursos – sindicar a acusação - nem se vê que a matéria factual, nesta parte, tenha sido incorretamente julgada, sequer que careça de concretização ou especificação. Na verdade, o acórdão recorrido deu como provado que o arguido desferiu dois golpes com o canivete, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior) (facto 3), e que, na sequência desses golpes, o ofendido sofreu duas feridas: uma incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; e uma ferida infraclavicular com componente borbulhante (facto 5). São assim percetíveis os dois locais onde o ofendido foi ferido: na região anterior do hemitórax esquerdo e na região infraclavicular. Por outro lado, o pneumotórax não é uma ferida que acresce às demais: é uma consequência duma dessas feridas, i.e, resulta dum desses golpes. De todo o modo, o teor dos mencionados elementos clínicos e periciais será, naturalmente, convocado quando infra se discutir o dolo, se de homicídio, se de ofensa à integridade física. Acrescenta-se que, pese embora o Recorrente alegue, sobre o ponto 3 da matéria provada, que “o auto de apreensão de fls. 17 e 18 e os fotogramas de fls. 133 e 134 (fotografias 20 e 21), impunham que o Tribunal recorrido tivesse concretizado as características do canivete utilizado pelo arguido AA para atingir a vítima, fazendo constar que o mesmo dispunha de um cabo com 8,5cm e uma lâmina que, quando exposta, atinge 8 cm de comprimento”, acaba por não verter esta descrição do canivete na redação por si sugerida. Ainda que, uma vez mais, se trate de meio de prova que precedeu a dedução da acusação, as características do canivete – porque, insiste-se, de meio de prova se trata - serão analisadas quando se abordar a referida questão do dolo. Insurge-se o recorrente quanto à não prova da alínea g), que entende dever ser julgada provada: «Que o ofendido tenha entrado no Hospital “em estado grave”, na sala de reanimação». Analisaram-se os elementos referidos pelo Recorrente e, aliás, toda a documentação existente nos autos. Destacamos os seguintes: - a foto de fls. 34, em que se vê o corte, ainda antes de ser suturado, evidenciando essa foto a sua extensão na região torácica esquerda (que, de acordo com a foto de fls. 191, tem mais de 10 cms de extensão, numa medida que, mesmo a olho, é de cerca de 15 cms, medida sempre confirmada a fls. 248-vº); - o relatório de urgência do Hospital ..., datado de 29.09.2023, junto a fls. 246, onde se refere “Prioridade Laranja – Muito Urgente”; “Doente Crítico”, com “pneumotórax esquerdo”; necessitando de “drenagem torácica”; - Ainda do Hospital ..., o que consta a fls. 248-vº: “ferida incisiva no torax anterior com cerca de 15 cms com exposição pleural e pulmonar, com penso de 3 lados”; “ativada a VVT pré-hospitalar” (que é a Via Verde do Trauma); Abordado na SR pela anestesiologia e pela Cir Geral com apoio da CCT” (SR é a sala de reanimação, CCT é a Cirurgia Cardio Torácica)) É certo que o relatório pericial concluiu, a fls. 213, que “do evento não resultou, em concreto, perigo para a vida do examinando”. Mas esta conclusão não impede que se conclua que o ofendido entrou no hospital em estado grave: tanto que foi ativada a VVT pré-hospitalar, tanto que lhe foi atribuída a pulseira laranja, considerando-se “muito urgente” e “doente crítico”. Foi abordado na SR pela anestesiologia e pela Cirurgia Geral com apoio da Cirurgia Cardio Torácica. Foi a pronta intervenção médica e hospitalar que permitiu que a situação do ofendido, em concreto, não chegasse ao ponto de ter a vida em perigo. Sobre este ponto – que a primeira instância julgou não provado – o acórdão recorrido pouco ou nada diz, limitando-se a referir que “O relatório pericial, a documentação clínica e a reportagem de fls. 34 permite concluir que o arguido atingiu a vítima ainda a largos centímetros da zona do coração (…)”. Sem necessidade de maiores considerandos, os meios de prova indicados pelo Recorrente impõem decisão diversa daquela que o acórdão recorrido teve nesta matéria. Deve dar-se como provado que o ofendido entrou no Hospital em estado grave na sala de reanimação. Assim, nos termos do artigo 431º, al. b), do CPP, deve: - ser eliminado o facto não provado sob a alínea g); - o ponto 6 da matéria provada, abarcando