Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23305/20.0T8LSB.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I - A comunicação de oposição à renovação de contrato de arrendamento deve ser efetuada por escrito assinado pelo senhorio e remetido por aviso de receção para a fração arrendada ou para o domicílio convencionado, nos termos do disposto no artigo 9º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro.
II – Tal declaração possui um caráter receptício, visando acautelar o interesse do arrendatário, assegurando o seu efetivo conhecimento, harmonizando-o com o valor da simplificação do regime da cessação do contrato.
III – Tratando-se de ato que não se encontra subtraído ao regime da representação previsto nos artigos 258º e ss, CC, pode determinar que o terceiro a quem a comunicação foi dirigida, exija que o representante faça prova dos seus poderes, designadamente mediante a exibição de documento que os comprove – cfr. artigo 260ºº, CC.
IV – A procuração que confere ao mandatário poderes gerais de representação do mandante “junto de quaisquer tribunais”, embora o habilite a interpor ação de despejo, não o mandata para dirigir à arrendatária declaração de oposição à renovação do contrato, que integra ato extrajudicial, não contido nos poderes conferidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO

A, B e C, todos residentes na República Popular da China e com domicílio fiscal na Avenida …, .., ..º, em Lisboa, instauraram, em 4-11-2020, contra MYFIGHT, S.A., com sede na Avenida …, n.º … Dto., em Lisboa, a presente ação declarativa comum, pedindo:
- A declaração de resolução do contrato de arrendamento, celebrado entre os Autores e a Ré, referente à fração autónoma, designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão e cave, ligados entre si, com entrada pelo n.º (…), pertencente ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida da …, n.º … a …C, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho e distrito de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das Avenidas Novas, sob o artigo …;
- A condenação da Ré a desocupar o locado, de imediato, procedendo à entrega do mesmo, livre de pessoas, animais e bens, aos Autores;
- A condenação da ré no pagamento das rendas devidas e não pagas, nos termos estipulados no contrato de arrendamento, que se totalizam na quantia de € 58.634,93, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, no valor atual de € 1.056,36, e juros de mora vincendos até integral pagamento;
- A condenação da Ré no pagamento das rendas que se vençam na pendência da ação, acrescidas dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Fundamentando tais pretensões, invocaram os autores, no essencial:
- Na qualidade de proprietários da fração em causa, no dia 30 de setembro de 2016 celebraram um contrato de arrendamento urbano, para fim não habitacional, com prazo certo, com a sociedade CROSSFIGHT, S.A., que teve por objeto a dita fração, pelo prazo de cinco anos (com início a 01/10/2016 e termo a 01/10/2021), renovável automaticamente, pelo período de dois anos, na primeira renovação, e pelo período de um ano, nas seguintes renovações, desde que não se verifique oposição à renovação por qualquer uma das partes;
- Foi acordado o pagamento de uma renda mensal bruta de € 14.500,00, a efetivar até dia 8 de cada mês, sendo que a esse valor seria deduzido o valor a título de retenção na fonte;
- A arrendatária inicial CROSSFIGHT, S.A. frequentemente não realizava o pagamento das rendas devidas no mês a que estas correspondiam, e incumpria sempre o prazo estipulado;
- No dia 6 de março de 2020, os Autores tomaram conhecimento que a CROSSFIGHT, S.A. tinha cedido a posição contratual no mencionado contrato de arrendamento, ao seu Administrador Único, D e que, por sua vez, este pretendia transmitir a sua posição de arrendatário, à aqui Ré, da qual também era representante legal;
- Os Autores, em sinal de boa-fé, não se opuseram à cessão da posição contratual;
- O referido acordo de cessão de posição contratual foi celebrado em momento imediatamente anterior à qualificação do surto de propagação do novo Coronavírus (COVID-19), pela Organização Mundial de Saúde, como uma pandemia internacional – a qual ocorreu no dia 11 de março de 2020;
- Por imposição legal, foram declaradas suspensas as atividades desportivas e foi ordenado o encerramento dos estabelecimentos abertos ao público, destinados à prestação desses serviços, nomeadamente os ginásios, o que, consequentemente, desencadeou a suspensão da atividade comercial da Ré e o encerramento do estabelecimento comercial em funcionamento no locado - ou assim quis a Ré fazer crer os Autores;
- Não obstante a implementação das medidas de contenção e propagação da pandemia, a Ré, de modo a perpetuar a sua atividade comercial, a fim de contornar as imposições legais e assim, proceder à cobrança de mensalidades aos seus associados, optou, unilateralmente e sem dar conhecimento aos Autores ou aos restantes condóminos, por fazer uso do terraço, sito no topo do prédio urbano ao qual pertence a fração arrendada;
- O legal representante da Ré sempre soube que a utilização do terraço por parte da CROSSFIGHT, S.A. e por parte da Ré, era expressamente proibida, quer nos termos da escritura de propriedade horizontal, quer por deliberação da Assembleia de Condóminos;
- Por carta registada com aviso de receção, datada de 19 de junho de 2020, os Autores interpelaram a Ré, para que esta se abstivesse de fazer uso do terraço, ou que, em alternativa, obtivesse as competentes autorizações junto dos condóminos;
- O uso indevido do terraço pela Ré consubstancia uma preocupação clara de todos os condóminos, bem como uma violação inequívoca das obrigações contratuais;
- A Ré não procedeu ao pagamento das rendas mensais referentes aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2020, invocando a suspensão da sua atividade por imposição legal;
- Por carta registada com aviso de receção, datada de 3/9/2020, os Autores comunicaram a resolução do contrato de arrendamento à Ré, com base no incumprimento regular e sucessivo da obrigação de pagamento de renda, bem como com base no uso indevido e abusivo do terraço do prédio onde está inserido a fração autónoma.

Regularmente citada, a ré contestou a ação, impugnando o valor atribuído pelos Autores à causa, bem como a matéria alegada na petição inicial, pronunciando-se nos seguintes termos:
- Sempre ficou convencionado que poderia usar o terraço;
- Se não resulta qualquer afetação exclusiva do terraço a qualquer uma das frações autónomas, então qualquer uma delas a poderá usar;
- À data, o Regulamento do condomínio era inexistente;
- Não procedeu ao pagamento das rendas em virtude da moratória concedida, o que foi indicado aos Autores.

Em 22-11-2021, os Autores apresentaram articulado superveniente, alterando os pedidos inicialmente formulados, por forma a que passasse a constar como primeiro (e principal) pedido, o de declaração de extinção do contrato de arrendamento “(…) com efeitos a 29.09.2021 por efeito da oposição à renovação operada pelos senhorios ora AA”, formulando como subsidiário o pedido de resolução contratual “(…) nos termos e para os efeitos do artigo 1083.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), n.º 3 e artigo 1084.º, n.º 1 e n.º 2, todos do Código Civil.”
Para tanto, alegaram:
- Terem procedido à notificação da Ré da oposição à renovação do arrendamento, considerando que a mesma produziu efeitos no dia 29 de setembro de 2021;
- Porém, a Ré não desocupou o imóvel, não o entregou, nem pagou as rendas em dívida.

Admitido liminarmente o articulado superveniente, foi a Ré notificada para se pronunciar sobre o mesmo e nessa sequência apresentou requerimento de resposta, opondo-se à apresentação de tal articulado, considerando não existir qualquer facto superveniente (dado que o documento no qual os autores suportam a alegada extinção do vínculo contratual em novembro de 2021 se mostra datado de maio de 2021), imputando ainda aos autores a falta de junção das comunicações subsequentes. Segundo alegou a ré, em tais comunicações, por várias vezes, foi solicitada a apresentação de procuração outorgando poderes especiais à ilustre mandatária dos autores para, além do mais, deduzir oposição à renovação do contrato de arrendamento, solicitação esta que nunca foi satisfeita. Consequentemente, tal comunicação de oposição à renovação do contrato “(…) nunca foi apta a produzir qualquer efeito jurídico”.

Foi realizada audiência prévia, na qual foi admitido o articulado superveniente e proferido despacho saneador e enunciados o objeto de litígio e os temas de prova.

Realizada audiência de julgamento, com produção de prova, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando do seu dispositivo o seguinte:
“(…) decide-se:
a) declarar a extinção do contrato de arrendamento urbano, para fim não habitacional, com prazo certo, com efeitos a 30 de setembro de 2021;
b) condenar a Ré a despejar o locado, entregando o mesmo aos Autores livre e devoluto de pessoas, animais e bens;
c) condenar a Ré no pagamento de parte da renda do mês de Maio de 2020 – no valor de € 4.259,93 – e no pagamento das rendas a partir de Junho de 2020 até 10 de Novembro de 2020 (data da citação da Ré) a que acrescem juros de mora desde a data da citação e sobre as rendas que se venceram a partir dessa data – 11 de Novembro de 2020 - e que se vencerão na pendência da acção, a que acrescem juros de mora desde o respetivo vencimento.
d) absolver a Ré do pedido de pagamento dos juros vencidos, no valor de € 1.056,36.”

