Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6/22.9T8LSB.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
BOA-FÉ
ABUSO DE DIREITO
CULPA IN CONTRAHENDO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DANO INDEMNIZÁVEL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. A parte que alega no processo os factos que integram o direito que pretende fazer valer em tribunal, perante o exercício do contraditório, tem o ónus de fazer a prova dos mesmos, pelo que a circunstância de ser a parte a afirmar em audiência os factos que ela própria alegou e que lhe são favoráveis tem de ser ponderada com todas as cautelas pelo tribunal, sobretudo se não são acompanhadas de outro meio de prova, não podendo olvidar-se que está diretamente interessada no desfecho da ação e que, por isso, não raras vezes presta declarações de forma não isenta e comprometida.
2. A conduta dos RR., ao optarem por um outro parceiro de negócio, numa fase já adiantada das negociações com a A., revela um comportamento desleal e contrário à boa fé, mas já não é suscetível de integrar o abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334.º do C.Civil.
3. Isto porque o contexto apurado não mostra que os limites impostos pela boa fé tenham sido “manifestamente” excedidos, ou que possa considerar-se uma situação de clamorosa injustiça, violadora da consciência jurídica, a circunstância dos RR. terem aceitado outra proposta de negócio, assim pondo termos às negociações mantidas com a A. quando: (i) a R. se encontrava numa situação financeira difícil; (ii) o período de negociações entre as partes já vinha longo; (iii) a partir de certa altura, não obstante os termos do acordo já terem sido definidos pelas partes, a opção da A. é por manter a situação em stand by, adiando a celebração do contrato; (iv) não foi celebrado um contrato promessa que vinculasse as partes negociar; (iv) foi apresentada à R. uma proposta de negócio para si mais vantajosa.
4. No âmbito da responsabilidade da culpa in contrahendo, os danos indemnizáveis são aqueles que resultam da atuação da parte contrária à boa fé, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária, devendo colocar-se o lesado na posição que estaria se não tivesse encetado negociações.
5. Não obstante a regra, no âmbito da responsabilidade pré contratual, seja a indemnização correspondente ao interesse contratual negativo, na medida em que as partes sabem que as negociações não são vinculativas da celebração do contrato, que ainda se apresenta apenas como uma possibilidade, casos há em que pode haver lugar à indemnização pelo interesse contratual positivo, designadamente quando o estado das negociações já é adiantado, criando uma situação de confiança na realização do negócio, devendo recorrer-se ao regime geral da obrigação de indemnizar, previsto nos art.º 562.º ss. do C.Civil
6. Ainda que durante o período negocial a A. tenha dado apoio na gestão da R. no que representou um investimento de tempo e know how da sua parte, não pode configurar-se o mesmo como um prejuízo sofrido, na medida em que não resultou apurada qualquer despesa em concreto que a mesma tenha tido para esse efeito, não tendo sequer intenção de vir a ser remunerada por ele, apenas o concretizando no seu próprio interesse e na expetativa da aquisição futura da empresa, não estando minimamente indiciado que a situação patrimonial e financeira da A. depois de prestado aquele apoio fosse diferente daquela que teria se não tivesse encetado negociações.
7. Não se tendo apurado a existência de danos, não há como condenar os RR. a pagarem à A. o que vier a liquidar-se mais tarde, nos termos previstos no art.º 609.º n.º 2 do CPC, que prevê que o tribunal condene no que vier a ser liquidado posteriormente apenas quando não tenha elementos par fixar o objeto ou a quantidade.
8. O enriquecimento que está na base do instituto do enriquecimento sem causa, pode não decorrer necessariamente de uma deslocação de valores do património do lesado para o do enriquecido, podendo resultar, designadamente, da poupança de uma despesa do enriquecido.
9. Indo ao encontro da maioria da doutrina e jurisprudência, considera-se que o que é determinante para pode haver restituição do indevido no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa é o enriquecimento patrimonial, sendo com recurso a ele que é possível estabelecer a medida do ressarcimento, nos termos previstos no art.º 479.º do C.Civil.
10. Não obstante a R. tenha beneficiado, enquanto recetora dos serviços prestados pela A., configurando-se neste caso como uma utilidade a prestação em si, independentemente do seu conteúdo e resultado efetivo, não tendo resultado minimamente apurado que tais serviços vieram a determinar uma vantagem patrimonial para si, ou seja, que a sua situação patrimonial e financeira no fim, era mais favorável do que aquela que teria na falta dos mesmos, e não sendo possível qualquer restituição em espécie, não está a mesma obrigada a qualquer ressarcimento no âmbito do enriquecimento sem causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem a T …, Ld.ª intentar a presente ação declarativa de condenação com a forma de processo comum contra A …, CC-Unipessoal, Ld.ª e DW–Produções Web e Digitais, S.A. pedindo:
- a condenação solidária dos RR. a pagar à A. da quantia total de €77.475,00 a título de indemnização pelos danos causados, no caso do 1.º R. e da 2.ª R. por abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e culpa in contrahendo e, no caso da 3.ª R. por enriquecimento sem causa,
- a condenação do 1.º R. e 2.ª Ré solidariamente a pagar à Autora da quantia total de €100.000,00 a título de indemnização por lucros cessantes;
- a condenação solidária de todos os RR. a pagar à A. os juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, sobre os valores dos pedidos, desde a data da sua citação até efetivo e integral pagamento.
Invoca, em síntese, para fundamentar os seus pedidos que: no exercício da sua atividade encetou contactos com o 1.º R. e iniciou uma negociação com vista à aquisição de parte maioritária do capital social da 3.ª R. que apresentava uma situação económico-financeira deficitária grave, tendo a A. visto uma boa oportunidade de negócio para desenvolver a sua atividade comercial, através da entrada na gestão da empresa e aquisição da maioria do respetivo capital social, com vista à sua recuperação e valorização; a A. chegou a acordo com o 1.º R. para adquirir 11355 ações do capital social da 3.ª R. com o valor nominal global de €56.775,00 de que aquele era titular e chegou a acordo com a 2.ª R. para adquirir 2000 ações do capital social da 3.ª R., com o valor nominal global de €10.000,00, de que aquela era titular, tendo acordado o preço de €2,00 para a transmissão das ações da 3.ª R.; chegou ainda a acordo com os RR. para prestar à 3.ª R. serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, até à formalização da compra das ações, tendo iniciado a prestação dos seus serviços à 3.ª R. em 31 de março de 2020 e conduziu igualmente uma auditoria à situação financeira, fiscal, contabilística e jurídica com vista à futura celebração do contrato de compra e venda das ações; após a qual foram negociados e acordados em dezembro de 2020 os termos e condições do contrato de compra e venda das ações; por se aproximar o final do exercício de 2020, a A., o 1.º R. e a 2.ª R. optaram por adiar a assinatura do contrato de compra e venda das ações para o início do ano de 2021, ficando dependente do fecho das contas do exercício de 2020, previsto para 31 de março de 2021; além da prestação de serviços, a A. efetuou diversos empréstimos à 3.ª R. para que esta pudesse cumprir com os seus compromissos; em 16 de março de 2021, sem que nada o fizesse prever, o 1.º R. comunicou à A. que na semana anterior havia celebrado com um terceiro um contrato promessa de compra e venda das mesmas ações, que vieram a vender à Plexus, quando a A. vinha cumprindo integralmente com todas as condições acordadas para a compra e venda das ações. Com a sua conduta, o 1.º R. e a 2.ª R. levaram sempre a A. a crer que o negócio estava concluído, criando uma situação objetiva de confiança que os levou, de boa fé, a investir o seu trabalho e capital próprio na 3.ª R. ao longo de doze meses e meio, que aproveitando e beneficiando, através da 3.ª R., dos serviços prestados e das quantias mutuadas pela A. e pelo seu sócio. A A. prestou à 3.ª R. um total 774,75 horas de serviços, sendo o preço por hora de prestação de serviços normalmente praticado pela A. de 100 euros/hora, acrescido de IVA; o plano de negócio elaborado pela A. previa um retorno financeiro no montante de €100.000,00 no prazo de três anos a contar da data da compra das ações, tendo a A. abdicado de projetos alternativos que lhe garantiriam um retorno financeiro semelhante.
Regularmente citados, os RR. apresentaram contestação concluindo pela improcedência da ação.
O 1.º R. e a 2.ª R. invocam a ilegitimidade da 3.ª R., bem como a ineptidão da petição inicial, considerando os pedidos ininteligíveis. Sempre impugnam a matéria alegada dizendo, em síntese, que depois de toda a informação fornecida, de analisada e escrutinada toda a atividade da 3ª R., a A. ia adiando sucessivamente a assinatura do contrato de compra e venda de ações que estava preparado para ser assinado entre as partes em 30 de novembro de 2020 pelo que o 1.º R. teve de recorrer a um empréstimo para conseguir liquidar os salários aos seus colaboradores no mês de dezembro de 2020. Referem que a A. manteve os RR. reféns do suposto investimento durante meses, impedindo-os de procurar ou se predisporem a aceitarem outras soluções de negócios para viabilizar e desenvolver a sua empresa, afirmando que os serviços prestados e a auditoria que a A. efetuou foram-no em seu exclusivo benefício.
Também a 3.ª R. veio contestar excecionando a sua ilegitimidade por não ser parte no contrato e por não ser titular das ações, bem como a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir e por contradição do pedido com a causa de pedir, mais impugnando a matéria alegada pela A., invocando o seu abuso e concluindo que pela procedência das exceções e pela sua absolvição dos pedidos.
A A. veio responder às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que decidiu pela improcedência da exceção de ineptidão da petição inicial e pela improcedência da exceção de ilegitimidade da 3.ª R.
Foi delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se o julgamento, com observância do formalismo legal e foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as RR. dos pedidos contra ela formulados pela A.