esta alteração e compreendendo esta matéria, passará a ter a seguinte redação: 6. O ofendido deu entrada no Hospital ..., de urgência, entrando em estado grave na sala de reanimação, tendo sido sujeito a procedimento cirúrgico (colocação de dreno torácico). Prosseguindo, a análise da correção do julgamento do ponto 10 provado e das alíneas j) e k) não provadas, porque incidente sobre a mesma matéria, será feita conjuntamente. Aqui visa-se apurar qual o dolo do arguido, se de homicídio (como vinha acusado), se de ofensa à integridade física (como foi condenado), se direto, necessário ou eventual. O acórdão recorrido justificou a sua convicção nos seguintes moldes: «Vista as caraterísticas do canivete – com uma lâmina de 8 centímetros de comprimento - e as parcas circunstâncias conhecidas em que o arguido atuou, não se permite concluir que este quisesse atingir uma zona mais central do peito, nomeadamente o coração. O relatório pericial, a documentação clínica e a reportagem de fls. 34 permite concluir que o arguido atingiu a vítima ainda a largos centímetros da zona do coração, ainda que visando uma zona em que está albergado o pulmão esquerdo. Atentas as caraterísticas do canivete, é de presumir que, querendo atingir mortalmente a vítima, procurasse, espetar a respetiva lâmina perpendicularmente à linha do peito, em vez de produzir uma ferida com estas caraterísticas – apesar de incisiva, com rasgão de poucos centímetros de comprimento, e com orientação longitudinal. O que apenas permite, com as certezas que o processo penal exige, e afastada a plausibilidade de ter repelido uma ameaça atual ou iminente para a sua integridade física e vida, concluir que o arguido visou apenas magoar, ainda com seriedade, o seu oponente. Não se permitindo, pois, assentar certezas de que se conformaria com o resultado morte. O relatório pericial conclui que do evento não resultou qualquer perigo para a vida do arguido, resultando que o texto da acusação não encontra abrigo na prova concretamente carreada para os autos. Efetivamente, não se permite concluir que o golpe tenha atingido DD “junto ao coração”, não resulta da documentação médica de que tenha corrido perigo de vida, nem que tenha sido reencaminhado para a reanimação, como se verteu na peça acusatória. Ainda que se possa conceber que a introdução de cateter é um ato médico invasivo e, assim, constitui um procedimento cirúrgico, o certo é que na documentação médica (cfr. fls 246 verso) se observa logo, pela especialidade de cirurgia geral “sem patologia do foro da cirurgia geral. Tem alta por parte da especialidade”. A localização do pulmão junto à zona atingida não permite, com as mesmas certezas que o direito penal exige, concluir que o arguido concebeu que poderia atingir este órgão como, muito superficialmente, acabou por o fazer, causando “pneumotórax moderado à esq.” (cfr.- fls. 248). A intenção do arguido e os factos assentes em 10. e 11., ligados à vontade interior de AA, resultam do que se disse e da sua objetivação no exterior». O acórdão recorrido afirma, sem hesitar, que: «Assim, atenta a circunstância de se encontrar de frente para a vítima, e ainda que esta não estivesse absolutamente estática, permite-se concluir que o arguido AA pretendeu atingir, num golpe de cima para baixo, DD, produzindo-lhe lesão necessariamente dolorosa» (sublinhado da ora relatora). Analisando o auto de fls. 17, aí consta que a navalha usada pala golpear o ofendido tem um cabo com 8,5 cms de comprimento e uma lâmina com 8 cms de comprimento. Revisita-se de novo a foto de fls. 34, em que se vê o corte, ainda antes de ser suturado, evidenciando essa foto a sua extensão na região torácica esquerda (que, de acordo com a foto de fls. 191, tem mais de 10 cms de extensão, numa medida que é de cerca de 15 cms, medida sempre confirmada como sendo de efetivamente 15 cms. a fls. 248-vº). Essa foto evidencia também não se ter tratado sequer de um golpe superficial e demonstra que o corte está situado, à esquerda, a uma curta distância (cerca de 2 cms, certamente não mais de 3 cms), do mamilo esquerdo da vítima. No relatório pericial junto a fls. 272, pode ler-se que, quando o ofendido foi admitido nos serviços de urgência do Hospital ..., apresentava «ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo (9º espaço intercostal) inframamilar, com “componente perfurante”, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular “também com componente borbulhante”, feridas incisivas no 1º e 2º espaço interdigital da mão esquerda (interpretadas como “defensivas”; pequenas incisões superficiais nos membros superiores (…)». No relatório pericial junto a fls. 237-238, lê-se o examinado apresenta as seguintes sequelas: «- Tórax: cicatriz hipercrómica, na região peitoral esquerda, de características cirúrgicas, discretamente elevada, não aderente aos planos profundos, sensivelmente vertical, medindo 18 cm de comprimento por 0,5 cm de máxima largura, depois de retificada; cicatriz hipercrómica, na região da linha axilar anterior, de características cirúrgicas, não aderente aos planos profundos, horizontal, medindo 4 cm de comprimento; - Membro superior direito: sem desvios do eixo do antebraço; engrossamento do punho; cicatriz hipocrómica, características cirúrgicas no terço distal da face anterior do antebraço, vertical, medindo cm de comprimento; mobilidades do membro: dorsiflexão cio punho limitada a 400 (contralateral limitada a 80º), flexão palmar limitada a 600 (contralateral 900); supinação de 800 (contralateral 900) e pronoção conservada; desvio ulnar a 400 (contralateral 500); desvio radial 50 (contralateral 200); - Membro superior esquerda: duas cicatrizes hipercrómicas na face superior e anterior do ombro, a maior medindo 2,5 cm de diâmetro e a menor medindo 1,5 cm de diâmetro, ambas sem relação com o evento em apreço (ver Antecedentes); mobilidades do ombro preservadas, dolorosas nos últimos graus de abdução por referência a queixas álgicas no segmenta médio da cicatriz descrita na região peitoral». A intenção, quando não expressamente admitida por confissão, extrai-se dos factos provados, com o recurso às regras da experiência comum. Quem, no meio de uma dinâmica de confronto físico que o acórdão recorrido reproduz na justificação da convicção, abre um canivete com uma lâmina de 8 cms. de comprimento e desfere um golpe na região peitoral esquerda de uma pessoa tem que saber que aí se encontram órgãos vitais (coração e pulmões) e que, porque os corpos estão em luta, em pé, em movimento, tem no mínimo que admitir como possível que um golpe nessa zona possa atingir um desses órgãos e conduzir à morte da vítima. Se prossegue a sua atuação, aí golpeando a vítima, necessariamente conforma-se com essa possibilidade. Dos golpes perpetrados pelo recorrente arguido resultaram, como se provou, ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; além de feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo. O golpe atingiu o pulmão, órgão vital (causando pneumotórax) e tem 15 centímetros de extensão, razão pela qual não se entende a alusão, feita no acórdão recorrido a um “rasgão de poucos centímetros de comprimento”. Não deixa de ser sintomático que o acórdão recorrido tenha admitido, em sede de fundamentação, que “A configuração de tais lesões pressupõe o emprego de uma energia que dificilmente se poderiam explicar por acidente” e que “o relatório pericial, a documentação clínica e a reportagem de fls. 34 permite concluir que o arguido atingiu a vítima ainda a largos centímetros da zona do coração, ainda que visando uma zona em que está albergado o pulmão esquerdo”. (sublinhados da ora relatora). Quem assim atua, não pode fazê-lo apenas com a intenção de molestar fisicamente a vítima, tem que admitir que a pode atingir num órgão vital e, se atua, é no mínimo porque se conforma com essa previsão. Aqui chegados, razão tem o recorrente quando pretende que se eliminem as alíneas j) e k) da matéria não provada e que se dê como provado, sob o ponto 10, matéria que inclua a intenção de matar, ainda que sob a forma de dolo eventual. Destarte, nos termos do artigo 431º, al. b), do CPP, deve: - proceder-se à eliminação dos factos não provados sob as alíneas j) e k); - alterar-se o ponto 10 da matéria provada, que passará a ter a seguinte redação: 10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao atingi-lo no peito, em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe a morte, que só não sucedeu porque o ofendido recebeu auxílio e tratamento médico, conformando-se com essa possibilidade. Procede, assim, em parte, este segmento do recurso. II. Da qualificação jurídica dos factos Entende o recorrente Ministério Público que o arguido praticou, como autor material, na forma tentada, o crime de homicídio por que vinha acusado, p. e p. pelos artigos 131.