Não se conformando com a decisão proferida, a ré dela interpôs recurso, ao qual requereu que fosse atribuído efeito suspensivo, pugnando pela sua revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1.É por demais evidente que o presente recurso merecerá o devido provimento e que o mesmo deverá ser tramitado com o inerente efeito suspensivo requerido, porquanto da decisão que vier a ser superiormente proferida, compete decisão de procedência do reconhecimento da extinção de contrato de arrendamento urbano, de um ginásio, com inerentes prejuízos associados de impossível reparação, nomeadamente e em particular, de fidelização de clientela.
2. Sendo que, caso não venha a ser determinado o efeito suspensivo ao presente recurso interposto, nada obsta a que seja promovida nova decisão, em sede de execução de sentença que efetive o despejo do locado e os necessários prejuízos conducentes até mesmo, à declaração de insolvência da recorrente,
3. Com extrema relevância para o recurso interposto, veio o réu em sede de primeira instância alegar que, a procedência da ação como configurada pelos autores teria de improceder, porquanto, a oposição à renovação padeceria de fundamentação jurídica e sempre se manifestaria a ilegitimidade das pretensas notificações da I. Mandatária dos autores, nomeadamente, pela não receção do mandato com os devidos poderes especiais e respetivos reconhecimentos à data.
4. Contudo, veio o douto Tribunal a quo considerar que: “Ora, a oposição à renovação é um direito potestativo que depende apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação e só opera para futuro. Como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período de aviso consignado na lei ou no contrato. Assim, nesta parte, falece o argumento apresentado pela Ré, verificando-se o envio da carta com a intenção clara de oposição à renovação do contrato de arrendamento e o respeito pela antecedência acordada no contrato a que estava vinculada a Ré.”.
5. Ora, desde logo a falácia do douto Tribunal a quo se releva porquanto, atendendo às duas questões controvertidas, cumpriria analisar primeiro a ilegitimidade das pretensas notificações, isto porquanto, padecendo a legitimidade das pretensas notificações, o seu teor seria, como é, irrelevante.
6. Assim e no quanto à questão da legitimidade importa, considerou o douto Tribunal a quo que: “No caso sub judice, a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento foi efetuada por advogada, na invocada qualidade de mandatária dos Autores, donde se infere que a mesma emitiu a declaração em causa ao abrigo de poderes que lhe tinham sido voluntariamente concedidos pelos senhorios/representados.”.
7. Requerido que foi à I. Mandatária que fizesse prova de tal facto, de que se encontrava mandatada para emitir a declaração em causa, nunca a mesma veio a fazer prova de tal alegado facto.
8. Nunca podendo o douto Tribunal a quo vir ora concluir que, por a I. Mandatária ser a mesma que emitiu a declaração e a mesma que se encontra a representar judicialmente os autores nos autos judiciais, então a mesma teria legitimidade para promover a declaração.
9. Na realidade, se o fundamento adotado pelo douto Tribunal a quo procedesse, então o douto Tribunal a quo teria de aceitar, que a I. Mandatária dos autores, nunca teria que juntar uma Procuração Forense aos autos, porque a haveria junto – no cenário hipotético – diretamente com as pretensas comunicações.
10. É reconhecido pelo douto Tribunal a quo: “Na missiva remetida à Ré encontram-se espelhados todos os requisitos da figura da representação acima referenciados, não tendo, não obstante, tal declaração sido acompanhada de procuração outorgada pelos Autores e senhorios, concedendo poderes de representação à ilustre advogada que a subscreveu.”
11. E isto porquanto: “No entanto, resulta do e-mail cujo teor foi reproduzido em 45 da matéria de facto provada que a Ré exigiu do representante a justificação dos poderes de representação, no caso, a apresentação de procuração outorgada pelos senhorios a favor da Ilustre Mandatária que subscreveu a dita comunicação, conferindo-lhe poderes representativos.”
12. Assim e por força do disposto no artigo 260.º CPC, número 2: “Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante”, em momento algum na letra da lei se refere que, correndo ação em juízo, fica o interpelado dispensado de dar cumprimento ao disposto no artigo 260.º/2 CPC.
13. No entanto, vem o douto Tribunal a quo entender que: “Assim, E, na qualidade de mandatária dos senhorios, remeteu missiva a opor-se à renovação do contrato de arrendamento. Esta missiva foi remetida no dia 14 de maio de 2021. Ora, nessa data, o processo judicial já se encontrava em juízo, tendo a petição inicial sido subscrita por E, com procurações forenses juntas aos autos pelos Autores. Para além disso, o mandatário da Ré era à data F que apresentou a contestação destes autos em nome da Ré e inclusive respondeu ao articulado superveniente dos Autores, no qual estes vieram invocar a extinção do contrato de arrendamento por oposição à renovação.”
14.Concluindo que,
15. “Dito isto, não poderia F, como Ilustre Mandatário da Ré, exigir à Exma. Dr.ª E a justificação dos poderes de representação, no caso, a apresentação de procuração outorgada pelos senhorios a seu favor, conferindo-lhe poderes representativos, porquanto desde, pelo menos, 10 de Dezembro de 2020, o Ilustre Mandatário da Ré tinha conhecimento pleno dos poderes da Exma. Dr.ª E.”
16. Devidamente compulsadas as procurações que se encontram juntas aos autos, temos que, em três alíneas são determinados os poderes conferidos, nomeadamente, a alínea a) não tem aplicação porquanto diz respeito a questões bancárias, a alínea b) não tem aplicação porquanto refere-se a pagamentos de impostos e contribuições e a alínea c) não tem aplicação porquanto refere expressamente “para representar o mandante, junto de quaisquer TRIBUNAIS PORTUGUESES” (CAPS nosso).
17. Assim, as procurações das quais a recorrente já tinha conhecimento, pelo menos desde Dezembro de 2020 não são aptas a dispensar a aplicação da letra da lei do artigo 260.º/2 CPC, porquanto de facto e como bem alega o douto Tribunal a quo: “pelo menos, 10 de Dezembro de 2020, o Ilustre Mandatário da Ré tinha conhecimento pleno dos poderes da Exma. Dr.ª E. “, tinha sim, os plenos poderes para promover consulta de movimentos e saldos bancários de duas contas, alinea a), pagar impostos, alinea b) e representar EM TRIBUNAL, alinea c), o que nenhuma aplicabilidade ao caso concreto.
18. Porquanto também de facto como é reconhecido pelo douto Tribunal, a recorrente tinha conhecimento que: “Os poderes conferidos pelos Autores à Exma. Dr.ª E são poderes forenses.”, corrigindo-se, poderes forenses JUNTO DE QUAISQUER TRIBUNAIS PORTUGUESES (conforme melhor consta da procuração, instrumento que os recorridos quiserem assinar, nos exatos termos que no mesmo constam), não mais e não menos.
19. Ora e conforme supra e inicialmente melhor se começou por alegar, detetado que se encontra o erro de raciocínio e aplicação do Direito, por parte do douto Tribunal a quo, desde logo no quanto tange à matéria da legitimidade da interpelação, não podendo reconhecer-se a mesma como validamente apta, legitimamente apta a produzir efeito no plano jurídico, sempre se terá de concluir, que não existiu por parte dos autores, de forma válida e legitima, a interpelação da recorrente para efeitos de Oposição de Renovação de Contrato.
20. Aqui chegados, outro não pode ser o entendimento, senão o de que, na relação jurídica entre recorrente e recorridos, não operou qualquer oposição ao contrato de arrendamento válida, legitima e apta a no mundo jurídico produzir qualquer efeito, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, determinando consequentemente a falência de todo o demais promovido na douta sentença ora em crise, que na verdade se encontra sustentado numa oposição à renovação, que não poderá ser considerada legitima e licita a produzir quaisquer efeitos jurídicos, não podendo ser reconhecida a extinção do contrato de arrendamento, com efeitos a 30 de Setembro de 2021, impondo-se a revogação da decisão e subsequentes consequências jurídicas, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
21. Mais acresce que não foi dado como provado que a recorrente tivesse efetuado despesas várias com obras e aquisição de material de renovação do espaço locado, mas também não foi dado como não provado.
22. Ao assim determinar, o douto Tribunal a quo, está na verdade a determinar a existência de um enriquecimento ilícito por banda da recorrida, porquanto testemunhas existiram, que mereceram a total credibilidade do douto Tribunal a quo, nomeadamente pela testemunha G, que o douto Tribunal a quo considerou como “consultor do Legal Representante da Ré e que frequentava o ginásio, mencionaram, de forma coerente e que mereceu a credibilidade do Tribunal”, nomeadamente sobre as várias obras que foram suportadas pela recorrente.
23. Na verdade a douta sentença nem sobre o tocante da compensação se pronuncia, nem perante o valor total das obras que foram efetuadas pela recorrente, por forma a poder operar a compensação entre a eventual condenação e os montantes por si suportados, que serão integrados na esfera jurídico patrimonial da recorrida.
24. Aqui chegados não resta senão concluir que estamos perante uma nulidade da douta sentença proferida, por manifesta falta de pronúncia, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, devendo a douta sentença dar como provado ou pelo menos pronunciar-se sobre as despesas suportadas pela recorrente, fazendo assim operar a compensação, o que se requer.
Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs. Ex.ªs., deverá ser determinado procedente por provado o presente RECURSO, impondo-se a revogação da decisão que determinou a validade da interpelação de não renovação, não podendo a mesma operar quaisquer efeitos jurídicos, devendo consequentemente determinar-se nulo todo o demais despacho decisão ora em crise, o que se requer.”