É com esta sentença que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente, formulando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
a) Os pontos da matéria de facto correspondentes às alíneas c), e), f), g), k), l) e p) dos factos não provados, foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo, razão pela qual vai impugnada a decisão proferida sobre os mesmos.
b) Ponderado o teor das declarações dos legais representantes da Apelante, B … e C …, impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente à alínea c) dos factos não provados que julgasse este ponto provado, eliminando-se o mesmo dos factos não provados e aditando-se um novo ponto aos factos provados com a mesma redação.
c) Ponderado o teor do depoimento da testemunha D …, as declarações dos legais representantes da Apelante, B … e C …, e os documentos de folhas 50 verso a folhas 59 verso (documentos 9, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial), impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente às alíneas e) e k) dos factos não provados que julgasse provado, pelo menos, que “a Autora prestou serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa à 3.ª Ré, ininterruptamente, pelo menos, desde julho de 2020 e até 16 de março de 2021, num total máximo de 774,75 horas e mínimo de 360,00 horas de serviços prestados”, aditando-se um novo ponto aos factos provados com a mesma redação e eliminando-se as ditas alíneas e) e k) dos factos não provados.
d) Ponderado o teor documento de fls. 49 e verso (documento número 7 junto com a petição inicial), impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente às alíneas f) e g) dos factos não provados que julgasse estes pontos provados, eliminando-se os mesmos dos factos não provados e aditando-se dois novos pontos aos factos provados com a mesma redação.
e) Ponderado o teor das declarações do legal representante da Apelante, C …, impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente à alínea l) dos factos não provados que julgasse provado que “O preço por hora de prestação de serviços normalmente praticado pela Autora é de 100 Euros/hora, acrescido de IVA”, aditando-se um novo ponto aos factos provados com a mesma redação e eliminando-se a dita alínea l) dos factos não provados.
f) Ponderado o teor das declarações do legal representante da Apelante, C …, impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente à alínea p) dos factos não provados que julgasse este ponto provado, eliminando-se o mesmo dos factos não provados e aditando-se um novo ponto aos factos provados com a mesma redação.
g) A decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo deverá ser alterada na parte recorrida, passando a julgar provada a matéria facto correspondente às alíneas c), e), f), g), k), l) e p) dos factos não provados, nos termos indicados nas conclusões das alíneas b) a f).
h) Considerando a matéria considerada provada nos autos e aquela que resultará provada da procedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e atento o quadro legal aplicável, a decisão recorrida devia ter sido outra.
i) Com a sua conduta, o 1º Réu e a 2ª Ré levaram sempre a Apelante e os seus sócios a crer que o negócio estava concluído, criando uma situação objetiva de
confiança que os levou, de boa fé, a investir o seu trabalho e capital próprio na 3ª Ré ao longo de, pelo menos, oito meses e meio, entre julho de 2020 e 16 de março de 2021.
j) O 1º Réu e a 2ª Ré aproveitaram-se e beneficiaram, através da 3ª Ré, dos serviços prestados pela Apelante, em resultado da situação objetiva se confiança que aqueles criaram com a sua conduta.
k) O 1º Réu e a 2ª Ré não agiram de boa-fé em sede de negociações com vista à celebração do contrato de compra e venda das ações, violando os deveres de proteção, informação, lealdade, confiança e boa-fé a que estavam obrigados.
l) A conduta do 1.º Réu e da 2.ª Ré, ao não terem concluído o contrato de compra e venda das ações, consubstanciou abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, que confere à Apelante uma indemnização pelos danos causados.
m) Ao comportamento do 1.º Réu e da 2.ª Ré, ao não terem concluído o contrato de compra e venda das ações, consubstanciou culpa in contrahendo, o que confere à Apelante uma indemnização pelos danos causados.
n) Por via da conduta do 1º Réu e da 2ª Ré, a 3ª Ré beneficiou dos serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, prestados pela Apelante sem qualquer contrapartida financeira para esta, no pressuposto, aceite como certo pela Apelante, de celebração do contrato de compra e venda de ações, pelo que a 3ª Ré é obrigada a restituir à Apelante aquilo com que injustamente se locupletou a título de enriquecimento sem causa.
o) Os danos a indemnizar mencionados nas conclusões l), m) e n) correspondem ao valor dos serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, prestados pela Apelante à 3.ª Ré, que resultaram provados, quer quanto à sua ocorrência quer quanto ao seu montante, no valor máximo de €77.475,00 [774,75 hora x 100 euros/hora] e mínimo de €36.000,00 [360 horas x 100,00/hora] ou, caso assim não se entenda, ao valor que vier a ser liquidado em execução de sentença.
p) Com a sua conduta, o 1º Réu e a 2ª Ré privaram a Apelante de lucros cessantes no montante de €100.000,00 (cem mil euros), quer porque o negócio acabou por não ser formalizado, quer porque ao optar pela compra das ações da 3ª Ré e dedicar-lhe, pelo menos, oito meses e meio de serviços, a Apelante abdicou de
investir num projeto alternativo que lhe garantisse a mesma rentabilidade.
q) A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto ao enquadramento jurídico dos factos considerados provados, violando frontalmente o disposto nos artigos 334º, 227º, nºs 1 e 2 e 473º, todos do Código de Processo Civil, o que consubstancia erro na determinação da norma aplicável.
r) O recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que deverá ser substituída por decisão que julgue a ação totalmente procedente, condenando todos Apelados, solidariamente, a pagar à Apelante a quantia máxima de €77.475,00 (setenta e sete mil quatrocentos e setenta e cinco euros) e mínima €36.000,00 (trinta e seis mil euros), a título de indemnização dos danos causados, no caso do 1º Réu e da 2ª Ré, por abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e culpa in contrahendo e, no caso da 3ª Ré, por enriquecimento sem causa, e o 1º Réu e a 2ª Ré, solidariamente, a pagar à Apelante da quantia €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização por lucros cessantes ou, caso assim não se entenda em qualquer dos casos, o valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, sempre acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data da citação dos Réus para a presente ação até efetivo e integral pagamento, pois assim se fará JUSTIÇA!
Os RR. vêm responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e confirmação da sentença proferida.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da decisão da matéria de facto;
- da conduta do 1.º e 2.º RR. configurar um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium e culpa in contrahendo que confere à A. o direito a ser indemnizada pelos danos causados;
- da obrigação solidária dos 1º e 2º RR. a pagarem à A. a quantia de €100,00 a título de lucros cessantes;
- do benefício da 3ª R. com serviços prestados pela A. determinar a restituição daquilo com que injustamente se locupletou a título de enriquecimento sem causa.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da decisão da matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, invocando o seu erro quanto às alíneas c), e), f), g), k), l) e p) dos factos não provados cuja alteração requer.
Por terem sido por ela cumpridos os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 al. a), b) e c) e n.º 2 al. a) do CPC, procede-se à apreciação da impugnação da matéria de facto apresentada.
- o ponto c) dos factos não provados tem o seguinte teor:
c) No exercício da sua atividade comercial, a Autora chegou ainda a acordo com os Réus para prestar à 3.ª Ré serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, até à formalização da compra das ações.
Pretende a Recorrente que este facto seja tido como provado, invocando para o efeito os depoimentos de parte dos seus legais representantes, B … e C …, nos excertos que indica, bem como o documento que constitui a certidão permanente da A., junta a fls. 12 dos autos.
Os Recorridos vêm pugnar pela improcedência da alteração pretendida, invocando também as declarações dos legais representantes da A. nos excertos da gravação que identificam, concluindo que as mesmas não permitem dizer que foi celebrado qualquer contrato de prestação de serviços entre as partes, mas apenas que o trabalho da A. foi no sentido de realizar auditorias e de conhecer a situação da empresa e feito no seu próprio interesse.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a resposta a este facto: “O facto não provado em c) resulta da falta de prova de um acordo entre a Autora e os Réus para a prestação dos serviços, sendo que o próprio B … afirma que a partir de Julho começaram a trabalhar com mais liberdade, ou seja, já trabalhavam antes do contacto com o 1.º Réu e a 2.ª Ré (representada pelo 1.º Réu) para a aquisição das suas acções. Assim, a entrada da Autora (ou melhor dos seus posteriores sócios) na 3.ª Ré ocorre com a Braintrust / BrainCapital que estava disposta a vender as suas acções.”
Começando por avaliar o documento junto a fls. 12 dos autos, que constitui a certidão permanente do registo comercial da A., verifica-se que o mesmo não contribui de forma alguma para o esclarecimento deste facto controvertido. De tal documento apenas se retira que o objeto social da A. que consta do registo é a prestação de serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico e organização e gestão de empresas, o que em nada contribui para esclarecer se entre as partes foi em concreto celebrado ou não o mencionado contrato de prestação de serviços.
No que se refere às declarações de parte dos legais representantes da A., B … e C …, procedeu-se à audição da sua gravação na íntegra, sendo este o único meio de prova em que a Recorrente se baseia para pugnar pela a alteração pretendida, para além do documento a que se aludiu que é irrelevante para este efeito.
O art.º 466.º do CPC referindo-se às declarações de parte, enquanto meio probatório, estabelece no n.º 3 que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”
A parte que alega no processo os factos que integram o direito que pretende fazer valer em tribunal, perante o exercício do contraditório, tem o ónus de fazer a prova dos mesmos, pelo que a circunstância de ser a parte a afirmar em audiência os factos que ela própria alegou e que lhe são favoráveis, tem de ser ponderada com todas as cautelas pelo tribunal, sobretudo se não são acompanhadas de outro meio de prova, não podendo olvidar-se que as partes estão diretamente interessadas no desfecho da ação e que, por isso, não raras vezes prestam declarações de forma não isenta e comprometida.
Na situação em causa, as declarações prestadas pelos legais representantes da A. permitiram que o tribunal melhor se apercebesse de todo o contexto e relacionamento negocial ocorrido entre as partes, ao que não será alheia a circunstância de eles próprios terem sido os seus protagonistas principais, não deixando, porém, de evidenciar a sua posição parcial em alguns pontos.
Na verdade, as declarações por eles prestadas não são inteiramente coincidentes em todos os pontos e mostram que têm subjacente a ideia de que a situação em causa acabou por vir a representar uma perda de tempo, pela qual aqui procuram ressarcimento, enfatizando a sua intervenção na empresa 3ª R. em termos que, em primeiro lugar, nem sempre são corroborados por outros meios de prova, designadamente pelo 1º R. também ouvido em declarações e em segundo lugar, descrevem uma situação que nem sempre se apresenta como plausível ou lógica.
Ambos os representantes da A. ouvidos, esclarecem que foram inicialmente contactados pela Braintrust, acionista da 3ª R., para adquirirem a sua participação nesta sociedade, pelo que, com vista à avaliação do negócio, começaram a pedir elementos financeiros, a fazer reuniões e a contactar os trabalhadores da 3ª R., para se aperceberem do estado da empresa, tendo desenvolvido iniciativas para conhecer o negócio, a equipa e as contas dos clientes, referindo que as negociações se goraram em julho de 2020. Começam as divergências quando B … diz que se afastaram do negócio por terem sido surpreendidos com uma dívida de 40 ou 45 mil euros que não lhes foi comunicada, enquanto C … diz que tal se verificou por não ter sido aceite pela Braintrust a proposta que lhe fizeram em junho de 2020 para a adquirir a sua participação na 3ª R.
Informam que no final de julho foram contactados de novo pelo 1º R. A … que lhes disse que tinha adquirido a Braintrust e que queria vender a participação social na 3ª R., constatando-se que a A. enquanto sociedade comercial apenas foi constituída a 09.07.2020, pelo que não pode dizer-se que foi com ela que foram estabelecidos os anteriores contactos, como evidencia a sentença.
Das declarações destes dois representantes legais da A. é possível perceber que o relacionamento e intervenção da A. na empresa não se processou sempre da mesma forma ao longo do período de cerca de um ano - desde março de 2020 até à rutura das negociações em março de 2021 - contrariamente à ideia que B … quis fazer passar, dizendo que em julho de 2020 continuaram “a trabalhar da mesma forma”. Regista-se que, enquanto B … afirma que em julho de 2020 continuaram a trabalhar da mesma forma que antes, C … diz que começaram a trabalhar de setembro em diante, tendo de março a junho analisado as contas da empresa e a sua situação, e em julho e agosto estiveram parados.
