Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | CRISTINA COELHO | ||
| Descritores: | VALORAÇÃO DA PROVA DEPOIMENTO INDIRECTO DECLARAÇÕES DE PARTE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS BENS PRÓPRIOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/26/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1.– O depoimento indireto de uma testemunha não deve descartar-se, sem mais, porque pode tratar-se de um elemento de prova autêntico e porque num sistema de livre apreciação não podem existir exclusões apriorísticas de meios de prova. 2.– O tribunal não deve, à partida, desacreditar as declarações prestadas pela parte, antes devendo valorizar a forma como as presta, a coerência e verosimilhança do declarado, tendo em conta a situação concreta e as regras da experiência, bem como a demais prova produzida que as confirme ou sustente. 3.– Logrando o A. demonstrar que a casa e o carro adquiridos na constância do matrimónio, celebrado no regime supletivo de comunhão de adquiridos, foram comprados, maioritariamente, com dinheiro exclusivo seu, proveniente de doações de seus pais, os mesmos têm de ser havidos como bens próprios, nos termos do art. 1726º, nº 1, do CC. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO Em 10.01.2019, João intentou contra Joana e Banco, S.A., ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que seja declarado que: 1- A fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada na Rua das …, 1 - 5ºD, L_____ (atual endereço), constitui bem próprio do A.; 2- A dívida ao Banco, S.A., Sucursal em Portugal, ainda por liquidar, é da exclusiva responsabilidade do A. e, em consequência, 3- O A. é o único titular da conta com o IBAN PT50…151, onde o 2º R. debita as prestações ordinárias do empréstimo nº …; 4 - Após a dissolução do casamento o A. pagou ao Banco, S.A., as prestações ordinárias do empréstimo que se foram vencendo, e pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis referente à mesma fração, no montante total de €1.821,40; 5 - O veículo automóvel de marca …, matrícula …, constitui bem próprio do A.; 6 - Após a dissolução do casamento, o A. pagou despesas referentes ao mesmo veículo no valor global de €2.435,93. Subsidiariamente, caso se entenda que o pedido formulado não procede, seja declarado que: 1- O A. investiu na compra da fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada Rua das …, 1 - 5ºD, …, L_____, a quantia total de €186.149,98 proveniente de bens próprios; 2- O A. investiu na compra do veículo automóvel de marca …, matrícula …, a quantia de €13.500,00, proveniente de bens próprios. A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: A. e R. contraíram matrimónio no dia 17.6.2006, sob o regime supletivo de bens de comunhão de adquiridos, vindo o casamento a ser dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 11.1.2018. Na constância do matrimónio foi adquirida em 5.1.2009, a fração “CM” do prédio inscrito na matriz sob o artigo … (atualmente artigo…), situada na Rua das …, 1 - 5ºD, …, L____ (atual endereço), pelo preço de €280.000,00, adquirida com recurso a empréstimo bancário no montante de €155.000,00, figurando como credor hipotecário o 2º R. (por ter sucedido ao B… Bank PLC), pago mensalmente por débito direto na conta, atualmente, com o IBAN PT50...151. A diferença entre o preço da fração e o valor do empréstimo bancário contraído, no montante de €125.000,00, foi exclusivamente custeada por bens próprios do A., tal como o foram as despesas pagas no ato da escritura, IS, IMT, e despesas notariais, tudo no montante total de €138.614,43, através de parte do valor de venda de uma fração propriedade do A., resgate de certificados de aforro de que era titular, e doações que os pais do A. lhe fizeram. Para além dos valores referidos provenientes de bens próprios, na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do B no montante global de €47.535,55, através de resgate de certificados de aforro de que era titular, e doações que a mãe lhe fez. Aquando da instauração da ação de divórcio já tinha sido amortizada, de forma extraordinária, ao empréstimo bancário, a quantia total de €80.000,00, dos quais apenas €46.331,44 o foram com bens comuns do casal, sendo, na data da dissolução do casamento, a dívida ao 2º R. de apenas €60.641,01, em cuja amortização a R. deixou de participar, vindo o A. a efetuar o pagamento das prestações no valor mensal de €123,00. O A. investiu na compra da fração e na amortização do empréstimo bancário contraído para a respetiva aquisição um total de €186.149,98 provenientes de bens próprios, correspondente a 66,48% do valor da compra. Efetuou, também, o pagamento do IMI referente ao ano de 2017, no montante de €468,40. Na constância do matrimónio, foi, ainda, adquirido o veículo …, matrícula …, pelo preço de €22.000,00, para cujo pagamento os pais do A. lhe doaram a quantia de €12.000,00, e entregaram ao vendedor o veículo automóvel … de matrícula …, de que eram proprietários, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00, pelo que apenas 38,64% do valor de compra do veículo em causa, correspondente aos €8.500,00, constitui bem comum do casal. Após a dissolução do casamento, o A. continuou a pagar o seguro e o IC do veículo no montante de €469,70, e €344,61, respetivamente, bem como pagou as despesas de manutenção do referido veículo no montante de €1.621,62. Regularmente citados, os RR. contestaram individualmente, sendo a R., por impugnação, pugnando pela improcedência da ação. Realizou-se audiência prévia, na qual o A. “prescindiu” dos pedidos formulados contra o R., tendo sido proferido despacho que absolveu o R. da instância quanto aos pedidos 2 e 3; Mais foi proferido despacho que saneou o processo, fixou o objeto da lide, elencou os factos já provados, e enunciou os temas da prova. Realizou-se julgamento, e, em 29.3.2021, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência declarou que o A. investiu na compra da fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada Rua das …, 1 - 5ºD, …, L_____, a quantia total de €125.000,00, proveniente de bens próprios, e absolveu a Ré do demais peticionado. Inconformado com a decisão, apelou o A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que, em parte [1], se reproduzem: 1- O presente recurso tem como objeto a impugnação da decisão da 1ª Instância sobre matéria de facto na parte em que considerou não provados os factos descritos nos artigos 1º a 5º da Fundamentação de Facto constante do Ponto III da parte descritiva da sentença sob a epígrafe Factos Não Provados. 2-Considera o recorrente que os referidos factos, tidos como assentes na sentença recorrida, foram incorretamente julgados devido à errada apreciação e valoração pelo Tribunal “a quo” da prova documental e do registo de depoimentos produzidos no processo sobre a matéria de facto nos mesmos consignada; 3-Pelo que, impondo a prova produzida decisão diversa da recorrida, pretende-se com o presente recurso alcançar a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, propondo-se o sentido da decisão a proferir quer sobre os factos em causa quer sobre o enquadramento jurídico consequente dessa alteração; 4-O facto concreto no que ao artigo 1º se refere respeita … … 24-Pelo exposto, entende o apelante que deverá ser alterada nesta parte a sentença recorrida e substituída por outra que declare, que: O pagamento das despesas no ato da escritura da compra da fração “CM”, de €2.240,00 (dois mil duzentos e quarenta euros) a título de Imposto de Selo, de €10.791,00 (dez mil setecentos e noventa e um euros) a título de Imposto Municipal de Transações e de €583, 43 (quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e três cêntimos) a título de despesas notariais tem a seguinte proveniência: - €8.863,26 (oito mil oitocentos e sessenta e três euros e vinte e seis cêntimos) foram provenientes de resgate de certificados de aforro adquiridos pelos seus pais, emitidos sobre a conta aforro nº 1......0, de que o A. era o único titular; - €2.705,00 (dois mil setecentos e cinco euros) e €2.046,17 (dois mil e quarenta e seis euros e dezassete cêntimos) foram quantias doadas ao A. pelos seus pais e depositadas pela sua mãe na conta PT5...9 do Banco Barclays como ajuda no pagamento das despesas referidas. 