Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1445/20.5YRLSB-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
APLICAÇÃO DO REGIME TRIBUTÁRIO DOS RECURSOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. A estruturação simples da acção de anulação de decisão de tribunal arbitral e a remissão legal operada para a tramitação do recurso de apelação, com as consequências de se proceder apenas à reapreciação de decisão prévia, da limitação à produção de prova e da inexistência de uma fase intermédia de saneamento autónomo e vinculativo, aproximam o custo do serviço de Justiça prestado ao regime tributário dos recursos e afastam esse mesmo custo do regime geral tributário das acções declarativas comuns.
II. Justificando-se uma interpretação conforme à Constituição no sentido da sujeição, em ambas as instâncias, daquele regime tributário dos recursos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
A apresentou acção de anulação de acórdão arbitral, contra B - Futebol, SAD, peticionando a anulação dos acórdãos arbitrais proferidos pelo Tribunal Arbitral do Desporto ("TAD") em 18 de Março de 2020 e 6 de Julho de 2020.
Requerendo a anulação das duas decisões com fundamento em falta de fundamentação, conhecimento de questões de que o Tribunal Arbitral não podia tomar conhecimento, ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português e violação da independência e imparcialidade dos árbitros.
Citada, a requerida deduziu oposição, propugnando pela improcedência da presente acção.
O requerente respondeu, propugnando pela improcedência das excepções que entendeu deduzidas na oposição.
Com data de 20/1/2022, foi proferida decisão final, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 18 de Março de 2020 e 6 de Julho de 2020.
Custas pelo requerente.
*
Inconformada, a progenitora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, mediante Acórdão proferido em 30/5/2023, decidiu:
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
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O referido Acórdão foi notificado aos Ilustres Mandatários das partes em 31/5/2023 e transitou em julgado em 15/6/2023.
Em 8/9/2023, foi elaborada a conta com o nº 961200000672023, mediante a qual foi considerado que o autor deveria pagar o valor de €598.230,00 (em resultado do desconto da quantia de €2.448,00, a título de taxas já pagas, ao valor de €600.678,00, correspondente à taxa de justiça devida).
Essa conta, acompanhada da guia respectiva, foi notificada ao Ilustre Mandatário do autor e ao próprio autor, em 8/9/2023, o primeiro mediante notificação electrónica e o segundo via postal.
Em 21/9/2023, veio o Ilustre Mandatário do autor apresentar reclamação contra a conta, peticionando:
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve:
a) a presente reclamação da conta de custas ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, requer-se a V. Exa. se digne ordenar a rectificação da conta de custas n.º 9612000006722023, determinando que o valor devido pelo Requerente A passe a ser de 199.410,00€ (cento e noventa e nove mil, quatrocentos e dez euros);
b) Subsidiariamente e caso assim não se entenda, deve a conta ser rectificada determinando que o valor devido pelo Requerente A passe a ser de 398.004,00€ (trezentos e noventa e oito mil e quatro euros).
c) Caso não seja deferido o pedido a) (a titulo subsidiário) e sendo ou não deferido o pedido b) (a título cumulativo), deve haver lugar a redução significativa do valor a pagar a título de remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, para o valor mínimo que seja considerado adequado pelo Tribunal, mas num valor máximo não superior a um terço do valor da contas de custas em causa.
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A Sra. Contadora prestou a seguinte informação:
Face à reclamação apresentada pelo Recorrente/reclamante, A, informo o seguinte:
1º - Uma vez que não foi pedida a dispensa do pagamento do remanescente e não houve despacho a dispensar o referido pagamento, a signatária elaborou a conta tendo em consideração o disposto no nº 7 do art.º 6º conjugado com o nº 9 do art.º 14º, ambos do Regulamento das Custas Processuais.
2º - Ao elaborar a conta, pareceu-nos não se aplicar o disposto no art.º 14ºA uma vez que houve oposição, al. c) do referido artigo e também não ser aplicável a al. d) do mesmo artigo.
3º - No recurso para o STJ, aplicou-se a Tabela I B conforme o disposto no nº 2 do art.º 6º do RCP.
