Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO IN DUBIO PRO REO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/15/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. Entende-se por entrevista entre outras coisas o conjunto de impressões dadas ou declaração feita a jornalista para publicação. A finalidade de uma entrevista é obter informações, através de perguntas e de respostas. Entrevistar significa colher declarações ou opiniões de alguém para publicar na imprensa em diálogo explícito. 2. Entende-se por reportagem uma notícia desenvolvida de determinado tema. Baseia-se na procura directa de informação e é a forma mais característica e o elemento mais específico do jornalismo. Quase sempre é acompanhada de fotografias que lhe dão o valor documental, identificando assim pessoas e factos. Nesta ao leitor não é oferecido nem um conjunto de relatórios nem a versão de uma testemunha. 3. Artigo de opinião - (comentário) – neste o jornalista esclarece os factos da notícia, coloca-os no seu contexto histórico, político e económico dá-lhes interpretação à medida que os vai descrevendo. 4. Entende-se por crónica uma narrativa histórica segundo a ordem dos tempos; o noticiário dos periódicos; referências desfavoráveis à vida de alguém; revista científica ou literária que forma uma secção de um jornal. Dos vários géneros jornalísticos é a mais próxima da literatura. 5. A notícia em geral divide-se em duas partes: o lead – (que resume em poucas palavras o que aconteceu) e o corpo – (ou desenvolvimento da notícia que documenta o lead ). É o conjunto de informações sobre um acontecimento. 6. Ofensivo da honra e consideração (…) [é] aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores. (…). Aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena. 7. O princípio in dubio pro reo consiste em, na dúvida, o tribunal decidir em favor do arguido pela absolvição. A dúvida que leva um Juiz a concluir que não há forma de ter uma certeza da prática de um crime por alguém, tem de ser uma dúvida razoável, fundada e irredutível, provocada pelo resultado proveniente da prova produzida em audiência de julgamento. Não implica que tenha havido durante o julgamento versões contraditórias ou discordantes. ; | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa : Em processo comum singular, vindo do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Lisboa, veio J…, secretário geral do Sindicato …, inconformado com a decisão que o condenou como a.m. de um crime de difamação agravado, p.p.p. artº 180- 183º nº 1- 2 e 184º com referência ao artº 132º nº 2 j) CP na pena multa de 1920 mil euros motivando-o com as seguintes conclusões: Das declarações e depoimentos das testemunhas gravados em audiência de julgamento o tribunal a quo não podia ter dado como provado os factos constantes das alíneas c) h) e i) pois até complementam a versão do arguido Da prova documental, o tribunal não podia ter dado esses mesmos factos como assentes e provados e chegado à convicção que formou. Com base nas regras da experiência comum que neste caso concreto nos levam a conclusões contraditórias e até exactamente contrárias. O Tribunal não indagou e devia ter indagado junto do jornal quem difundiu a noticia e se a mesma constituía uma entrevista. Ao arguido era-lhe impossível fazer prova negativa dos factos de que vinha acusado. Só assim O tribunal podia ter certezas firmes e não através das regras da experiencia comum. O tribunal errou notoriamente na apreciação da prova e violou concretamente o principio basilar e fundamental do in dubio pró reo. *** O MP respondeu da seguinte forma:1) No tocante à sindicância da matéria de facto, o recurso deve ser limitado à verificação da existência de erro notório na apreciação da prova, pois, apesar do oportuno acesso à prova gravada, o recorrente não transcreve os registos magnéticos onde constam os depoimentos ou trechos da prova testemunhal que visa equacionar – cfr. art.ºs 410º/2, 412º/4 e 414º/2 do CPP. 2) A sentença fez uso adequado das regras da experiência comum, não cedendo à tese da mal explicada eventual intervenção de terceiros não identificados como causal da divulgação jornalística do comunicado confessadamente redigido pelo arguido. 3) E não inquina de erro notório, conjugando com toda a razoabilidade as demais informações contidas na notícia à primeiramente estabelecida e incontroversa demonstração de ter sido ele quem o redigiu e divulgou por fax ao colega do sindicato, para estabelecer que o arguido também fez publicitar no jornal o comunicado. Deve assim ser mantida a douta sentença recorrida, com o que V. Exas farão JUSTIÇA ! *** A… , demandante cível respondeu ao recurso da seguinte forma:A sentença recorrida não merece qualquer reparo encontrando-se bem fundamentada de acordo com os factos provados em audiência de julgamento e fazendo uma correcta e equilibrada aplicação do Direito. O recurso sobre a matéria de facto não pode significar uma reapreciação da prova já produzida. Os factos considerados provados são consistentes com a prova produzida em audiência de julgamento assim como com a prova documental junta aos autos sendo a sua motivação absolutamente corrente . O recorrente confessou que redigiu o comunicado em questão e que o enviou para um fax de acesso geral – da esquadra da PSP de …. Impunha-se que fosse dada uma explicação pública ou pelo menos privada e ou efectuado um pedido de desculpas o que não foi feito porque o objectivo ultimo sempre foi o de proceder à divulgação do comunicado e assim difamar o demandante cível. Pela simples leitura da noticia publicada é evidente que a mesma não se baseia exclusivamente no comunicado mas também nas declarações directamente prestadas pelo arguido. Ainda hoje é possível encontrar na NET notícias relativas ao assunto e com o mesmo teor difamatório em vários sites noticiosos. Não incorreu o Tribunal a quão em erro notório na apreciação da prova tendo sim feita uma apreciação e valoração da mesma forma isenta e livre, no estrito cumprimento de todos os preceitos legais pelo que não merece qualquer censura. A pena aplicada mostra-se equilibrada e adequada ao grau de culpa do arguido assim como a indemnização atribuída a qual quanto muito pecará por defeito. Deve pois a sentença recorrida ser confirmada. **** Neste Tribunal o Exmo. Procurador reservou alegações para audiência.