º e 22.º, n.º 1 e 2, al. b) e 23.º do Código Penal. Por seu turno, o recorrente arguido, tendo sido condenado, em autoria material, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1, al. a), e nº 2, do Código Penal e, por referência deste, pelo artigo 132º, nº 2, alínea h), do mesmo diploma, pretende que se considera não verificada a circunstância qualificativa. Com o provimento parcial da impugnação de facto, a matéria provada, para o que importa nesta sede, passa a ser a seguinte: 1. No dia ... de ... de 2023, pelas 2h50, DD encontrava-se no Bairro ... quando ali se deparou com os arguidos BB e AA. 2. Os arguidos e DD começaram uma discussão por motivo concretamente não apurado. 3. O arguido AA, que se encontrava munido de um canivete, desferiu dois golpes com tal objeto, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior). 4. Após os dois arguidos fugiram ambos do local, tendo sido detidos momentos mais tarde pela PSP, tendo o arguido AA, na sua posse, o instrumento usado para desferir os golpes no corpo do ofendido. 5. Como consequência direta da conduta do arguido AA, o ofendido sofreu ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante; e feridas incisas superficiais dispersas no membro superior esquerdo. 6. O ofendido deu entrada no Hospital ..., de urgência, entrando em estado grave na sala de reanimação, tendo sido sujeito a procedimento cirúrgico (colocação de dreno torácico). 7. Ficou internado até dia 4 de outubro de 2023, data em que teve alta. 8. Tais lesões determinaram, na pessoa do ofendido, um período de doença fixável em 60 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional. 9. O arguido AA utilizou um instrumento de natureza cortante contra o ofendido, diminuindo, dessa forma, a capacidade de defesa e de resistência da vítima. 10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao atingi-lo no peito, em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe a morte, que só não sucedeu porque o ofendido recebeu auxílio e tratamento médico, conformando-se com essa possibilidade. A alteração factual supra decidida conduz ao necessário insucesso da pretensão do recorrente arguido. Não se trata de um crime de ofensa à integridade física, atento o elemento subjetivo do tipo, que passou a ser diferente. Segundo o art.º 131º do CP, sob a epígrafe homicídio, “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”. O bem jurídico protegido pelo tipo legal do crime de homicídio é a vida humana, qualquer vida humana. O tipo objetivo do crime de homicídio simples é de fácil apreensão: matar uma pessoa significa tira-lhe a vida e reporta-se a pessoas já nascidas. É um crime de dano e de resultado. Ao nível subjetivo, exige-se o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades. Nos termos do artigo 22.º, do Código Penal: “1. Há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer sem que este chegue a consumar-se. 2. São atos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que foram idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.” Estatuindo, por seu lado, o artigo 23º, do Código Penal: “1. Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão. 2. A tentativa é punível com a pena aplicada ao crime consumado especialmente atenuada. 3. A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime.” A tentativa do cometimento de homicídio é sempre punível por força do disposto no acima citado artigo 23º, n.