Mais se informa o seguinte: - Verifica-se agora que nos itens "Outro" da conta em crise, no primeiro a taxa devida é no valor de 198.594,00€, valor este que está em dívida (16.500.000,00€ 275.000,00€ = 16.225.000,00€ : 25.000 = 649 fracções x 3 =1947 UCSx102,00 =198.594,00€). No segundo e último a taxa devida é de 99.297,00€, valor este que está em dívida (16.500.000,00€ - 275.000,00€ = 16.225.000,00€ : 25.000 = 649 fracções x 1,5 = 973,50 UCS x 102,00 = 99.297,00€), e não os valores constantes da referida conta, uma vez que por lapso não se teve em consideração só o valor do remanescente.
Face aos motivos expostos, parece-nos ter de ser a conta retificada apenas nos campos designados por "Outro", conforme acima descrito.
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O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
A interposição dos Recursos quer para o Tribunal da Relação quer para o STJ pelas razões enunciadas afastam a aplicação automática dos artigos 6º, nº 8 e 14º- A, al. d) do RCP.
Consequentemente, não estava a parte desobrigada a requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça.
A dispensar-se tabelarmente o pagamento da totalidade do remanescente das custas, nenhuma quantia seria de pagar a final, apesar do elevadíssimo valor da acção, que se cifra em €16.500.000,00 e da enorme complexidade das questões suscitadas e apreciadas, em sede deste Tribunal e em sede do STJ. Basta atentar no número de páginas de cada peça processual para se concluir que a simplicidade e celeridade inerentes à aplicação dos artigos 6º, nº 8 e 14º- A, al. d) do RCP não se verificam.
De resto, a complexidade da acção mostrava-se evidente ab initio. A conta foi elaborada, a coberto dos artigos 6º, nº 7 e 14º, nº 9 do RCP, tomando como referência o valor da causa, e no recurso para o STJ foi aplicada a tabela I-B anexa ao RCP.
Neste conspecto, é nosso parecer que a reclamação não deve proceder, a não ser no que tange à rectificação dos valores constantes da conta em apreciação e nos termos consignados pela Sra. Contadora na informação com a referência 20580539.
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II. Objecto e delimitação da reclamação
Cumpre apreciar:
Aplicabilidade aos autos do disposto nos art.ºs 6º, nº 8 e 14-A, alínea d) do Regulamento das Custas Processuais;
Aplicabilidade aos autos do regime tributário de recurso, em ambas as instâncias;
Tempestividade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e, em caso positivo, respectivos pressupostos.
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III. Os factos
Encontra-se provada a factualidade supra aduzida.
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IV. O Direito
Em causa e enquanto fundamento alegado pelo autor, ora reclamante, estão em causa os seguintes preceitos do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/2:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
8 - Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente.
(…).

Artigo 14.º-A
Não pagamento da segunda prestação
Não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nos seguintes casos:
(…)
d) Acções que terminem antes da designação da data da audiência final;
(…).
*
Podemos sintetizar a argumentação do reclamante, em primeiro lugar, nos seguintes pontos:
75. Uma vez que, independentemente da correlação processual existente, as diferentes espécies processuais devem ser consideradas autonomamente para efeitos de sujeição a custas,
76. E atendendo a que o processo (rectius, a acção em 1.ª instância judicial) terminou efectivamente antes de concluída a fase de instrução,
77. A única conclusão que se impõe é a de que em relação ao processo em 1.ª instância judicial, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 8 do RCP.
78. Ainda que assim não se entenda — no que não se concede minimamente —, sempre seria aplicável o disposto no artigo 14.º-A, al. d) do RCP, onde se estabelece que “Não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, nos seguintes casos: d) Acções que terminem antes da designação da data da audiência final;" — negrito acrescentado.
79. No caso em apreço e como acima já se salientou, não houve audiência final, nem houve lugar a designação de data para a mesma; apenas houve petição inicial, oposição e sentença.
80. Não tendo existido designação de data para audiência final, não há lugar ao pagamento da 2.a prestação da taxa de justiça, e, consequentemente, não há também lugar a qualquer pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*
Da aplicação do art.º 6º, nº8 do Regulamento das Custas Processuais
Ora, no que à tramitação da acção de anulação de decisão arbitral diz respeito, estabelece o art.º 46º da Lei nº 63/2011, de 14/12 (Lei da arbitragem voluntária), o seguinte:
Artigo 46.º
Pedido de anulação
1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.