Os autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso de apelação, concluindo nos seguintes termos:
A. Analisadas as conclusões da Recorrente, as quais nos termos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, delimitam o objeto do recurso, verifica-se que o presente recurso foi apresentado por entender a Recorrente que a oposição ao contrato de arrendamento efetuada pelos Recorridos, e em sindicância nos autos, não produziu os seus efeitos.
B. E, ainda, por entender que a sentença do Tribunal a quo padece de nulidade por falta de pronúncia quanto às alegadas despesas com obras suportadas pela Recorrente.
C. Importa recordar que o contrato de arrendamento em apreço nos autos foi celebrado no dia 30 de setembro de 2016, entre os AA., ora Recorridos, na qualidade de senhorios, e a sociedade comercial anónima CROSSFIGHT, S.A., na qualidade de arrendatária, e representada pelo seu administrado único, à altura, o Sr. D.
D. Conforme resulta do documento n.º 5 junto aos autos com a Petição Inicial, o referido contrato foi outorgado pelo mandatário dos Recorridos.
E. Por ocasião dos diversos incumprimentos com o pagamento das rendas devidas pela inquilina, ainda enviaram os mandatários dos Recorridos, a pedido e em representação destes últimos, cartas de interpelação dirigidas à inquilina originária – conforme cartas juntas aos autos sob os docs. 9 e 10 da petição inicial - e, também estas comunicações foram rececionadas sem que os poderes de representação dos seus outorgantes fossem questionados.
F. Posteriormente, a 6 de março de 2020, foi outorgada a cessão da posição contratual, uma vez mais pelos mandatários dos Recorridos, e a pedido do representante legal da inquilina, tendo sido cedida a posição de inquilina no referido contrato de arrendamento, à ora Recorrente – conforme documento 14 junto aos autos com a petição inicial.
G. E, também aí, o representante legal da Requerente não mostrou objeção aos poderes de representação do outorgante do acordo.
H. Ou seja, em todos os episódios que o representante legal da Recorrente estabeleceu contacto com os Recorridos, foi sempre através dos mandatários destes (e que são, à data, ainda os mesmos dos autos), e tal sucedeu porque, ao contrário do que a Recorrente quer agora fazer crer o Douto Tribunal ad quem, a Requerente viu, confirmou e aceitou os poderes que foram conferidos aos mandatários dos Recorridos.
I. Sem prejuízo, sempre se dirá que à data em que a Recorrente rececionou a missiva de oposição à renovação do contrato de arrendamento em apreço, já a Recorrente havia sido citada nos presentes autos, conhecendo em plenitude os poderes conferidos aos mandatários dos Recorridos.
J. Logo, não haverá lugar a qualquer questão sobre a legitimidade da oposição à renovação efetuada em nome e em representação dos Recorridos.
K. E, mesmo quanto ao arrazoado relativo aos termos descritos na procuração conferida pelos Recorridos, sempre se dirá que quem “pode o mais, pode o menos”, isto é, quem tem poderes forenses para intentar ação judicial de resolução de contrato, também os terá, por maioria de razão, para fazer cessar o mesmo contrato por oposição à sua renovação, devendo, por isso, manter-se a decisão por ora recorrida, operando, com todos os demais efeitos, a oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano, validamente efetuada pelos Recorridos a 14 de maio de 2021.
L. A Recorrente não logrou cumprir o disposto no artigo 640.º, do CPC, relativamente à matéria de facto, que aparentemente pretendeu impugnar tanto nas alegações como nas conclusões, especificamente, não indicou os factos que considera terem sido mal julgados pelo Tribunal Recorrido, não transcreve os pontos concretos constantes da Douta sentença, e muito menos indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso.
M. Deste modo, dúvidas não restam que, a Recorrente se furtou ao ónus, consagrado no artigo 640.º n.º 1 alíneas a) e b) do CPC, quando, relativamente à matéria de facto, não especifica os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, nem tão pouco os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa.
N. Pelo que, deverá, à priori, ser rejeitado o recurso apresentado pela Recorrente, pelo menos quanto às alegadas despesas com o imóvel locado.
O. Contudo, e por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se dirá que a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só se compreende com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
P. A causa de pedir dos presentes autos e conforme consta do Despacho Saneador, contempla os seguintes pontos: “- Da utilização do terraço do prédio pela Ré; - Do não pagamento das rendas pela Ré; - Da oposição à renovação do contrato de arrendamento.”
Q. Ora, nos referidos pontos não é feita qualquer alusão a obras levadas a cabo pela Recorrente pois que a mesma, em momento algum, com exceção das alegadas declarações em sede de julgamento, faz menção do putativo direito de crédito, nunca tendo aquela, ademais, junto qualquer prova dos factos que afirma.
R. Não tendo alegado tal exceção na contestação, ou junto prova, e por não se verificar nenhuma das situações excecionais previstas no n.º 2 do artigo 573.º, do CPC, o direito da Recorrente de as deduzir preludio, e fica o Tribunal impedido de conhecer das invocadas exceções, sob pena de violação do princípio da concentração da defesa.
S. É por isso de se concluir que a nulidade alegada pela Recorrente prevista na alínea d), n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, deve também improceder por falta de fundamento.”

Apreciada e indeferida a nulidade arguida, foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito devolutivo.

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi determinada a notificação de ambas as partes para, na hipótese de procedência do recurso deduzido pela ré, se pronunciarem sobre a apreciação do pedido de despejo, tendo por base a falta de pagamento das rendas, não apreciado pelo tribunal recorrido por ter sido considerado prejudicado pela solução dada ao litígio – cfr. artigo 665º, nº 2, CPC.
Apenas os autores se pronunciaram, alegando não conceberem a procedência do recurso interposto pela ré, considerando, de todo o modo, que ficou demonstrada a ocorrência de mora no pagamento das rendas por período superior a três meses, nada obstando à resolução do contrato, com base em tal fundamento, nos termos do disposto nos artigos 1083º, 2 e 3, 1081º e 1087º, CC. (Requerimento de 06-02-2025 - referência 5128...08).

Inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Assim, analisadas as conclusões do recurso interposto pela ré/recorrente, constituem questões a decidir as seguintes:
- Nulidade da sentença (apontando a recorrente à decisão recorrida omissão de pronúncia relativamente às obras por si efetuadas no locado e à compensação do seu valor com o crédito dos autores);
- Ineficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento (por falta de mandato da representante dos autores, com poderes especiais para o efeito);
- Em caso de procedência da última questão enunciada, apreciação do pedido de despejo, tendo por base a falta de pagamento das rendas devidas pela utilização do locado.
*
Da nulidade da sentença
Considerou a ré/recorrente que a sentença padece de nulidade por não constarem nem dos factos provados, nem dos factos não provados as despesas por si suportadas com a realização de obras e aquisição do material de renovação na fração locada, o que inviabilizou que operasse a compensação de tais valores com os montantes em cujo pagamento foi condenada. Certo é que da leitura das alegações resulta que, apesar de apontar à decisão recorrida a omissão da factualidade pertinente à compensação, a recorrente enquadrou tal vício como nulidade não tendo manifestado qualquer propósito de impugnar a matéria de facto, nem cumprido os ónus estabelecidos a tal propósito no artigo 640º, CPC.
Os recorridos, nas contra-alegações, além de defenderem que a recorrente não cumpriu os ónus inerentes à impugnação da matéria de facto, consideraram que a nulidade decorrente da omissão de pronúncia “só se compreende com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte”.
O tribunal recorrido indeferiu a arguição da nulidade.
Cumprindo apreciar e decidir a questão efetivamente suscitada, verifica-se que o vício que a recorrente aponta à sentença é o enunciado sob a alínea d) do artigo 615º, CPC, traduzido na falta de pronúncia do tribunal sobre “(…) questões que devesse apreciar”.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1], o fundamento de invalidade invocado, relacionado com os limites da sentença, reporta-se à omissão de pronúncia, concretizando-se na violação do comando contido no artigo 608º, CPC que impõe o conhecimento pelo juiz de todas as questões suscitadas.
O vício da nulidade da sentença reporta-se a “erro de atividade”, correspondendo à infração de regras que disciplinam o exercício do poder jurisdicional, respeitando à forma como o juiz exerceu a sua atividade – Alberto dos Reis[2].
Porém, não se reconduz ao vício da nulidade o erro de julgamento, consubstanciado numa errada interpretação e aplicação da lei, ou numa errada apreciação dos factos, suscetíveis de determinar a revogação da decisão – Antunes Varela[3].
No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 11-10-2022[4], sumariado nos seguintes termos: “I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no art.º 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. II - A Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas. III - O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.”
Aqui chegados, interessa indagar se a realização de obras e melhoramentos na fração locada constitui questão que tenha sido efetivamente suscitada e que o tribunal recorrido não tenha apreciado.
Porém, da leitura da contestação não pode concluir-se que tenha sido suscitada a questão ora em análise. E idêntica conclusão se extrai da leitura do requerimento pelo qual a ré exerceu contraditório relativamente ao articulado superveniente.
Ora, a compensação constitui causa de extinção das obrigações que ocorre “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor” permitindo que “qualquer delas” possa “livrar-se da sua obrigação” mediante declaração efetuada por uma das partes à outra – cfr. artigos 847º e 848º, CC.
Porém, a invocação da compensação por realização de obras e melhoramentos no locado, configurando defesa por exceção, dado constituir facto extintivo do direito de crédito emergente da falta de pagamento das rendas invocado pelos autores, deveria ter sido expressamente invocada (cfr. artigos 571º, 572º, alínea c), 573º, nºs 1 e 3, CPC). Porém, a ré não procedeu a tal invocação, apenas tendo suscitado a questão nas alegações de recurso que não constitui o momento processualmente válido para o efeito. Como refere Abrantes Geraldes[5]: “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação do seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal recorrido”. No sentido da inviabilidade do conhecimento em recurso de “questões novas”, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 02-02-2023[6], aí se referindo: “(…) as questões que no recurso podem ser invocadas são apenas aquelas que na decisão recorrida tiverem sido abordadas, não podendo colocar-se uma questão nova e pretender que no recurso essa mesma questão seja objeto de análise e decisão”.
Em face do exposto, julgamos não poder apontar-se à decisão recorrida qualquer omissão de pronúncia, porquanto a existência de um crédito na esfera jurídica da ré que pudesse ser compensado com o invocado pelos autores não foi alegada em termos processualmente válidos, não constituindo questão submetida à apreciação do tribunal recorrido, cuja omissão de conhecimento possa reconduzir-se a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos expostos.
Pelo exposto, não procede a arguição da nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo, nesta parte, o recurso.
*

