Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1932/19.8T8PDL-B.L2-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA
ÓNUS DE PROVA
EMPRESA MUNICIPAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - Os administradores da insolvência são, por força da sua nomeação no processo de insolvência, agentes investidos de poder público - servidores da justiça e do direito -  legalmente dotados de poderes-deveres funcionais que exercem em representação e no interesse da massa insolvente, que o mesmo é dizer, no interesse do coletivo dos credores, dispondo dos poderes de atuação necessários e adequados a promover esse interesse, com a qual, por isso, se confunde a atuação da massa insolvente.
2 - Da intervenção processual que a lei reconhece e atribui ao administrador da insolvência no âmbito do incidente de qualificação da insolvência e do interesse jurídico que objetivamente caracteriza a natureza e atuação da massa insolvente decorre que ou um ou outro tem legitimidade para recorrer da sentença que qualifique a insolvência como fortuita, bem como do segmento que decida pela absolvição do indicado à afetação pela insolvência culposa.
3 - Por referência à natureza acusatória do incidente de qualificação da insolvência, o exercício do direito de defesa dos indicados à afetação tem-se por cabalmente assegurado com o conhecimento do teor das alegações e dos pareceres que definem e identificam cabalmente o objeto do incidente e, particularmente, os factos que a cada um dos requeridos sejam imputados.
4 - Face à impossibilidade de reconstituição natural da realidade, o julgamento/decisão de facto corresponde ao resultado da atividade interpretativa do julgador, consubstanciada esta na análise crítica e analítica que faz dos meios de prova concretamente produzidos, designadamente, das narrativas testemunhais e das partes, conjugando-as per si e entre si e/ou com outros meios de prova de distinta natureza, deles extraindo juízos valorativos e/ou conclusivos de facto, com indicação dos fundamentos condutores e determinantes dos raciocínios lógico-indutivos e dedutivos subjacentes a cada julgamento de facto, se caso for, por recurso a máximas da experiência ou presunções judiciais.
5 - Das regras do ónus da prova e da contraprova previstas nos arts. 342º, nº 1 e 346º do Código Civil resulta o descabimento processual do pedido de julgamento e inclusão na decisão de facto da versão negativa de factos que integram os pressupostos normativos constitutivos do pedido de afetação do recorrente pela insolvência culposa, por irrelevante para a decisão de mérito.
6 - Sobre o demandado recai o ónus de impugnar os factos constitutivos do direito ou pretensão contra ele invocado (sob pena de os mesmos se terem admitidos por acordo), já não o ónus de provar que não existem.
7 - A qualidade de ‘gerente/administrador de facto’ corresponde a juízo conclusivo de direito ao qual o julgador não pode pretender dar resposta em sede de matéria de facto e, muito menos, sem a descrição de um quadro fáctico que o suporte e que permita sindicar a bondade dos pressupostos – de facto e de direito - em que assenta.
8 - A difícil situação económica ou a situação de insolvência correspondem a juízo conclusivos de direito aos quais o julgador não pode pretender dar resposta na decisão de facto, e muito menos fundamentá-la nas opiniões/considerações conclusivas a respeito transmitidas por testemunhas.
9 - Não é possível reconhecer valor de perícia às avaliações realizadas extra-processualmente posto que não são o resultado do procedimento para o efeito regulado na lei processual civil que, essencialmente, a par com a indicação e escrutínio dos técnicos para a sua realização e opção pela natureza singular ou colegial da mesma, visa garantir o exercício do contraditório, não só quanto ao resultado final expresso no relatório, mas desde logo na recolha dos elementos factuais e/ou fonte das informações às quais os peritos reportam e baseiam a avaliação, e na indicação e justificação dos respetivos critérios.
10 - A incorreção contabilística na mensuração de ativos inscritos nas contas é matéria e questão que cumpre apreciar e aferir por recurso às regras legais aplicáveis que, novamente, não cabe ponderar e aplicar em sede de decisão de facto; nesta compete apenas fixar os factos/dados que para o efeito relevem.
11 - O valor patrimonial tributário (VPT) de um imóvel não pode ser tomado como correspondendo ao seu valor real ou de mercado tão só pelo simples facto de nos autos não existirem elementos em contrário porque, por princípio, a formação de convicção positiva sobre facto controvertido não se basta com a inexistência de elementos a apontar em sentido contrário ou diverso, antes pressupõe a existência de elementos que a justifiquem naquele sentido.
12 - As Empresas Municipais Locais (E.M.), apesar de constituídas sob a forma comercial e legalmente qualificadas como pessoas coletivas de direito privado[1], estão legalmente subordinadas a um regime jurídico especial com traços de regime jurídico-público que lhes confere natureza sui géneris, distinto da disciplina geral das sociedades comerciais e inconciliável e insuscetível de concorrer com o regime legal da insolvência, o que afasta a aplicação do CIRE e, em última análise, inviabiliza a possibilidade de responsabilização dos seus administradores por recurso e no âmbito do processo de insolvência.
13 - Da conjugação dos arts. 61º e 62º do RJAEL resulta que sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no nº 1 do art.º 62º do RJAEL ou a perda de metade do capital social da E.M., a dissolução destas empresas é da competência do órgão deliberativo da entidade pública participante sob proposta do respetivo órgão executivo e é cumprida de acordo com o regime dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais.
14 - Operando uma interpretação atualista da exclusão prevista pelo art.º 2º, nº 2, al. a) do CIRE, a despeito da qualificação jurídica da E.M. como pessoa coletiva de direito privado, o que releva é o regime jurídico substantivo a que estão subordinadas: é privada na forma, estrutura e organização societárias, mas é pública no procedimento (administrativo) decisório e preparatório da sua criação, na natureza pública dos capitais (pelo menos maioritários) que a compõem ou da influência dominante sobre a sua gestão (arts. 19º, 24º e 37º do RJAEL), na atividade e objetivos que prossegue (arts. 20º, 31º, 45º e 48º do RJAEL), e nos mecanismos próprios de proteção dos credores que, em primeira linha, é determinada pela tutela do erário público subjacente aos mecanismos de controlo da sua criação, subsistência e extinção (cfr. arts. 32º, 33º, 22º, 23º, 25º, nº 6 e 7, 40º, nº 2, 43º, e 61º a 65º-A do RJAEL).
15 - A administração de facto exige, por natureza, o efetivo exercício de poderes de gestão no âmbito do objeto social, por princípio, de forma sistemática e continuada, de modo independente, com total e ilimitada autonomia na tomada de decisões e na atuação, influindo de forma decisiva nos destinos da sociedade, com compressão da autonomia do administrador de direito na tomada dessas decisões.
16 - Estando em causa a existência de ‘shadow director’ – o administrador de facto que, não assumindo externa ou publicamente o estatuto de administrador, “dá instruções que os outros acatam, actuando nas sombras” –, a sua averiguação impõe seja realizada, não por referência às relações estabelecidas entre a sociedade e terceiros (vertente em que sobressai a função de representação da administração), mas antes com enfoque na relação interna sociedade-administrador e nas interações entre os administradores de direito da devedora e aquele a quem é imputada a administração de facto.
17 - Aliado ao regime do recurso vigente no nosso sistema processual (de reponderação do julgamento realizado pela decisão recorrida por referência aos elementos de facto por ela considerados) e ao alcance do caso julgado, a proibição da reformatio in pejus consagrada pelo art.º 635º, nº 5 do CPC obsta à reponderação do julgamento operado pelo tribunal recorrido sobre factos que não reconheceu e afastou como fundamento de qualificação da insolvência como culposa e como fundamento do critério e da quantificação da indemnização se, nessa parte, a decisão não foi objeto de recurso.
18 - Subjacente à tutela legal visada pelo instituto da qualificação da insolvência estão dois princípios estruturantes do processo falimentar - a garantia patrimonial e o tratamento igualitário dos credores previstos pelos arts 601º e 604º do CC - por recurso aos quais se deverá alcançar a ratio dos factos qualificadores da insolvência e o alcance dos elementos normativos que os integram.
19 - Todas as qualificativas previstas pelo art.º 186º nº 2 assumem uma função de pré-proteção daqueles interesses, sancionando condutas suscetíveis de em abstrato lesar o património e prejudicar a solvabilidade do devedor independentemente da verificação do perigo concreto de conduzirem a essa situação e/ou da intenção de prejudicar os credores; basta que o facto seja objetivamente apto a causá-lo.
20 - Em causa na al. d) estão atos de disposição que se qualificam como prejudiciais do património da devedora e, por isso, dos respetivos credores, por deles resultar diminuição do ativo da devedora, com consequente diminuição do valor da massa insolvente constituída com a sua declaração de insolvência, e consequente agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida da afetação das garantias patrimoniais da insolvente, impedindo-os de concorrer ao produto daqueles bens para integral e/ou parcial satisfação dos respetivos créditos.
21 - Prejuízo visado prevenir pela imposição do cumprimento da liquidação do ativo e do passivo do devedor insolvente através de procedimento judicial que, precisamente, visa garantir a subordinação daquela atividade e, em última linha, a satisfação dos credores, ao cumprimento de trâmites e regras legais, com a fiscalização e, em determinadas matérias, apreciação judicial.
22 - A venda dos bens da devedora quando esta não dispunha de crédito nem de liquidez para pagamento de dívidas já vencidas e outras na iminência de vencer esvaziou a insolvente de ativos em prejuízo da massa insolvente e dos seus credores, conduta que, independentemente do preço atribuído aos bens e de este ter sido ou não pago à vendedora, integra os pressupostos do fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. d) do nº 2 do art.º 186º que, como tal, é autonomamente valorada independentemente do cumprimento ou incumprimento do dever de apresentação à insolvência.
23 - Na situação subjacente à administração de facto do que se trata é de alguém assumir a qualidade de administrador de direito da sociedade para, com o seu conhecimento e vontade própria, dar cobertura ou ‘fachada’ a outro que de facto vai exercer a sua administração e que, por ausência de título, se assume de facto.
24 - É consensual na doutrina e na jurisprudência que um administrador de direito que não exerce de facto está a incumprir o dever funcional social que sobre ele recai, e que o dever de administrar, de zelar e até de fiscalizar os demais elementos da direção, é incompatível com o não exercício do cargo e que, em princípio, conduzirá à responsabilização por omissão.
25 - A responsabilização patrimonial prevista pelo art.º 189º, nº 2, al. e) do CIRE, para além da sua dimensão punitiva intrínseca à moralização do sistema visada pelo incidente da qualificação, assume também uma dimensão de reparação dos credores através da condenação dos afetados em indemnização, cuja medida ou quantificação o legislador remeteu para os pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil com o aproveitamento, em benefício dos credores, da declaração judicial da natureza ilícita e culposa das condutas dos afetados pela qualificação operada em sede de processo de insolvência e da facilitação, por essa via, da imputação dos danos por elas produzidos.
26 - Pela natureza sancionatória que lhe está subjacente, a obrigação de indemnização determinada pela afetação da insolvência culposa não é prejudicada pela destruição – total ou parcial - dos atos fundamento da qualificação no âmbito do processo de insolvência através dos mecanismos legais para o efeito previstos, como ocorre suceder com a resolução extra-judicial de negócios pelo AI, com consequente destruição e restituição ou constituição da obrigação de restituição dos bens dele objeto à massa insolvente.

(Da responsabilidade da relatora, cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC.)
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[1] Cfr. art. 19º, nº 1, 4 e 5 da RJAEL:
1 - São empresas locais as constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em razão da verificação de um dos seguintes requisitos (…).
4 - As empresas locais são pessoas coletivas de direito privado, com natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana, consoante a influência dominante prevista no n.º 1 seja exercida, respetivamente, por um município, dois ou mais municípios ou uma associação de municípios, independentemente da respetiva tipologia, ou uma área metropolitana.
5 - A denominação das empresas locais é acompanhada da indicação da sua natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana, respetivamente E. M., E. I. M. ou E. M. T.
Decisão Texto Parcial:Acordam as Juízas da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO
1. Por apenso (B) ao processo de insolvência de Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, E.M., SA (doravante designada por Azores), requerida em 09.08.2019 e declarada por sentença proferida em 28.11.2019, realizada a assembleia de credores a que alude o art.º 156º do CIRE[2] no dia 13.01.2020, por requerimento de 27.01.2020 o credor e requerente da insolvência Banco Santander Totta, SA (Santander) requereu a qualificação da insolvência como culposa com fundamento no art.º 186º, nº 1 e 2, als. b) e i) e nº 3, al. a) do CIRE para por ela serem afetados os seus atuais administradores, C. e S., e condenados estes no pagamento do montante total dos créditos não satisfeitos pelo património da insolvente, nos termos do art.º 189º, n º 2, al. e) do CIRE.
Invocou, em síntese:
a) incumprimento do dever de apresentação à insolvência alegando que a devedora está em situação de insolvência desde pelo menos 2016, o que justificou com os valores totais do passivo corrente em confronto com as receitas em cada ano geradas, as dívidas à Autoridade Tributária, e os resultados negativos consecutivamente apresentados e capitais próprios negativos, do que os indicados, que tomaram posse do cargo de administradores em 12.04.2019, têm conhecimento desde esse mês, tendo recorrido ilegalmente ao PER em agosto de 2019, já depois de tentada a sua citação para o pedido de insolvência, apenas para atrasar a sua declaração;
b) celebração de negócios prejudiciais em prejuízo dos credores e em benefício dos indicados e de terceiros, traduzidos na venda de dezenas de imóveis e por valores inferiores aos respetivos valores patrimoniais, incluindo um conjunto de imóveis com valor patrimonial de €3M que foi vendido por €50.000,00 a sociedade detida por outra que até poucos dias antes era detida pelo indicado C., e o que levaram a cabo poucos dias antes de os indicados à afetação terem comunicado ao credor, em 24.05.2019, que a devedora não dispunha de condições para honrar os compromissos;
c) incumprimento do dever de colaboração, traduzido na recusa de entrega ao sr. AI das rendas emergentes do arrendamento, ao Município de Ponta Delgada, do parque de máquinas pertença da insolvente.
Juntou documentos, requereu a audição do Sr. administrador da insolvência (doravante, AI) e depoimento de parte dos requeridos, arrolou testemunhas, requereu a notificação da insolvente e de outras entidades para junção de documentos, e requereu a realização de perícia aos imóveis identificados no requerimento para apuramento do seu valor à data em que a insolvente procedeu à respetiva venda.
2. Por despacho de 03.02.2020 foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com caráter pleno e ordenada a notificação do AI para, em 20 dias, apresentar o parecer a que alude o art.º 188º, nº 3. Por requerimento de 26.02, o AI requereu prazo não inferior a 45 dias para apresentação de parecer de qualificação, o que foi concedido por despacho de 02.03.
3. Por requerimento de 27.02.2020 o Banco Santander Totta alegou recente conhecimento do teor de extratos bancários da insolvente revelador do destino do produto das vendas descritas no requerimento de abertura do incidente e por aquela recebidos – para além de levantamentos em numerário, o último realizado na véspera da declaração da insolvência, transferências bancárias no montante total de € 580.087,97 a favor da sociedade MC, Ldª, detida em partes iguais pelo mandatário da insolvente nos autos, Sr. Dr. R., e pela empresa Portadmiral, Ldª, da qual aquele é gerente, sendo esta a sociedade mãe da Alixir Capital e a sociedade avó da insolvente; € 269.000,00 a favor da sua acionista única, Alixir Capital; e € 5.823,38 a favor do seu administrador C. - requereu a concessão de prazo adicional de 30 dias para análise complementar dos factos agora apresentados, nomeadamente para, sendo disso caso, requerer o alargamento de sujeitos que deverão ser afetados pela qualificação da insolvência de Azores Parque. Juntou novos documentos, e requereu o aditamento ao rol de testemunhas de R. e a sua notificação.
4. Em 04.03.2020, R., invocando a qualidade de mandatário constituído nos autos pela insolvente, apresentou requerimento impugnando os factos aditados pelo Banco Santander Totta por requerimento de 27.02.2020. Juntou documentos.
5. Após prorrogações de prazo que requereu, em 25.06.2020 o AI apresentou parecer a que alude o art.º 188º, que concluiu propondo a qualificação da insolvência como culposa para por ela serem afetados C., S., B., L., H., e M.. Os dois primeiros na qualidade de administradores da insolvente desde abril de 2019 e com fundamento em incumprimento do dever de apresentação à insolvência e fundamento legal no art.º 186º, nº 3, al. a); ocultação e dissipação do património da insolvente e disposição dos seus bens e fundamento legal nas alíneas a), b), d), f) e g) do art.º 186º, nº 2; e recusa de colaboração com o AI. Os demais, membros da Câmara Municipal de Ponta Delgada, na qualidade de administradores da insolvente entre 2016 e 2019 e com fundamento no incumprimento do dever de apresentação à insolvência, sendo os terceiro, quarto e quinto indicados também com fundamento em aproveitamento da personalidade coletiva da insolvente em benefício do Município de Ponta Delgada com a celebração de contratos que agravaram a situação de insolvência da Azores e fundamento legal na al. e) do nº 2 do art.º 186º.
Alegou, em síntese, que:
a) a insolvente apresentou resultados negativos durante 4 anos consecutivos (2016 a 2019), o valor do ativo registado na contabilidade estava sobrevalorizado e o seu valor real (cerca de €5,5M) era muito inferior ao passivo real (cerca de €11M), e desde 2015 que os administradores tinham conhecimento daqueles factos, da situação de insolvência da Azores, e da obrigação de promover a sua internalização ou a sua apresentação à insolvência;
b) aproveitando a coincidência entre os órgãos de gestão da insolvente e da Câmara Municipal de Ponta Delgada, a personalidade coletiva daquela foi instrumentalizada em benefício desta para, em 2007 e para evitar afetar as contas públicas do Município, obter financiamentos para construir obra pública que devia ter sido realizada e custeada por este (parque de máquinas que logo após a sua construção foi arrendado ao Município pelo período de 15 anos, e estrada de acesso a habitações e a empresas e, por isso, municipal), aproveitamento que foi mantido com os novos financiamentos celebrados para reestruturar a dívida bancária da insolvente e com a gestão das contas bancárias da insolvente ao serviço de empresas municipais;
c) em 11.03.2019 os então administradores da insolvente, que integravam o Município de Ponta Delgada, procederam à venda da insolvente com o propósito de evitar a sua dissolução e internalização e consequente consideração do seu passivo no orçamento municipal, sabendo que o valor comercial da mesma era de cerca de €6M negativos, que na situação em que se encontrava não podia ser vendida a uma entidade privada, que essa venda, pelo preço simbólico de € 500,00, mais não era do que assunção de passivo sem o consentimento dos credores e que iria agravar a situação da insolvente e prejudicar os seus credores porque, nessas circunstâncias, não podiam deixar de equacionar que a compradora (Alixir Capital, Ldª) pretendesse delapidar o património da insolvente, conforme veio a suceder;
d) com a apresentação a PER em 23.08.2019, a insolvente pretendeu apenas a suspensão deste processo de insolvência, requerido em 09.08.2018 pelo seu principal credor, o Banco Santander Totta, que a insolvente deliberadamente omitiu da relação de credores;
e) a administração da insolvente nomeada pela sua única acionista celebrou contrato de empréstimo em benefício desta e, duas semanas após o início de funções, procedeu à venda de mais de 30 imóveis da insolvente por valores inferiores ao seu valor tributário e, alguns deles, a sociedades relacionadas com os administradores da insolvente, tendo prejudicado a insolvente em mais de €3M;
f) a insolvente não prestou informação solicitada a respeito das circunstâncias destes negócios;
g) parte do valor das vendas não foi recebida e, entre abril e novembro de 2019, os valores recebidos, no montante total de € 705.000,00, foram objeto de levantamentos em numerário e de transferências bancárias, estas em benefício da acionista única Alixir Capital, do administrador C., ou de empresa deste, tendo este emitido dois cheques em branco no valor de € 75.000,00 cada;
h) a nova administração da insolvente celebrou contrato promessa de compra e venda de imóvel com a Câmara Municipal de Ponta Delgada apto a causar à insolvente potencial perda de quase €2M, correspondentes às rendas futuras e vincendas que deixaria de receber da Câmara se esta procedesse à cessação antecipada do contrato de arrendamento do parque de máquinas com a sua transferência para o terreno contíguo prometido vender pela insolvente.
Juntou documentos, requereu depoimento de parte dos requeridos, arrolou testemunhas, requereu a notificação da insolvente e de outras entidades para junção de documentos.
6. O Ministério Público apresentou parecer concordante com o apresentado pelo AI, quer quanto à natureza da qualificação da insolvência, quer quanto aos por ela a afetar.
7. Cumprida a notificação da insolvente e a citação dos requeridos, deduziram oposição:
7.1. M., individualmente, e, em peça conjunta, B., H., e L., alegando todos:
a) falta de fundamentação do parecer do AI quanto a cada um dos contestantes por suportado em meros juízos de valor, requerendo cada um dos opoentes o desentranhamento daquele parecer nos segmentos em que afeta cada um e os demais opoentes;
b) inconstitucionalidade do parecer do Ministério Publico em consequência da inconstitucionalidade do art.º 188º, nº 4 do CIRE na parte em que impõe que as alegações e o parecer do AI vão com vista ao MP, com fundamento em violação dos critérios de legalidade e de objetividade que vinculam esta entidade previstos pelo art.º 219º, nº1 da CRP, com consequente pedido de desentranhamento do apresentado nos autos;
c) ausência do imputado aproveitamento da personalidade coletiva da insolvente e impossibilidade legal de a empresa ser declarada em situação de insolvência enquanto participada pela Câmara por tratar-se de empresa local e, como tal, afastada pelo Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local (RJAEL);
d) em cada um dos anos de 2016 a 2019 o Município de Ponta Delgada transferiu quantias pecuniárias para a insolvente para cobertura de prejuízos para obviar à consequência do endividamento desta no endividamento municipal nos termos previstos pelo RJAEL, de 2015 a 2018 o resultado operacional é sempre superior ao resultado líquido e só em 2018 o valor do passivo é 1,1% superior ao valor do ativo, nos anos de 2015 até 10.03.2019 a insolvente sempre cumpriu todas as suas obrigações vencidas, desde logo, as prestações bancárias, pelo que até à venda da participação social do Município, em 11.3.2019, a Azores Parque não estava insolvente;
f) a venda em procedimento de hasta pública dos 51% do capital social da insolvente correspondente à participação do Município de Ponta Delgada foi deliberada por unanimidade na reunião ordinária de 29.11.2018 da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, e aquele procedimento decorreu de acordo com as disposições legais relativas à contratação pública e não foi objeto de qualquer impugnação; a adjudicação da participação Social do Município na insolvente à única concorrente, Alixir Capital (Lisbon), pelo valor de €500,00, foi deliberada por unanimidade em Assembleia da Câmara Municipal de 06.03.2019, com exclusão dos indicados D. e H. por serem administradores da insolvente, e o contrato de compra e venda das ações foi celebrado em 11.03.2019 e nessa data comunicado ao Banco Santander Totta, tendo a Alixir apresentado plano de negócios que se mostrava exequível e acautelava o interesse público do Município, e com capacidade para negociar com a banca considerando tratar-se de empresa do grupo empresarial que, através da Azul Internacional, Ldª, detém 47,6% das ações da Santa Clara Açores Futebol, SAD, da qual o Banco Santander Totta é o único financiador bancário e principal patrocinador, o que, ao tempo da hasta pública, afasta a falta de credibilidade alegada no parecer do AI, não sendo exigível ao Município adivinhar as intenção reais do comprador e inexistindo enquadramento jurídico para rejeitar a proposta de compra apresentada;
g) na reunião de 29.11.2018 o Município não reconheceu a situação de insolvência da Azores Parque, as deliberações de alienação da participação social do Município só foram tomadas porque os vereadores do PS assim o pretenderam, e nelas não tomaram parte o então Vice-Presidente da Câmara Municipal H. e a contestante M., o que afasta o alegado conluio entre esta e os indicados B., H. e L. com os sócios da Alixir Capital na alienação da participação social;
h) a decisão de dissolução, de internalização, ou de venda da participação social do Município reveste natureza política excluída do controlo do mérito das decisões administrativas;
i) a existência de capitais próprios negativos é irrelevante para aferição da situação de insolvência nos termos do CIRE, que adotou o critério de fluxo de caixa – da impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas – e, adotando o critério do balanço, exige uma manifesta superioridade do ativo em relação ao passivo; não existe prova de que os imóveis inscritos no ativo da insolvente pelos valores de custos e encargos financeiros - designadamente, a Estrada da Azores Parque - estavam sobrevalorizados, nem os seus valores contabilísticos são postos em causa pelo ROC no relatório de gestão e contas de 2018; os terrenos do ativo da insolvente têm valor global ligeiramente superior ao inscrito nas contas de 2018; carece de qualquer suporte afirmar que o Município de Ponta Delgada iria deslocalizar o parque de máquinas instalado no terreno e edifício da insolvente para o terreno adjacente objeto do contrato promessa com eficácia real entre ambas celebrado por escritura publica de 25.07.2019, além de que o Município está obrigado ao pagamento da renda no valor de € 33.835,99 convencionada por contrato de arrendamento celebrado em 25.08.2008 e que não pode denunciar; o Município não reconheceu que a insolvente tinha valor de mercado negativo de cerca de €6M, valor que o AI afirmou no seu parecer tendo por base relatório sem base documental elaborado pelo ROC da Câmara Municipal de Ponta Delgada e cujas considerações foram infirmadas pelo ROC da insolvente na certificação legal das contas dos anos de 2015 a 2018, sendo que aquele também não suscitou aquelas considerações na certificação das contas do Municípios apesar de o RFALEI prever a apresentação das contas consolidadas com as entidades detidas ou participadas, direta ou indiretamente, pelo Município; a alienação das participações dos restantes acionistas à própria Azores em 2016 e 2018 teve como finalidade permitir eventual processo de internalização nos termos previstos pelo RJAEL, e foi feita gratuitamente atentas as dificuldades económico-financeiras da Azores; as contas bancárias da insolvente não eram utilizadas no interesse de outras empresas municipais, acontecendo precisamente o inverso;
j) a obrigação de dissolução de empresas municipais prevista pelos arts. 62º a 65º do RAJEL, como era o caso da insolvente (por apresentar resultados negativos nos últimos 3 anos e desde 2015), não impede a venda da participação social do Município, nem determina a sua insolvência, por impossibilidade jurídica, o que afasta o dever da sua apresentação à insolvência, nem o AI alega factos dos quais resulte que o comportamento dos requeridos agravou a situação de insolvência da Azores Parque.
Cada um dos opoentes concluiu pela improcedência da qualificação como culposa, em relação a si e em relação a cada um dos demais opoentes.
Arrolaram testemunhas e juntaram documentos.
7.2. S, alegando que
a) é sócio fundador e gerente da Alixir Capital desde a sua constituição em 2017, e esta sociedade integra grupo de investimento económico sedeado em Hong Kong (capital United Group Limited);
b) o procedimento de venda da participação social do Município na insolvente foi transparente e público, nos termos descritos pela requerida M.;
c) nunca colocou a possibilidade de o Município promover ilegalmente a venda de uma empresa insolvente e, à data em que tomou posse como respetivo administrador, não se verificava nenhuma das circunstâncias que caracterizam a situação de insolvência;
d) o indicado C. nunca transmitiu ao Santander que a devedora não dispunha de condições para cumprir as suas obrigações vencidas, mas sim que conseguiria honrar os seus compromissos com um período de carência de capital de seis meses e pagamento de juros através da consignação das receitas do parque de máquinas, proposta que, porque não foi por aquele aceite, levou a devedora a recorrer a PER para aprovação de plano de revitalização que lhe permitisse o cumprimento do plano de negócios, procedimento que foi encerrado por despacho de 18.11.2019 por ausência de consenso com credores;
e) entre a tomada de posse e a declaração de insolvência os administradores da Azores liquidaram mais de €125.000,00 de dívida de imposto herdado, extinguiu as dívidas à segurança social e à autoridade tributária, e liquidou dívida a fornecedores;
f) apesar da sua qualidade de vogal da administração da insolvente, por razões pessoais nunca exerceu de facto tais funções, não levantou um euro nem assinou cheques das contas da devedora, nem dela recebeu qualquer vencimento, tendo sido o indicado C. quem efetivamente exerceu a administração de direito e de facto da insolvente à total revelia do contestante que, com exceção do imóvel vendido em 26.04.2019 para obter liquidez que permitisse o pagamento de despesas correntes, impostos e prestações bancárias devidas pela Azores, desconhecia que aquele tinha procedido à venda de mais de 30 imóveis da sociedade a preços inferiores ao seu valor patrimonial e de mercado, a levantamentos avultados de dinheiro das contas bancárias da insolvente e a transferências para si próprio, aproveitando o distanciamento do contestante e a confiança que este em si depositou, e desconhecendo o destino dado ao produto da venda dos imóveis, sendo que o preço da venda de 15 imóveis à sociedade Birdwaves, Unipessoal, Ldª sequer deu entrada nas contas bancárias da insolvente;
g) o contrato de empréstimo celebrado entre a insolvente e a sua acionista Alixir corresponde a negócio usual e comum entre empresas, celebrado por necessidade de satisfação de compromissos financeiros de tesouraria e de investimento da Alixir, empréstimo que esta tinha condições para reembolsar, salvaguardando a remuneração da Azores, desconhecendo na altura a existência do processo de insolvência; não teve conhecimento do contrato promessa de compra e venda celebrado com o Município, que foi sem o seu conhecimento, mas do qual não resulta qualquer prejuízo para a Azores;
h) nunca foi contactado pelo AI para lhe entregar as rendas do ‘aluguer’ do parque de máquinas nem para qualquer outro efeito.
Conclui pela improcedência da qualificação como culposa em relação a si, bem como quanto aos indicados B., H., e L..
Preliminarmente requereu a suspensão da instância com fundamento na pendência da ação instaurada pelo Banco Santander Totta contra o Município de Ponta Delgada e a Alixir Capital - pela qual foi pedida a declaração de nulidade do negócio de compra e venda da participação social do Município na insolvente -, que qualificou como causa prejudicial ao processo de insolvência e todos os seus apensos.
Requereu depoimento de parte do indicado C. e declarações de parte, arrolou testemunhas, juntou documentos, e requereu a requisição de documentos em poder da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo e em poder do AI.
7.3. C., alegando que
a) só formalmente foi Presidente do Conselho de Administração da Azores desde a data em que foi nomeado até à declaração da insolvência, tendo desempenhado a função de testa de ferro ou homem de palha e o seu nome usado por R. para, por vontade, decisão e proveito deste gerir todos os negócios da insolvente, aproveitando a baixa escolaridade, parca experiência e reduzidos contactos do contestante;
b) R. propôs-lhe, e o contestante aceitou, ficar à frente de empresa de leilões e de venda de imóveis, a sociedade Leiloazores, Ldª, que aquele queria constituir para si próprio mas à qual, por razões que não explicou, o seu nome não podia surgir ligado, tomando aquele todas as decisões de gestão e limitando-se o contestante a atuar conforme por aquele lhe era pedido ou ordenado e, entre finais de 2016 a 2019, a auferir retribuição mínima, apesar de aquele lhe ter prometido o recebimento de honorários, comissões e prémios que o levaram a aceitar aquele projeto, até que, num ambiente de grande pressão e ascendente de R. sobre o contestante, de atritos, desentendimentos e crispação entre ambos, aquele obrigou-o a renunciar à gerência da Leiloazores, Ldª e a ceder gratuitamente a sua quota a F., da confiança daquele;
c) entre março e abril de 2019 R. convidou-o e convenceu-o a aceitar o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Azores a pretexto de que ambos iriam promover a reabilitação da empresa e ajudar também o Santa Clara, que aceitou, mas desconhecendo a realidade empresarial desta empresa, o negócio da compra do seu capital social e a sua compradora, conhecendo o indicado S. por ser acionista da sociedade desportiva do Santa Clara e por laços de amizade com R., sendo que também aqui iniciou formalmente funções mas, todas as decisões, todas as angariações e negociações, contratos, movimentos bancários, etc. sem exceção, foram da autoria de R., limitando-se o contestante a cumprir ordens e a assinar tudo que aquele lhe exigia, incluindo os levantamentos em numerário, que foram embolsados por aquele, e as transferências, incluindo as que foram designadas por empréstimos para a Alixir e que aquele depois re-transferiu para a sociedade anónima desportiva, resumindo-se os seus ganhos à sua remuneração, no total de €6.520,00 entre abril e dezembro de 2019;
d) quando se apercebeu que as vendas, os levantamentos, e as transferências não retornavam para ajudar a Azores Parque, questionou R., que o ameaçou e que, pelo poder e influência que lhe reconhece, o fez recear pela sua integridade física e pela sua própria vida, ameaçando-o também com pedido de insolvência pessoal, que o levou a assinar um contrato promessa de compra e venda da própria casa de morada de família dos seus pais com uma empresa àquele pertencente mas formalmente detida por terceiros, também testas de ferro.
Concluiu requerendo “a absolvição do Requerido de todos os pedidos contra ele formulados derivada da ausência de culpa da sua parte e, no âmbito do incidente de qualificação da presente insolvência como culposa, em decorrência do princípio do inquisitório processual, deve aquele abranger obrigatoriamente o administrador de facto R., contra ele prosseguindo, o que se requer, seguindo os autos a sua tramitação ulterior até final, com todas as necessárias consequências.”
Juntou documentos, requereu declarações de parte, e arrolou testemunhas.
8. O AI respondeu às oposições deduzidas, requerendo a improcedência do pedido de suspensão da instância, impugnando as versões dos factos apresentada pelos opoentes e imputando-lhes contradições entre si. Concluiu pela manutenção do alegado no parecer, aditadas pelo descrito na resposta, e requereu meios de prova adicionais através da junção de documentos, pedido de notificação de terceiros para prestação de informações, e aditamento ao rol de testemunhas.
9. Por despacho de 07.09.2020 foi suscitado incidente de levantamento de sigilo bancário, que foi deferido por decisão sumária desta Relação de 30.10.2020 (apenso H).
10. Notificada para o efeito, a comissão de credores juntou o respetivo parecer sobre a qualificação da insolvência, aderindo aos termos do parecer do AI e das respostas por este deduzidas às oposições, aditando considerações e documentos atinentes com o imputado conhecimento da situação de insolvência pela administração camarária de Ponta Delgada já desde 2016 e consequente violação da apresentação da Azores à insolvência, e com a imputada ausência de transparência de todo o procedimento de venda das participações da Azores em hasta pública, e por não ter visado os melhores interesses da Azores mas apenas o interesse dos seus então administradores em livrarem o Município de Ponta Delgada das suas responsabilidades pela sociedade.
11. Em sede de saneamento do incidente, em 22.10.2020 foi proferido despacho:
 i) de não admissão do requerimento apresentado em 27.02.2020 pelo requerente Banco Santander Totta, aduzindo em fundamento que À data da apresentação do requerimento, o prazo para apresentar observações quanto à qualificação da insolvência há muito se esgotara (artigo 188º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), sendo esta concreta apresentação de observações para efeitos de incidente de qualificação da insolvência como culposa extemporânea e, consequentemente, não dará lugar à apreciação dos respetivos factos alegados.;
ii) de não admissão do requerimento apresentado em 04.03.2020 por R. na qualidade de advogado constituído nos autos pela insolvente, com fundamento na caducidade do mandato produzida pela declaração da insolvência e prevista pelo art.º 110º do CIRE e na representação da insolvente pelo AI;
iii) de indeferimento do pedido de desentranhamento do parecer do Ministério Público deduzido pelos requeridos M., B., H., e L.;
iv) de fixação do objeto do litígio, da matéria de facto assente e dos temas de prova;
v) de admissão dos meios de prova, com exclusão da prova pericial requerida pelo requerente Banco Santander Totta, com fundamento no regime do art.º 35º, nº 1, 2 e 3 do CIRE e da ressalva à aplicação subsidiária do CPC prevista pelo art.º 17º do CIRE.
vi) de marcação e programação da audiência de julgamento.
12. Por despacho de 23.10.2020, proferido para complemento do antecedente, foi indeferida a suspensão da instância requerida pelo opoente S., aditada aos temas de prova matéria de facto por este alegada na oposição, e admitidos outros meios de prova requeridos nos autos.
13. Em 03.11.2020 o opoente C. requereu a notificação das testemunhas por si arroladas, a notificação do AI para prestar informação documentada atinente com a notícia de factos supervenientes relacionados com acordo celebrado entre R. e a massa insolvente, e mais requereu a junção de novos documentos, pedidos que foram parcialmente indeferidos por despacho de 12.11.2021, que foi parcialmente revogado por acórdão desta Relação e secção proferido em 09.03.2021 no âmbito do recurso de apelação que dele foi interposto pelo requerido C.[3] e que, julgando-o parcialmente procedente, determinou que as testemunhas arroladas pelo recorrente em 2º, e 4º a 9º lugar do requerimento de oposição (sendo a 3ª o requerido S.) fossem notificadas para julgamento e, assentando que daqueles documentos apenas os correspondentes aos prints de comunicações via whatsup foram rejeitados pelo despacho recorrido, confirmou a dita rejeição.
14. Notificado para o efeito, por req. de 13.11.2020 o AI identificou e documentou os termos das resoluções de negócio a que procedeu em benefício da massa e as vicissitudes judiciais e extra-judiciais com elas atinentes.
15. Por requerimento de 28.12.2020 o AI relatou o resultado de diligências que realizou na sequência das informações prestadas pela instituição bancária dispensada do sigilo bancário, atinentes com o destino de dois cheques emitidos em maio de 2019 sobre a conta da massa insolvente no valor individual de €75.000,00 – um deles depositado em conta titulada pela cônjuge de P. (relacionado com a sociedade LP-Safety Driving Center, Ldª que, na qualidade de credora, subscreveu declaração que, com a intervenção de outro credor, permitiu dar início ao PER que em agosto de 2019 suspendeu o processo de insolvência), e o outro (cheque) depositado em conta com dois titulares, sendo um deles LQ, então Diretor Regional dos Transportes ao tempo em que V. quem, de acordo com os factos alegados pelos opoentes, colocou em contacto a Alixir Capital e o Município de Ponta Delgada para a aquisição da Azores) era Secretário Regional do Turismo e Transportes, sendo atual vereador da Câmara Municipal de Ponta Delgada -, e requereu “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 526.º do Código de Processo Civil, seja oficiosamente ordenada a notificação (pelo meio mais expedito e eficaz possível) de S. e de Q. para depor como testemunhas na audiência agendada para o próximo dia 5 de Janeiro.”, requerimento que foi indeferido por despacho de 04.01.2021 com fundamento em extemporaneidade para apresentação de observações atinentes com a qualificação da insolvência e de meios de prova.
16. Por requerimento de 30.12.2020 o requerido e opoente B., invocando a qualidade de Presidente do Governo Regional dos Açores desde 24.11.2020[4] e, por inerência, a qualidade de membro do Conselho de Estado, invocou a necessidade de o tribunal requerer autorização ao Conselho de Estado para prestar depoimento de parte requerido pelo AI e admitido pelo tribunal, e requereu o exercício da prorrogativa legal de depor por escrito. Mais manifestou a sua oposição a eventual alteração à ordem de produção de prova.
17. Na sequência do sobredito requerimento, a requerida e opoente M. manifestou oposição à alteração da ordem de produção de prova e, por despacho de 04.01.2021, com fundamento em alteração de circunstâncias e invocando o art.º 35º, nº 1 do CIRE, foi dado sem efeito o despacho que admitiu o depoimento de B. e indeferida a requerida prestação do seu depoimento de parte.
18. Depois de realizada a primeira sessão da audiência de julgamento, por despacho de 05.02.2021, com fundamento legal no art.º 411º do CPC e no facto de a avaliação ter sido realizada por perito inscrito nas listas oficiais de avaliadores e de ter interesse para a boa decisão da causa, com a oposição dos opoentes M, B., H. e L., foi admitida a junção aos autos de relatório de avaliação de imóveis da Azores datado de 31.10.2018 e apresentado nos autos com requerimento do AI de 01.02.2021.
19. Por requerimento de 08.02.2021 a comissão de credores, representada pelo seu Presidente Banco Santander Totta, requereu a junção de dois documentos apresentados no processo 1297/20.5T8PDL por anteriores acionistas da insolvente e dos quais aquele credor foi notificado no dia 01.02.2020 e deu conhecimento à comissão de credores; a saber, cópia da ata da reunião da assembleia geral da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada que deliberou a cedência gratuita das ações dos demais acionistas da insolvente à Câmara Municipal de Ponta Delgada, ata de deliberação de cedência gratuita das ações da ex-acionista Taguspark - …, SA à Câmara, cartas a respeito da situação da insolvente àquela dirigidas, uma datada de 05.03.2018 e assinada pelo opoente H., e outra datada de 16.11.2015 assinada pela opoente L. e acompanhada de relatório desta sobre a situação da insolvente datado de 16.11.2015, documentos que, com oposição da requerida M., foram admitidos por despacho de 17.02.2021.
20. Notificado para o efeito no âmbito da segunda sessão da audiência de julgamento, por requerimento de 15.02.2021 o AI juntou aos autos as cartas que remeteu para notificação dos requeridos C. e S., com menção de devolução por não reclamadas.
21. Por requerimento de 16.02.2021 o credor Banco Santander Totta requereu a junção de documentos extraídos dos autos de insolvência que instaurou contra Alixir Capital, pedido que, com exceção da junção do acórdão desta Relação ali proferido, foi indeferido por despacho de 17.02.2021.
22. No seguimento da 3ª sessão da audiência de julgamento, em 20.02.2021 o recorrente C.- apresentou requerimento pelo qual concluiu e requereu “Por todo o exposto, invocando-se o princípio do inquisitório e o poder-dever que se impõe ao Juiz com vista ao apuramento da verdade material, requer-se que, oficiosamente: Se determine a citação de R. e a sua afectação na qualificação deste incidente, na qualidade de Administrador de facto da Insolvente desde 4 de Abril de 2019.”
23. O sobredito requerimento foi indeferido por despacho de 22.02.2021, do qual o requerido C. recorreu requerendo a sua revogação e substituição por outro que determine o chamamento à causa de R. na qualidade já provada de administrador de facto da Azores, recurso para cujos foi citado nos termos e para os efeitos do art.º 641º, nº 7 do CPC na sequência do determinado por despacho da relatora.
24. No seguimento da 7ª sessão da audiência de julgamento, pelos requeridos M., B., H. e L. foi requerida a junção de documentos, que foi admitida por despacho de 05.04.2021 com fundamento no interesse dos mesmos para a boa decisão, designadamente, para os temas da prova nºs 1 e 4.
25. Prosseguida e concluída a audiência de julgamento, foi proferida sentença de qualificação da insolvência como culposa com afetação dos indicados C. e S. e absolvição dos demais indicados, sentença que foi objeto de recurso interposto pelo AI e pelos declarados afetados com arguição, pelo recorrente C., da nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia relativamente ao pedido de afetação de R. por ele deduzido em sede de oposição, e ao qual, por despacho da relatora, foi ordenada a apensação do recurso interlocutório anteriormente interposto pelo recorrente C.
26. Por acórdão de 08.02.2022 desta secção foi julgado procedente o recurso interlocutório aludido em 23. e ordenada a citação de R. para os termos do incidente de qualificação da insolvência, nos termos e para os efeitos dos arts. 188º, nº 6 e 7, e 133º do CIRE (acompanhado das alegações e do requerimento de 27.02.2020 do credor Banco Santander, dos pareceres do AI e do MP, das oposições apresentadas nos autos e do requerimento de 20.02.2021 do recorrente C.).
27. Pelo mesmo acórdão mais foi julgada procedente a nulidade da sentença de qualificação da insolvência arguida pelo recorrente C. (para permitir a citação de R. para os termos do incidente), e determinada a renovação da produção de prova para instrução dos factos que por este viessem a ser impugnados, sem prejuízo do aproveitamento dos que não resultem prejudicados pela oposição que por ele fosse deduzida, e sem prejuízo da compatibilização necessária a evitar contradições no julgamento e no resultado do conjunto dos factos.
28. Cumprida a citação pessoal de R. (em 04.04.2022), este requereu a prorrogação do prazo para oposição, que foi deferida por 15 dias (despacho de 18.04.2022), no decurso da qual apresentou oposição (em 05.05.2022) que concluiu requerendo a sua não afetação pela qualificação da insolvência como culposa, a suspensão da instância do incidente até decisão da ação instaurada pelo credor Santander contra a Câmara Municipal de Ponta Delgada e contra a sociedade Alixir, Ldª para declaração de nulidade da transmissão das participações socias por esta adquiridas àquela edilidade, e o reenvio prejudicial.
(i) Invocou a violação do seu direito de defesa e requereu a liminar improcedência da qualificação no que a si respeita, alegando em fundamento que apenas o requerido C. lhe imputa a prática de factos enquanto administrador de facto da insolvente, mas sem nenhum enquadramento jurídico da matéria factual, não tendo forma de saber se a conduta que lhe é imputada enquadra no nº 1 ou em qualquer uma das alíneas do nº 2 ou do nº 3 do art.º 186º do CIRE, para além de ter de se defender do alegado por um dos visados pela qualificação da insolvência, parte interessada na sua própria desresponsabilização e, por isso, sem objetividade nem distanciamento, o que considera reforçado pelo teor da resposta deduzida pelo AI à oposição de C..
(ii) Alegou que concorda com o requerimento inicial do Santander e pareceres do AI e do MP, pelos quais nenhuma responsabilidade lhe é imputada, que a imputação que lhe é feita pelo requerido C. é falsa porque nunca foi administrador de facto da Azores nem atuou no sentido de a prejudicar nem de o beneficiar ilegitimamente, a si, à sociedade da qual é sócio e gerente, MC, Unipessoal, Ldª (MC), ou qualquer terceiro, sendo falsa a imputação da sua participação em plano para aquisição da Azores e delapidação do seu património e no contrato de empréstimo entre esta e a Alixir, falso que o contrato celebrado com a sociedade da qual é gerente visava delapidar e prejudicar a Azores, e falsa a imputada participação na venda dos imóveis; a única intervenção que teve foi como advogado ou consultor técnico da insolvente, ou no exercício do mandato forense, diretamente ou através da sociedade MC pelo que, mesmo praticando ou tendo intervenção expressa ou tácita nos atos em questão, estes são a exteriorização da vontade de outrem e não ordens ou decisões suas, como nos casos em que se limitou a transmitir a vontade do acionista maioritário indireto da Azores, a sociedade Portadmiral, cujo beneficiário e sócio maioritário é um investidor estrangeiro – G. - através de sociedade sedeada em Hong Kong, não podendo assumir responsabilidade pelos atos praticados por este ou pelo administrador da Azores que este aceitou nomear. Assim, foi na qualidade de consultor e a pedido daquele que avaliou a possibilidade da aquisição da Azores e prestou o aconselhamento devido, tendo-se relacionado para o efeito com HF., sugeriu nomes para o cargo de ROC, e sugeriu o requerido C. para o cargo de administrador.
Mais alegou que:
- A transferência realizada em benefício da Alixir tem suporte contratual – em contrato de empréstimo oneroso – e corresponde a troca de ativo (dinheiro) por outro ativo (crédito sobre a Alixir) e que esta o recebeu para emprestar ao Santa Clara que, por sua vez, o afetou ao pagamento de despesas de gestão corrente e do acordo entre MB. e o Santa Clara e permitiu a G.  manter as suas ações e vendê-las a sociedade detida pelo atual presidente do Conselho de Administração da Santa Clara Açores Futebol SAD, tendo sido estes os únicos que beneficiaram com os atos em questão e foi por isso que G. e Alixir negociaram com a massa insolvente da Azores um acordo de pagamento dos valores em dívida.
- O contrato celebrado entre a Azores e a MC visou contextualizar os serviços de advocacia e de consultoria que prestou à insolvente e constitui a base contratual das transferências realizadas em benefício daquela e, estas, correspondem aos valores tidos por necessários para pagar o trabalho já prestado e o que seria prestado, tendo o opoente procedido à transferência de cerca de €255K em benefício da Azores entre 23.05 e 18.06.2019 quando se apercebeu do excesso dos valores acordados e transferidos e, em junho de 2020, para evitar interpretação como a que se lhe imputa, decidiu procedeu à restituição integral, no valor de cerca de €324K, o que fez até maio de 2021, com prejuízo para si posto que prestou serviços que acabaram por não ser cobrados.
- foi como mandatário e consultor da Azores que interveio na apresentação desta a PER quando, depois da aquisição das participações, a Alixir foi confrontada com a real situação económico-financeira daquela, de incapacidade de gerar receitas, de investir no desenvolvimento do seu objeto social, e de cumprir o passivo financeiro, que a tornavam inviável, e os imóveis de que era titular não representavam qualquer liquidez pela ausência de correspondência do seu valor e não existir procura compradora no mercado, o que tornou necessário negociar com o credor Santander os prazos e formas de pagamento das responsabilidades financeiras assumidas pela anterior administração, sem o que a Azores estava condenada, na sequência do que em 24.05.2019 a sociedade remeteu proposta de regularização de dívida ao Santander, que este não aceitou, vindo a requerer a insolvência da sociedade em 09.08.2019, contexto em que se apresentou a PER para nova tentativa de negociação com o Santander.
- Não tomou nem teve influência nas decisões de venda dos imóveis, nem nelas participou nem delas beneficiou para além dos montantes pagos ao abrigo do contrato com a MC, sendo estranho às sociedades compradoras ou às sociedades que as detêm, que não geria nem controlava, limitando-se a sua intervenção à prática de atos na qualidade de advogado, como o termo de autenticação dos contratos assinados pela administração da Azores, sendo falsa a imagem que o requerido C. passa dele e de si próprio.
(iii) Corroborando o nesse sentido alegado pelo AI, pelo credor Santander, pelo Ministério Público, e pela comissão de credores, mais alegou que o relatório do ROC do Município de Ponta Delgada junto com a oposição de M. (doc. nº 42), o parecer da comissão de credores de 12.10.2020 e documentos com ele juntos, o relatório de avaliação do património elaborado em 30.10.2018 a pedido da Azores para efeitos da sua integração no património municipal por efeito da internalização da sociedade, e as contas dos anos de 2016 até março de 2019, revelam que nesse período a Azores estava em situação de insolvência, manifestada: pela incapacidade de cumprimento das obrigações vencidas por ausência de atividade capaz de gerar rendimentos para o efeito, que não era nem foi suprida pelas transferências realizadas pela Câmara ao longo dos 3 anos anteriores ao abrigo o regime do equilíbrio de contas previso no art.º 40º do RJAEL; pela manifesta superioridade do passivo em relação ao ativo, integrado por imóveis inscritos nas contas pelo valor de cerca de €7,5M quando deveriam constar pelo valor de cerca de €3,390M, com repercussão nos capitais próprios da insolvente, que eram de cerca de €6M negativos, valor que foi o indicado no anúncio público da venda das participações promovida pelo Município como sendo o valor comercial da Azores, e que obrigava o Município a realizar transferências para equilíbrio de contas em montante determinado pelo valor do resultado líquido negativo, que em 2018 seria de €6,196M caso o valor da rubrica inventário tivesse sido registo pelo valor da avaliação realizada nesse ano, e não pelo custo de aquisição; pela existência de uma condenação judicial da insolvente no pagamento de €285K, inscrita nas contas da sociedade desde 2015 e objeto de ressalva pelo respetivo ROC, que não foi paga por ausência de capacidade de tesouraria e deu origem a penhora de saldos bancários, situação que levou os anteriores administradores da Azores a gerir os pagamentos desta através das contas bancárias de outras empresas municipais (Cidade em Acção, controlada pelo Município); pela ausência de reembolso do capital dos empréstimos desde o ano de 2015 na sequência de sucessivas carências de capital pedidas aos credores bancários com a promessa da internalização da empresa e assunção do passivo pelo Município, processo que alegavam em curso desde 24.11.2016 e atrasado devido à complexidade da sua operacionalização; pelo reconhecimento generalizado de que a Azores devia ser internalizada, que demonstra o conhecimento da sua real situação financeira; pelo facto de o ano de 2017 corresponder ao terceiro ano consecutivo de resultados líquidos negativos da empresa, pelo que foi excedido o prazo legal de 6 meses previsto pelo art.º 62º, nº 1 do regime jurídico da atividade empresarial local e das participações sociais (RJAEL) para cumprimento da obrigação da sua internalização, que iniciou com a aprovação do relatório de contas de 2018 e não em fevereiro de 2019, com consequente agravamento da sua situação de insolvência pelo aumento do passivo ao arrepio da finalidade visada pelo legislador, de dissolução das empresas locais inviáveis, contrariada por uma decisão autárquica de manter em atividade uma empresa que deveria ser extinta e de a financiar sucessivamente através de um contrato direto de aquisição de serviços ou do dever de transferir anualmente milhares de euros para cobertura de prejuízos. Neste âmbito mais alegou que desde o ano de 2016 que a administração da insolvente deveria ter tomado, mas não tomou, as medidas impostas pelo RJAEL - que remete para o art.º 35º do CSC - porque implicaria o colapso financeiro do próprio Município, e que aquela não pode ver a sua inação premiada com a legitimidade dos atos subsequentes. Mais invocou a nulidade da alienação de uma empresa municipal falida por consubstanciar fraude à lei de proteção de interesse publico de natureza financeira e, reiterando que não era administrador de facto da Azores, alegou que, mesmo que o fosse, não existiu criação nem agravamento da situação de insolvência após a alienação em causa, que já se verificava há vários anos.
iv) Mais alegou que a responsabilização pelo passivo deve ser repartida de acordo com o grau de culpa das pessoas afetadas, a fixar pelo juiz para efeitos do art.º 497º, nº 2 do Código Civil (CC), e que o passivo de milhões herdado pela Alixir será sempre da responsabilidade dos anteriores administradores da Azores e que, dos negócios celebrados posteriormente a 11.03.2019, só falta a massa insolvente ser ressarcida da dívida da Alixir (€260K), dos levantamentos em numerário realizados por C. (€149.553,02), da transferência para D. (€40k), e da comissão (de €150k) do imóvel da Logislink, não podendo a indemnização ser superior ao valor do prejuízo causado à massa com a prática dos factos fundamentadores da qualificação.
v) Mais alegou que o objeto do presente incidente fica prejudicado se a venda das participações na insolvente à Alixir for declarada nula no âmbito da ação que o Banco Santander instaurou contra esta e o Município de Ponta Delgada e requereu a suspensão da instância destes autos até à decisão daquela invocando em fundamento evitar a prática de atos inúteis.
vi) Finalmente, mais requereu o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia para resposta à questão de saber se as regras do direito da União em matéria de contratos públicos se opõem à alienação de 51% do capital social da Azores por decisão do Município sem valor base mínimo de alienação, tendo mais de 100 imóveis de ativo e passivo de cerca de €11M, fixando um caderno de encargos complexo e um prazo de 5 dias para apresentação de propostas.
Juntou documentos, remeteu para os demais documentos juntos no apenso e protestou juntar outros, requereu declarações do AI, declarações de parte (do opoente), e arrolou testemunhas.
29. Notificados da oposição, os requeridos M., B., H. e L. requereram, além do mais, a prorrogação do prazo para resposta à oposição de R., que foi deferida por 10 dias, no âmbito da qual apresentaram resposta infirmando o valor do resultado líquido negativo de cerca de €6M por aquele alegado, e alegando que à data da hasta pública para alienação das participações da Câmara a Azores não estava insolvente porque cumpriu pontualmente todas as suas obrigações e o seu passivo era inferior ao ativo, com exceção de 2018 em que foi 1,1% superior, mas que não gera o dever de requerer a declaração da insolvência, nem as situações previstas pelo art.º 62º do RJAEL determinam a insolvência da empresa local, nem a obrigação de dissolução, nem a ultrapassagem do prazo de 6 meses, nem o processo de internalização em curso impedem a venda da participação social do Município, aduzindo em abono desta solução o prazo total de 3 anos para encerramento e partilha voluntária da sociedade nos termos do art.º 150º, nº 1 e 2 do CSC e que o processo de internalização impunha a prévia alienação das participações detidas por privados, que impede o cumprimento daquele prazo de 6 meses, que qualificam como de mera ordenação procedimental, alegando que o seu incumprimento não gera a violação de norma legal ou direito indemnizatório e que a venda das participações sociais naquelas situações é um ato lício e válido, independentemente da finalidade com ele visada pela sociedade adquirente. Mais alegaram que a conta bancária do Banco Santander Totta na qual a Azores recebia as rendas devidas pelo arrendamento celebrado com a Câmara e consignadas àquela instituição nunca foi objeto de penhora, e as transferências realizadas a partir dessa conta para a empresa Cidade em Acção, SA, que estão documentados na contabilidade da Azores mas eram desconhecidas dos respondentes, foram realizadas pelo Diretor Geral comum a ambas as sociedades, HF., e destinavam-se a possibilitar pagamentos por esta devidos por ter ficado sem possibilidade de movimentar as suas contas bancárias em resultado da penhora efetuada noutras contas. Mais defenderam a rejeição do pedido de suspensão da instância do incidente de qualificação, por legalmente inadmissível, e a rejeição do pedido de reenvio prejudical, por não se verificarem os pressupostos de que depende este mecanismo do direito europeu e porque a questão pretendida esclarecer (conformação das regras da hasta pública com as regras da contratação publica da união europeia) é estranha ao objeto deste incidente, e concluíram em conformidade.
Mais concluíram pela improcedência da oposição na parte que respeita à afetação dos respondentes pela qualificação. Arrolaram testemunhas e requereram depoimento de parte do requerido R..