2 - O pedido de anulação da sentença arbitral, que deve ser acompanhado de uma cópia certificada da mesma e, se estiver redigida em língua estrangeira, de uma tradução para português, é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:
a) A prova é oferecida com o requerimento;
b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;
c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções;
d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;
e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;
f) A acção de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5.ª espécie.
(…).
*
No caso em apreço, não houve lugar à produção de qualquer prova, seguindo-se, após os articulados, a tramitação do recurso de apelação.
Preencherá a ausência dessa fase de produção de prova a previsão do art.º 6º, nº8º citado, podendo entender-se que, nesses casos, o  processo terminou antes de concluída a fase de instrução?
Parece-nos que não.
Desde logo, porque esta norma pressupõe que o processo termina sem que o Tribunal profira sentença ou decisão sobre o mérito da causa, mas, excepcionalmente, antes da fase que seria expectável para a sua conclusão.
Sem que se proceda à produção de prova, em sede de audiência final.
Não esquecemos a possibilidade de prolacção de decisão final de mérito em sede de despacho saneador – também essa situação beneficia do regime excepcional de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Por isso, parece-nos que o legislador optou por um critério economicista, emergente da duração processual e dos meios judiciais utilizados: se o processo termina antes da produção de prova, em sede de audiência final, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça; se termina, independentemente do teor da decisão (de mérito ou de apreciação de pressuposto processual em falta), mas depois de esgotados os recursos materiais inerentes à produção de prova e realização de audiência final, esse remanescente será, em princípio, devido.
 Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães, de 27/6/2019 (Fernando Freitas), disponível em www.dgsi.pt:
Dispondo o n.º 7 que o pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser dispensado pelo juiz, atendendo, designadamente, “à complexidade da causa” e “à conduta processual das partes”, afigura-se evidente que com a introdução daquele n.º 8, o legislador quis significar que uma causa em que as partes fazem terminar o processo em momento anterior ao da prolação da sentença, posto que o tribunal não é chamado a decidir, a causa não poderá ser considerada complexa e nem a conduta processual das partes deverá ser valorada negativamente, com o que sempre deviam ter-se por verificados os pressupostos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Na situação, como a dos autos, em que o processo termina com a prolacção de Acórdão, em que se aprecia o mérito da causa, decidido pelo colectivo de juízes, em sede de julgamento, inexistem as razões subjacentes ao regime excepcional de isenção do pagamento do remanescente previsto neste preceito.
Diferente seria, caso o processo terminasse por decisão singular e liminar do relator, nos termos previstos no art.º 652º, nº1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil. A simplicidade da tramitação e a economia de meios justificaria, nesse caso, a aplicação da isenção prevista no citado art.º 6º, nº 8.
Não foi o caso dos autos, pois, como se disse, o processo terminou na sua instância inicial com a prolacção de Acórdão proferido pelo colectivo de Juízes.
O processo terminou, assim, na instância judicial inicial, no seu momento normal e previsível, não antecipadamente em relação ao iter processualis expectável.
Improcede, pois, esta argumentação, não se vendo razões que justifiquem a aplicação ao caso do art.º 6º, nº8 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Da aplicação do art.º 14º-A, alínea d) do Regulamento das Custas Processuais
Em segundo lugar, não se mostra preenchida a previsão do art.º 14º-A, alínea d) citado (Acções que terminem antes da designação da data da audiência final), pois, manifestamente, a acção em causa não terminou antes da audiência final.
Sendo que, por via da remissão prevista no citado art.º 46º da Lei nº 63/2011 e seguindo a acção a tramitação do recurso de apelação, como audiência final deveremos entender a sessão de julgamento em que tomada a decisão do colectivo, mediante Acórdão, nos termos do art.º 659º do Código de Processo Civil:
Julgamento do objeto do recurso
1 - O processo é inscrito em tabela logo que se mostre decorrido o prazo para o relator elaborar o projeto de acórdão.
2 - No dia do julgamento, o relator faz sucinta apresentação do projeto de acórdão e, de seguida, dão o seu voto os juízes-adjuntos, pela ordem da sua intervenção no processo.
3 - A decisão é tomada por maioria, sendo a discussão dirigida pelo presidente, que desempata quando não possa formar-se maioria.    
Seguindo a posição defendida pelo reclamante, em todas as acções que correm termos nos Tribunais da Relação e às quais são aplicáveis as regras do recurso de apelação, não havendo diligências de prova, não há audiência final.
