Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE SEGURO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL DEVER DE COMUNICAÇÃO CUMPRIMENTO CIRCUNSTÂNCIAS A VALORAR | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/28/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. Sendo o contrato de seguro um contrato sujeito a forma ad probationem (Artigos 32º, nº 2, da Lei do Contrato de Seguro e Artigo 364º, nº2, do Código Civil), a alteração de um aspeto essencial de tal contrato como é o valor/agravamento do prémio de seguro não pode ser feita com recurso a prova testemuhal e por declarações do legal representante da autora (artigo 221º, nº2, do Código Civil; II. Na aferição do cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais deve considerar-se: a) A extensão e a complexidade das cláusulas, sendo que, quanto mais complexo for o contrato, em termos de qualidade e de quantidade das cláusulas, mais se exige do predisponente no que respeita ao modo de comunicação, devendo, em geral, ser salientadas as cláusulas mais desfavoráveis para o aderente; b) A importância do contrato em que se insiram; o facto de o contrato se inserir no contexto de relações negociais habituais ou, diversamente, episódicas, assim como a natureza do aderente (consumidor final ou empresário ou entidade equiparada); c) A preparação cultural do aderente, o seu nível de escolaridade, a sua área de formação, a sua idade, se é um mero consumidor ou se, por outro lado, é um empresário ou uma entidade equiparada; d) Uma certa antecedência que possibilite um conhecimento completo e efetivo do clausulado, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. III. Na aferição do cumprimento do dever de informação das cláusulas contratuais gerais há que considerar: a. Se o predisponente/ segurador respondeu a todos os pedidos de esclarecimento efetuados pelo tomador do seguro e se, por outro, chamou a atenção para determinados aspetos cujo desconhecimento lhe poderá ser bastante prejudicial; b. A natureza e a condição da pessoa do outro contraente, incluindo o nível cultural por este revelado durante a negociação; c. O grau de complexidade do contrato e das cláusulas, exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas, e, em segundo lugar, a relevância de determinas cláusulas no equilíbrio do contrato, devendo o aderente ser especialmente esclarecido (“de forma clara e categórica”) em relação a esta; d. O facto de existirem já anteriores relações contratuais ou de o aderente ser uma empresa ou um simples consumidor final; IV. No caso, ocorreu uma comunicação e informação suficientes da cláusula em causa, aferidas em função: da complexidade da cláusula; de se tratar de cláusula única; da anterioridade face à sua previsível vigência; de de tratar de um empresário, conhecedor, experiente e autónomo, estando ciente do impacto económica da cláusula na vida da autora, conforme resulta do correio eletrónico que remeteu ao mediador, bem como da alteração da gestão da autora que fez no intuito de reduzir a sinistralidade. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO Spt – Empresa de Trabalho Temporário move ação declarativa de simples apreciação negativa sob a forma de processo comum contra Lusitânia – Companhia de Seguros, SA, pedindo ao Tribunal que declare a inexistência do direito ao pagamento da cláusula de ajustamento de prémio, no valor de 46.169,54 Euros, por: a) exclusão das cláusulas contratuais gerais relativas à inclusão da Cláusula de Ajustamento de Prémio, em virtude da sua não comunicação e esclarecimento; E, subsidiariamente por: b) remissão da obrigação de pagamento do acerto de prémio, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, fixando-se abaixo dos 45%; Ou por c) acordo quanto ao pagamento do acerto de prémio, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, fixando-se abaixo dos 45%; Ou por d) inexistência do direito de exigir o acerto do prémio por aumento da sinistralidade no ano de 2016, por ineficácia da alteração contratual, uma vez que não foi efectuado o pagamento até à data do seu vencimento, em conformidade com o n.º 4 da cláusula 16.ª das Condições Gerais. Ou por e) Violação da cláusula 17.º do sobredito contrato, precisamente da obrigatoriedade de emissão do acerto no ano seguinte. O Réu contestou pugnando pela improcedência da acção e apresentando por via reconvencional o pedido de condenação da Autora no pagamento da quantia de €16.235,79 (dezasseis mil, duzentos e trinta e cinco euros e setenta e nove cêntimos). Houve réplica na qual a Autora veio pugnar pela improcedência do pedido reconvencional. Após a realização de segundo julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «(…) julgo a acção improcedente e a reconvenção procedente e, em consequência, absolvo o Réu do pedido e condeno o Autor a pagar-lhe a quantia de €16.235,79.» * Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes: «CONCLUSÕES I. O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, nos termos consignados infra, incidindo sobre a sentença proferida na parte em que julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente, por ser desajustada dos normativos legais positivos aplicáveis in casu. II. A alteração da matéria de facto deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância, o que desde já se roga em função daquilo que será exposto e aflorado infra. III. Analisada a matéria de facto dada como provada e não provada na douta sentença por contraposição com a prova produzida nos autos, designadamente os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento e a prova documental, verifica-se que ocorreu erro de julgamento grave e notório, que deve conduzir à alteração da matéria de facto e impõe uma decisão diversa da proferida, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. IV. Do elenco dos factos dados como provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, consta factualidade, designadamente, a constante dos pontos 28. e 29., que, atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos, deveria forçosamente ter sido considerada como não provada. V. Como resulta da sentença a quo, a motivação da convicção do Tribunal para ter dado como provados os referidos pontos 28 e 29 reconduz-se a apenas dois meios probatórios: i) o depoimento da testemunha JAA, mediador de seguros da TS & A – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO DE SEGUROS, LDA. que interveio na renovação das apólices dos seguros de acidente de trabalho para o ano de 2016; e ii) a remessa da acta n.º 21, de 25 de Novembro de 2015, pela Ré à Autora, onde, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava a cláusula de ajuste de prémio. VI. Por um lado, a mera remessa pela Ré à Autora de uma acta onde, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava a cláusula de ajuste de prémio não é idónea nem minimamente suficiente para sustentar e dar como provado que, com o simples envio dessa acta, a referida cláusula foi explicada à Autora, muito menos que a Autora percebeu ou passou a ter conhecimento do seu conteúdo e do seu funcionamento. VII. Por outro, o depoimento da testemunha JAA é marcado por lapsos de memória e uma excessiva subjectividade e não é apto a aportar ao processo um conhecimento concreto, objectivo e seguro dos factos sobre que incidiu5. VIII. Descrevendo o modo como informou o legal representante da Autora da inclusão da cláusula de ajuste de prémio na renovação das apólices dos seguros de acidente de trabalho para 2016 e lhe explicou o conteúdo e o funcionamento de tal cláusula, a mencionada testemunha limita-se a transmitir aos autos o seu estado subjectivo, referindo que tem a convicção que terá transmitido e explicado verbalmente ao legal representante da Autora a inclusão, o conteúdo e o funcionamento da referida cláusula na renovação das apólices para 2016, que ficou com a sensação de que o legal representante da Autora a compreendeu e que tem a convicção de que este a terá aceitado. IX. Naturalmente, a convicção, a sensação e, em termos gerais, a mera manifestação de um estado de espírito da testemunha não são suficientes ou idóneas à prova da referida factualidade. X. Realce-se que jamais a testemunha poderia ter explicado ao legal representante da Autora a cláusula em questão, por uma razão muito simples: é que o próprio mediador não compreendeu o teor, o conteúdo, o alcance e o funcionamento da mesma. XI. Desde logo, a testemunha admitiu que, ao longo da sua extensa actividade profissional enquanto mediador de seguros, este foi o único caso em que se deparou com a introdução e a aplicação de uma cláusula de ajuste de prémio. XII. A testemunha acrescentou que, na dinâmica do funcionamento da cláusula de ajuste de prémio, a sinistralidade era uma variável aleatória importante cujo impacto para a Autora era completamente imprevisível e incalculável quer para esta, quer para a própria testemunha e que podia acarretar uma onerosidade grave para a Autora. XIII. E a testemunha asseverou, sem qualquer hesitação, que esta cláusula de ajuste de prémio funcionava para os dois lados, possuindo uma vertente de penalização e outra de bonificação, e que, caso a sinistralidade ultrapassasse os 65%, a Autora seria penalizada, mas, com uma baixa sinistralidade, seria beneficiada. XIV. No entanto, a cláusula de ajuste de prémio sub judice apenas contemplava a vertente de penalização, como resulta do depoimento da testemunha RF, trabalhador da Ré pertencente à área técnica dos seguros de acidente de trabalho e, enquanto tal, dotado de especial razão de ciência6. XV. Assim, o mediador de seguros que interveio na renovação das apólices de seguros de acidentes de trabalho para 2016, onde foi incluída a referida cláusula de ajuste de prémio, não compreendeu nem tinha conhecimento do