III – FUNDAMENTAÇÃO
São os seguintes os factos provados a considerar:
1. Os Autores adquiriram, por escritura pública, celebrada em 31 de outubro de 2014, a fração autónoma, designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão e cave, ligados entre si por escada, com entrada pelo n.º ...-A, pertencente ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida da República, n.º ... a ...C, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho e distrito de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das Avenidas Novas, sob o artigo ….
2. No dia 30 de Setembro de 2016, foi celebrado um contrato de arrendamento urbano, para fim não habitacional, com prazo certo, entre os Autores, na qualidade de senhorios, e a sociedade comercial CROSSFIGHT, S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva …, com sede social na Avenida …, sobreloja … Dto., Penha de França, Lisboa, com o capital social de € 50.000,00, na qualidade de arrendatária, representada pelo seu Administrado Único, D, com o número de identificação fiscal … e que se encontra junto aos autos a fls. 28 a 30 vs. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início a 1 de outubro de 2016, renovável automaticamente, pelo período de dois anos, na primeira renovação, e pelo período de um ano, nas seguintes renovações, desde que não se verifique oposição à renovação por qualquer uma das partes.
4. Nos termos do referido contrato, os Autores obrigaram-se a ceder o uso, gozo e fruição do locado à arrendatária, a sociedade CROSSFIGHT, S.A., mediante o pagamento de uma renda mensal bruta de € 14.500,00, a qual deveria ser paga até dia 8 de cada mês.
5. Ao valor bruto da renda estipulada, deduzir-se-ia o valor correspondente à percentagem de 25% a título de retenção na fonte.
6. Ficou também estabelecido que o locado destinar-se-ia à atividade de exploração e gestão de instalações desportivas, considerando que a arrendatária pretendia instalar, no imóvel, um ginásio.
7. A inquilina comprometeu-se a não invocar a falta de eventuais autorizações ou licença de utilização para obter, em seu proveito, a cessação do arrendamento ou qualquer indemnização.
8. A inquilina procedeu à instalação de um ginásio no locado e à respetiva exploração.
9. Na data de assinatura do contrato, a inquilina CROSSFIGHT, S.A., obrigou-se a entregar aos Autores a quantia global de € 32.625,00, sendo o montante de € 21.750,00, correspondente ao valor de dois meses de renda, destinado à prestação de caução, e o valor de € 10.875,00, destinado ao pagamento da renda mensal, correspondente ao mês de outubro de 2016.
10. Para o efeito, a inquilina entregou aos Autores um cheque, no valor de € 32.625,00.
11. Após ter sido depositado, o mencionado cheque foi recusado pela entidade bancária, com fundamento na divergência entre a assinatura aposta e a assinatura bancária do representante legal, D.
12. Foram efetuadas as seguintes transferências bancárias pela CROSSFIGHT, S.A.:
▪ Em 10 de Novembro de 2016, no montante de € 10.875,00;
▪ Em 23 de Dezembro de 2016, no montante de € 1.000,00.
▪ Em 27 de Dezembro de 2016, três transferências bancárias, no montante de € 1.000,00 cada uma.
▪ Em 28 de Dezembro de 2016, no montante de € 1.000,00.
▪ Em 29 de Dezembro de 2016, no montante de € 1.000,00.
▪ Em 30 de Dezembro de 2016, no montante de € 1.000,00.
▪ Em 2 de Janeiro de 2017, três transferências bancárias, uma no montante de € 1.850,00 e duas no montante de € 1.000,00.
▪ Em 3 de Janeiro de 2017, no montante de € 1.000,00;
▪ Em 4 de Janeiro de 2017, no montante de € 1.000,00;
▪ Em 5 de Janeiro de 2017, no montante de € 1.000,00;
▪ Em 9 de Janeiro de 2017, duas transferências bancárias, uma no montante de € 1.000,00 e outra no montante de € 4.900,00;
▪ Em 13 de Janeiro de 2017, no montante de € 2.000,00. 13. No dia 6 de fevereiro de 2017, D, na qualidade de representante legal da CROSSFIGHT, S.A., arrendatária à data, esteve presente na Assembleia Geral Extraordinária de Condomínio.
14. Na ata dessa Assembleia Geral Extraordinária ficou consignado que “Os representantes do Ginásio Crossfit S.A., D. H, Sr. G e Sr. D, estiveram presentes a convite do Dr. I e informaram que o contrato de arrendamento menciona que o terraço pertence à fração A. Foi confirmado pelo representante da Crossfit, Sr. D, que ia enviar”.
15. Mais, ficou consignado, que “Os condóminos foram unanimes em relação à não utilização do terraço/cobertura, em exclusivo pela fração A, uma vez que o mesmo é parte comum do edifício (…). Além de que, foi mencionado pelo condómino da fração B, que está diretamente ligada com um vão aberto para o referido terraço, que as atividades pré-programadas pelos gestores do ginásio, iriam incomodar o funcionamento normal daquela fração”.
16. Na ata da Assembleia Geral Ordinária, ocorrida no dia 22 de março de 2017, ficou consignado que “Foi referido por unanimidade dos condóminos que reiteram o que foi deliberado na Assembleia Geral Extraordinária do passado dia seis de Fevereiro, ou seja, não prescindem do uso da cobertura comum confinante com a fração B, nem autorizam qualquer tipo de uso/atividade pela fração A. Caso seja desrespeitada tal deliberação, serão tomadas as devidas medidas judiciais.”
17. No dia 7 de dezembro de 2018, os Autores procederam ao envio de uma carta registada, com aviso de receção, interpelando a referida sociedade no sentido de proceder ao pagamento dos valores em dívida, que ascendiam ao montante de € 73.000,00, acrescido da indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil.
18. Na sequência da missiva enviada, a sociedade CROSSFIGHT, S.A. pagou a quantia de € 25.000,00.
19. No dia 18 de fevereiro de 2019, a CROSSFIGHT, S.A. cedeu a posição contratual no mencionado contrato de arrendamento, ao seu Administrador Único, D.
20. No dia 2 de janeiro de 2020, os Autores procederam ao envio de uma carta registada, com aviso de receção, interpelando a sociedade CROSSFIGHT, S.A. no sentido de proceder ao pagamento de valores em dívida, que ascendiam ao montante de € 87.600,00, acrescido da indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil.
21. Quer a sociedade CROSSFIGHT, S.A., quer a Ré, têm como Administrador Único, D e ambas exercem a mesma atividade comercial.
22. No dia 6 de março de 2020, após a realização do pagamento do montante de € 48.000,00, os Autores outorgaram “Acordo de Cessão da Posição Contratual”, nos termos do qual D cedeu a sua posição contratual que detinha no contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional à ora Ré.
23. No dia 11 de março de 2020, foi qualificado o surto de propagação do novo Coronavírus (COVID-19), pela Organização Mundial de Saúde, como uma pandemia internacional.
24. O Governo da República Portuguesa reconheceu a excecionalidade da situação de emergência, desencadeada por este surto, tendo sido decretado o estado de emergência, no dia 18 de março de 2020.
25. No dia 20 de março de 2020, foram declaradas suspensas as atividades desportivas e foi ordenado o encerramento dos estabelecimentos abertos ao público, destinados à prestação desses serviços, nomeadamente, os ginásios.
26. Nos termos da escritura de Propriedade Horizontal não resulta qualquer afetação exclusiva do terraço a qualquer uma das frações autónomas, nomeadamente, a fração objeto do contrato de arrendamento.
27. A Ré comunicou no dia 31 de março de 2020, através do seu representante legal, que iria suspender o pagamento das rendas mensalmente devidas aos Autores, até ao levantamento das medidas restritivas dos estabelecimentos desportivos.
28. A partir de dia 18 de maio de 2020, a Ré iniciou aulas outdoors junto ao Campo Pequeno e no terraço.
29. A 1 de junho de 2020, a Ré não tinha procedido ao pagamento das rendas referentes aos meses a março, abril e maio de 2020.
30. Por carta registada com aviso de receção, datada de 19 de junho de 2020, os Autores interpelaram a Ré, para que esta se abstivesse de fazer uso do terraço “em condições não permitidas pelo regulamento de condomínio”, ou que, em alternativa, obtivesse as competentes autorizações junto dos condóminos.
31. No dia 9 de julho de 2020, o Mandatário dos Autores foi convocado para a Assembleia Geral Ordinária de Condóminos, cuja ordem de trabalhos incluía, como ponto 1.º, o uso do terraço.
32. A referida Assembleia de Condóminos realizou-se no dia 17 de julho de 2020.
33. Na ata da mencionada Assembleia de Condóminos ficou consignado: “Pediu depois a palavra o condómino do 4º andar, que esclareceu que no início eram aulas de ginástica com música bastante alta, e que depois passaram a ter também aulas de kickboxing em que são emitidos gritos de incentivo, em tom identicamente alto e agora também agressivo. Por outro lado, praticam também atividades em que são utilizados alteres que deixam cair no chão, produzindo ruídos e estremecimentos do prédio – tendo ainda colocada estruturas no gradeamento que soqueiam e pontapeiam, produzindo ruído e, de novo, estremecimento do prédio. O que foi confirmado pelo condómino do 2º andar. Por outro lado, como acesso ao referido espaço comum, interditado, são agora inúmeras as pessoas desconhecidas que acedem ao prédio, causa de insegurança a todos os condóminos. O que foi corroborado por todos os presentes (…). Insistiu-se, por isso, com a representante da fração A, para que, enquanto proprietários cujos inquilinos estão a abusivamente abusar do terraço, ajam no sentido de por fim a esse uso”.
34. Resulta ainda dessa ata n.º 30 o seguinte: “Depois de amplamente discutido este tema, foi posto à votação mandatar a Sra. Dra. J para, em nome da administração deste condomínio, adotar todas as medidas judiciais e outras que se mostrem indispensáveis e uteis para por termo ao uso abusivo do terraço pela fração A, a qual foi votada favoravelmente por todos os presentes, com exceção da credenciada da fração A, que votou contra”.
35. E ainda o seguinte: “Porque obrigatório o regulamento do condomínio, votou-se por unanimidade dos presentes mandatar a Sra. Dra. H de elaborar o respetivo regulamento, que reitere a proibição de uso terraço, designadamente, para a prática de atividades de ginásio, como sanções exemplares para os incumpridores.”.
36. No dia 11 de agosto de 2020, foi remetida por E, na qualidade de mandatária dos Autores, à Ré, carta registada, com aviso de receção, a qual versou sobre os seguintes aspetos:
o em primeiro lugar, a Ré foi interpelada para proceder ao pagamento das rendas correspondentes aos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2020, no montante de € 54.375,00, acrescido da indemnização constante no artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil, num total de € 65.250,00
o em segundo lugar, foi interpelada, novamente, no sentido de se abster do uso indevido e abusivo do terraço, por ser ilegal, sob pena de resolução do contrato.
37. A 18 de agosto de 2020, a Ré, através do seu Advogado Dr. F, remeteu para a Dr.ª E, e-mail em resposta à carta referida em 36, que se encontra junto aos autos a fls. 94 e que se dá aqui por integralmente reproduzido.
38. Por carta registada com aviso de receção, datada de 3 de setembro de 2020, E, na qualidade de mandatária dos Autores comunicou a resolução do contrato de arrendamento, à Ré, com base no incumprimento da obrigação de pagamento de renda, bem como com base no uso indevido e abusivo do terraço do prédio onde está inserido a fração autónoma.
39. Missiva que foi rececionada pela Ré, no dia 4 de setembro de 2020.
40. No dia 8 de setembro de 2020, a Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 15.322,95, correspondentes à totalidade da renda mensal de março de 2020, no valor de € 10.875,00, e à renda mensal de abril de 2020, parcial, no valor de € 4.447,95.
41. A 10 de setembro de 2020, a Ré, através do seu Advogado Dr. F, remeteu para a Dr.ª E, e-mail em resposta à carta referida em 38, com o seguinte teor: “Foi com algum espanto que a N/ Constituinte nos entregou a V/ missiva que lhe foi endereçada, na qual indicam V.ªs. Ex.ªs. a resolução do contrato de arrendamento, a qual em bom rigor, padece de fundamentação jurídica, razão pela qual, desde já indicamos que não aceita a N/ Constituinte, qualquer produção de efeitos da mesma.
Ademais e para que possamos responder em conformidade, mais somos a solicitar, que nos remetam Procuração outorgada a V.ªS Ex.ªs, na qual se encontrem apostos os poderes especiais para proceder ao envio de cartas de resolução de arrendamento em nome dos proprietários, bem como solicitamos ainda, certidão predial atualizada.
Rececionados tais documentos, procederemos à resposta em conformidade.
Mais informamos que segue em anexo, conforme vos foi transmitido por e-mail datado de 18.08.2020, comprovativo de pagamento de renda e comprovativo de pagamento da primeira de doze prestações referentes ao período pandémico. (…)”.
42. No dia 12 de outubro de 2020, a Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 13.042,12, correspondentes ao remanescente da renda de abril de 2020, no valor de € 6.427,05 e à renda mensal de maio de 2020, parcial, no valor de € 6.615,07.
43. A Ré não procedeu ao pagamento das rendas mensais referentes aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2020.
44. Por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de maio de 2021, E, na qualidade de mandatária dos Autores, comunicou a Ré a oposição à renovação do contrato de arrendamento, a produzir os seus efeitos no dia 29 de setembro de 2021.
45. F remeteu e-mail a E, em 13 de agosto de 2021, com o seguinte teor:
“Exma. Sra. Dra. E
M. D. Advogada e Colega
Foi com muito espanto que não recebemos, até à presente data, qualquer resposta por parte da Exma. Colega, na qualidade pretensa de mandatária do Sr. A e do Sr. C, uma vez que até à presente data não rececionamos o mandato com os devidos poderes especiais e respetivos reconhecimentos à data conforme diversas vezes solicitado, por referência ao nosso email que vos foi remetida no passado dia 19 de Maio de 2021.
Assim e uma vez mais, aliás em conformidade com missiva já anteriormente remetida a V.ª Ex.ª e à qual a Exma. Colega nunca respondeu (à semelhança da anterior), somos a reiterar, apenas por dever de patrocínio e à cautela que:
a) a oposição à renovação do contrato de arrendamento, o qual em bom rigor, padece de fundamentação jurídica, desde logo não é aceite pela N/ Constituinte e, atendendo ainda ao processo judicial que se encontra a ser discutido, não é a mesma apta à produção de qualquer efeito;
b) mais se reitera (pela terceira vez) que nenhuma missiva ou documentação por parte da Exma. Colega será aceite, como putativamente na qualidade de mandatária do Sr. A e do Sr. C, sem que nos seja remetida (o que aliás foi já requerido por diversas vezes e a Exma. Colega nunca agiu em conformidade) Procuração outorgada V.ªs Ex.ªs na qual se encontrem apostos os poderes especiais para proceder ao envio de cartas de resolução de arrendamento e respetivos reconhecimentos certificados, ou agora in casu, os poderes especiais para que procedam à Oposição à renovação do contrato, em nome dos proprietários,
c) bem como solicitamos ainda, certidão predial atualizada da fração em causa.
Ademais e para que possamos responder em conformidade, mais somos a solicitar (pela terceira vez) que nos sejam remetidos tais documentos, sob pena de continuar a N/ Constituinte a não reconhecer qualquer legitimidade aos atos praticados pela Exma.- Colega, o que me bom rigor jurídico, a tal importa.
Rececionados tais documentos, procederemos à resposta em conformidade. (…)”
46. A Ré não desocupou o imóvel, nem o entregou livre de pessoas, animais e bens aos Autores.
47. A petição inicial deu entrada no dia 4 de novembro de 2020 e foi subscrita por E e L, em representação dos Autores, juntando para o efeito procurações forenses outorgadas em 16 de janeiro de 2020.
48. Os autores, outorgantes de tais procurações, aí conferem aos mandatários “(…) os poderes para em seu nome e representação: a) Procederem à consulta, presencialmente ou por outra via, dos movimentos, extratos e saldos bancários, bem como solicitar informações relativas a todas as contas bancárias (…); b) Solicitar o pagamento eletrónico de impostos e contribuições (…); c) Mais confere ainda os poderes forenses gerais para representar o mandante, junto de quaisquer tribunais portugueses.” (Facto que resulta da ponderação do conteúdo das procurações forenses de 16-01-2020, juntas aos autos com a petição inicial, aditado ao abrigo do disposto nos artigos 607º, nº 4 e 663º, nº 2, CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa).
*
E são os seguintes os factos não provados:
a) Quando negociou o arrendamento, a Ré negociou com uso das partes comuns (terraço).
b) O que sempre lhe foi permitido e indicado como permitido.
c) Ficou convencionado que a Ré poderia usar o terraço.
d) No contrato de arrendamento é mencionado que o terraço pertence à fracção A.
e) Os Autores só tomaram conhecimento da cessão da posição contratual ocorrida entre a CROSSFIGHT, S.A. e o D no dia 6 de março de 2020.
f) A cessão da posição contratual ocorrida entre a CROSSFIGHT, S.A. e o D ocorreu sem o conhecimento e sem o consentimento dos Autores.
g) De modo a perpetuar a sua atividade comercial, a fim de contornar as imposições legais e, assim, proceder à cobrança de mensalidades aos seus associados, a Ré optou, unilateralmente e sem dar conhecimento aos Autores ou aos restantes condóminos, por fazer uso do terraço, sito no topo do prédio urbano ao qual pertence a fração arrendada.
h) O legal representante da Ré, D, sempre soube que a utilização do terraço por parte da CROSSFIGHT, S.A. e por parte da Ré, era expressamente proibida nos termos da escritura de propriedade horizontal.
i) A deliberação foi dada a conhecer aos arrendatários, nomeadamente, à CROSSFIGHT, S.A. e ao seu representante legal, D.
j) A Ré instalou no pavimento variados equipamentos desportivos, a expensas próprias, contra vontade da Assembleia de Condóminos, bem como contra a vontade dos Autores. k) Sendo as aulas realizadas no terraço, os participantes tinham de utilizar o elevador ou as escadas do prédio.
l) Além da produção de ruído e de estremecimento do prédio, a conduta da Ré aumenta, exponencialmente, o perigo e risco de contágio dos condóminos habitacionais, na medida em que se verifica a circulação de pessoas estranhas ao condomínio, nas áreas comuns do prédio, nomeadamente, nos acessos ao terraço.
m) Apenas existiam 2 aulas por dia.
n) Numa duração aproximada de 45 minutos cada,
o) Com o máximo de 12 participantes cada.
p) Acrescido de um monitor/ professor.
q) Nunca com começo antes das 10h00.
r) Em algumas aulas, 12 pessoas no máximo usaram alteres de 5 quilos.
s) Os 12 praticantes no máximo treinavam com 2 metros de distância entre si.
t) E sempre que não estivessem a treinar – no percurso – eram obrigados a usar máscaras,
u) De forma obrigatória sob pena de expulsão do ginásio e de forma definitiva.
v) A Ré nunca suspendeu a sua atividade nem encerrou o ginásio.
w) As condutas levadas a cabo pela Ré perturbam o direito ao sossego e ao descanso dos condóminos que habitam no prédio, que são diariamente expostos aos ruídos e aos estremecimentos do prédio.