Não é verdade, na medida em que, como expressamente prevê o citado art.º 659º, há julgamento, com tramitação própria aí prevista.
Como refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na sua pronúncia,
No caso vertente, a inscrição em tabela e a prolação do Acórdão, que conheceu de mérito, equivale ao julgamento, não se verificando deste modo a previsão da a al. d) do art.º 14.º-A do RCP
A tabela é a denominação do documento oficial onde se encontram elencados os processos que serão julgados em cada uma das sessões do Tribunal da Relação. Nela irão ser registados os desfechos de cada um dos recursos dos processos inscritos em tabela: “Procedente a apelação “Improcedente a apelação”, “Adiado “.
Poderia defender-se o contrário, caso o citado art.º 14º-A, alínea d) expressamente prevesse todas as decisões em que não se realizam diligências de prova, erigindo essa fase como critério fundamental para a sua aplicação.
E, nessa hipótese, seria irrelevante a tramitação seguida com vista à adopção de decisão final.
Contudo, não foi essa a opção legislativa, sendo para nós claro que a previsão do art.º 14º-A, alínea d) apenas engloba os casos em que a acção termina efectivamente antes da audiência final, por decisão transitada em julgado, proferida nos termos do art.º 595.º n.º 1 al. b) do C.P.C. (despacho saneador-sentença), ou então por desistência, confissão do pedido, deserção, mediação, inutilidade ou impossibilidade da lide ocorrida antes do momento aí previsto, como refere Salvador da Costa, “As Custas Processuais”, 2017, 6.a Ed., págs. 182 e 183.
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Aplicabilidade aos autos do regime tributário de recurso, em ambas as instâncias.
Contudo, a oposição a esta argumentação conduz-nos a outra análise, relativamente ao pagamento de uma segunda prestação de taxa de justiça, pressuposto daquela.
Ora, parece-nos que não é essa a realidade; senão, vejamos:
Sendo aplicáveis as regras do recurso de apelação, a taxa de justiça é paga numa única prestação, com o limite previsto no art.º 6º, nº7 do mesmo Regulamento (pagamento subsequente do remanescente), nos termos do disposto nos art.ºs 6º, nº 2, 7º, nº 2 e na tabela I-B anexa.
Mostrando-se o pagamento faseado em duas prestações da taxa de justiça apenas previsto para os casos da tabela I-A e C anexa.
Não se englobando, assim, as acções que seguem a tramitação do recurso de apelação, como esta.
Para além do argumento literal, emergente da remissão operada pelo citado art.º 46º da Lei nº 63/2011, acresce o argumento teleológico e sistemático, concordando-se com a equivalência da acção de anulação de decisão de tribunal arbitral à tramitação recursória.
Como refere e se acompanha neste passo, o reclamante:
157. Com efeito e em síntese: i) a circunstância de (ao contrário do que sucede nas normais acções intentadas em juízo) nos recursos haver lugar, apenas, a reapreciação de decisão prévia (que não a apreciação como se de nova acção proposta em segunda instância se tratasse), ii) o facto de a produção de prova ter lugar em casos legalmente circunscritos e iii) a circunstância de não haver lugar à fase intermédia (nem, assim, a todos os múltiplos actos e mobilização de pessoas e meios que esta implica),
158. Conduziram a um significativo aligeiramento da estrutura processual e organizativa do sistema de justiça público, necessários para desenvolvimento da actividade jurisdicional,
159. O que determinou, em correspondência (em previsão legal concretizadora do princípio da equivalência), que o legislador reduzisse o valor de taxa de justiça aplicável para metade.
Justificando-se duplamente – pela letra e pelo espírito da Lei – a equiparação tributária deste tipo de acções ao recurso.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
A taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe».
Como refere Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pg. 1294, O princípio da interpretação conforme a constituição é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei.
Desta forma, o princípio da interpretação conforme a Constituição é mais um princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-normativa de que um simples princípio de conservação de normas.
Ora, manifestamente, a estruturação simples deste tipo de acções e a remissão operada para a tramitação do recurso de apelação, com as consequências de se proceder apenas à reapreciação de decisão prévia, da limitação à produção de prova e da inexistência de uma fase intermédia de saneamento autónomo e vinculativo, aproximam o custo do serviço de Justiça prestado ao regime tributário dos recursos e afastam esse mesmo custo do regime geral tributário das acções declarativas comuns.