** O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).Da decisão recorrida resulta: a) À data dos factos o queixoso/demandante era …. b) O arguido era Secretário-Geral do Sindicato …. c) Em 14 de Fevereiro de 2005, o arguido redigiu um comunicado junto aos autos a fls. 7, cujo teor aqui se dá por inteiramente por reproduzido e que depois publicitou na comunicação social, designadamente no jornal "Primeiro de Janeiro". d) Nesse comunicado ao queixoso é imputado o seguinte: "uma atitude indigna"; "uma atitude de chantagem e métodos pidescos"; "um posicionamento fraudulento e contrário à boa fé"; "falta de idoneidade, merecedora de profundo desprezo". e) Tais imputações são susceptíveis de questionar a observância do dever de fidelidade à Lei, inerente à função que o queixoso desempenhava e que a comunidade espera ver garantida. f) O arguido tinha perfeito conhecimento das funções que o queixoso exercia no Governo. g) As imputações e os juízos de valor feitos pelo arguido são atentatórios da honra, consideração e imagem do queixoso, quer como cidadão, quer como membro do Governo da República. h) O arguido conhecia o significado de tais afirmações e actuou com o propósito de ofender a honra, bom nome e dignidade do queixoso. i) Actuou deliberada, livre e conscientemente. j) Sabia que a sua conduta era proibida pela lei penal. Mais se provou que: l) O demandante, na sequência da conduta do arguido, sentiu-se enxovalhado e injustiçado, uma vez que se tinha empenhado, particularmente, na resolução dos problemas associados à carreira dos chefes de polícia. m) O arguido encontra-se, actualmente, na situação de pré-aposentação e recebe cerca de € 1200 por mês. n) Não tem condenações registadas. Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a presente causa, nomeadamente todos os que tenham ficado prejudicados ou que estejam em contradição com os factos dados por assentes. 2.2. Motivação O tribunal fundamentou a sua convicção nas declarações do demandante e nos depoimentos das testemunhas D… e F… , os quais, de forma coerente, credível e coincidente, confirmaram os factos dados por assentes, e nos documentos juntos aos autos, designadamente, o comunicado constante de fls. 7, a cópia da notícia de fls. 65 e o jornal constante do apenso. Aliás, o próprio arguido não nega ter sido o autor do mencionado comunicado e de o ter enviado a terceiro. Apenas refere que se tratava de um rascunho, remetido à testemunha M…, à data Secretário Geral Adjunto do Sindicato…., o qual lhe terá dito que o texto não era adequado, tendo o assunto, nas suas palavras, “acabado por ali”. Negou ter dado conhecimento do teor do comunicado aos órgãos de comunicação social ou ter dado qualquer espécie de entrevista. Ouvida a testemunha M… constata-se que prestou um depoimento destituído de qualquer credibilidade, tendo em conta não só o conteúdo mas, também, a forma. Na verdade, e a título meramente exemplificativo, começou por referir que apenas tinha tido conhecimento da situação em causa nestes autos quando foi chamado para prestar declarações, na fase de inquérito, tendo, posteriormente, referido que, afinal, tinha logo, ou pouco tempo depois, tomado conhecimento da mesma. Foram inúmeras as contradições, hesitações e incongruências, para além de, como já aflorado, ser particularmente notória a encenação do depoimento. Ora, naturalmente, tais declarações e depoimento não nos mereceram qualquer credibilidade. Com efeito, segundo a peregrina tese, o comunicado – que afinal mais não era do que um rascunho - tinha chegado às mãos da comunicação social por meio desconhecido, sem qualquer participação ou conhecimento do arguido. Tal versão, para além de contrária as mais elementares regras da experiência, é, desde logo, afastada pela simples leitura da notícia publicada, sendo evidente que a mesma não se fundou, pelo menos, exclusivamente, no comunicado, mas, também, nas declarações directamente prestadas pelo arguido, o qual, para além de transmitir o conteúdo do comunicado, proferiu, ainda, outras afirmações como, por exemplo, a de que o ministro lhes terá mostrado um decreto-lei que revia as carreiras de chefe de polícia e de agente. Por outro lado, sempre se acrescentará que, a ter havido um aproveitamento do referido comunicado, sem conhecimento do arguido, impunha-se, sem margem para dúvidas, também de acordo com as regras da experiência e independentemente de se tratar de “um pequeno ou grande sindicato”, que fosse dada uma explicação pública, ou, pelo menos, privada e/ou efectuado um pedido de desculpas, o que, claramente, não foi feito. No que diz respeito às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal baseou-se, exclusivamente, nas declarações prestadas pelo mesmo e no C.R.C. junto aos autos quanto à ausência de antecedentes criminais. 3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 3.1. Enquadramento jurídico-penal Uma vez fixada a matéria de facto cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal. Pratica o crime de difamação «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo» (art. 180º, nº 1). Concordando-se, integralmente, com o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/4/2006, proferido no processo n.