Da oposição à renovação do contrato de arrendamento
Na decisão recorrida foi considerada válida e juridicamente operante a declaração/comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos autos, com efeitos a partir de 30-09-2021. Tal declaração foi subscrita pela mandatária dos autores Dr.ª E. Porém, na perspetiva da ré, tal comunicação não é suscetível de produzir o efeito pretendido – não renovação do contrato de arrendamento – por não se mostrar comprovado que à declarante tivesse sido conferido mandato com poderes especiais para o efeito.
Cumpre apreciar e decidir:
Regulando as “Formas de cessação” do contrato de arrendamento, dispõe o artigo 1079º, CC: “O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.”
A oposição à renovação enquadra-se nos contratos com prazo certo, mas renováveis automaticamente, permitindo que o senhorio impeça essa renovação desde que proceda à comunicação dessa sua intenção ao arrendatário com determinada antecedência, variável em função do prazo de duração do contrato ou da sua renovação.
Tem vindo a salientar-se que a oposição à renovação do contrato de arrendamento não configura uma categoria dogmática autónoma relativamente às causas da sua cessação porquanto, como refere Elsa Sequeira Santos[7]: “quando o contrato termine por ter chegado ao fim do prazo (...) a causa de extinção do contrato é a caducidade. A oposição à renovação não é, pois, uma causa autónoma de extinção do contrato, é apenas uma das causas conducentes à caducidade”.
Certo é que especificamente nos contratos para fins não habitacionais como o que está em causa nos presentes autos, o contrato não se renova em caso de oposição à renovação – cfr. artigos 1101º e 1096, nº 3, CC. Interessa ainda salientar que o artigo 1110º, nº 4, CC (com a redação que lhe foi conferida pela Lei 13/2019, de 12-02) impõe um período mínimo de duração inicial do contrato para que o senhorio possa opor-se à renovação. Efetivamente, ali se estabelece: “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”. Embora se trate de norma que entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação da referida Lei 13/2019, de 12-02, conforme estabelecido no seu artigo 16º, aplica-se ao contrato em análise nos autos, apesar de celebrado antes da sua vigência, por dispor diretamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento, nos termos do artigo 12º, nº 2, 2ª parte CC – neste sentido Amadeu Colaço[8],Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2021[9] e Acórdão da Relação de Lisboa de 29-09-2022[10]. Consequentemente, nos contratos para fins não habitacionais, nos primeiros cinco anos de vigência do contrato, não pode o senhorio opor-se à sua renovação, apenas volvido tal período podendo exercer tal faculdade.