De março de 2020 a julho de 2020, quando se goraram as negociações para a compra da Braintrust, para além da sociedade A. não ter sido ainda constituída, não resulta minimamente das declarações destes seus dois legais representantes que tivesse existido qualquer encontro de vontades entre a A. e os 1º e 2º RR. no sentido de serem prestados serviços de consultoria e assessoria à 3ª R., ou que aquela os tivesse efetivamente prestado. Antes se verifica que aqueles que viriam a ser os sócios da A. procuraram conhecer a empresa com vista à eventual concretização do negócio e para o efeito realizaram reuniões, fizeram auditorias, solicitaram elementos e procuram inteirar-se da carteira de clientes, o que vai ao encontro do que C … refere nas suas declarações.
Gorado o negócio em junho/julho de 2020 e retomado o contacto com o 1º R. A … algum tempo depois, a pedido deste, afirma C … que estabeleceram algumas condições, designadamente no sentido de adquirirem apenas 80% da empresa, continuando o A … com 20% e a manter-se a trabalhar, tendo recomeçado as negociações com uma reunião no final de agosto.
Já B …, como se disse, não se pronuncia exatamente nestes termos, antes refere que continuaram a trabalhar da mesma forma que até aí, desenvolvendo atividade na área da gestão, acompanhando os projetos e as equipas, afirmando que obtiveram um muito melhor conhecimento da empresa e que ficaram com a plena convicção de que a iam adquirir, apercebendo-se do seu potencial, não obstante em setembro lhes tenha sido dito que a tal dívida de 40 mil euros (aludindo C … a 37 mil euros) continuava a existir. Mais refere adiante que não havia pressa no contrato, porque já estavam a trabalhar.
Em contrário, o 1º R. nas suas declarações, salienta que o trabalho desenvolvido pela A., designadamente reuniões que ocorreram e análise de elementos da empresa teve sempre como objetivo o melhor conhecimento da empresa, com vista a decidir se o negócio lhes interessava e não a prestação de um apoio de consultoria à 3ª R.
Afirmam os sócios gerentes da A., que a dada altura ficaram com a convicção de que iriam concretizar o negócio, tendo realizado reuniões regulares de acompanhamento dos projetos e com os trabalhadores, dando o seu contributo para o que consideravam ser a melhor organização e gestão da 3ª R., no que não pode deixar de constatar-se ocorrer no seu próprio interesse e na perspetiva do negócio futuro. C … afirma que não estavam lá para receber honorários, mas para “gerar resultados, entrar no capital e ajudá-la a crescer”.
Em face do teor destas declarações e do contexto relatado, é forçado dizer que houve um acordo das partes no sentido da A. prestar à 3.ª R. serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, até à formalização da compra das ações.
A convicção com que ficamos é que, numa primeira fase as reuniões e a atividade desenvolvida pela A. visaram apenas a realização de auditorias e o seu conhecimento da empresa, de modo a avaliar o seu potencial, sendo que, mais tarde, numa segunda fase de negociações e já na perspetiva da concretização do negócio, a A. ia fazendo algumas propostas ou sugestões no sentido de incrementar a rentabilidade da 3ª R. à medida que se ia apercebendo de alguns problemas ou que eles iam aparecendo, apoiando desta forma a sua gestão, em conformidade com o que já consta como assente no ponto 21 dos factos provados (A Autora dava apoio à gestão da 3.ª Ré e definição da sua estratégia de actuação, traduzido, nomeadamente, em reuniões semanais regulares com a respectiva administração e os seus trabalhadores) e por ter o maior interesse na saúde financeira da empresa que se propunha adquirir, não estando em causa que durante o período das negociações contratuais a mesma apresentou propostas que vieram a ser acatadas.
Afirma o 1º R. A … em declarações, que em alguns casos seguia as propostas que a A. apresentava e noutros não, sendo que das declarações de parte prestadas por B … e C …, o que resulta é que terá sido a A. mais de moto próprio e no seu próprio interesse do que a pedido, que passou a apoiar a 3ª R. na sua gestão, a partir do momento em que passou a considerar o negócio como certo, com vista à resolução de problemas que surgiam, como fez designadamente ao chamar D … no final de dezembro de 2020 para ajudar na falta de recursos humanos que a 3ª R. tinha e que não lhe permitiam dar uma resposta atempada aos projetos pedidos pelos clientes, já que tinha todo o interesse na melhor saúde financeira da empresa e na manutenção da clientela, antecipando-se de alguma forma à concretização do acordo que estava apalavrado entre as partes, cujas condições ficaram definidas a 4 de janeiro de 2021.
Regista-se que, embora C … refira que não obstante no início de outubro o contrato estivesse finalizado e que resolveram aguardar pelo fecho das contas do ano para o assinar, afirma que na última reunião do mês de outubro a A. dividiu pelouros pelos seus 3 sócios e que estavam a trabalhar na empresa sem terem o contrato. É difícil dar inteira credibilidade a estas declarações, já que, por um lado, apresentam-se como contraditórias com o teor do ponto 18 dos factos provados, que não foi impugnado, de onde resulta que foi apenas a 4 de janeiro de 2021 que as partes chegaram a acordo relativamente às condições do contrato de compra e venda das ações. Por outro lado, é difícil encontrar um fundamento lógico para a não concretização do contrato em outubro de 2020, se este já estava finalizado, nem tão pouco para a “distribuição de pelouros” num momento temporal tão antecipado relativamente à previsão da realização do contrato. Se a A. já tinha adquirido o conhecimento da empresa, se as contas já não eram uma surpresa para si e se já era certo para ela, em setembro/outubro de 2020, como referem os seus legais representantes, que iria realizar a compra, se queria passar antecipadamente a interferir na gestão da 3ª R. para assegurar a manutenção dos clientes, porque não celebrar o contrato ?
Salienta-se ainda, as declarações prestadas pelo 1º R. A …, que são no sentido de que os problemas da 3ª R. se iam agravando, sem que houvesse vontade da A. em fechar o negócio, a ponto de em novembro não ter dinheiro para pagar o subsídio de natal aos trabalhadores e ter dificuldades com a insuficiência de recursos humanos, referindo que à medida que a A. ia fazendo a auditoria da empresa, conhecendo a sua organização, ia dando sugestões, sendo umas aceites e outras não, sendo esse o apoio que dava na gestão.
As declarações de parte dos legais representantes da A. mostram que a dada altura, com o melhor conhecimento que foram tendo da empresa e percebendo o seu potencial, ficaram com a “plena convicção de que a iam adquirir” como diz B … e a partir daí tomou a iniciativa de passar a dar o seu contributo na organização e gestão da empresa, apoiando a 3.ª R., o que teve maior concretização quando chamou D … para ajudar na gestão de projetos a partir de janeiro de 2021, mas delas já não pode retirar-se que tenha existido um acordo entre a A. os 1º e 2º RR., no sentido de lhe ter sido pedido e da A. se ter obrigado à prestação de tais serviços de consultoria e assessoria antes da celebração do contrato apalavrado.
A questão foi que a A., que não diligenciou por concretizar o contrato de aquisição das ações em outubro ou novembro de 2020, ou pelo menos no início de janeiro de 2021 quando as condições do negócio já estavam assentes entre as partes, decorrendo das declarações dos seus legais representantes que terá sido sua a iniciativa de adiar o contrato, com o fundamento de que já agora se esperava pelo fecho das contas do ano, a partir do momento em que passou a ter o negócio como certo, decidiu aproveitar o seu know how e começar desde logo a investir na empresa, aí desenvolvendo algum trabalho e procurando contribuir para a superação de alguns problemas que iam surgindo, na perspetiva de manter os clientes e assegurar o potencial da empresa que tinha a convicção de ir adquirir.
As declarações dos legais representantes da A. são insuficientes para que, na ausência de qualquer outro elemento de prova, possa concluir-se que o apoio que deu à 3ª R., foi prestado no âmbito de um acordo com os 1.º e 2.º RR., no sentido de lhe prestar serviços de consultoria e assessoria até à assinatura do contrato de compra das suas ações.
Os elementos de prova indicados pela Recorrente não revelam qualquer erro da decisão que dá este facto como não provado, improcedendo a sua impugnação.
- os pontos e) e k) dos factos não provados têm a seguinte redação:
e) A Autora prestou serviços à 3.ª Ré, ininterruptamente, desde 31 de Março de 2020 até 16 de Março de 2021.
k) A Autora prestou à 3.ª Ré, entre 31 de Março de 2020 e 16 de Março de 2021, um total 774,75 horas de serviços.
Requer a Recorrente que a decisão seja alterada nesta parte e que passe a dar-se como provado que:
“A Autora prestou serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa à 3.ª Ré, ininterruptamente, pelo menos desde julho de 2020 até 16 de março de 2021., num total máximo de 774,75 horas e mínimo de 360 horas de serviços.”
Invoca para o efeito o depoimento da testemunha D …; as declarações de parte dos legais representantes da A. B … e C …, nos excertos da gravação que indica; e os documentos n.º 9 a 12 juntos com a p.i., quanto ao número de horas de serviço prestado.
Os Recorridos pronunciam-se no sentido de manutenção da decisão invocando em contrário as declarações de parte do legal do R. A … e o depoimento da testemunha F ….
O tribunal a quo motivou da seguinte forma a resposta a esta matéria: “Quanto aos factos não provados em e) e k), resulta essencialmente que apenas em Janeiro de 2021 a Março de 2021 é que a Autora prestou apoio à gestão da 3.º Ré. Assim, quanto ao período anterior a esse, resulta até das minutas juntas aos autos que a Autora (e antes os seus Legais Representantes) realizaram várias auditorias (financeira, fiscal, contabilística e jurídica) com vista à aquisição das acções. Também resulta claro do depoimento da testemunha D … que tem a sua primeira reunião em Janeiro de 2021 (prestando serviços para a 3.º Ré), sendo tal confirmado pela testemunha E … que confirma que recebia ordens do D … a partir do dia 29 de Dezembro de 2020.”
De alguma forma a relevância desta matéria encontra-se prejudicada pela improcedência da impugnação do facto anterior.
Ainda assim, a testemunha D …, cujo depoimento a Recorrente invoca, tal como o tribunal a quo evidencia na motivação apresentada, apenas colaborou com a 3ª R. cerca de dois meses e meio, sendo o seu acordo com o B …. Esta testemunha esclarece que este lhe pediu que ajudasse na coordenação da equipa da 3ª R. de onde tinham saído pessoas. Refere que continuou a trabalhar na empresa com a qual tinha vínculo e que nunca teve vínculo contratual nem com a A., nem com a 3ª R. Com referência ao trabalho na 3ª R., diz que começou com uma reunião da equipa na última semana de 2020, referindo que trabalhou sempre remotamente, que no início as reuniões não eram regulares, mas mais tarde tornaram-se semanais ou bi-semanais.
Já as declarações dos legais representantes da A. nesta parte e quanto às datas nem se mostraram coincidentes, com B … a afirmar que entraram na gestão da R. ainda antes da primeira rotura das negociações em junho de 2020 e C … a afirmar que inicialmente fizeram a análise da empresa com base nas contas de 2019, que em julho e agosto estiveram parados, que começaram com uma primeira reunião no final de agosto em que pediram elementos para se inteirar do verdadeiro estado da empresa, tendo redigido uma primeira minuta do contrato em setembro de 2020, mais referindo que na última reunião do mês de outubro dividiram pelouros entre os sócios, escusando-nos de repetir aqui o já referido a este respeito quando da apreciação da impugnação apresentada ao ponto anterior.
Não é possível concluir com um mínimo de segurança que a A. esteve a participar na gestão da 3ª R. de julho de 2020 a 16 de março de 2021 e muito menos concretizar o número de horas que despendeu nessa atividade. Tal como se afirma na decisão sob recurso, na motivação aí apresentada, os elementos de prova avaliados apenas permitem dizer que a partir do final de dezembro de 2020, quando D … passou a apoiar a 3.ª R. na gestão de clientes a pedido do sócio gerente da A., esta passou a apoiar mais efetivamente a 3ª R. na sua gestão.
Os legais representantes da A. mantiveram os seus trabalhos neste período de tempo, falaram muito em reuniões sem que se tenha a noção a partir de quando é que as mesmas passaram a ter uma periodicidade efetiva ou do tempo de duração das mesmas, ainda que C … tenha afirmado quanto a esta questão que passava 10 horas por semana na 3ª R., não pode olvidar-se que, pelo menos enquanto não estavam acertadas as condições do contrato, a A. realizava as diligências de auditoria com vista ao melhor conhecimento da empresa.
Regista-se a este propósito, que em muitas situações da intervenção da A., designadamente reuniões com os trabalhadores, pedidos de informações e elementos ou análise de situações, nem sequer é possível distinguir se a mesma ocorre no âmbito da sua avaliação à situação da empresa que pretende adquirir no futuro ou antes já no âmbito de um apoio que teve a iniciativa de começar a dar na gestão dessa mesma empresa.
A testemunha F …, que trabalha para a R. como administrativa financeira, com respeito às reuniões, contactos ou colaboração com a A. evidencia o pedido de elementos, de mapas e de informações, não ajudando o seu depoimento a perceber a duração das “reuniões” com a A., nem a distinguir se a sua finalidade eram as auditorias que a A. estava a realizar com vista ao seu conhecimento da empresa, ou se configuravam algum tipo de apoio à gestão da 3.ª R.
Não podem valorizar-se os doc. 9 a 12 juntos com a p.i. que mais não são do que documentos feitos pela A. a posterirori, sem que seja apresentado qualquer elemento concreto de suporte para a menção das reuniões e das horas que ali foram registadas, nem permitem excluir que tenha sido tempo despendido no processo de due diligence da empresa que a A. levou a efeito.
Resta concluir, como já avaliado no anterior ponto da matéria de facto, que a prova produzida não revela a existência de qualquer acordo de prestação de serviços entre as partes, não permitindo também concluir, contrariamente ao que pretende a Recorrente que a sua participação na gestão da 3ª R. se concretizou de julho de 2020 até 16 de março de 2021, nem tão pouco o número de horas de trabalho que investiu na empresa a título de apoio à sua gestão, apenas podendo configurar-se essa intervenção a partir da última semana de dezembro com a reunião que teve lugar com D … chamado pela A. para a ajudar, que passou a colaborar com a 3.ª R. a partir daí.
Os elementos de prova avaliados não evidenciam qualquer erro da decisão, pelo que improcede a impugnação destes factos.
- quanto às alíneas f) e g) dos factos não provados, têm o seguinte teor:
f) Em 17 de março de 2021, a Autora solicitou por correio eletrónico ao 1.º Réu e à 2.ª Ré que confirmassem pela mesma via a sua disponibilidade para assinar o referido contrato de compra e venda de ações até 31 de março de 2021.
g) Através do mesmo correio eletrónico, a Autora transmitiu ao 1.º Réu e à 2.ª Ré que, na falta de resposta até ao final do dia 17 de março de 2021 ou no caso de confirmar que pretendia vender as referidas ações a terceiros, no dia 18 de março de 2021 não iria comparecer à reunião de administração e consideraria que o 1.º Réu e a 2.ª Ré não pretenderiam cumprir o contrato de compra e venda de ações oportunamente negociado e concluído entre as partes, o qual seria tido por definitivamente incumprido pelo 1.º Réu e pela 2.ª Ré, sendo apurados os prejuízos decorrentes desse incumprimento para a Autora e respetivos sócios, incluindo danos emergentes e lucros cessantes, cujo pagamento seria solicitado às partes incumpridoras.
Entende a Recorrente que estes factos devem ser tidos como provados com base no teor do documento n.º 7 junto com a p.i.
Não obstante não se veja grande relevância nesta matéria para a decisão da causa, atento o que consta do ponto 22 dos factos provados, importa apenas saber se o documento em questão é bastante para que estes factos impugnados sejam tidos como provados.
Os Recorridos alegam que este documento foi impugnado, dele não resultando que se trata de uma correspondência eletrónica enviada ou recebida pelo R. que nem sequer está identificado como destinatário da mesma, não tendo o documento junto “validado” por qualquer testemunha.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a resposta a estes factos: “Para prova dos factos contidos em f) a h), a Autora juntou o documento de fls. 49 e vs.. No entanto, não resulta desse documento que seja um mail e que o mesmo tenha sido enviado e para quem, pelo que, sem mais nenhum meio de prova, o Tribunal não considerou esse documento como suficiente para a prova desses factos.”
Verifica-se um lapso manifesto na referência pelo tribunal a quo aos factos contidos em f) e h), querendo certamente referir-se em f) e g), na medida em que, de seguida, fundamenta a resposta dada ao facto que consta da al. h) dos factos não provados, em conjunto com a al. l).
Não pode deixar de acompanhar-se, a este respeito, a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo.
Contrariamente ao que refere a Recorrente, tal documento foi expressamente impugnado no art.º 61.º da contestação dos RR.
Para além disso, o referido doc. 7 junto com a p.i. não apresenta sequer a configuração de um email, apresentando-se como uma exposição feita em texto corrido, sem qualquer evidência de que tenha sido remetido aos RR. ou por eles rececionado.
Tal é bastante para que possa concluir-se que o elemento de prova invocado pela Recorrente não impõe a alteração deste facto dado como não provado, improcedendo a impugnação nesta parte.
- quanto à al. l) dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
l) O preço por hora de prestação de serviços normalmente praticado pela Autora é de 100 Euros/hora, acrescido de IVA.
A Recorrente pugna pela alteração da decisão nesta parte, no sentido de passar a considerar este facto como provado.
Invoca como fundamento as declarações do seu legal representante C …, nos excertos de gravação que identifica.
As Recorridas entendem que deve ser mantida a decisão.
Sobre esta matéria as declarações do legal representante da A. foram apenas no sentido de dizer que o valor de €150/hora corresponde à prática no mercado de consultadoria, mas também diz que não estavam lá para receber honorários.
Nada foi referido em concreto sobre a tabela de preços praticado pela A. no âmbito dos serviços que presta, sendo certo que o valor que a mesma alega também não encontra correspondência no valor que o seu legal representante referiu, afigurando-se além do mais que não seria difícil à A. fazer a prova deste facto que alega mediante a apresentação de algum documento contabilístico.
Nesta matéria evidencia-se a noção transmitida por legal representante da A. no sentido de que, em face do rumo que as coisas seguiram, andaram a perder tempo.
O elemento de prova invocado não permite a alteração deste facto no sentido pretendido, improcedendo a impugnação também quanto a ele.
- quanto à al. p) dos factos não provados, tem o seguinte teor:
p) A Autora impediu os Réus de procurar ou se predisporem a aceitar outras soluções de negócio para viabilizar e desenvolver a sua empresa.
Pretende a Recorrente que este facto seja tido como provado com base nas declarações de parte do legal representante da A. C …, no excerto de gravação que indica.
Os 1.º e 2.º RR. vêm responder dizendo que, não obstante não ter sido produzida prova sobre esta matéria, tal corresponde à verdade, enquanto a 3ª R. vem referir que a impugnação deste facto deve tratar-se de um lapso.
No que se refere a este facto, o tribunal a quo mencionou apenas a falta de elementos de prova sobre o mesmo.
Este facto não provado integra matéria que foi alegada pelos RR. na sua contestação e não pela A., constatando-se até que se trata de um facto que lhe é desfavorável, pelo que também se afigura que haverá um lapso de perceção por parte da Recorrente quando vem impugnar este facto. Provavelmente terá entendido o mesmo como fazendo referência a algum impedimento causado pelos RR. quando o que ali está em causa é um alegado comportamento da A. que ao adiar a assinatura do contrato causou aos RR. os constrangimentos ali referidos.
De qualquer modo, as declarações do legal representante da A. C …, nos excertos de gravação apontados pela Recorrente não permitem de forma alguma concluir pela prova deste facto, até porque não se reportam a qualquer perda dos RR., como ali perguntado, antes versam sobre alegadas perdas da A., em matéria que não está em questão neste ponto.
Tal basta para concluir pela improcedência da impugnação deste facto.
*
Em face de tudo o que fica exposto, improcede na totalidade a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela Recorrente, mantendo-se a mesma. 
*
São os seguintes os factos considerados provados e não provados com interesse para a decisão da causa:
Factos Provados
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 9 de Julho de 2020, que tem como objecto social e actividade principal a prestação de serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão de empresas.
2. O capital social da Autora, no montante de €450,00, encontra-se distribuído por três quotas:
 Uma quota no valor nominal de €150,00, pertencente ao sócio e gerente B …;
 Uma quota no valor nominal de €150,00, pertencente ao sócio e gerente G …;
 Uma quota no valor nominal de €150,00, pertencente ao sócio e gerente C ….
3. A 2.ª Ré era, à data dos factos, uma sociedade unipessoal por quotas, com o capital social, de €500,00, representado por uma quota no mesmo valor, pertencente ao 1.º Réu.
4. O 1.º Réu era, à data dos factos, o único sócio e gerente da 2.ª Ré.
5. A 3.ª Ré era, à data dos factos, uma sociedade comercial anónima e capital social de €83.335,00, representado por 16.667 acções tituladas nominativas com o valor nominal de €5,00 cada uma.
6. O 1.º Réu era, à data dos factos, administrador único da 3.ª Ré e titular de 11.707 acções tituladas nominativas representativas do respectivo capital social, com o valor nominal global de €58.535,00.
7. A 2.ª Ré era, à data dos factos, titular de 4.960 acções tituladas nominativas representativas do capital social da 3.ª Ré, com o valor nominal global de €24.800,00.
8. O 1.º Réu, à data dos factos, detinha, directa ou indirectamente através da 2.ª Ré o controlo efectivo da 3.ª Ré, apresentando-se, de facto e direito, como o seu único “dono”.
9. A 3.ª Ré tinha, à data dos factos, como objecto social e actividade principal a concepção, desenvolvimento, modificação, teste e assistência a programas informáticos (software).
10. A 3.ª Ré apresentava uma situação económico-financeira deficitária, decorrente da gestão da carteira de clientes e gestão de projectos dos clientes e dos meios técnicos e recursos humanos ao dispor da sociedade.