º 1186/2006-3, in www.dgsi.pt, «Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior – reputação ou consideração –, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos (probidade e lealdade de carácter). Na sintética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege “é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade”, a qual encontra o seu “fundamento essencial” na “irrenunciável dignidade pessoal”. O sentimento médio de honra da comunidade deve constituir o critério (objectivo) à luz do qual deve ser aferida a tipicidade/gravidade das ofensas a este bem jurídico: “ofensivo da honra e consideração (…) [é] aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores. (…). Aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena” . Nesta linha, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2/7/96, CJ 96, IV, 295, que um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético necessário à salvaguarda sócio/moral da pessoa, da sua honra e consideração. Deste modo, “nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa”. Por outro lado – considerando que numa sociedade democrática, é do mais elevado interesse público “a actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política económica, cultural”, não pode deixar de exigir-se a maior prudência na efectivação da tutela penal perante eventuais excessos no exercício das liberdades de expressão/informação, maxime em matérias de indiscutível interesse público. Constituindo a mais intensa das restrições que – neste âmbito – o Estado tem ao seu dispor, a reacção penal deverá pautar-se por critérios de estrita necessidade e proporcionalidade, sob pena de se desincentivar o cabal exercício de tais liberdades fundamentais. Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras – ou mesmo infundadas – que sejam. Salvo nos casos em que sejam notoriamente gratuitas ou infundadas, a eles cabe, na primeira linha, convencer do infundado das críticas, não podendo nunca subtrair-se ao debate público por via da ameaça – contra quem divulgue irregularidades no funcionamento das instituições – com o jus puniendi do Estado. Naturalmente, este tipo de preocupações não implicam que se deva descurar a necessidade de adequada tutela do (também fundamental) direito à honra e, muito menos, o reconhecimento do direito ao insulto. Sobre o critério que permite compreender quando é que "a crítica exagerada, mesmo chocante" (que, só por si, não é merecedora de tutela penal) entra no campo da ”difamação”, escreve expressivamente Manuel Costa Andrade (16): “Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas (...). Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social". Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação, a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se. Com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira “ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. Explicitando, dir-se-á que o dolo se verifica quando o agente actua por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas incriminatórias, levando a cabo a conduta ou acção nas mesmas previstas (...), sabedor da genérica perigosidade imanente, sem que seja necessária a previsão do perigo (em concreto). (...) Ao julgador incumbirá, pois, provada que fique a conduta ou a acção (...), referenciadas às normas incriminatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são ou não genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade” Compreende-se que assim seja, tendo em conta, desde logo, a grande dificuldade – senão mesmo impossibilidade – de, caso a caso, aferir da efectiva violação do bem jurídico protegido pela incriminação …» Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/9/2003, proferido no processo n.º 698/03, in www.dgsi.pt, «Difamar é desacreditar, diminuir a reputação, o conceito público em que alguém é tido, isto é, imputar a outra pessoa um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou da sua consideração. No entanto, certo é que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.180º, do Código Penal, tudo dependendo da intensidade da ofensa ou do perigo de ofensa ( - Referimo-nos aqui não só à ofensa, mas também ao perigo de ofensa, já que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo, conforme desde há muito defende o relator do acórdão – O Direito à Honra e a sua Tutela Penal (Almedina – 1996), 40 e ss. ). A verificação do elemento objectivo ou material do crime de difamação depende, pois, do grau da ofensa ou do perigo da ofensa do bem jurídico da honra, conforme temos vindo a entender ( - Cf. o referido trabalho do relator, 37/39.). A própria lei fornece-nos um elemento importante, neste particular, ao exigir de forma expressa, relativamente a certos crimes contra a honra, designadamente o do art. 185º (ofensa à memória de pessoa falecida), que a ofensa seja grave. Com efeito, o respectivo texto legal alude a ofensa grave, utilizando a expressão ofender gravemente, enquanto que relativamente ao crime de difamação ora em apreço na da diz a esse propósito. Daqui se pode concluir, desde já, que a gravidade da ofensa ou do perigo de ofensa não é elemento do tipo. Por outro lado, o nosso ordenamento jurídico-penal ao contrário do que sucede com outros ordenamentos jurídicos, designadamente o espanhol, não contém qualquer preceito que incrimine autonomamente as ofensas leves ( - Vide o art. 620º, n.º 2, do Código Penal espanhol.), pelo que teremos de concluir que no crime de difamação se incluem quaisquer ofensas à honra, mesmo as tidas por leves. Tais conclusões conquanto não sejam determinantes na tentativa de delimitação do elemento material ou objectivo do crime de difamação do art. 180º, a verdade é que auxiliam na respectiva tarefa, na medida em que nos dizem que, face ao nosso ordenamento jurídico-penal, o bem tutelado (honra) merece inteira protecção, no sentido de que aqui se devem incluir todos os comportamentos ofensivos, isto é, que o lesam ou são susceptíveis de o lesar. Costa Andrade (- ibidem, ibidem.), estribando-se em certo sector da doutrina alemã e em algumas decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão, defende que se devem considerar atípicos os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Mais entende que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento. Por outro lado, entende que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da «verdade» das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem-fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas., isto é, não se exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso. No entanto, defende que a atipicidade já não poderá sustentar-se para os juízos que atingem a honra pessoal e a consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva, nem para os juízos de facto feitos no contexto duma valoração crítica objectiva, a menos que pressuposta a prova da verdade ( - ibidem, 238/239.), o que significa que só se deverão ter por atípicos os juízos de facto ofensivos em que a verdade do facto ou factos em que os mesmos assentam é evidente ou notória ou se mostra já demonstrada. Aliás, se assim não fosse, ir-se-ia permitir o completo e total esmagamento do direito à honra, o qual ficaria irremediavelmente desprotegido. Seria a subversão total, com a descriminalização por via doutrinal/jurisprudencial dos crimes de abuso de liberdade de imprensa. Por outro lado, a causa de justificação especial regulada no n.º 2, do art. 180º, do Código Penal, perderia todo o sentido.» Face ao exposto, e tendo em conta a matéria dada provada, dúvidas não restam de que se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de difamação que foi imputado ao arguido. 3.2. Da escolha e determinação da medida da pena Ao crime de difamação perpetrado cabe pena de prisão de 45 dias a 3 anos ou pena de multa de 180 a 480 dias. Em primeiro lugar, e atento o disposto no art. 70º do C.P., consideramos que, no caso “sub-judice”, deve ser aplicada pena de multa ao arguido, porquanto esta, atendendo nomeadamente, à ausência de condenações registadas e à sua total inserção, é nossa convicção, será suficiente para acautelar as finalidades da punição. A medida da pena deve ser determinada em função da culpa do agente, tendo em atenção as exigências de prevenção geral e especial, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º do C.P. ( art. 47º, nº 1). Considerando que: - a culpa, atendendo a que não resultou provada qualquer razão justificativa ou explicativa do comportamento do arguido, é de grau elevado; - as razões de prevenção geral são relativamente acentuadas, dada a natureza pessoal do bem jurídico violado, sendo certo que a comunidade ainda não interiorizou cabalmente o desvalor deste tipo de condutas; - o arguido agiu com dolo directo; Mas também: - que o arguido está inserido; - não tem condenações registadas. Tudo ponderado, julgamos adequado aplicar ao arguido uma pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa. O n.º 2 do citado art. 47º dispõe que a cada dia de multa corresponde uma quantia de 1€ a €498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. Ponderada a situação económica do arguido, julgamos adequada a quantia diária de €8 (oito euros). 3.3. Do pedido de indemnização civil O demandante veio deduzir contra o demandado pedido de indemnização civil conexo com a responsabilidade penal, por danos não patrimoniais, no valor de €10.000,00 (dez mil euros). Vejamos. O art. 129º do C.P. determina que a responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil. Atento o preceituado no art. 483º do C.C. “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Da análise deste preceito logo decorre que o dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende de vários pressupostos. São eles: - a existência de um facto voluntário do agente; - a ilicitude desse facto; - que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante; - que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano; - por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele. No que tange aos danos não patrimoniais, o legislador veio, não obstante a antiga e longa querela acerca da sua ressarcibilidade, no art. 496º do C.C., consagrar, em termos de princípio geral, a possibilidade de indemnização pelos “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Optou, assim, por confiar ao julgador o encargo de apreciar, em concreto, com recurso a factores objectivos, a dignidade de protecção jurídica do dano não patrimonial invocado. Com efeito, parece-nos ser de afastar, liminarmente, atenta a “ratio legis” do normativo citado, a ressarcibilidade de pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala. No caso em apreço, julgamos que os danos não patrimoniais sofridos pelo demandante revestem gravidade e são, por isso, indiscutivelmente, dignos de tutela jurídica. O nº 3 do citado art. 496º determina o critério da fixação equitativa da indemnização dos danos não patrimoniais. Atenderemos, assim, nomeadamente, à gravidade dos danos, ao grau de culpa do agente e à situação económica deste. Considerando que: - as expressões proferidas puseram em causa a honra e dignidade do demandante e revestiram gravidade; - foram conhecidas por terceiros, o que causou embaraço e sentimento de injustiça ao demandante; - a culpa do agente é de grau elevado. Tudo ponderado, inclusive as condições económicas do demandado, julga-se justa e equitativa a atribuição de uma indemnização ao demandante no valor de €5.000,00 (cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos. 4. DECISÃO Por todo o exposto, o tribunal decide: a) Condenar o arguido J… pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos art. 180º, 183º, n.º 1 e 2 e 184º, com referência ao art. 132º, n.