Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
797/15.3T9VFX-AB.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: REGIME DE PROVA
REQUISITOS
EXIGÊNCIA E VIABILIDADE DO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - O regime de prova, previsto nos art.ºs 53º e 54º do CP tem um sentido marcadamente educativo e correctivo e, para além dos casos de aplicação obrigatória (delinquente com idade do inferior a 21 anos ou que seja condenado pela prática de crime previsto nos art.ºs 163.º a 176.º-A do CP, cuja vítima seja menor – art.º 53º/3/4 do CP), deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar a ilegalidade da sua conduta ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades ou combater estas tendências;
II – Ignorar o comportamento relapso do Arg. perante a solene advertência que constitui a condenação numa pena suspensa, especialmente quando acompanhada do regime de prova, é premiar este comportamento, desvalorizar a decisão condenatória de um tribunal e desperdiçar o trabalho dos Serviços de Reinserção Social, na elaboração do plano de reinserção, o que consideramos inaceitável, porque envia à comunidade o sinal de que se podem desrespeitar impunemente as decisões dos tribunais;
III – Se não se for exigente com o cumprimento do regime de prova, não se deve sujeitar o condenado a este regime, porque é preferível não o aplicar do que ignorar o seu incumprimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Juízo Central Criminal de Loures, por despacho de 24/02/2021, constante de fls. 81/84, ao Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 2/3), não foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, para além do mais, nos seguintes termos:
“… II - Arguido AA
O arguido foi condenado nos presentes autos por decisão transitada em julgado em 10-07-2017, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela-IB anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova (cfr. fls. 5084 a 5221).
Foi elaborado o Plano de Reinserção Social, homologado por despacho de fls. 5542.
Importa aferir do seu cumprimento por parte do arguido.
De acordo com o informado pela DGRSP, pelo relatório junto a fls. 5608, o arguido compareceu às primeiras 3 entrevistas agendadas em 04.12.2017, 22.01.2018 e 03.04.2018, e faltou às entrevistas marcadas para os dias 12.03.2018 e 16.07.2018.
A partir de 16.07.2018, não mais se mostrou possível aos técnicos da DGRSP contactar com o mesmo apesar dos esforços envidados.
Em cumprimento do regime legalmente estabelecido, foi determinada a convocação do arguido para proceder à sua audição, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. fls. 5629 a 5631).
Sucede que o arguido não compareceu, nem nada disse a propósito da sua ausência (cfr. auto de fls. 5637 e ss).
Por requerimento junto sob a referência 8039664, veio a Ilustre defensora do arguido informar que contactou a irmã do arguido que confirmou que o mesmo se encontra em França e requerer a concessão de um prazo de 30 (trinta) dias a fim de obter os documentos comprovativos a sua atual situação naquele país, o que foi deferido por despacho de 06.05.2019 (cfr. fls. 5642).
Uma vez que, decorrido o prazo de 30 dias, nada fora junto, foi o arguido, bem como a sua ilustre defensora, notificados (cfr. fls. 5715, 5716 e 5773) para juntar os documentos que comprovam a sua situação atual em França, e nada veio dizer ou requerer.
Em face do descrito, promove o Ministério Público a revogação da suspensão da execução da pena aplicada, por entender definitivamente comprometidas as finalidades que lhe estão associadas.
Vejamos.
O regime de prova constitui um instrumento de ressocialização, visando promover a reintegração do condenado – vide art. 53º, nº1 do Código Penal. Por tal motivo, deverá o Plano de Reinserção Social a elaborar incidir sobre os fatores de risco de adoção futura de comportamento ilícito que hajam sido ou venham a ser identificados aquando da sua elaboração, agindo os Serviços sobre eles em colaboração com o condenado, que deverá prestar a sua anuência ao Plano estabelecido.
Tendo o Plano de Reinserção Social, como dito, uma função instrumental, qual seja a de otimizar as possibilidades de reinserção social do condenado, poderá a sua violação, desacompanhada da prática de outros ilícitos criminais, ser suficiente para se considerar irremediavelmente postergados os objetivos da suspensão da execução da pena de prisão, o que equivalerá a concluir que se acha demonstrado que a suspensão se não mostrou suficiente para a pretendida ressocialização?