11. A gestão da 3.ª Ré conduziu a falta de liquidez e incapacidade para cumprir as suas obrigações pecuniárias.
12. Em finais de Julho de 2020, a Autora encetou contactos com o 1.º Réu e iniciou uma negociação com vista à aquisição de parte maioritária do capital social da 3.ª Ré.
13. A Autora chegou a acordo com o 1.º Réu para adquirir 11.355 acções tituladas nominativas, representativas de parte do capital social da 3.ª Ré, com o valor nominal global de €56.775,00, de que aquele era titular.
14. A Autora chegou a acordo com a 2.ª Ré para adquirir 2.000 acções tituladas nominativas, representativas de parte do capital social da 3.ª Ré, com o valor nominal global de €10.000,00, de que aquela era titular.
15. O preço acordado pela Autora com o 1.º Réu e a 2.ª Ré para a transmissão das acções da 3.ª Ré foi de €2,00.
16. Em 31 de Março de 2020, a Autora conduziu uma auditoria à situação financeira, fiscal, contabilística e jurídica com vista à futura celebração do contrato de compra e venda das acções na posse da sociedade BRAINTRUST.
17. A partir de Julho de 2020, a Autora negociou com o 1.º Réu e a 2.ª Ré os termos e condições do contrato de compra e venda das acções de que eram titulares.
18. Em 4 de Janeiro de 2021, a Autora chegou a acordo com o 1.º Réu e a 2.ª Ré para a celebração do contrato de compra e venda das acções.
19. A Autora, o 1.º Réu e a 2.ª Ré optaram por adiar a assinatura do contrato de compra e venda das acções para depois do fecho de contas.
20. Em 16 de Março de 2021, na reunião de administração da 3.ª Ré, o 1.º Réu comunicou à Autora que na semana anterior havia celebrado com um terceiro um contrato promessa de compra e venda das mesmas acções que eram objecto do contrato de compra e venda de acções.
21. A Autora dava apoio à gestão da 3.ª Ré e definição da sua estratégia de actuação, traduzido, nomeadamente, em reuniões semanais regulares com a respectiva administração e os seus trabalhadores.
22. O 1.º Réu remeteu mail aos Legais Representantes da Autora, em 17 de Março de 2021, transmitindo o seguinte:
Olá boa tarde a todos. Espero que se encontrem bem.
Na realidade, contrariamente ao que referem no email, eu não assinei nenhum contrato de venda de acções. O que vos transmiti foi que decidi aceitar a proposta que me foi feita por uma empresa que pretende adquirir uma participação na DW, por considerar ser mais vantajosa que a vossa proposta.
Como tive oportunidade de referir, lamento que não tenhamos conseguido concretizar o nosso plano inicial, mas como responsável pela DW, cabe-me a mim decidir o que considero melhor para o futuro da empresa e dos seus colaboradores. Ainda que difícil, é uma decisão que tenho de tomar.
Volto a agradecer toda a ajuda que nos deram, ao longo destes últimos 12 meses, pela disponibilidade e pelo apoio.
Neste sentido, as nossas reuniões de Terça e Quinta-feira deixam de fazer sentido.
Atenciosamente”.
23. Perante a comunicação do 1.º Réu, a Autora deixou de prestar apoio à 3.ª Ré, em 16 de Março de 2021.
24. A 3.ª Ré beneficiou dos serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, prestados pela Autora sem qualquer contrapartida financeira para esta, no pressuposto de celebração do contrato de compra e venda de acções.
Factos não provados:
a) A actividade da Autora consiste, entre outras valências, em identificar empresas em situação económico-financeira difícil, assumir a sua gestão e controlo através da aquisição das respectivas participações sociais, dotá-la dos meios financeiros, através de entradas de capital, e recursos humanos, através do trabalho e know-how de gestão dos identificados sócios, necessários à sua recuperação e valorização.
b) O valor de €2,00 para a transmissão das acções tinha em conta a situação financeira deficitária da sociedade e a necessidade de realização de entradas de capital pela nova sócia que permitisse dotá-la dos meios financeiros necessários para pagar as suas dívidas, recuperá-la e valorizá-la.
c) No exercício da sua actividade comercial, a Autora chegou ainda a acordo com os Réus para prestar à 3.ª Ré serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, até à formalização da compra das acções.
d) Além da prestação de serviços, a Autora efectuou diversos empréstimos à 3.ª Ré para que esta pudesse cumprir com os seus compromissos.
e) A Autora prestou serviços à 3.ª Ré, ininterruptamente, desde 31 de Março de 2020 até 16 de Março de 2021.
f) Em 17 de Março de 2021, a Autora solicitou por correio electrónico ao 1.º Réu e à 2.ª Ré que confirmassem pela mesma via a sua disponibilidade para assinar o referido contrato de compra e venda de acções até 31 de Março de 2021.
g) Através do mesmo correio electrónico, a Autora transmitiu ao 1.º Réu e à 2.ª Ré que, na falta de resposta até ao final do dia 17 de Março de 2021 ou no caso de confirmar que pretendia vender as referidas acções a terceiros, no dia 18 de Março de 2021 não iria comparecer à reunião de administração e consideraria que o 1.º Réu e a 2.ª Ré não pretenderiam cumprir o contrato de compra e venda de acções oportunamente negociado e concluído entre as partes, o qual seria tido por definitivamente incumprido pelo 1.º Réu e pela 2.ª Ré, sendo apurados os prejuízos decorrentes desse incumprimento para a Autora e respectivos sócios, incluindo danos emergentes e lucros cessantes, cujo pagamento seria solicitado às partes incumpridoras.
h) Através do mesmo correio electrónico, a Autora transmitiu ao 1.º Réu e à 2.ª Ré que caso lhe transmitisse que tudo não havia passado de um equívoco, continuaria disponível para assinar o contrato nos termos e condições acordados
i) As acções da 3.ª Ré foram vendidas ao terceiro, designado por Plexus, em 16 de Julho de 2021 e 19 de Julho de 2021.
j) Com a sua conduta, o 1.º Réu e a 2.ª Ré levaram sempre a Autora e os seus sócios a crer que o negócio estava concluído, criando uma situação que os levou a investir o seu trabalho e capital próprio na 3.ª Ré ao longo de doze meses e meio.
k) A Autora prestou à 3.ª Ré, entre 31 de Março de 2020 e 16 de Março de 2021, um total 774,75 horas de serviços.
l) O preço por hora de prestação de serviços normalmente praticado pela Autora é de 100 Euros/hora, acrescido de IVA.
m) O plano de negócio elaborado pela Autora para a compra das acções da 3.ª Ré e prestação de serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, previa um retorno financeiro no montante de €100.000,00 no prazo de três anos a contar da data da compra das acções.
n) Quando decidiu investir na compra das acções da 3.ª Ré e na sua gestão, a Autora abdicou de projectos alternativos que lhe garantiriam um retorno financeiro semelhante.
o) A pretextos vários e sem qualquer fundamento, adiou a Autora a assinatura do contrato para o dia 4 de Janeiro de 2021 e posteriormente para o dia 8 de Janeiro de 2021 e depois ainda para o dia 14 de Janeiro de 2021.
p) A Autora impediu os Réus de procurar ou se predisporem a aceitarem outras soluções de negócio para viabilizar e desenvolver a sua empresa.
q) Em meados de Março de 2021, os Réus desconheciam se a Autora pretendia efectivamente concluir o negócio.
IV. Razões de Direito
- da conduta do 1.º e 2.º RR. configurar um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium e culpa in contrahendo que confere à A. o direito a ser indemnizada pelos danos causados
Alega a Recorrente que o comportamento do 1.º R. e da 2.ª R. ao não terem concluído o contrato de compra e venda das ações consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, bem como culpa in contrahendo, o que lhe confere o direito a ser indemnizada pelos danos causados que correspondente ao valor dos serviços que prestou “no valor máximo de €77.475,00 e mínimo de €36.000,00”.
A sentença recorrida entendeu não se verificar uma situação de abuso de direito, por a conduta dos RR. estar a coberto da liberdade contratual não tendo excedido os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; considerou, no entanto, existir culpa in contrahendo por parte dos 1.º e 2.º RR. ao quebrarem sem justificação o processo negocial, quando tinham criado na A. a expectativa de vir a concretizar o contrato, excluindo o direito indemnizatório da A. por a mesma não feito prova de que sofreu danos.
Constata-se que a A. vem fundamentar o mesmo pedido indemnizatório que formula contra os 1.º e 2º RR., que quantifica por referência ao valor hora dos serviços que alega ter prestado, quer no instituto do abuso de direito previsto no art.º 334.º do C.Civil, quer na responsabilidade pré-contratual cujo regime vem contemplado no art.º 227.º do C.Civil.
O instituto do abuso de direito tem a sua previsão no art.º 334.º do C.Civil, que estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Está em causa o exercício anormal de um direito em termos reprovados pela lei, ou seja, é respeitada a estrutura formal do direito, mas violada a sua afetação substancial, funcional ou teleológica.
Não é qualquer conduta que é suscetível de integrar o conceito de abuso de direito, já que a norma em questão exige que o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Dizem-nos a este propósito, com grande propriedade, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, pág. 217, em anotação a este artigo: «Exige-se, no entanto, que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (Teoria Geral das Obrigações, pág. 63). O Prof. Vaz Serra refere-se, igualmente, à “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (Abuso do direito, no Bol. N.º 85, pág. 253).»
O Acórdão do STJ de 15 de dezembro de 2002, in www.dgsi.pt refere a este respeito: “a teoria do abuso de direito serve, como se sabe, de válvula de segurança para casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.
Uma das modalidades de que pode revestir-se o abuso de direito é o denominado venire contra factum proprium que a A. invoca, o que tem sempre como pressuposto a criação de uma situação objetiva de confiança – uma conduta de alguém que lhe irá ser vinculativa no futuro, apresentando-se o exercício do direito como contraditório em face de conduta anterior, frustrando as expectativas associadas ao comportamento anterior.
Refere Baptista Machado, in Obra Dispersa, vol. I, pág. 415 que o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico. É sempre necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que, com base nessa situação de confiança, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis.”
Retomando ao caso concreto e partindo dos factos que resultaram provados, salienta-se: (i) o longo período, de quase um ano, em que se mantiveram as negociações entre as partes; (ii) a situação económica e financeira deficitária da 3ª R., com falta de liquidez e incapacidade de cumprir as suas obrigações pecuniárias; (iii) as partes terem chegado a acordo a 4 de janeiro de 2021 para celebrar o contrato de compra e venda de ações, sem que a A. se tenha proposto concretizar o negócio, decidindo aguardar pelo fecho das contas, para o que não se vislumbra fundamento válido, considerando o conhecimento que a A. já tinha da empresa e a sua intenção de firmar o negócio; (iv) a circunstância de ter sido apresentada aos RR. uma proposta mais favorável.
Tudo isto mostra o prolongar de umas negociações que parece que “não atam nem desatam”, numa situação de grandes dificuldades da 3ª R., em que não deixa de ver-se também a responsabilidade da própria A. no adiamento da celebração do contrato, o que mal se compreende, em face da longa auditoria por ela feita à situação financeira, fiscal, contabilística e jurídica da 3ª R.