º 2, al. j) todos do C.P., na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €8 (oito euros), o que perfaz a quantia total de €1920,00 (mil novecentos e vinte euros); b) Condenar o arguido no pagamento de 2 U.C. de taxa de justiça, acrescida de 1% e nas custas, com o mínimo de procuradoria, tudo conforme o disposto nos arts. 513º do C.P.P., 82º, 85º, nº 1, al. b), 89º e 95º, nº 1 do C.C.J. e art. 13º, nº 3 do D.L. nº 423/91, de 30/10; c) Julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido, e, em consequência, condenar o demandado J… a pagar ao demandante cível A… a título de danos não patrimoniais a quantia de €5,000 (cinco mil euros); d) No mais, julgar improcedente o pedido civil; (...) **** Desde já e embora ainda não possamos decidir se o crime foi cometido através da imprensa ou se apenas é um crime de difamação qualificada conforme decidido cumpre distinguir porque interessará para fundamentar a tomada de posição neste Tribunal o seguinte: Entende-se por entrevista entre outras coisas o conjunto de impressões dadas ou declaração feita a jornalista para publicação. A finalidade de uma entrevista é obter informações, através de perguntas e de respostas. Entrevistar significa colher declarações ou opiniões de alguém para publicar na imprensa em diálogo explícito. Entende-se por reportagem uma notícia desenvolvida de determinado tema. Baseia-se na procura directa de informação e é a forma mais característica e o elemento mais específico do jornalismo. Quase sempre é acompanhada de fotografias que lhe dão o valor documental, identificando assim pessoas e factos. Nesta ao leitor não é oferecido nem um conjunto de relatórios nem a versão de uma testemunha. Artigo de opinião -(comentário) – neste o jornalista esclarece os factos da noticía, coloca-os no seu contexto histórico, político e económico dá-lhes interpretação à medida que os vai descrevendo. Entende-se por crónica uma narrativa histórica segundo a ordem dos tempos; o noticiário dos periódicos; referências desfavoráveis à vida de alguém; revista científica ou literária que forma uma secção de um jornal. Dos vários géneros jornalísticos é a mais próxima da literatura. A notícia em geral divide-se em duas partes: o lead – (que resume em poucas palavras o que aconteceu) e o corpo – (ou desenvolvimento da notícia que documenta o lead ). É o conjunto de informações sobre um acontecimento. (Definições de géneros jornalísticos retiradas do manual de Victor Silva Lopes “Iniciação ao jornalismo”.) Passando os olhos pela notícia em causa que verificamos? Verificamos que o texto atribuído ao recorrente se contém numa página interior ao canto inferior direito. A noticia não vem assinada, pelo que o autor é o jornal e a fonte ao que parece de imediato é o arguido ora recorrente e portanto quem assume à partida a responsabilidade do que se escreve e é mantido entre aspas. Vejamos a matéria de facto provada ou dada como provada: À data dos factos o queixoso/demandante era Ministro …. O arguido era Secretário-Geral do Sindicato …. Em 14 de Fevereiro de 2005, o arguido redigiu um comunicado junto aos autos a fls. 7, cujo teor aqui se dá por inteiramente por reproduzido e que depois publicitou na comunicação social, designadamente no jornal "Primeiro de Janeiro". Nesse comunicado ao queixoso é imputado o seguinte: "uma atitude indigna"; "uma atitude de chantagem e métodos pidescos"; "um posicionamento fraudulento e contrário à boa fé"; "falta de idoneidade, merecedora de profundo desprezo". Tais imputações são susceptíveis de questionar a observância do dever de fidelidade à Lei, inerente à função que o queixoso desempenhava e que a comunidade espera ver garantida. O arguido tinha perfeito conhecimento das funções que o queixoso exercia no Governo. (...) Mais se provou que: O demandante, na sequência da conduta do arguido, sentiu-se enxovalhado e injustiçado, uma vez que se tinha empenhado, particularmente, na resolução dos problemas associados à carreira dos chefes de polícia. O arguido encontra-se, actualmente, na situação de pré-aposentação e recebe cerca de € 1200 por mês. Não tem condenações registadas. E quanto à motivação apresentada pelo Tribunal podemos ler o seguinte: O tribunal fundamentou a sua convicção nas declarações do demandante e nos depoimentos das testemunhas D… e F…, os quais, de forma coerente, credível e coincidente, confirmaram os factos dados por assentes, e nos documentos juntos aos autos, designadamente, o comunicado constante de fls. 7, a cópia da notícia de fls. 65 e o jornal constante do apenso. Aliás, o próprio arguido não nega ter sido o autor do mencionado comunicado e de o ter enviado a terceiro. Apenas refere que se tratava de um rascunho, remetido à testemunha M…, à data Secretário Geral Adjunto do Sindicato …., o qual lhe terá dito que o texto não era adequado, tendo o assunto, nas suas palavras, “acabado por ali”. Negou ter dado conhecimento do teor do comunicado aos órgãos de comunicação social ou ter dado qualquer espécie de entrevista. Ouvida a testemunha M… constata-se que prestou um depoimento destituído de qualquer credibilidade, tendo em conta não só o conteúdo mas, também, a forma. Na verdade, e a título meramente exemplificativo, começou por referir que apenas tinha tido conhecimento da situação em causa nestes autos quando foi chamado para prestar declarações, na fase de inquérito, tendo, posteriormente, referido que, afinal, tinha logo, ou pouco tempo depois, tomado conhecimento da mesma. Foram inúmeras as contradições, hesitações e incongruências, para além de, como já aflorado, ser particularmente notória a encenação do depoimento. Ora, naturalmente, tais declarações e depoimento não nos mereceram qualquer credibilidade. Com efeito, segundo a peregrina tese, o comunicado – que afinal mais não era do que um rascunho - tinha chegado às mãos da comunicação social por meio desconhecido, sem qualquer participação ou conhecimento do arguido. Tal versão, para além de contrária as mais elementares regras da experiência, é, desde logo, afastada pela simples leitura da notícia publicada, sendo evidente que a mesma não se fundou, pelo menos, exclusivamente, no comunicado, mas, também, nas declarações directamente prestadas pelo arguido, o qual, para além de transmitir o conteúdo do comunicado, proferiu, ainda, outras afirmações como, por exemplo, a de que o ministro lhes terá mostrado um decreto-lei que revia as carreiras de chefe de polícia e de agente. Por outro lado, sempre se acrescentará que, a ter havido um aproveitamento do referido comunicado, sem conhecimento do arguido, impunha-se, sem margem para dúvidas, também de acordo com as regras da experiência e independentemente