º 1, do Código Penal. No caso dos autos, muito em síntese, o recorrente arguido, aquando da descrita contenda com a vítima, encontrando-se munido de um canivete, com uma lâmina com 8 cms de comprimento, desferiu dois golpes com tal objeto, tendo um atingido a zona do peito do ofendido (na linha axilar anterior), tendo este sofrido as lesões descritas nos factos provados (com relevância, ferida incisa longitudinal na região anterior do hemitórax esquerdo, com componente perfurante, evidenciando saída de ar à expiração; ferida infraclavicular com componente borbulhante), mas não tendo falecido por razões alheias à vontade do recorrente arguido, designadamente por ter recebido pronta assistência médica e hospitalar. Admitiu o recorrente arguido a possibilidade de, ao atingir o ofendido no peito, em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe a morte conformando-se com essa possibilidade. Assim, cometeu um crime de homicídio previsto no artº 131º do CP, na forma tentada (artº 22º do CP), com dolo eventual (artº 14º, nº 3, do CP). E julga-se ser presentemente pacífica na jurisprudência a conclusão de que a decisão de cometer o crime, aludida no artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal quando define a tentativa, é compatível com qualquer das modalidades de dolo e, consequentemente, também com a decisão de se conformar com o resultado, própria do dolo eventual. O dolo eventual também implica, tal como as outras modalidades do dolo, representação e vontade, ainda que mais esbatidas. Seguindo de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.04.2009 (processo 09P3277, Relator Souto Moura, disponível na dgsi): «A nosso ver, quando o artº 22º nº 1 do C.P. caracteriza a tentativa como prática de actos de execução, de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se, não confundiu a decisão de cometer um crime, com o fim de obtenção de um certo resultado com o crime. Por outras palavras, os actos de execução praticados, que integram o elemento objectivo da tentativa, devem integrar-se num comportamento que o agente decidiu levar a cabo, comportamento esse que, globalmente considerado, é crime. Mas a ocorrência de tal crime pode bastar-se com a simples aceitação de um resultado criminoso, sem que esse resultado tenha sido o móbil, no sentido de causa final da acção. “Crime que decidiu cometer” significa pois, tão só, comportamento que o agente decidiu levar a cabo, comportamento esse que é crime. Se é crime porque aí o dolo se configura como directo, necessário, ou eventual, não interessa». No mesmo sentido, vide, também publicados na dgsi, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.09.2018 (processo 359/16.8JAFAR.S1, Relator Lopes da Mota), de 08.03.2006 (processo 06P269, Relator João Bernardo), entre muitos outros. III. Do quantum da pena concreta Conclui-se, no ponto anterior, que o arguido cometeu um crime de homicídio previsto no artº 131º do CP, na forma tentada (artº 22º do CP), com dolo eventual (artº 14º, nº 3, do CP). Dispõe o artº 131º do CP, sob a epígrafe homicídio, “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”. O crime tentado é punível com a pena aplicada ao crime consumado, especialmente atenuada (artº 23º, nº 2, do CP). Logo, por aplicação do artº 73º, do CP, a moldura penal abstrata é de prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias até 10 anos e 8 meses. Há, assim, que apurar qual a pena a aplicar ao recorrente arguido pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada. Do princípio da dignidade da pessoa humana, de que decorre o princípio da culpa (patente nos arts. 1º, 13º, nº 1, e 25º, nº 1, da CRP), conjugado com o art.º 18º, nº 2, do texto constitucional, resulta que apenas razões de prevenção geral (i. e., integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação normativa) podem justificar o desencadear de reações criminais. Por seu turno, há que fazer igualmente apelo a critérios de prevenção especial, i. e., de integração social ou socialização, também eles decorrendo da ideia de Estado de Direito material. Destas considerações deriva que, para a determinação da medida concreta da pena, se tenham em conta, dentro dos limites abstratos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, fixando-se o limite máximo daquelas de acordo com a culpa deste; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham (art.º 71º, ns. 1 e 2, do CP). Assim, no caso em apreço, na pena a aplicar ao arguido ter-se-ão em conta os critérios determinativos constantes dos arts. 70º e 71º do CP, designadamente o grau de intensidade do ilícito penal praticado, considerando-se a respetiva natureza e o dolo do arguido na modalidade de dolo eventual (art.