De realçar também, que ao aceitarem uma proposta contratual mais vantajosa, os 1º e 2º RR. fazem-no no exercício da liberdade contratual, como salienta a sentença recorrida, assim pondo fim às negociações que existiam com a A. com quem até à data não tinha sido possível concretizar o negócio, sem que os factos provados mostrem que houve responsabilidade da sua parte nessa situação de protelamento, não deixando porém de ver-se uma conduta desleal da sua parte ao fazê-lo, por dessa forma inviabilizarem o negócio que as partes tinham apalavrado concretizar mais tarde e que a A. legitimamente, tinha a expectativa de que viesse a ser feito.   
É certo que o princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405.º do C.Civil comporta algumas limitações mas, no caso, é forçoso reconhecer que os 1º e 2º RR. não estavam obrigados a contratar com a A. Veja-se que as partes não celebraram qualquer contrato promessa que as vinculasse a contratar no futuro, o que podiam ter feito, não revelando os factos apurados que tenha sequer existido qualquer proposta nesse sentido por parte da A., de modo a vincular os RR. à realização do contrato de venda das ações, não obstante o longo tempo negocial decorrido, nem tão pouco resulta da lei qualquer obrigação nesse sentido.
Ainda que possa ver-se na conduta dos 1º e 2º RR. ao optarem por um outro parceiro de negócio, numa fase já adiantada das negociações com a A., um comportamento desleal, contrário à boa fé, como melhor se avaliará adiante a respeito da culpa in contrahendo, a verdade é que os factos não mostram que os limites impostos pela boa fé tenham sido “manifestamente” excedidos, ou que possa considerar-se uma situação de clamorosa injustiça, violadora da consciência jurídica, a circunstância dos RR., no contexto, terem aceitado outra proposta de negócio para si mais vantajosa, assim pondo termos às negociações mantidas com a A.
Os factos mostram que a 3ª R. se encontrava numa situação financeira difícil, um período de negociações que pode considerar-se longo e que a partir de certa altura, quando os termos do acordo já haviam sido definidos pelas partes, a opção é por manter a situação em stand by, adiando a celebração do contrato, sem que tão pouco tivesse sido celebrado um contrato promessa que as vinculasse a negociar, o que podiam ter feito, e não deixa de ser também responsabilidade da A.
Avaliando os factos provados, se é legítimo concluir que A. foi surpreendida com o facto dos 1º e 2º RR. terem aceitado uma outra proposta de negócio mais vantajosa, cerca de dois meses e meio depois das partes terem acordado no negócio a celebrar entre elas, tendo a A. a fundada expectativa de o vir a concretizar, as circunstâncias do caso já não permitem dizer que aquele comportamento dos 1º e 2º RR. excedeu de forma clamorosa, manifesta ou superlativa os limites impostos pela boa fé, sendo por isso excessivo enquadrar a sua conduta no abuso de direito.
Tal como entendeu a sentença sob recurso, considera-se que a conduta dos 1.º e 2.º RR. não é suscetível de configurar uma situação de abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334.º do C.Civil, ainda que possa concluir-se pela sua culpa na formação do contrato, de acordo com a previsão do art.º 227.º do C.Civil, tal como ali afirmado, posição com a qual a Recorrente vem concordar.
Razões de lealdade e confiança são inerentes ao princípio da boa fé, que se impõe, quer na negociação dos contratos, quer na sua execução, conforme dispõem, respetivamente o art.º 227.º e 762.º n.º 2 do C.Civil.
Surgindo o contrato pelo encontro de duas vontades, este nem sempre aparece de forma instantânea, sendo muitas vezes antecedido de uma série de atividades ou procedimentos, destinadas a alcançar o acordo final, que constituem o denominado “processo na formação do contrato”, que se desenrola em diversas fases.
Diz-nos Almeida Costa, in. Direito das Obrigações, pág. 224: em ambas as fases, negociatória e decisória, o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade.
A doutrina tradicional considerava as negociações e o processo de formação contratual sem relevância jurídica. Atualmente tal posição encontra-se ultrapassada, conferindo o art.º 227.º do C.Civil, com a epígrafe “culpa na formação dos contratos” relevância jurídica às negociações.
Este art.º 227.º do C.Civil, dispõe, no seu nº 1, que: “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados à outra parte.”
Diz-nos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2013, in. www.dgsi.pt : “aquele que inicia e prossegue negociações criando na outra parte expectativas de negócio, mas formando no decurso dessas negociações o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, de forma arbitrária e culposa, defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, deve indemnizar os prejuízos que causa.
O art.º 227.º do C.Civil surge na conciliação do princípio da tutela da confiança com o princípio da liberdade contratual. As negociações entre as partes podem criar nas mesmas a expectativa da realização do contrato. Se tal confiança vem a ser lesada, com violação das regras da boa fé, verifica-se um facto ilícito que constitui o lesante no dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos causados. Tal não se confunde, porém, com a criação de uma obrigação da parte concluir o contrato só pelo facto de ter encetado negociações; visando estas a obtenção de um acordo, cada parte tem sempre de contar com a possibilidade do mesmo não vir a ser concretizado. A norma em causa apenas tutela a rutura das negociações sem motivo legítimo, em violação das regras da boa fé.
Na situação em presença não merece controvérsia a conclusão a que chegou a sentença recorrida de que existiu culpa in contrahendo por parte dos 1º e 2º RR. ao romperem as negociações já encetadas e em fase adiantada, quando já tinha sido alcançado um acordo quanto aos termos e condições do contrato de compra e venda de ações a celebrar, existindo culpa da sua parte na não concretização do negócio, assim frustrando a expectativa da A. – a Recorrente refere estar de acordo com tal entendimento e os RR. não recorreram da sentença, pelo que se dispensa outras considerações sobre esta questão.
Como refere Menezes Cordeiro in Novas Perspetivas do Direito Comercial, pág. 94: “A violação do n.º 1 do art.º 227.º tem como consequência o dever de indemnizar todos os danos causados e não apenas o interesse negativo. Não é lícito romper negociações: a ilicitude existe, sim, quando deliberadamente se crie na contraparte a convicção de que irá haver contratação e, sem justificação, se promove a ruptura.
A Recorrente discorda da sentença na parte em que aí se considerou que não foi feita prova pela A. de que quebra das negociações lhe causou danos, limitando-se a alegar que os danos correspondem ao valor dos serviços de consultoria e assessoria que prestou à 3ª R. que entende que resultaram provados, que liquida no valor máximo de €77.475,00 correspondente a 774,75 horas à razão de €100,00/hora e mínimo de €36.000,00 correspondente a 360 horas a €100/hora, afirmando que pelo menos deve ser relegada a sua liquidação para mais tarde.
Afirma a este respeito a sentença recorrida:
“Quanto ao valor de €77.475,00, indica a Autora que esse valor corresponde aos serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa prestados por ela à 3.ª Ré. Ficou provado (facto provado em 21) que a Autora dava apoio à gestão da 3.ª Ré e definição da sua estratégia de actuação, traduzido, nomeadamente, em reuniões semanais regulares com a respectiva administração e os seus trabalhadores. No entanto, a Autora apesar de indicar o período de 31 de Março de 2020, apenas resulta que foi a partir de finais de Julho de 2020 é que iniciou negociações com o 1.º Réu e a 2.ª Ré (porquanto antes dessa data a intenção da Autora era adquirir a posição de uma sociedade de nome BRAINTRUST), pelo que a haver danos resultantes da culpa in contrahendo esses apenas poderiam ser contabilizados desde o momento em que a Autora iniciou negociações com o 1.º Réu e a 2.ª Ré, ou seja, finais de Julho de 2020. Ora, para além disso, a Autora também não logrou fazer prova nem dos concretos serviços prestados (ficando provado o “apoio” à gestão e definição da estratégia de actuação), nem das alegadas horas despendidas, nem do valor hora. Nos termos do artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”. E, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquida”. Da redacção do artigo 609.º deve entender-se que o tribunal deve (e estamos aqui perante um poder dever do Juiz e não perante um poder discricionário) condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: A primeira que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor e a segunda que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados. Ora, é manifesto que apenas é possível remeter para liquidação em execução de sentença o montante de danos que tenham sido efectivamente provados, mas cujo valor concreto não foi possível determinar. Fundamental, requisito essencial para que o Tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é, pois, que se prove a existência de danos (ainda que se desconheça o seu valor). Ora, da factualidade provada não resultam danos cujo montante seja necessário apurar ou liquidar em execução de sentença. Dito isto, o facto provado que a Autora dava apoio à gestão da 3.ª Ré e definição da sua estratégia de actuação, não corresponde a nenhum dano, prejuízo na esfera jurídica da Autora, dano esse originado pela quebra das negociações com o 1.º Réu e a 2.ª Ré. Deste modo, não se mostrando provado nenhum dano não é possível relegar para liquidação em execução de sentença a determinação do montante de danos que não estão provados. Caso assim não se entendesse iria relegar-se para liquidação em execução de sentença, não o apuramento do valor dos danos, mas sim o apuramento dos próprios danos.
Os danos indemnizáveis são aqueles que resultam da atuação da parte contrária à boa fé, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária, devendo colocar-se o lesado na posição que estaria se não tivesse encetado negociações – vd. neste sentido, Acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2010 no proc. 1212/06.9TBCHV.P1.S1 in www.dgsi.pt
Os factos provados revelam que a A. confiou e fundadamente criou a expectativa de que se iria celebrar o contrato de compra das ações, ao ponto de ter dado algum apoio na gestão da 3ª R., em reuniões regulares que fazia com os seus administradores e trabalhadores, antes daquele contrato ter sido efetivamente celebrado. Este apoio, como resultou apurado foi dado sem qualquer contrapartida financeira e no pressuposto de que o contrato se iria celebrar.
Tal como refere a sentença recorrida, não pode deixar de entender-se que a A. deu este apoio à 3ª R. no seu planeamento e gestão, orientado para o seu próprio benefício futuro, na medida em que, tendo avaliado o potencial da empresa e contando adquirir as suas ações, tinha todo o interesse em que esta fosse ultrapassando os problemas com que se confrontava, recuperando da situação financeira difícil em que estava, tendo tomado a iniciativa de fornecer esse apoio que nunca faturou nem teve intenção de faturar, nem tendo sido possível distinguir se as reuniões realizadas eram no âmbito da auditoria que a mesma fazia à situação da 3ª R., ou de um apoio na sua gestão. Do apoio prestado pela A. à 3ª R. não resultou, em última análise, uma situação patrimonial mais desfavorável, do que aquela que mesma teria se não tivesse encetado as negociações.