A comunicação pela qual o senhorio se opõe à renovação do contrato e que, na prática determina a sua extinção, deve ser escrita e subscrita pelo declarante. Efetivamente, nos termos do artigo 9º, nº 1, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro (NRAU): “Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção”. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2017[11]: “A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) prevê um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição que prevalece sobre a receção ou conhecimento a que o regime geral do n.º 1 do art.º 224.º do CC dá relevância: exige-se que seja feita por escrito assinado pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por carta registada com aviso de receção, (i) para o local arrendado, desde que o aviso de receção seja assinado pelo inquilino; ou (ii) tendo havido convenção de domicílio, para esse local”, ali se concluindo que tal declaração possui um caráter receptício. Tal regime visa harmonizar quer o interesse da proteção do arrendatário, potenciando que a declaração chegue efetivamente ao seu conhecimento, quer o interesse da simplificação da cessação do contrato.
Porém, desse regime não se retira que a oposição à renovação constitua ato subtraído ao regime da representação, prevista nos artigos 258º e ss CC, nos quais se mostra estabelecido, como princípio geral que: “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”. Certo é que correspondendo o ato praticado por representante a declaração negocial dirigida a terceiro, pode este exigir que o representante faça prova dos seus poderes (de representação), como estabelece o nº 1 do artigo 260º, CC, sob a epígrafe “Justificação dos poderes do representante”, nos seguintes termos: “1. Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.”. O nº 2 desta norma concretiza que: “Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante”.
Tal regime evidencia que o terceiro (a quem a comunicação foi dirigida) possui o ónus material ou o encargo de averiguar se o representante possui ou não os poderes por ele alegados. A consequência da ausência de prova, por parte do procurador, dos poderes de representação invocados ao dirigir a terceiro a declaração negocial identifica-se com o segmento normativo já transcrito: “(…) sob pena de a declaração não produzir efeito”.
Paralelamente, e obviando à falta de prova dos poderes do declarante, o artigo 268º CC admite que o representado ratifique o ato praticado sem poderes de representação.
A averiguação dos poderes do representante corresponde, em geral, a um ónus do terceiro perante quem o ato foi praticado – neste sentido, Pedro de Albuquerque[12].
Por fim, como se afirma na decisão recorrida, a possibilidade de o senhorio se fazer representar em tal declaração de oposição de oposição à renovação do contrato, resulta reforçada pela redação conferida ao artigo 11º, NRAU, nº 1, ao prever tal possibilidade em caso de pluralidade de senhorios, nos seguintes termos: “Havendo pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente, devendo o arrendatário dirigir as suas comunicações ao representante, ou a quem em comunicação anterior tenha sido designado para as receber”.
Exposto sumariamente o regime da oposição à renovação do contrato de arrendamento, importa analisar o caso concreto, por forma a aferir se o mesmo opera de forma eficaz no caso presente, como defendeu a decisão recorrida, ou se não opera, como pretende a recorrente.
Os contornos factuais mais relevantes para dirimir tal questão são os seguintes:
- O contrato de arrendamento urbano, para fim não habitacional, em discussão nos autos, foi celebrado no dia 30 de setembro de 2016, tendo por objeto a fração correspondente ao rés-do-chão e cave, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, n.º ... a ...C, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho e distrito de Lisboa.
- Tal contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início a 1 de outubro de 2016, renovável automaticamente, pelo período de dois anos, na primeira renovação, e pelo período de um ano, nas seguintes renovações, desde que não se verificasse oposição à renovação por qualquer uma das partes.
- Por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de maio de 2021, a Dr.ª E, na qualidade de mandatária dos Autores, comunicou à Ré a oposição à renovação do contrato de arrendamento, a produzir os seus efeitos no dia 29 de setembro de 2021.
- O Dr. F, na qualidade de mandatário da ré remeteu e-mail à Dr.ª E, em 13 de agosto de 2021, com o seguinte teor:
Exma. Sra. Dra. E
M. D. Advogada e Colega
Foi como muito espanto que não recebemos, até à presente data, qualquer resposta por parte da Exma. Colega, na qualidade pretensa de mandatária do Sr. A e do Sr. C, uma vez que até à presente data não rececionamos o mandato com os devidos poderes especiais e respetivos reconhecimentos à data conforme diversas vezes solicitado, por referência ao nosso email que vos foi remetida no passado dia 19 de Maio de 2021.
Assim e uma vez mais, aliás em conformidade com missiva já anteriormente remetida a V.ª Ex.ª e à qual a Exma. Colega nunca respondeu (à semelhança da anterior), somos a reiterar, apenas por dever de patrocínio e à cautela que:
a) a oposição à renovação do contrato de arrendamento, o qual em bom rigor, padece de fundamentação jurídica, desde logo não é aceite pela N/ Constituinte e, atendendo ainda ao processo judicial que se encontra a ser discutido, não é a mesma apta à produção de qualquer efeito;
b) mais se reitera (pela terceira vez) que nenhuma missiva ou documentação por parte da Exma. Colega será aceite, como putativamente na qualidade de mandatária do Sr. A e do Sr. C, sem que nos seja remetida (o que aliás foi já requerido por diversas vezes e a Exma. Colega nunca agiu em conformidade) Procuração outorgada V.ªs Ex.ªs na qual se encontrem apostos os poderes especiais para proceder ao envio de cartas de resolução de arrendamento e respetivos reconhecimentos certificados, ou agora in casu, os poderes especiais para que procedam à Oposição à renovação do contrato, em nome dos proprietários,
c) bem como solicitamos ainda, certidão predial atualizada da fração em causa.
Ademais e para que possamos responder em conformidade, mais somos a solicitar (pela terceira vez) que nos sejam remetidos tais documentos, sob pena de continuar a N/ Constituinte a não reconhecer qualquer legitimidade aos atos praticados pela Exma.- Colega, o que me bom rigor jurídico, a tal importa.
Rececionados tais documentos, procederemos à resposta em conformidade.”
- A Ré não desocupou o imóvel, nem o entregou livre aos Autores.
- Os presentes autos foram instaurados no dia 4 de novembro de 2020, tendo sido subscrita a petição inicial pelas Dr.ªs E e L, em representação dos Autores, juntando para o efeito procurações forenses por eles outorgadas em 16 de janeiro de 2020.
- Em tais procurações, os outorgantes (aqui autores) conferem aos mandatários ali identificados e designadamente à Dr.ª E “(…) os poderes para em seu nome e representação: a) Procederem à consulta, presencialmente ou por outra via, dos movimentos, extratos e saldos bancários, bem como solicitar informações relativas a todas as contas bancárias (…); b) Solicitar o pagamento eletrónico de impostos e contribuições (…); c) Mais confere ainda os poderes forenses gerais para representar o mandante, junto de quaisquer tribunais portugueses.”
Ora, deve extrair-se dos factos provados que a carta pela qual a ilustre mandatária dos autores comunica a oposição à renovação do contrato de arrendamento não foi acompanhada de procuração que comprovasse o mandato para aquele específico ato.
Por outro lado, o ilustre mandatário dos réus, em resposta a tal missiva, solicitou o enviou de procuração comprovativa dos poderes de representação para o efeito, solicitação essa que não obteve resposta.
É ainda certo que à data de tal comunicação (14-05-2021), já a presente ação havia sido instaurada (o que sucedeu em 04-11-2020), encontrando-se os autores representados pela sua ilustre mandatária Dr.ª E, a quem conferiram procuração em 16-01-2020 com “poderes forenses gerais para representar o mandante, junto de quaisquer tribunais portugueses”.
Cabe, pois, indagar, no âmbito do quadro factual exposto, se deve ou não ser atribuída eficácia à comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
O tribunal recorrido respondeu afirmativamente a tal questão, considerando, para tanto que na data em que a comunicação de oposição à renovação do contrato foi remetida “(…) o processo judicial já se encontrava em juízo, tendo a petição inicial sido subscrita por E, com procurações forenses juntas aos autos pelos Autores. Para além disso, o mandatário da Ré era à data F que apresentou a contestação destes autos em nome da Ré e inclusive respondeu ao articulado superveniente dos Autores, no qual estes vieram invocar a extinção do contrato de arrendamento por oposição à renovação.
Dito isto, não poderia F, como Ilustre Mandatário da Ré, exigir à Exma. Dr.ª E a justificação dos poderes de representação, no caso, a apresentação de procuração outorgada pelos senhorios a seu favor, conferindo-lhe poderes representativos, porquanto desde, pelo menos, 10 de Dezembro de 2020, o Ilustre Mandatário da Ré tinha conhecimento pleno dos poderes da Exma. Dr.ª E.
Os poderes conferidos pelos Autores à Exma. Dr.ª E são poderes forenses. (…) Ora, podendo o mandato forense ter por objeto, entre outros, atos de representação extrajudicial, nos quais se incluem atos dispositivos de determinados direitos ou a extinção de relações jurídicas, nada impede que os poderes representativos por aquele conferidos se insiram no âmbito das comunicações que impliquem a modificação ou cessação de contratos de arrendamento.
Em conclusão, apesar do Ilustre Mandatário da Ré ter exigido a apresentação de procuração da Exma. Dr.ª E, nos termos do artigo 260.º do Código Civil, aquele já tinha conhecimento – desde, pelo menos, Dezembro de 2020 e estando associado ao processo - que E era a Mandatária dos Autores no âmbito dos presentes autos, tendo sido a própria a apresentar articulado superveniente onde invoca a extinção do contrato de arrendamento por oposição à renovação.
Não resta senão concluir que a declaração/comunicação remetida à Ré tem de considerar-se válida e juridicamente operante, pelo que se declara a extinção do contrato de arrendamento, com efeitos a 30 de setembro de 2021, por efeito de oposição à renovação operada pelos Autores.”
Em face do exposto, haverá que concluir que a oposição à renovação do contrato respeitou o prazo mínimo de cinco anos previsto no nº 4, do artigo 1110º CC, nos termos supra referidos.
Porém, assente que, apesar de interpelada para o efeito, a representante dos autores não remeteu ao representante da ré comprovativo dos seus poderes, interessa aferir se tal, in casu, não obsta à produção de efeitos da declaração de oposição à renovação.
Para tanto, haverá que ter presente que à data em que tal comunicação foi dirigida ao representante da ré já a presente ação de despejo se mostrava pendente. E o pedido principal deduzido pelos autores, no momento de interposição da ação, era o de despejo fundamentado na previsão dos artigos 1083º nº 1 e nº 2, alínea a) e nº 3 e 1084º, nºs 1 e 2, CC. Ou seja, tendo por base a utilização pela arrendatária da cobertura da fração para práticas desportivas, os senhorios, defendendo a ilicitude de tal comportamento, imputavam à arrendatária “A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio”, nos termos da alínea a) do artigo 1083º, nº 2, CC. A tal fundamento de resolução aditaram ainda os senhorios o relativo à falta de pagamento das rendas – cfr. artigo 1083º, nº 3, CC.
Para efeitos de interposição da presente ação, os proprietários outorgaram à mandatária procuração, que, no segmento relevante, lhe conferia: “(…) os poderes forenses gerais para representar o mandante, junto de quaisquer tribunais portugueses.
Sucede que tal procuração não conferia à mandante poderes correspondentes à declaração de oposição à renovação do arrendamento, como resulta da interpretação dos seus termos com base no sentido normal que um declaratário lhe atribuiria, conforme critério interpretativo consagrado no artigo 236º, CC. E o certo é que o específico ato de declaração de oposição não está contido na outorga de poderes gerais para representar o mandante junto de quaisquer tribunais portugueses. Desde logo, trata-se de ato que não é praticado perante qualquer tribunal, sendo, ao invés composto por declaração apresentada à arrendatária. E tal conclusão não se revela obstaculizada do facto de a sua comprovação em tribunal ser suscetível de produzir efeitos, designadamente comprovando a extinção do contrato de arrendamento. Certo é que tal declaração, na sua génese, é composta por ato extrajudicial para o qual, manifestamente, a declarante não comprovou estar dotada de poderes.
Por outro lado, sendo inequívoco que o mandato forense pode incluir o “exercício de mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas” como expressamente previsto no artigo 67º nº 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, do consignado na procuração em questão não pode concluir-se que a representante dos autores tivesse sido mandatada para negociar a extinção da relação jurídica de arrendamento, pelo menos na sua vertente extrajudicial, estando apenas mandatada para o fazer no âmbito da ação de despejo que efetivamente instaurou.
Conclui-se, pois, que não tendo a representante apresentado comprovativo dos seus poderes de representação relativos à declaração de oposição à renovação do contrato, nos termos do disposto no artigo 260º, nº 1, CC, nem tendo os seus representados ratificado o ato nos termos do disposto no artigo 268º, CC, a declaração em questão é ineficaz, enquanto facto impeditivo da renovação do contrato de arrendamento.
E assim é, embora inequivocamente se deva concluir que a representante dos autores, ao dirigir tal declaração à arrendatária e, ulteriormente, ao aditar um novo fundamento de cessação do contrato por meio de articulado superveniente, atuou em nome e no interesse dos autores, seus representados, que manifestamente pretendiam ver cessado o vínculo de arrendamento em discussão nos autos.
Porém, não ficou demonstrado que a representante dos autores dispusesse de poderes para dirigir à ré a comunicação de oposição à renovação do contrato, falecendo, por isso o terceiro requisito da representação, conforme sistematização de Menezes Cordeiro[13], mencionada na decisão recorrida, designadamente que os mesmos lhe tivessem sido voluntariamente cedidos ou que resultassem de qualquer disposição legal, o que manifestamente não sucede.
Consequentemente, perante a ineficácia, nos termos expostos, da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento, deverá ser alterada a decisão recorrida. Isso não significa, porém, que a apelação proceda totalmente.