º 14º, nº 3, do CP), bem como as descritas consequências que do seu ato resultaram para a vítima. Considerar-se-á, desde logo: - o grau de ilicitude dos factos, que é elevado; - a gravidade das lesões e a sua intensidade, perpetradas com o recurso a um instrumento de natureza cortante, o que obstaculizou a defesa por parte da vítima; - a ausência de antecedentes criminais; - a existência de alguns hábitos de trabalho; - a falta de juízo crítico por parte do arguido recorrente, não demonstrando qualquer contrição pelos factos que praticou; - o consumo, pelo arguido recorrente, de cocaína. O arguido atentou contra o bem jurídico primordial, a vida humana. O crime em apreço causa grande intranquilidade e alarme sociais, agravados num contexto de discussão, em que o agressor faz uso de um instrumento de natureza cortante. Por tudo isto, entende-se ser adequada e proporcional a pena de 5 anos e 3 meses de prisão. IV. Da suspensão da execução da pena de prisão A pena ora aplicada por este Tribunal da Relação, porque superior a 5 anos, não é suscetível de suspensão nos termos do artº 50º, nº 1, do CP. Ainda que o fosse, sempre se concordaria com o acórdão recorrido quando, tendo aplicado uma pena inferior a cinco anos de prisão, afastou a suspensão da sua execução, dizendo, além do mais: «O arguido não colabora ativamente para a descoberta da verdade material e não dá mostras de ter elaborado adequado juízo de auto de censura, podendo, aliás, concluir-se o inverso. A imagem social global da conduta praticada pelo arguido desaconselha a aplicação de pena substitutiva, pois que causa, como já se deixou dito, elevado alarme social. Ainda que não esteja em cumprimento de pena, o período de reclusão não contribuiu para a interiorização da necessidade arrepiar caminho, existindo muitas reservas quanto à capacidade de se reeducar para o direito atento o fator de risco – abuso de consumo de cocaína. As exigências de prevenção geral são, pois, muito altas. Não existem fatores que, tendo sido trazidos ao processo, possam ser sopesados em favor deste arguido no juízo subjacente à aplicação do nº 1 do artigo 50º do Código Penal. Destarte, entende-se que a pena aplicada ao arguido deverá ser cumprida efetivamente». Procede, assim, parcialmente o recurso do Ministério Público, improcedendo no total o recuso do arguido. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em: 1. Julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo Ministério Público, nos seguintes moldes: 1.1. Determina-se a eliminação, na matéria de facto não provada, das alíneas g), j) e k). 1.2. Determina-se a manutenção da redação dos pontos 3 e 5 provados, com a consequente improcedência do recurso nesta parte. 1.3. Altera-se o facto provado sob o ponto 6, que passará a ter a seguinte redação: «6. O ofendido deu entrada no Hospital ..., de urgência, entrando em estado grave na sala de reanimação, tendo sido sujeito a procedimento cirúrgico (colocação de dreno torácico)». 1.4. Altera-se o facto provado sob o ponto 10, que passará a ter a seguinte redação: «10. O arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, utilizando o instrumento cortante que tinha na sua posse, admitindo a possibilidade de, ao atingi-lo no peito, em zona do corpo onde se situam órgãos vitais, poder causar-lhe a morte, que só não sucedeu porque o ofendido recebeu auxílio e tratamento médico, conformando-se com essa possibilidade». 1.5. Revoga-se a condenação de AA como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, e 145º, n. º1, al. a), e nº 2, do Código Penal e, por referência deste, artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma e, em sua substituição, condena-se AA como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de cinco anos e três meses de prisão. 2. Julgar totalmente improcedente o recurso do arguido AA. 3. Sem custas o recurso do Ministério Público na parte que foi julgado improcedente, atenta a sua isenção (cfr. artº 4º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais). 4. Condena-se o arguido nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa. Comunique de imediato o teor deste acórdão à primeira instância Notifique. O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art.º 94º, nº 2, do CPP. Lisboa, 11 de março de 2025 Ana Cristina Cardoso Alexandra Veiga Ester Pacheco dos Santos |