de se tratar de “um pequeno ou grande sindicato”, que fosse dada uma explicação pública, ou, pelo menos, privada e/ou efectuado um pedido de desculpas, o que, claramente, não foi feito. No que diz respeito às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal baseou-se, exclusivamente, nas declarações prestadas pelo mesmo e no C.R.C. junto aos autos quanto à ausência de antecedentes criminais. ** Conforme muito bem diz o tribunal aquo e sem nos socorrermos de outra redacção por , por ora não haver necessidade, pratica o crime de difamação «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo» (art. 180º, nº 1).E citando também nesta linha conforme o fez o tribunal a quo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2/7/96, CJ 96, IV, 295, para que um facto ou juízo, possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético necessário à salvaguarda sócio/moral da pessoa, da sua honra e consideração. (...) “ofensivo da honra e consideração (…) [é] aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores. (…). Aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena” . Deste modo e, como também muito bem cita o acórdão recorrido “nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa”. E ainda na esteira seguida pelo Tribunal aquo transcreve-se a seguinte passagem: “Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras – ou mesmo infundadas – que sejam. “ “Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas (...). Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social". Manuel Costa Andrade também citado pelo Tribunal a quo. Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação, a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se. Com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira “ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. Explicitando, dir-se-á que o dolo se verifica quando o agente actua por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas incriminatórias, levando a cabo a conduta ou acção nas mesmas previstas (...), sabedor da genérica perigosidade imanente, sem que seja necessária a previsão do perigo (em concreto). (...) Ao julgador incumbirá, pois, provada que fique a conduta ou a acção (...), referenciadas às normas incriminatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são ou não genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade” Compreende-se que assim seja, tendo em conta, desde logo, a grande dificuldade – senão mesmo impossibilidade – de, caso a caso, aferir da efectiva violação do bem jurídico protegido pela incriminação …» “Costa Andrade defende que se devem considerar atípicos os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa (...). Mais entende que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento.” (...) No entanto, defende que a atipicidade já não poderá sustentar-se para os juízos que atingem a honra pessoal e a consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva.” Face ao exposto, e tendo em conta desde já a matéria dada provada, e a actividade sindical exercida, vejamos ainda: Do depoimento do arguido resultam os seguintes pontos que se consideram com interesse: “Pronto naquela ansiedade imensamente pressionado pelos meus associados..... Eu respondi: “Vamos estar descansados que está resolvido: Quando vi o projecto de dec.- lei. Pronto, o senhor ministro entretanto cai, vai o governo, vai o senhor ministro e vai o projecto. Naquela altura efectivamente redigi aquele comunicado sob uma pressão imensa de indignação” Lá foi tudo outra vez por água abaixo” Esse comunicado é feito como são feitos todos os nossos comunicados que têm de ser aprovados pelo secretariado e é mandado pelo fax, é mandado para os meus colegas neste caso M…, que era o adjunto na altura para ser visto e aprovado se é alterado se não é.... etc e tal. Tanto mais que esse comunicado não está assinado de certeza absoluta. Eu mandei o comunicado para o M… via fax para a esquadra, para a policia de …. e, entretanto comunicamos telefonicamente e o M… disse :- “ Eh pá oh J… tem calma . Isto aqui está um bocado forte vamos ver se isto com calma e tal e tal. Pronto. Ficou assim até hoje. Quando veio o jornal fiquei bastante surpreendido, quer eu, quer os meus colegas como é que aquilo foi publicado. Mas pronto. Efectivamente saiu. Peço imensa desculpa. É evidente que na altura... hoje as coisas estão completamente ultrapassadas “ (..) - Não foi o senhor que impulsionou a publicação? Nem pensar Srª Drª Juíza. Se fosse eu, também assumiria. Juiz - Ou seja tudo aquilo ficou sem efeito. Ficou sem efeito. Ficou de certeza. Eu quando mando comunicados em meu nome próprio, ponho:- “O Secretário Geral”. J…. e pronto está feito. E assumo eu sozinho Não podia de forma alguma estar a empurrar secretariado para uma coisa que nem eu faço nem eu posso fazer nem tenho autoridade para isso. (..) Eu creio que, de certeza absoluta foi alguém que apanhou o comunicado e emitiu-o. Na transferência dos faxes são faxes dirigidos ao secretário geral. Neste caso ao M… não é? Só que entretanto alguém que apanhou o Fax sei lá emitiu-o e deu conhecimento a outras pessoas. Eu mandei para o M..., O M... manda para Viseu, Coimbra, eu mandaria para Vila Real,...(..) Eu só mandei ao M.... Porque entretanto entre mim e o M... houve logo a conexão de que :- “Eh pá vamos parar isto vamos pensar, outras medidas e tal.. (...) Não sei como chegou ao Primeiro de Janeiro. Não não sei. (...) Claro tenho de admitir que houve difusão dado que ele saiu no jornal não é? E se eu não o mandei alguém o mandou. Fui eu que o elaborei. Sobre este facto não dei qualquer entrevista ao Primeiro de Janeiro. Não estive nos jornais. E há um colega meu de Viseu que me ligou logo – “Ó J… olha eu já li mas esse comunicado não saiu. Não sei como é que isso apareceu”. E na seguinte passagem: Diga-me uma coisa se todos os órgãos ou se todos os corpos gerentes do sindicato decidissem “ sim senhor isto está muito bom, vamos publicar” seria publicado naturalmente.. Resposta do arguido .