teor, do conteúdo, do alcance ou do funcionamento da aludida cláusula, pelo que, lógica e consequentemente, jamais poderia ter informado e explicado devida e suficientemente a mesma ao legal representante da Autora. XVI. No mesmo sentido, o legal representante da Autora, Sr. Eng. JA, explica, com segurança, objectividade, espontaneidade, coerência e conhecimento directo, que: i) desde o início da execução dos contratos de seguro sub judice todas as comunicações, conversações e negociações das taxas comerciais atinentes ao mesmo foram efectuadas exclusiva e directamente com o mediador, Sr. JAA, com quem mantinha uma especial relação de confiança, nunca tendo conhecido ninguém ou falado com alguém pertencente à Ré até 2017; ii) na renovação das apólices de seguros de acidentes de trabalho para 2016, o único elemento contratual que foi objecto de comunicação e negociação pelo e com o mediador foi apenas e só a taxa comercial, nunca tendo sido mencionada qualquer cláusula de ajuste de prémio; iii) desde a celebração do contrato de seguro com a Ré, nunca lhe foi comunicada a hipótese de ser aplicada esta cláusula de ajuste do prémio; iv) se, na renovação da respectiva apólice para o ano de 2016 lhe tivessem indicado que existia a possibilidade de aplicação de semelhante cláusula, jamais a teria aceitado e concordado com a renovação da apólice, devido à aleatoriedade e imprevisibilidade que a mesma acarretaria para a gestão da empresa da Autora; v) apenas obteve conhecimento da referida cláusula de ajustamento de prémio no início do ano de 2017, quando o mediador entregou à Autora o aviso de pagamento do valor resultante da aplicação da referida cláusula relativamente ao ano de 2016; vi) só no início do ano de 2017, quando o mediador entrega à Autora o mencionado aviso de pagamento do valor resultante da aplicação da referida cláusula relativamente ao ano de 2016, é que o mediador pela primeira vez lhe comunicou a existência dessa cláusula e explicou o seu conteúdo. XVII. Por sua vez, também do elenco dos factos dados como não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, consta factualidade, designadamente, a constante dos pontos 11. e 12., que, atenta a prova produzida nos autos, deveria ter sido considerada como provada. XVIII. De acordo com a prova produzida nos autos, na reunião tida entre as partes em 2017, ficou acordado entre as mesmas que ocorreria um perdão da cláusula de ajuste de prémio referente ao aumento da taxa de sinistralidade no ano de 2016, não sendo emitido o respectivo recibo, caso ocorresse uma diminuição significativa da referida taxa no primeiro semestre de 20178, o que veio a suceder9, tendo o assunto ficado resolvido. XIX. Tanto assim foi que, até ao final da vigência do contrato, o recibo referente à aludida cláusula de ajuste de prémio não foi emitido, o qual só viria a ser emitido em Fevereiro de 2018, quando já não existia qualquer vínculo contratual entre as partes. XX. Ora, atento todo o circunstancialismo evidenciado supra, uma audição e análise correctas e adequadas dos vários depoimentos e uma análise crítica e atenta da prova documental carreada para os autos só poderiam redundar numa convicção díspar daquela que foi a do Tribunal a quo. XXI. Assim, atenta a prova produzida nos presentes autos, deve a factualidade descrita nos pontos 28. e 29. do elenco dos factos provados ser dada como não provada e deve a factualidade descrita nos pontos 11. e 12. do elenco dos factos não provados ser dada como provada. XXII. Ao errado julgamento da matéria de facto acresce um errado julgamento da matéria de direito, tendo o Tribunal a quo proferido uma sentença sem o necessário rigor técnico-jurídico e efectuado uma incorrecta subsunção dos factos ao Direito. XXIII. A cláusula de ajuste do prémio por aumento da sinistralidade relativamente ao ano de 2016 insere-se num contrato de seguro que vigorou entre as partes, daí decorrendo o presente litígio. XXIV. O contrato de seguro é a convenção através da qual uma das partes – o segurador – se obriga, mediante retribuição – o prémio – paga pela outra parte – o segurado – a assumir um risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado. XXV. É-lhe aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril), e, sendo o contrato de seguro, em regra, um contrato de adesão, importa ainda atender ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, dado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. XXVI. In casu, o contrato de seguro em causa nos autos foi um contrato de adesão celebrado mediante Cláusulas Contratuais Gerais, tal como se depreende do teor do Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial, pelo que é aplicável o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, dado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. XXVII. De facto, o contrato de adesão pressupõe a prévia estipulação, por parte de um dos contratantes, em forma geral e abstracta, das cláusulas ou condições contratuais, com vista à sua futura incorporação no conteúdo dos contratos do tipo em causa. XXVIII. A definição de «cláusulas contratuais gerais» remete-nos, pois, para as cláusulas «elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar», conforme prescreve o art.º 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ficando sujeitas à disciplina deste diploma. XXIX. Com tais características presentes, presumir-se-á que as cláusulas que as possuam não resultaram de negociação prévia entre as partes (artºs. 1.º, n.º 2 e 2.º, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro); e caberá à parte que pretenda prevalecer-se do seu conteúdo o ónus da prova de que a cláusula contratual em causa resultou de negociação prévia entre as partes (n.º 3 do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro). XXX. A teleologia fundamental subjacente ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais decorre da constatação de que, sem a preservação de um mínimo de igualdade, não é possível falar em liberdade das partes na conformação da sua vontade negocial, sendo que a regulamentação prevista no regime visa a reposição da igualdade nas relações jurídico-negociais, face a uma desigualdade que axiomaticamente se pressupõe. XXXI. Assim, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular, as quais constam dos artigos 5.º a 7.º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, reconduzindo-se à comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte – artigo 5.º - e à prestação de informação sobre os aspectos obscuros nelas compreendidos – artigo 6.º. XXXII. Portanto, a inserção de cláusulas contratuais gerais convoca deveres de comunicação bem como de informação, que se consubstancia na prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas, enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que esta tenha um cabal conhecimento das cláusulas e seus contornos, a que irá vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação. XXXIII. É certo que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa fé, o dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menos) das cláusulas. XXXIV. Todavia, o dever de diligência média por parte do aderente “em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, nos apontados termos” (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2016, proc. n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, in www.dgsi.pt). XXXV. No caso em apreço, a cláusula em discussão é a cláusula incluída nas condições particulares das apólices designada por “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”, cujo teor é o seguinte: “Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos: Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.” XXXVI. Como bem se pronunciou o Tribunal a quo, a Recorrida, a quem cabia o ónus de prova, não logrou provar que tal cláusula, antes de ser introduzida no contrato, no ano de 2016, foi sujeita a livre negociação pelas partes, pelo que tem que presumir-se que a mesma foi predisposta, sendo aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais. XXXVII. Sucede que a cláusula em questão, para além de não ter sido negociada, não foi devidamente comunicada à Recorrente e muito menos explicada, razão pela qual deve ser considerada excluída do contrato, nos termos do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85. XXXVIII. Efectivamente, o dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo; já o dever de informação pressupõe a efectivação da comunicação, dirigindo-se, essencialmente, à percepção do conteúdo e correspondendo à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento efectivo pelo aderente, com esclarecimento à outra parte, e de acordo com as circunstâncias, dos aspectos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados pelo aderente. XXXIX. No caso sub judice, o contrato de seguro em causa foi objecto de alteração para o ano de 2016 com a introdução da referida cláusula de ajuste de sinistralidade, tendo esta alteração sido “comunicada” através da remessa de uma acta (n.º 21) emitida em 25 de Novembro de 2015 (Documento n.º 2 da Petição Inicial), para entrar em vigor em 01/01/2016, constando desse documento, composto por uma página, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES” a cláusula de ajuste de sinistralidade referida. XL. Ora, a mera remessa de uma acta não é uma efectiva comunicação. Aliás, se a lei se bastasse com a simples entrega do texto do contrato ou alteração ao mesmo à parte contratante para que esta o analisasse, os referidos artigo 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85 ficariam vazios de sentido útil ao ditar que as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas e explicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las, uma vez que em todos os contratos ou alterações o respectivo texto é sempre entregue. XLI. Os nossos Tribunais têm admitido que “não basta dar à outra parte um exemplar do contrato, mesmo que esta o assine” (Ac. do TRCoimbra de 26.06.2018, proc. n.