Refere a Sr.ª Procuradora que, não sendo a revogação um efeito automático quer da prática de outros ilícitos quer do incumprimento de deveres ou obrigações do plano de reinserção, haverá que assentar tal decisão num juízo de culpa. Referir-se-á ao incumprimento de deveres ou obrigações impostos ao condenado de forma isolada ou integrado num plano de reinserção social, porquanto se encontra tal juízo de culpa já realizado quando está em causa o cometimento de ilícito criminal no decurso do período suspensivo.
Assim, importa aferir se o regime de prova constitui, em si mesmo, uma parte da pena aplicada, merecendo a falta de cumprimento das obrigações no mesmo fixadas uma apreciação e eventual sanção autónomas, independentemente da prática de novos ilícitos ou antes se queda no mencionado papel instrumental face ao objetivo visado com a suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que otimiza as possibilidades de êxito da pena aplicada por relação ao objetivo de manter o condenado afastado da prática de outros ilícitos.
A análise do regime legalmente estabelecido permite, no entender do Tribunal, que se conclua que a violação dos deveres impostos na sentença enquanto condicionante da suspensão da pena pode determinar, de per si, a sua revogação, ainda que se não encontre demonstrado que a pena aplicada foi insuficiente para manter o condenado afastado do cometimento de novos ilícitos.
Com efeito, estabelece expressamente o art. 375º do CPP, que “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de reinserção social”.
Ainda, estabelece o art. 494º do mesmo Código que “a decisão que suspender a execução da prisão com regime de prova deve conter o plano se reinserção social” ou então ser elaborado pelos serviços no prazo de 30 dias, ouvido o condenado, e, após, submetido à homologação do tribunal.
O art. 495º do CPP rege a tramitação a seguir no incidente gerado pela falta de cumprimento das condições da suspensão por parte do condenado impondo a recolha de elementos e a audição do Ministério Público e do próprio condenado e o art. 55º do Código Penal estabelece expressamente o seguinte:
“...”
Por outro lado, estabelece o artº 56º do Código Penal o seguinte:
“...”.
Assim, se por um lado a violação do Plano de Reinserção Social pode justificar a revogação da suspensão da execução da pena, não prescinde esta de um juízo de culpabilidade do arguido, por um lado e de proporcionalidade e adequação.
É certo que o arguido, após ter dado início ao cumprimento do Plano de Reinserção Social, deixou de comparecer às entrevistas e não compareceu em juízo, quando convocado para o efeito. Estamos objetivamente perante uma violação dos deveres que assistem ao arguido, o que se mostra absolutamente inegável.
Ocorre que a revogação da suspensão da pena não é uma consequência automática da conduta do condenado, estando sempre dependente da verificação do pressuposto “que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 25-05-2017 (proferido no Proc. 317/14.7PBPDL-A-L1-9, disponível in www.dgsi.pt):
“I - Da conjugação dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal resulta claro, que o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, pode não justificar a revogação, sendo que a suspensão da pena radica e tem como finalidade principal, o afastamento do arguido, no futuro, da prática de novos crimes;
II - A revogação da suspensão só se impõe, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 56º do Código Penal quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, ou o plano individual de reinserção e cumulativamente revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, assim a infração grosseira será só a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção;
III - Verificando-se uma situação de incumprimento das condições da suspensão da pena, haverá que distinguir duas situações, em função das respetivas consequências: uma primeira, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão; e outra segunda, quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal); (…)”
No caso, importa não olvidar que se desconhecem as condições de vida atuais do arguido e, por isso, as concretas razões do seu inadimplemento, havendo apenas notícia nos autos de que terá ido residir para França.
Por outro lado, os factos sob censura foram praticados em Março de 2013, mostrando-se, pois, decorridos 8 anos sobre tal data, e a condenação sofrida pelo arguido no âmbito dos presentes autos é a única que macula o seu CRC, não tendo condenações anteriores ou posteriores averbadas no mesmo.