E, por fim, sendo irrelevante que o autor tenha liquidado, a título de taxa de justiça, aquela prevista na tabela I-A e não a prevista na tabela I-B, anexas (€ 1.632,00 e € 816,00, respectivamente).
Não lhe conferindo esse depósito qualquer direito à dispensa do remanescente devido a título de taxa de justiça, mas, apenas, devendo considerar-se esse depósito efectivo para efeitos de dedução ao remanescente devido – dedução que foi efectuada na conta elaborada.
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Este entendimento consequência a procedência parcial da reclamação: o remanescente deve ser calculado à razão de 1,5 UC por cada €25.000,00 ou fracção e não à razão de 3 UC, nos termos da Tabela I anexa e respectiva coluna C.
Não sendo aplicável a remissão para a coluna A e o cálculo à razão de 3 UC efectuado na conta.
Para além de, tal como referido pela Sra. Contadora na sua informação, se justificar a correcção do cálculo do remanescente devido, mediante imputação das quantias pagas pela parte contrária e vencedora.
Efectuando-se leitura nesse sentido do art.º 14º, nº9 do Regulamento citado: o vencedor a final fica dispensado do pagamento do remanescente, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
Sendo que na conta elaborada e sob os quadros denominados Outro não se deduziram essas quantias pagas pela parte vencedora.
Manter a conta nos termos elaborados a este respeito conduziria a verdadeira duplicação de pagamentos ao Estado, no segmento correspondente às taxas pagas pela parte vencedora, devendo deduzir-se esse valor no cálculo do remanescente devido pela parte vencida, o ora reclamante.
Em resultado das alterações ora determinadas, o valor a pagar pelo reclamante será de €396.372,00.
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Por fim, peticiona o reclamante a redução do valor remanescente a pagar:
220. No caso sub judice, crê-se que, atento tudo o acima exposto e sendo claro que a conduta das partes se afigurou processualmente conforme, bem como que a causa não se reveste de particular complexidade, se afiguraria razoável e proporcional, atento tudo o exposto, que houvesse uma redução muito significativa do valor a pagar a título de remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, para o valor mínimo que seja considerado adequado pelo Tribunal, mas que em qualquer caso não deverá ser superior a um terço do valor da conta de custas em causa,
A pretensão do reclamante colide frontalmente com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2022, de 10/11/2021, publicado na 1.ª Série do Diário da República, em 03/01/2022, que definiu que:
“A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
  Dúvidas não restando que este pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi formulado após o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Consciente deste óbice, o reclamante invocou os seguintes argumentos, que, no seu entender, justificam a inaplicabilidade desta jurisprudência uniformizada ao caso concreto: 228. Ora, no caso dos autos não só está em causa uma situação fáctica diferente, como existe argumentação inovadora face ao acórdão uniformizador de jurisprudência.
237. Porém, no caso em presença, não se pode afirmar que, aquando da notificação da decisão proferida pelo STJ, o Requerente pudesse antecipar (ou a isso estivesse obrigado) que viria a ser notificado de uma conta de custas que lhe imputaria a responsabilidade de pagar mais de meio milhão de euros (598.230,00€) a título de custas. Muito pelo contrário.
246. Assim, de acordo com os cálculos efectuados pelo Requerente, atendendo às normas legais aplicáveis, este legitimamente contava que a secretaria aplicasse a Lei (em concreto, o disposto no artigo 6.º, n.º 8 do RCP ou no artigo 14.º-A, d) do mesmo diploma), pelo que não era expectável que fosse notificado de uma conta com um valor de 600 mil euros, mas apenas de um terço desse valor, no máximo.
251. Em segundo lugar, cumpre reiterar que a “situação fáctica” do presente caso é muito distinta da subjacente ao acórdão uniformizador de jurisprudência, desde logo pela circunstância de se tratar de uma acção de impugnação de sentença arbitral, com todas as particularidades e especificidades que isso implica e que acima já se demonstraram e que, conforme se viu, determinam um muito menor dispêndio de meios por parte do órgão judicial decisor do que a acção típica ou mesmo o recurso típico.
Não se concorda com esta argumentação nem nos parece que a mesma permita a desaplicação daquela jurisprudência uniforme.