- E assinado. Todo o depoimento do arguido, sem querer passar a outros por ora, vai no sentido de demonstrar uma frontalidade e transparência que se não deixa margem para dúvidas deixa pelo menos, claramente grandes margens para dúvidas. Dúvidas da forma como chegou às mãos da comunicação social o comunicado de fls.7 que, como muito bem resulta dos autos, não foi assinado. Ou seja, tem até aqui, o Tribunal a certeza ou não tem até aqui nenhuma dúvida razoável sobre quem enviou o comunicado para a comunicação social? Prossigamos então na análise das transcrições seguintes. Depoimento de A… Esse comunicado foi-me dado segundo me lembro por um assessor do meu gabinete que me entregou o comunicado e que, quando mo entregou disse logo: - Olhe para isto, o que se passa,..” aliás, a pessoa que me entregou o comunicado fazia parte da comissão que eu tinha nomeado para as negociações com o sindicato ….. Ao ler o comunicado fiquei, confesso, estupefacto por um lado porque nunca pensei que da parte de algum dos sindicalistas ou dos sindicatos da PSP me viessem com um tipo de argumentação como aquela que na minha maneira de ver era apenas um intuito de me ofender tanto pessoal como membro do governo. Nomeadamente... (...) Esse comunicado desapareceu depois do gabinete e tivemos de recolhê-lo outra vez através de algumas notícias que foram divulgadas pelos órgãos de comunicação social. (..) O comunicado dizia só :- Sindicato …”. (...) Creio que consta das noticias que foram publicadas na comunicação social que era complementado com as declarações desse senhor.(..) ... Tive conhecimento do comunicado antes de sair nos jornais. – fls. 308 – pag 21 das transcrições. _ “O Sr. J… já disse aqui que não deu nenhuma entrevista poderá ter sido um erro. - Sr. Dr. Eu isso não sei, é uma mistificação de....dos órgãos de comunicação social. Terminado este depoimento pergunta-se novamente se, no espírito do julgador já há certezas sobre quem enviou o comunicado para a comunicação social. E, se o ofendido, teve conhecimento do comunicado antes de este sair no jornal, e se o comunicado desapareceu do gabinete.... não há uma dúvida razoável em relação à autoria da vontade de noticiar o comunicado que não se mostra assinado? Prossigamos: Testemunha D…. Chefe de gabinete do Dr. A… assistente nos autos. (...) Do que me recordo essencialmente transcreviam os termos do comunicado. (..) O então ministro manifestou-se indignado com os termos do comunicado e expressou que considerava inadmissível o tipo de linguagem que nele era utilizado. Testemunha F… Adjunto do gabinete do Dr. A… Testemunha (...) Eu vi o comunicado, fui eu que o dei ao senhor ministro. E onde é que o obteve? Testemunha – Sinceramente não me recordo penso que foi um policia um agente da policia que mo deu. Acho que foi publicitado “Era do sindicato” – à pergunta se se achava assinado. Depoimento da testemunha M... Amigo e colega do arguido. Eu tenho conhecimento desse comunicado mas não vi noticia nenhuma no jornal. Esse comunicado foi-me comunicado pelo J… tanto que tinha elaborado um comunicado para enviar e para ser difundido, mandou-me por fax para ser difundido. Mandou-me por fax para … e eu quando o li disse a ele que era um comunicado...portanto comunicou-me via telefone que tinha feito um comunicado para ser difundido normalmente para todo o lado. E como ía enviar por fax para ele ler e para depois se... pronto... a ver se difundia ou não. Entretanto quando eu o li telefonei-lhe e disse que que aquele comunicado não devia ser difundido...Porque não concordava com ele. (...) Portanto é assim , a partir do momento em que lhe disse a ele o comunicado não era comunicado para ser difundido, que a nossa postura do sindicato nunca foi essa, perante a direcção nacional. E perante o M(…). Portanto eu nunca mais liguei ao sindicato. Só soube mais tarde que este comunicado tinha sido difundido quando fui confrontado para ir a Vila do Conde onde tinha sido notificado para ir ao Tribunal. Quanto ao pedido desculpas que devia ter partido do sindicato respondeu: Se eventualmente eu soubesse o que se passou em concreto portanto o eco que teve pelos jornais. E depois entretanto também foi a queda do governo em que portanto o senhor ministro deixou de ser ministro da administração interna e teve algumas reuniões que eu nunca estive presente com o Sr. Ministro mais sei de pessoal que esteve lá portanto...Se soubesse em concreto o que se passou e que aliás que o Sr. Ex ministro tinha ficado ofendido com o assunto depois, ... digo-lhe eu pessoalmente e não era preciso eu até penso que o meu colega e também os restantes teríamos feito um pedido de desculpas. Esta testemunha tinha também sido constituída arguida com o agora aqui arguido. Ultimas declarações do arguido: Srª Drª Só quero dizer que aqui no Tribunal aprendi uma coisa muito estranha. Como é que o comunicado chegou à administração interna Essa é mais uma que fiquei a saber que não sabia sequer Como é que o comunicado apareceu pela mão de um policia no M(…). Infelizmente aprendi nesta lida de sindicatos alguns truques mágicos Mais nada Srª Srª. Ora, depois de transcritas as partes que este Tribunal achou mais significativas porque marcantes, resta-nos concluir que nos fica uma dúvida razoável quanto à autoria da pratica do crime pelo arguido. Na verdade ele descreveu os trâmites normais neste tipo de situações. Disse que, se o comunicado tivesse saído para a comunicação social pela sua mão, ele assumiria isso. Disse que quando emitia comunicados para serem publicitados os assinava. Ora, se o arguido tivesse tido a veleidade de fazer uma comunicação à imprensa porque não teria tido a de assinar o comunicado? Se ele é o autor do texto que decide não emitir por conselho do colega e opinião trocada entre os dois, porque é que, sabendo que não era apoiado pelos seus ía avançar com a questão? Não nos parece razoável. Se pretendesse deixar ficar mal o Sr. Dr. A… certamente tê-lo-ía feito sem “queimar” a sua imagem Parece