Em face do exposto, não obstante o incumprimento do Plano de Reinserção Social, entende o Tribunal que se não mostram de modo definitivo postergadas as finalidades cometidas à pena, pelo que decide declarar extinta a pena aplicada, nos termos previstos no art. 57º do Código Penal. …”.
*
Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[2] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 87/95, concluindo da seguinte forma:
“… 1. O presente recurso tem por objeto a douta decisão judicial datada de 24.02.2021, através da qual a Exmª Juiz do Tribunal a quo veio declarar, nos termos do artigo 57.º do Código Penal, extinta a pena aplicada ao arguido AA, condenado por acórdão transitado em julgado em 10.07.2017 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, por referência à tabela-IB anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova.
2. Impunha-se, todavia, ao Tribunal a quo a emissão de decisão diversa, em concreto a revogação da suspensão da pena de prisão e a determinação do cumprimento da pena de prisão fixada no acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), in fine, e n.º 2 do Código Penal, em conformidade com o teor da promoção do Ministério Público.
3. Com efeito, tendo-se constatado que o condenado, após ter sido elaborado o respetivo plano de reinserção social, faltou a diversas entrevistas, sem as justificar; faltou à audição a que se refere o artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem para tal ter também apresentado qualquer justificação; e faltou à obrigação de dar satisfação sobre a sua alegada ausência para França, mesmo quando foi notificado para o efeito, estando sem dar notícias sobre o seu paradeiro concreto, desde 16.07.2018, infringiu o mesmo grosseira e repetidamente os deveres e o plano social de reinserção a que se encontrava adstrito a cumprir.
4. Encontram-se, assim, objetivamente preenchidos, os pressupostos do artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) do Código Penal;
5. Bem como o pressuposto material de que depende a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ínsito na parte final da alínea b), do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, uma vez que o comportamento inadimplente do condenado «é demonstrativo de uma atitude displicente e de rejeição perante o que lhe fora determinado, o que inculca que o arguido não interiorizou a condenação destes autos, e que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»
6. Estando as finalidades de prevenção geral e especial subjacentes à decisão de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, para efeitos do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, é de concluir, face à verificação dos requisitos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, e do respetivo pressuposto material, previsto na alínea b), in fine, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
7. Em conclusão, e pelos motivos expostos, ao ter declarado a extinção da pena aplicada, ao invés de ter determinado a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, perante a violação grosseira e repetida dos seus deveres, por parte do condenado, o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do direito, tendo violado as normas constantes nos artigos, 50.º, 53.º, 54.º, 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), in fine, e n.º 2, 57.º, n.º 1 do Código Penal e artigo 495.º do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que revogue a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e, em consequência, determine o cumprimento da pena de prisão a que foi condenado. …”.
*
O Arg. não respondeu ao recurso.
*
Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 99, em suma, sufragando a posição assumida pelo MP na 1ª instância.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[4], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, e tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a questão fundamental a decidir no presente recurso é a seguinte:
Verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a este Arg..
*
Cumpre decidir.
Entende o MP que o tribunal recorrido não devia ter declarado extinta a pena aplicada a este Arg., mas, pelo contrário, devia ter revogado a suspensão da sua execução.
Após o trânsito em julgado desta condenação deste Arg.“... a) Foi elaborado plano de reinserção social, homologado por despacho de fls. 5542, do qual resulta o prosseguimento dos seguintes objetivos:
i) Entrevistas com o condenado, cuja frequência e regularidade serão estabelecidas em função das necessidades de apoio e vigilância reveladas ao longo da execução da medida, advertindo-o para a obrigatoriedade da comparência;
ii) Contactos com familiares e/ou outros elementos significativos, nomeadamente a irmã;
iii) Deslocações à residência, local de trabalho ou outro considerado pertinente;
iv) Articulação com entidades policiais.
b) Para viabilizar as referidas medidas de apoio e vigilância, consta no plano que a DGRSP solicitará ao condenado a justificação de quaisquer faltas, com o dever de comunicação prévia e apresentação do respetivo documento justificativo no prazo de cinco dias úteis;
c) De acordo com o informado pela DGRSP, o condenado compareceu às primeiras três entrevistas agendadas em 04.12.2017, 22.01.2018 e 03.04.2018, mas faltou às entrevistas marcadas para os dias 12.03.2018 e 16.07.2018;
d) Desde 16.07.2018 que os técnicos da DGRSP nunca mais conseguiram contactar com o condenado, não obstante as diligências encetadas;
e) O condenado não compareceu na audição a que se refere o artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo apresentado qualquer justificação para a sua ausência;
f) O defensor do condenado comunicou aos autos que a irmã a informou que o condenado estaria em França, tendo requerido o prazo de 30 dias para apresentar documentação comprovativa da sua situação;
g) Todavia, decorrido o prazo de 30 dias, e apesar de notificados para o efeito, nem o condenado nem a defensora vieram juntar aos autos qualquer documentação.
...
Sobre a situação do condenado, apenas advieram notícias no seguimento da apresentação de um requerimento (sob a referência 8039664) pelo seu defensor (e que a douta decisão recorrida menciona), do qual resulta a obtenção da informação de que, de acordo com a irmã do condenado, este estaria em França a residir e a trabalhar, tendo o defensor requerido um prazo de 30 dias para proceder à apresentação de documentação comprovativa da residência do condenado naquele país e da sua situação profissional.
Tais notícias, e de acordo com a data aposta em tal requerimento, apenas chegaram ao conhecimento dos autos no dia 26.02.2019, o que significa que quer o processo, quer a DGRSP, enquanto entidade gestora do plano, estiveram na ignorância sobre o paradeiro do arguido durante mais de 7 meses (de 16.07.2018 a 26.02.2018). ...”[5].
Nos termos do disposto no art.º 56º/1 do CP[6], a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
As finalidades da punição, nos termos do disposto no art.º 40º do CP são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.Ver jurisprudência[7], [8].
Por isso, mesmo que se considerem unicamente relevantes considerações de prevenção, como já dissemos, quando o agente infringe grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, ou o plano de reinserção social, ou é condenado pela prática de um crime durante o período da suspensão, para decidir da revogação dessa suspensão o que importa é determinar se o não cumprimento do regime de suspensão fixado ou a prática desse novo crime revelam que as finalidades da suspensão, isto é, o afastamento do agente da delinquência e a protecção dos bens jurídicos, não puderam ser asseguradas com a simples ameaça da pena.
Vejamos.
O tribunal fundamentou a sujeição deste Arg. ao regime de prova, com os seguintes fundamentos (sublinhados nossos):
“... As penas de prisão aplicadas aos arguidos, com exceção da aplicada ao arguido ... , admitem, nos termos previstos no art. 50º do Código Penal, a suspensão da sua execução quando o Tribunal conclua, em face da personalidade do agente, das suas condições de vida e da sua conduta anterior e posterior, que a simples ameaça de cumprimento da pena se mostra suficiente para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como se referiu já, nenhum destes arguidos apresenta antecedentes criminais pelo crime de tráfico de estupefacientes, constituindo esta a primeira advertência formal e severa do sistema que recebem.
No caso dos arguidos ... e AA, estes não apresentam quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal.
Todos apresentam enquadramento socio-familiar, sendo a situação mais preocupante, a este nível, a apresentada pelo arguido AA que, ainda assim, conta com o apoio dos irmãos. Para além disso, este assumiu desde logo a sua culpa na prática dos factos, tendo contribuído para a descoberta da verdade e manifestado o propósito de seguir um rumo diferente na sua vida.
O arguido ... .
Assim, entende o Tribunal que se encontram reunidas as condições para suspender a execução das penas aplicadas aos mencionados arguidos, sujeitando, todavia, os arguidos com questões para resolver atinentes a hábitos aditivos a regime de prova que integre o necessário tratamento – é o caso dos arguidos ..., AA e ..., tudo nos termos previstos nos art. 50º e 53º do Código Penal. ...”.