25– Os factos consubstanciados nos artigos 2º e 3º dos Factos Não Provados, são os seguintes: … … 52-Pelo exposto, entende o recorrente que a sentença recorrida deve ser alterada por forma a declarar que: - Na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no ato da escritura, no montante global de €47.535,55 (quarenta e sete mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro que foram depositadas na conta PT5...9 do Banco Barclays em razão do resgate de certificados da conta aforro nº 1......0, titulada pelo A., ou que foram sendo depositadas pela sua mãe, em resultado de doação ao A. e em seu benefício, quer na referida conta bancária, quer na conta PT5...5 do Millennium/BCP; - Tais depósitos continuaram a ser efetuados durante o casamento do A. com a R., os quais o A. utilizou para efetuar amortizações extraordinárias do empréstimo bancário, geralmente com regularidade anual. 53-Os factos consubstanciados nos artigos 4º e 5º dos Factos Não Provados são os seguintes: … … 77-Pelo exposto, deverá ser alterada nesta parte a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que declare, que: - Em 3 de outubro de 2013, na constância do matrimónio, o A. adquiriu o veículo …, matrícula …, pelo preço de €22.000,00 (vinte e dois mil euros), para cuja aquisição os pais do A. contribuíram com a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), doados ao A. através de cheque sacado em 1 de outubro de 2013 sobre a conta PT5...8 da C.G.D. de que ambos eram titulares, e depositado na conta PT5...9 do Banco Barclays, em 30 de setembro de 2013. - Para pagamento, o A. entregou ainda ao vendedor o veículo automóvel … de matrícula …, propriedade dos seus pais, a ele doado, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); 78-Resulta de todo o exposto que na formação da convicção do julgador da 1ª Instância, vertida nas respostas dadas aos factos em apreço, foram violadas regras de experiência e de lógica, o que conduziu a que a decisão se mostre desconforme aos factos apurados através dos meios de prova produzidos; 79-A decisão recorrida, no que respeita à matéria de facto consubstanciada nos artigos 1º a 5º da Fundamentação de Facto, violou assim o disposto no artigo 607º nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil; 80-E, consequentemente, violou o disposto no artigo 1726º nº 1 do Código Civil; 81-Verificando-se que a decisão impugnada incorreu em erro de apreciação da prova carreada ao processo e da prova produzida em audiência de julgamento, bem como no correspondente julgamento da matéria de facto relativa aos artigos 1º a 5º dos Factos Não Provados, deverá o Tribunal de recurso proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto, dando aqueles factos como provados, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil; 82-A alteração pelo Tribunal “ad quem” da decisão proferida sobre a matéria de facto consubstanciada nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º dos Factos Não Provados implica necessariamente a alteração da decisão de direito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância; 83-No que respeita à matéria de facto a que o artigo 1º dos Factos Não Provados respeita, está demonstrado que as quantias pagas pelo A. no ato da escritura de compra da fração “CM” a título de Imposto de Selo, Imposto Municipal de Transações e despesas notariais, no montante global de €13.614,43 (treze mil seiscentos e catorze euros e quarenta e três cêntimos) o foram com bens próprios do A.; 84-Nestes termos, o Tribunal de recurso, no uso da sua competência, deve julgar procedente o pedido do A., declarando a referida quantia como bem próprio do A. por força do disposto no artigo 1722º n 1 do Código Civil, a acrescer à quantia a que se referem os artigos 2º e 3º na qual, dada a finalidade a que se destinou, deve considerar-se incorporada. 85-O A. logrou fazer prova de que, para além do valor de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) que a sentença recorrida reconheceu ter sido pago no ato da escritura de compra da fração “CM”, fez amortizações extraordinárias ao empréstimo bancário no montante global de €47.535,55 (quarenta e sete mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), tendo para o efeito utilizado bens próprios; 86-Deste modo, tendo sido a fração adquirida pelo preço de €280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros), a prestação dos bens próprios utilizados na aquisição da fração designada pela letra “CM”, no montante global de €172.535,55 (cento e setenta e dois mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), a que acresce o montante de €13.614,43 (treze mil seiscentos e catorze euros e quarenta e três cêntimos) despendido no ato da escritura, excede em valor a contribuição dos bens comuns para a referida aquisição; 87-Nestes termos, deve o Tribunal de recurso, no uso da sua competência, julgar procedente o pedido do A. e declarar que a referida fração “CM” constitui bem próprio do A., por força do disposto no artigo 1726º nº 1 do Código Civil; 88-A não se entender assim, o que só por cautela de patrocínio se admite, deve o Tribunal de recurso declarar a quantia de €47.535,55 (quarenta e sete mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos) como bem próprio do A. por força do disposto no artigo 1722º nº 1 do Código Civil; 89-O A. comprovou ter investido na compra do veículo automóvel matrícula … a quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), tendo para tal utilizado bens próprios; 90-Assim, tendo o veículo sido adquirido pelo preço de €22.000,00 (vinte e dois mil euros), a prestação dos bens próprios utilizados na respetiva aquisição excede em valor a contribuição dos bens comuns para a referida aquisição; 91-Pelo exposto, deve o Tribunal de recurso, no uso da sua competência, julgar procedente o pedido do A. e declarar que o veículo em apreço constitui bem próprio do A., por força do disposto no artigo 1726º nº 1 do Código Civil; 92-A não se entender assim, o que só por cautela de patrocínio se admite, deve o Tribunal de recurso declarar a quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros) como bem próprio do A. por força do disposto no artigo 1722º nº 1 do Código Civil. Termina pedindo que se adite à matéria de facto dada como provada os factos constantes dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º que a sentença recorrida considerou como não provados, e, em consequência, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, considerando o aditamento à matéria de facto provada que requer, decida pela procedência do pedido do A. formulado na ação, com todos os legais efeitos. A R. não contra-alegou. QUESTÕES A DECIDIR Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são: a)-impugnação da decisão sobre a matéria de facto; b)-do mérito da causa. Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: 1º- A. e R. contraíram matrimónio no dia 17 de junho de 2006. 2º- O casamento foi celebrado sob o regime supletivo de bens de comunhão de adquiridos; 3º-O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 11 de janeiro de 2018. 4º-Na constância do matrimónio foi adquirida, por escritura pública de 5 de janeiro de 2009, a fração autónoma designada pela letra “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo … (atualmente artigo …), situada Rua das …, 1 - 5ºD, …, L_____ (atual endereço), pelo preço de €280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros) e com o valor patrimonial de €225.926,00 (duzentos e vinte e cinco mil novecentos e vinte e seis euros). 5º-A referida fração foi adquirida com recurso a empréstimo bancário no montante de €155.000,00 (cento e cinquenta e cinco mil euros), figurando como credor hipotecário o Barclays Bank PLC, ao qual sucedeu o 2º R. 6º-Empréstimo que passou a ser pago mensalmente por débito direto na conta PT5...9, atualmente com o IBAN PT50...151 em virtude da transferência operada entre o Barclays Bank PLC e o Bankinter, S.A., conta essa titulada por A. e R., situação que ainda se mantém. 7º-A fração autónoma designada pela letra “C” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo …, situada na Avenida …, Bloco D, R/C A, Lote 4.47, …, L____, havia sido adquirida pelo A. por escritura de 27 de janeiro de 2006, ainda no estado civil de solteiro, com recurso a crédito bancário no montante de €100.000,00 (cem mil euros). 