Na verdade, os autos reúnem os elementos necessários para a apreciação do pedido de despejo deduzido pelos autores, tendo por base a falta de pagamento das rendas pela arrendatária. Tal pedido foi deduzido na petição inicial, cumulado com os pedidos de pagamento das rendas vencidas e vincendas, e reafirmado no articulado superveniente (aqui de forma subsidiária, para o caso de improcedência do pedido de extinção do contrato por oposição à sua renovação).
 Dos factos apurados resulta que foi convencionado o pagamento de uma renda mensal bruta de € 14.500,00, a pagar até ao dia 8 de cada mês. Mais se apurou que ao “(…) valor bruto da renda estipulada, deduzir-se-ia o valor correspondente à percentagem de 25% a título de retenção na fonte” (factos provados nºs 4 e 5). Por outro lado, ponderando os pagamentos efetuados (factos nº 12, 18, 22, 29, 40, 42, 43), forçoso é concluir que não foram pagas as rendas de maio de 2020 (esta parcialmente) e a totalidade das rendas referentes aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2020.
Por constituir a contrapartida do gozo temporário do locado, está o arrendatário obrigado a pagar a renda – cfr. artigos 1022º, 1038º, alínea a), CC. Não cumprindo tal obrigação, por facto que lhe seja imputável, o locatário incorre em mora, que pode fazer cessar, sem quaisquer consequências, no prazo de oito dias, a contar da data do vencimento das rendas – cfr. artigo 1041º, nº 2, CC. Tal pagamento, se efetuado em prazo superior, fará cessar a mora do locatário apenas se for acompanhado da indemnização prevista no nº 1 do artigo 1041º, CC. Porém, persistindo o arrendatário na falta de pagamento das rendas, ocorre o fundamento de resolução previsto no artigo 1048º, CC que, “(…) quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º” – cfr. artigo 1048º, nº 1, CC. Ainda a este propósito, dispõe o artigo 1083º, nº 3, CC que é inexigível a manutenção do contrato de arrendamento nos casos em que o arrendatário se constituiu em mora superior a três meses. Trata-se, pois, de “infração grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato” – cfr Menezes Leitão[14].
Ora, reiterando o afirmado na sentença recorrida quanto ao não apuramento do pagamento de tais rendas, e ao ónus da ré de o demonstrar, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 2, CC, forçoso é considerar que opera o fundamento de resolução invocado.
De facto, nos presentes autos resultou demonstrada a falta de pagamento de rendas pela ré por mais de três meses, o que confere aos autores o direito à resolução do contrato de arrendamento em apreciação, tanto mais que a ré não alegou, nem comprovou ter pago as quantias sem falta, acrescida da indemnização prevista no artigo 1041º, nº 1, CC.
Consequentemente, deverá ser determinado o despejo, extinguindo-se, consequentemente, o contrato de arrendamento celebrado entre os autores e a ré, embora por fundamento diverso do determinado na sentença recorrida.
No demais, mantém-se a decisão recorrida.

Embora proceda parcialmente o recurso de apelação, será decretada a cessação do contrato de arrendamento (por fundamento diverso do da decisão impugnada), pelo que a ré deverá ser responsabilizada pelas suas custas – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.

*
III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão recorrida quanto à alínea a) do dispositivo, que se substitui por decisão que decreta a extinção do contrato de arrendamento relativo à fração identificada no ponto 1 dos factos provados, por falta de pagamento de rendas, mantendo, no demais, o decidido em 1ª instância [pontos b), c) e d) da sentença da primeira instância].

Custas do recurso pela ré/recorrente – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.
 
D.N.

Lisboa, 13 de fevereiro de 2025
Rute Sobral
Laurinda Gemas
Pedro Martins
______________________________________________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, 3º edição, Volume 2, pág.735
[2] CPC anotado, 1981, Vol. V, páginas 124 e 125.
[3] Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2ª edição, 1985, pág. 686.
[4] Proferido no proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt
[5] Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 139 a 141
[6] Proferido no processo nº 314/19.6YHLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt
[7] Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, 2022, reimpressão, Vol. I, pág. 1390
[8] Guia Prático do Arrendamento Urbano, Novo Regime da Lei 13/2019, Almedina, 2020, 2ª edição, pág. 365.
[9] Proferido no processo nº 19/20.5YLPRT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[10] Proferido no processo n~1006/21.1T8CSC.L1-2, disponível em www.dgsi.pt
[11] Proferido no processo nº 83/16.1YLPRT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[12] Código Civil Comentado, I - Parte Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina, 2020, pp. 763-764).
[13] “Representação no Código Civil: Sistema e perspetivas de reforma, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Volume II, página 39”
[14] Arrendamento Urbano, 9ª Edição, páginas 138-139.