antes sim, que alguém o quis deixar ficar mal a ele pela forma como o comunicado, ainda interno e quase secreto, chega às mãos do Sr. Ex ministro …. Só depois, chega á comunicação social. Fica-nos uma dúvida suficientemente razoável conforme já supra referido. O comunicado nem está assinado. Então porque “assiná-lo” na imprensa? Repare-se que a noticia dada limita-se a transcrever frases constantes do comunicado que foram “censuradas” a nível interno e que a nível interno, pelo que resulta do depoimento do assistente, até seriam aceitavas porque era costume. E, na verdade? Ainda que se pudesse imputar ao arguido o conteúdo da noticia de jornal é como se disse supra citando jurisprudência e doutrina conhecida: aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras – ou mesmo infundadas – que sejam. “ É o que acontece com os Juízes quando figuras públicas e de grande responsabilidade politica dizem que utilizamos métodos pidescos. Mal andaríamos se não tivéssemos a serenidade de dar relevância ao que é realmente grave e passássemos a discutir diariamente afirmações feitas sobre nós que podem ser vistas por nós como ofensivas e difamatórias e que, para o cidadão comum muitas vezes não passam de uma linguagem própria de quem quer chamar a atenção sobre si mesmo ou situações com as quais não concorda. Por outro lado e, pondo a hipótese repete-se de que se poderia atribuir a autoria das frases contidas na noticia e a intenção de as tornar públicas ao arguido, sempre se dirá que a linguagem sindical leva a excessos. E que o contexto em que foram escritas nos leva a concluir que seria mais desestabilizante condenar que absolver. Concordando-se, integralmente, com o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/4/2006, proferido no processo n.º 1186/2006-3, in www.dgsi.pt, «Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior – reputação ou consideração –, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos (probidade e lealdade de carácter). E admite-se sem sombra para dúvidas que ao ver a noticia o Sr. Ex ministro se sentisse ofendido e incomodado, mas infelizmente, nem ele próprio tem a certeza de que as frases do comunicado não assinado e que foi”abafado” a nível interno, foram canalizadas para a comunicação social pelo arguido. Nestes termos só nos podemos socorrer do princípio basilar dão nosso ordenamento jurídico do in dubio pró reo que consiste em, na dúvida, o tribunal decidir em favor do arguido pela absolvição. Não surge arbitrariamente, o que quer dizer que não está na livre disposição do Juiz decidir se está ou não em dúvida. Nem é um buraco negro onde se cai por inércia. Ou seja, a dúvida que leva um Juiz a concluir que não há forma de ter uma certeza da prática de um crime por alguém, tem de ser uma dúvida razoável, fundada e irredutível, provocada pelo resultado proveniente da prova produzida em audiência de julgamento. Não implica que tenha havido durante o julgamento versões contraditórias ou discordantes; E neste julgamento todas as versões à excepção da do arguido são fracas, incompletas, cheias de hesitações e nada firmes. Por outro lado este princípio não existe porque o arguido não concorda com a decisão do Tribunal ou tem uma opinião diferente da análise da prova produzida. Existe sim porque, perante todos os factos, perante toda a prova feita na sala de audiências, nenhuma convenceu o juiz da culpa do arguido e nenhuma afastou do seu espírito uma dúvida suficientemente razoável para o levar a concluir que quem está a ser julgado praticou ou não praticou o crime pelo qual vem acusado. Logo, há que concluir necessariamente pela absolvição em obediência ao princípio do in dubio pro reo e ao Estado de Direito que é o nosso. Deriva este princípio do princípio basilar do nosso ordenamento de Presunção de Inocência. Desde que alguém é suspeito da prática de um crime e, apenas porque é suspeito, instala-se a presunção de inocência. Em vez de se partir da ideia de que uma vez suspeito sempre suspeito e portanto condenado, instala-se ao contrário a certeza de que uma vez suspeito se presume desde logo inocente e, só com o julgamento e a produção de prova segura e clara, e o trânsito em julgado da decisão proferida ou seja a impossibilidade de recorrer para outro Tribunal, se poderá considerar culpado. O que nos leva a uma condenação é o afastamento da presunção de inocência e a existência de prova da prática do crime. Já o que nos leva à aplicação do princípio in dubio pró reo são as incertezas quanto à existência de prova da pratica do crime. E assim sendo, não havendo certezas, o juiz decide a favor do réu não o condenando. E assim sendo, tendo em conta a prova produzida nesta audiência conclui-se necessáriamente pela aplicação do in dubio com as necessárias consequências. ** Vejamos agora no que respeita ao pedido de indemnização civil.O arguido está obrigado a indemnizar o assistente pelos danos resultantes do facto ilícito e culposo que haja praticado artº. 483º CC. Nos termos do art. 483.º do C. Civil constituem pressupostos de responsabilidade do lesante, a existência de um facto voluntário e ilícito, subjectivamente imputável e responsável pela produção de danos como sua consequência directa e adequada. Da factualidade provada, dúvidas não restam que o arguido tem de ser absolvido por não haver certezas da sua autoria na prática do crime pelo qual vem acusado. Assim sendo, não se coloca a imposição de indemnização por não haver lugar à sua responsabilização. Nestes termos decidem os juízes nesta 9ª secção da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso, anulando a decisão recorrida e absolvendo o arguido do crime pelo qual vem acusado em obediência ao princípio in dubio pró reo com as legais consequências relativamente ao pedido cível. Sem custas pelo recorrente. Custas pelo assistente nos termos legais. DN (processado e revisto pela relatora - nº 5º do art 138º do CPC ). Lisboa, _15 de Janeiro de 2009 Adelina Barradas de Oliveira Sérgio Calheiros da Gama |