8º-Tendo sido alienada na constância do casamento com a R. por escritura de 27 de novembro de 2008. 9º-O crédito bancário relativo à fração autónoma designada pela letra “C”, que na data do casamento de A. e R. era de €99.694,05 (noventa e nove mil seiscentos e noventa e quatro euros e cinco cêntimos), era, à data da venda dessa fração, de €78.328,40 (setenta e oito mil trezentos e vinte e oito euros e quarenta cêntimos), o que se deveu sobretudo ao pagamento antecipado pelo A. da quantia de 20.000,00 euros. 10º-Embora a amortização tenha sido efetuada na constância do casamento, a quantia utilizada para o efeito provinha exclusivamente de resgate, antes e após o casamento, de certificados de aforro emitidos sobre a conta aforro nº …, de que o A. era o único titular, alimentada pelos seus pais em seu benefício, bem como de quantias depositadas pela sua mãe na conta PT5...9 com a finalidade de ajudar o A. no pagamento, tão rápido quanto possível, da dívida que este contraíra junto do Banco. 11º-Com o produto da venda deste bem próprio, o A. liquidou o balanço restante do empréstimo bancário oportunamente contraído junto do Banco aquando da respetiva compra. 12º-O remanescente, no montante de €71.661,60 (setenta e um mil seiscentos e sessenta e um euros e sessenta cêntimos), foi totalmente investido na compra da fração “CM”. 13º-Os restantes €53.338,40 (cinquenta e três mil trezentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos) pagos na compra da fração “CM” foram dados pelos pais do Autor ao Autor sendo esse montante incorporado no cheque visado no valor de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), emitido sobre a conta bancária daqueles, com o NIB PT5...8, entregue ao vendedor no ato da escritura. 14º-Aquando da instauração da ação de divórcio que pôs fim ao casamento de A. e R. já tinha sido amortizada, de forma extraordinária, ao empréstimo bancário relativo à fração autónoma designada pela letra “CM”, a quantia total de €80.000,00 (oitenta mil euros), pelo que na data da dissolução do casamento a dívida ao 2º R. era apenas de 60.641,01 euros. 15º-Após a dissolução do casamento nunca a R. participou no pagamento das prestações ordinárias que se foram vencendo referentes ao empréstimo bancário relativo à fração autónoma designada pela letra “CM”; o A. vem efetuando o pagamento das referidas prestações no valor mensal de €123,00 (cento e vinte e três euros) e efetuou o pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis referente ao ano de 2017 no montante de €468,40 (quatrocentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos). 16º-Em 3 de outubro de 2013, na constância do matrimónio, foi ainda adquirido o veículo …, matrícula …, pelo preço de €22000,00 (vinte e dois mil euros). *** E deu como não provados os seguintes: 1º-O pagamento das seguintes despesas no ato da escritura da compra da fração “C” - Imposto de selo no montante de €2.240,00 (dois mil duzentos e quarenta euros); - Imposto Municipal de Transações no montante de €10.791,00 (dez mil setecentos e noventa e um euros); - Despesas notariais no montante de €583,43 (quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e três cêntimos); tem a seguinte proveniência: - €8.863,26 (oito mil oitocentos e sessenta e três euros e vinte e seis cêntimos) foram provenientes de resgate de certificados de aforro adquiridos pelos seus pais, emitidos sobre a conta aforro nº …, de que o A. era o único titular; - €2.705,00 (dois mil setecentos e cinco euros) e €2.046,17 (dois mil e quarenta e seis euros e dezassete cêntimos) foram quantias doadas ao A. pelos seus pais e depositadas pela sua mãe na conta PT5...9 como ajuda no pagamento das despesas referidas. 2º-Na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no ato da escritura, no montante global de €47.535,55 (quarenta e sete mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro que foram sendo depositadas na conta PT5...9 em razão do resgate de certificados da conta aforro acima identificada, ou depositadas pela sua mãe, em resultado de doação ao A. e em seu benefício, quer na referida conta bancária, quer na conta PT5...5. 3º-Tais depósitos continuaram a ser efetuados durante o casamento do A. com a R., as quais o A. utilizou para efetuar amortizações extraordinárias do empréstimo bancário, geralmente com regularidade anual. 4º-Para a compra do referido veículo os pais do A. contribuíram com a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), doados ao A. através de cheque emitido sobre a conta PT5...8 de que ambos são titulares. 5º-E entregaram ao vendedor o veículo automóvel … de matrícula …, de que eram proprietários, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1.-Insurge-se o apelante contra a decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente quanto aos pontos 1 a 5 dados como não provados. Tendo dado cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, cumpre apreciar e decidir, depois de analisados os documentos juntos aos autos e de ouvidos os depoimentos indicados pelo apelante, no confronto com a motivação do tribunal recorrido sobre a matéria em causa. O tribunal recorrido deu como não provado que “1 - O pagamento das seguintes despesas no ato da escritura da compra da fração “C” [2] - Imposto de selo no montante de €2.240,00 (dois mil duzentos e quarenta euros); - Imposto Municipal de Transações no montante de €10.791,00 (dez mil setecentos e noventa e um euros); - Despesas notariais no montante de €583,43 (quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e três cêntimos); tem a seguinte proveniência: - €8.863,26 (oito mil oitocentos e sessenta e três euros e vinte e seis cêntimos) foram provenientes de resgate de certificados de aforro adquiridos pelos seus pais, emitidos sobre a conta aforro nº …, de que o A. era o único titular; - €2.705,00 (dois mil setecentos e cinco euros) e €2.046,17 (dois mil e quarenta e seis euros e dezassete cêntimos) foram quantias doadas ao A. pelos seus pais e depositadas pela sua mãe na conta PT5...9 como ajuda no pagamento das despesas referidas”. O tribunal recorrido fundamentou a resposta negativa ao referido ponto de facto (conjuntamente com a resposta negativa aos pontos de facto 2 e 3 não provados), “na ponderação: - do teor da escritura pública junta de fls. 26 a 31, referente à compra da fração C, e ao contrato de mútuo celebrado para o efeito com o A. como mutuário; - do teor da escritura pública junta de fls. 11 a 19, referente à compra da fração CM, e ao contrato de mútuo celebrado para o efeito entre A. e R. como mutuários; - do teor dos documentos de fls. 35 a 40, 42-verso a 44, e 170, extratos dos movimentos da conta bancária PT5...9 junto do Barclays, no período compreendido entre 1.5.2006 a 31.1.2009; - do teor dos documentos de fls. 43 a 57-verso, 58-verso a 61, 63, 64-verso, extratos dos movimentos da conta bancária PT5...9 junto do Barclays, no período compreendido entre Fevereiro de 2009, 2010, 2011, 2012,2014, 2013, 2015, 2017; - do teor dos documento de fls. 122-verso a 125, 161, 162, 169, extratos da conta bancária nº … junto do Millennium BCP, tendo como primeiro titular o A. e como segundo titular a mãe do A., no período de 2011, 2012, 2014, 2015; - do teor dos documentos de fls. 41-verso a 42, 125-verso a 128, 132-verso a 133, 158 a 158-verso, extratos de contas de aforro junto do IGCP relativas a certificados de aforro em nome do Autor e comprovativos de resgate dos mesmos; - do teor do documento de fls. 23-verso, comprovativo do pagamento do imposto de selo quanto à fração “CM”; - do teor do documento de fls. 24-verso, comprovativo do pagamento do I.M. quanto à fração “CM”; - do teor do documento de fls. 25-verso, comprovativo do pagamento das despesas com escritura pública relativa à fração “CM”; - do teor dos documentos de fls. 128-verso a 130, 133-verso a 135, 137 a 143-verso, 145 a 153-verso, 155-verso a 157-verso, 170-verso a 176-verso, 181-A a 184 declaração de rendimentos para efeitos de IRS do A. e da R. referente aos anos de 2007, 2015, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2008, 2009, 2006; - do depoimento da testemunha Maria, mãe do Autor, que era também movimentadora das contas de aforro junto do IGCP relativas a certificados de aforro em nome do Autor. Os depoimentos das demais testemunhas inquiridas não revestiram relevância probatória porquanto as mesmas não demonstraram conhecimento direto nem tiveram intervenção nestes, limitando-se a reproduzir o que lhes foi transmitido pelo Autor ou pela Ré. Por outro lado as declarações prestadas pelo Autor, dado o seu interesse na decisão da causa a seu favor, e sendo certo que no âmbito destas o mesmo não reconheceu nenhum facto que o desfavorecesse, tendo o mesmo já exposto a sua versão dos factos nos articulados, não revestiram qualquer relevância probatória. Do confronto dos documentos e depoimento acima referenciados verificou-se que apesar da existência de transferências provenientes da mãe do Autor para a conta do Barclays utilizada para pagamento das despesas do casal estas não correspondem às parcelas da amortização do empréstimo que igualmente saíam dessa conta, e que para além dos rendimentos do trabalho do A. esta espelha igualmente investimentos em variados produtos financeiros, pelo que não suscitando dúvidas a existência das doações da mãe do Autor ao mesmo referidas no depoimento desta a prova produzida não foi idónea a demonstrar a sua utilização apenas para a amortização do empréstimo.”. Pretende o apelante que o referido ponto de facto não provado seja dado como provado [3], sustentando a sua pretensão na análise conjugada dos documentos juntos a fls. 11 a 19, 23vº a 24vº, 25vº, 41vº a 42, 42vº, e 43 a 44, com os depoimentos das testemunhas Maria (mãe do A.), Raquel (irmã do A.), Paula (amiga da família) – alegando que carece de fundamento a desvalorização que o tribunal recorrido fez do depoimento desta duas últimas testemunhas -, e as declarações de parte do A., que, enquanto meio de prova admissível, devem ser relevadas. Apreciemos, começando por tecer algumas considerações. A convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não provada há de resultar do conjunto das provas produzidas (no caso, testemunhal, documental, e declarações de parte), e da ponderação conjugada que das mesmas se faça, à luz das regras da experiência, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso. Tomé Gomes, em “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, na Revista do CEJ, 2005, nº 3, págs. 158-159, escreve que: “Quanto ao critério da livre convicção, há que ter presente que o convencimento do julgador se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjetivo do juiz, mas tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras de experiência comum e atentas as particularidades do caso.” A convicção no plano judiciário, não corresponde a uma certeza absoluta, mas apenas a uma mera “persuasão do julgador formada a partir de um certo número de provas, provas essas que, à luz de uma comum e experiente perspetiva, fazem crer numa certa realidade” (cfr. Manso Rainho, Decisão da Matéria de Facto – Exame Crítico das Provas, Sep. da Revista do CEJ, I semestre 2006, nº 4). No que à prova testemunhal respeita, os depoimentos não podem ser ponderados de forma compartimentada, mas na sua globalidade, tanto mais que, por vezes, aquilo que uma testemunha diz só é perfeitamente compreensível com os esclarecimentos que vai dando ao longo do mesmo, e a sua ponderação e análise tem de ser feita, também, no cotejo com os depoimentos das restantes testemunhas, na medida da respetiva relevância, e com a demais prova junta aos autos, nomeadamente documental. No que diz respeito ao depoimento indireto das testemunhas, escreve Luís Filipe Pires de Sousa [4], em Prova Testemunhal, 2016, pág. 193, remetendo para Nieva Fenoll, que não deve descartar-se, sem mais, o mesmo, “porque (i) pode tratar-se de um elemento de prova autêntico e (ii) porque num sistema de livre apreciação não podem existir exclusões apriorísticas de meios de prova”, acrescentando a págs. 194/195, que “A testemunha indireta propicia uma narração de segundo grau, tendo uma eficácia probatória bem menor do que a que assiste a uma testemunha direta”, e distinguindo 3 situações possíveis, refere, em relação à testemunha indireta que tem como fonte um terceiro estranho à lide, que esta testemunha “integra uma prova meramente indiciária, que poderá adquirir relevância através do cotejo com outras circunstâncias objetivas concordantes que corroborem a sua credibilidade de molde a influenciar o convencimento do juiz”, o qual “poderá convocar o terceiro que é a fonte para inquiri-lo e, assim, conseguir um testemunho pleno (…)”, e a testemunha indireta que tem como fonte uma parte que produz declarações favoráveis a si própria, “…, denominada testemunha de relato ex parte, tal testemunha por si só, sem o conforto de outros elementos, não tem valor probatório nem sequer indiciário, e a sua relevância processual é substancialmente nula. Tal testemunha só alcançará eficácia probatória na condição de concorrerem circunstâncias objetivas e subjetivas extrínsecas à testemunha que confirmem a sua credibilidade ou desde que outros resultados probatórios corroborem o seu relato, …”. Nesta conformidade, afigura-se-nos que os depoimentos das testemunhas Raquel (irmã do A.), e Paula (colega e amiga da mãe do A. desde há cerca de 30 anos), não deveriam ter sido desconsiderados sem mais, sendo certo que, por um lado, relativamente à testemunha Raquel não se pode dizer que o seu depoimento seja apenas indireto, como se explicará, e, por outro, uma das “fontes” dos seus testemunhos (a testemunha Maria) também foi ouvida, estando os seus depoimentos em consonância, em termos que ganham relevância, como melhor se explicará também. Importante é a isenção e imparcialidade com que depuseram as referidas testemunhas, não tendo o tribunal recorrido mostrado reservas sobre essa questão, que também não se nos colocam da audição dos respetivos depoimentos. Por outro lado, no que respeita às declarações de parte, o NCPC veio consagrar expressamente este novo meio de prova, a “prova por declarações de parte”, a incidir “sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto” (nº 1 do art. 466º), estando obrigada a cooperar na descoberta da verdade, e prestando juramento antes de começar as suas declarações (arts. 417º e 459º, aplicáveis ex vi do nº 2 do art. 466º), apreciando o tribunal livremente as declarações prestadas pela parte, salvo se as mesmas constituírem confissão (nº 3 do art. 466º). A posição da doutrina e da jurisprudência sobre este meio de prova não tem sido unânime, como de forma exaustiva se analisa no Ac. desta Relação de 26.4.2017, P. 18591/15.0T8SNT.L1-7 (Luís Filipe Pires de Sousa), consultável em www.dgsi.pt, para o qual se remete. Por ser parte, não deve o tribunal, à partida, desacreditar as declarações que presta, o que significaria postergar a disciplina do art. 466º do CPC, antes devendo valorizar a forma como as presta, a coerência e verosimilhança do declarado, tendo em conta a situação concreta e as regras da experiência, bem como a demais prova produzida que as confirme ou sustente. Assim, mais uma vez não devia o tribunal recorrido ter desvalorizado, pura e simplesmente, a prova prestada por declarações de parte do A., antes devendo a mesma ser ponderada no cotejo com a restante prova produzida. Isto dito, retomemos ao caso em apreço. O que está em causa no ponto de facto impugnado é se foi o A. quem suportou as despesas no ato de escritura da compra da fração “CM” (ou seja, IS, IMT e despesas notariais) com valores de que era único titular e com quantias que lhe foram doadas pelos pais. Importa salientar que o A. e a R. casaram em 17.6.2006, e a compra da referida fração ocorreu em 5.1.2009. Da documentação junta aos autos, nomeadamente a fls. 11/19 (escritura de venda da mencionada fração), 23vº a 24vº (declaração para liquidação de IMT e respetiva liquidação, e liquidação de IS), e 25vº (fatura de despesas notariais), resulta que: - em 2.1.2009, foram liquidadas às finanças as importâncias de €10.791,00, de IMT, e €2.240,00, de IS, para realização da escritura; - no dia 5.1.2009, realizou-se a escritura de compra e venda da fração “CM”, e, nesse dia, foi emitida a fatura de pagamento de despesas notariais no montante de €583,43. Não se mostram juntos aos autos quaisquer documentos (cópia de cheque, talão de transferência bancária, …) demonstrativos desses pagamentos, contudo do doc. junto a fls. 43/44 (extrato de 2009/01/01 a 2009/01/31 da conta bancária de que o A. e a R. eram titulares no Barclays [5]), constam os débitos em 06/01 do cheque nº …, no valor de €13.031,00 (correspondente à soma de €10.791,00 + €2.240,00), e em 07/01 do cheque nº …, no valor de €583,43, ou seja, da conjugação desta documentação resulta terem os montantes em causa (pagamento de IMT, IS, e despesas notariais), num total de €13.614,43, sido pagos através da referida conta bancária. Do extrato bancário da mesma conta referente ao mês de dezembro de 2008, junto a fls. 42vº, constam, com data de 31/12, quatro movimentos de crédito por transferência do IGCP (certificados de aforro), nos montantes, respetivamente, de €3.746,02, €3.078,93, €1.015,53 e €1.022,78, num total de €8.863,26, sendo certo que, após os referidos créditos, o saldo da conta em 2008/12/31 era de €32.748,52. Do mesmo extrato constam dois movimentos a crédito, com datas de 18/12, e de 29/12, por transferência de “Maria…”, mãe do A., nos valores de, respetivamente, €205,00, e €2.500 (num total de €2.705,00), e do extrato de janeiro (fls. 43/44), consta, também, um movimento a crédito, com data de 06/01, por transferência da mesma, no valor de €2.200,00. O doc. junto a fls. 41vº/42 é um extrato da conta aforro do qual consta ser titular o A., datado de 18.10.2008, com um valor total de resgate, à data, de €7.801,21, sendo 2.652 unidades (€6.793,68) de certificados de aforro série B (dos quais eram “movimentador” Maria, 2251 unidades, e a R. Joana, 401 unidades), e 1000 unidades (€1.007,53) de certificados de aforro série C, dos quais era “movimentador” Maria. Se não se nos afigura difícil concluir que os valores constantes como transferidos pelo IGCP no extrato de dezembro de 2008 (fls. 42vº) de €1.015,53 e €1.022,78, correspondem ao resgate dos certificados de aforro identificados no extrato de fls. 41vº/42 como da série B, “movimentador” a R. Joana, e da série C, “movimentador” a Maria, já relativamente aos outros 2 valores transferidos pelo IGCP (€3.746,02 e €3.078,93), torna-se difícil fazer a relação com o extrato junto a fls. 41vº/42, como pretende o apelante, uma vez que os valores diferem, e o lapso temporal não justifica a discrepância. Por outro lado, resulta do extrato de fls. 41vº/42 que o “movimentador” das 401 unidades do certificado de aforro série B (€1.018,66) era a R. Joana, numa data em que A. e R. eram casados. Acresce que se somarmos o valor total dos créditos por transferências do IGCP, e das transferências efetuadas em dezembro de 2008 e em 06/01/2009 pela mãe do A., como o apelante sustenta, chegamos ao valor de €13.768,26 (€8.863,26+€2.705+€2.200), ligeiramente superior ao valor total pago com o IMT, o IS, e as despesas notariais, sendo certo que, em 27/01/2009, a mãe do A. fez nova transferência para a mencionada conta no montante de €500,00 (extrato de fls. 43vº/44), em 19/02/2009 fez outra no montante de €200 (fls. 44vº), em 19/03/2009, outra no montante de €700 (fls. 45), e em 30/04/2009, outra no montante de €100 (fls. 46) [6]. A análise dos referidos documentos não permite, pois, só por si, deles retirar as conclusões que o apelante retira. Contudo, e como supra referido, a prova deve ser apreciada na sua globalidade, e na matéria concretamente em causa o depoimento da testemunha Maria (mãe do A.) foi esclarecedor, tendo sido corroborado pelo da testemunha Raquel (irmã do A.), com conhecimento direto sobre os factos ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, afigurando-se-nos que os referidos depoimentos foram isentos e credíveis, nomeadamente no cotejo com a documentação junta e a que a testemunha Maria se foi referindo e com a qual foi (em parte) confrontada, tendo, nesta parte, o A. prestado declarações em sentido coincidente. A testemunha Maria, mãe do A., demonstrou conhecimento direto sobre toda a factualidade impugnada, por sempre ter acompanhado a vida económica do filho, quer subscrevendo, ao longo do tempo, certificados de aforro em nome do A., ou por este “movimentáveis”, antes e depois do casamento daquele, com vista a constituir-lhe poupanças, por a sua situação económica (e do marido) o possibilitar e por ser um costume de família, quer doando-lhe várias quantias económicas com vista a auxiliá-lo, nomeadamente na aquisição da fração em causa (como resulta dos pontos 10 e 13 da fundamentação de facto), tendo “planeado” a venda da fração “C” (ponto 7 da fundamentação de facto) à irmã do A., a testemunha Raquel, por forma a ultrapassar os constrangimentos que à data se verificavam para essa venda (por virtude da crise económica que o país começava a viver), e de modo a que o A. tivesse dinheiro para dar de entrada na aquisição da fração “CM”, na qual participou também, como resulta dos pontos 11 a 13 da fundamentação de facto, tudo sendo falado em família, motivo pelo qual tem conhecimento da origem dos dinheiros usados na aquisição da referida fração. Mais esclareceu esta testemunha que sempre foi seu hábito dar aos dois filhos (o A. e a testemunha Raquel) exatamente o mesmo - o que dava a um, dava igual ao outro -, o que foi confirmado pelas testemunhas Raquel, e Paula, aquela por conhecimento direto, esta por conversas que foi tendo ao longo do tempo com aquela. Esclareceu, ainda, em que termos decorreu a venda da fração “C” à irmã do A., tendo sido a testemunha a assumir todos os encargos com a mesma (por motivos que justificou devidamente), motivo pelo qual deu ao A. o montante equivalente ao que despendeu com as despesas inerentes à aquisição da referida fração, através dos depósitos que constam dos extratos de fls. 42vº e 43vº/44 supra referidos, para o ajudar a pagar os encargos com a escritura de compra da fração “CM”, tendo conhecimento que para o fazer, o A. se socorreu, ainda, de certificados de aforro que tinha em conta de que era titular, todos constituídos pela testemunha como poupança do filho (explicando porque um dos referidos certificados tinha como movimentadora a R.), sendo certo que, em momento algum, a R. alegou terem os mesmos sido constituídos pelo casal, por si, ou para si, ou, sequer, para o casal. Também a testemunha Raquel declarou que a compra, por si, da fração “C” visou proporcionar ao irmão dinheiro para dar na entrada da compra da fração “CM”, sendo os pais quem assegura o pagamento do empréstimo, tal como pagaram as despesas “administrativas” que houve com essa compra (explicando porque foi feito assim, em consonância com o explicado pela mãe), dando ao irmão um valor igual ao despendido com essas despesas. Na ponderação conjugada da referida prova documental, testemunhal, e declarações de parte, afigura-se-nos assistir razão ao apelante, devendo, pois, ser alterada a decisão sobre a factualidade impugnada, passando o ponto 1 dado como não provado a constar da factualidade provada. 1.2.- O tribunal recorrido deu como não provado que: 2º-Na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no ato da escritura, no montante global de €47.535,55 (quarenta e sete mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro que foram sendo depositadas na conta PT5...9 em razão do resgate de certificados da conta aforro acima identificada, ou depositadas pela sua mãe, em resultado de doação ao A. e em seu benefício, quer na referida conta bancária, quer na conta PT5...5. 3º-Tais depósitos continuaram a ser efetuados durante o casamento do A. com a R., as quais o A. utilizou para efetuar amortizações extraordinárias do empréstimo bancário, geralmente com regularidade anual. Motivou a sua decisão nos termos já supra reproduzidos. Pretende o apelante que tais factos sejam dados como provados, fundamentando a sua pretensão na conjugação dos documentos juntos a fls. 11 a 19, 43 a 44, 44vº, 45 a 45vº, 46, 46vº, 125, 47, 56 a 57, 58vº a 59, 47vº, 48 a 50, 124vº, 48 a 50, 124vº, 161 a 161vº, 50vº, 162 a 162vº, 51 a 52, 59vº, 123vº a 124, 52vº a 53vº, 60, 122vº a 123, 54, 60vº, 54vº, 55 a 55vº, 169 a 169vº, 57vº, 61, 58 e 190, com o depoimento das testemunhas Maria, Raquel, Paula, e as declarações de parte do A. Salvo melhor opinião, a pretensão do A. apenas pode proceder em parte, porquanto a análise da documentação referida, conjugada com os depoimentos das testemunhas Maria, e Raquel [7], e as declarações de parte do A., apenas em parte permitem concluir com segurança no sentido pretendido. Por um lado, os extratos da conta do Barclays (PT5...9), na sua maioria não são completos, tendo sido junta apenas uma parte das folhas dos mesmos, e não são seguidos, tendo sido juntos, apenas, os referentes a alguns meses, não permitindo uma visão completa das movimentações da conta, e por forma a permitir uma conclusão segura sobre a afetação dos dinheiros depositados. Por outro lado, consta dos referidos extratos, a existência de PPR e (constituído em 18.1.2010, constando o A. como tomador e pessoa segura), conforme documentos juntos a fls. 48/50, 51/52, 52vº/53vº, 55/55vº, 56/57, 59, 59vº, 60, 63, e 102/105, a existência de ações em carteira, e, mesmo, compras e vendas de ações em montantes elevados, nomeadamente em 10/2013 (fls. 64vº), 02/2014 (fls. 54), e 06/2014 (fls. 54vº), a demonstrar a opção do A. por outro tipo de aforro, e suscitando dúvidas sobre a afetação exclusiva das quantias depositadas pela testemunha Maria nesta conta às amortizações em causa, sendo certo que a mesma referiu que dava o dinheiro ao filho, mas era este que decidia o que fazia com ele. Sendo certo que o A. prestou declarações no sentido de confirmar o alegado, e as testemunhas Maria e Raquel disseram que sabiam (necessariamente através do A.) que este usava os dinheiros dados pela mãe para ajudar a amortizar o empréstimo contraído para a aquisição da fração “CM”, da análise dos mencionados documentos nos termos referidos, ponderando a totalidade do depoimento da testemunha Maria, a existência dos certificados de aforro que fazia em nome do filho, e o dinheiro que depositava na conta do Millennium de que é titular com o A., também para aforro deste, os montantes (muito variados) das transferências feitas por esta na conta do Barclays, já na constância do casamento do A., não tendo resultado claro que estas ajudas não fossem para o casal (a par de outras que dava em géneros e por dispensa da empregada), afigura-se-nos que apenas se devem considerar como doações feitas ao filho utilizadas nas amortizações extraordinárias do empréstimo, as feitas em montante mais elevado do que o habitual e em momento próximo de uma amortização, como é o caso das feitas em 11/2009, no montante total de €2.500 [€1.000+€1.500] (fls.46vº), e em 11/2010, no montante total de €2.000 [€1.000+€1.000] (47vº), para as amortizações extraordinárias de 2/2010, e 1/2011, respetivamente, num total de €4.500. Analisando os documentos referidos pelo apelante, e ponderados os depoimentos das testemunhas referidas, e declarações de parte do A., afigura-se-nos, ainda, que se deve concluir pela utilização pelo A. nas amortizações extraordinárias do empréstimo dos valores depositadas na conta PT5...9 em razão do resgate de certificados da conta aforro por si titulados (fls. 51v/52, no montante de €1.119,55), ou depositadas pela mãe, em doação ao A., na conta do Millennium (IBAN PT5...5), transferidas para a conta do Barclays em momento próximo às referidas amortizações extraordinárias, como é o caso das transferências efetuadas em 12/2009, no montante de €5.700, 01/2011, no montante de €3.250, 10/2011, no montante de €7.400, 12/2011, no montante total de €2.000, 12/2012, no montante total de €7.000 (€4.500+€2.500), e 01/2015, no montante de €7.250 (fls. 47, 48/49, 50vº, 51/52, 52vº/53, 57vº, 122vº/125, 162/162vº, e 169/169vº), num valor global de €33.719,55. O montante total das amortizações extraordinárias feitas com as referidas verbas ascende, assim, ao total de €38.219,55. Procede, pois, em parte a pretensão do apelante, dando-se como provados os factos 2 e 3 dados como não provados, nos seguintes termos: - Na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no ato da escritura, no montante global de €38.219,55 (quarenta e dois mil duzentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos), tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro que foram sendo depositadas na conta PT5...9 em razão do resgate de certificados da conta aforro acima identificada, ou depositadas pela sua mãe, em resultado de doação ao A. e em seu benefício, quer na referida conta bancária, quer na conta PT5...5. - Tais depósitos continuaram a ser efetuados durante o casamento do A. com a R., as quais o A. utilizou para efetuar amortizações extraordinárias do empréstimo bancário, geralmente com regularidade anual. Mantendo-se como não provado que: “2- Na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no ato da escritura, no montante global de €9.316,00 (nove mil, trezentos e dezasseis euros), tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro que foram sendo depositadas na conta PT5...9 em razão do resgate de certificados da conta aforro acima identificada, ou depositadas pela sua mãe, em resultado de doação ao A. e em seu benefício, quer na referida conta bancária, quer na conta PT5...5”. 1.3.-O tribunal recorrido deu como não provado que: 4º- Para a compra do referido veículo os pais do A. contribuíram com a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), doados ao A. através de cheque emitido sobre a conta PT5...8 de que ambos são titulares. 5º-E entregaram ao vendedor o veículo automóvel … de matrícula …, de que eram proprietários, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). Motivou a resposta negativa dada aos mencionados pontos de facto “na ponderação: - do teor dos documentos de fls. 35 a 40, 42-verso a 44, e 170, extratos dos movimentos da conta bancária PT5...9 junto do Barclays, no período compreendido entre 1.5.2006 a 31.1.2009; - do teor dos documentos de fls. 43 a 57-verso, 58-verso a 61, 63, 64-verso, extratos dos movimentos da conta bancária PT5...9 junto do Barclays, no período compreendido entre Fevereiro de 2009, 2010, 2011, 2012,2014, 2013, 2015, 2017; - do teor dos documento de fls. 62-verso, cópia da fatura da compra do veículo … em 3.1.2013, pelo preço de 22 000,00 euros, em nome do Autor; - do teor dos documentos de fls. 65-verso a 66, cópia de folha de caderneta da C.G.D. relativa a conta da mãe do Autor em que consta débito de 12 000,00 euros em 1.3.2013; - do depoimento da testemunha Maria, mãe do Autor, que era também movimentadora das contas de aforro junto do IGCP relativas a certificados de aforro em nome do Autor. Os depoimentos das demais testemunhas inquiridas não revestiram relevância probatória porquanto as mesmas não demonstraram conhecimento direto nem tiveram intervenção nestes, limitando-se a reproduzir o que lhes foi transmitido pelo Autor ou pela Ré. Por outro lado as declarações prestadas pelo Autor, dado o seu interesse na decisão da causa a seu favor, e sendo certo que no âmbito destas o mesmo não reconheceu nenhum facto que o desfavorecesse, tendo o mesmo já exposto a sua versão dos factos nos articulados, não revestiram qualquer relevância probatória. Da conjugação dos documentos e depoimento acima referenciados não foi possível fazer uma correspondência entre o débito de 12 000,00 euros na conta da mãe do Autor e o pagamento do veículo pelo Autor, não sendo a prova produzida idónea a demonstrar a realidade desses factos.”. Pretende o apelante que os referidos pontos de facto não provados sejam dados como provados, sustentando a sua pretensão nos documentos juntos a fls. 62vº, 63vº a 64 [8], (que o tribunal recorrido interpretou erradamente quanto às datas), 63 e 64, conjugados com o depoimento das testemunhas Maria (sobre a matéria em causa e que nada se relaciona com certificados de aforro), Raquel e Paula, e as declarações de parte do A., sendo certo, também, que nenhuma relevância têm para a decisão os restantes documentos referidos pelo tribunal recorrido. Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos assistir razão ao apelante nesta matéria. Os documentos relevantes são: - a fatura (junta a fls. 62vº) de venda do veículo, emitida por B & Filhos, pelo valor de €22.000, que tem a data de emissão de 03/10/2013 (e não 3.1.2013 como refere o tribunal recorrido); - o extrato (junto a fls. 63) da conta PT5...9 junto do Barclays, de 30/09/2013, do qual consta o depósito de um cheque no valor de €12.000, e a cópia (junta a fls. 63vº/64) da caderneta da conta da CGD de que eram titulares os pais do A., da qual consta um “débito ch”, no montante de €12.000, em “2......1” (e não 1.1.2013 como refere o tribunal recorrido); - o extrato (junto a fls. 64vº) da conta PT5...9 junto do Barclays, de outubro de 2013, do qual consta uma transferência para a “garagem B – J A”, de 03/10, no montante de €20.500. A testemunha Maria referiu que, na sequência de conversa com o filho sobre a necessidade deste adquirir um carro maior por a família estar a crescer e não ter todo o dinheiro que necessitava, lhe deu €12.000, através de cheque que passou, tendo, ainda, sido dado um veículo … que era do marido e tinha sido emprestado à R. para se deslocar, pelo valor de retoma de €1.500, concluindo que o filho entrou com 13.500,00 que os pais lhe deram, tendo o resto sido pago com rendimentos do casal. Este depoimento foi confirmado pelo da testemunha Raquel, que tinha conhecimento da situação, embora sem saber os pormenores, e pelas declarações de parte do A., estando todos em consonância com a documentação junta referida, e na sequência lógica de todo o depoimento das referidas testemunhas. Nesta conformidade, e na procedência da pretensão do A., aditam-se aos factos provados os factos 4 e 5 dados como não provados. *** Foram aditados à factualidade provada os seguintes factos: 17º- O pagamento das seguintes despesas no ato da escritura da compra da fração “CM” - Imposto de selo no montante de €2.240,00 (dois mil duzentos e quarenta euros); - Imposto Municipal de Transações no montante de €10.791,00 (dez mil setecentos e noventa e um euros); - Despesas notariais no montante de €583,43 (quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e três cêntimos); tem a seguinte proveniência: - €8.863,26 (oito mil oitocentos e sessenta e três euros e vinte e seis cêntimos) foram provenientes de resgate de certificados de aforro adquiridos pelos seus pais, emitidos sobre a conta aforro nº …, de que o A. era o único titular; - €2.705,00 (dois mil setecentos e cinco euros) e €2.046,17 (dois mil e quarenta e seis euros e dezassete cêntimos) foram quantias doadas ao A. pelos seus pais e depositadas pela sua mãe na conta PT5...9 como ajuda no pagamento das despesas referidas. 18º-Na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no ato da escritura, no montante global de €38.219,55 (quarenta e dois mil duzentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos), tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro que foram sendo depositadas na conta PT5...9 em razão do resgate de certificados da conta aforro acima identificada, ou depositadas pela sua mãe, em resultado de doação ao A. e em seu benefício, quer na referida conta bancária, quer na conta PT5...5. 19º-Tais depósitos continuaram a ser efetuados durante o casamento do A. com a R., as quais o A. utilizou para efetuar amortizações extraordinárias do empréstimo bancário, geralmente com regularidade anual. 20º-Para a compra do referido veículo os pais do A. contribuíram com a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), doados ao A. através de cheque emitido sobre a conta PT5...8 de que ambos são titulares. 21º-E entregaram ao vendedor o veículo automóvel … de matrícula …, de que eram proprietários, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). *** 2.-Fixada a factualidade provada, cumpre apreciar do mérito da apelação, adiantando que, face à alteração da factualidade provada, a mesma terá, necessariamente, de proceder. Conforme resulta do relatório, o A. pediu, no que ora importa, que se declarasse que “1 - A fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada na Rua das …, 1 - 5ºD, …, L____ (atual endereço), constitui bem próprio do A.; … 4 - Após a dissolução do casamento o A. pagou ao Bankinter, S.A., as prestações ordinárias do empréstimo que se foram vencendo, e pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis referente à mesma fração, no montante total de €1.821,40; 5 - O veículo automóvel de marca …, matrícula …, constitui bem próprio do A.; 6 - Após a dissolução do casamento, o A. pagou despesas referentes ao mesmo veículo no valor global de €2.435,93”, e subsidiariamente, caso os pedidos formulados não procedessem, fosse declarado que “1–O A. investiu na compra da fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada Rua das …, 1- 5ºD, …, L_____, a quantia total de €186.149,98 proveniente de bens próprios; 2- O A. investiu na compra do veículo automóvel de marca …, matrícula …, a quantia de €13.500,00, proveniente de bens próprios”. O tribunal recorrido concluiu pela procedência parcial da ação, e declarou que o A. investiu na compra da referida fração a quantia total de €125.000,00, proveniente de bens próprios, absolvendo a Ré do demais peticionado. Na presente apelação, embora termine pedindo que se “decida pela procedência do pedido do A. formulado na ação”, resulta dos termos da apelação que o apelante apenas pretende a alteração da sentença recorrida no que se refere à declaração da fração e do veículo automóvel como bens próprios do A. (ou, assim não se entendendo, que se declare as quantias de €47.535,55 e €13.500,00, respeitantes a cada um daqueles bens, respetivamente, como bem próprio do A.), conformando-se com a improcedência da ação relativamente ao restante peticionado (pedidos 4 e 6). Isto assente, apreciemos. A. e R. casaram em 17.6.2006, sem convenção antenupcial, pelo que o regime de bens supletivo é o da comunhão de adquiridos, nos termos do disposto no art. 1717º do CC [9]. No regime de comunhão de adquiridos, podem haver bens comuns e bens próprios de cada um dos cônjuges, só se comunicando os bens adquiridos, a título oneroso, na constância do casamento. Como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, em Curso de Direito da Família, Vol. I, 4ª ed., pág. 506, a ideia geral que define este regime de bens é a de “só tornar comum aquilo que exprime a colaboração de ambos os cônjuges no esforço patrimonial do casamento”. Assim, dispõe o nº 1 do art. 1722º que “São considerados próprios dos cônjuges: a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento; b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação; c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior”. Por seu turno, o art. 1723º estipula que “Conservam a qualidade de bens próprios: a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de troca direta; b) O preço dos bens próprios alienados; c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”. Em conformidade, estabelece o art. 1724º que “Fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei”. Na constância do matrimónio [10], mais concretamente em 5.1.2009, A. e R. adquiriram a fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada na Rua das …, 1 - 5ºD, …, L_____, pelo valor de €280.000, com recurso a crédito bancário (no montante de €155.000), tendo sido liquidado no ato de escritura a quantia de €125.000, resultante, uma parte (€71.661,60) do produto da venda de bem próprio do A., e o restante (€53.338,40) de valor dado pelos pais do A. a este (pontos 4, 5, e 7 a 13 da fundamentação de facto). Por outro lado, o A. fez amortizações extraordinárias do referido empréstimo bancário no montante global de €38.219,55, tendo utilizado para o efeito quantias em dinheiro provenientes quer de certificados da conta aforro adquiridos pelos seus pais, e de que o A. era o único titular, ou depositadas pela sua mãe em conta bancária titulada pelo A. e por esta, em resultado de doação ao A. e em seu benefício (ponto 18 da fundamentação de facto aditado). Acresce que o pagamento das despesas no ato da escritura da compra da fração em causa (IS, IMT e notariais), no montante total de €13.614,43, foram pagas, também, por quantias provenientes de resgate de certificados de aforro, adquiridos pelos pais do A., de conta de aforrista de que este era o único titular (€8.863,26), e por quantias doadas ao A. pelos seus pais (€2.705,00) – ponto 17 da fundamentação de facto aditado. Ou seja, para além do montante de €125.000 entregue no ato de escritura que o tribunal recorrido considerou ser bem próprio do A. (por aplicação do disposto nos arts. 1722º, nº 1, als. a) e b), e 1723º, al. b)), o A. fez, na pendência do casamento, amortizações ao empréstimo contraído para aquisição da fração no montante total de €38.219,55, com dinheiro seu, que lhe foi doado pelos pais, quer através da constituição de certificados de aforro em conta de que era titular (e que resgatou), quer através de depósitos em conta bancária titulada pelo A. e pela mãe (e que transferiu para a conta associada ao empréstimo e para as referidas amortizações), tendo pago, também, as despesas inerentes à escritura com dinheiros resultantes de doações dos pais feitos de igual forma. As doações foram feitas pelos pais do A. a este, não sendo caso de aplicação do disposto no art. 1729º, estando em causa bem próprio do A. Da factualidade apurada resulta, pois, que a fração em causa (“CM”) foi adquirida maioritariamente com dinheiro próprio do A. – num valor de custo de €280.000, o A. pagou com dinheiros próprios a quantia de €163.219,55, ou seja, o correspondente a 58,29% do preço (que seria o corresponde a 63,15% se “englobássemos” o valor das despesas inerentes ao ato de escritura da compra da fração, como pretende o apelante, o que se nos afigura não poder ser feito, tendo em conta o disposto nos arts. 1690º, 1691º, nº 1, al. a), 1695º, nº 1, e 1697º, nº 1, não podendo tais valores “entrar” para a ponderação da natureza do bem [11]). Também na constância do matrimónio, foi adquirido, em 3.10.2013, o veículo de matrícula …, pelo preço de €22.000 (ponto 16 da fundamentação de facto), tendo os pais do A. contribuído com a quantia de €12.000,00, mais uma vez doados ao A., e com a entrega ao vendedor do veículo automóvel … de matrícula …, de que eram proprietários, e ao qual foi atribuído o valor de retoma de €1.500,00 (ponto 20 e 21 da fundamentação de facto aditados). Desta factualidade resulta, assim, que o veículo automóvel em causa foi, também, adquirido, maioritariamente, com dinheiro próprio do A. Dispõe o art. 1726º que “1.- Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações. 2.- Fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão”. Quer relativamente à compra da fração, quer relativamente à compra do veículo automóvel, a prestação mais valiosa, a maior, foi a do A., pelo que à luz do nº 1 do mencionado preceito legal, quer a fração em causa (“CM”), quer o veículo automóvel matrícula …, revestem a natureza de bens próprios do A. A questão que se podia colocar prende-se com a interpretação da al. c) do art. 1723º, uma vez que dos respetivos documentos de aquisição (escritura de compra e venda da fração “CM”, e fatura de venda do veículo) não consta qualquer menção relativa à proveniência do dinheiro pago (que, em parte, nem sequer podia constar, uma vez que respeita a amortizações do empréstimo feitas posteriormente). Como referiu o tribunal recorrido, do confronto das normas contidas nos referidos arts. 1723º, al. c) e 1726º, nº 1, emergiu uma controvérsia doutrinária e jurisprudencial, que veio a ser resolvida pelo AUJ do STJ nº 12/2015, de 13.10.2015 (que faz uma referência exaustiva às posições em confronto, que nos dispensa de enunciação), que uniformizou jurisprudência no sentido de que “Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”. Atente-se que o que estava em causa, como se refere no AUJ, era “saber se, no regime matrimonial de comunhão de adquiridos, tendo um bem imóvel sido comprado na constância do casamento, sem que na escritura de compra e venda tivessem intervindo ambos os cônjuges e sem que dela conste menção acerca da proveniência do dinheiro que pertencia, maioritariamente ou exclusivamente, ao cônjuge não presente, dono do dinheiro utilizado no pagamento do preço, pode ele fazer a prova de que o bem adquirido é bem próprio seu, não integrando, pois, o património comum do casal” (sublinhado nosso), sendo certo que, no acórdão recorrido [12] o bem adquirido também tinha sido adquirido com dinheiro maioritariamente (e não exclusivamente) pertencente ao cônjuge que reclamava que o mesmo fosse considerado seu bem próprio. Como se sumariou no Ac. do STJ de 9.1.2018, P. 212/14.0T8OLH-AB.E1.S1 (Pinto de Almeida), em www.dgsi.pt: “"I- Apesar de não ter força obrigatória geral, como tinham os anteriores assentos, nem natureza vinculativa para os outros tribunais, o acórdão de uniformização constitui um precedente qualificado, de carácter persuasivo, a merecer especial ponderação, que se julgou suficiente para assegurar a desejável unidade da jurisprudência. II- Daí que os tribunais só devam afastar-se da jurisprudência uniformizada em "decisões fundamentadas que ponham convincentemente em causa a doutrina fixada". …” [13]. Sufragamos a orientação seguida no referido AUJ, nenhuns fundamentos podendo, pois, invocar para por em causa a doutrina fixada. Nesta conformidade, e em conclusão do que se deixa escrito, procede a apelação, devendo alterar-se a sentença recorrida, julgando a ação parcialmente procedente, declarando-se que a fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada na Rua das …, 1 - 5ºD, …, L_____ (atual endereço), constitui bem próprio do A.; e que o veículo automóvel de marca …, matrícula …, também constitui bem próprio do A., obviamente sem prejuízo da eventual compensação a que alude o nº 2 do art. 1726º. As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, bem como da ação [14], são a cargo da apelada, por ter ficado vencida (art. 527º, nº 1 e 2 do CPC). DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, alterando-se, em consequência, a sentença recorrida, e, julgando a ação parcialmente procedente, declara-se que: 1) a fração designada pelas letras “CM” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____, inscrita na matriz sob o artigo …, situada na Rua das …, 1 - 5ºD, …, L_____ (atual endereço), constitui bem próprio do A.; 2) o veículo automóvel de marca …, matrícula …, constitui bem próprio do A. Custas da apelação e da ação pela R./recorrida. *** Lisboa, 2021.10.26 Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes Luís Filipe Pires de Sousa [1]Já Alberto dos Reis, no CPC Anotado, Vol. V, pág. 359, ensinava que se satisfaz o ónus de concluir “pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso”, e completava o seu ensinamento escrevendo que “As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”. No que respeita ao que deve constar das conclusões quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto, deve atentar-se no que se escreveu, de forma clara e pertinente, no Ac. do STJ de 19.2.2015, P. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt, ou seja, “… enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (negrito nosso). Ponderados estes ensinamentos, expurgamos das conclusões aquilo que, manifestamente, das mesmas não devia constar. [2]Existe manifesto lapso de escrita, porquanto o que estava em causa eram as despesas relativas à compra da fração “CM” (referida no ponto 4º da fundamentação de facto), e não da fração “C” (referida no ponto 7º da fundamentação de facto), como resulta do alegado nos arts. 4º, e 7º a 11º da PI. [3]Com a devida correção na identificação da fração em causa. [4]Que assina o presente acórdão como 2º adjunto. [5]Ponto 6 da fundamentação de facto. [6]Para além de outras antes e depois. [7]Sendo o depoimento da testemunha Paula apenas relevante em parte, na medida em que disse ter conhecimento de que a testemunha Maria sempre ajudou o A. (e a filha), mesmo depois de casado, fazendo-lhe certificados de aforro. [8]E não 65vº a 66 como indicado pelo tribunal recorrido. [9]Diploma de que serão todas as disposições legais citadas sem menção expressa a outro diploma. [10]O casamento foi dissolvido por sentença transitada em julgado em 11.1.2018. [11]Com interesse, ver Carla Câmara, A Partilha e os Créditos Compensatórios, ebook do CEJ-OA - III Jornadas de Direito da Família e das Crianças, pág. 57. [12]Ac. do STJ de 3.7.2014, P. 899/10.2TVLSB.L2.S1 (Távora Vítor), consultável em www.dgsi.pt, e em relação ao qual foi negada revista no referido AUJ. [13]Como escreve Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo CPC, 2013, pág. 42, não beneficiando o AUJ “da força vinculativa que outrora era atribuída aos Assentos pelo art. 2º do Código Civil, a recorribilidade das decisões que os contrariem, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, constitui um fator fortemente inibidor da adoção de entendimentos desrespeitadores de jurisprudência uniformizada”. [14]Com interesse sobre esta matéria, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, pág. 580, nº 9. |