Em primeiro lugar, não se protege uma invocada confiança na aplicação controversa do Direito, mais especificamente, de normas de controvertida aplicação ao caso concreto e que, aliás, ora negamos.
Não constituindo o valor resultante da conta – que se reconhece elevado - uma surpresa justificadora da desaplicação daquela jurisprudência uniformizada.
Como lapidarmente se decidiu no Acórdão desta Relação, de 13/10/2022 (Pedro Martins), disponível em www.dgsi.pt:
Os tribunais decidem as questões que têm que decidir no momento próprio e com base no que consta do processo nesse momento. A questão da dispensa da taxa de justiça deve ser colocada ao/s juiz/ízes antes da decisão final, pelo que as partes, representadas por advogados, sabem que, querendo que as suas posições sobre a dispensa sejam consideradas, têm o ónus de as colocar em cima da mesa para o efeito. E é até esse momento que devem utilizar todos os argumentos que tenham para o efeito – inclusive os de inconstitucionalidade -, e não num momento posterior à decisão final. E dada a enorme e prolongada discussão que tem havido sobre esta questão da dispensa, nenhuma parte se pode afirmar surpreendida pela decisão sobre a questão da taxa de justiça.
E acompanhamos na íntegra a análise que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta efectuou na sua pronúncia:
No caso em apreço, e verificando-se que a situação não é de todo linear, muito pelo contrário, justificava-se que o reclamante, tanto mais que se mostra devidamente representado por Ilustre Mandatário, como não podia deixar de ser, tivesse feito uso, cautelarmente, da faculdade prevista no nº 7, do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
A presente acção revelava-se ab initio complexa, atenta a sofisticação das questões jurídicas, patenteadas na petição inicial, composta por 141 folhas, 380 artigos, e que, acompanhada de documentos, totalizava 3142 páginas. Tanto assim é que o Requerido requereu a prorrogação do prazo para deduzir oposição, com o fundamento de que “A presente ação encerra, com efeito, assinalável complexidade, quer no que respeita ao enquadramento factual, quer no que se refere ao enquadramento jurídico-normativo dos pedidos deduzidos...”
De igual modo, o requerente, ora reclamante, afirmou expressamente que “Atendendo, por um lado, à complexidad,e da presente acção e à extensão da oposição deduzida pela requerida... afigura-se manifestamente exíguo o prazo de 10 dias para o Requerente preparar uma resposta completa e devidamente fundamentada às exceções deduzidas pela Requerida...”
O requerente apresentou Articulado de Resposta às Excepções, num total de 44 páginas.
Os Acórdãos evidenciam considerável dimensão, ocupando o proferido nesta Relação 119 páginas e o Acórdão do STJ perfaz 116 páginas, revelando o esforço desenvolvido pelo sistema de justiça.
Flui do exposto que ambas as partes concordam num ponto: a complexidade dos autos.
Não se vê, assim, como proteger uma confiança, infundada, na aplicação controversa e insegura de normas jurídicas, de interpretação menos clarividente.
Em segundo lugar, inexiste qualquer distinção relevante entre a situação fáctica dos autos e a subjacente àquele Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, sendo que os termos do mesmo e respectiva fundamentação não deixam margem para dúvidas, no que concerne à coincidência do seu âmbito de aplicação.
Pelo exposto, será de concluir pela intempestividade do pedido de redução do remanescente devido a título de taxa de justiça, o que consequencia o indeferimento desta pretensão.
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As custas da reclamação deverão ser suportadas na totalidade pelo reclamante, pois, se decaiu parcialmente na mesma, dela tira proveito no segmento em que tira vencimento, na ausência de oposição da parte contrária – art.º 527º, nº2 1 e 2 do Código de Processo Civil e Tabela II, coluna A anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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V. A decisão                                                       
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência parcial da reclamação, determinar a reforma da conta elaborada:
a) devendo a mesma considerar, no cálculo do valor remanescente devido pelo reclamante a título de taxa de justiça, à Tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais, em ambas as instâncias bem como
b) deverão ser deduzidos, nesse cálculo, os valores pagos a título de taxa de justiça pela parte vencedora,
c) resultando dessas alterações o valor em dívida pelo reclamante de € 396.372,00 e
d) improcedendo a restante reclamação.
Custas da reclamação pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC’s.
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Lisboa, 23 de Novembro de 2023
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas