Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3372/22.2T8LSB.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
REQUISITOS
PRAZO PARA A DEDUÇÃO
INICIO DA CONTAGEM
PEDIDO DE REPOSIÇÃO DA COISA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–Para efeitos do estatuído no artigo 397º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o facto relevante cujo conhecimento marca a contagem inicial do prazo de trinta dias coincide com o do início da construção, em termos que façam concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada.

II– No âmbito de uma providência cautelar de embargo de obra nova não pode ser peticionada a reposição da coisa nos exactos termos e condições em que se encontrava antes do início da obra, trabalho ou serviço novo, pois que visa apenas suspender uma obra que se encontra em curso.

III– O momento que releva para efeitos da verificação da conclusão da obra não é o da apreciação judicial do pedido de embargo, mas sim aquele em que é apresentado o requerimento inicial do procedimento cautelar.

IV– A procedência do procedimento de embargo de obra nova depende, para além da existência de uma obra, trabalho ou serviço novo, da ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse, que cause ou ameace causar prejuízo, prescindido este último de danos efectivos, bastando-se com o dano jurídico, traduzido na ilicitude do facto.

V– As obras de alteração das aberturas (janelas) em fachada perimetral do prédio constituído em propriedade horizontal, com a sua transformação em janelas de sacada (portas) e, bem assim, as obras de intervenção no logradouro, parte integrante de fracção autónoma, que implicam escavação e criação de garagem em parte do subsolo, porque incidem sobre parte comum do edifício, são ilícitas se efectuadas sem precedência de válida deliberação aprovada pelos condóminos e ofendem o direito de compropriedade destes.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO


A e OUTROS ……. apresentaram, em 7 de Fevereiro de 2022, requerimento inicial de procedimento cautelar de embargo de obra nova, requerendo o seguinte:
a)-Que seja ordenada a suspensão de imediato das obras em curso no prédio em regime de propriedade horizontal sito na C..... - C....., nºs ..-A, ..-B e .. e E..... - M..... P..... - L....., nºs .., ..-A e ..-B, freguesia de S___ M___ M___, concelho de L_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____ sob a ficha n.º ... da freguesia de São C..... e São L....., inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o art. ...;
b)-Que seja ordenado que os requeridos procedam à demolição das obras já realizadas, sem autorização da assembleia de condóminos, e que constituem inovações face ao projecto de arquitectura original.

Alegaram para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 31596994):
  • Os requerentes são condóminos do prédio supra identificado, sendo o primeiro e segundo proprietários da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente à cave, com entrada pelo nº .. - C..... - C.....; os 3º a 9º requerentes são proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito da fracção “E”(rés-do-chão) e os 10ª e 11º requerentes são comproprietários da fracção “F” (rés-do-chão), sendo o 1.º Requerido B proprietário da fracção “B”, correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelo n.º .. da C..... - C.....;
  • A 2ª requerida C é titular do Alvará de Obras de Alteração n.º .../EO-CML/2020, emitido no âmbito do Processo Municipal nº .../EDI/2018, que tem por objecto a fracção B, tendo iniciado no dia 10/1/2022 obras, pretendendo, de acordo com o alvará de obras de alteração, realizar “a reabilitação do logradouro da Rua C..... - C....., nº ..-A”, com a criação de uma plataforma impermeável comunicante com algumas janelas da fracção; numa das fachadas será criada uma pérgula sob a qual os vãos existentes serão alterados, pretendendo ainda construir uma piscina, abrangendo com tais obras, para além da fracção “B”, o logradouro, a fachada poente e o terraço que constitui a cobertura da fracção “F”;
  • A obra que a C Requerida pretende realizar implica a transformação de 4 vãos de janela em 2 portas, a construção de 2 novos corpos balanceados a partir da fachada poente, elevação do logradouro, cobrindo o saguão da fracção “A” com novas “varandas/passadiços”;
  • O logradouro do prédio tem um espaço lajeado com calçada portuguesa, com espaço de estacionamento para 2 viaturas, ladeado por canteiros e a níveis inferiores em socalcos, uma zona de terraço em tijoleira, que é cobertura de parte da fracção “F”, onde se prevê a construção de uma garagem e de piscina panorâmica e canteiro sobre a cobertura da fracção “F”;
  • A subida das cotas do logradouro tem como consequência o ensombramento e redução de arejamento da fracção “A”;
  • A obra projectada, com a nova laje de cobertura, tapará a vista de janelas da fracção “A” e impedirá a ventilação natural das divisões respectivas e prejudica não só a linha arquitectónica do prédio, como põe em causa o seu arranjo estético original;
  • Os requeridos não pediram nem obtiveram autorização da assembleia de condóminos para realizar as obras descritas, que abrangem o logradouro, o terraço de cobertura da fracção “F” e as fachadas do prédio, partes comuns do edifício;
  • A execução das obras em curso representará uma lesão do direito dos requerentes a não ver alterada a estrutura arquitectónica e o arranjo estético do edifício, além de que no caso da fracção “A” fica sem luz natural e com deficiente ventilação.
Ordenada a sua citação, os requeridos vieram deduzir oposição alegando, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 32452496):
--- Parte dos trabalhos visados com o embargo já há muito estão concluídos e a intervenção remanescente não chegou sequer a avançar;
--- O requerido B adquiriu a fracção autónoma “B”, destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão - com entrada pelo nº .., - C..... - C..... e logradouro com acesso pelo n.º ..-A (com uma área de 266,52 m2), que faz parte integrante do prédio urbano descrito no artigo 1º do requerimento inicial e desde 17 de Março de 2017, a C é arrendatária dessa fracção, que adjudicou à 2GM - Construções Civis, S.A. a empreitada de reabilitação/remodelação do interior e requalificação do logradouro da fracção “B”, a executar por 4 fases distintas, sendo a 4ª fase da empreitada a de intervenção na área do logradouro, com projecto aprovado pelo município;
--- Pelo menos desde início de 2018 que os requerentes têm conhecimento da obra projectada para a fracção “B”, incluindo o seu logradouro;
--- O início das obras de obras de reabilitação/remodelação do interior da fracção “B” remontam ao início de 2018, tendo todos os factos relativos à obra sido levados ao conhecimento de todos os proprietários;
---Em 25 de Junho de 2020, foi emitido o Alvará n.º .../EO-CML/2020, que titula a referida aprovação das obras, tendo os requeridos sido informados, em 27 de Abril de 2020, da aprovação do projecto de arquitectura a efectuar no logradouro;
--- Em 21 de Outubro de 2020, foram iniciados trabalhos de escavações e movimentação de terras no pavimento do logradouro necessárias às sondagens de diagnóstico arqueológico;
--- Foi intentada uma providência cautelar com o propósito de suspender a eficácia do acto administrativo - Alvará de Licença de Obras de Alteração nº .../EO-CML/2020 (Proc. nº 1887/20.6BELLSB, que correu termos no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, Unidade Orgânica 1); foi intentada acção administrativa comum para anulação do ato administrativo, julgada improcedente, em Novembro de 2021;
--- Em 7 de Janeiro de 2022, foi remetida comunicação dos requeridos aos requerentes, a informar que seria iniciada a obra projectada;
--- Os trabalhos de montagem dos vãos de portas de acesso da fracção “B” (pela empena poente) ao logradouro próprio foram executados entre início de Janeiro de 2021 e 18 de Fevereiro de 2022;
--- Desde 18 de Fevereiro de 2022, que não se encontra em curso qualquer obra, trabalho ou serviço novo, pelo que não há sequer obra a sujeitar a embargo;
--- Os requerentes há muito têm conhecimento das obras executadas e concluídas no interior da fracção “B” e a conclusão da execução dos vãos de porta da sala de jantar e sala de estar para acesso ao logradouro são do seu conhecimento desde meados de 2020;
--- A providência de embargo é um meio processual inidóneo para obter a demolição das obras, pois que apenas visa regular a situação de forma a evitar a ocorrência de prejuízos e lesões que afectem gravemente o direito, enquanto a situação não é regulada definitivamente na acção principal;
--- Os trabalhos de execução e montagem dos vãos de porta ao nível do rés-do-chão – fracção B – de acesso ao logradouro estão concluídos; os trabalhos de escavação, estrutura, fundações e construção civil previstos para o logradouro não se iniciaram e tais obras não configuram inovações em partes comuns do prédio, por integrar a fracção B, não tendo as obras potencial ofensivo de direito real ou pessoal de gozo ou da posse dos requerentes/partes comuns do prédio;
--- A substituição dos vãos de janela da fracção “B” constitui apenas a reposição da fachada do edifício de acordo com o seu desenho arquitectónico original e não afecta a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;
--- Há que ponderar os interesses em presença em função de um juízo de proporcionalidade, devendo aplicar-se o instituto do abuso de direito, impedindo a pretensão dos requerentes.
Pugnam pela procedência da excepção peremptória da caducidade do direito e sua absolvição do pedido; pelo indeferimento liminar, por falta de verificação dos pressupostos de que depende, erro na forma do processo ou meio processual ou, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.

Por requerimento de 22 de Junho de 2022 os requerentes pronunciaram-se sobre as excepções deduzidas referindo, quanto à invocada caducidade do direito de requerer o embargo, que as obras aqui em causa são as que se referem ao logradouro e fachada do prédio, pois que as anteriores se limitaram ao interior da fracção e o momento relevante para o início da contagem do prazo é o do início da obra, o que, relativamente às aqui em referência, apenas ocorreu em 10 de Janeiro de 2022 e os trabalhos iniciados ainda não estão todos realizados; mais referem que a demolição das obras é a sanção adequada para a realização de obras ilícitas e concluem que devem ser julgadas improcedentes as excepções deduzidas (cf. Ref. Elect. 32920284).

Realizada a audiência final, em 25 de Julho de 2022 foi proferida decisão final com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 417825753):

a)- Declarar improcedente, por falta de fundamento de facto, a requerida providência de demolição das obras concluídas;
b)- Declarar improcedente, por idêntica falta de fundamento, o requerido embargo de obra;
c)- Determinar que os requeridos prestem caução nos autos, cujo valor se estabelece provisoriamente em €50.000 (cinquenta mil euros), fixando-se o valor definitivo na sequência de contraditório das partes.
- Prazo para exercício de contraditório sobre a determinada caução: dez dias a ambas as partes, correndo em simultâneo.
- Prazo de prestação de caução: vinte dias.”

Inconformados com esta decisão, dela vêm os requerentes interpor o presente recurso cujas alegações concluíram do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 33356761):

I–Devem ser rectificados os seguintes lapsos de escrita constantes da decisão recorrida:
a)-no ponto 19 dos factos apurados deve passar a ler-se “cujo acesso é exclusivamente feito pela fracção B” onde se lê “cujo acesso é exclusivamente feito pela fracção A”;
b)-no ponto 9 dos factos apurados deve passar a ler-se “Instalação de uma piscina sustentada por tração na laje de betão e solo do logradouro, ficando suspensa por sobre espaço inferior de tal logradouro, sem assentar na cobertura da fração F” onde se lê “Instalação de uma piscina sustentada por tração na laje de betão e solo do logradouro, ficando suspensa por sobre espaço inferior de tal logradouro, sem assentar na cobertura da fração E”.
c)-na página 12 da decisão, 5º parágrafo, deve passar a ler-se “Por outro lado, a fracção B também se enquadra numa realidade recente, de base socioeconómica totalmente diversa, de investimento imobiliário de estrangeiros na cidade de Lisboa (…)” onde se lê “Por outro lado, a fracção A também se enquadra numa realidade recente, de base socioeconómica totalmente diversa, de investimento imobiliário de estrangeiros na cidade de Lisboa (…)”.
d)-na página 13 da decisão, 3º parágrafo deve passar a ler-se “(…) piscina prevista, que ficará suspensa e não assentará sobre a cobertura da fração F” onde se lê ”(…) “(…) piscina prevista, que ficará suspensa e não assentará sobre a cobertura da fração E”

II–Além dos factos dados como assentes, “é notório, e nem sequer carece de prova que elevar o nível do solo de um logradouro diminuirá a iluminação e a ventilação da cave, o que não foi sequer contestado ou será contestável, em absoluto.”

III–São pressupostos do embargo de obra nova:
que o requerente seja titular do direito de propriedade, singular ou comum, de qualquer outro direito real de gozo, ou de posse;
que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;
que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízo ao requerente.

IV–Nos presentes autos estão demonstrados os factos que integram aqueles pressupostos, nem tal é posto em causa na sentença, a qual também conclui serem claros os prejuízos que se reflectem na fracção A.
V–«O "prejuízo" a que se refere o art° 412° nº 1 não tem o mesmo sentido da "lesão grave e dificilmente reparável" que constitui fundamento dos procedimentos cautelares não especificados (art° 381 ° n° 1 do CPC). Basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa.»
VI–Face aos factos dados como assentes e mostrando-se preenchidos os requisitos para o decretamento da providência, face ao regime legal em vigor a providência deveria ter sido decretada, perante a inegável ofensa dos direitos de propriedade e compropriedade dos Recorrentes e a existência de danos.
VII–As disposições relativas aos procedimentos comuns só são aplicáveis aos procedimentos especificados naquilo que não se mostre especialmente prevenido para estes, sendo que em sede de embargo de obra nova rege o art. 401º do NCPC, do qual resulta claro o afastamento de solução análoga àquela prevista no art. 368º, nº 2 do NCPC.
VIII–As soluções previstas nos arts. 368º, nº 2 e 401.º, ambos do NCPC, são inconciliáveis: aquela norma aplica-se aos procedimentos inominados e esta aplica-se ao embargo de obra nova; naquele caso a providência pode ser recusada perante direitos em confronto; no segundo caso o confronto só pode ter lugar DEPOIS do decretamento da providência e se o requerido o requerer.
IX–Ao não decretar a providência requerida, a douta decisão recorrida violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 368º, nº 2, 376º, 397º e 401º, todos do NCPC.
X–A coisa já sofreu uma alteração da fachada, consistente na substituição das janelas, com abertura de portas de sacada da sala da fracção B para o logradouro, retirando os anteriores vãos da fachada, que eram constituídos por dois pares simétricos de janelas, com correspondência exacta com os existentes nos dois andares superiores e na cave.
XI–Considerando o disposto no art. 402.º do NCPC, é legal e legítima a pretensão dos Recorrentes a ver demolidas as obras que constituam inovação, como sucede com aquelas que representam alteração da fachada do prédio.
XII–A alteração na fachada, elevação da cota do logradouro, construção de laje de betão e piscina constituem obras inovadoras, na medida em que, conforme é jurisprudência do STJ, obra inovadora é aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa.
XIII–O logradouro do prédio em causa nos autos constitui, em parte, cobertura da fracção F, pelo que nos termos do disposto no art. 1421.º, nº 1, al. b) do Cód. Civil, se trata de parte comum do prédio.
XIV–O art. 1421.º, nº 1 do Cód. Civil define as partes que são imperativamente comuns, não podendo o julgador fazer interpretação e aplicação desta disposição legal no sentido de excluir da sua previsão as partes comuns que sejam de uso exclusivo de um condómino.
XV–Ao decidir que o logradouro integra a fracção B, a douta decisão recorrida violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 1421.º e 1422.º, ambos do Cód. Civil.
XVI–Uma vez que o logradouro é parte comum, as obras que os Recorridos pretendem realizar careciam de autorização do condomínio, a qual não pediram nem obtiveram, tratando-se de obras ilegais.
XVII–A aliás douta sentença recorrida violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 368.º, nº 2, 376.º, 397.º, 401.º e 402.º, todos do NCPC e os arts. 1421º, nº 1 e 1422.º, ambos do Cód. Civil.
Termina pugnando pelo provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que decrete o embargo da obra em causa e ordene a demolição das inovações.

Os requeridos/recorridos contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 33449005).

Os requeridos interpuseram recurso subordinado relativamente à parte da sentença que julgou improcedente a excepção de caducidade suscitada, concluindo as suas alegações do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 33449005):
A)–Veio a sentença recorrida indeferir a exceção invocada pelos Recorrente quanto à caducidade do direito de requerer o embargo de obra nova.
B)–Nos termos do artigo 397º nº 1 do CPC, resulta estipulado um prazo de (…) 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.
C)–A decisão recorrida andou mal e efetuou uma leitura errada e equivocada dos factos e da sua respetiva cronologia, assim como ignorou toda a troca de correspondência e comunicação entre as partes.
D)–Sem prejuízo desse facto, dos factos 7, 8, 9, 10, 12, 13 e 17 da sentença considerados como provados, resultam ainda assim indícios claros dos vários hiatos temporais a reter.
E)–O início das obras de obras de reabilitação da Fração “B” remonta ao final de 2017/início de 2018.
F)–Da prova documental carreada para os autos, ficou demonstrado que tal facto foi do conhecimento de todos os proprietários, onde se incluem obviamente os aqui Requerentes/Recorridos, bastando compulsar os documentos 6, 10, 11 a 16, 19 e 25 da oposição para concluir que os Recorridos desde de Abril de 2020, sabiam e não tinham como ignorar, que os Recorrentes pretendiam realizar uma operação urbanística previamente licenciada, que envolvia a execução de obras no logradouro da Fração “B”, com a reposição dos vãos de porta de acesso àquele logradouro (a executar na empena poente do edifício), a escavação de parte da área do logradouro para instalação de área de garagem e a construção de uma piscina.
G)–A partir das referidas datas, não haverá como ignorar que se iniciou a contagem do prazo de 30 dias, previsto no artigo 397º do CPC, e que os Recorridos dispunham para requerer o embargo da obra nova (vide Ac. Acórdão do TRL proferido em 27- 10-2016 no âmbito do processo n° 3616/16.0T8LSB.L1-6; Acórdão do TRP proferido em 21-11-2000 no âmbito do processo n° 000211013; Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, de 24-10-2019, Acórdão do STJ de 22.10.2015, proferido no âmbito do processo nº 273/13.9YHLSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt);
H)–O prazo de 30 dias é um prazo de caducidade substantivo, dado que da sua observância depende a vivência do direito de ação, pelo que, conforme dispõe o 44 artigo 328° do Código Civil, a sua contagem não se suspende, nem se interrompe senão nos casos em que a lei substantiva o determine.
I)–A presente providência foi assim manifestamente extemporânea, uma vez que foram carreados aos autos todos os elementos probatórios indiciários e suficientes para concluir, que já em 2018, em março e abril de 2020, ou ainda no limite, em agosto ou setembro de 2020, os Recorridos tinham perfeito e total conhecimento da operação em curso, e de tudo quanto a execução das obras em causa pressupunha.
J)–Uma vez que a presente providência data de 07.02.2022, apenas se poderá como considerar extemporânea, por ter sido excedido aquele prazo de 30 dias.
K)–Sem conceder Tribunal recorrido ao julgar improcedente a exceção da caducidade invocada, violou o valor probatório pleno dos documentos juntos pelos Requeridos, fixado no art. 376º do C. Civil.
L)–Os documentos juntos pelos Requeridos e supracitados referem-se a troca de correspondência e comunicações entre as partes, revelando a informação prestada desde sempre aos Requerentes/Recorridos.
M)–Tratam-se, por isso, de documentos particulares, que nos termos do disposto no art. 376º, nº 1, do C. Civil, atribui força probatória plena quanto à materialidade das declarações atribuídas ao seu autor, se apresentados contra este e na medida em que lhe sejam prejudiciais.
N)–O Tribunal incorreu num claro erro na apreciação e valoração da prova com manifesta violação do art. 376º, do C. Civil.
O)–Ao decidir como decidiu, a presente sentença recorrida, viola o disposto no artigo 397º do CPC, por erada interpretação do que ali se encontra estatuído, bem como efetuou uma errada apreciação e valoração da prova, com violação no artigo 376º do C. Civil, devendo por isso e nessa parte ser parcialmente revogada
Concluem pela procedência do recurso subordinado e revogação parcial da sentença, que deve ser substituída por outra que julgue procedente a excepção de caducidade do direito de requerer a providência cautelar de embargo de obra.
Os requerentes/recorridos contra-alegaram sustentando que os requeridos não ficaram vencidos face à improcedência do procedimento, pelo que não têm legitimidade para interpor recurso subordinado por falta de interesse, pugnando, quanto ao mais, pela manutenção do decidido (cf. Ref. Elect. 33603510).
Em 23 de Setembro de 2022 foi proferido despacho em que a senhora juíza a quo ordenou a rectificação dos lapsos de escrita identificados nas alegações de recurso das recorrentes e admitiu o recurso (cf. Ref. Elect. 418879864).
***

II–OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2016, 7ª edição Atualizada, pág. 135.
É sabido que tendo ambas as partes ficado vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, caso em que o recurso pode ser independente ou subordinado – cf. art. 633º, n.º 1 do CPC.

O recurso independente é aquele que é proposto em primeiro lugar e segue um curso próprio e autónomo, independentemente da posição que venha a ser assumida pela parte contrária. O recurso subordinado ou dependente é aquele que é interposto depois da admissão do recurso principal, possuindo uma existência subsidiária da do recurso independente ou principal, já que apenas subsistirá enquanto este se mantiver – cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 423-424.
Tal justifica-se porque o recorrente (subordinado), inicialmente conformado com a decisão, confrontado com a interposição do recurso pela contraparte, deve poder interpor recurso quanto à parte da decisão que lhe tenha sido desfavorável, prevenindo assim a possibilidade de o recorrente principal poder ver alterado em desfavor do recorrente subordinado a decisão recorrida.
Note-se que a dependência do recurso subordinado em relação ao recurso principal situa-se ao nível do procedimento e aspectos formais, pois que sendo de conhecer do objecto do recurso principal, julgando-o procedente ou improcedente, o tribunal de recurso deve apreciar também o recurso subordinado. Ou seja, a circunstância de ser negado provimento ao recurso principal não obsta ao conhecimento do recurso subordinado.

Assim, como refere António Abrantes Geraldes, in op. cit., pp. 122-123:

“Ultrapassados os requisitos de ordem formal relacionados com a admissibilidade ou com a tramitação do recurso, o tribunal ad quem confrontar-se-á, no momento da decisão, com ambas as pretensões recursórias, sem que o resultado decretado quanto a uma influa necessariamente no sucesso da outra.

Por exemplo, julgado improcedente o recurso principal, por razões de mérito ligadas à sua sustentação, nada obsta a que seja julgado procedente o recurso subordinado, alcançando o respectivo interessado, deste modo, um efeito que, por sua exclusiva iniciativa, não obteria. Por outro lado, assegurada a cognoscibilidade do objecto de qualquer dos recursos, cumprirá ao Tribunal Superior averiguar por que ordem os mesmos devem ser conhecidos, pois que o resultado de qualquer deles poderá repercutir-se no outro independentemente da sua natureza subordinada ou autónoma.

Por isso, se o recurso subordinado se fundar numa exceção dilatória determinativa da absolvição da instância, terá naturalmente, em regra, prioridade sobre o recurso principal que porventura incida sobre o mérito da causa. […]

Na mesma linha, se improceder o recurso principal tendo por objecto o decidido quanto ao pedido do autor, nada obsta a que se julgue procedente o recurso subordinado que tenha por objecto o decidido quanto ao pedido reconvencional.”

Daqui decorre que, desde que se conheça do mérito do recurso principal, ainda que este improceda, deve conhecer-se do recurso subordinado – cf. no mesmo sentido, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, pág. 27 – “o recurso subordinado só deve ser apreciado pelo tribunal se este conhecer do objecto do recurso principal, julgue-o procedente ou improcedente”, apud acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Maio de 2010, relator Américo Pires Esteves, processo n.º 09/10; Francisco Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 426; Luís Filipe Espírito Santo, Recursos Civis - O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, pág. 155 – “Passada a fase formal da admissibilidade do recurso principal e do recurso subordinado, o tribunal superior aprecia-os com total autonomia e sem a menor influência recíproca. Ou seja, sendo apreciado o recurso principal (e independentemente da sua sorte), o tribunal superior tomará conhecimento do recurso subordinado (sem qualquer especialidade de regime relativamente ao recurso independente). Ainda que o recurso principal venha a ser julgado improcedente, nada obsta ao conhecimento e inteira procedência do recurso subordinado.”

Assegurada a inexistência de obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso principal deduzido pelos requerentes, cumpre determinar qual a precedência que deve ser observada no conhecimento do objecto dos recursos – independente e subordinado.

Previamente, importa reconhecer positivamente a legitimidade dos requeridos para a interposição do recurso subordinado, tendo presente tudo quanto atrás se expendeu e considerando que, no que concerne à excepção de caducidade que aqueles deduziram, não podem deixar de ser considerados parte vencida na causa.

Ainda que não se deva confundir legitimidade com interesse em agir– a primeira, afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente; o segundo, está conexionado com a utilidade prática que seja retirada da decisão que vier a ser proferida pelo tribunal ad quem – e sabendo-se que, mais do que o percurso seguido na decisão, o que releva é o resultado desta (se favorável à pretensão do recorrente este não terá legitimidade para recorrer), no âmbito do recurso subordinado trata-se, porém, de conferir à parte que se conformou inicialmente com a decisão, a possibilidade de alargar o recurso a segmentos decisórios que lhe interessem e em que decaiu, pelo que, neste caso, perante a possibilidade de modificação da decisão de absolvição, os recorrentes subordinados têm legitimidade para alargar o objecto do recurso de molde a ser reapreciada a excepção de caducidade, impedindo que uma modificação do decidido em 1ª instância agrave a sua posição.

Assim, dado que no recurso subordinado interposto pelos requeridos é colocada em crise a decisão que julgou improcedente a excepção de caducidade e porque se trata de excepção peremptória que, a proceder, conduz à absolvição do pedido, importará começar por apreciar tal questão atenta a sua natureza preclusiva, pois que a sua verificação fará precludir toda a indagação sobre a situação jurídica controvertida, dispensando averiguar a sua existência[2].

Assim, perante as conclusões da alegação dos requerentes/apelantes e requeridos/recorrentes subordinados há que apreciar as seguintes questões:
a)-A verificação da caducidade do direito a embargar a obra;
b)-A demolição da obra executada;
c)-A verificação dos pressupostos para a procedência da providência requerida.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.– FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos (a que se introduziram as modificações decorrentes da correcção dos lapsos de escrita, conforme já apreciado pela 1ª instância):
1.–Por escritura pública de 10 de Março de 2017, intitulada de compra e venda e mútuo com hipoteca, além do mais, o requerido B declarou comprar a fracção autónoma designada pela letra B, sito em São C..... e São L....., C..... - C..... - n.º s ..-A, ..-B e .., descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o n.º ... (e o mais que consta do documento n.º 1 anexo à oposição dos requeridos, dado por integralmente reproduzido).
2.–Por escritura pública datada de 14 de Setembro de 1979 foi constituída propriedade horizontal sobre o prédio urbano sito na C..... - C..... n.º s ..-A, ..-B e .. e E..... M..... - P..... - L..... n.º.., ..-A e ..-B, dividido em seis fracções, correspondentes às letras A a F (e o mais que consta da escritura junta ao requerimento inicial, dada por integralmente reproduzida).
3.–Por escritura de 5 de Março de 2018, intitulada rectificação de propriedade horizontal, foi feita expressa referência à existência da fracção “G”, dividida da fracção “C”, passando o 1.º andar a ser composto de duas fracções, esquerdo e direito (e o mais que consta da escritura junta ao requerimento inicial, dada por integralmente reproduzida).
4.–Tal prédio está inscrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o n.º ..., integrando sete fracções autónomas (certidão registal anexa ao requerimento inicial, dada por integralmente reproduzida).
5.–A fracção B, correspondente ao r/c, tem como titular inscrito do rendimento o requerido (cópia matricial anexa ao requerimento inicial, dada por integralmente reproduzida).
6.–Na inscrição da propriedade, na matriz ou no título constitutivo de propriedade horizontal não existe qualquer menção específica ao logradouro.
7.–O logradouro em causa, situado a poente, tem único e exclusivo acesso a partir do interior do prédio por dentro da fracção B (r/c), tendo também acesso directo por portão, a partir da via pública, na C..... - C..... .
8.–A requerida sociedade C apresentou na Câmara Municipal de L____ pedido de licenciamento de obras de alteração, que foi deferido (alvará de 25/6/2020, anexo como documento 5 à oposição, dado por reproduzido).

9.–Tal projecto contemplava, no essencial, o seguinte (complementando e pontualmente corrigindo o constante da acta de 28 de Junho de 2022)
Abertura de portas de sacada da sala da fracção B para o logradouro, retirando os anteriores vãos da fachada, que eram constituídos por dois pares simétricos de janelas, com correspondência exacta com os existentes nos dois andares superiores;
Elevação da quota do logradouro cerca de 1,30 m, com instalação de uma laje de betão sobrelevada;
Criação de espaço de estacionamento por baixo de tal laje, em área correspondente à do actual logradouro;
Arranjo ajardinado da nova cobertura;
Instalação de uma piscina sustentada por tração na laje de betão e solo do logradouro, ficando suspensa por sobre espaço inferior de tal logradouro, sem assentar na cobertura da fracção F;
Retirada das escadas de pedra de acesso do logradouro à porta da fracção B;
Instalação de três passadiços metálicos de ligação da porta da fracção B e das portas de sacada ao logradouro, com saída a direito, face à supra referida subida de quota;
Instalação de estruturas de sombreamento por sobre os aludidos passadiços.

10.–Por escrito datado de 9 de Novembro de 2017, intitulado contrato de empreitada, a requerida sociedade declarou solicitar a realização de trabalhos descritos em projecto anexo e a sociedade 2GM-Construções Civis, S.A. declarou aceitar a sua realização, mediante um preço, tudo nos demais termos constantes da cópia junta como documento n.º 3 à oposição, dado por reproduzido.
11.–A autorização das obras projectadas na fachada e logradouro não foi submetida a reunião do condomínio e, por consequência, não foi por este aprovada.
12.–Os requerentes Tânia ….. e Pedro ….., além da sociedade This is Lisbon Hostel, Lda. instauraram contra o Município de L____ procedimento cautelar e acção administrativa, intervindo a requerida C. como contra-interessada, pedindo suspensão da eficácia e anulação do despacho do Vereador municipal que autorizou a realização das obras supra referidas.
13.–Por sentença de 26/11/2021 foi proferida decisão na providência em causa, desta constando, designadamente, que improcede, por não provada, a pretensão impugnatória formulada na ação administrativa apensa (…) cujo juízo se antecipou (e o mais que consta da cópia anexa junta à oposição, dada por reproduzida).
14.–As obras no interior da fracção B iniciaram-se e foram concluídas não após final do ano 2020, sem prejuízo dos trabalhos seguidamente referidos.
15.–Os requeridos iniciaram obras de substituição dos vãos da fachada da fracção B (substituição de quatro janelas por duas portadas) em 7 de Janeiro de 2022.
16.–Tal substituição foi concluída em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro do corrente ano.
17.–Nenhum dos outros elementos do projecto, supra indicados, se mostra concluído ou em execução, tendo os requeridos interrompido a execução dos trabalhos quando citados para os termos da presente providência.
18.–A fracção A, correspondente à cave, inscrita a favor dos 1.ª e 2.º requerentes, está a ser usada como estabelecimento de alojamento local, com aluguer de quartos a turistas.
19.–Tal fracção e estabelecimento têm entrada pelas E..... M..... - P..... - L....., tendo orientação a norte, onde se abre para um terraço, e também a poente, onde confronta com saguão junto ao logradouro cujo acesso é exclusivamente feito pela fracção B.
20.–Três dos quartos da fracção A confrontam com tal saguão, tendo cada um uma janela aberta para o mesmo.
21.–Tais janelas, com bandeira superior, encontram-se a cerca de 1,30 m de distância do muro do saguão e, uma vez abertas, a vista frontal que permitem é de tal muro.
22.–O referido muro do saguão tem uma altura de cerca de três metros.
23–As bandeiras superiores das janelas a poente dos três quartos projectam-se acima do limite superior de tal muro, recebendo luz e permitindo a quem se encontre no quarto e abra a janela, olhando para cima, ver o céu por cima do muro.
24.–Caso seja concretizada a elevação do logradouro, a projecção das bandeiras das janelas dos aludidos quartos ficará abaixo do nível do solo, correspondente à nova laje.
25.–E, com a instalação dos passadiços, deixará de ser possível, quase por completo, a quem se encontre nos quartos, ver o céu por tais janelas a poente.
26.–O quarto correspondente ao espaço mais à esquerda do saguão, denominado “Pessoa”, além da janela para o saguão, dispõe de outros dois pontos de luz sobrelevados, tipo bandeira, com abertura em báscula junto ao tecto de outra parede.
27.–O quarto com abertura a meio do saguão, de nome “Saudade”, dispõe de janela a abrir para o saguão, com a mesma configuração da referida antes, e uma casa de banho adjacente, no interior do quarto, também com janela da mesma tipologia, sendo que esta abre por debaixo da escada de alvenaria que faz a ligação do logradouro à porta de entrada na fracção do rés-do-chão.
28.–O quarto correspondente ao espaço mais à direita do saguão, de nome “Azulejo”, possui duas janelas para o saguão, mas também uma portada, de dois batentes e almofadas vidradas, com acesso ao terraço adjacente, virado a norte.
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O Tribunal recorrido não enunciou qualquer elenco de factos não provados.
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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

Da excepção de caducidade
Em sede de oposição os requeridos suscitaram a caducidade do direito dos requerentes ao embargo da obra em causa nos autos referindo que o início de tais obras de reabilitação da fracção B remontam ao final de 2017/início de 2018, sendo do conhecimento de todos os condóminos, incluindo aqueles, estando as obras de substituição, execução e montagem dos referidos vãos concluídas desde 18 de Fevereiro de 2022, assim como os trabalhos de execução dos vãos de porta da sala de jantar e sala de estar para acesso ao logradouro são do seu conhecimento desde meados de 2020 e desde Março de 2020 todos têm conhecimento que seriam efectuados trabalhos de escavação no logradouro, pelo que o requerimento do presente procedimento cautelar é extemporâneo.

A decisão recorrida apreciou esta questão, julgando improcedente a excepção deduzida, nos seguintes termos:
“É elemento que atesta o manifesto conhecimento do projeto por parte, pelo menos, dos 1.ª e 2.º requeridos desde, pelo menos, o ano 2020, a simples existência de um litígio na jurisdição administrativa envolvendo-os e em que a requerida sociedade interveio.
Estes requerentes, cuja fração é indubitavelmente afetada pelos trabalhos projetados, conhecem o projeto em causa, se não completamente, pelo menos nos seus elementos caracterizadores essenciais, portanto, desde momento muito anterior àquele que corresponde à apresentação em juízo desta providência.
É manifesto também, como decorre de documentação apresentada e não levada aos factos provados pelas razões aí referidas, que, se não todos os condóminos, pelo menos a administração do condomínio, sabia da projetada realização de obras na fração B desde há muito, ainda que, quanto aos demais condóminos, não se possa concluir do mesmo modo que para os requerentes proprietários da fração B – que conheciam o essencial dos elementos caracterizadores das obras projetadas.
Entende-se, todavia, como sustentado pelos requerentes, que o momento relevante para início do cômputo do prazo de caducidade de instauração da providência é o do efetivo início de trabalhos lesivos.
Até esse momento é possível que o evento danoso, mesmo que projetado e até previsível, não se consume, pelas mais diversas razões, desde logo, como documentação apresentada também refere (e também não levada à factualidade provada pela mesma razão acima referida – não consideração de essencialidade para a decisão desta questão) – a existência de comunicações entre as partes (requeridos, alguns requerentes e condomínio), pode levar a que os trabalhos previstos não se realizem ou que sejam alterados, eliminando ou mitigando a sua propensão danosa.
Neste contexto, relevando o momento de efetivo início de trabalhos, a providência em causa foi proposta no prazo legalmente previsto para os interromper, considerando as datas estabelecidas em decorrência da alegação das partes e do acordo factual dela resultante, no que concerne ao momento de início dos trabalhos nos vãos do prédio, ao nível do rés-do-chão poente.
Assim sendo, improcede a invocada caducidade.”
Os requeridos, em sede de recurso subordinado, insurgem-se contra o assim decidido por entenderem que a 1ª instância ignorou toda a troca de correspondência e comunicação que existiu entre as partes, sendo que dos factos descritos nos pontos 7. a 13. e 17. dos factos apurados ficou claro que o início das obras de reabilitação da fracção B data de final de 2017/início de 2018 e quanto aos trabalhos dos vãos de porta da sala de jantar e sala de estar para acesso ao logradouro, são do seu conhecimento desde meados de 2020 ou, no limite, desde 14 de Setembro de 2020, mais referindo que da diversa documentação junta aos autos decorre que os requerentes tinham conhecimento da aprovação do projecto de arquitectura e das obras a realizar e sabiam que seriam efectuados trabalhos de reposição de vãos de porta e escavação de parte da área do logradouro, pelo que o prazo de trinta dias deve ser contado a partir daí.
Os requerentes/recorridos subordinados contra-alegaram sustentando que, tal como decidido, o momento relevante é o do início da obra, sendo que os trabalhos no interior da fracção não são os trabalhos lesivos em causa nos autos, mas aqueles que incidiram sobre a fachada do prédio e as obras subsequentes e a que se seguiriam a construção de plataforma elevada em betão e piscina.

Para a apreciação da presente questão relevam os seguintes factos indiciariamente demonstrados:
  • A sociedade Capresentou na Câmara Municipal de L____ pedido de licenciamento de obras de alteração, que foi deferido (alvará de 25/6/2020);
  • Tal projecto contemplava, no essencial, o seguinte:
Abertura de portas de sacada da sala da fracção B para o logradouro, retirando os anteriores vãos da fachada, que eram constituídos por dois pares simétricos de janelas, com correspondência exacta com os existentes nos dois andares superiores;
Elevação da quota do logradouro cerca de 1,30 m, com instalação de uma laje de betão sobrelevada;
Criação de espaço de estacionamento por baixo de tal laje, em área correspondente à do actual logradouro;
Arranjo ajardinado da nova cobertura;
Instalação de uma piscina sustentada por tração na laje de betão e solo do logradouro, ficando suspensa por sobre espaço inferior de tal logradouro, sem assentar na cobertura da fracção F;
Retirada das escadas de pedra de acesso do logradouro à porta da fracção B;
Instalação de três passadiços metálicos de ligação da porta da fracção B e das portas de sacada ao logradouro, com saída a direito, face à supra referida subida de quota;
Instalação de estruturas de sombreamento por sobre os aludidos passadiços;
Os requerentes Tânia …… e Pedro ……, além da sociedade This is Lisbon Hostel, Lda. instauraram contra o Município de Lisboa procedimento cautelar e acção administrativa, intervindo a requerida C como contra-interessada, pedindo suspensão da eficácia e anulação do despacho do Vereador municipal que autorizou a realização das obras supra referidas;
As obras no interior da fracção B iniciaram-se e foram concluídas não após final do ano 2020, sem prejuízo dos trabalhos seguidamente referidos;
Os requeridos iniciaram obras de substituição dos vãos da fachada da fracção B (substituição de quatro janelas por duas portadas) em 7 de Janeiro de 2022;
Tal substituição foi concluída em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro do corrente ano;
Nenhum dos outros elementos do projecto, supra indicados, se mostra concluído ou em execução, tendo os requeridos interrompido a execução dos trabalhos quando citados para os termos da presente providência.

Nos termos do art.º 397º, n.º 1 do CPC, quem se julgue ofendido no seu direito de propriedade ou em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.

Trata-se de um prazo de caducidade do direito ao embargo, tem natureza substantiva e, reportando-se a matéria não excluída da disponibilidade das partes, a sua não verificação tem de ser invocada por estas – cf. art.º 303º ex vi art.º 333º, n.º 2 do Código Civil.

Portanto, a inobservância do prazo constitui excepção apenas invocável pelo requerido e que este tem o ónus de provar – cf., art.º 342º, n.º 2 do Código Civil; cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 170.

Sendo o momento relevante para o início da contagem do prazo o do conhecimento do facto, há, contudo, que ter presente que a norma se reporta quer à realização da obra, quer à ocorrência do dano ou constatação da ameaça, daí que a doutrina e a jurisprudência venham confluindo no entendimento de que o conhecimento do lesado, a partir do qual se conta tal prazo, não tem apenas por objecto a obra, que inicialmente pode até não ameaçar lesão, mas também o facto de ela lhe causar ou ameaçar causar, prejuízo, ou seja, ofender o seu direito – cf. José Lebre de Freitas e Isabela Alexandre, op. cit., pág. 171; António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume – Procedimentos Cautelares Especificados, pp. 231-232.

Além disso, o conhecimento de algum algo preparatório, como sejam a aprovação do projecto, o licenciamento da obra ou a colocação de materiais no local, não releva para o cômputo do prazo, que só tem início com o começo da obra em si.

Com efeito, tem sido entendido pela maioria da jurisprudência que, estando em causa uma obra de construção nova que o embargante alega violar o seu direito, o facto relevante cujo conhecimento marca a contagem inicial do prazo será o início de construção em termos que façam concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada.
In casu, impõe-se distinguir a realização das obras efectuadas no interior da fracção B, daquelas outras que foram projectadas para a fachada e logradouro.

Com efeito, resultou demonstrado que essas obras no interior da fracção tiveram início e foram concluídas antes do final do ano de 2020, mas ressalvou-se que, para além delas, existiram outras, que são, efectivamente, aquelas que estão aqui em causa e nas quais assenta a pretensão dos requerentes – cf. ponto 14. dos factos provados.

Aliás, basta consultar o contrato de empreitada referido no ponto 10. - que constitui o documento n.º 3 junto com a oposição[3] -, para verificar que o projecto de reabilitação abrangia o interior do imóvel e a requalificação do logradouro, sendo que o primeiro, enquanto obra de interior sem alterações estruturais estava dispensado de projecto de licenciamento, ao contrário do segundo.
Consta do Projecto de Reabilitação, que constitui o Anexo I ao contrato de empreitada, a expressa referência à sua realização por quatro fases: a 1ª fase, no interior do apartamento, até Dezembro de 2017; a 2ª fase, relativa à substituição de janelas exteriores, até Fevereiro de 2018; a 3ª fase, até Julho de 2018, com renovação do interior do apartamento, renovação de infra-estruturas de água, esgotos, electricidade, telecomunicações e climatização; e a 4ª fase, a ter lugar após a aprovação do projecto de licenciamento, relativa à requalificação do logradouro.
Ora, é precisamente a potencialidade lesiva das obras de requalificação do logradouro (4ª fase) que estão aqui em causa, como se retira do alegado pelos requerentes nos artigos 16º e seguintes do requerimento inicial.

Toda a documentação a que os requeridos/recorrentes aludem nas suas alegações revela, efectivamente, uma troca de correspondência entre aqueles e os requerentes a propósito das obras projectadas, aferindo-se quanto às específicas obras que aqui interessam, que estes foram informados da aprovação dos projectos de especialidades da obra do exterior e que estas iriam iniciar-se, conforme mensagem de correio electrónico endereçada pela representante do requerido para a primeira requerente em 27 de Abril de 2020[4] e comunicações de 28 de Abril, 16 de Abril e 9 de Setembro de 2020, onde são informados da respectiva aprovação por parte do Município de Lisboa[5].

No entanto, já se referiu, há uma diferença entre o anúncio de uma obra que tem potencialidade lesiva, o projecto, o licenciamento da obra e o efectivo início da sua construção, sendo que aqui está em causa, não a obra na sua totalidade, mas a parte da obra que tem a potencialidade lesiva do direito dos embargantes que, conforme decorre dos pontos 15. e 16. dos factos apurados, se iniciaram com as obras de substituição dos vãos da fachada da fracção B de quatro janelas por duas portadas (integradas nesta fase do projecto – cf. ponto 9.), o que teve lugar em 7 de Janeiro de 2022.

Além disso, está demonstrado que essa substituição ficou concluída em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro de 2022.

O presente procedimento cautelar foi interposto em 7 de Fevereiro de 2022.

Os requeridos não lograram demonstrar que a substituição dos vãos da fachada terminou antes da referida data, pelo que claudicaram quanto ao ónus da prova que sobre si recaía. Com efeito, não é possível afirmar que a 7 de Fevereiro de 2022 já tinham decorrido os trinta dias sobre o início da obra (prazo que apenas terminaria às 24 horas do dia 7 de Fevereiro de 2022 – cf. art.ºs 279º, n.ºs 1, b) e e) do Código Civil), nem tão-pouco que esta já estava concluída, pois que se desconhece em que dia do mês de Fevereiro a mencionada substituição dos vãos terminou (para além do facto de se ter de considerar que a 4ª fase da obra prosseguiria com a ligação das portadas ao logradouro e toda a intervenção que neste iria ter lugar e que se seguiria àquela substituição).

Assim, não obstante a troca de correspondência existente entre as partes, antes do momento referido em 15., a providência não poderia ter sido instaurada, porque não pode ser requerida se a obra, o trabalho ou o serviço ainda não se iniciaram, como sucedia relativamente à requalificação do logradouro, em relação à qual existia apenas um projecto de construção e o respectivo licenciamento. É o que decorre, aliás, do disposto no art.º 329º do Código Civil, que determina em relação a todos os prazos de caducidade que a respectiva contagem não principia enquanto o direito sujeito a caducar não puder por força da lei, ser exercido.

Para se ter por iniciada a obra é necessário que haja começo da sua execução material, não significando início de trabalhos, os preparativos feitos para os executar, ou a feitura dos projectos técnicos de que depende tal realização – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2016, processo n.º 3616/16.0T8LSB.L1-6 e de 19-11-2020, processo n.º 12889/20.2T8LSB.L1-2; do Tribunal da Relação de Évora de 4-06-2020, processo n.º 51/20.9T8VRS.E1; do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-1998, processo n.º 98A1064; e do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-09-2021, processo n.º 551/20.0BELLE.[6]
Resta, pois, confirmar, nesta parte, a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção de caducidade deduzida.
***

Os requerentes/recorrentes vieram pugnar pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que decrete o embargo e ordene a demolição das obras pela seguinte ordem de razões:

Os factos revelam que os recorrentes são titulares do direito de propriedade relativamente às fracções autónomas e do direito de compropriedade quanto às partes comuns, sendo que estavam em curso obras na fachada do prédio e no logradouro;
Está provado que tais obras causam prejuízos à fracção A, que ficará com menos iluminação, falta de ventilação e potencial sujeição a emissão de gases pelas viaturas parqueadas no subterrâneo do logradouro;
O embargo de obra nova não pressupõe a demonstração de lesão grave ou dificilmente reparável, bastando a ilicitude do facto;
O Tribunal aplicou erradamente o art.º 401º do CPC, pois que apenas o art.º 368º, n.º 2 deste diploma legal permitiria recusar a providência, verificados os seus pressupostos, com base no princípio da proporcionalidade, mas esta norma não é aplicável ao embargo de obra nova, sendo que a avaliação dos direitos em confronto apenas pode ter lugar quando o embargo seja decretado e o requerido peça autorização para a continuação da obra, o que no caso não sucedeu;
A obra causa prejuízo relevante aos requerentes face à alteração introduzida na fachada;
Atento o disposto no art.º 402º do CPC, os requerentes têm direito a obter a demolição das obras que constituem inovação, pois que alteram a substância de partes do prédio, com prejuízo relevante, tendo natureza permanente, de modo que a execução da sua reposição terá um custo muito superior ao decorrente do embargo, em que os requeridos não teriam de custear as despesas com a obra;
O logradouro é parte comum do edifício, nos termos do art.º 1421º, n.º 1, b) do Código Civil, porque, em parte, constitui a cobertura da fracção F e o terraço existente antes das obras constitui cobertura parcial desta fracção, pelo que as obras careciam de autorização do condomínio, que não existiu, pelo que se trata de obra ilícita que ofende o direito de propriedade dos requerentes.

Os requeridos/recorridos contrariam o assim alegado referindo:
  • As obras na fachada poente já se encontravam terminadas, pelo que não poderiam ser suspensas e não configuram inovação nas partes comuns do prédio, pois que no projecto de arquitectura originário estavam previstos vãos de porta (sacada) e não vãos de janela, o que foi reposto com a obra;
  • A fachada poente não é visível da rua ou de outro andar, estando apenas voltada para o logradouro da fracção B;
  • Este procedimento não é o meio processual idóneo a obter a demolição das obras, que aliás beneficiam o prédio, não tendo sido alegados prejuízos graves ou irreparáveis para os requerentes e o prejuízo de uma ordem de demolição é desrazoável e desproporcional face a quaisquer prejuízos que possam causar aos requerentes;
  • Quanto às obras no logradouro – escavação, estrutura, fundações e construção civil -respeitam a obras em propriedade privada do requerido, que não chegaram a iniciar-se;
  • De acordo com a escritura de propriedade horizontal o logradouro, com área de 266,52 m2, é parte integrante da fracção B, pelo que a intervenção não carece de autorização dos demais condóminos;
  • As obras projectadas não causam qualquer prejuízo aos proprietários das fracções E e F, ainda que possam causar prejuízo à fracção A, que, porém, não foi alegado ou quantificado, pelo que o embargo não poderia ser decretado;
  • A exigência de um risco de lesão grave ou de difícil reparação mantém-se no âmbito dos procedimentos especificados, sendo que o art.º 397º do CPC continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra que possa causar prejuízo, logo, não é qualquer ofensa, mas uma ofensa de onde resulte prejuízo;
  • A obra na fachada poente não prejudicou em nada a utilização do prédio pelos condóminos, não há qualquer alteração ou modificação nas partes comuns (fachadas), nem alteração de permilagem da fracção B, nem tal obra causa impacto na linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício;
  • Basta a destinação objectiva, ainda que a afectação do logradouro ao uso exclusivo da fracção não conste do título constitutivo da propriedade horizontal, para que se considere parte própria, para além de figurar como parte da fracção B na descrição predial e resultar da caderneta predial, tendo a sua integração na fracção sido atendida aquando da fixação do valor da aquisição da fracção B pelo requerido;
  • Sendo parte própria do requerido, não é defensável a existência de qualquer ofensa de direito real ou pessoal de gozo dos requerentes por via das obras a realizar no logradouro;
  • A admissão da providência requerida, reconhecendo aos requerentes direitos de natureza definitiva, constituiria uma situação de abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, pela desproporção grave entre o benefício do titular e o sacrifício imposto a outrem.
Do pedido de demolição das obras já realizadas
Os procedimentos cautelares destinam-se, em geral, a “acautelar o efeito útil da acção” (cf. art. 2º, n.º 2, in fine do CPC), isto é, a “impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável perca toda a sua eficácia ou parte dela”, com vista a prevenir os riscos da normal demora do julgamento definitivo da acção - cf. Antunes Varela et al., Manual de Processo Civil,pág. 22.
Estatui o art. 397º, n.º 1 do CPC:Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.”

São, pois, requisitos essenciais do embargo de obra nova:
a)-que o requerente seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo;
b)-a existência de uma obra, trabalho ou serviço;
c)-uma obra, trabalho ou serviço em execução;
d)-a obra, trabalho ou serviço devem ser novos, deve verificar-se uma novidade;
e)-a obra, trabalho ou serviço novo cause ofensa ao direito do requerente e cause ou ameace causar prejuízo – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares,4ª Edição, pág.297.

Esta providência visa impedir a violação – ou o prosseguimento da violação – de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em virtude da execução de uma obra, trabalho ou serviço, isto é, tem por objectivo principal suspender provisoriamente uma obra cuja suspensão definitiva ou cuja demolição possa vir a ser decretada na acção, obtendo-se assim a estabilização da situação de facto até que o litígio seja resolvido na acção principal – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 163; António Abrantes Geraldes, Temas…, pág. 222

Como tal, não pode ser requerida, porque injustificada, uma providência cautelar de embargo de obra nova por via da qual se peticione a reposição da coisa nos exactos termos e condições em que se encontrava antes do início da obra, trabalho ou serviço novo – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 296.

E assim é porque, como tem sido reconhecido de modo uniforme, se o embargo de obra nova pressupõe que a obra já se tenha iniciado, da mesma forma esta providência cautelar só pode ser decretada desde que a obra se encontre em curso, ou seja, não esteja concluída aquando do decretamento da providência[7], pois aquilo que se pretende com o embargo é que a obra se suspenda e o respectivo dono não a continue, pelo que não faria sentido que se suspendesse e impedisse a continuação de algo que está concluído.

Se a obra iniciada já terminou restará ao proprietário que se considere ofendido no seu direito pela obra executada obter a sua demolição ou modificação através da interposição de uma acção de processo comum – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 165; Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição – Reimpressão, Coimbra 1981, pág. 64.

A decisão recorrida considerou, precisamente, que no âmbito da concreta providência nominada requerida não se enquadra a possibilidade de serem ordenadas demolições, com excepção das inovações abusivas realizadas após ser determinado o embargo, nos termos do art.º 402º, n.º 1 do CPC, o que, como é evidente, não era o caso.

Não obstante isso, não deixou o tribunal recorrido de apreciar a questão sob a perspectiva de uma cumulação do pedido de embargo de obra nova com um procedimento cautelar comum, para o que avaliou da reunião dos pressupostos necessários para o decretamento da demolição enquanto providência não especificada.

Todavia, embora considerando que a retirada das janelas e colocação de portas de sacada efectuadas na parede de empena do prédio constitui obra realizada em parte comum, sem autorização do condomínio e, como tal, ilícita, concluiu que, ainda assim, não seria caso de ordenar a demolição, em sede cautelar, porquanto não foi alegado ou provado qualquer facto indiciador da existência de risco de lesão grave e dificilmente reparável para qualquer um dos condóminos, sendo este um dos pressupostos essenciais para a procedência de eventual providência não especificada.

Não se vê como dissentir do assim decidido.

Os requerentes/apelantes concluíram as suas alegações pugnando pela revogação da decisão recorrida, devendo ser decretado o embargo da obra e ser ordenada a demolição das inovações, para o que argumentaram que tal pretensão encontraria acolhimento na previsão do art.º 402º do CPC e porque as obras alteram a fachada do prédio, é inovadora e traduz uma alteração substancial da coisa, pelo que deve ser demolida.

10º art.º 402º, n.º 1 do CPC estatui:Se o embargado continuar a obra, sem autorização, depois da notificação e enquanto o embargo subsistir, pode o embargante requerer que seja destruída a parte inovada”.

Trata-se, como é de meridiana clareza, de norma cuja aplicação pressupõe que o embargo tenha sido decretado e que o embargado não obedeça à intimação que lhe foi efectuada nos termos do art.º 400º, n.º 1 do CPC.
Portanto, aquilo que pode ser objecto de ordem de demolição no contexto deste procedimento cautelar é a parte da obra inovada à revelia da providência decretada, quando o embargado, não obstante notificado para a suspender, continuar a execução da obra.
Tal situação implica que, realizado o embargado, o dono da obra a prossiga e o embargante requeira a destruição da parte inovada, sendo que esta se determinará através do confronto entre o estado actual da obra e a descrição que dela foi feita no auto de embargo. O embargante alegará os factos pertinentes, o embargado será ouvido e, produzida a prova necessária, o juiz decidirá, condenando o embargado na destruição se se provar que houve inovação.
Como é evidente, não é essa a situação dos autos, e sequer, em 1ª instância, o embargo requerido foi decretado.
Assim, relativamente às obras já executadas à data da interposição do procedimento cautelar, não há lugar, em sede cautelar, à respectiva demolição, ainda que se tenham por ilícitas, enquanto ofensivas do direito do requerente, pretensão que deve ser apreciada em acção definitiva a intentar pelo interessado.
Nesta parte, improcede, pois, a apelação.
***

Dos pressupostos do embargo de obra nova
Deixaram-se já acima enunciados os requisitos da providência especificada de embargo de obra nova.
No que ao seu âmbito diz respeito, importa que o requerente invoque a violação ou perigo de violação de um direito subjectivo, sendo que os embargos integram o elenco dos meios de defesa da propriedade.
Seguro é que, paralelamente com o direito de propriedade, em sentido estrito, estão abrangidas pelo âmbito de protecção deste procedimento as situações de contitularidade que respeitem às regras da compropriedade ou ao regime da propriedade horizontal, desde logo pela alusão constante da norma a propriedade comum ou singular.
Nada obsta também que o embargo de obra nova possa ser usado entre comproprietários, de modo que, desde que a obra importe alteração no prédio comum, qualquer comproprietário que com ela não concorde pode embargá-la – cf. Professor Alberto dos Reis, op. cit., pág. 59; António Abrantes Geraldes, Temas…, pág. 225; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 166, que dá como exemplo, a situação de um condómino do rés-do-chão se pôr a abrir uma cave debaixo do solo, que é propriedade comum.
A situação dos autos é, precisamente, a decorrente da relação existente entre os requerentes e o primeiro requerido, enquanto proprietários/condóminos de fracções autónomas que integram o prédio sito em São C..... e São L....., C..... - C....., n.ºs ..-A, ..-B e .., constituído em regime de propriedade horizontal – cf. pontos 1. a 5. e 18. dos factos provados.
Os requerentes sustentam a sua pretensão de ver suspensa a obra invocando, precisamente, que com a intervenção prevista no logradouro, que consideram parte comum do edifício, e, bem assim, nas fachadas do prédio, serão introduzidas alterações na sua linha arquitectónica e arranjo estético do edifício, o que é vedado aos condóminos que, nas suas relações entre si estão sujeitos, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis, nos termos do art.º 1422º do Código Civil, pelo que a verificação dos pressupostos da providência tem de partir, precisamente, do tipo de intervenção efectuada pelos requeridos e se esta abrange parte comum ou parte exclusiva do edifício.
Em consonância com o acima exposto a propósito da apreciação da excepção de caducidade do direito ao embargo cumpre deixar desde já resolvida a questão atinente à invocada conclusão da obra e inviabilidade do decretamento do embargo por essa razão, argumento que os requeridos tornam a esgrimir em sede de recurso.
Com efeito, sustentam os apelados que as obras na fachada poente já estão terminadas, não existindo qualquer trabalho em curso ou execução que possa ser embargado.
No entanto, de acordo com os factos apurados – sendo certo que a decisão sobre a matéria de facto não foi impugnada –, as obras de substituição dos vãos da fachada da fracção B, com substituição de quatro janelas por duas portadas foi iniciada no dia 7 de Janeiro de 2022, tendo ficado concluída em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro de 2022.
Assim, não é possível afirmar que à data da interposição do requerimento inicial – 7 de Fevereiro de 2022 – a execução dessa intervenção na fachada estava concluída.
Note-se que o momento que releva para efeitos da verificação da conclusão da obra não é o da apreciação judicial do pedido de embargo, mas sim aquele em que é apresentado o requerimento inicial - cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pp. 227-228; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 165, referindo, quanto ao embargo extrajudicial, que importa que, no momento em que é feito, a obra esteja ainda em curso, sendo indiferente que, tendo prosseguido, já esteja concluída à data da ratificação; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 298 – “A ocorrência do requisito “obra nova não concluída” deve verificar-se no momento da apresentação do requerimento previsto no n.º 1 ou na ocasião da notificação verbal referida no n.º 2”.
Assim, quer relativamente às obras de intervenção na fachada descritas em 15., quer relativamente aos demais trabalhos projectados, que deveriam ter lugar na referida 4ª fase do projecto de requalificação (cf. ponto 9.), mas que então não estavam ainda em execução, não se pode concluir, quanto aos primeiros, que à data da apresentação do requerimento inicial a obra estava concluída e, quanto aos segundos, que não se tratava de obra iniciada.
Com efeito, pressupondo o embargo que a obra se encontra em curso, a tal não obsta o facto de a obra ficar suspensa no decurso da sua execução, desde que exista o receio, juridicamente relevante, de que a obra possa vir a ser retomada[8], o que, no caso, em face dos factos apurados, se torna evidente, desde logo face à dimensão da obra projectada e da ligação que se pretendia estabelecer entre os novos vãos abertos na fachada (abertura de portas de sacada) e o logradouro, sendo que o prosseguimento da obra apenas terá sido interrompido por força da interposição do presente processo, como disso se dá conta, aliás, na decisão recorrida, quando se refere, a folhas 13-14 o seguinte: “[…] as obras, ainda que, actualmente, não esteja a decorrer, devem considerar-se em curso à luz da lei. Estão paradas devido à entrada em juízo da providência, sendo evidente que aquilo que se mostra realizado (alteração dos vãos) é apenas a fase inicial de uma obra, em fase de desenvolvimento, que, no mínimo, implicaria estabelecer uma ligação das novas portadas com o logradouro”.
Neste ponto, detecta-se, pois, uma obra, iniciada e em execução.
Importa, contudo, que se trate de uma obra nova.
Os apelados pretendem afastar a característica da novidade sustentando que a intervenção ocorrida não configura inovação em parte comum do prédio, porquanto o projecto de arquitectura originário da construção do edifício previa para a empena poente vãos de portas (sacada) e não de janela, quer ao nível do rés-do-chão, quer do 1º andar, pelo que a execução dos vãos apenas repôs a linha arquitectónica do projecto inicial e mantém a simetria e coerência da fachada, o que também foi entendimento da Câmara Municipal de L____ aquando da aprovação do licenciamento.
Para que a providência cautelar possa ser decretada é, pois, necessário que esteja em causa uma obra, trabalho ou serviço efectivamente novo, ou seja, que implique uma modificação substancial da coisa, de que é exemplo claro a abertura de novas portas ou janelas, demolição de paredes ou remoção de cobertura ou reconstrução de um edifício em ruínas, mas com diferente volumetria ou com novos pisos.
Assim, este meio cautelar não é o adequado para interferir com uma obra de meras modificações superficiais ou mera reconstrução de uma situação pré-existente, desde que não haja inovação alguma, ou seja, quando se trate de reprodução ou repetição, pura e simples, de facto anterior – cf. Professor Alberto dos Reis, op. cit., pág. 63; Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3ª Edição Revista e Actualizada, Lisboa 2000, pág. 195; António Abrantes Geraldes, Temas…, pág. 228; Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 300.
Independentemente de a obra prevista no projecto de arquitectura originário da construção deste edifício prever ou não portas de sacada – o que, aliás, constitui matéria de facto não integrada no elenco factual apurado, sendo certo que as plantas juntas pelos requeridos foram objecto de impugnação e sobre essa questão não incidiu um juízo probatório específico[9], o que também não foi sindicado em sede de recurso -, seguro é que aquilo que importa aferir é se a obra iniciada irá introduzir alterações de substância na realidade pré-existente.

Basta atentar no ponto 9. dos factos provados para percepcionar a dimensão das obras projectadas e já iniciadas que, desde logo, implicaram a abertura de portas de sacada na fracção B, na fachada que deita para o logradouro, de onde foram retirados os anteriores vãos, que eram constituídos por dois pares simétricos de janelas, o que revela que onde existiam janelas passaram a figurar portas ou janelas de sacada, entendidas estas como janelas abertas até ao nível do pavimento do andar, permitindo o acesso directo ao logradouro (cuja cota seria elevada) por aberturas que foram ampliadas e, como é evidente, não coincidem – nem poderiam coincidir porque transformadas em portas - com aquelas outras que ali antes se encontravam.

Independentemente da localização das portas e sua inteira coincidência com a prévia localização das janelas e sua simetria com as aberturas existentes nos andares superiores, não se pode deixar de entender que os novos vãos constituem uma inovação, porque modificam, em substância, a realidade pré-existente, passando a criar portas que dão acesso ao logradouro, onde anteriormente apenas existiam janelas, que, por definição, não facultavam tal acesso, criando uma nova imagem na fachada do prédio em referência.

Mais do que isso, se se atender às obras cuja execução entretanto foi suspensa mas que estão contempladas no projecto aprovado, estas implicarão uma alteração no logradouro que assume manifesta relevância, com a criação de espaços para estacionamento coberto, com necessário rebaixamento/escavação para instalação do piso da garagem[10] e instalação de uma piscina, realidades físicas não existentes e cujo carácter inovatório dispensa qualquer outro esforço de demonstração.

Assim, quer relativamente à abertura de portas na fachada no local onde previamente existiam janelas, quer relativamente a todas as demais criações inovatórias que se lhe seguirão, na sequência do projectado e descrito em 9., é evidente que não se está perante modificações superficiais ou de mera reconstrução ou requalificação de uma situação pré-existente, mas perante uma novidade, o que preenche o requisito legalmente contemplado na previsão do art. 397º, n.º 1 do CPC.

Para que providência possa ser decretada é ainda necessário que a obra nova ofenda o direito do requerente e que dessa ofensa resulte ou possa vir a resultar prejuízo, não bastando para o efeito o mero incómodo provocado ou uma ofensa meramente formal.
Exige-se que a obra já tenha ofendido o direito (não basta uma ameaça); a ameaça de que a obra causa prejuízo pressupõe a existência de uma ofensa efectiva ao direito de propriedade.
Para este efeito, é indiferente que a obra tenha sido autorizada por qualquer autoridade pública, dado que o cumprimento de exigências administrativas é insuficiente para garantir a defesa dos direitos de terceiros que não tenham tido intervenção na relação jurídico-administrativa, tanto mais que a fiscalização que tais entidades efectuam visa assegurar o respeito das normas de direito público, acautelando os interesses abrangidos na sua esfera de actuação, não tendo competência para dirimir conflitos de outra natureza entre particulares – cf. António Abrantes Geraldes, Temas…, pág. 229.

José Alberto dos Reis entendia que a referência a “cause prejuízo” nada acrescentava relativamente ao pressuposto de o requerente se julgar ofendido no seu direito, ou seja, bastaria a ilicitude do facto – a ofensa ao direito de propriedade, posse ou fruição -, pois que o prejuízo consiste precisamente nessa ofensa: se o facto é ilícito, tanto basta para que se considere prejudicial para efeitos de procedência do embargo. Assim, o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos – cf. op. cit., pp. 64-65.

Nesta linha de entendimento, também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in op. cit., pp. 168-169, sustentam que a alusão a ofensa de que resulte ou possa vir a resultar prejuízo constitui um único requisito, de modo que a violação do direito ou da posse através da obra iniciada constitui, em si, o prejuízo a que o preceito se refere: “[…] só o prejuízo ou ameaça de prejuízo vem dar conteúdo ao juízo do requerente: ele julga-se ofendido em consequência de obra que lhe causa prejuízo ou ameaça causar-lho. A obra é, pois, a causa do juízo do requerente sobre o prejuízo que ela lhe causará, constituindo, em si, prejuízo a ofensa do seu direito ou posse”.

Assim, a ofensa do direito pela realização de uma obra material implica necessariamente o prejuízo, pois afecta, ou pode afectar, a possibilidade da completa fruição da coisa.

Seguindo este entendimento, ou seja, considerando que a “lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos, de modo que, demonstrada a ofensa de direitos de natureza patrimonial, é indiferente para a procedência dos embargos a gravidade dos danos, diversamente do que ocorre quanto ao procedimento cautelar comum (art.º 368º, n.º 2), sem prejuízo da eventual autorização da continuação da obra, nos termos do art. 401º”, pelo que para que a obra cause um prejuízo basta que ofenda o direito de propriedade ou posse, não se exigindo a ocorrência de danos efectivos, sendo o termo “prejuízo” utilizado em termos genéricos, bastando-se com qualquer ofensa, desde que ilícita, vejam-se: António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 304; Alberto dos Reis, op. cit., pág. 64 – “Trata-se de dano jurídico, isto é, dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou fruição”; Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 303.

Este parece ser o sentido maioritário da jurisprudência, como se dá conta no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-06-2019, processo n.º 20711/18.3T8LSB.L1-7:
“Ou seja, no embargo de obra nova, o “prejuízo” confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse, e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure (por período mais ou menos longo), ou como escreve Moitinho de Almeida na ob. cit., pág. 28, “o prejuízo, como requisito de embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, pois deriva sempre pura e simplesmente da própria violação do direito”.
Não obstante tal entendimento não seja unânime, revela-se maioritário na jurisprudência – entre outros, cfr. os Acs. Da RL 25.03.93, P. 0056656 (Silva Salazar), da RL de 16.11.1993, referido na nota 3, da RL de 20.3.1997, P. 0001766 (Arlindo Rocha), da RC de 02.11.2010, P. 77/10.0TBAGN.C1 (Moreira do Carmo), da RC de 31.1.2014, P. 3200/03 (Jorge Arcanjo), da RP de 19.02.2013, P. 1560/12.9TJPRT.P1 (Francisco Matos), da RP de 21.5.2013, P. 2862/12.0TBOAZ.P1 (Anabela Dias da Silva), da RE de 9.12.2009, P. 602/09.0TBBJA.E1 (Maria Alexandra Santos) […] e mesmo na doutrina.”

No mesmo sentido, de que não é necessária a prova de danos patrimoniais concretos, bastando o prejuízo previsto na lei com a ofensa ao direito de propriedade ou outro direito, cf. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2022, processo n.º 1511/21.0T8PRT.P2; do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-11-2019, processo n.º 6530/19.3T8LSB.L1-2.
Assim, independentemente da valoração sobre a dimensão dos prejuízos que previsivelmente os requerentes venham a suportar no confronto com aqueles outros que possam ter de ser tolerados pelos requeridos na sequência de eventual suspensão da obra, o que importa aferir é se o direito dos requerentes foi objecto de ofensa em consequência da obra iniciada na fracção B e logradouro.
Para o efeito há que ter presente que, primeiro, o prédio onde se integra a fracção B está constituído em propriedade horizontal, segundo, os requerentes são titulares do direito de propriedade incidente sobre outras fracções do mesmo prédio, pelo que o seu direito, tal como resulta do disposto no art. 1420º, n.º 1 do Código Civil, integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino à fracção que lhe pertence e, simultaneamente, o direito de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio.
Para efeitos dessa distinção, o art.º 1418.º, n.º 1 do Código Civil enuncia as informações que devem constar no título constitutivo da propriedade horizontal onde, necessariamente, devem ser especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções e a fixação do valor relativo a cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio, sendo que dele podem ainda constar outras especificações, como o fim a que se destina cada fracção ou parte comum e o regulamento do condomínio que disciplina o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas – cf. n.º 2 do referido normativo legal.
Por sua vez, o art.º 1421.º do Código Civil, na redacção dada pelo DL n.º 267/94, de 25-10, determina, no seu n.º 1, as partes do edifício que se têm por imperativamente comuns e, no n.º 2, aquelas que se presumem comuns (presunção ilidível), sendo que, de acordo com o n.º 3 daquela norma, o título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.
A alínea a) do n.º 1 do art.º 1421º do Código Civil considera como partes comuns o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio.
No que aqui interessa, há que realçar que o termo paredes abrange as paredes das fachadas, das empenas, de separação entre habitações, de caixa de escada, pois que, face à modernização da construção, àquilo que tradicionalmente se chama paredes-mestras correspondem hoje as paredes que tapam verticalmente os espaços entre as vigas e as colunas ou pilares, pelo que as fachadas do prédio – acrescente-se, deitem ou não para a via pública -, dado que integram a estrutura, o esqueleto do prédio, são partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 421; Aragão Seia, Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios, pp. 70-71; Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª Edição, pág. 33[11] – “As paredes perimetrais (paredes exteriores que delimitam o edifício), mesmo quando não tenham função de paredes mestras, delimitam a superfície coberta, determinado a consistência volumétrica do edifício e delineando o seu perfil arquitectónico, pelo que são de considerar comuns a todos os condóminos e destinadas ao serviço exclusivo do próprio edifício”.

Face aos factos provados sob os pontos 9. e 15. está demonstrado que os requeridos procederam a obras de substituição dos vãos da fachada da fracção B, sendo que onde existiam dois pares simétricos de janelas, foram efectuadas aberturas de portas de sacada.
Ainda que, diversamente do que sucede com as paredes, as aberturas – janelas, balcões, varandas, sacadas – que nelas se rasguem pertençam ao dono da respectiva fracção autónoma[12], seguro é que neste caso não se tratou de proceder a uma substituição das janelas existentes, mas sim de rasgar ou ampliar as aberturas que ali constavam, introduzindo uma clara inovação numa das fachadas perimetrais do edifício.
Nos termos do art.º 1425º, n.º 1 do Código Civil, as obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
Não de forma unânime, mas maioritariamente, defende-se que este art. 1425.º do Código Civil se reporta exclusivamente a obras inovadoras realizadas nas partes comuns, e não também nas fracções autónomas.
Além disso, não definindo a lei o que sejam inovações, tal expressão há-de reportar-se a obras que não sejam de conservação e que se distingam de simples reparação ou reconstituição das coisas, cabendo no conceito tanto as alterações de forma ou de substância da coisa.
Assim, as obras em referência, incidentes sobre a fachada perimetral do prédio, logo realizadas em parte comum, são ilícitas, porquanto efectuadas sem precedência de válida deliberação aprovada pelos condóminos.
Enquanto obra ilícita deve ser entendida como ofensa ao direito de compropriedade dos requerentes incidente sobre as partes comuns do edifício, o que preenche o requisito da procedência da providência de embargo por eles solicitada, porquanto, tal como decorre do anteriormente expendido, este se basta com a demonstração da ofensa do direito de propriedade através da obra, não sendo exigível a quantificação de prejuízos ou sequer a ponderação da gravidade dos danos.
Mas ainda que assim se não entendesse e não se configurasse como inovação em parte comum a obra de substituição de janelas por portas de acesso da fracção B ao logradouro, sempre se teria de configurar a existência de ofensa ao direito de compropriedade dos requerentes por via das obras que se lhe seguiriam e que incidiriam sobre o logradouro.
Na decisão recorrida considerou-se que o logradouro em causa nos autos constitui parte privativa da fracção B, pelo que a obra a realizar seria feita em propriedade do requerido, não carecendo de autorização do condomínio e que, ainda que causasse prejuízos na fracção A (cave), estes não são exactamente quantificáveis, nem especialmente graves, pelo que a sua realização devia ser autorizada e o embargo não foi decretado por se concluir ser desproporcional a limitação do gozo do proprietário face ao prejuízos esperados para a fracção A.
Quanto à qualificação do logradouro como parte própria, tende-se a aderir à conclusão a que a 1ª instância chegou, ainda que a discussão em torno da categorização dos logradouros como parte comum ou própria não seja isenta de divergências.
Dado que do título constitutivo da propriedade horizontal devem constar os elementos atinentes à descrição de cada uma das fracções e o seu valor relativo, nos termos do art. 1418º do Código Civil, o que se mostra vertido no art. 1421º do mesmo diploma legal a propósito das partes integrantes do edifício funciona como elemento de controlo ou de substituição da declaração negocial, impondo ou presumindo a natureza comum de determinadas partes do prédio – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2014, processo n.º 833/11.2TVPRT.P1.S1.

Com efeito, tal como refere Sandra Passinhas, op. cit., pp. 43-44:
“Na medida em que as partes próprias já estão especificadas no título constitutivo, o artigo 1421º, ao dar uma listagem geral de partes comuns, tem como função, no n.º 1, definir as partes que são imperativamente comuns e, no n.º 2, estabelecer uma presunção de comunhão para as partes tipificadas nas alíneas a) a d) e, em geral, para todas aquelas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (alínea e)).
No rol das partes indicadas como comuns, o legislador distingue aquelas que são insusceptíveis de apropriação privativa de todas as outras partes que serão próprias se um condómino provar (a presunção estabelecida inverte o ónus da prova), que há uma afectação da coisa ao seu domínio exclusivo. E como pode ser feita esta prova? Se a coisa é objectivamente destinada ao gozo de todos os condóminos, não basta para vencer a presunção de comunhão a utilização prática exclusiva. A afectação susceptível de vencer a presunção de comunhão prevista no n.º 2 do artigo 1421º terá de ser uma afectação formal, a realizar no título constitutivo. Ou seja, tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum dos condóminos. O legislador presume que, em geral, as partes que não estão descritas no título constitutivo como pertencendo exclusivamente a um dos condóminos são partes comuns do edifício.”
Assim, para esclarecimento da natureza comum ou própria de uma parte do prédio assume relevo aquilo que consta do título constitutivo.
Quando a propriedade horizontal é constituída por escritura pública (cf. art. 1417º do Código Civil), nesta é exarada uma declaração negocial sujeita às regras da interpretação e de integração previstas nos art.ºs 236º e seguintes do Código Civil, de tal modo que vale a declaração negocial com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. E como o título constitutivo é um negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (cf. art. 238º, n.º 1 do Código Civil).
No entanto, a interpretação do título deve ser efectuada em face de um condomínio historicamente determinado. Isto é, o intérprete terá de atender a todas as circunstâncias que caracterizam aquele condomínio, a situação jurídica, económica e social dos participantes, o ambiente em que se inserem, a estrutura acessória do local e qualquer aspecto que directa ou indirectamente incida sobre a individualização da relação.
Os requerentes/apelantes sustentam nas suas alegações que o logradouro constitui, em parte, cobertura da fracção F, pelo que tem de ser tido como parte comum, nos termos do art.º 1421º, n.º 1, b) do Código Civil, tanto mais que o título constitutivo, a descrição predial e inscrição matricial não contêm referência expressa à propriedade do logradouro.
Os recorridos afirmam, por sua vez, que resulta da escritura de constituição da propriedade horizontal que o logradouro, com a área aproximada de 266,52 m2, é parte integrante da fracção B e assim consta na descrição predial e inscrição matricial, para além do que existe uma destinação objectiva que o afecta àquela fracção, que constitui o único acesso e exclusivo àquela parte, pelo que as obras nele realizadas nunca poderiam constituir ofensa a direito real dos requerentes.

Para apreciação desta questão relevam os seguintes factos:
Na inscrição da propriedade, na matriz ou no título constitutivo de propriedade horizontal não existe qualquer menção específica ao logradouro;
O logradouro em causa, situado a poente, tem único e exclusivo acesso a partir do interior do prédio por dentro da fracção B (r/c), tendo também acesso directo por portão, a partir da via pública, na Costa do Castelo.
Assim, diversamente daquilo que os recorridos vêm defender em sede de contra-alegações ficou consignado nos factos provados que não consta qualquer menção ao logradouro em discussão nos autos seja no título constitutivo de propriedade horizontal, seja na descrição predial, seja na inscrição matricial relativa à fracção B.
Analisada a escritura junta com a petição inicial verifica-se que a fracção B integrante do terceiro prédio nela identificado é assim descrita: “rés-do-chão, que constitui um fogo com onze divisões assoalhadas (também com entrada pelo número sessenta e três da Costa do Castelo)”.
Mais à frente consta[13], como referem os recorridos, o seguinte: “A escada de serviço deste prédio tem também acesso pelo número um das citadas E..... e pelo número ... e ...-A da C..... - C..... é feito acesso directo da via pública ao logradouro do fogo do rés-do-chão (fracção B).”

Não obstante esta referência, certo é que os outorgantes não fizeram expressa indicação no título da natureza própria do logradouro enquanto parte integrante da fracção B.
De todo o modo, ainda que tal referência não se tivesse por suficiente para considerar que se pretendeu incluir esse logradouro na fracção B, está demonstrado que este, situado a poente, tem único e exclusivo acesso a partir do interior do prédio por dentro da fracção B (r/c), tendo também acesso directo por portão, a partir da via pública, na C..... - C..... .
Certo é que se discute na doutrina e na jurisprudência se o solo abrange o logradouro, enquanto terreno não edificado, que circunda o prédio, podendo servir fins diversos, como estacionamento, delimitação do prédio, entrada, entre outros.

Pires de Lima e Antunes Varela e Sandra Passinhas consideram que o logradouro é ainda parte imperativamente comum, quer por a definição de prédio abranger os terrenos que lhe servem de logradouro (cf. art.º 204º, n.º 2 do Código Civil), quer por o logradouro poder não corresponder a um pátio ou jardim, mas a algo diferente e ainda porque se o legislador o quisesse incluir na alínea a) do n.º 2 do art.º 1421º tê-lo-ia dito – cf. op. cit., pág. 33.
Quanto à presunção de parte comum quanto aos logradouros, refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2019, processo n.º 6844/18.0T8GMR.G1:
“[…] a lei não define logradouros, pátios ou jardins.
Lê-se a propósito no AC da R.L de 18-01-2001 (CJ t.1, p. 89) “ Para Moutinho de Almeida, pátio é a área sobrante do edifício, citando Giuseppe Branca; e jardim é o pátio ajardinado (in Propriedade Horizontal, 2ªed. p. 49), aquele com a função principal de fornecer ar e luz ao edifício e, secundariamente, pode servir de acesso ao prédio ou para estacionamento de viaturas e este tem uma função decorativa e de lazer (Sandra Passinhas, ob cit, p. 38).
Para esta autora, o logradouro de um prédio mais não é senão o "terreno não edificado que circunda o prédio, podendo servir fins diversos: estacionamento, delimitação do prédio, entrada, base de edificações secundárias, entre outros".
Doutra banda, o art. 1421, nº 2, al. a) do CC trata os pátios e jardins anexos ao edifício como partes presuntivamente comuns.
Na certeza, porém, que quer neste quer no nº 1, onde se enumeram as partes comuns - os elementos estruturais do edifício - não se indica o logradouro.
Discute-se na doutrina e jurisprudência se o solo abrange o logradouro.
Para Carvalho Fernandes, o solo é necessariamente parte comum no que respeita à zona de implantação do edifício.
Os pátios e jardins anexos ao edifício, em geral o seu logradouro, são comuns, se outra coisa não resultar do título constitutivo (ob. cit. p. 342).
Antunes Varela considera que o logradouro é ainda parte imperativamente comum (ob. cit. p. 420).
Perfilha deste entendimento Sandra Passinhas.
Em resumo: “ A lei não define o que é um logradouro, nem refere expressamente se estamos perante uma parte comum do prédio ou não.
A doutrina bem assim como a jurisprudência encontram-se divididas.
Há quem entenda que o logradouro só é comum se outra qualificação não resultar do título constitutivo da propriedade horizontal.
A generalidade da jurisprudência entende que os logradouros são presuntivamente comuns, (cabendo desta forma no nº 2 al. a) do artigo 1421 do Código Civil), havendo ainda quem defenda que os logradouros são imperativamente comuns (cabendo desta forma no nº 1 al. a) do artigo 1421 do Código Civil) […].”
Não obstante, há que ter presente a possibilidade de afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos, que pode resultar, não só de forma expressa do título constitutivo da propriedade horizontal, como da afectação material ab initio de uma parte do edifício a algum condómino, ou da natureza da situação.
Assim, a presunção da natureza comum de parte do edifício deve considerar-se afastada em relação a coisas que, não integrando o elenco das imperativamente comuns, não podem servir senão, pela sua destinação objectiva, a um dos condóminos. Ou seja, deixam de ser comuns aquelas coisas que estejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos, bastando, para o efeito, a fim de afastar a presunção de comunhão, uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da criação do condomínio, embora não se exija que ela conste do respectivo título constitutivo da propriedade horizontal.
Esta destinação objectiva verificar-se-ia, por exemplo, em relação a uma parte do edifício a que só se pode ter acesso ou comunicação através de uma fracção autónoma, de modo a ter de se entender que esse espaço pertence a tal fracção, ainda que a respectiva afectação não conste do título constitutivo da propriedade horizontal, não sendo uma parte comum – cf. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 423; Sandra Passinhas, op. cit., pp. 44-45, que distingue da situação prevista na alínea e) do n.º 2 do art.º 1421º do Código Civil a situação que “colocando-se num estádio temporal anterior, existente já à data da constituição do condomínio, configura uma destinação objectiva. É a coisa que, pela sua estrutura objectiva, pela sua situação ou por alguma outra circunstância juridicamente relevante, se encontra destinada à fracção autónoma (v. g., um jardim a que só se possa aceder pela sala do rés-do-chão). Estas coisas que, não estando especificadas no título constitutivo, deveriam ser consideradas comuns, nos termos da presunção do n.º 2 do artigo 1421º, não poderão, todavia, deixar de ser consideradas como partes próprias. A destinação objectiva da coisa funciona como um elemento limitador do seu domínio.”

Revertendo à situação dos autos, quer porque no título constitutivo se menciona o acesso ao logradouro “do fogo do rés-do-chão (fracção “B”)”, quer porque o acesso ao logradouro, a partir do interior do prédio, se efectua unicamente a partir da fracção B, deve este ser considerado parte integrante da respectiva fracção – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2019, processo n.º 6844/18.0T8GMR.G1.

Qualificado o logradouro como parte própria e integrante da fracção B tal não significa que se deva ter por desnecessária a autorização da assembleia de condóminos para a realização das obras nele projectadas executar.
Desde logo, há que ter em atenção que as obras previstas não incidem apenas sobre o logradouro, porquanto a cota do logradouro não só será elevada, como ali será instalada uma laje de betão sobrelevada, com a criação de espaço de estacionamento por baixo de tal laje, mais se prevendo a instalação de uma piscina sustentada por tração na laje de betão e solo do logradouro, ficando suspensa por sobre espaço inferior de tal logradouro – cf. ponto 9..
Ora, a execução destas obras – como os próprios recorridos referem nas suas contra-alegações – implicarão escavação, estrutura, fundações e construção civil, no logradouro da fracção B, ou seja, serão obras que abrangerão o solo e o subsolo, partes comuns do edifício.
Com efeito, o solo é o “terreno sobre o qual se ergue a construção ou que serve de logradouro a esta” e ainda que o prédio esteja dividido em partes distintas, o solo é comum a todos os condóminos. A comunhão abrange todo o solo e também o subsolo, mesmo que algumas das suas parcelas estejam ocupadas por pequenas construções distribuídas em propriedade plena pelos vários condóminos.
Além disso, há que distinguir o solo (natural) com o pavimento (artificial) construído sobre ele e que pertence ao dono da fracção na qual esse pavimento se integra – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pp. 420-421.

Como tal, o condómino não pode proceder a escavações em profundidade no subsolo, para cavar um novo local ou ampliar um já existente, pois que, desse modo, “atrai a coisa comum para a área da sua disponibilidade absoluta, subtraindo-a à possibilidade de fruição colectiva e lesando o direito de compropriedade dos outros condóminos.” – cf. Sandra Passinhas, op. cit., pág. 32.

Face à dimensão das obras, amplitude da sua intervenção, com necessária escavação do solo e subsolo subjacente ao logradouro[14] - o que, aliás, impôs a realização e um estudo geológico-geotécnico[15] -, com a criação de um novo espaço destinado a garagem e instalação de uma piscina que estará sustentada no solo do logradouro, não se pode deixar de entender que os trabalhos projectados interferem necessariamente com partes comuns do edifício, como sejam o solo e subsolo, pelo que careciam de autorização da assembleia de condóminos para a sua realização, o que não foi obtido pelo requerido.

Tratando-se, assim, de obra ilícita, que ofende o direito de compropriedade dos requeridos sobre parte comum do edifício, têm-se por verificados todos os pressupostos legalmente exigidos para a procedência da providência de embargo de obra nova, o que, por si, determina a revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene a imediata suspensão da obra.

Todavia, sempre se dirá, em obter dictum, que mesmo considerando apenas a intervenção no logradouro (superfície) enquanto parte integrante da fracção B, sempre tais obras teriam de observar as limitações decorrentes do disposto no art.º 1422º do Código Civil, que determina que os condóminos nas relações entre si estão sujeitos às limitações gerais do direito de propriedade e do direito de compropriedade.

Face à interdependência existente entre as diversas unidades que integram o prédio, bem como às especiais relações de contiguidade e vizinhança, o n.º 2 do art.º 1422º do Código Civil impõe especiais limitações ao direito de propriedade exclusivo de cada condómino sobre a sua fracção autónoma.

Considerando que as obras projectadas não podem deixar de ser tidas como obras novas, ou seja, irão criar algo novo – o que é evidente face ao vertido no ponto 9. -, que o licenciamento camarário não confere ou retira direitos privados, pelo que a sua existência é indiferente para a aferição do respeito pelas restrições ao direito de propriedade e à propriedade horizontal em particular, não substituindo a autorização pelo condomínio, que por linha arquitectónica se entende o “conjunto dos elementos estruturais da construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica”, que o arranjo estético do edifício “tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto”, torna-se fácil perceber que as modificações visadas reúnem aptidão para produzirem uma desarmonia no conjunto do edifício, alterando as suas características e a sua estética[16], pelo que sempre se teria de concluir estar-se perante obras vedadas ao requerido condómino, sem a prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – cf. art.º 1422º, n.º 2, a) e 3 do Código Civil; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-11-2020, processo n.º 3397/19.5T8BRG.G1.

Reunidos os pressupostos para que seja ordenado o embargo da obra nova e porque, tal como decorre do atrás explanado, a lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos, demonstrado que está que a actuação dos requeridos ofende direitos de natureza patrimonial inscritos na previsão normativa, sendo indiferente a gravidade dos danos, porquanto foi afastada a opção baseada no princípio da proporcionalidade assumida no âmbito do procedimento cautelar comum (cf. art.º 368º, n.º 2 do CPC), não há que enveredar pelo caminho trilhado pelo Tribunal recorrido num exercício de ponderação entre os prejuízos previsíveis para os requeridos decorrentes do decretamento da providência e aqueles outros que com este se pretende evitar na esfera dos requerentes.

Por outro lado, não cumpre fixar, por ora, qualquer caução, nos termos do art.º 401º do CPC, porquanto, tal como resulta da norma, caberá ao embargado, uma vez embargada a obra[17], requerer, se assim o entender, autorização para a sua continuação, com um de dois fundamentos: ser possível a destruição da obra que restitua o embargante ao estado anterior à continuação; o prejuízo resultante, para o embargado, da paralisação da obra ser consideravelmente superior ao que puder advir, para o embargante, da sua continuação.

Assim, não cabe neste momento proceder a qualquer ponderação nesse âmbito e tão-pouco fixar qualquer caução com vista ao prosseguimento da obra.
Por outro lado, os autos também não evidenciam quaisquer factos que, suscitando dúvidas sobre a existência do direito dos requerentes ou por ser difícil a reparação do eventual prejuízo do requerido, justifiquem que a providência seja ordenada sob condição suspensiva da prestação de caução pelos requerentes, nos termos dos art.ºs 374º, n.º 2 ex vi art.º 376º, n.º 2 do CPC).
Por fim, resta dizer que nesta sede cautelar se aprecia, como é evidente, em termos meramente perfunctórios, o direito dos requerentes que se considera ofendido pela obra nova, pelo que não se identifica o apontado desequilíbrio no exercício de posições jurídicas convocado pelos recorridos como fundamento da paralisação do direito ao embargo por via do instituto do abuso de direito.

O art. 334º do Código Civil estipula queÉ ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

A paralisação do exercício abusivo do direito não visa suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que, em certas circunstâncias concretas, esse direito seja exercido de forma a ofender gravemente o sentimento de justiça dominante na sociedade.

O abuso de direito está construído sobre limites indeterminados à actuação jurídica individual que advêm de conceitos como os de função, bons costumese de boa-fé. Tais conceitos carecem de concretização para que sejam passíveis de aplicação em concreto.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.

A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os respectivos pressupostos.

Integra o elenco de comportamentos abusivos o do desequilíbrio no exercício de posições jurídicas que se subdividem em: a) o exercício danoso inútil (é contrário à boa fé exercer direitos de modo inútil, com o objectivo de provocar danos na esfera alheia); b) dolo agit qui petit quod statim redditurus est (é contrário à boa fé exigir o que de seguida se deva restituir); c) a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem – cf. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, pág. 265.

Em face da verificação dos pressupostos necessários para que seja ordenada a imediata suspensão da obra e porque os factos apurados, por si só, não permitem constatar ou quantificar o prejuízo que eventualmente os requeridos suportarão com a paragem da obra nova que, atente-se, se tem por ilícita e ofensiva do direito dos requerentes, não é possível formular o invocado juízo de desproporcionalidade, sequer por via do investimento financeiro que haja sido efectuado no projecto de reabilitação da fracção, que não se mostra apurado.

Como tal, cumpre concluir pela procedência parcial da apelação, com a revogação da decisão recorrida na parte em que declarou improcedente o embargo de obra nova e determinou a prestação de caução pelos requeridos e a sua substituição por decisão que ordene o embargo.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que os apelantes lograram alcançar parcialmente a modificação do decidido, as custas processuais (na vertente de custas de parte) atinentes ao recurso independente ficam a cargo de apelantes e apelados, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, em ambas as instâncias - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos…, pág. 282 – “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.”
Quanto ao recurso subordinado, julgado improcedente, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo dos requeridos/recorrentes.
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IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso subordinado e parcialmente procedente a apelação independente, e, em consequência:
a.-Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o embargo de obra nova e determinou que os requeridos prestassem caução, fixando o valor provisoriamente em 50 000,00 € (alíneas b) e c) do dispositivo);
b.-Decretar o embargo de obra nova, com a suspensão imediata das obras em curso no prédio em regime de propriedade horizontal sito na C..... - C....., nºs ..-A, ..-B e .. e E..... - M..... P..... - L....., nºs .., ..-A e ..-B, freguesia de S___ M___ M___, concelho de L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob a ficha n.º ... da freguesia de São C..... e São L....., inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo ..., em concreto, na fachada correspondente à fracção B e logradouro.
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O embargo deverá ser feito por meio de auto, no qual se descrevam, minuciosamente, o estado da obra e a sua medição, quando possível. Os requeridos deverão ser notificados para não continuar a obra - cf. art.º 400º, n.º 1 do CPC.
No acto de embargo, as partes podem mandar tirar fotografias da obra, para serem juntas ao processo – cf. art.º 400º, n.º 3 do CPC.
Custas do recurso subordinado a cargo dos apelantes;
Custas do recurso independente, a cargo dos apelantes e dos apelados, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.
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Lisboa, 25 de Outubro de 2022[18]



Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Alexandra Castro Rocha



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]No entanto, Miguel Teixeira de Sousa sustenta que “a excepção peremptória não é uma questão prejudicial da apreciação do mérito da causa; é antes uma questão prejudicada quando não for reconhecida a pretensão do autor, pois que então não pode operar o seu efeito impeditivo, modificativo ou extintivo” (Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!..., 22-04-2015, Blog IPPC, acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=conhecimento+excep%C3%A7%C3%A3o+saneador); de todo o modo,como Castro Mendes, não se pode deixar de reconhecer que a alegação pelo réu de uma excepção peremptória suscita no processo uma questão fundamental, preliminar em relação ao thema decidendum (apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2015, processo n.º 1847/08.5TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
[3]Cf. Ref. Elect. 32452496 de 5-05-2022.
[4]Cf. Documento n.º 10 junto com a oposição, Ref. Elect. 32452496 de 5-05-2022.
[5]Cf. Documentos n.ºs 14, 15, 16 e 19 juntos com a oposição, Ref. Elect. 32452496 32455226 de 5-05-2022.
[6]Acessíveis na base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[7]Deve considerar-se concluída quando apenas lhe faltem alguns trabalhos secundários ou complementares, tais como rebocar interiores, colocar portas, entre outros, quando não são senão o aproveitamento das obras já concluídas.
[8]Cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 299.
[9]Que, aliás, o tribunal recorrido se absteve de formular por entender despiciendo para a solução do litígio – cf. folha 7 da decisão, penúltimo parágrafo.
[10]O que é claramente perceptível pela reprodução das plantas do projecto constantes dos artigos 198º e 224º da oposição.
[11] Acessível em http://www.centrodedireitodafamilia.org/sites/cdb-dru7-ph5.dd/files/A_Assembleia_de_condominos.pdf.
[12]Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 421.
[13]Página 10 e 11 do documento.
[14]Vejam-se as plantas anexas ao documento n.º 6 junto com a oposição e documento n.º 1 (numeração Citius) junto em 5 de Maio de 2022 Ref. Elect. 32455187.
[15]Cf. Documento n.º 3 (numeração Citius) junto com o requerimento de 5 de Maio de 2022, Ref. Elect. 32455187.
[16]Atente-se que a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício não se referem necessariamente ao belo, em sentido absoluto, mas antes se pretende tutelar a peculiar característica arquitectónica do edifício- cf. Sandra Passinhas, op. cit., pp. 126-127, nota 284. Além disso, note-se que no documento n.º 8 junto com o requerimento de 19 de Junho de 2022, Ref. Elect. 32883547, que constitui a notificação dirigida pela Câmara Municipal de Lisboa à sociedade requerida da aprovação do projecto de arquitectura, consta como tendo sido colocada a questão pelo parecer da Estrutura Consultiva, relacionada com a “alteração da composição arquitectónica da fachada não só ao nível do piso a intervencionar, onde a métrica dos vãos propostos e as características das caixilharias em nada se relacionam com as especificidades do edifício, como ao nível do piso superior”.
[17]Ainda que se admita que é possível ao dono da obra que seja previamente ouvido invocar qualquer um dos fundamentos, como excepção deduzida na contestação do pedido cautelar, no caso concreto tal não sucedeu – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 180-181.
[18]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.