Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3054/19.2T8FNC.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE DO CONDOMÍNIO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I– A unidade do sistema jurídico leva-nos a concluir que na acção de anulação das deliberações do órgão colegial assembleia de condóminos, o administrador tem um poder próprio, que é o da representação judiciária da parte passiva, pelo que o condomínio tem personalidade judiciária.

II– Por isso, o segmento «condóminos contra quem são propostas as acções» ínsito no nº 6 do art. 1433º do CC resulta de redacção deficiente da norma, devendo interpretar-se como reportando-se ao condomínio.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I–Relatório


I.P.M.A. - Igreja Presbiteriana da Madeira - Associação de Culto Religioso instaurou acção declarativa comum em 07/06/2019 «Contra, a ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO do Edifício Arriaga, constituído em propriedade horizontal, (…) representada por CASTELOGEST ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS, Lda e TODOS OS CONDÓMINOS, (…) cuja citação se requere, a final, dado o seu elevado número, ao abrigo do Artigo 1433º, nº 6, do CC, na pessoa do Adminitrador (…)  pedindo que se decida «ser nula, inválida, ineficaz ou de nenhum efeito a convocatória e as deliberações da assembleia geral do condomínio de 10 de Abril de 2019, por violação do disposto, entre outros, dos art.ºs 1432 e 1433, n.º 4, do C.C., com os decorrentes efeitos» e concluindo:

«Para tanto:
Deve Administração do Condomínio ser citada, para, querendo, contestar no prazo e sob a cominação legais
Requerimento:
Requer-se, nos termos do art.º 1433, n.º 6, do C.C., que a citação dos Condóminos, com excepção da A. pelo seu elevado número, seja feita à Administração do Condomínio. (Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/112016, Processo n.º 130/15.4T8MTR.G1)».

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Em 12/06/2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no art. 552.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, na petição inicial deve o A. identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes, o que, no caso presente manifestamente não foi cumprido, e tal obrigação não é afastada pela representação alegada ao abrigo do disposto no art. 1433.º, n.º 6 do código civil.
Dessarte notifique a A. para no prazo de 10 proceder ao aperfeiçoamento da sua PI procedendo à identificação de todos os RR.».

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Notificada, a autora apresentou «petição inicial aperfeiçoada» em 17/06/2019 onde se lê, na parte que ora interessa, que a acção é proposta
«Contra, o CONDOMÍNIO do «Edifício Arriaga», constituído em regime de propriedade horizontal denominado Edifício Arriaga, (…) representada pelo Administrador de Condomínio «CASTELOGEST ADMINISTRAÇÂO DE CONDOMÍNIOS, LDA” (…) e TODOS OS CONDÓMINOS, em número superior a 200 (duzentos) tal como identificados e domiciliados na relação anexa constante dos documentos N.º 2/A e N.º2/B, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, da acta da Assembleia Geral de Condóminos, junta sob o documento N.º2, realizada no dia 10 de Abril de 2019, cuja citação se requer, a final, dado o seu elevado número, ao abrigo do Artigo 1433.º, n.º 6, do C.C., na pessoa do Administrador», concluindo-se:

«Requerimento:
Requer-se, nos termos do art.º 1433, n.º 6, do C.C., que a citação dos Condóminos, com excepção da A. pelo seu elevado número e que são os constantes da relação anexa aos documentos N.º2/A e N.º2/B, seja feita à Administração do Condomínio. (Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/112016, Processo n.º 130/15.4T8MTR.G1).».

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Em 03/07/2019 foi proferido o seguinte despacho:
«A Relação anexa constante dos documentos n.º 2-A e 2-B não se mostra legível, nem mesmo com a utilização da ferramenta “zoom”, pelo que, notifique a A. para juntar aos autos cópia legível da mesma, sendo certo que se alerta que a identificação dos RR. deverá ser feita nos termos do art. 552.º, n.º 1, do Cód.Proc.civil.».

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Em 23/07/2019 a autora requereu:
«(…) em cumprimento do douto despacho (…) que refere serem ilegíveis os documentos nº 2 - A e 2- B vem, por se tornar convenientes apresentar em mão e na secretaria os próprios originais, donde constam as listagens dos condóminos (em Nº superior a 200), elaboradas pela Administração do condomínio com indicação exaustiva dos condóminos e das suas respectivas fracções, sendo certo que o administrador do condomínio, poderá, como foi requerido, proceder à citação de todos os condóminos, com exceção da Autora (Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/11/2016, Processo nº 130/15.4T8MTR.G1), que também se junta.».

E em 25/07/2019 a autora veio dizer:
«(…) vem, com relação ao seu ultimo requerimento apresentado em mão na secretária, datado 23 de Julho, corrigir a sua parte final onde deveria dizer-se que a citação dos condóminos poderá ser efetuada, na pessoa do Administrador do Condomínio, nos termos do artigo 1433º, N.º6, do C.P.C..».

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Em 28/08/2019 foi enviada pela secretaria do tribunal, sem que tenham sido os autos submetidos a despacho, carta registada com aviso de recepção nestes termos:
«Exmo(a) Senhor(a)
Castelogest Administração de Condomínios, Lda
C.... S. L..., N.º...-G... L...-Esc
Nº... A - F....l
.....-0... F... -M....
Processo: 3054/19.2T8FNC Ação de Processo Comum N/Referência: 4......9
Data: ...-...-.....
Autor: I.P.M.A -Igreja Presbiteriana da Madeira -Associação de Culto Religioso
Réu: Administração do Condomínio do «Edifício Arriaga» e Condóminos
Mandatários: Dr(a). CF, Mandatário do(a) Autor, I.P.M.A -Igreja Presbiteriana da Madeira -Associação de Culto Religioso, com escritório na R... C..., Nº... - ...º Dtº, I, ....-0... F...; contactos: telefone - .........., fax - ........., e-mail - ....._......-....@....oa.pt
Assunto: Citação por carta registada com AR
Nos termos do disposto no art.º 228.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado na qualidade de Legal Representante de Administração do Condomínio do «Edifício Arriaga» e Condóminos, para, no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es).
Com a contestação, deverá o citando, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, de acordo com o artº 572º do Código de Processo Civil.
Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 0 dias.
No caso de pessoa singular, quando a assinatura do Aviso de Recepção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias ( art.º s 228.º e 245º do CPC).
A citação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR.
O Prazo é contínuo, suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos.
O Oficial de Justiça,».

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Em 19/09/2019 foi apresentado requerimento nestes termos:
«Condomínio do Edifício Arriaga requer a junção aos autos da procuração forense que anexa (…)».
Nessa procuração lê-se, na parte que ora interessa:
«”Castelogst - Administração de Condomínios, Lda”, (…) na qualidade de administradora do Condomínio do Edifício Arriaga (…) constitui seus mandatários (…).».

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Em 30/09/2019 foi apresentada contestação por «Condomínio do Edifício Arriaga, representado pela sua administradora de condomínio» alegando, além do mais:
- o despacho de aperfeiçoamento dirigiu-se à identificação dos réus “todos os condóminos” mas a autora aproveitou para alterar a petição inicial interpondo agora a acção não contra a administração do condomínio mas contra o “Condomínio do Edifício Arriaga”,
- pelo que exorbitou o âmbito do despacho de convite ao aperfeiçoamento,
- e por isso, deverá declarar-se a existência de excepção dilatória inominada, absolvendo-se os réus da instância;
- além disso, a autora não cumpriu com o dever que lhe foi imposto de identificar os réus “todos os condóminos”, pois a relação que juntou não cumpre a exigência legal determinada pela al. a) do nº 1 do art. 522º do CPC,
- os réus não podem ser indeterminados ainda que determináveis por remissão para um documento anexo à petição inicial,
- e não pode o tribunal substituir-se à autora e identificar oficiosamente os réus e mesmo que assim se considerasse, o documento para o qual remete não é idóneo a provar a qualidade de condómino;
- acresce que a acção interposta não configura o tipo de acção contra incertos, antes pelo contrário, a legitimidade passiva nesta acção é dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada e esses condóminos são os 26 condóminos identificados na acta que a autora anexa;
- por este fundamento também se verifica excepção dilatória que impõe que os réus sejam absolvidos da instância;
- a lei não diz quem deve figurar como réu nas acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos, e nem a jurisprudência nem a doutrina têm posição unânime sobre esta matéria, perfilando-se argumentos a favor de dever ser “o condomínio” a figurar como réu e argumento a favor de deverem ser os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada,
- mas há uma certeza por todos comungada: a legitimidade passiva não pertence a todos os condóminos,
- verificando-se a ilegitimidade passiva dos réus “todos os condóminos”, o que constitui excepção dilatória que impõe que os réus sejam absolvidos da instância.

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A autora respondeu, dizendo:
- acção foi instaurada contra o Condomínio, que veio agora contestar, representado pela Administração do Condomínio, “Castelogest Administração de Condomínios”, que, como administrador, procedeu à convocatória da assembleia geral do Condomínio, no dia 10 de Abril de 2019, e todos os Condóminos cuja citação foi requerida nos termos do art.º 1433º n.º 6 do C.C, na pessoa do administrador e foi realizada nos termos requeridos;
- nos termos do artigo 1433º N.º 6, do C.C., a representação judiciária dos condóminos cabe ao administrador ou a pessoa que a assembleia nomear para o efeito;
- deliberação, como se disse na petição, tal como redigida vale para futuro, e nessa medida atinge todos os condóminos que poderão futuramente vir a ser lesados;
- procedeu apenas ao aperfeiçoamento determinado.

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Em 12/12/2019 foi realizada tentativa de conciliação que resultou infrutífera.
No dia designado para a audiência prévia (07/10/2020) não compareceram as partes nem se fizeram representar, tendo sido proferida em acta decisão que julgou «verificada a exceção dilatória insuprível da ilegitimidade passiva de “Administração do condomínio do edifício Arriaga” e, em consequência, absolvo a mesma da instância.».

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Inconformada, apelou a autora, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1.-O “Condomínio do Edifício Arriaga”, - entendido como o conjunto dos condóminos, como aliás defendeu o Meritíssimo Juiz “a quo” no seu despacho, devidamente representado pelo Administrador é parte legítima nesta acção.
2.-E foi requerido, na parte final da petição, após a formulação do pedido, que a citação do condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, fosse feita, nos termos do Art.1433, Nº6, do C. Civil, à Administração do Condomínio.
3.-Tal norma, introduzida no C. Civil após a reforma processual de 1995/96, com o sentido de agilizar as providências como a agora em causa e compor definitivamente os litígios, foi notoriamente violada.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o despacho recorrido, declarando-se que o “Condomínio” (entendido como um conjunto de condóminos) é parte legítima, não se verificando a excepção dilatória invocada, devendo a lide prosseguir os seus ulteriores termos até final.

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O Condomínio do Edifício Arriaga contra-alegou, concluindo:
A - Nos termos do disposto no artigo 552º, nº a, al. a) do CPC a identificação das partes é obrigatoriamente feita por indicação dos seus nomes, domicílios ou sedes.
B - Ao identificar como réus “TODOS OS CONDÓMINOS, em número superior a 200 (duzentos) tal como identificados e domiciliados na relação anexa constante dos documentos N.º 2/A e N.º2/B” a autora não cumpriu o ónus imposto pelo preceito legal identificado na conclusão anterior, nem com o convite que lhe foi formulado.
C - O não cumprimento do disposto no preceito referido em “A” constitui excepção dilatória que determina a absolvição da ré da instância, como bem se julgou na douta sentença recorrida que, por esse facto, não merece qualquer censura.
D - Concluindo-se pela improcedência do recurso interposto, assim se fazendo justiça.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se na petição inicial aperfeiçoada podia ter havido alteração quanto à parte passiva
- quem tem legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos de prédio constituído em propriedade horizontal.

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III–Fundamentação

A 1ª instância entendeu que a autora extravasou o âmbito do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial porque alterou a identificação dos réus, substituindo a ré inicialmente demandada “Administração do Condomínio do Edifício Arriaga” por «Condomínio do Edifício Arriaga” representado pelo administrador “Castelogest Administração de Condomínio Lda”, e que isso constitui «uma verdadeira “alteração de partes”» não admissível. E concluiu:
«Assim, quanto ao articulado aperfeiçoado, o tribunal apenas considera como alterado e parte integrante do primeiro articulado (Ref. 32673227), o texto da identificação dos RÉUS como: “TODOS OS CONDÓMINOS……”, pelo que, todos os artigos, pedido e requerimentos constantes desse articulado aperfeiçoado, por ser manifestamente diverso do primeiro, têm-se por não escrito (cfr. art. 590.º, n.º 6, a contrario sensu, do CPC).».

Seguidamente, entendeu a 1ª instância que a expressão “Todos os condóminos” e a remissão para a lista com os seus nomes não cumpre os requisitos legais para a sua identificação, sendo motivo de recusa da petição inicial por aplicação do disposto no art. 558º nº 1 al. b) do CPC.
Mais considerou a 1ª instância que mesmo a entender-se que os condóminos estão devidamente identificados, a legitimidade passiva neste tipo de acções está atribuída por lei apenas ao “Condomínio, enquanto conjunto dos condóminos” (art. 1433º nº 1 e 6, 1432º, 1430 nº 1, 1435º a 1438º) «o qual tem personalidade judiciária nos termos da alínea e) do artigo 12º do CPC sendo que, por falta de capacidade judiciária é representado pelo seu administrador, figura que, processualmente, representa o condomínio».

Concluiu então a 1ª instância pela verificação de excepção dilatória de ilegitimidade passiva insuprível porque não é admissível substituir uma pessoa ou entidade por outra ao abrigo do disposto nos art. 6º nº 2 e 590º nº 2 al a) do CPC.

Vejamos.

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A instância só fica estabilizada após a citação do réu (cfr art. 260º do CPC) que dispõe: «Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.».
No caso concreto, a petição inicial apresentada na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento é anterior à citação dos réus.
Por isso, não tem razão a 1ª instância ao afirmar que a substituição da ré inicialmente demandada “Administração do Condomínio do Edifício Arriaga” por «Condomínio do Edifício Arriaga” representado pelo administrador “Castelogest Administração de Condomínio Lda” constitui «uma verdadeira “alteração de partes”» não admissível» face ao disposto nos art. 6º nº 2 e 590º nº 2 al a) do CPC.

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Prosseguindo.

Tem merecido controvérsia na jurisprudência a questão de saber quem tem legitimidade passiva ou seja, contra quem deve ser instaurada a acção de anulação: se o administrador do condomínio, se o condomínio, ou se todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação.

O art. 1433º do CC (Código Civil) prevê, na parte que ora interessa:
«1.- As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
(…)
5.- Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6.- A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.».

No que respeita ao procedimento cautelar para suspensão das deliberações da assembleia de condóminos estabelece o nº 2 do art. 383º do CPC (Código de Processo Civil):
«É citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação.».
Por sua vez, o art. 12º al e) do CPC estatui que o condomínio tem personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

O art. 1437º do Código Civil enumera as situações em que o administrador tem legitimidade para demandar e ser demandado, estabelecendo:
«1.- O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2.- O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3.- Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.».

Como se refere no acórdão do STJ de 10/05/2021 (P. 90/19.2T8LLE.E1.S1. (in www.dgsi.pt) (…) o art. 1437º do CCivil satisfaz a necessidade prática de, no âmbito das funções de administração que lhe pertencem ou que lhe sejam permitidas mediante deliberação da assembleia de condóminos, fazer representar a propriedade horizontal (o condomínio) em juízo sem chamar todos os condóminos à ação.».

Ora, a acção de anulação das deliberações da assembleia dos condóminos não respeita às partes comuns, não se enquadrando pois, no nº 2 do art. 1437º. Portanto o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nessa acção.

Se deve então ser demandado o condomínio ou se devem ser demandados os condóminos decidiu-se em sentidos opostos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/11/2008 (P. 08B2784) e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2021 (P. 3107/19.7T8BRG.G1.S1) (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

No primeiro, ponderou-se:
«Fora do âmbito demarcado dos dois mencionados preceitos – o art. 6º/e do CPC e o art. 1437º - e, designadamente, no campo da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão, em termos de legitimidade, não respeita directamente ao condomínio a se – ente sem personalidade jurídica própria, e com a limitada personalidade judiciária assinalada (…)
(…)
A questão da impugnação das deliberações é, pois uma questão entre condóminos: a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica, sem dúvida, nos próprios condóminos.
(…)
E contra quem deve ser intentada a acção? (…)
O art. 1433º não o refere expressamente; mas fornece uma pista importantíssima, ao aludir, no seu nº 6, aos «condóminos contra quem são propostas as acções». Este nº 6 é, desde logo, decisivo no afastar da legitimidade do próprio condomínio, e no afirmar da legitimidade dos condóminos, (…)
(…)
Os condóminos que se abstiveram da votação, não contribuíram para a formação do conteúdo da deliberação (…) não lhes podendo ser imputado o vício ou vícios de que esta eventualmente enferme (…)».
Foi também nesse sentido que se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/05/2011 (in www.dgsi.pt) dizendo-se: «Todo o processo de aprovação das deliberações de condóminos nada tem a ver com os poderes do administrador, o qual, nessa estrita qualidade, tanto importará que as mesmas sejam mantidas ou anuladas.
É um assunto que manifestamente não lhe diz respeito.
A sua função puramente executiva impede-o de se pronunciar ou intrometer quanto ao mérito (…)».
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2021 expôs-se:
«(…) quando no nº 6 do art. 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade coletiva – a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.
Se ao administrador compete executar as deliberações dos condóminos, nos termos do art. 1436º, al. h), do Código Civil, por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Esta solução, como refere Miguel Mesquita, é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação (…)
Com ela afastam-se problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação, (…).».

O art. 9º do CC estatui:
«1.- A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2.- Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3.- Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

O que está em causa na acção de anulação das deliberações das assembleias dos condóminos não é o que foi decidido individualmente, mas sim o que foi decidido por esse órgão colegial e que a todos vincula.

Ou seja, o litígio é entre o condómino  e o condomínio.
Por isso mesmo, o legislador não permite que sejam apresentadas diversas contestações ao estatuir que a representação judiciária do lado passivo cabe ao administrador do condomínio (ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito).

A entender-se que os condóminos devem ser demandados individualmente apesar de terem de ser representados judiciariamente pelo administrador, isso equivaleria afinal, a afectá-los de falta de capacidade judiciária, desde logo para serem citados e arguir vícios do acto da citação, o que não se nos afigura curial.

Em suma, a unidade do sistema jurídico leva-nos a concluir que na acção de anulação das deliberações do órgão colegial assembleia de condóminos, o administrador tem um poder próprio, que é o da representação judiciária da parte passiva, pelo que o condomínio tem personalidade judiciária. E por isso, o segmento «condóminos contra quem são propostas as acções» resulta de redacção deficiente do nº 6 do art. 1433º do CC, devendo interpretar-se como reportando-se ao «condomínio».

Assim, nestes autos impõe-se julgar que os condóminos individualmente considerados são partes ilegítimas e que tem legitimidade passiva o condomínio.

*

IV–Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência:
a)- revoga-se a decisão recorrida na parte em que não admitiu a substituição da ré «Administração do condomínio do Edifício Arriaga» pelo réu «Condomínio do Edifício Arriaga» na petição inicial aperfeiçoada, e
b)- julga-se parte legítima o réu «Condomínio do Edifício Arriaga».
Custas pelo réu condomínio.



Lisboa, 15 de Julho de 2021



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana Azeredo dos Santos