30. O AI respondeu à oposição de R.. Requereu a improcedência do pedido de suspensão da instância, reiterou e justificou o sentido do parecer que apresentou nos autos em apenso M, de não afetação de R. pela qualificação da insolvência como culposa e, referindo a situação financeira ‘incomportável’ da Azores antes da venda alegada pelo opoente R. e os relatórios de avaliação dos inventários da sociedade, realçou que esta questão - avaliação do ativo – é questão de direito e é essencial para a discussão da causa, e reiterou a responsabilidade dos administradores camarários da insolvente por terem mantido contas falsas.
Indicou uma testemunha e juntou um documento.
31. C. respondeu à oposição de R., tendo reiterado o que aduziu em sede da oposição que oportunamente apresentou nos autos quanto à intervenção daquele nas vendas dos imóveis da insolvente e no recebimento, movimentação e destino do produto das mesmas, designadamente, da transferência de valores da conta da Azores para a sociedade por aquele detida e, desta, para a conta daquela, seguida da transferência da Azores para a Alixir; à posição assumida pelo AI e acordo por este celebrado com R.. no âmbito destes autos para restituição de valores à massa; e à qualidade de administrador de facto da insolvente através dos seus testas de ferro, C. e S., e que este cumulava a qualidade de administrador da Azores com a qualidade de gerente da Alixir e da Portadmiral, Unipessoal, Ldª, e de vogal do Conselho de administração da SAD do Santa Clara da qual R. era presidente.
Concluiu pela improcedência da oposição e rejeição de todos os pedidos por ela deduzidos, requereu depoimento de parte de R., declarações de parte (do respondente), arrolou testemunhas, juntou documentos e requereu a notificação do Banco de Portugal e do AI para prestação de informação e junção de documento e a condenação de R. como litigante de má fé.
31. Notificado para o efeito, o requerido R. pronunciou-se sobre os fundamentos do pedido da sua condenação como litigante de má fé e requereu a sua improcedência.
32. Notificada para o efeito, a comissão de credores juntou o respetivo parecer, nos termos do art.º 135º ex vi art.º 188º, nº 8 do CIRE, alegando instrumentalização da Azores em favor do Santa Clara SAD através do empréstimo à Alixir, que esta destinou àquela entidade, ato que não integra o objeto social daquela e, reiterando a questão do valor dos ativos da sociedade versus relatório da avaliação solicitada pelo Município e a obrigação de refletir os valores desta nas contas da Azores que obrigava o Município a cobrir os resultados líquidos negativos no montante superior a €4M, concluiu que em 2018 a Azores encontrava-se em situação de insolvência porque tinha passivo manifestamente superior ao ativo e que ao não relevarem nas contas o valor de avaliação dos imóveis conhecido àquela data praticaram irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade, cfr. art.º 186º, nº 2, al. h) do CIRE.
33. Notificados do parecer da comissão de credores, os requeridos M. e outros alegaram que só naquela data foram notificados da resposta do AI à oposição de R. e requereram o seu desentranhamento com fundamento na sua intempestividade por não beneficiar da prorrogação do prazo por eles requerida para a prática daquele ato, ao que o AI respondeu requerendo a sua improcedência.
34. Em sede de saneamento dos autos foi determinado o desentranhamento da resposta do AI à oposição de R., por extemporânea, e, em complemento do despacho de 22.10.2020, foi dispensada a tentativa de conciliação, indeferida a suspensão da instância e o reenvio prejudicial requeridos por R., enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, admitidos os documentos, depoimentos de parte, declarações de parte e róis de testemunhas requeridos na oposição de R. e nas respostas à mesma.
35. O AI recorreu do despacho de rejeição da sua resposta à oposição de R., recurso que foi julgado improcedente por acórdão de 11.04.2023 desta Relação e secção (apenso U).
36. Realizada a audiência de julgamento, em 9 sessões, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
1. Qualifico a insolvência de Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A. como culposa,
2. Declaro pessoalmente afetado C.:
2.1. sendo a sua culpa elevada,
2.2. determino a sua inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos,
2.3. Determino a perda de quaisquer créditos que detenha sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condeno-o na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos.
3. Declaro pessoalmente afetado S.:
3.1. sendo a sua culpa elevada,
3.2. determino a sua inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos,
3.3. Determino a perda de quaisquer créditos que detenha sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condeno-o na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos.
4. Declaro pessoalmente afetado R.:
4.1. sendo a sua culpa elevada,
4.2. determino a sua inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de cinco anos e seis meses,
4.3. Determino a perda de quaisquer créditos que detenha sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condeno-o na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos.
5. Condeno C., S. e R. a indemnizar os credores da Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A. no montante dos créditos não satisfeitos, até ao montante de três milhões, seiscentos e setenta e cinco mil, oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos (sem prejuízo de ser desconsiderado o valor referente a negócio que tenha sido resolvido e que tal resolução não conste da factualidade provada), sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados (artigo 189.º, nº 2, alínea e), do CIRE).
6. Absolvo os demais requeridos do pedido.
7. Custas a cargo dos administradores (C. e S.) e gerente de facto (R.) afetados com a qualificação da insolvência.
Inconformados, foram apresentados recursos da sentença por:
37. S., com arguição da nulidade da sentença e impugnação da matéria de facto, e requerendo a alteração/redução da medida da sua afetação pela qualificação da insolvência como culposa com a fixação de um período de inibição pelo limite mínimo de 2 anos e a sua condenação a indemnizar os credores da sociedade insolvente no montante de créditos não satisfeitos até ao limite máximo de €410.000,00.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
Termos em que deverá ser julgada procedente a presente apelação e em consequência:
(i) Ser declarada a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º do CPC;
Para a mera hipótese de assim não se entender:
 (ii) Deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos supra expostos;
(iii) Deverá ser o recorrente afectado pela qualificação da insolvência nos termos supra expostos.
38. Massa insolvente de Azores…, SA, com arguição de nulidade e reapreciação da prova gravada, requerendo a revogação da sentença limitada à decisão de absolvição dos requeridos B., L., H, e M., e a sua substituição por outra que os declare afetados pela qualificação da insolvência como culposa.
Formulou conclusões que, não obstante como tal epigrafadas, apresentam-se prolixas e não cumprem minimamente o ónus de sintetização imposto pelo art.º 639º, nº 1 do CPC, mas que dispensaram o convite ao seu aperfeiçoamento nos termos do art.º 639º, nº 3 do CPC e infra se transcrevem na medida em que, sem prejuízo do esforço acrescido que importam, permitem a identificação das questões pretendidas submeter à apreciação deste tribunal:
1. (…)
(…)
284. (…)
39. R., arguindo “a violação do direito de defesa do Recorrente, tal como suscitada a título de questão prévia, com todas as consequências legais e, caso assim não se entenda, requerendo a substituição da decisão recorrida por outra que o absolva do pedido, “ou seja, por decisão que não o vise pessoalmente no âmbito da insolvência culposa da sociedade Azores Parque, com todas as consequências legais.
Formulou conclusões (…).
A) (…)
(…)
IIIIIIIIIII) (…)
40. Ao recurso interposto por S. respondeu o Ministério Público, requerendo a sua improcedência e consequente manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões
(…)
42. Ao recurso interposto por R. respondeu o Ministério Público, requerendo a sua improcedência e consequente manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões:
(…)
42. Aos recursos de S. e de R. mais respondeu a massa insolvente, requerendo a sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
43. Aos recursos interpostos pela massa insolvente e por R. responderam os requeridos B., H., L. e M., arguindo a ilegitimidade da massa insolvente e do administrador da insolvência para recorrer da sentença de qualificação da insolvência, requerendo a manutenção da sentença recorrida e a condenação da massa insolvente como litigante de má fé com fundamento em uso reprovável do processo.
Formularam as seguintes conclusões:
(…)

II - Objeto do Recurso
(,,,)
Assim, considerando o teor das decisões recorridas e das conclusões dos (três) recursos apresentados e a questão da ilegitimidade recursiva da massa insolvente/administrador invocada pelos recorridos, pela ordem lógica da sua apreciação vêm submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
A) Questões processuais
1. Ilegitimidade da massa insolvente e do administrador da insolvência para recorrer da decisão de absolvição de pessoas indicadas à afetação pela qualificação da insolvência como culposa, arguida pelos recorridos por aquela pretendidos afetar, M. e outros.
2. Nulidade da sentença invocada pelo recorrente S., imputando-lhe ininteligibilidade (ambiguidade e obscuridade) e omissão de pronúncia nos termos das als. c) e d) do art.º 615º, nº 1 do CPC com fundamento na ausência de identificação/individualização dos atos praticados e do potencial prejuízo aos credores causado por cada um dos afetados.
3. Violação do direito de defesa invocada pelo recorrente R..
B) Impugnação da matéria de facto, tendo como objeto/pedido:
1. Do recurso de R.
i) alteração do sentido e teor dos pontos AD), AE), AF) e AL) dos factos provados;
ii) alteração do sentido e do teor dos pontos AAD), AAE), AAF), AAG), AAH) e AAI) dos factos provados;
iii) alteração do sentido dos pontos 7 a 13 dos factos não provados, para factos provados.
2. Do recurso de S.:
i) eliminação dos pontos AL) e AM) dos Factos provados;
ii) alteração do teor do ponto AJ);
iii) alteração do julgamento dos pontos 3, 4, 5 e 6, de não provados para provados, com alteração e ampliação do respetivo teor.
3. Do recurso da massa insolvente:
i) alteração do teor dos factos provados AD), AE) e AL);
ii) ampliação da decisão de facto;
iii) eliminação dos pontos 1 e 2 dos factos não provados;
C) Âmbito e pressupostos da insolvência culposa:
1. relativamente aos recorridos M., B., H., e L., na qualidade de administradores da insolvente, atinentes com a violação do dever de apresentação da Azores à insolvência que lhes é imputado pela recorrente massa insolvente;
2. relativamente ao recorrente R., atinentes com a verificação da qualidade de administrador de facto da insolvente e com a valoração jurídica de factos considerados pela sentença recorrida como fundamento da qualificação da insolvência como culposa.
D) Âmbito, critério e medida da afetação pela insolvência culposa, atinente com a questão da imputação dos factos fundamento da qualificação da insolvência como culposa a cada um dos afetados e do grau de culpa de cada um deles.
E) Litigância de má fé pela massa insolvente (incidente suscitado nas contra-alegações dos recorridos).

III – Fundamentos dos Recursos
A) Questões processuais
Considerando tratar-se de um apenso ‘natural’ do processo de insolvência, a título de enquadramento processual e determinação do direito aplicável anota-se que o incidente de qualificação da insolvência tem a estrutura de uma causa disciplinada e regulada por regras processuais próprias especificamente previstas no CIRE para a sua tramitação e, em tudo o que ali não esteja especialmente previsto, pelas regras gerais do Código de Processo Civil que não contrariem as disposições do CIRE, se necessário, com as devidas adaptações (cfr. art.º 17º, nº 1 do CIRE). Assim, [na ausência de norma especialmente prevista no CIRE] se existir norma aplicável à situação no âmbito do processo civil, esta é aplicável no âmbito da insolvência, não havendo necessidade de recorrer aos critérios de integração de lacunas referidos no art.º 10º do Código Civil.[5]
1. Da admissibilidade do recurso interposto pela massa insolvente – Da legitimidade da massa para recorrer da decisão de absolvição de indicados à afetação
Os recorridos B., H., L., e M. requereram a rejeição do recurso interposto pela massa insolvente com fundamento na ilegitimidade desta para recorrer do segmento absolutório da sentença de qualificação da insolvência. Alegam que este incidente é um processo de partes e nem aquela nem o AI são partes ou interessados no incidente, atuando aquele apenas como colaborador do tribunal. Mais invocou a inconstitucionalidade de interpretação do art.º 46º do CIRE que lhe reconheça legitimidade por violação do direito à justiça na sua dimensão de direito a um processo equitativo.  
Nos termos do art.º 652º, nº 2, al. b) do CPC, cabe à Relação aferir da verificação de circunstâncias que obstem à apreciação do recurso, no que se inclui o pressuposto processual da legitimidade para a interposição de recurso da decisão dele objeto.
Sobre a legitimidade recursiva estabelece o art.º 631º do CPC que:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
A legitimidade para recorrer constitui um pressuposto nominado do direito a impugnar por via de recurso uma decisão judicial desfavorável aos interesses ou posição jurídica do recorrente. Nas palavras de Abrantes Geraldes[6], “O mecanismo de recurso pressupõe que se aperceba a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um tribunal hierarquicamente superior, traduzida na alteração, revogação ou anulação da decisão (…).” Utilidade que é aferida por um critério formal ou por um critério material. De acordo com o primeiro, a qualidade de parte principal no processo constitui a regra geral na determinação da legitimidade recursiva, sendo que é parte quem se apresenta do lado ativo ou do lado passivo da ação e detém legitimidade aquela que não obteve ou obteve menos do que pediu. De acordo com o segundo, a legitimidade é aferida pelo prejuízo causado ao recorrente pela decisão desfavorável, independentemente da atividade por ele produzida na tramitação dos autos. Nesse sentido, acórdão do STJ de 01.07.2008 (tirado no âmbito de processo de execução singular): “Todos estão de acordo que por parte vencida deve entender-se aquela a quem a decisão causa prejuízo, a aferir por um critério prático, em regra de natureza económica, e não puramente teórico, sendo que o que releva é «o benefício que a decisão assegura à parte e não a razão por que lho assegura», vale dizer, os fundamentos por que o faz.//«Parte vencida e parte prejudicada são, assim, conceitos equivalentes» (A. DOS REIS, “CPC, Anotado”, V, 265/266).//Como faz notar o mesmo Autor, “a legitimidade para recorrer é um aspecto particular da legitimidade das partes. O interesse directo é o requisito essencial da legitimidade (art.º 27º); pergunta-se: quem tem interesse directo em impugnar a decisão por via de recurso?”//Ou, como escreve AMÂNCIO FERREIRA (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed. 127), “pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é o gravame ou prejuízo real sofrido. Sem este não há o interesse em agir, suporte do pedido de impugnação”.//Do critério proposto resulta que legitimidade para recorrer, pressupondo um interesse directo e um prejuízo real, medida da utilidade decorrente da procedência do recurso, conduz à exclusão da parte a quem a decisão não cause um prejuízo directo e efectivo, ou seja, que apenas seja passível de sofrer prejuízo indirecto ou reflexo, eventual ou incerto.//Um tal critério acaba por não divergir do consagrado no n.º 2 do art.º 680º[7], o que nem sequer será de estranhar, pois que esta norma visa exigir a quem não seja parte principal no processo um interesse em recorrer idêntico ao que as partes principais, em regra e pelo facto de o serem, já detêm.[8]
Antecipando, quer por referência ao critério formal e à intervenção processual que a lei reconhece e atribui ao AI no âmbito do incidente, quer por referência ao critério material e ao interesse jurídico que objetivamente caracteriza a natureza e atuação da massa insolvente – processualmente equivalente à atuação do administrador da insolvência na qualidade de seu legal representante – decorre a legitimidade de um ou de outro para recorrer da sentença que qualifique a insolvência como fortuita, bem como do segmento que decida pela absolvição do indicado à afetação pela insolvência culposa.
Os administradores da insolvência são, por força da sua nomeação no processo de insolvência, agentes investidos de poder público - servidores da justiça e do direito[9] -  legalmente dotados de poderes-deveres funcionais que exercem em representação e no interesse da massa insolvente, que o mesmo é dizer, no interesse do coletivo dos credores, dispondo dos poderes de atuação necessários e adequados a promover esse interesse, com a qual, por isso, se confunde a atuação da massa insolvente. Nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Os poderes do Administrador têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios: corresponde-lhe, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode, como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (cfr. artigo 59º, in fine). Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores. É a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem.[10]
No regulação da tramitação do incidente de qualificação da insolvência prevê-se no art.º 188º, nº 1 que o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência alegando o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação; não sendo o administrador da insolvência o requerente da abertura do incidente, prevê o nº 6 que este deve apresentar parecer sobre os factos relevantes e formular igualmente uma proposta sobre o sentido da qualificação e, se for o caso, identificar as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa. Mais dispõe o nº 7 que O parecer e as alegações referidos nos números anteriores vão com vista ao Ministério Público, para que este se pronuncie, no prazo de 10 dias.
Daqui resulta que do lado ativo do incidente podem figurar o administrador da insolvência, o Ministério Público, bem como qualquer credor. Independentemente da terminologia usada pelo legislador para designar o ato através do qual cada um intervém no incidente – parecer, pronúncia, ou requerimento -, a cada um destes sujeitos processuais é reconhecida legitimidade para requerer a qualificação da insolvência como culposa e indicar os que por ela devem ser afetados, formulando pedido nesse sentido. Como se referiu, o incidente de qualificação da insolvência apresenta a estrutura de uma causa na categoria das ações de natureza declarativa, no âmbito da qual o requerente deduz uma pretensão formulando o pedido dela objeto, de qualificação da insolvência como culposa, com todos os legais efeitos que dele decorrem, designadamente, a condenação dos afetados a indemnizar os credores da insolvência até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos pelo produto da liquidação. Efetivamente, para além dos efeitos de natureza pessoal e de natureza eminentemente sancionatória que para os afetados emergem da qualificação da insolvência - a implicarem limitações temporárias ao exercício de determinadas atividades e cargos (cfr. als. b) e c) do nº 2 do art.º 189º) -, a lei mais consagrou efeitos de natureza patrimonial que, independentemente da natureza que na ótica do legislador assumam (sancionatória, ressarcitória, ou ambas), beneficiam a massa insolvente e, consequentemente, os credores da insolvência, através da perda de créditos dos afetados sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e restituição dos bens recebidos para pagamento dos mesmos, e da condenação dos afetados a indemnizarem os credores do devedor insolvente (cfr. als. d) e e) do nº 2 do art.º 189º). Nessa medida, sendo legalmente admitido a requerer a abertura do incidente, requerendo-a e formulando pedido em conformidade, o administrador da insolvência assume a qualidade de parte do incidente.
Com efeito, “As partes são as entidades que pedem ou contra as quais é pedida em juízo a tutela de uma situação jurídica.[11] É claro que na qualidade de colaboradores ou de operadores da ação da justiça e, como tal, funcionalmente vinculados a um princípio de legalidade, o AI e o MP não intervêm para exercer direitos ou interesse próprios, mas sim em nome e em defesa do interesse de ordem pública subjacente ao instituto da qualificação da insolvência, de ‘moralização’ e restabelecimento da confiança e segurança no comércio e tráfego jurídico-económico e financeiro através do saneamento, prevenção e repressão de condutas fraudulentas ou culposas na criação ou agravamento da situação de insolvência. Finalidade que se reflete na estrutura acusatória do incidente no âmbito do qual o AI e o MP representam o interesse público objeto da tutela por ele perseguida, figurando nessa qualidade/finalidade como sujeitos processuais titulares da relação processual a que respeita a decisão, com intervenção legal obrigatória e relevante na definição do seu conteúdo e resultado. Finalidade, intervenção e interesse que naturalmente se estendem à instância recursiva, para a qual o AI, tal como o MP, mantém legitimidade ativa sempre que entenda que o sentido ou o âmbito da sentença que decida o incidente fica aquém da proteção devida aos interesses que se destina a defender.