º 46369/17.9YIPRT.C1, in www.dgsi.pt) e que “em contrato de crédito ao consumo que é simultaneamente um contrato de adesão, a cláusula onde conste que a adquirente recebeu cópia do contrato, não faz prova plena da efectiva entrega do mesmo ao consumidor” (Ac. do TRCoimbra de 10.09.2013, proc. n.º 968/09.1TBCBR-A.C1, in www.dgsi.pt). XLII. No mesmo sentido, o Ac. do TRCoimbra de 26.06.2018, proc. n.º 46369/17.9YIPRT.C1, in www.dgsi.pt, dita que “não basta a simples disposição, por parte do aderente (consumidor), do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, para que tal dever se considere como correcta e legalmente cumprido. Não basta dar à outra parte um exemplar do contrato, mesmo que esta o assine. Quem as utiliza, deve, além de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poder ter por cumprido tal dever, cabendo, o ónus da prova de que assim aconteceu ao proponente”. XLIII. O que o legislador exige não é apenas a entrega do texto do contrato ou sua alteração, mas, antes, que fique claro para a parte contratante quais as obrigações que assumiu com a celebração daquele contrato ou quais as alterações que o mesmo irá sofrer e as consequências que isso acarreta para a execução do mesmo. XLIV. Por seu turno, compete a quem apresenta o contrato ou a alteração contratual explicar e fazer ciente à parte as obrigações que assumiu e o que modifica (e em que termos) no vínculo contratual com aquela alteração, o que, de todo em todo, claramente não ocorreu. XLV. Nem é pelo facto de o legal representante da Recorrente ser empresário de profissão que podemos presumir que ele estará familiarizado com os termos utilizados e com o tipo de contrato de seguro em causa. Tanto mais quando nem se pode considerar que houve uma efectiva comunicação. XLVI. Também não se pode retirar semelhante presunção ou suposição do facto de o contrato ter vigorado por mais de dez anos e da não reclamação de qualquer esclarecimento à Recorrida por parte da Recorrente, porque, efectivamente, aquela concreta cláusula só veio a ser imposta pela Recorrida naquele específico momento temporal e nunca antes. XLVII. Por outro lado, essa conclusão também não poderá ser extraída da circunstância de a Recorrente, nas comunicações trocadas com a Recorrida no ano de 2017 com vista à renegociação da cláusula, compreender o seu conteúdo e alcance. Aí já o mal estava consumado... E a Recorrente bem teve que se inteirar do teor e do alcance da cláusula, pois a mesma foi uma cláusula-surpresa que lhe foi imposta unilateralmente pela Recorrida, sem que fosse alvo de efectiva comunicação, adequado esclarecimento ou suficiente informação. XLVIII. Face ao exposto, cabia à Recorrida o ónus da prova de que o dever de comunicação e informação da alteração contratual fora cumprido, tal como prescrito no n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, o que não logrou cumprir. XLIX. Citando o Acórdão proferido por este venerando Tribunal da Relação relativamente ao caso sub judice, “cabia à Recorrida actuar de uma forma menos burocrática e massificada e transmitir a cláusula de ajustamento acompanhada de uma mise en garde quanto ao aumento dos encargos futuros previsíveis/prováveis em conformidade com o histórico da sinistralidade”. L. Mesmo que se suponha, como mera hipótese académica sem qualquer verosimilhança com a realidade dos factos, que a Recorrente teve imediato conhecimento do significado e do alcance prático da cláusula de ajustamento do prémio, tal nunca adviria do comportamento da própria Recorrida, obrigada aos deveres de comunicação e de informação, mas sim do esforço pessoal da Recorrente para compreender as arcanas e inauditas cláusulas que lhe estavam a ser impostas. LI. Como se depreende do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, essa circunstância é irrelevante, pois o critério é o cumprimento dos requisitos exigidos pelos artigos 5.º e 6.º, mesmo se (i) o aderente se demita do dever de diligência que lhe incumbe e (ii) o aderente seja excessivamente diligente, procurando aclarar todas as potenciais dúvidas acerca das cláusulas apresentadas. LII. Nesta senda, sondando a prova produzida nos autos, a Recorrida não logrou provar, conforme lhe incumbia, quaisquer acções e diligências destinadas ao cumprimento dos deveres de comunicação e de informação. LIII. Conforme é pacificamente entendido na jurisprudência e na doutrina, a remessa pela Ré à Autora da “Acta” respeitante às condições particulares do Seguro para o ano de 2016 não é suficiente para a observância dos deveres de comunicação e de informação. LIV. E não se venha invocar o princípio da autorresponsabilidade da Autora, enquanto aderente, para colmatar o incumprimento dos deveres de comunicação e informação pela Ré, enquanto predisponente. LV. É certo que se tem admitido que o dever de comunicação e de informação são obrigações de meios, não de resultado (vide, neste sentido, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA/ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 25), e que, por conseguinte, o aderente que, não obstante tal possibilidade lhe ter sido conferida pelo predisponente, não se quer informar, não poderá, num momento ulterior, vir arguir o desconhecimento de uma cláusula contratual, prevalecendo-se da sua própria incúria, sob pena até de um comportamento abusivo (art. 334.º do Código Civil). LVI. No entanto, o princípio da autorresponsabilidade visa colmatar potenciais situações de abuso por parte do aderente, aproveitando-se do regime legal do Decreto-Lei n.º 446/85 para fins ilegítimos, o que não é manifestamente o caso nos presentes autos. LVII. O predisponente não se pode prevalecer do princípio da autorresponsabilidade do aderente quando ele mesmo se demitiu do cumprimento dos deveres previstos nos arts. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, conforme decidido pelo douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2016. LVIII. No presente caso, o princípio da autorresponsabilidade da Autora, enquanto aderente, é inaplicável porquanto pressupõe o diligente cumprimento por parte da Ré, enquanto predisponente, dos deveres de comunicação e de informação, o que não logrou provar. LIX. Face a todo o exposto, não tendo sido negociada, não tendo sido devidamente comunicada e muito menos explicada pela Recorrida, a referida cláusula de ajustamento do prémio deve ser considerada expurgada do contrato, nos termos do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e, consequentemente, deve ser declarada a inexistência de qualquer dívida da Recorrente face à Recorrida quanto ao putativo prémio adicional por ajustamento da taxa de sinistralidade. LX. Sem prescindir e sem prejuízo do antedito, a aplicação da cláusula sempre seria ilícita, porquanto foi acordado entre as partes que a mesma não seria aplicada se se viesse a verificar uma diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017, condição que se veio a verificar. LXI. As partes, ao abrigo da autonomia privada e da liberdade contratual que lhes assiste, celebraram um acordo, segundo o qual, caso ocorresse a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017, dar-se-ia a remissão da obrigação de pagamento do acerto do prémio por parte da Recorrida; condição essa que efectivamente se veio a verificar e, consequentemente, aquele negócio jurídico veio a produzir os seus efeitos, nos termos do artigo 270.º do Código Civil. LXII. A remissão é uma causa extintiva da obrigação e quanto a ela vigora uma liberdade de forma, conforme os artigos 219.º e 863.º, n.º 1 do Código Civil. LXIII. No presente caso, a remissão foi acordada independentemente da eventual renegociação das apólices para o ano de 2018. A renovação das apólices para o ano de 2018 foi apenas a situação que, oportunamente, a Recorrida aproveitou para reabrir a questão da cobrança Cláusula de Ajustamento de Prémio, usando-a como arma de arremesso e forma de pressão nas negociações com a Recorrente. LXIV. Assim, ainda que se considere que não ocorreu a remissão da obrigação da Recorrente por parte da Recorrida, a conduta da Recorrida sempre consubstanciaria abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil. LXV. No caso em apreço, a Recorrida entrou em negociações com a Recorrente e com esta celebrou um acordo, segundo o qual, numa perspectiva de manter a relação comercial entre ambas, ocorreria uma remissão da obrigação de pagamento do acerto do prémio por parte da Recorrida, caso se verificasse uma diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017. LXVI. No ano seguinte, 2017, verificou-se esta diminuição significativa da taxa de sinistralidade, preenchendo-se a condição acordada pelas partes e o acordo produziu todos os seus efeitos. LXVII. A Recorrente julgou que o assunto estava tratado. A postura da Recorrida apontava igualmente nesse sentido, nada tendo dito ou exigido à Recorrente. Porém, mais de um ano depois, a Recorrida ressuscita este assunto como forma de pressão negocial para manter a relação contratual que mantinha com a Autora. LXVIII. Com as suas condutas contraditórias, violadoras do fim económico e social do direito e atentatórias da boa-fé e dos bons costumes, a Recorrida agiu em manifesto abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium – o que expressamente se argui para todos os efeitos legais –, pelo que a aplicação da cláusula de ajustamento do prémio levada a cabo deve ser considerada ilegítima, rectius, ilícita e, consequentemente, deve ser declarada a inexistência de qualquer dívida da Recorrente face à aqui Recorrida quanto ao putativo prémio adicional por ajustamento da taxa de sinistralidade. LXIX. Sem prescindir e sem prejuízo do antedito, mesmo que se considere que a cláusula de ajustamento do prémio foi devidamente comunicada e explicada à Recorrente, o que não se concede e só por mera hipótese de patrocínio se equaciona, sempre seria de aplicar o regime previsto nos artigos 16.