Como se diz no Acórdão do STJ de 31 de março de 2011 no proc. 3682/05.3TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt : “(…) a indemnização pelo dano negativo deve cobrir apenas a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a situação patrimonial que existiria se o contrato, válido ou inválido, não tivesse sido celebrado ou se as negociações não tivessem ocorrido. A indemnização pelo interesse contratual negativo pode cobrir tanto os danos emergentes (despesas realizadas) como os lucros cessantes, incluindo “outras efectivas possibilidades negociais” em especial aquelas “que tenham sido rejeitadas por causa das negociações”, mas não a oportunidade frustrada com o próprio contrato, inválido ou não concluído (cfr. C. Ferreira de Almeida, Contratos I, 4ª ed., 2008, p.224-225). (…) Por conseguinte, apenas estarão cobertos pelo interesse negativo do contrato, os danos que não teriam sido sofridos se o lesado não tivesse confiado na conclusão do contrato pelo que se impõe a reconstituição da situação que existiria anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando o lesado das despesas que efectuou na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teria efectuado se não tivesse confiado); por outras palavras, na situação em que ele se encontraria se nunca tivesse havido negociações. De outro modo dito, o conteúdo da obrigação de indemnizar pelo interesse negativo do contrato cobre os gastos que se fizeram em vistas da celebração de um contrato determinado, sempre que sejam específicos (mas não se estende aos que sempre se teriam efectuado com o simples facto de se iniciar a negociação, ou seja, às despesas realizadas entre o início dos contactos e a formalização da proposta negocial a discutir).”
Os factos apurados não mostram que foram os 1º e 2º RR. que solicitaram a prestação de quaisquer serviços específicos por parte da A. a realizar por ela até à celebração do contrato que negociavam, o que como se viu resultou não provado, tendo igualmente resultado não provado que foram eles que criaram uma situação que levou a A. e os seus sócios a investirem na empresa (factos não provados na al. c) e j)).
Podendo dizer-se que esta intervenção da A. representou um investimento de tempo e know how da sua parte na 3ª R., já não pode configurar-se a mesma como um prejuízo sofrido, na medida em que não resultou apurada qualquer despesa em concreto que a mesma tenha tido com tal apoio dado na gestão da 3ª R., a A. não tinha sequer intenção de vir a ser remunerada por ele, apenas o concretizando no seu próprio interesse e na expetativa da aquisição futura da empresa, não estando tão pouco minimamente indiciado que a sua situação patrimonial e financeira da A. depois de prestado esse apoio fosse diferente daquela que teria se não tivesse encetado negociações com o 1.º e 2º RR.
Constata-se assim, que o apoio que a A. deu à gestão da 3ª R. era orientado para o seu interesse e só pode ser imputado à sua própria decisão e conduta, não resultando do comportamento ilícito dos 1º e 2º RR. ao frustrarem a expetativa de concretização do negócio, não tendo também a A. logrado provar, como lhe competia, nos termos previstos no art.º 342.º n.º 1 do C.Civil, que tal veio a concretizar-se num prejuízo no seu património.
Não se tendo apurado a existência de danos, não há como condenar os 1º e 2º RR. a pagarem à A. o que vier a liquidar-se mais tarde, nos termos previstos no art.º 609.º n.º 2 do CPC.
Esta norma prevê que o tribunal condene no que vier a ser liquidado posteriormente, apenas quando não tenha elementos par fixar o objeto ou a quantidade.
Na situação em presença não é esta situação que se verifica, uma vez que não está em causa a falta de elementos que permita estabelecer a dimensão ou quantificação do dano sofrido pela A., antes estamos perante uma situação em que os danos por ela invocados e cujo ressarcimento foi requerido, não resultaram provados na sua existência.
Como se refere no Acórdão do STJ de 2 de junho de 2016, no proc. 1453/13.2TBCTB.C1.S1 in www.dgsi.pt : “A condenação em indemnização a liquidar pode dispensar a quantificação dos danos, mas não a sua existência.”
Resta concluir pela improcedência desta questão suscitada, confirmando-se a sentença recorrida nesta parte.
- da obrigação solidária dos 1º e 2º RR. a pagarem à A. a quantia de €100,00 a título de lucros cessantes
A respeito desta questão a Recorrente limita-se a alegar que previa um retorno financeiro de €100.000,00 do negócio da compra das ações, tendo abdicado de projetos alternativos que lhe garantiam retorno financeiro semelhante, tendo os 1º e 2º RR. com a sua conduta privado a A. de tal montante.
Sobre este pedido, a sentença proferida admitiu a possibilidade da responsabilidade pré-contratual abranger a indemnização dos danos correspondentes ao chamado interesse contratual positivo, tendo absolvido os 1.º e 2.º RR. do mesmo por não ter sido feita prova da sua existência, ali se afirmando: “Quanto ao pedido de condenação do 1.º Réu e da 2.ª Ré na quantia de €100.000,00 a título de indemnização por lucros cessantes (e independentemente da possibilidade do ressarcimento desses danos na responsabilidade pré-contratual), nesta parte a acção também terá de improceder porquanto a Autora não logrou fazer prova dos benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado.”
 Não obstante a regra, no âmbito da responsabilidade pré contratual, seja a indemnização correspondente ao interesse contratual negativo, na medida em que as partes sabem que as negociações não são vinculativas da celebração do contrato, que ainda se apresenta apenas como uma possibilidade, casos há em que pode haver lugar à indemnização pelo interesse contratual positivo, designadamente quando o estado das negociações já é adiantado, criando uma situação de confiança na realização do negócio.
Deve recorrer-se ao regime geral da obrigação de indemnizar, previsto nos art.º 562.º ss. do C.Civil, aplicável independentemente de qual seja a sua fonte, para se determinar a indemnização pelos danos resultantes da culpa in contrahendo – neste sentido vd. a título de exemplo o Acórdão do STJ de 28 de abril de 2009 no proc. 09A0457 in www.dgsi.pt
Constata-se que a impugnação da decisão nesta parte, para além de não se mostrar minimamente fundamentada do ponto de vista jurídico, nos termos previstos no art.º 639.º n.º 2 do CPC também se encontra totalmente desfasada da realidade factual que veio a resultar provada.
Os factos alegados pela A. reveladores deste alegado dano que pretende ver indemnizado resultaram não provados, constando concretamente das al.s m) e n) da decisão de facto, com o seguinte teor:
“m) O plano de negócio elaborado pela Autora para a compra das acções da 3.ª Ré e prestação de serviços de consultoria, assessoria nas áreas de planeamento estratégico, organização e gestão da empresa, previa um retorno financeiro no montante de €100.000,00 no prazo de três anos a contar da data da compra das acções.
n) Quando decidiu investir na compra das acções da 3.ª Ré e na sua gestão, a Autora abdicou de projectos alternativos que lhe garantiriam um retorno financeiro semelhante.”
O facto da A. vir pugnar pela alteração da sentença relativamente ao pedido indemnizatório que formulou a título de lucros cessantes, apresenta-se como totalmente contraditória com o que por si é alegado no recurso.
Veja-se que é a própria Recorrente que nas suas alegações de recurso reconhece expressamente que não fez prova destes factos tidos como não provados, tanto assim que nem sequer procede à impugnação da decisão de facto nesta parte.
Sobre este pedido indemnizatório formulado pela A. é afirmado na sentença que a mesma não logrou fazer prova do dano que invocou, aí se referindo: “Quanto ao pedido de condenação do 1.º Réu e da 2.ª Ré na quantia de €100.000,00 a título de indemnização por lucros cessantes (e independentemente da possibilidade do ressarcimento desses danos na responsabilidade pré-contratual), nesta parte a acção também terá de improceder porquanto a Autora não logrou fazer prova dos benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado.”
É pacífico, de acordo com o princípio do ónus da prova previsto disposto no art.º 342.º n.º 1 do C.Civil que: “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
Os factos provados não revelam que a A. tenha sofrido o prejuízo que invocou, ou seja, que deixou de auferir o valor de €100.000,00, quer por ser esse o retorno financeiro que previa para o negócio, quer por ter deixado de investir noutros negócios que lhe trariam um retorno semelhante, faltando assim a prova do requisito do dano que é pressuposto da obrigação de indemnizar.
Sem necessidade de outras considerações, improcede esta questão suscitada pela Recorrente, sendo de manter a sentença proferida quando absolve os RR. do pedido de pagamento de €100.000,00 a título de lucros cessantes.
- do benefício da 3ª R. com serviços prestados pela A. determinar a restituição daquilo com que injustamente se locupletou a título de enriquecimento sem causa.
Alega a Recorrente que a 3ª R. beneficiou dos serviços prestados pela A. sem qualquer contrapartida financeira, em virtude de uma causa que deixou de existir, estando obrigada a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, que quantifica no valor dos serviços prestados no máximo de €77.475,00 e mínimo de €36.000,00 ou pelo menos no que vier a ser liquidado em execução de sentença.
A sentença recorrida considerou que a A. não logrou fazer prova dos requisitos do enriquecimento sem causa.
O instituto do enriquecimento sem causa, no qual a A. fundamenta o seu pedido subsidiário vem regulado nos art.º 473.º ss. do C.Civil.
O art.º 473.º do C.Civil estabelece o princípio geral do enriquecimento sem causa, referindo no seu n.º 1: “Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.” Acrescenta o n.º 2 deste artigo que a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido em virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
O objeto da obrigação de restituir compreende tudo o que tenha sido obtido à custa do empobrecido, não podendo exceder a medida do locupletamento, tal como prevê o art.º 479.º nos seus n.ºs 1 e 2, salvo a exceção prevista no art.º 480.º C.Civil.
O art.º 474.º do C.Civil vem consagrar a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, ao dispor: “Não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
Significa isto que enquanto o empobrecido poder utilizar outro meio ou ação para se fazer ressarcir dos seus prejuízos, como sejam a título de exemplo, o instituto da responsabilidade civil ou da responsabilidade contratual, é destes que deve lançar mão.
Diz-nos de forma impressiva o Acórdão do STJ de 19 de fevereiro de 2013, no proc. 2777/10.6TBPTM.E1.S1, in www.dgsi,pt : “O enriquecimento sem causa, como previsto no art.º 473º e ss. do C. Civil é fonte autónoma de obrigações, sendo que a causa da deslocação patrimonial só releva na ausência de relação obrigacional, negocial ou legal e, designadamente, tratando-se de prestação sem qualquer finalidade típica tutelada. Por isso, a pretensão de enriquecimento é sempre subsidiária (ou residual), de sorte que só é possível se não existir meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos (declaração de nulidade ou de anulação de negócio, por ex.). Sendo, ele mesmo, fonte autónoma de obrigações, embora subsidiária, a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova – art.º 342º C. Civil. A mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efectivamente a causa falta (cfr. A. VARELA, ob. cit., 503; acs. STJ, de 24/4/85, BMJ 346º-254; de 22/6/04, Proc. 1688/04-1, do ora relator; e, de 02-02-2010, proc. 1761/06.97UPRT.S1, também desta Secção).”
No caso, verifica-se que a A. embora venha requerer quanto à 3ª R. o ressarcimento dos mesmos danos que pediu relativamente aos 1.º e 2.º RR., quanto a estes fundado no regime da responsabilidade pré contratual, uma vez que quanto a eles o pedido veio a improceder, nada obsta a que se avalie se a sentença proferida andou mal ao não considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa com respeito à 3ª R., tendo em conta a natureza subsidiária deste instituto, como prevê o art.º 474.º do C.Civil.