Como se referiu, ao nível dos efeitos legais da afetação pela qualificação da insolvência a lei consagrou efeitos de natureza patrimonial, designadamente, através da condenação dos afetados a indemnizarem os credores do devedor insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, cfr. art.º 189º, nº 2 al. e). Ora, juridicamente a massa insolvente configura património autónomo de afetação destinado à satisfação dos credores da insolvência que, para o efeito, sucede e substitui a pessoa objeto de declaração da insolvência no âmbito das relações jurídicas patrimoniais (cfr. arts. 172º, nº 1, 178º e 219º), abrangendo todo o património do devedor à data da declaração da insolvência e os bens e direitos adquiridos na pendência do processo (cfr. art.º 46º, nº 1 do CIRE). Assim sendo, aquele efeito ou consequência de natureza eminentemente patrimonial beneficia diretamente a massa insolvente[12] e os interesses patrimoniais dos credores da insolvência que esta representa. Como é referido por Patrícia Alves, “Pese embora a lei faça incidir sobre os responsáveis pela criação ou agravamento da situação de insolvência consequências com reflexos na esfera jurídico-patrimonial destes e que poderão vir a beneficiar a massa insolvente e, subsequentemente, os interesses privados dos credores prejudicados com a insolvência do devedor, é de salientar, na previsão legal dos incidentes de qualificação da insolvência, a preponderância do interesse público, quer de proteção do crédito e da segurança do comércio jurídico-económico, quer da correta administração de patrimónios15, que justifica a imposição de efeitos substantivos como consequência da insolvência culposa. Estamos, aqui, perante um bem jurídico protegido dual: tutela-se, por um lado, o interesse público da segurança e confiança do tráfego económico e comercial e, por outro, o património dos credores.[13]
Nesta medida, a sentença que qualifique a insolvência como fortuita ou que absolva qualquer um dos requeridos indicados à afetação produz um efeito direto desfavorável ou prejudicial na esfera jurídica patrimonial da massa insolvente e/ou dos interesses que a mesma se destina a satisfazer. Assim sendo, mesmo para quem não entenda a massa insolvente como interessada com legitimidade ad causam para, através da atuação processual do AI, intervir no incidente de qualificação da insolvência e impugnar a sentença que nele venha a ser proferida, no mínimo impõe-se considerar a massa insolvente como terceiro diretamente prejudicado pela sentença que desatendeu o pedido de qualificação da insolvência como culposa ou o pedido de afetação de uma ou mais pessoas. Por qualquer das vias impõe-se reconhecer legitimidade à massa insolvente para recorrer da sentença e pedir ao tribunal ad quem a extensão da afetação pela qualificação da insolvência como culposa aos que dela foram absolvidos pela sentença recorrida[14].
De resto, mal se entenderia negar legitimidade ao AI ou à massa insolvente para no âmbito do incidente de qualificação da insolvência prosseguir em defesa dos interesses patrimoniais que representa(m), designadamente, através da obtenção de decisão de condenação das pessoas que no seu entender devam ser afetadas pela insolvência culposa, quando o legislador expressamente concedeu ao administrador da insolvência legitimidade processual ativa exclusiva para na pendência do processo de insolvência propor ações de responsabilidade civil contra os titulares de órgãos de gestão e de fiscalização da sociedade insolvente (cfr. art.º 82º).
Com o que se conclui pela admissibilidade do recurso interposto pela massa insolvente.
2. Da nulidade da sentença invocada pelo recorrente S.
É consensual na doutrina e na jurisprudência que as nulidades taxativamente previstas pelo art.º 615º do CPC reportam à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão ou limites (negativo e positivo) do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação e decisão. Vícios que não contendem com o mérito da decisão e, por isso, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto, quer na atividade silogística de aplicação do direito[15]. Os primeiros – vícios formais ou de limites, previstos pelo art.º 615º, nº 1 do CPC - dão lugar à anulação da sentença. Os segundos – vícios materiais ou de julgamento -, passíveis apenas de censura por via de recurso, determinam a revogação/alteração da decisão.
Em causa estão as causas de nulidade previstas pelas als. c) e d) do nº1 do art.º 615º do CPC.
Nos termos da al. c) a sentença é nula quando (…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Muito sinteticamente, a decisão é ambígua ou obscura quando, por ser passível de distintas interpretações ou por não se alcançar o que o juiz quis dizer, não se apresenta com um sentido equívoco, certo e definido para os seus destinatários. Recorrendo à síntese do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2019, “2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade). Nas palavras de Lebre de Freitas, “(…) a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[16]
Nos termos da al. d) a sentença é nula quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…). O vício de omissão de pronúncia corresponde a vício de limite por não conter ou por conter mais do que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na ação, e reporta diretamente ao art.º 608º, nº 2 do CPC que, sob a epígrafe Questões a resolver - Ordem do julgamento, dita que O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…). A referência legal a questões assume aqui um sentido amplo, no sentido de abranger a resolução, conclusão ou solução do concreto pedido deduzido pelas partes por referência à causa de pedir que o suporta, ou do objeto do processo por referência ao regime legal que o determina e regula, no sentido de o objeto da decisão coincidir com o efeito jurídico tal qual como é configurado pelas pretensões deduzidas pelas partes, ou pela lei. As ‘questões’ submetidas a apreciação não se confundem com os argumentos jurídicos invocados e esgrimidos para convencer da bondade da pretensão reclamada ou defendida nos autos, pelo que não integra aquele vício “[a] omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado.[17] Premissa que encontra suporte no facto de, nos termos do art.º 5º, nº 3 do CPC, o juiz não estar sujeito/limitado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, pelo que, enveredando fundamentadamente por uma orientação, as restantes, ainda que alegadas, não têm de ser analisadas como questões jurídicas autónomas se tratassem, que o não são[18].  
i) O recorrente alega que a sentença é ininteligível por ambígua e obscura ao nível da imputação de cada conduta e respetivo potencial prejuízo a cada um dos administradores da insolvente, vício que reporta à matéria de facto por aqui apenas se referir a Azores ou a insolvente como a autora dos negócios prejudiciais e de disposição do património desta[19], sem individualização/identificação do administrador da insolvente (de facto ou de direito) que praticou cada um deles, “tratando ambos os administradores como tendo praticado em conjunto os actos potencialmente lesivos do património da sociedade insolvente”.
Ora, dos próprios termos deste segmento das alegações do recorrente resulta que o recorrente apreendeu o sentido da descrição fáctica e do enquadramento jurídico que à mesma foi dada pelo tribunal recorrido, no sentido de a menção da Azores/insolvente como autora dos atos em questão significar a imputação da sua prática aos administradores da insolvente, mais concretamente, aos que nessa qualidade vinham indicados e foram como tal justificados e considerados na sentença recorrida, designadamente o recorrente S. na qualidade de vogal do conselho de administração da insolvente à data da prática daqueles atos, em consonância com o disposto no art.º 6º nº 1, al. a), nos termos do qual Para efeitos deste Código, são considerados administradores:  […] aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente; (subl. nosso). Acresce que da al. ABJ) dos factos provados consta que em 02.05.2019 o recorrente, por ter a qualidade de vogal da administração da insolvente, constituiu seu procurador o outro administrador da insolvente para praticar um vasto conjunto de atos e negócios em representação da sociedade, incluindo da natureza dos aqui em questão, a saber, vender quaisquer imóveis, levantar dinheiro em numerário, movimentar a crédito ou a débito e encerrar contas bancárias, assinar cheques, ordenar transferências, etc. E se dúvidas pudessem subsistir quanto ao sentido da referência à Azores/insolvente ao nível da imputação dos atos em questão a todos os administradores - no sentido de abranger todos os administradores como tal qualificados pela sentença -, sempre teriam que ter-se por dissipadas pela fundamentação de direito da decisão em sede da identificação das pessoas afetadas pela qualificação ao consignar que “Ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art.º 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir da qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas estender também tal qualificação aos administradores de facto, isto é, àqueles que praticam atos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem (…). Daqui se conclui que os administradores neste lapso temporal (C. e S.) são responsáveis entre si e essa responsabilidade é extensível ao administrador de facto R., sem isentar de responsabilidade os gerentes de direito (que no presente caso praticaram concretos atos, ainda que a mando do gerente de facto).
Termos em que se concluiu pela inteligibilidade dos fundamentos e dos segmentos decisórios da sentença.
ii) Do resultado da apreciação da nulidade com fundamento em ininteligibilidade da sentença ao nível da imputação dos atos a cada um dos administradores da insolvente resulta prejudicada a apreciação da nulidade por vício de omissão de pronúncia suportada na alegada ininteligibilidade da sentença e no pressuposto de que a indicação das pessoas afetadas pela qualificação e a fixação do respetivo grau de culpa “só se obtém com a individualização dos actos praticados por cada um dos afetados”, sendo certo que a sentença se pronunciou sobre todas as questões que integram o objeto da sentença legalmente definido pelo art.º 189º, nº 2 do CIRE, a saber, a qualificação da insolvência como fortuita ou como culposa e, tendo concluído pela culposa, a indicação das pessoas que por ela são afetadas, e a definição das consequências legais dessa afetação através da aplicação das medidas de inibição previstas nas als. b) e c) daquela norma, cuja duração a sentença fixou em função da valoração do grau de culpa de cada um dos afetados - que imputou em igual medida aos administradores de direito, e agravada para o afetado na qualidade de administrador de facto por entender que “a sua culpa é elevada e em medida superior à de C. e S., porquanto as decisões foram materialmente tomadas por R..”; e através da condenação das pessoas afetadas no pagamento de indemnização aos credores da insolvente, que quantificou por referência aos valores dos montantes pecuniários e dos imóveis objeto dos factos fundamento da qualificação da insolvência, pelos quais, e conforme foi apreendido pelo recorrente, considerou responsáveis todos os afetados.
Termos em que se concluiu pela não verificação de omissão de pronúncia.
iii) No demais não se vislumbra em que termos a decisão proferida violou o direito de acesso à justiça e a uma decisão justa mediante processo equitativo consagrado no art.º 20º da Constituição da República convocado pelo recorrente, posto que foi citado para os autos e exerceu o seu direito de defesa através do exercício do contraditório, alegando o que para o efeito teve por conveniente de facto e de direito, e através do direito à produção de prova, na qual participou ativamente, assim contribuindo para o resultado do julgamento de facto e de direito do incidente, sendo certo que em sua defesa em momento algum impugnou a qualidade de administrador de direito da insolvente que a sentença erigiu em fundamento da sua afetação pela insolvência culposa, nem alegou que os concretos factos que a fundamentaram foram praticados contra a sua vontade e/ou instruções no âmbito da execução dos poderes representativos que conferiu ao outro administrador da insolvente, questões que já entroncam na apreciação de mérito do incidente, mais especificamente, dos pressupostos e medida da afetação pela insolvência culposa.
Com efeito, os termos da arguição das nulidades e da violação de norma constitucional  da sentença invocadas pelo recorrente traduzem apenas a sua divergência com o julgamento operado pelo tribunal, discordando, em suma, da subsunção jurídica dos factos realizada pelo tribunal a quo e da conclusão que deles retirou com fundamento nas normas legais aplicáveis, ao que ora releva, ao nível da imputação jurídica dos atos e negócios qualificativos da insolvência a todos os afetados; porém, tanto não contende ou interfere com qualquer vício formal de construção da sentença, mas sim com a interpretação normativa das normas aplicáveis e a valoração e qualificação jurídica da matéria de facto provada, que é feita em função daquela interpretação, designadamente, do alcance do âmbito subjetivo definido pelo art.º 186º, nº 1. O que vale por dizer que diverge da interpretação da lei aplicada ao caso, o que apenas pode fundamentar imputação de erro de julgamento, mas já não de nulidade da sentença.
De todo o exposto se conclui pela improcedência da invocada nulidade da sentença, sendo certo que, ainda que se concluísse pela sua verificação, não teria outro resultado que não suscitar a intervenção do poder-dever dos poderes de apreciação da Relação em substituição do tribunal recorrido por imperativo do art.º 665º nº 1 do CPC, sem prejuízo em qualquer caso do recurso oficioso ao poder-dever de modificação da decisão de facto previsto pelo art.º 662º, nº 1 do CPC[20].
3. Da violação do direito de defesa invocada pelo recorrente R..
O recorrente fundamenta a violação do seu direito de defesa, em síntese, pelo facto de, entre todas as peças processuais que lhe foram remetidas com a citação para o incidente, apenas o requerido e indicado à afetação C. lhe imputar a prática de factos de forma genérica enquanto administrador de facto da insolvente e sem qualquer enquadramento jurídico dos factos em causa em qualquer um dos tipificados no art.º 186º, desconhecendo ao longo de todo o julgamento por qual das várias normas ali previstas a sua conduta estava a ser analisada.
Arguição e fundamentos que, para além de insólitos, no mínimo, raiam a temeridade processual, por duas ordens de razão.
Desde logo, a oposição do recorrente ao pedido de afetação contra si deduzido estende-se por 96 longas páginas e 464 artigos, muitos deles com subdivisões, de tal ordem extensa e tematicamente particularizada que o recorrente optou por elaborar um índice orientador de leitura daquele articulado[21], através do qual não só se pronunciou no sentido da afetação dos co-requeridos titulares de órgão municipal indicados no Parecer do AI – prática processual que o recorrente censura ao requerido C. e que erigiu a fundamento do vício que argui -, como deduziu vasta impugnação, por negação e motivada, contra a qualidade de administrador de facto que C. lhe imputou, quer relativamente a cada facto por este alegado, quer relativamente a cada um dos factos que a este e ao outro administrador da insolvente vinham imputados nas alegações do credor Santander e no parecer do AI, oposição que no seu art.º 435º concluiu alegando que a sua conduta não pode ser subsumida em nenhuma das normas previstas no art.º 186º do CIRE. Face à atividade e densidade processual que o teor da oposição claramente revela – que mais incluiu um pedido de suspensão da instância do incidente da qualificação com fundamento em ação instaurada pelo credor Banco Santander contra o Município de Ponta Delgada e pendente na jurisdição administrativa, e um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal da Justiça da União Europeia - é difícil conceber que outra defesa tenha ficado por exercer pelo recorrente, sendo certo que, se ficou, não foi por falta de oportunidade processual nem de conhecimento de todos as questões de facto e de direito objeto do presente incidente de qualificação.
Mas mais do que isso a arguição é temerária porque faz tábua rasa dos fundamentos e da decisão decretada por acórdão proferido nestes mesmos autos que, conhecendo do recurso interlocutório interposto pelo requerido C, - e para o qual o recorrente foi citado nos termos e para os efeitos do art.º 641º, nº 7 do CPC -, ordenou a citação do ora recorrente para os termos destes autos na qualidade processual de pessoa indicada à afetação pela insolvência culposa. Não tendo impugnado aquela decisão, que transitou em julgado, o recorrente não pode pretender submeter a repetida apreciação a legitimidade processual e o interesse em agir do requerido C. no pedido de afetação do recorrente pelos efeitos legais da insolvência culposa, nem a adequação da fase processual – em sede de oposição – no âmbito da qual esse pedido foi deduzido por tratarem-se de questões apreciadas e definitivamente resolvidas nos autos pelo referido acórdão de 08.02.2022 que, julgando procedente o recurso daquele co-requerido, decidiu pela extensão subjetiva do incidente de qualificação da insolvência ao ora recorrente R., sendo que é nas aludidas questões que desemboca o que alega para fundamentar a pretensa violação do seu direito de defesa.
Sem prejuízo sempre se dirá que, por referência à natureza acusatória do incidente de qualificação da insolvência, o direito de defesa só pode ser cabalmente exercido com o conhecimento da acusação. Ora, o teor das alegações e dos pareceres da qualificação definem e identificam cabalmente o objeto do processo e, particularmente quanto ao recorrente, os factos que lhe são imputados, sendo certo que não põe em causa que o cumprimento da citação foi acompanhado daquelas peças. Com efeito, na qualidade de administrador de facto da insolvente que lhe vem imputada pelo requerido C. e na qual este fundamentou a sua indicação como pessoa a afetar pela qualificação (enquanto pessoa que alegadamente concentrava em si todas as decisões dos atos que na insolvente e em seu nome e representação foram praticados), logicamente, os factos que lhe são imputados correspondem a todos os que aos administradores de direito da insolvente, C. e S., foram imputados nas alegações e pareceres da qualificação da insolvência, dos quais o recorrente se defendeu na extensa oposição que deduziu ao pedido da sua afetação, negando a qualidade e a autoria que lhe foram imputadas. 
Termos em que se conclui pelo acerto da decisão recorrida, de improcedência da exceção inominada da violação do direito de defesa arguida pelo recorrente.

B) Impugnação da matéria de facto
1. Prevê o art.º 640º, nº 1 do CPC que, pretendendo o recorrente a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, sob pena de rejeição, sobre ele recai o ónus de delimitar o objeto e o sentido da sua pretensão recursiva especificando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescenta o nº 2 que, No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)
Do teor das alegações de recurso resulta que os recorrentes delimitaram o objeto da impugnação que por cada um foi deduzida e precisaram o resultado pretendido através da indicação dos concretos pontos da decisão de facto que reputam erroneamente julgados e de outros que entendem relevantes e ali não foram descritos, e indicaram os meios probatórios que, na apreciação crítica que deles fazem, entendem imporem alteração e aditamento da referida decisão nos termos que preconizam. Mais deram cumprimento ao ónus, dito secundário, previsto pelo al. a) do nº 2 do art.º 640º do CPC, através da transcrição e/ou da localização das passagens da gravação onde constam registados os depoimentos que invocam. Mostram-se assim cumpridos todos os requisitos processuais da impugnação à matéria de facto, nada obstando ao seu conhecimento, que se cumpre pautado pelas regras e critérios que infra se expõem.
2. A impugnação da decisão de facto tem como objeto a violação de regra de direito probatório material e/ou o resultado da valoração dos meios de prova traduzido na convicção que o tribunal recorrido formou ou não formou sobre os factos que descreveu na decisão de facto. Neste último caso tem como objeto o resultado do julgamento operado pelo tribunal, descrito sob os factos provados e não provados. Não abrange o juízo de direito com que o tribunal operou o enquadramento legal dos factos provados e fundamentou o sentido da decisão recorrida, que enquadra no erro de julgamento de direito, nem visa a motivação da convicção do julgador, cuja censura é instrumental à impugnação da decisão de facto e resultado por ela visado. Acresce que só releva apreciar a impugnação da decisão de facto quando a matéria dela objeto seja essencial ou relevante à decisão de mérito na qualidade de factos concretizadores dos pressupostos constitutivos do pedido, da defesa excetiva ou da impugnação motivada (quando seja suscetível de conferir distinta valoração aos factos fundamento do pedido), por contraposição com os factos de natureza instrumental que, conforme da própria designação resulta, apenas relevam para fundamentar raciocínios lógicos-indutivos que concluam ou não pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção, tarefa que tem o seu lugar próprio na valoração ou julgamento da matéria de facto. Nesse sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 26.09.2019: Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)[22].