O Arg. desprezou por completo o regime de prova que lhe foi fixado, sem que tenha apresentado qualquer justificação para isso, configurando uma tal atitude a violação grosseira e repetida do mesmo.
O regime de prova, previsto nos art.ºs 53º e 54º do CP tem um sentido marcadamente educativo e correctivo[9] e, para além dos casos de aplicação obrigatória (delinquente com idade do inferior a 21 anos ou seja condenado pela prática de crime previsto nos art.ºs 163.º a 176.º-A do CP, cuja vítima seja menor – art.º 53º/3/4 do CP), deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar a ilegalidade da sua conduta ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades ou combater estas tendências[10].
A não se entender assim, não se deve sujeitar o condenado ao regime de prova, porque é preferível não aplicar o regime de prova do que ignorar o seu incumprimento.
Ignorar completamente o comportamento relapso do Arg. perante a solene advertência que constitui a condenação numa pena suspensa, especialmente quando acompanhada do regime de prova, é premiar este comportamento, desvalorizar a decisão condenatória de um tribunal e desperdiçar o trabalho dos Serviços de Reinserção Social, na elaboração do plano de reinserção, o que consideramos inaceitável, porque envia à comunidade o sinal de que se podem desrespeitar impunemente as decisões dos tribunais.
Ora, o comportamento do Arg., como defende o MP em ambas as instâncias, afasta a manutenção do juízo de prognose positivo que é pressuposto da não revogação da suspensão.
Não pode, pois, deixar de proceder o presente recurso.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, revogamos a suspensão da execução da pena aqui em causa.
Sem custas.
*****
Notifique.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

Lisboa, 01-07-2021,
João Abrunhosa
Cristina Pego Branco
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[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Supremo Tribunal de Justiça.
[4]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[5] Descrição das vicissitudes processuais, feita pelo MP na motivação do seu recurso.
[6] Código Penal.
[7] “…A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência». …” ... “… Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (art.º 49.º-1) - «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade» (art.º 48.º-1). Para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose. Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração - na medida possível: supra § 355 ss. - em sede de medida da pena: com isto não deve dizer-se violada a proibição de dupla valoração. Não pode deixar de ser valorada para este efeito, v. g., a circunstância de o condenado por um crime relacionado com o consumo de álcool ou de estupefacientes se ter submetido com êxito posteriormente ao crime, mas anteriormente à condenação, a uma cura de desintoxicação (cf. de resto os arts. 41.º e ss. do DL n.º 15/9.1. de JAN22).
….
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (nos casos, naturalmente. em que também estes últimos sejam puníveis). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (art. 51.º-1 e infra § 546). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão: mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (fundamentação, aliás, sempre necessária: infra § 523).
§ 520 Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (art. 48.º-2 in fine). Já determinámos (supra § 502) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise. …” (Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, II, Coimbra Editora, 2009, pág. 343 e ss.).
[8] Contra este entendimento de que a opção entre uma pena de prisão ou uma pena não detentiva relevam unicamente as necessidades de prevenção e não considerações de culpa, manifesta-se A. Lourenço Martins, in “Medida da Pena – Finalidades – Escolha …”, Coimbra Editora, 2011, a p. P. 517 e 518, donde citamos: “… Por isso, salvo menção expressa, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou a de substituição não depende unicamente de considerações de prevenção, sem embargo de se poderem mostrar particularmente relevantes.”.
[9]  “… que sempre o distinguiu da simples suspensão da execução da pena é, por um lado, a existência de um plano de readaptação social e, por outro, a submissão do delinquente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada, o que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade. …” (Maia Gonçalves, in “CP Anot.”, Ed. Almedina, 11ª ed., 1997, a p. 210.)
[10] Como se afirma no acórdão do STJ de 03/11/2004, relatado por Henriques Gaspar, in JusNet 7769/2004, “…Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão. …”.