Como nos dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. I, pág. 319, em anotação ao art.º 473.º: “São requisitos do enriquecimento sem causa: a) o enriquecimento de alguém; o empobrecimento de outrem; c) o nexo causal entre o empobrecimento do primeiro e o enriquecimento do segundo; d) a causa de falta justificativa para o enriquecimento. O enriquecimento pode consistir num aumento do ativo, numa diminuição do passivo, em qualquer das suas modalidades, ou ainda numa dispensa de despesas ou de outras diminuições patrimoniais; o empobrecimento consistirá, inversamente, numa diminuição do ativo ou num aumento do passivo.”
Aceita-se a posição que a Recorrente vem defender no seu recurso, no sentido de que o enriquecimento que está na base do enriquecimento sem causa, pode não decorrer necessariamente de uma deslocação de valores do património do lesado para o do enriquecido. Como enfatiza Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 317: “há casos em que tal não se verifica, v. gr, quando o enriquecimento nasce de um ato praticado por um terceiro (pagamento efetuado por terceiro, dívida validamente cumprida perante o credor aparente, etc.) ou quando ele consiste na poupança de uma despesa (instalação em casa alheia; prestação de alimentos a quem, por erro sobre a pessoa, se julga ser o próprio filho, etc.).”
Neste sentido tem vindo a pronunciar-se também a nossa jurisprudência, de que apenas é exemplo o Acórdão do TRC de 2 de novembro de 2010 no proc. 1867/08.0TBVIS.C1 in www.dgsi.pt onde se refere: “Enriquecimento esse que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas. Enriquecimento (injusto) esse que tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material.”.
A propósito dos requisitos do enriquecimento e do empobrecimento no âmbito do enriquecimento sem causa, ensina Júlio Gomes, em anotação ao art.º 474.º in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, pág. 250-251: “O conceito de enriquecimento tem suscitado uma acesa polémica na doutrina pátria, sendo mesmo um dos temas mais asperamente debatidos nesta sede, não sendo possível no contexto desta anotação dar conta da grande variedade de soluções e de nuances. Bastará referir que uma parte do debate se centra sobre a opção entre privilegiar o enriquecimento real (o concretamente obtido), ou antes, o enriquecimento patrimonial (no sentido de comparação entre a situação patrimonial real em que se encontra o enriquecido e a situação hipotética em que se encontraria sem o facto gerador do enriquecimento). A maior parte da doutrina portuguesa opta pela segunda alternativa, assim entre ouros, PEREIRA COELHO (1968: 354), ANTUNES VARELA (1987: 522-513), LEITE DE CAMPOS (1974: 52), GALVÃO TELES (1997: 196: «o enriquecimento supõe que o benefício se projetou no património, influiu no seu conteúdo, o tornou mais valioso, ou impediu que passasse a ser menos, originando pois um ganho ou a desnecessidade de um dispêndio»), ALMEIDA COSTA (2009: 493) e ANA PRATA (2017: 613-614), mas a primeira solução, a de atender sobretudo ao enriquecimento real, foi defendida por MENEZES LEITÃO, JÚLIO GOMES e parece-nos MENEZES CORDEIRO (2010: 240: «Calcular o influxo de um enriquecimento em um património, teoricamente fácil, coloca, na prática, problemas que não têm solução. Aquilo com que alguém enriquece é o que recebe sem causa: será isso que prima facie, deverá restituir»). (…) a exigência de que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de outrem não deve confundir-se com a exigência de um dano, mormente de um dano patrimonial. A restituição fundada no enriquecimento sem causa não visa a reparação de um dano e não é uma modalidade menor (que por um lado prescindiria da culpa do responsável, mas por outro apenas asseguraria a reparação de um dano nos limites do enriquecimento) de responsabilidade civil (PEREIRA CORELHO; 1968: 335) ALBANESE (2006: 948): o ordenamento não reage aqui contra uma perda patrimonial que pode nem sequer existir, mas contra a obtenção de algo, que de acordo com o próprio ordenamento deveria caber a outrem (cfr. Ac. RC 19.12.2012: « o que provoca a reação da lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição do património do empobrecido»).”
Indo ao encontro da maioria da doutrina, considera-se também que o que é determinante no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa é o enriquecimento patrimonial, já que é apenas com recurso a ele que é possível estabelecer a medida do ressarcimento, nos termos previstos no art.º 479.º do C.Civil.
Como se diz de forma clara no recente Acórdão do STJ de 12 de dezembro de 2023 no proc. 576/22.1T8VCT.G1.S1 in www.dgsi.pt : “O conceito de enriquecimento relevante para  efeitos de enriquecimento sem causa é, de acordo com a opinião dominante na doutrina e na jurisprudência, o conceito de enriquecimento patrimonial, ou seja, “… [o] saldo ou [a] diferença para mais no património do enriquecido, que resulte da comparação entre a situação em que ele presentemente se encontra (situação real) e aquela em que se encontraria se não se tivesse verificado a deslocação patrimonial que funda a obrigação de restituição (situação hipotética)”. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 4158/17.1T8CBR.C1.S1 —, … [o] enriquecimento pode conceber-se de duas formas distintas, a que correspondem as noções real e patrimonial. O enriquecimento real é o valor objetivo do ganho obtido pelo [sujeito] beneficiado e o enriquecimento patrimonial é a diferença para mais no património desse [sujeito], a diferença entre a situação patrimonial actual e a situação patrimonial que teria se a Autora não houvesse realizado aquelas contribuições. Enquanto no enriquecimento real se faz uma avaliação abstracta e objectiva do ganho, no enriquecimento patrimonial procede-se a uma avaliação concreta, subjectiva e dinâmica do ganho. O montante da obrigação não pode nunca exceder aquela diferença. […] Se a função desta obrigação restitutória consiste na remoção do ganho, compreende-se a adoção do conceito de enriquecimento patrimonial. Os princípios do enriquecimento sem causa não permitem ao [sujeito] prejudicado exigir a perda concretamente sofrida.”
À luz do que se referiu e fazendo a ponte para o caso concreto, lembra-se que o ressarcimento pretendido pela A. se reporta a uma ficcionada remuneração para serviços de consultoria e assessoria que prestou à 3ª R., quantificando as horas de serviços prestadas que reclama à razão de €100,00/hora.
O que veio efetivamente a provar-se, com relevância para esta matéria é que a A. dava apoio à gestão da 3ª R. e na definição da sua estratégia de atuação, traduzido, nomeadamente, em reuniões semanais regulares com a respetiva administração e os seus trabalhadores (ponto 21 dos factos provados) e que a 3ª R. beneficiou deste apoio prestado pela A., sem qualquer contrapartida financeira, no pressuposto da celebração do contrato de compra e venda de ações (ponto 24 dos factos provados).
Partindo do conceito de empobrecimento enunciado, pode dizer-se que, não obstante a situação em causa não ter representado existência de um dano para a A., no sentido em que não houve uma perda ou diminuição do seu património, conforme já se referiu quando da avaliação da culpa in contrahendo dos 1º e 2º RR., a verdade é que a mesma usou o seu tempo e know how a favor da 3ª R., ainda que em termos e medida que não ficaram apurados, tendo esta sido a recetora de tais serviços, sem ter pago qualquer contrapartida.
Regista-se, porém, que este benefício não foi obtido no âmbito de qualquer comportamento abusivo por parte da 3ª R., não tendo resultado apurado que tenha sido ela, nem tão pouco os 1.º e 2.º RR., a pedir que a A. prestasse tal colaboração (al. c) dos factos não provados), pelo que a mesma apenas pode ter tido lugar por iniciativa da A. e num contexto em que ela própria se apresenta como interessada em passar a dar algum apoio na gestão da empresa, em face da expectativa de negócio que tinha e sem que, como alega, tenha tido a pretensão de vir a ser remunerada, não estando também indiciada qualquer intenção da 3ª R. em contratar esse tipo de serviços.
Como se refere no Acórdão do STJ de 9 de julho de 2015 no proc. 681/12.2TBBRG.G1.S1 in www.dgsi.pt : “Concebendo-se ou não este incremento de valor em coisa alheia como uma das categorias do enriquecimento sem causa, a doutrina tem enfatizado as especificidades desta situação quando a intervenção que origina esse incremento é realizada sem a anuência ou colaboração do enriquecido ou até com a oposição deste, dando lugar a um enriquecimento forçado ou imposto. Está em causa "o princípio básico da liberdade contratual, sob a forma da liberdade de contratar ou de não contratar e com o princípio de que cada qual dispõe, segundo a sua vontade, da afectação dos seus recursos". Com efeito, "sujeitar o enriquecido a uma obrigação de restituição contra a sua vontade, em virtude de um comportamento do empobrecido, implica reconhecer a possibilidade de alguém constituir obrigações noutra esfera jurídica contra vontade do seu titular, o que se apresenta contraditório com a autonomia privada, princípio fundamental do direito das obrigações".”
Não obstante também não tenha existido qualquer oposição da 3ª R. à prestação da A., o que parece decorrer dos factos apurados, não é uma tentativa de “aproveitamento” por parte da 3ª R. do seu tempo e know how, mas antes uma intervenção de facto da A. na gestão da R. feita de forma antecipada, no seu próprio interesse e na expectativa da futura concretização do contrato de compra e venda das ações da 3ª R., pelo que dificilmente se pode ver um injusto locupletamento por parte desta por ser recetora de tais serviços, que permita concluir pelo seu enriquecimento sem causa à luz do princípio do art.º 473.º do CPC.
Além do mais, é forçoso reconhecer que não ficou provado o requisito do enriquecimento com relevância para o ressarcimento da A. no âmbito deste instituto, à luz do conceito que se defende como mais adequado.
Não obstante possa ver-se a 3ª R. como beneficiária, enquanto recetora dos serviços prestados pela A., configurando-se nesse caso como uma utilidade a prestação em si, independentemente do seu conteúdo e resultado efetivo, a verdade é que não só não resultou minimamente apurado, como nem sequer foi alegado que tais serviços vieram a determinar uma vantagem patrimonial para a 3ª R. , ou seja, que a sua situação patrimonial e financeira no fim, era mais favorável do que aquela que teria na falta dos mesmos – sobre esta matéria, aliás, a prova produzida em audiência de julgamento que sobre ela ocasionalmente incidiu, foi totalmente contraditória.
A A. veio configurar o alegado enriquecimento da 3ª R. apenas por ter sido recetora dos seus serviços, abstraindo totalmente do seu resultado, e contabilizando o seu prejuízo e respetivo enriquecimento da A. na faturação de um determinado número de horas que a mesma não viu remuneradas e que a 3ª R. não teve de pagar o que, no contexto que se referiu, se considera ser insuficiente para que possa haver lugar ao ressarcimento da A. nos termos peticionados, por não ser possível a restituição em espécie a que o legislador dá preferência, como previsto no art.º 479.º n.º 1 do C. Civil e por não poder dizer-se que a 3ª R. se locupletou à custa da A., por não estar demonstrado que a intervenção da A. teve um efeito favorável no seu património.
Mantem-se assim a sentença que entendeu que a A. não logrou fazer prova da verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o presente recurso interposto pela A., mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente por ter ficado vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 23 de maio de 2024
Inês Moura
Paulo Fernandes da Silva
Laurinda Gemas