3. Prevê o art.º 607º, 4 do CPC que Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. O nº 5 acrescenta que O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. O princípio da livre apreciação da prova não corresponde a convicção pessoal, emotiva ou subjetiva, mas a convicção motivada e formada na prova produzida e nas regras da lógica e da experiência comum, correspondendo estas a realidades que, pela sua habitualidade, definem um “standard” de prova de natureza objetiva passível de sindicância, mas sem prejuízo da abertura do julgador para a exceção que, para além dos quadros mentais que a regra tende a definir e a padronizar, resulte concretamente demonstrada. Nas palavras de Luís Pires de Sousa, “[e]ste standard consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.//Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.//Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.//(…) para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica.[23] Conforme vertido no acórdão da Relação do Porto de 05.02.2018[24] (apud acórdão de 19.12.2012 da mesma Relação), “[o] princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efetivamente assumida, devendo a avaliação dos depoimentos das testemunhas ser realizada de acordo com o princípio enunciado no artigo 396º do Código Civil, assentando em dois polos, via de regra; de um lado, na razão de ciência evidenciada (artigo 516º, n.º 1, do CPC); do outro, no maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir (artigo 513º, n.º 1, final, do CPC); sendo estes fatores que, além do mais, permitem escrutinar o nível da credibilidade que lhes pode ser conferido. Em suma, face à impossibilidade de reconstituição natural da realidade, a decisão de facto corresponde ao resultado da atividade interpretativa do julgador, consubstanciada esta na análise crítica e analítica que faz dos meios de prova concretamente produzidos, designadamente, das narrativas testemunhais e das partes, conjugando-as de per si e entre si e/ou com outros meios de prova de distinta natureza, e por recurso à lógica e às regras da experiência comum, deles extraindo juízos valorativos e/ou conclusivos de facto -, com indicação dos fundamentos condutores e determinantes dos raciocínios lógico-indutivos e dedutivos subjacentes a cada julgamento de facto, se caso for, por recurso a máximas da experiência ou presunções judiciais. Nesta senda, “Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostre acessíveis, no pressuposto, certeiro, de que só assim fica assegurado o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.”[25] Sem prejuízo, porém, da perceção que a imediação em 1ª instância proporciona, designadamente, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, para a qual e para além do concreto conteúdo e sentido objetivo do que é dito, concorrem particularidades de difícil reprodução, descrição ou explicitação em sede de motivação, tais como hesitações, gestos, expressões faciais, às quais apenas a reprodução vídeo permitiria aceder em 2ª instância.
O juízo que sobre cada um dos factos se forma e produz corresponde precisamente ao ato de avaliar/interpretar e tirar conclusões de dados facultados pelos meios de prova que, obviamente incluem factos de natureza instrumental que, não sendo essenciais ao mérito da causa[26], permitem inferir/induzir outros que o são (essenciais), e/ou aferir da credibilidade/idoneidade das pessoas que em audiência os declaram. Assim, para além do que é expressamente declarado pelas testemunhas[27], partes ou peritos e dos elementos que empiricamente se observam e extraem de elementos documentais, no julgamento da matéria de facto mais relevam as presunções, que o art.º 349º do Código Civil define como as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. As presunções de que aqui se trata – judiciais, naturais ou de facto – não são meios de prova nem regras legais de decisão, mas sim raciocínios a que o juiz recorre para apreciar os factos que não são objeto de prova direta (ou cuja presunção não se encontra legalmente prevista), de forma a sobre eles formular a sua convicção; consistem em inferências lógicas ou declarações – partindo do facto conhecido para o desconhecido - baseadas nas máximas da experiência, no conhecimento do decurso das coisas ou como elas naturalmente sucedem. Em suma, são conclusões sobre a realidade dos factos principais, reconstruções indiretas por extraídas de factos instrumentais. Enquanto elementos integrantes do processo mental de raciocínio lógico-dedutivo da decisão/julgamento de factos controvertidos essenciais à decisão da causa (e objeto de prova não vinculada), as presunções enquadram-se no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, tal como se encontra previsto no artigo 351º do Código Civil.
Feita esta contextualização - dos requisitos, âmbito e regras na apreciação da impugnação da decisão de facto - cumpre a esta instância verificar se existem fundamentos que alicercem a censura que os recorrentes dirigem à decisão de facto da sentença recorrida, “reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado”, o que inclui sanar deficiente ou lacunosa descrição da matéria de facto “a partir dos elementos que constem do processo ou da gravação.”[28] Tarefa que se cumpre por recurso à valoração da prova documental e pessoal produzida nos autos, com audição integral dos depoimentos prestados nas audiências de julgamento realizadas nos autos posto que a Relação “não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (…).[29]”.

B.1) Do recurso de R.
a) Consigna-se que a questão invocada pelo recorrente, da consideração da prova produzida na primeira audiência de julgamento para formação da convicção positiva do tribunal a quo sobre factos que fundamentam a decisão de o afetar pela insolvência culposa, não configura questão jurídica a apreciar em si mesma na medida em que não se autonomiza, antes se dilui, na sindicância da bondade da decisão de facto através da apreciação da impugnação que à mesma foi por aquele deduzida. Nesta senda mais se consigna que se procede à apreciação da impugnação da decisão de facto deduzida por R. previamente à apreciação das demais e que, para o efeito, circunscreveu-se a audição, análise e valoração da prova pessoal à produzida na audiência de julgamento realizada na sequência do acórdão de 08.01.2022 deste coletivo e às declarações prestadas pelo próprio recorrente na sessão da primeira audiência realizada em 18.03.2021 (já que em qualquer uma das qualidades em que depôs – primeiro como testemunha, e depois em depoimento de parte – o recorrente estava legalmente obrigado a falar com verdade).
b) (…)
c) O recorrente requer a alteração do teor dos pontos AAD), AAE), AAF), AAG) e AAH) e do sentido do ponto AAI) dos factos provados, que pretende seja julgado não provado, e dos pontos 7 a 13 dos factos não provados, que pretende sejam julgados provados com aditamentos ao teor dos pontos 10, 12 e 13.
A matéria de facto objeto da dita impugnação respeita única e exclusivamente à questão de facto e de direito que fundamenta o pedido e a decisão da sua afetação pela qualificação da insolvência como culposa, a saber, a imputação ao recorrente da decisão da prática dos atos que fundamentam a qualificação da insolvência como culposa e o enquadramento jurídico da sua participação/atuação no conceito de administrador de facto (da insolvente).

(…)
d) Para melhor perceção procede-se à transcrição do teor de cada um dos pontos impugnados e a concreta alteração requerida:
(…)
O recorrente requer sejam julgados provados os factos contrários, ou seja, (…) R. nunca deu “ordens” a C., assim como nunca exigiu serem-lhe efectuadas transferências para a sua empresa pessoal MC, Unipessoal, Lda., bem como, nunca em momento algum R. efectuou ou beneficiou de qualquer entrega de dinheiro em numerário.
(…)
Dos factos não provados que o recorrente pretende sejam julgados provados consta:
7 - O opoente (R.) não era e nunca foi administrador de facto da sociedade Azores Parque.
(…)
e) Cumpre apreciar:
i) Anota-se antes de mais o descabimento processual do julgamento como facto provado da versão negativa de factos que integram os pressupostos normativos constitutivos do pedido de afetação do recorrente pela insolvência culposa, por irrelevante para a decisão de mérito, como bem decorre das conhecidas regras do ónus da prova e da contraprova previstas nos arts. 342º, nº 1 do Código Civil - 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.//2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. – e 346º do CC (…), à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova. No dizer do professor Alberto dos Reis, o ónus da prova “(…) conduz-nos a averiguar que factos hão-de ser provados para que a decisão apresente determinado conteúdo[30] (modalidade do ónus objetivo, em contraposição com o ónus subjetivo), correspondendo assim a questão e critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide - cada uma das partes tem o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à fattispecie geral e abstrata da norma que é favorável à sua pretensão ou à sua exceção, atendendo à posição das partes na relação material e independentemente da sua posição no processo. “O ónus da prova passa antes a significar a situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele. [31] Nas palavras de Anselmo de Castro, “Em caso de dúvida terão, pois, esses factos de haver-se por inexistentes, tal qual como quanto aos factos que constituem os elementos da norma fundamentadora (…) O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes, reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei.//(…)//Quando exigida prova principal ela se malogre ou seja anulada pela contraprova, o facto tem-se por inexistente com a consequência de não poder ser aplicada a norma de cuja hipótese constituía pressuposto da sua aplicação. A causa terá, pois, de ser decidida contra a parte a quem a sua invocação aproveitava”.[32]
Ou seja, recaindo sobre o demandado o ónus de impugnar os factos constitutivos do direito ou pretensão contra ele invocado (sob pena de os mesmos se terem admitidos por acordo) – desde logo os alegados para demonstrar a sua qualidade de administrador de facto da Azores -, já sobre ele não recai o ónus de provar que os mesmos não existem, o que seria ilógico e absurdo[33]. Assim, se ao autor/requerente incumbe a alegação e prova do facto constitutivo da situação jurídica que alega, sobre a outra parte só recai o ónus da contraprova apta a tornar duvidosa a verificação desse facto, prejudicando a formação de convicção positiva sobre o mesmo e impondo a resposta de não provado e a sua desconsideração em sede de enquadramento de direito dos factos, por processualmente inexistente. Não resultando provado o facto constitutivo do pedido, a ação é julgada improcedente mesmo que o réu não prove a versão contrária ou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão do requerente[34].
ii) Da alínea AAD) e do ponto 7
Ao julgamento de facto do aqui descrito - qualidade de gerente de facto – obsta o facto de corresponder a juízo conclusivo de direito ao qual o julgador não pode pretender dar resposta em sede de matéria de facto e, muito menos, sem a descrição de um quadro fáctico que o suporte e que permita sindicar a bondade dos pressupostos – de facto e de direito - em que assenta. Em síntese, e conforme definição comummente aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência, é administrador de facto “Quem, sem título bastante, exerce, direta ou indiretamente e de modo autónomo (não subordinadamente), funções próprias de administrador de direito da sociedade[35], quem participa na “gestão estratégica e global da sociedade[36]. Definição que permite antever a exigência de um leque de requisitos e respetivos pressupostos de facto para a sua concretização. No essencial, concretos atos materiais característicos do exercício de poderes de direção e de gestão da sociedade, praticados com autonomia decisória e de forma constante por quem não foi formalmente designado ou nomeado como administrador, mas que atua em termos materiais como se o fosse; se é administrador de facto quem pratica atos/factos próprios de administração - de tal forma que “é a atividade que cria o administrador de facto -, só pelo conhecimento da concreta atividade e dos termos em que é concretamente exercida pode extrair-se aquela qualificação (tarefa que, tratando-se de facto essencial à decisão da causa, impõe especial cuidado na seleção e descrição da matéria de facto que resulte da prova produzida). A qualificação de atos como atos de administração e de quem os pratica como administrador de facto consubstancia qualificação jurídica que tem o seu lugar próprio em sede de aplicação do direito aos factos, e não em sede de decisão de facto, que não comporta o resultado da apreciação e do enquadramento normativo dos factos, mas tão só o resultado da valoração da prova da qual resulte o substrato factual a considerar; máxime quando aquela qualidade constitui questão essencial determinante do resultado da ação para a parte que a invoca e/ou para a parte contra a qual é invocada. Em síntese, o julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito fundamento da ação, como urge ser a qualidade de administrador ou gerente de facto, pelo que se impõe a modificação oficiosa da decisão de facto para dela eliminar a assunção e integração, como matéria de facto, de “pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto[37].
(…)
Termos em que se determina a eliminação do teor da alínea AAD) dos factos provados e do ponto 7 dos factos não provados.
iii)
(…)
Das declarações do AI nenhuma contribuiu para dilucidar pela positiva a questão de facto que ora nos ocupa – de que era G. quem tudo decidia na Azores e o recorrente limitava-se a transmitir as ordens/instruções daquele a C. -, sendo certo que a valoração ou convicção que o AI formou e tem a respeito da qualidade em que o recorrente participou nos factos não constitui meio de prova, nem é atendível na formação da convicção do julgador, que só pode ser sua e formada com recurso aos meios de prova produzidos nos autos em conjugação ou não com regras de experiência comum, e não em convicções de outros.
Ao nível da prova documental, os movimentos bancários retratados no extrato da conta da Azores na Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo[38] são assaz reveladores do conhecimento[39] e domínio do recorrente sobre o recebimento e afetação do produto das vendas da Azores - pagamentos e transferências realizadas em benefício de terceiros -, bem como sobre a própria conta ou saldo que a mesma detinha em cada momento, como muito bem consta realçado na decisão recorrida sob os pontos AAO), AAQ), AAR), ABE) a ABI). Elementos documentados que sustentam a conclusão que o AI extraiu da formalização do contrato de prestação de serviços entre a Azores e a MC e que exarou na declaração de resolução extra-judicial do mesmo[40] - que o pretendido com a celebração do contrato foi “transferir os saldos bancários da Azores para a conta bancária” na disponibilidade do recorrente e “determinar que pagamentos eram realizados, salvaguardando os saldos remanescentes”, “não tinha subjacente a efetiva prestação de quaisquer serviços, mas sim a possibilidade de gerir as contas bancárias da Azores através de uma conta terceira”, - e que reforçam a credibilidade da versão dos factos narrada pelo requerido C. (…) De resto, das declarações do próprio recorrente resulta que tinha conhecimento e acesso direto e imediato sobre os movimentos – entradas e saídas - da conta bancária da Azores, pois outra coisa não pode inferir-se da justificação que deu para os valores da Azores transferidos à Alixir e desta para o Santa Clara: “estávamos aflitos, com problemas de liquidação do IVA[41], e “eram realizados para resolver problemas imediatos de tesouraria [do Santa Clara]”, sendo que a transferência da Azores para a Alixir só foi possível porque previamente MC transferiu €210.000,00 para a conta da primeira. Fica nitidamente revelado que o recorrente tinha ligação direta ou poder de imediatamente afetar os valores em depósito na conta bancária da Azores quando assim o quisesse, e o que fica bem evidenciado pela cronologia e valores descritos sob os pontos AAQ), AAR), e ABE) a ABI). Finalidade – de garantir a sua exclusividade na gestão direta e imediata do dinheiro da Azores – que responde igualmente à pergunta “qual era o meu interesse de tirar dinheiro da Azores e depois devolver?” com a qual o recorrente respondeu a questão que a este respeito lhe foi colocada (no segundo julgamento). Mais declarou “eu tive um contacto com o G., nós [no seu depoimento o recorrente refere-se a ele próprio na 1ª pessoa do plural] propusemos este empréstimo fosse devolvido (…), e esse dinheiro vai ser devolvido à Azores e vai entrar nas contas da azores para devolver o empréstimo que foi feito.” Anota-se que o tom com que emitiu estas declarações imprimiu um sentido de responsabilidade pessoal do recorrente por essa devolução. Mais se anota que o recorrente confirmou que o requerido C. não tem interesse no Santa Clara e que, apesar de desde o início ter pretendido convencer do seu desinteresse no negócio da Azores e dele se alijar através da imputação exclusiva a G. de interesses comuns na Azores e no Santa Clara, no desenrolar do seu depoimento, e motivado – e exacerbado - pelos termos em que o Sr. advogado conduziu a instância, o recorrente acabou por ´desabafar’ que “o objetivo quando se ia para a AzoresParque era o desenvolvimento de uma coisa que ainda não existe nos Açores, que era a academia do SC”, deixando à evidência todo o seu interesse na aquisição da Azores, no mínimo pela qualidade de presidente do clube e da SAD de Santa Clara, sendo certo que sobre o pecúlio da Azores sobrevoaram outras pessoas com relações e afinidades profissionais e associativas comuns às do recorrente.
Ao nível da prova documental mais se realça a incongruência cronológica do contrato de prestação de serviços celebrado com a MC e subscrito por C. em representação da Azores em data anterior à data da ata da sua nomeação como administrador desta. (…). (…) num discurso ziguezagueante, obscuro, impregnado de eufemismos, típico de quem pretende esconder a realidade através de um acervo de explicações que desembocam e primam pela incoerência ou pela falta de consistência e não enquadram com os factos conhecidos, redundando em fabulações, flagrante para todos os que na qualidade de advogados, magistrados e outros profissionais estão habituados a tramitar e a lidar com processos especiais de revitalização. Note-se que, questionado sobre a periodicidade de pagamento acordada no âmbito desse contrato – e que fosse suscetível de justificar não só as quantias, mas também a cadência das transferências efetivamente realizadas pela Azores à MC, respondeu “não me recordo, não sei concretizar” “o que eu … é as transferências bancárias, consta dos autos e esses são factos assentes”. Estas declarações, e a insistência do recorrente em declarar que “os valores foram os acordados, os contratualizados” reconduz-nos às palavras de Luís Pires de Sousa: “o contrato face aos terceiros – que nele não participaram – não [é] tanto um contrato senão um simples facto (…).[42] Efetivamente, numa folha de papel em branco é possível redigir o conteúdo que melhor aprouver aos interesses com ele visados pelos seus autores, independentemente da real vontade dos declarantes e independentemente da correspondência do seu conteúdo com a realidade conhecida. Coisa distinta sucede com documentos emitidos por entidades institucionais ou outros terceiros, como urgem ser os extratos bancários comprovativos de fluxos monetários - cheques, depósitos, levantamentos, transferências –, que falam por si no que a esses fluxos ou movimentos respeita, não admitem fabulações ou outras adulterações, e dispensam outros meios de prova. E o que os extratos bancários da conta da Azores revelam – assim como a ausência de uma qualquer nota de honorários ou fatura a cargo da Azores para justificar a cobrança daqueles valores à Azores, que o recorrente admitiu não ter emitido - (…).
Ainda ao nível da prova documental não passou despercebida a que estaria ao alcance do recorrente produzir para sustentar a sua versão, designadamente, as ‘shortlists que declarou ter remetido a G. por e-mail com a sugestão de nomes para administrador, ROC e contabilista[43] da Azores, sendo que para além de não ter documentado nos autos o envio e o teor dessas comunicações, quando perguntado que outros nomes sugeriu para além de C. a resposta foi “Agora não me lembro, está-me a dar aqui uma branca”.
c) De acordo com o standard de prova acima aludido, na questão fáctica sob apreciação - se foi o recorrente quem chamou a si o domínio na administração da Azores, concretamente, quem decidiu todos os negócios e a afetação ou destino do produto desses negócios e dos saldos bancários da Azores e movimentos bancários das contas desta –, feita a análise e valoração da prova pessoal e documental produzida nos autos, que inclui o depoimento do próprio recorrente, conclui-se que a probabilidade lógica prevalecente é a de ‘mais provável que sim’. Julgamento que determina a improcedência da impugnação que deduziu à matéria de facto, esclarecendo-se quanto ao aditamento requerido ao teor do ponto 10 dos factos não provados que, com exceção do segmento final – “Todas as decisões tomadas eram determinadas e comunicadas por G.” – o único de natureza exclusivamente factual, mas que não resultou demonstrado -, o que demais ali ensaiou, para além de corresponder a juízos conclusivos de direito (a extrair de elementos documentais), não releva para a decisão de mérito.
Termos em que se conclui pela improcedência da impugnação da decisão de facto, sem prejuízo da eliminação do teor da al. AAD) e do ponto 7 dos factos não provados.

B.2) Do recurso de S.
1. Para contextualização do objeto da impugnação relembra-se que o recorrente não põe em causa a sua afetação pela insolvência culposa e que a impugnação ao mérito da sentença recorrida circunscreve-se ao período da inibição e à quantificação da indemnização, censurando à decisão recorrida a ausência de diferenciação do grau de culpa de cada um dos afetados e a ausência de elementos que permitam quantificar a indemnização no valor em que a fixou (…).
2. A impugnação aos factos provados respeita ao valor dos imóveis objeto das vendas e ao valor do ativo da Azores à data de 31.12.2018 e depois da declaração da insolvência que, como acima se referiu, vai apreciar conjuntamente com as demais impugnações à matéria de facto da mesma natureza deduzida pela massa insolvente e pelo recorrente R.
3. Os factos não provados que impugna e que requer sejam julgados provados com alteração e ampliação de teor constam descritos nos seguintes termos:
i) (…)
Concluindo, e porque o julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito fundamento da ação, como urge ser a qualidade de administrador ou gerente de facto, impõe-se a modificação oficiosa da decisão de facto para dela eliminar a assunção e integração, como matéria de facto, de “pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto[44]. Termos em que se determina a supressão do ponto 3 dos factos não provados.
ii) (…)
Replicando o exposto na apreciação da bondade da alteração e ampliação da decisão de facto requerida estamos agora em condições de concluir que a matéria que se elencou sob as als. b) e d) enquadra e está já contida no descrito em AAF) e AAH) com suporte nas declarações referenciadas e analisadas no âmbito da impugnação de R., das quais resulta que foi este quem decidiu as vendas e as condições em que foram celebradas, a celebração dos contratos de prestação de serviços e de empréstimo, os pagamentos e a afetação/destino das disponibilidades monetárias da Azores, e que essas decisões foram materialmente cumpridas/executadas através das instruções que nesse sentido dava ao requerido C. e ao recorrente e que estes acataram, justificando-se a ampliação do teor da al. AAF) nestes termos e para incluir o recorrente a par com o requerido C..
(…) No que demais consta no ponto 5.1. dos factos não provados, para além de a convicção do recorrente quanto à correspondência do preço da venda com o valor de mercado dos imóveis dela objeto não relevar na apreciação de mérito dos efeitos da afetação pela insolvência culposa[45], a única prova a esse respeito produzida foram as declarações do próprio recorrente pelo que, sem outro suporte que confirme que assim o considerou, não pode ter-se como demonstrada.
(…)
Em conformidade, amplia-se a descrição contida na decisão de facto através do aditamento da al. L.1) e de outros aditamentos que se destacam a sublinhado para permitir a sua fácil perceção e diferenciação da redação originária dada pelo tribunal recorrido a cada uma das alíneas em que se vão integrar, assim:
(…)
B.3) Do recurso da massa, conjuntamente com o conhecimento parcial dos recursos de S. e de R. quanto a factos por todos impugnados e outros com estes conexos - als. AD, AE), AF), AJ), AL), AM) dos factos provados.
1. As alíneas em referência respeitam à questão da situação da Azores desde 2016 e até à data da alienação pela CMPD (se de insolvência, se de ‘difícil situação económica’) defendida pela recorrente e secundada por R., e à questão da quantificação da indemnização posta em causa por este e por S., questões que, no essencial, assentam na discussão sobre o valor do ativo da Azores à data de 31.12.2018 e depois da declaração da insolvência e ao valor dos imóveis vendidos após a sua alienação pela CMPD, com fundamento, no essencial, em meios de prova documentais comuns a todas as impugnações, pelo que se procede nesta parte à sua apreciação conjunta.
(…)
Apreciando:
Conforme acertadamente consta da conclusão 30 das alegações da massa insolvente (ainda que dela não tenha retirado a ilação devida), “As noções de insolvência e de situação económica difícil correspondem a conceitos jurídicos cuja verificação do preenchimento cabe, em exclusivo, ao Tribunal.”
O que vale por dizer que ao julgamento de facto do aqui descrito – verificação e conhecimento da difícil situação económica ou da situação de insolvência – obsta a circunstância de uma e outra corresponderem a juízos conclusivos de direito ao qual o julgador não pode pretender dar resposta na decisão de facto, e muito menos fundamentá-la nas opiniões/considerações conclusivas a respeito transmitidas pelas testemunhas[46].
Como é sabido, a expressão situação económica difícil foi utilizada pelo legislador na previsão dos pressupostos e admissibilidade do recurso a Procedimento Especial de Revitalização, definindo-a no art.º 17º-B do CIRE como dificuldade séria da empresa para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito, redundando em qualquer caso em ausência de tesouraria suficiente para pagamento de dívidas vencidas. A situação de insolvência é legalmente definida como a impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas (cfr. art.º 3º, nº 1 do CIRE). Tratam-se por isso de conceitos normativos que encerram juízos conclusivos de direito que, como tal, carecem de ser suportados e concretizados em factos e cujo conhecimento, como questão de direito que é, tem o seu lugar próprio em sede de enquadramento jurídico do quadro fáctico assente e/ou demonstrado nos autos e descrito na decisão de facto, e que permita sindicar a bondade dos pressupostos – de facto e de direito - em que assentam. Quadro fáctico que (idealmente) não corresponde sem mais aos termos em que são identificados e enunciados os temas da prova, posto que estes são/devem ser enunciados em termos amplos e flexíveis, mais ou menos vagos e difusos com a virtualidade de, por um lado, identificar as questões de facto que, sendo relevantes para a decisão da causa, carecem de ser objeto de instrução, e, por outro, permitir que, produzida a prova, na prolação da decisão o juiz considere toda a concreta fattispecie essencial, nuclear, complementar, e concretizadora dessas mesmas questões de facto, por referência aos pressupostos do tipo legal normativo que os factos alegados e os pedidos ou o objeto do processo convocam. Assim, no epílogo de toda a atividade produzida nos autos pelas partes e da oficiosamente ordenada, em sede de elaboração de sentença, e conforme determina o art.º 607º, nº 4 do CPC, o juiz deve proferir decisão concreta e precisa sobre os factos essenciais que integram cada uma das questões de facto enunciadas nos temas de prova, constituindo esta o suporte fáctico por referência ao qual é cumprida a apreciação de direito através da determinação e aplicação das normas convocadas pelo objeto do processo definido pelos fundamentos e pelos pedidos deduzidos na ação (ou no incidente).
Em síntese, o julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito fundamento da ação/incidente, como urge ser a verificação da situação de insolvência ou da difícil situação económica, a impor a modificação oficiosa da decisão de facto para dela eliminar a assunção e integração, como matéria de facto, de “pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto[47].
Impõe-se por isso a alteração da decisão de facto nesta parte, não no sentido preconizado pelos recorrentes, mas pela eliminação do teor das alíneas AD) e AE) dos factos provados.
a) Da al. AF) consta:
(…)
Ou seja, motivou a impugnação ao teor das als. AD e AE) mas não expôs em que termos os documentos põem em causa ou são suscetíveis de contrariar a convicção positiva que o tribunal recorrido formou sobre o facto descrito em AF), relativamente à qual não esboçou um qualquer juízo crítico pelo que, em rigor, a requerida inversão do julgamento de provado para não provado surge sem qualquer justificação que a suporte e que não se extrai nem se vislumbra dos documentos que indica (para além de a prova pessoal e documental produzida invocada pelo tribunal recorrido confirmar o julgamento que fez deste facto).
Termos em que se conclui pela improcedência da requerida inversão do sentido do julgamento do facto descrito sob a al. AF), que se mantém nos factos provados.
b) Das als. AJ), AL) e AM) consta:
AJ) Os 15 imóveis que a Azores Parque vendeu à Birds Waves, Unipessoal, Lda. por um total de 50.000,00 € tinham, à data da venda, o valor de 3.043.689,78€.
AL) Em 31 de Dezembro de 2018 a Azores Parque apresentava um ativo total de 10.985.894,35€.
AM) Depois de declarada a insolvência e apreendidos os bens da insolvente, a Azores Parque revela um ativo total de 4.667.330€.
Seja pela pretendida repercussão na aferição da imputada irregularidade da contabilidade e da alegada situação da Azores por referência ao critério do balanço (ativo/passivo), seja pela pretendida redução do valor da indemnização fixada pela sentença recorrida, à impugnação dos sobreditos factos subjaz a questão do ‘justo’ valor e/ou do valor de mercado dos imóveis da Azores, que os recorrentes discutem em torno dos resultados divergentes dos relatórios de avaliação realizados pela testemunha DL., um em 2018 a pedido do diretor geral da Azores (HF.), outro em 2020 a pedido da requerida M..
(…)
Cumpre apreciar:
No que respeita ao valor de mercado de imóveis da Azores afigura-se-nos que a natureza desse facto - juízo de valor técnico – não dispensa a prova pericial para a sua confirmação ou determinação, pelo que antecipadamente se conclui como alegam o recorrente S. e os recorridos M. e outros, pela ausência de aquisição processual do valor de mercado ou do valor real dos imóveis objeto das vendas à data da realização das vendas, sendo certo que estas ocorreram no mesmo ano e poucos meses antes da instauração do processo de insolvência (em 2019).
Com efeito, no âmbito destes autos não foi realizada prova pericial para avaliação dos imóveis e determinação do respetivo valor de mercado ou outro[48], e aos relatórios que sobre essa matéria foram juntos aos autos pelo AI e pelos recorridos não é processualmente possível reconhecer o valor de perícia posto que não são o resultado do procedimento para o efeito regulado na lei processual civil e que, essencialmente, a par com a indicação e escrutínio dos técnicos para a sua realização e opção pela natureza singular ou colegial da mesma, visa garantir o exercício do contraditório, não só quanto ao resultado final expresso no relatório, mas desde logo na recolha dos elementos factuais e/ou fonte das informações às quais os srs. peritos reportam e baseiam a avaliação, e na indicação e justificação dos respetivos critérios. O mesmo se diga relativamente ao resultado da perícia realizada no âmbito da ação em apenso J (instaurada por terceiro contra a massa insolvente para impugnação de resolução extrajudicial de negócio) que, para além de respeitar apenas aos imóveis alienados pela compra e venda objeto daquela ação, não pode ser oposta a quem nesses autos não foi parte.
(…)
Ora, para além de, ao menos em abstrato e por referência aos critérios em que assentam, ambas as avaliações poderem ser objetivamente tomadas como corretas ou defensáveis – posto tratarem-se de ‘opiniões’ que nos relatórios constam justificadas por critérios distintos - , o que mais releva é que subjacente a esta matéria, de quantificação do ativo da Azores por referência ao valor dos imóveis que o integram requerida pelos recorrentes massa insolvente e R.[49] -, está a questão da alegada incorreção contabilística da mensuração de ativos inscritos nas contas da Azores pelo que, como tal, é matéria e questão que cumpre aferir por recurso às regras legais aplicáveis[50] que, como se referiu, não cabe ponderar e aplicar em sede de decisão de facto; nesta cabe apenas fixar os factos que para o efeito relevem. O que tanto basta para justificar a desconsideração das ditas avaliações como meios de prova para em sede de decisão de facto julgar demonstrado um valor em detrimento de outro como o valor dos imóveis da insolvente – real, empresarial, de mercado, de liquidação, ou outro - e, simultaneamente, justificar o aditamento do teor daqueles relatórios como factos relevantes para a apreciação das questões de direito que com fundamento nos mesmos foram suscitadas no incidente pelos AI, comissão de credores e R., e constituem objeto do presente recurso.
(…)
Afastada a relevância probatória dos relatórios de avaliação invocados na questão da fixação do valor dos imóveis em sede de decisão de facto, cumpre apreciar da bondade das impugnações às als. AJ), AL) e AM).
Como se disse, da motivação da decisão de facto resulta que o valor atribuído aos imóveis referidos na al. AJ) corresponde à soma do valor patrimonial tributário de cada um deles. Porém, se através desta alínea o tribunal recorrido pretendeu afirmar que o valor nele descrito corresponde ao valor de mercado dos imóveis e se, conforme expôs na motivação da decisão de facto, não existem elementos nos autos que o permitam pôr em causa, o certo é que também não há elementos que o confirmem como valor de mercado ou outro que não o VPT. O argumento do tribunal a quo vale em ambos os sentidos, sendo que por princípio a formação de convicção positiva sobre facto controvertido não se baste com a inexistência de elementos a apontar em sentido contrário ou diverso, antes pressupõe a existência de elementos que a justifiquem nesse sentido[51], sendo que a natureza do facto valor de mercado de imóvel não comporta que se presuma sem mais e apenas por decalque do atribuído pela Autoridade Tributária. Nestes termos, para melhor compreensão da origem e da natureza da valoração a que reporta o valor descrito na al AJ), impõe-se que a indicação daquele valor seja acompanhada da referência à sua origem, que ao mesmo tempo identifica a entidade que o atribuiu, o que se cumpre com a expressa indicação de o mesmo corresponder ao valor patrimonial tributário (VPT), certificado na escritura de compra e venda dos ditos imóveis (doc. 13 apresentado com o requerimento inicial do incidente do credor BST, e doc. 2 a 16 juntos com o req. de 13.11.2020 do AI, fls, 1612 e ss.).
Relativamente ao valor indicado em AL) constata-se que este corresponde ao que consta inscrito nas contas do exercício de 2018 pelo que, para clarificar que assim é e para que não se confunda com qualquer outra realidade - designadamente, como sendo o valor de mercado dos bens inscritos no ativo da Azores, relativamente ao qual, como se referiu, não foi produzida prova pericial como tal processualmente atendível -, impõe-se mencionar a origem desse mesmo valor nos termos requeridos pela recorrente massa insolvente.
O mesmo quanto ao valor indicado em AM) – uma vez que o tribunal a quo o fundamentou no auto de apreensão dos imóveis junto no apenso A em 15.01.2021, cumpre aditar a menção a esse facto ao teor da al. AM).
Em conformidade, na procedência da impugnação da massa insolvente neste segmento e em termos distintos do requerido pelos recorrentes S. e R., procede-se à alteração do teor das als. AJ), AL) e AM) para passarem a constar nos seguintes termos, adiantando-se que, para evitar repetições e assegurar a inserção temática ordenada do facto que agora se mantém e altera sob a al. AL), o seu teor será inserido no âmbito do aditamento que infra oficiosamente se determina para descrição de elementos das contas de 2016 a 2018 da Azores:
(…)
2. A recorrente massa insolvente mais requer que à decisão de facto sejam aditadas novas alíneas com o seguinte teor:
(…)
Termos em que, na parcial procedência da impugnação neste segmento, determina-se o aditamento aos factos provados dos valores dos resultados líquidos inscritos nas contas dos exercícios referentes aos anos de 2015 a 2018, e do ativo e do passivo inscritos nas contas referentes ao exercício de 2018, o que se cumpre conjuntamente com outros elementos das contas que oficiosamente se infra vão aditar à decisão de facto e que incluem o facto da AL) com a alteração acima introduzida.
3. A recorrente mais requer a eliminação[52] dos factos não provados 1 e 2, com o seguinte teor:
(…)
Apreciando desde já se concede na necessidade de completar a decisão de facto com elementos de facto nos quais a recorrente fundamenta as questões de direito que suscitou e mantém relativamente aos recorridos e para possibilitar a sua apreciação em sede própria, (…).
 (…).
Nesta conformidade, determina-se a eliminação dos pontos 1 e 2 dos factos não provados e, indeferindo-se o que demais vem requerido, determina-se o seguinte aditamento à decisão de facto:

C) Ampliação da decisão de facto
Para além da questão da apreciação dos alegados erros de julgamento de facto imputados ao tribunal recorrido mais importa ter presente que na elaboração da sentença o juiz deve selecionar e proferir decisão sobre os factos essenciais que integram cada uma das questões de facto objeto do processo, mediante a descrição dos factos reais e concretos que individualizam e descrevem a ocorrência da vida ou o ‘pedaço histórico da vida real’ trazido à apreciação do tribunal e que, por referência aos elementos normativos do direito aplicável e convocado, são essenciais para a apreciação e decisão do caso. Efetivamente, a especial, e de sobremaneira relevante, acuidade na seleção e no julgamento da matéria de facto reflete a essencialidade da mesma no resultado da ação; “constitui o principal objectivo do processo civil declaratório, tendo em conta que é da matéria provada e não provada que depende o resultado da acção.[53] Para que a decisão de facto cumpra plenamente a sua função na realização da justiça do caso concreto mister é que se apresente completa, no sentido de descrever os factos necessários à apreciação das questões que integram o objeto da causa e em ordem à decisão da mesma, impondo-se ao juiz que tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos, ou por confissão reduzida a escrito (art.º 607º, nº 4 do CPC).
Na definição das consequências a extrair dos vícios da decisão de facto, sob a epigrafe Modificabilidade da decisão de facto, prevê o art.º 662º, nº 1 do CPC que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. No dizer de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Não oferecendo a sentença base de facto idónea à Relação para a decisão de direito, este tribunal deverá reapreciar os pontos de facto da matéria de facto a tanto necessários. E a respeito do conhecimento oficioso da nulidade da sentença prevista pela citada al. c) do nº 2 do art.º 662º - cujo âmbito de aplicação referem ser instrumental em ordem à apreciação de mérito do objeto do recurso -, mais esclarecem que o que ela dispõe não tem diretamente a ver com a modificação da decisão de facto e com a formação de uma convicção própria pela Relação, assente no material probatório obtido, funcionando em regime de substituição (art.º 665º), traduzindo antes um poder cassatório ou anulatório do tribunal ad quem. (…).//(…) a Relação só se pronuncia oficiosamente sobre a validade da sentença da 1ª instância se não conseguir proferir a decisão que lhe compete (de facto, neste caso).[54] Nesse mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, assentando que o art.º 662º, nº 2, al. c) do CPC apenas determina a anulação da decisão proferida quando do processo não constem todos os elementos probatórios necessários ao seu suprimento pelo Tribunal da Relação; “Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder, enquanto tribunal de substituição, à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas.// A intervenção do Tribunal da Relação nesse âmbito ocorre a título oficioso, independentemente, portanto, da iniciativa da parte interessada na alteração da decisão de facto, pelo que não são aplicáveis os ónus previstos no art.º 640 do CPC.”[55] 
i) Nesse desiderato, (…).
(…)

IV - Fundamentação de Facto
De acordo com a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido e as alterações e aditamentos que à mesma supra se introduziram, e desconsiderando os factos descritos sob as als. ABL) a ABS) por respeitarem ao incidente de litigância de má fé deduzido contra R., cuja decisão não integra o objeto do presente recurso, os factos provados e não provados a considerar são os seguintes:
1. Factos Provados
A) Em 07.05.2004, foi constituída a Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A. (Azores Parque), com um capital social de 1.000.000,00 €, detido inicialmente pelo Município de Ponta Delgada (51%), pelo Coliseu Micaelense – Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A. (31,5%), pela Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada (7,5%), pela R…, C…. & T…, Limitada (5%), pela Universidade dos Açores (2,5%) e pela Taguspark – Sociedade de Promoção e Desenvolvimento do Parque de Ciência e Tecnologia da Área de Lisboa, S.A. (2,5%) – cfr. estatutos e certidão de registo comercial cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzidos.
B) A Azores Parque foi detida (maioritária e até mesmo integralmente) pelo Município de Ponta Delgada e, como tal, era uma entidade empresarial local de promoção do desenvolvimento local e regional.
C) A Azores Parque esteve integrada no SEL do Município de Ponta Delgada até ao dia 11 de março de 2019, data em que o Município vendeu a sua participação social de 51% no capital social desta empresa à Alixir Capital (Lisbon), Lda.
D) A Azores Parque é uma sociedade que se dedica à promoção, manutenção e conservação de infraestruturas urbanísticas e gestão urbana e à renovação  reabilitação urbanas e gestão do património edificado e, em particular, é responsável pela construção e exploração do parque industrial de Ponta Delgada, nos Açores.