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3 das Condições Gerais (cfr. Documento n.º 1 da Petição Inicial): “A alteração do prémio por aplicação das bonificações por ausência de sinistros ou dos agravamentos por sinistralidade, regulados pela tabela e disposições anexas, é aplicada no vencimento seguinte à data da constatação do facto.” (cfr. artigo 17.º, n.º 3 das Condições Gerais) “O não pagamento, até à data de vencimento, de um prémio adicional resultante de uma modificação contratual determina a ineficácia da alteração, subsistindo o contrato com o âmbito e nas condições que vigoravam antes da pretendida modificação, a menos que a subsistência do contrato se revele impossível, caso em que se considera resolvido na data do vencimento não pago.” (cfr. artigo 16.º, n.º 4 das Condições Gerais) LXX. Ora, não havendo dúvidas de que estamos perante um prémio adicional resultante de uma modificação contratual, da aplicação destas duas cláusulas resultam as seguintes conclusões: i.para a cláusula de ajustamento de prémio referente ao aumento de sinistralidade verificado em 2016 ser exigível, a Recorrida teria de ter emitido recibo quanto à referida cláusula, alegadamente em dívida, logo no vencimento seguinte à constatação do facto, ou seja, em 2017; e ii.o não pagamento do prémio adicional resultante da mencionada modificação contratual determina a ineficácia da alteração. LXXI. Como ficou amplamente provado nos autos, a Recorrida apenas veio a emitir o recibo referente ao prémio adicional resultante da aplicação da CAP em Fevereiro de 2018, conforme resulta inclusive da data aposta nos Documentos n.º 29 a 34 juntos com a Petição Inicial, ou seja, muito tempo após a altura em que o deveria ter feito, já não vigorando inclusive qualquer relação contratual entre as partes. LXXII. Assim, e não obstante o Tribunal a quo não estar sujeito às alegações das partes, porquanto se tratava de uma questão de qualificação jurídica – iura novit curia –, o que está em causa é um prazo de caducidade (e não de prescrição como parece entender o Tribunal a quo). LXXIII. Nos termos do art.º 298.º, n.º 2 do Código Civil, um prazo será considerado prescricional se a lei assim o qualificar; caso contrário, estamos perante um prazo de caducidade, como sucede in casu. LXXIV. E a caducidade, ao contrário da prescrição, é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 333.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que incumbia ao Tribunal a quo dela conhecer. LXXV. Com efeito, a Recorrida excedeu o prazo que tinha para exercer o seu direito, ficando assim extinto o seu exercício pelo decurso do tempo, e, por esta razão, o prazo para exigir quaisquer valores da Recorrente a título da cláusula de ajustamento de prémio relativamente ao aumento de sinistralidade verificado em 2016 caducou, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 17.º das Condições Gerais. LXXVI. Simultaneamente, tal importou a ineficácia da alteração contratual que introduziu a referida cláusula e respectivo prémio adicional, conforme o previsto pelo n.º 4 do art.º 16.º das Condições Gerais. LXXVII. Nestes termos, deve ser declarada a inexistência de qualquer dívida da Recorrente face à aqui Recorrida quanto ao putativo prémio adicional por ajustamento da taxa de sinistralidade. LXXVIII. Tudo compulsado, é notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 219.º, 236.º, 270.º, 334.º, 405.º, 762.º e 863.º do Código Civil e, ainda, os artigos 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Nestes termos, e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão “a quo”, com as demais consequências legais. Só assim se fará a SÃ E COSTUMEIRA JUSTIÇA!» * Contra-alegou a apelada, pugnando pela improcedência da apelação. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2] Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes: i.Impugnação da decisão da matéria de facto; ii.Se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar a ação improcedente, nomeadamente no que tange a: a) Incumprimento do dever de comunicação e informação; b) Licitude da aplicação da cláusula; c) Abuso de direito; d) Aplicação do regime previsto nos artigos 16º, nº 4, e 17º, nº 3, das Condições Gerais. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1. A Autora é uma Empresa de Trabalho Temporário, que se dedica ao recrutamento, selecção e colocação temporária de profissionais em sectores específicos de actividade, proporcionando o seu destacamento tanto a nível nacional como a nível internacional; 2. A Ré, Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A., é uma sociedade que tem por objecto “o exercício da indústria de seguros e resseguros em todo o território português e no estrangeiro, nas modalidades em que estiver autorizada, podendo ainda interessar-se, directa ou indirectamente, em quaisquer negócios ou operações que se relacionem com a exploração do ramo Vida”. 3. No âmbito do exercício da sua actividade, a Autora, em 3 de Janeiro de 2006, subscreveu as seguintes Apólices de Seguros de Acidentes de Trabalho por conta de outrem com a Ré, através de um mediador de seguros, a empresa TS & A – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO DE SEGUROS, LDA., concretamente através do Exmo. Sr. JAA: . Apólice nº 5017765 – Acidentes de Trabalho – Internos – Funcionários Fixos; · Apólice nº 8101156 – Acidentes de Trabalho – Construção Civil Nacional – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8101185 – Acidentes de trabalho – Estrangeiro – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163405 – Acidentes de Trabalho – Indústria Portugal – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163408 – Acidentes de Trabalho – Portugal Administrativos Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163526 – Acidentes de Trabalho – Motoristas Internacional –Trabalho Temporário. 4. As partes acordaram na contratação de um conjunto de Apólices de Seguro a prémio variável, o que, nos termos da alínea b) da cláusula 5.ª do contrato ocorre, “quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro”. 5. Ficou estipulado pelas partes, por um lado, o valor do prémio anual devido pela Autora, bem como o capital seguro por parte da Ré. 6. No decorrer do ano de 2016, verificou-se, sobretudo no último trimestre do ano, um aumento da taxa de sinistralidade nas seguintes Apólices de Seguro: · Apólice nº 5017765 – Acidentes de Trabalho – Internos – Funcionários Fixos; · Apólice nº 8101156 – Acidentes de Trabalho – Construção Civil Nacional –Trabalho Temporário; · Apólice nº 8101185 – Acidentes de trabalho – Estrangeiro – Trabalho Temporário; 7. No período de 2015 para 2016 a Ré remeteu à Autora, tal como fazia quase todos os meses, uma “Acta” à semelhança de todas as outras que a Autora recebia mensal ou trimestralmente, respeitante às condições particulares do Seguros para o ano de 2016. 8. Nessa Acta, numa rúbrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava uma “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”, nos seguintes termos: “Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos: Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.” 9. Nos Anexos da Apólice de Seguro estão previstos “Descontos por Baixa Sinistralidade” nos seguintes termos: “1- O desconto de Baixa Sinistralidade, pode ser aplicado aos contratos, cujo Capital Seguro na última anuidade seja igual ou superior a 1.400 vezes o salário mínimo nacional e a sinistralidade, dos últimos 3 (três) anos civis completos, não exceda os 45%. A primeira atribuição do desconto poderá, no entanto, ser efectuada com base na experiência de dois anos civis consecutivos completos. 2- Entende-se por sinistralidade, para efeitos desse desconto, o valor, em percentagem, resultante da divisão do total dos custos com sinistros no triénio, pelos prémios comerciais do triénio. Sinistralidade Até 5% Desconto 30% Mais de 5% até 10% 25% Mais de 10% até 20% 20% Mais de 20% até 30% 15% Mais de 30% até 40% 10% Mais de 40% até 45% 5% 10. O Ajuste de Prémio por aumento de sinistralidade abrangeu igualmente as seguintes apólices: · Apólice nº 8163405 relativa a Acidentes de Trabalho – Indústria – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163408 relativa a Acidentes de Trabalho – Portugal Administrativos – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163526 relativo a Acidentes de Trabalho – Motoristas Internacional – Trabalho Temporário; 11. Em 12 de Janeiro de 2017 a Autora remeteu uma comunicação ao mediador de seguros, Sr. JAA, por forma a que este último estabelecesse contacto com a Ré com o fito de (re)negociar a aplicação da Cláusula de Ajustamento de Prémio, (cfr. documento n.º 25 que se dá por integralmente reproduzido), declarando que a aplicação do acerto de sinistralidade no prémio, de modo a colocá-lo nos 65% seria catastrófico para o negócio da Autora. 12. Dessa comunicação resultou a realização de uma reunião entre, por um lado, o legal representante da Autora e, por outro, o Director Comercial e o Gerente da dependência da Agência da Lusitânia. 13. Na Cláusula 16º, nº 4 das Condições Gerais do Contrato consta o seguinte: “O não pagamento, até à data do vencimento, de um prémio adicional resultante de uma modificação contratual determina a ineficácia da alteração, subsistindo o contrato com o âmbito e nas condições que vigoravam antes da pretendida modificação, a menos que a subsistência do contrato se revele impossível, caso em que se considera resolvido na data do vencimento do prémio não pago.” 14. Na Cláusula 17.ª, n.º 3 das Condições Gerais do Contrato consta o seguinte: “A alteração do prémio por aplicação das bonificações por ausência de sinistros ou dos agravamentos por sinistralidade, regulados pela tabela e disposições anexas, é aplicada no vencimento seguinte à constatação do facto.”. 15. Em 30 de Novembro de 2017 a Autora remeteu uma comunicação à Ré dando conta da sua intenção de não renovação das Apólices de acidentes de trabalho, nomeadamente: · Apólice nº 5017765 – Acidentes de Trabalho – Internos – Funcionários Fixos; · Apólice nº 8101156 – Acidentes de Trabalho – Construção Civil Nacional – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8101185 – Acidentes de trabalho – Estrangeiro – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163405 – Acidentes de Trabalho – Indústria Portugal – Trabalho Temporário; · Apólice nº 8163408 – Acidentes de Trabalho – Portugal Administrativos – Trabalho Temporário; ·Apólice nº 8163526 – Acidentes de Trabalho – Motoristas Internacional – Trabalho Temporário; 16. Nessa mesma missiva mencionava que tal intenção se prendia com o facto de, em virtude de se ter registado diminuição significativa da sinistralidade, ter recebido propostas de uma congénere com melhores condições e mais competitivas do que as apresentadas pela Ré 17. e conforme fora transmitido ao mediador de seguros, o Sr. JAA, por respeito à relação contratual que durava há quase 12 anos, essa intenção poderia ser reponderada na medida em que houvesse uma reapreciação das taxas e condições propostas por parte da Ré, 18. atribuindo para o efeito um prazo de duas semanas para renegociações. 19. A Ré, mediante intermediação do Sr. JAA, apresentou propostas que incluíam a Cláusula de Ajustamento de Prémio (cfr. documento n.º 26 junto com a petição inicial), Cláusula essa que, em 2016, segundo consta do teor do documento n.º 26, ascendia ao valor de 42.948,00 Euros. 20. A 26 de Dezembro de 2017, o mediador de seguros, Exmo. Sr. JAA, remeteu uma última proposta à Autora, que incluía como condição contratual, o perdão da cláusula de ajustamento de prémio de 2016, caso a Autora aceitasse continuar com a Ré em 2018 (cfr. documento n.º 28 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido.). 21. Frustradas as negociações, a Ré emitiu em Fevereiro de 2018, avisos de pagamento quanto à Cláusula de Ajustamento de Prémio, no valor total de 46.169,54 Euros: . Apólice nº 5017765 – prémio no valor de 994,47 Euros. . Apólice nº 8101156 – prémio no valor de 21.494,86 Euros. . Apólice nº 8101185 – prémio no valor de 21.463,06 Euros. . Apólice nº 8163405 – prémio no valor de 1.583,34 Euros. . Apólice nº 8163408 – prémio no valor de 267,03 Euros. . Apólice nº 8163526 – prémio no valor de 366,78 Euros. 22. A Autora remeteu à Ré uma missiva datada de 1 de Junho de 2018, (cfr. documento n.º 36 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido) defendendo que tal cláusula não podia ser aplicada, regularizando, por conseguinte, a presente situação. 23. Em 26 de Março de 2019, a Ré remeteu nova missiva à Autora (cfr. documento n.º 37, que se dá, brevitatis causae, por integralmente reproduzido), nos termos da qual voltou a instar no pagamento da aplicação da Cláusula de Ajustamento de Prémio, no montante de 46.169,49 Euros. 24. Simultaneamente a Ré confessou-se devedora da aqui Autora, relativamente aos recibos de estorno relativos às Apólices n.º 8101156, 8163408 e 8163526, no montante total de 29.933,75 Euros. 25. A Ré, através do seu departamento comercial, manteve sempre contacto regular com a Autora e verificaram-se várias negociações ao longo da vigência das apólices em causa. 26. No caso em apreço, todos os contratos foram apresentados na forma escrita à Autora; 27. No que diz respeito às condições particulares, onde a cláusula de ajuste de sinistralidade vem prevista, estes contratos são escritos curtos e com poucas cláusulas. 28. A Autora foi informada verbalmente pelo mediador das condições propostas pela Ré para a renovação das apólices para 2016, nomeadamente, da proposta de introdução da CAP cujo conteúdo foi discutido e declarou perante este aceitar tal cláusula. 29. A Autora tinha conhecimento do que estava em causa. 30. Ao longo dos anos a Ré teve que assumir sinistros de valor elevado, destinando-se a introdução da cláusula de ajuste a conseguir que o prémio devido estivesse ajustado ao risco segurado 31. Por motivos comerciais e durante o período em que decorreram negociações a Ré suspendeu a cobrança dos valores correspondentes ao ajuste de prémio em função da sinistralidade verificada no ano de 2016, até as negociações estarem concluídas. 32. O valor dos estornos devidos à Autora resulta do ajuste de prémio variável em função das remunerações informadas pela Autora, que foram inferiores ao estimado. 33. Tendo sido emitidos os seguintes recibos de estorno: - recibo n.º 001115, emitido no âmbito da apólice n.º 8101156, referente ao período de 01.07.2017 a 31.12.2017, no valor de €29.602,03 – que se junta como documento n.º 14; - recibo n.º 001113, emitido no âmbito da apólice n.º 8163408, referente ao período de 01.01.2017 a 31.12.2017, no valor de €64,82 – que se junta como documento n.º 15; - recibo n.º 000668, emitido no âmbito da apólice n.º 8163526, referente ao período de 01.01.2017 a 31.12.2017, no valor de €266,90 – que se junta como documento n.º 16. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Impugnação da decisão da matéria de facto Sustenta a apelante que os factos provados sob 28 e 29 deverão ser revertidos para não provados. Invoca, para tanto, segmentos dos depoimentos das testemunhas JAA, RF, bem como das declarações prestadas pelo legal representante da autora. Os factos em causa são os seguintes: 28. A Autora foi informada verbalmente pelo mediador das condições propostas pela Ré para a renovação das apólices para 2016, nomeadamente, da proposta de introdução da CAP cujo conteúdo foi discutido e declarou perante este aceitar tal cláusula. 29. A Autora tinha conhecimento do que estava em causa. O Tribunal a quo fundamentou a decisão da matéria de facto nesse segmento nestes termos: «Sobre as condições particulares, a testemunha PR declara que para o ano de 2016 as condições de renovação que seriam o aumento da taxa e introdução da cláusula de ajustamento de prémio em função da sinistralidade foram apresentadas ao mediador que comunicou a aceitação do cliente, tendo sido enviadas as actas directamente para o cliente. Ouvido o mediador, a testemunha JAA, este confirma ter um contacto próximo com o legal representante da Autora e ser ele quem lhe transmitia as condições para a renovação dos contratos de seguro, em cada ano, nomeadamente, a taxa base que foi sendo alterada ao longo da vida da apólice, fazendo-o muitas vezes presencialmente, outras através do envio de e-mail. Sobre a renovação das apólices para o ano de 2016, refere a testemunha supra identificada que o cliente queria denunciar o contrato face ao aumento da taxa base proposta pela companhia. Refere ainda que o aumento da taxa base proposta foi motivado pelo aumento da sinistralidade que o cliente não conseguiu conter em níveis razoáveis e que importou para a companhia meio milhão de euros de prejuízo entre prémios pagos e indemnizações. Declara que com a introdução da CAP a Seguradora encontrou uma forma de não aumentar tanto a taxa base e o cliente aceitou tendo ficado entusiasmado pela possibilidade de baixar o prémio. Refere que comunicou ao cliente quer a proposta de introdução da CAP, quer o seu funcionamento, tendo declarado que a mesma poderia funcionar para cima e para baixo e que a mesma seria aplicada se a taxa de sinistralidade verificada fosse superior a 65%. Declara a testemunha que ficou com a convicção que o legal representante da Autora compreendeu o que estava em causa e que ficou devidamente esclarecido. Encontram-se nos autos as actas que foram enviadas ao segurado e onde foram inscritas as CAP Por essa razão foram considerados provados os factos 26 a 29.» Apreciando. Ouvidos os depoimentos de JV, RF, JAA, bem como as declarações de JAA (legal representante da autora/apelante), inferimos que o Tribunal a quo apreciou, corretamente, a prova neste circunspecto, sendo a análise e resumo dos depoimentos feita (e acima transcrita) fidedigna. Com efeito, o interlocutor da autora com a ré foi o mediador JAA, o qual mantinha uma relação próxima e de confiança com o legal representante da Autora, deslocando-se assiduamente às instalações da autora. Esta testemunha é que apresentou, verbalmente, as condições propostas pela Ré para a renovação de apólices para 2016, incluindo a introdução da CAP. Ficou com a convicção que o JA tinha entendido como funcionava a cláusula e aceitou a sua aplicação, razão pela qual a testemunha o comunicou à Ré, tendo esta enviado a ata adicional. Por sua vez, o legal representanta da autora confirmou que o mediador lhe comunicou a existência da cláusula CAP. Perguntado sobre se a cláusula lhe suscitou alguma dúvida, respondeu que o mediador lhe explicou como era e “obvimente que percebi” depois de ele (mediador) explicar. E tanto percebeu que, enquanto gestor da autora, pugnou subsequentemente pela redução da sinistralidade, contratando uma pessoa que ficou encarregue se supervisionar todas as questões que podiam dar azo a sinistros, tendo havido mesmo redução de sinistralidade em 2017 (JV, RF, PR). Subsequentemente, nas negociações havidas em finais de 2017, num contexto em que a cobrança da CAP foi suspensa (cf. facto provado 31), o legal representante da autora não evidenciou dúvidas sobre o âmbito e efeitos de tal cláusula, sendo a (não) cobrança da CAP um dos vectores que foi considerando no cômputo global das negociações. Assim sendo, nada há a alterar aos factos 28 e 29. Pretende, ainda, a apelante que o factos não provados nos. 11 e 12 sejam revertidos para provados. Os factos são os seguintes: «11. Na reunião referida em 14. Dos factos provados ficou acordado que, caso até meados de 2017 se verificasse uma baixa da sinistralidade, ficando abaixo dos 50%, a CAP referente a 2016 não seria aplicada. 12. No primeiro semestre de 2017, foi possível constatar uma baixa da sinistralidade em níveis inferiores a 30%, não tendo, consequentemente, sido emitida a CAP, em conformidade com o acordado pelas partes.» Em abono da sua posição, invoca a apelante as declarações do seu legal representante, o depoimento da testemunha RF e o teor do documento nº 28 da petição inicial. Com relevância para a fundamentação de tal factualidade como não provada, afirmou o tribunal a quo que: «O teor das comunicações trocadas entre as partes, conjugadas com o depoimento da testemunha PR e das declarações de JV, respectivamente, gerente do Balcão de Penafiel e director comercial da Ré que estiveram presentes na reunião em que foram debatidas as condições de renegociação dos contratos para 2017, foram determinantes para convencer o Tribunal da verificação do facto provado com o nº 31. Com efeito, declararam ambos que a CAP se manteve para 2017 e se os resultados fossem bons em 2017, seriam concedidos benefícios em 2018 que poderiam passar por calcular a CAP com base nos resultados do triénio 2016, 2017, 2018 mas que não houve acordo quanto ao perdão da CAP de 2016, pedido pelo Autor. Refere ainda JV que o que ocorreu foi que aceitaram suspender o processamento da CAP até final das negociações para tentar manter o cliente. (…) Ainda assim, não fica demonstrado ter existido uma efectiva negociação da CAP, cabendo à Autora apenas aceitar ou rejeitar, ficando, em caso de rejeição, sujeita a uma taxa base superior que apenas poderia igualmente aceitar ou rejeitar.» O resumo e análise feita pelo tribunal a quo estão corretos. Com efeito, apenas o legal representante da autora referiu que, na reunião ocorrida no início de 2017, o representante da ré teria dito que se, nesse ano de 2017 ocorresse uma baixa da sinistralidade, a ré não iria aplicar o agravamento da CAP. Todavia, o que os intervenientes na reunião disseram foi o que se encontra resumido pelo tribunal a quo, realidade diversa do acordo preciso invocado pela apelante. A testemunha JV afirmou que tiverem essas negociações (no sentido alegado pela apelante) mas que as mesmas tiveram muitos avanços e recuos. O documento nº 28 da petição, a que também a apelante se reporta, não estriba a pretensão da apelante, Trata-se de um correio eletrónico remetido pelo mediador ao legal representante da autora, em 26.12.2017, no âmbito das negociações então pendentes. Nele afirma o remente que «a proposta atual tem o “perdão” da CAP 2016», sendo que o que apelante alega é que houve um acordo nesse sentido(de perdão sujeito à redução da sinistralidade) mas no início de 2017 e não no fim, realidade a que se reporta tal correio eletrónico. Por outro lado, sendo o contrato de seguro um contrato sujeito a forma ad probationem (Artigos 32º, nº 2, da Lei do Contrato de Seguro e Artigo 364º, nº 2, do Código Civil), a alteração de um aspeto essencial de tal contrato como é o valor/agravamento do prémio de seguro não pode ser feita com recurso a prova testemuhal e por declarações do legal representante da autora (artigo 221º, nº 2, do Código Civil; cf. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 499). Termos em que improcede a impugnação da decisão de facto quanto aos factos não provados sob 11 e 12. Incumprimento do dever de comunicação e informação Sustenta a apelante que a cláusula de ajuste da sinistralidade, para além de não ter sido negociada, não foi devidamente comunicada à apelante e, muito menos, explicada, razão pela qual deverá ser excluída do contrato nos termos do Artigo 8º do Decreto-lei nº 446/85. O tribunal a quo analisou a questão nestes termos: «Voltando ao caso concreto, temos que o contrato de seguro foi objecto de alteração para o ano de 2016, tendo sido introduzida a referida cláusula de ajuste de sinistralidade. A alteração foi comunicada, primeiro verbalmente, através de contacto pessoal pelo mediador e posteriormente, através de remessa para a Autora da acta nº 21 emitida em 25 de Novembro de 2015 (junta com a petição inicial como documento nº 2), para entrar em vigor em 01/01/2016, constando expressamente desse documento, composto por uma página, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES” a cláusula de ajuste de sinistralidade referida. Além da comunicação, foi feita a sua explicação pelo mediador em termos de poder ser compreendida. Alertada pelo mediador da aplicação da cláusula em questão, após a sua comunicação por escrito, impunha-se à Autora, se alguma dúvida subsistia, a adopção de um comportamento activo e diligente, no sentido de dissipar as dúvidas existentes, não tendo aquela alegado ter solicitado qualquer esclarecimento suplementar que não lhe tenha sido prestado. Com efeito, a forma simples, objectiva e clara como está redigida a cláusula em questão, inserida em documento breve, de uma única página, de forma a poder ser apreendido com rapidez, por qualquer pessoa média, como devemos considerar o legal representante da Autora, empresário de profissão, familiarizado com os termos utilizados que ainda assim eram explicados na referida cláusula (v.g taxa de sinistralidade, custos de anuidade e prémios de anuidade com indicação dos respectivos componentes) devido à sua actividade específica e ao tipo de contrato de seguro em causa, em vigor há mais de dez anos, não reclamava da parte da Ré qualquer esclarecimento adicional, sendo certo que o funcionamento da cláusula foi discutido entre o mediador e o legal representante da Autora que compreendeu o que estava em causa. Por outro lado, das comunicações enviadas pela Autora à Ré no ano de 2017, com vista a renegociar a referida cláusula, verifica-se que aquela compreendia o seu conteúdo e alcance, devendo ter-se apercebido, usando de uma diligência normal, que a cláusula em questão introduzia a obrigação de pagamento de um prémio adicional para ajustamento da sinistralidade, se, durante o ano de 2016, esta aumentasse acima dos parâmetros ali referidos. Do exposto se conclui pela não verificação de incumprimento pela Ré dos deveres de comunicação e informação.» Apreciando. Nos termos do Artigo 5º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, 1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. No que tange à densificação do dever de comunicação, temos por pertinentes os seguintes contributos doutrinários. Assim, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, Almedina, 2013, pp. 63-65, salienta que: «(…) deve ter-se também em conta a extensão e a complexidade das cláusulas, sendo que, quanto mais complexo for o contrato, em termos de qualidade e de quantidade das cláusulas, mais se exige do predisponente no que respeita ao modo de comunicação, devendo, em geral, ser salientadas as cláusulas mais desfavoráveis para o aderente. (…) A ponderação relativa à extensão e à complexidade das cláusulas deve ser feita também tendo em conta a importância do contrato. (…) Se as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária e o destinatário nada fizer para as conhecer, como lhe cabe, nomeamente, mas não só, lendo o documento que lhe é apresentado, estas integram o contrato. O critério é o do conhecimento das cláusulas em concreto. A solução contrária levaria a que fosse sempre mais favorável ao destinatário nada fazer para conhecer as cláusulas, ignorando todos os elementos que lhe fossem transmitidos. (…) Atentas as circunstâncias, poderá ser suficiente, em sede de comunicação, mas talvez já não de esclarecimento, o envio da declaração contratual, sendo dado tempo à outra parte para analisar o seu conteúdo e para decidir acerca da celebração do contrato nos termos previamente definidos.» Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2013, p. 132, afirma que: «O conteúdo do dever de comunicação deve ser aferido em função do conteúdo específico das cláusulas contratuais gerais comunicadas, atendendo à respetiva extensão e complexidade, assim como à importância do contrato em que se insiram. Relevam, neste contexto, as circunstâncias em que o contrato é celebrado e, nomeadamente, o facto de o contrato se inserir no contexto de relações negociais habituais ou, diversamente, episódicas, assim como a natureza do aderente (consumidor final ou empresário ou entidade equiparada). Numa palavra, a apreciação do cumprimento do dever de comunicação não prescinde de uma análise casuística, ponderadas todas as circunstâncias concretamente relevantes na situação particular.» Irina de Fátima Henriques Lopes Pinto, Os Deveres de Comunicação e de Informação no Âmbito das Cláusulas Contratuais Gerais, UAL, 2020, p. 156: «(…) a diligência comum é um conceito em aberto que deverá ser preenchido em função das características de cada sujeito em concreto. Consequentemente, o decisor terá de averiguar a preparação cultural do aderente, o seu nível de escolaridade, a sua área de formação, a sua idade, se é um mero consumidor ou se, por outro lado, é um empresário ou uma entidade equiparada e até mesmo a existência de anteriores relações negociais entre as partes envolvidas. Para além destas características específicas inerentes àquele aderente em particular, terá de ser tido em conta o próprio objeto do contrato, a sua importância, a complexidade e extensão das cláusulas, entre outros fatores.» «O legislador impõe, portanto, ao aderente a adoção de uma conduta razoável, aferida segundo um critério abstrato, que é o da diligência comum. Ora, isto remete-nos para a verificação do zelo normal do tipo médio de pessoa colocado em determinada situação concreta. E teremos, assim, de verificar se o comportamento daquele aderente em concreto corresponde ao padrão de diligência comum que lhe é exigido. Referimo-nos em particular, ao facto de a diligência exigível ao aderente ser a do bonus pater familiae. Portanto, a diligência do aderente é aferida através do comportamento em abstrato, do cidadão normal, segundo os padrões da sociedade onde está inserido» (p. 157). «(…) a qualidade do aderente tem influência direta na avaliação do modo de cumprimento do dever de comunicação por parte do utilizador das CCG, no que toca à necessária articulação com o critério da diligência comum exigível ao seu aderente» (p. 161). Não basta a mera comunicação, sendo ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efetivo do clausulado e que se realize de forma adequada e com certa antecedência, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2020, Clara Sottomayor, 8963/16. Por sua vez, o Artigo 6º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais dispõe que: 1- O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2- Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados. No intuito de densificar este preceito, temos por pertinentes os seguintes ensinamentos. Irina de Fátima Henriques Lopes Pinto, Os Deveres de Comunicação e de Informação no Âmbito das Cláusulas Contratuais Gerais, UAL, 2020, p. 251: «(…) o dever especial de esclarecimento só é cumprido se, por um lado, o segurador responder a todos os pedidos de esclarecimento efetuados pelo tomador do seguro e se, por outro, o chamar a atenção para determinados aspetos cujo desconhecimento lhe poderá ser bastante prejudicial. Note-se que, nesta norma, o legislador determina o esclarecimento de todos os pedidos solicitados pelo tomador do seguro e não apenas aqueles que sejam tidos como razoáveis, tal como consagra o n.º 2 do art.º 6.º da LCCG, respeitante ao dever de informação. Dado que o que se visa é a proteção da parte mais débil da relação contratual, neste caso, o tomador do seguro, parece-nos que o mais sensato é permitir que se esclareçam todas as suas dúvidas, ainda que, à partida, possam não parecer razoáveis. Neste aspeto, este regime é mais favorável ao aderente, pelo que deverá ser aplicado.» Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, Almedina, 2013, pp. 68-69: « (…) a lei impõe o esclarecimento de todas as clásulas que possam não ser claras (art 6º-1), devendo a análise da necessidade de explicação ser feita “de acordo com as circunstâncias.” Portanto, a análise não é objetiva, tendo em conta um destinatário normal, relevando a natureza e a condição da pessoa do outro contraente, incluindo o nível cultural por este revelado durante a negociação. Assim, se o predisponente souber que a outra parte é analfabeta, a necessidade de esclarecimento das cláusulas aumenta de forma significativa. As circunstâncias incluem, igualmente, em primeiro lugar, o grau de complexidade do contrato e das cláusulas, exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas, e, em segundo lugar, a relevância de determinas cláusulas no equilíbrio do contrato, devendo o aderente ser especialmente esclarecido (“de forma clara e categórica”) em relação a esta. (…) A prestação dos esclarecimentos solicitados pela contraparte não exonera o predisponente do dever de prestar esclarecimentos no que respeita às cláusulas menos claras, mesmo que tal não lhe seja solicitado.» José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, DL nº 446/85 – Anotado, Wolters Kluwer, 2010, pp. 93-94: « (…) o dever de informação recairá sobre os aspetos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta necessariamente a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, as pessoas a quem elas são dirigidas e todas as outras circunstâncias que podem condicionar a sua compreensão pelo aderente. O próprio artigo 6º, nº 1, condiciona o juízo sobre a necessidade e os termos da aclaração que compreende aquele dever de informação – “de acordo com as circunstâncias”. É com essa mesma visão que Pinto Monteiro refere, Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais, EDC, nº 3, p. 140, que “o conteúdo deste dever de informação, bem como os termos em que deve ser feita a comunicação prévia das cláusulas contratuais gerais, dependem das circunstâncias, sendo de considerar, designadamente, o facto de existirem já anteriores relações contratuais ou de o aderente ser uma empresa ou um simples consumidor final”.» Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pp. 252-253 e 255: «A obrigação de comunicação é muitas vezes insuficiente para assegurar que o acordo do aderente foi livre e esclarecido. Não raro o mero teor literal das cláusulas não permite apreender o seu sentido por uma pessoa de diligência média. Há cláusulas que, pela sua complexidade e pelo seu significado jurídicos, a generalidade das pessoas – mesmo com alguma preparação jurídica – não compreende ou não compreende completamente. Há outras que, por terem que ver com a complexidade tecnológica do bem que é objeto do contrato, uma pessoa de preparação e diligência médias não percebe, mesmo conhecendo o seu teor literal. E há ainda cláusulas cujo significado é diverso do aparente, já que carecem de uma interpretação combinada com outras – que podem estar até sistematicamente distantes no texto do clausulado –, não se apercebendo o aderente do seu sentido, salvo se lhe for explicada a articulação que tem de ser feita entre elas. Muitas vezes, estas cláusulas constituirão cláusulas-surpresa, pelo que estarão no âmbito da alínea c) do artigo 8º, mas, em qualquer caso, se o aderente não tiver sido informado da existência de várias disposições sobre a mesma matéria, cujo sentido conjugado resulte ser diverso daquele que uma das cláusulas indiciava, terá de se entender que o dever de informação imposto pelo nº 1 deste artigo foi incumprido. Há, finalmente, cláusulas que, por respeitarem a questões de especial importância, justificam uma informação, também ela, especialmente cuidada e completa. (…) Deste artigo 6º não decorre que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação de explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas e o seu significado (porventura complexo); no entanto, quando se trate de cláusulas que, dadas as circunstâncias – isto é, em razão da dificuldade objetiva da compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las – justifiquem uma aclaração, um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente do pedido do aderente, tem de prestar essa informação circunstanciada.» As exigências especiais da promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efetivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.9.2016, Alexandre Reis, 1262/14). Feito este excurso geral, regressemos ao caso em apreço. Com relevância para a apreciação da questão, está provado que: 25. A Ré, através do seu departamento comercial, manteve sempre contacto regular com a Autora e verificaram-se várias negociações ao longo da vigência das apólices em causa. 26. No caso em apreço, todos os contratos foram apresentados na forma escrita à Autora; 27. No que diz respeito às condições particulares, onde a cláusula de ajuste de sinistralidade vem prevista, estes contratos são escritos curtos e com poucas cláusulas. 28. A Autora foi informada verbalmente pelo mediador das condições propostas pela Ré para a renovação das apólices para 2016, nomeadamente, da proposta de introdução da CAP cujo conteúdo foi discutido e declarou perante este aceitar tal cláusula. 29. A Autora tinha conhecimento do que estava em causa. 30. Ao longo dos anos a Ré teve que assumir sinistros de valor elevado, destinando-se a introdução da cláusula de ajuste a conseguir que o prémio devido estivesse ajustado ao risco segurado 7. No período de 2015 para 2016 a Ré remeteu à Autora, tal como fazia quase todos os meses, uma “Acta” à semelhança de todas as outras que a Autora recebia mensal ou trimestralmente, respeitante às condições particulares do Seguros para o ano de 2016. 8. Nessa Acta, numa rúbrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava uma “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”, nos seguintes termos: “Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos: Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.” A ata a que se refere o facto 7 foi emitida em 25.11.2015, reportando-se a data da alteração a 1.1.2016 (cf. documento de fls. 33). Resulta desta factualidade que a cláusula contratual em causa (uma só) foi comunicada à autora, quer por escrito quer verbalmente, com suficiente antecedência face à data em que a alteração deveria vigorar. A autora aceitou tal cláusula e tinha conhecimento do que estava em causa. Note-se que o legal representante da autora, gestor de empresas, já acompanhava a execução dos vários contratos de seguro desde 2006 (há dez anos), tendo – por isso – perfeita noção do modo como era calculado normalmente o prémio das apólices bem como da evolução da sinistralidade. A cláusula em questão não importava inovação face aos procedimentos de pretérito, salvo permitir a emissão de um recibo adicional de prémio, com o limite máximo de 25% do prédio comercial anual. Ou seja, o impacto da cláusula na esfera da autora traduzia-se mais na (previsível) existência de um encargo adicional (acréscimo de prémio de 42.948 Euros – cf. facto 19)) do que propriamente num procedimento tecnicamente inovador. O legal representante da autora é uma pessoa com um nível cultural e conhecimento económico-financeiro acima da média, de tal modo que assumiu por si (sem auxílio de terceiros, nomeadamente advogado, economista ou contabilista) diretamente as reuniões negociais ocorridas, no início e no fim de 2017, com a ré, consoante resultou do depoimento do próprio bem como das testemunhas, nomeadamente JV. Consoante se viu acima, o próprio afirmou que obvimente que percebeu o sentido da cláusula, quando a mesma lhe foi explicada pelo mediador. Não ficou demonstrado que, nas reuniões ocorridas no início e no final de 2017, o legal representante da autora tenha aproveitado o ensejo para expressar dúvidas e questões quanto ao funcionamento da cláusula, ou se tenha queixado do incumprimento de qualquer dever de comunicação e/ou de informação (indício responsio; cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, p. 243). A primeira notícia nesse sentido surge apenas – já em fase pré-litigiosa - na carta remetida pelos mandatários da autora em 1.6.2018 (cf. fls. 60 v). Caso essas dúvidas ou inquietações ocorressem, o legal representante da autora teria aproveitado tais ensejos para as exprimir (indício evocatio; cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, pp. 258-259). Resulta do exposto que, no circunstancialismo do caso, ocorreu uma comunicação e informação suficientes da cláusula em causa, aferidas em função: da complexidade da cláusula; de se tratar de cláusula única; da anterioridade face à sua previsível vigência; de de tratar de um empresário, conhecedor, experiente e autónomo, estando ciente do impacto económica da cláusula na vida da autora, conforme resulta do correio eletrónico que remeteu ao mediador em 12.1.2017 ( fls. 48) bem como da alteração da gestão da autora que fez no intuito de reduzir a sinistralidade (cf. facto 16). Termos em que improcede a apelação no segmento em que sustenta o incumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte da Ré. Licitude da aplicação da cláusula Argumenta a apelante que a aplicação da cláusula sempre seria ilícita porquanto foi acordado que a mesma não seria aplicada se se viesse a verificar uma diminuição significativa da taxa de sinistralidade em 2017. Esta argumentação radica na pretendida reversão dos factos não provados sob 11 e 12 para factos provados, o que improcedeu (cf. supra), razão suficiente da improcedência desta questão. Abuso de direito Sustenta a apelante que a ré incorre em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium na medida em que entrou em negociações com a autora, acordando uma remissão da cláusula se ocorresse diminuição significativa da taxa de sinistralidade em 2017, o que ocorreu, e, volvido mais de um ano, a ré ressuscita este assunto como forma de pressão negocial para manter a relação contratual que mantinha com a autora. No que tange ao abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium, como é bom de ver, a arguição desta exceção perentória pela apelante assenta em factualidade que não se mostra provada e adquirida nos autos (o acordo de remissão), razão necessária e suficiente da improcedência da arguição desta exceção perentória. Acresce que não estão preenchidos os pressupostos constitutivos da figura do abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium, a saber: a) uma situação objetiva de confiança radicada numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura. "O ponto de partida é, pois, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira. Pode tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico." - BAPTISTA MACHADO, "Tutela da confiança e "venire contra factum proprium" in João Baptista Machado, Obra Dispersa, 1991, p. 416. A imputação concreta do facto ou situação geradora da confiança assente no princípio ético-jurídico da responsabilidade da pessoa pelos seus atos enquanto a pessoa se integra numa comunidade em que lhe é reconhecida a credibilidade própria de uma pessoa de juízo; b) Investimento de confiança e irreversibilidade desse investimento. Ou seja, a necessidade da tutela jurídica apenas surge quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada, sendo "(...) preciso que esse "investimento" haja sido feito apenas com base na dita confiança" - B. Machado, Ibidem, p. 416. A irreversibilidade significa que o dano que provocaria a conduta violadora da fides não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória (v.g. direito de indemnização, enriquecimento sem causa, gestão de negócios). c) Boa fé da contraparte que confiou. Deste modo, nos casos "(...) em que a intenção patente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real (tais as hipóteses de dissenso oculto e de procuração aparente), a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá proteção jurídica quando esta esteja de boa-fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico." - Idem ibidem, p. 418. Assim, não se encontra- desde logo – provada qualquer factualidade no sentido de que a apelante tenha adotado disposições patrimoniais ou outras (investimento de confiança) com base em atitude da ré/apelada e que tais disposições tenham sido frustradas por uma inversão de conduta da autora. Aplicação do regime previsto nos artigos 16º, nº 4, e 17º, nº 3, das Condições Gerais. Entende a apelante que, em decorrência do dispostos nos artigos 16º, nº 4, e 17º, nº 3, das Condições Gerais da Apólice, a ré excedeu o prazo que tinha para exercer o direito de reclamar o pagamento do prémio de ajuste de sinistralidade, ocorrendo assim caducidade de conhecimento oficioso. Ao mesmo tempo, ocorre ineficácia da alteração contratual em virtude do disposto no Artigo 16º, nº 4, das Condições Gerais do contrato. O Tribunal a quo pronunciou-se nestes termos: «Contudo, dos termos contratuais verifica-se que as cláusulas referidas não se adequam à situação em apreço. Com efeito, na Cláusula 16º, nº 4 das Condições Gerais do Contrato consta o seguinte: “O não pagamento, até à data do vencimento, de um prémio adicional resultante de uma modificação contratual determina a ineficácia da alteração, subsistindo o contrato com o âmbito e nas condições que vigoravam antes da pretendida modificação, a menos que a subsistência do contrato se revele impossível, caso em que se considera resolvido na data do vencimento do prémio não pago.” Ora, no caso dos autos, o contrato cessou a sua vigência em 31/12/2017 e o prémio adicional diz respeito ao período de vigência anterior, ou seja, de 01/01/2016 a 31/12/2016, só tendo sido exigido o seu pagamento em Fevereiro de 2018. No que respeita à Cláusula 17.ª, nº 3 das Condições Gerais do Contrato com a seguinte redacção: “A alteração do prémio por aplicação das bonificações por ausência de sinistros ou dos agravamentos por sinistralidade, regulados pela tabela e disposições anexas, é aplicada no vencimento seguinte à constatação do facto.”, também ela não se coaduna com a situação dos autos. É verdade que o prémio adicional não foi cobrado no início do ano seguinte, como estava previsto mas, tal situação só ocorreu em virtude da sua suspensão por acordo entre as partes que entraram em negociações sobre as condições de aplicação da CAP. Ora, goradas as negociações, a cobrança pode ser feita em momento posterior, desde que as condições para que possa ser exigido o prémio adicional se tenham verificado, o que não está aqui em causa, com o limite da prescrição do direito respectivo, que teria ainda que ser invocada por quem dela se quisesse aproveitar.» Apreciando. Em primeiro lugar, ao contrário do que sustenta a apelante, não estamos perante caducidade e, muito menos, que seja de conhecimento oficioso. A caducidade só é de conhecimento oficioso «se for estabelecida em matéria escluída da disponibilidade das partes» (artigo 333º, nº 1, do Código Civil), v.g., caducidade do direito de pedir o reconhecimento da paternidade, caducidade do direito previsto no artigo 225º do Código de Processo Penal (cf. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, p. 184), não sendo esse o caso. Assim, o pagamento do prémio emergente do ajuste de sinistralidade está sujeito ao prazo de prescrição de dois anos a contar da data do seu vencimento (artigo 121º da Lei do contrato de Seguro), carecendo a prescrição de ser invocada pela autora (artigo 303º do Código Civil), o que não foi efetuado pela autora em primeira instância, vindo agora suscitar a questão nova da caducidade (que nem de prescrição), não admissível em sede de recurso (cf. Supra). Na lógica defendida pela apelante estribada na redação do artigo 17º, nº 3, o prémio adicional deveria ter sido emitido em 2017, sendo que a ré emitiu os correspondentes avisos de pagamento em fevereiro de 2018 (factos 21 e 22), ou seja, menos de dois anos a contar do início de 2017. E fê-lo só nessa altura porque, durante as negociações, por motivos comerciais, a ré suspendeu a cobrança dos valores correspondentes ao ajuste de prémio (cf. Facto 31). Também não colhe a invocação do regime do artigo 16º, nº 4, das Condições Gerais porquanto o mesmo tem como pressuposto a vigência do contrato do seguro, o que não acontecia em fevereiro de 2018, quando a ré emitiu e remeteu os avisos de pagamento quanto à cláusula de ajustamento do prémio. Na verdade, a autor havia findado os contratos de seguro através da comunicação remetida á ré, em 30.11.2017 (facto 15), de molde que os contratos já se encontravam extintos em fevereiro de 2018. Deste modo, não ocorreu a ineficácia da alteração contratual ao abrigo do nº 4 do artigo 16º das Condições Gerais. Termos em que improcede a apelação. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº 1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes). DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil). Lisboa, 28.2.2023 Luís Filipe Sousa José Capacete Carlos Oliveira _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140. Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12). |