E) O conselho de administração da Azores Parque teve a seguinte composição:
B., presidente do conselho de administração da Azores Parque entre 28-07-2016 e 04-12-2017 (e presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada entre 2012 e março de 2020);
H., presidente do conselho de administração da Azores Parque entre 05-02-2018 e 08-03-2019 (vice-presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada entre 2017 e 2020 e Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada desde março de 2020 até junho de 2020);
M., vogal do conselho de administração da Azores Parque entre 05-02-2018 e 08-03-2019 (deputada da Assembleia Municipal de Ponta Delgada entre 2009 e 2017, vogal da Câmara Municipal de Ponta Delgada desde 2017 e Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada desde junho de 2020);
L., vogal do conselho de administração da Azores Parque entre 28-07-2016 e 04-12-2017 (e vereadora da Câmara Municipal de Ponta Delgada entre 2013 e 2017);
C., presidente do conselho de administração da Azores Parque desde 04-04-2019 até ao presente; e
S., vogal do conselho de administração da Azores Parque desde 04-04-2019 até ao presente.
E.1) Das contas da Azores referentes aos exercícios dos anos de 2016, 2017 e 2018[56]
1. Das contas do exercício de 2016 constam os seguintes valores:
Rendimentos e Gastos
- vendas e serviços prestados = €448.119,47
- resultado antes de depreciação, gastos de financiamento e impostos = €150.713,89
- resultado líquido do período = - €485.093,16 (negativos)
Ativo = €11.280.570,61 (total)
- ativo não corrente = €3.518.539,96 (sendo €3.506.850,03 a título de propriedades de investimento)
- ativo corrente = €7.762.030,50:
- inventários = €7.543.776,89
- Clientes = €88.747,20
- Estado e outros entes públicos = €93.888,25
- Outros contas a receber = €4.957,17
- Caixa e Depósitos bancários = €29.684,50
Capital próprio = €125.857,16
- Reservas legais = €78.000,00
- Outras reservas = €275.000,00
- Resultados transitados = - €742.049,68 (negativos, que inclui resultado negativo de 2015 no valor de €273.706,40).
- Resultado líquido do período = - €485.093,16
Passivo - € 11.154.713,45 (total)
- Passivo não corrente = €7.518.894,92
- Financiamentos obtidos = €7.518.894,92
- Passivo corrente = €3.635.818,53
- Fornecedores = €38.902,37
- Adiantamentos de clientes = €287.890,00
- Estado e outros entes públicos = €602,40
- Financiamentos obtidos = €2.853.861,45
- Outras contas a pagar = €374.562,31
- Diferimentos = €80.000,00
Demonstração de fluxos de caixa das atividade operacionais = €229.212,73
- Recebimento de clientes = €366.305,54
- Pagamentos a fornecedores = €69.792,60
- Pagamentos ao pessoal = €67.300,21
Demonstração de fluxos de caixa das atividades de financiamento = - €438.156,11 (negativos)
Pagamentos respeitantes a:
- Financiamentos obtidos = €302.920,19
- Juros e Gastos similares = €574.329,52
2.  Das contas do exercício de 2017 constam os seguintes valores:
Rendimentos e Gastos
- vendas e serviços prestados = €450.089,05
- resultado antes de depreciação, gastos de financiamento e impostos = €121.870,45
- resultado líquido do período = - €323.297,15 (negativos)
Ativo = €11.237.786,01 (total)
- ativo não corrente = €3.338.345,89 (sendo €3.332.521,23 a título de propriedades de investimento, correspondente ao prédio onde está instalado parque de máquinas - €2.239.166 – e à estrada de acesso denominada Rua Azores Parque - €1.093.355).
- ativo corrente = €7.899.440,12:
- inventários = €7.551.036,89
- Clientes = €100.324,81
- Estado e outros entes públicos = €92.561,05
- Outros créditos a receber = €131.570,59
- Caixa e Depósitos bancários = €22.627,81
Capital próprio = €168.671,47
- Reservas legais = €78.000,00
- Resultados transitados = - €861.031,38
- Resultado líquido do período = - €323.297,15
Passivo - € 11.069.113,54 (total)
- Passivo não corrente = €10.523.298,23
- Financiamentos obtidos = €10.523.298,23
- Passivo corrente = €545.816,31
- Fornecedores = €101.873,74
- Adiantamentos de clientes = €285.000,00
- Estado e outros entes públicos = €3.646,15
- Outras contas a pagar = €63.146,42
- Diferimentos = €92.150,00
Demonstração de fluxos de caixa das atividade operacionais = €50.619,51
- Recebimento de clientes = €428.607,37
- Pagamentos a fornecedores = €81.429,67
- Pagamentos ao pessoal = €100.147,30
Demonstração de fluxos de caixa das atividades de financiamento = - €57.676,20 (negativos)
Recebimentos provenientes de:
- Financiamentos obtidos = €150.541,86
- Cobertura de prejuízos = €366.541,86
- Doações = €315.000,00
Pagamentos respeitantes a:
- Juros e Gastos similares = €574.329,52
- Reduções de capital e de outros instrumentos de capital próprio = €315.000,00
3. Das contas do exercício de 2018 constam os seguintes valores:
Rendimentos e Gastos
- vendas e serviços prestados = €450.748,95
- resultado antes de depreciação, gastos de financiamento e impostos = €161.983,28
- resultado líquido do período = - €276.263,46 (negativos)
Ativo = €10.985.894,35 (total)
- ativo não corrente = €3.159.180,63 (sendo €3.158.192,43 a título de propriedades de investimento)
- ativo corrente = €7.826.713,12:
- inventários = €7.551.036,89
- Clientes = €82.115,35
- Estado e outros entes públicos = €93.847,91
- Outras contas a receber = €67.399,63
- Caixa e Depósitos bancários = €31.242,09
Capital próprio = - €111.804,77 (negativos)
- Capital realizado = €1.000.000,00
- Ações próprias = €490.000,00
- Reservas legais = €78.000,00
- Resultados transitados = - €1.163.541,31 (negativos)
- Resultado líquido do período = - €276.263,46 (negativos)
Passivo - € 11.069.113,54 (total)
- Passivo não corrente = €10.614.230,20
- Provisões = €144.094,33
- Financiamentos obtidos = €10.470.135,87
- Passivo corrente = €483.468,92
- Fornecedores = €42.180,78
- Adiantamentos de clientes = €285.000,00
- Estado e outros entes públicos = €4.237,80
- Outras contas a pagar = €72.050,34
- Diferimentos = €80.000,00
Demonstração de fluxos de caixa das atividades operacionais = €117.312,84
- Recebimento de clientes = €447.740,60
- Pagamentos a fornecedores = €174.543,22
- Pagamentos ao pessoal = €100.549,33
Demonstração de fluxos de caixa das atividades de financiamento = - €108.737,22 (negativos)
Recebimentos provenientes de:
- Cobertura de prejuízos = €164.881,55
Pagamentos respeitantes a:
- Juros e Gastos similares = €273.618,77
4. Sob os itens ‘Deliberação de aprovação de contas’ e ‘Relatório de gestão’ das contas de 2016, 2017 e 2018 consta que foram aprovadas em, respetivamente, 31.03.2017, 28.03.2018 e 11.03.2019, que foram elaborados o relatório de gestão e as contas do exercício e estes assinados por todos os membros da administração.
5. Sob a epígrafe ‘Principais políticas contabilísticas’ consta das contas da Azores que os inventários são registados ao custo de aquisição ou ao valor realizável líquido se este for inferior, que o valor realizável líquido é o preço de venda estimado no decurso ordinário da atividade empresarial menos o custo estimado de acabamento e os custos necessários para efetuar a venda, e que no caso da sociedade são registados ao custo de aquisição.
6. O ROC da Azores procedeu à certificação legal das contas do exercício de 2015, 2016, 2017 e 2018 com as seguintes reservas e ênfase:
Reservas:
1. Por incumprimento de obrigações contratuais e por decisão judicial, a Azores Parque tem que devolver a um cliente o sinal pago, no montante de €285.000,00.
2. Um fornecedor apresentou um pedido de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, no montante de €787.441,12, cujo desfecho, nesta data, ainda não é conhecido. Dado que a Azores Parque não aceita os fundamentos do referido pedido, o processo encontra-se no Tribunal Administrativo de Ponta Delgada.
3. Existe um contencioso com a Autoridade Tributária sobre a matéria colectável de IRC relativo aos anos de 2010 e 2011, no montante de €125.473,10, estando o mesmo garantido com uma hipoteca de três imóveis pertencentes à Azores Parque.
4. Por falta de elementos adequados, designadamente de um estudo técnico atualizado de avaliação por peritos independentes, não nos é possível ajuizar sobre o valor atual da conta “Produtos e Trabalhos em Curso – Terrenos”, nem concluir sobre a necessidade, ou não, do montante a reconhece como perdas por imparidades.
Ênfase:
Uma vez que a sociedade se encontra na situação prevista no artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, devem os membros da administração dar cumprimento ao disposto no referido artigo.
7. Do relatório de gestão das contas do exercício de 2018, subscrito por contabilista certificado e pelos recorridos H. e M. em representação do Conselho de Administração da Azores, consta que:
- Os “778.171,00m2 de área total de terrenos adquiridos, com escrituras correspondeu a um investimento global de €6.345.432,44 e no ano de 2018 não foram celebradas escrituras ou contratos (de aquisição de outros imóveis);
- do total de 94 pavilhões (‘Retail Park’) a sociedade vendeu 90 (pelo total de €12.403.630,00) e mantém 4 arrendados com opção de compra e rendas mensais no valor total de €1.850,00 (no total recebido de 2008 a 2018 de €76.626,80).
- até 2014 vendeu lotes de terrenos industriais (pelo total de €2.256.167,08);
- os lotes de terrenos (infra-estruturados) do Parque de Oficinas (correspondente à Unidade de Execução 10) foram todos vendidos entre os anos de 2010 e 2015 (pelo total de €2.033.486,53);
- em julho de 2017 foi submetida à CMPD e por esta aprovada nova Unidade de Execução com 10 lotes para construção de armazéns numa área total de 57.180m2 (Unidade de Execução 11);
- o Parque de Máquinas foi concluído em 2008 e encontra-se em funcionamento e arrendado;
- e o alargamento da Estrada Velha do Pico da Pedra foi concluído em 2008.
- sob a epígrafe ‘Rubricas do capital próprio’ consta que o capital social de €1.000.000,00 foi subscrito na totalidade, que em 2016 a Câmara do Comércio e Industria de Ponta Delgada doou as suas 15.000 ações de valor nominal de €75.000,00, em 2017 o Coliseu Micaelense doou à Azores Parque as sus 63.000 ações de valor nominal de €315.000,00, e em 2018 as empresas R…., C…. e T…., Ldª e Tagusparque, SA doaram as suas ações de valor nominal de €50.000 e €25.000, respetivamente, e por sentença de 30.04.2018 do Tribunal Judicial de Ponta Delgada (proc. nº 695/18.9TBPDL) foi determinada a anulação da participação da Universidade dos Açores correspondente a 5.000 ações no valo nominal de €25.000,00 e a devolução deste montante pela Azores à Universidade, por liquidar à data de 31.12.2018;
- o Parque de Máquinas, arrendado à CMPD, e a estrada de acesso constam inscritos como obras concluídas e reconhecidos na contabilidade como propriedades de investimento pelo seu custo de aquisição e produção, o primeiro no montante de €2.652.360,53 (e o terreno mensurado pelo seu custo de aquisição, em €132.000,00), a segunda no montante de €1.821.044,89 e como potencial propriedade de investimento, com amortizações acumuladas de €1.272.884 (o que perfaz o valor de €3.332.521,00 inscrito nas contas de 2017);
- o valor de €7.551.036,89 da rubrica inventários inscrito nas contas de 2017 e nas de 2018 corresponde ao custo de aquisição dos terrenos disponíveis para venda e obras em curso nos Armazéns EU-8 (€724.660,12), parque ambiental (€131.667,12), ‘terrenos projetos’ (€6.229.566,05), Parque industrial Fase A (€138.656,63) e Fase B (€319.228,10) e Unidade de Execução (€7.260,00); o Pavilhão multiusos, terrenos vendidos e, no parque habitacional, ‘terreno Banif’, constam a valores Zero.
- Sob a epígrafe ‘Financiamentos obtidos’ consta:
- Banif do Funchal, SA (“Parque de Máquinas, infraestrutura viária, mútuo com hipoteca, empréstimo consignação rendimentos”), saldo inicial de €7.669.436,78, amortizações de €50.000,00, e saldo final de €7.619.436,78;
- BCP – Millenium (“Terrenos, Infraestruturas, Infraestruturas com reestruturação financeira, Terrenos com reestruturação financeira”), saldo inicial de €2.853.861,45, regularizações de € 3.162,36, e saldo final de €2.850.699,09;
- Sob a epigrafe ‘Adiantamentos de clientes (…)’ consta saldo de €285.000,00 e salientado que o mesmo respeita a obrigação de restituição do montante entregue a título de adiantamento reconhecida judicialmente naquele valor em finais de 2015, a que acrescem os juros e os gastos judiciais imputados que em 31.12.2018 ascendem a €18.991,54.
E.2) Dos relatórios:
1. No âmbito da preparação do procedimento de internalização da Azores na CMPD e a solicitação do respetivo Diretor Geral, HF., DL., engenheiro civil inscrito na CMVM como perito avaliador, procedeu a avaliação dos imóveis da Azores e elaborou os respetivos relatórios, datados de 30.10.2018, concluindo pelo valor total de €3.390.335,00 (doc. apresentado nos autos pelo AI e junto a fls. 2148 a 2161, e parte final do doc. 35 junto com a oposição de M., a fls. 1248 e 1249).
2. Desses relatórios consta que “apesar de já estarem classificados administrativamente como urbanos, de acordo de acordo com o que está previsto no Regulamento do Plano Diretor Municipal (capacidade construtiva) para o local (…), iremos considerar a avaliação do bem no seu uso atual(povoado de pastagem natural e devoluta) e não de acordo com o pressuposto de “máxima e melhor utilização do terreno/bem”, porque não existem qualquer tipo de infraestruturas executadas. Os valores do conjunto das propriedades serão calculados em função da sua capacidade produtiva (produção forrageira). Neste momento o terreno na totalidade está povoado de pastagem (abandonada parcialmente) e alguns incultos. Face às condições edafoclimáticas da região, com pluviometria elevada e temperatura constante e amena ao longo do ano, apresenta características específicas para exploração agropecuária. Assim, considerou-se para efeitos da sua avaliação, a sua capacidade para a produção estimada de feno e de milho silagem, de forma geométrica irregular, com água e energia elétrica no arruamento e com alguma facilidade de maneio e mecanização, considerada a mais conveniente e que se adequa a estes rendimentos.
3. As ditas avaliações consideram o valor de €7,65/m2 e têm por objeto:
- conjunto de terrenos denominados “habitacional” - 11 prédios com a área total de 128.640m2, ao qual na “utilização atual” atribuiu o valor de €985.000,00;
- conjunto de terrenos denominado “Parque Oficinas - Unidades de Execução B, C e D - 22 prédios, com área total de 94.307,36m2, ao qual na “utilização atual” atribuiu o valor de €722.000,00;
- conjunto de terrenos denominado “Feira Internacional dos Açores” - 11 prédios com área total de 58.020 m2, ao qual na “utilização atual” atribuiu o valor de €444.000,00;
- conjunto de terrenos denominado “Parque Ambiental” - 4 prédios, com área total de 30.620 m2, ao qual na “utilização atual” atribuiu o valor de €235.000,00);
- Conjunto de terrenos denominado “outros prédios” - 19 prédios com área total de 167.781,82 m2, ao qual na “utilização atual” atribuiu o valor de €1.004.335,00).
4.  No âmbito da preparação do procedimento de internalização da Azores na CMPD e a solicitação do respetivo Diretor Geral, HF., o ROC da CMPD, MB., elaborou relatório datado de 12.11.2018, nele consignando a sua utilização exclusivamente limitada à “determinação do valor patrimonial da Azores (…) tendo como propósito estabelecer o potencial económico numa ótica dos capitais próprios”, “destinado assim ao Conselho de Administração da Azores e aos acionistas detentores do capital social, devendo a sua disponibilização para outros efeitos ser sujeita a prévia autorização.” (doc. 42 junto com a oposição de M., fls. 786vº e ss.)
5. Desse relatório consta:
- que a avaliação assentou no balanço da sociedade preparado em referência a 31.12.2017 e nas demonstrações dos resultados para o ano findo nessa data e na informação financeira prospetiva, assente no tratamento dos elementos contabilísticos numa ótica de liquidação no pressuposto da descontinuidade das operações da sociedade e, assim, com exclusão da ponderação de decisões de investimento e de financiamento para desenvolver/completar a execução da infraestruturação e implantação do parque empresarial associadas a diferentes unidades de execução para instalação de atividades económicas (como foi propósito da constituição da sociedade), que não se esperam que se realizem, pressupondo que a sociedade “cessará a sua atividade e, por isso, as decisões de realização dos ativos estão sujeitos às normais consequências de pressão financeira e de negociação com os credores”; que “(…) tem intenção de entrar em liquidação (…), não se ponderou qualquer desenvolvimento da Entidade baseado no desempenho operacional e financeiro, nos aspetos de rendibilidade e na perspetiva da evolução futura dos negócios e do mercado em que se encontra inserida, mas avaliou-se a capacidade que terá de gerar fluxos financeiros no futuro em condições em que a realização dos seus ativos pode ser forçada pelas condições contratadas para a liquidação dos passivos” (“com as instituições de crédito que financiaram as diferentes fase de investimento concretizadas”);
- que o método de avaliação utilizado assentou na avaliação patrimonial, “considerando individualmente os ativos e passivos da Entidade em 31 de dezembro de 2017, (…), avaliando-os através de diversos critérios de mensuração, designadamente, o valor de liquidação e o valor contabilístico. O valor patrimonial ajustado, independentemente do método que possa ser utilizado na sua mensuração, não é normalmente aceite para determinar o valor de uma entidade em funcionamento, sendo aceite, nos termos dos normativos internacionais da avaliação, como valor indicativo de entidades em descontinuidade de operações.”; “(…)
- por referência ao resumo das demonstrações financeiras a 31.12.2017 (ativos fixos e inventários no valor total de €11.237.786, financiado por capitais próprios de €168.671,00 e capitais alheios nos montantes de €10.523.298 e €545.816), que “(…) a preparação destas demonstrações financeiras não apresentavam de forma verdadeira e apropriada a posição financeira, o desempenho financeiro e os fluxos de caixa da Entidade de acordo com as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro adotadas em Portugal através do Sistema de Normalização Contabilística, conforme a opinião emitida na certificação legal das contas em 2 de março de 2018, no qua também é enfatizada a situação de perda de metade do capital social.”;
- a infraestrutura rodoviária inscrita no ativo como propriedade de investimento pelo valor de €1.093.355 (denominada Rua Azores Parque) é património da Câmara Municipal de Ponta Delgada que “por lei, está subtraído ao comércio jurídico privado” e, por isso, numa perspetiva patrimonial os capitais próprios da sociedade estes devem ser negativamente afetados naquele valor pelo desreconhecimento daquele ativo;
- nas condições atuais do contrato de arrendamento do Parque de máquinas, assegurado até setembro de 2022, “e numa perspetiva que atenda às rendas contratadas” e a uma taxa de oportunidade de custo de capital de 8%, o seu valor atual será de 1.460.204 euros, o que corresponde a “uma diferença de €778.962 entre o valor contabilístico e o justo valor do ativo determinado com base nas rendas contratadas”;
- o valor reconhecido para inventários (€7.551.037) compreende o custo de aquisição de 5.929.966 euros referente aos terrenos disponíveis para venda e de pavilhões objeto de 4 contratos de arrendamento, e outros gastos relacionados com o desenvolvimento do parque empresarial (€1.015.793) e com a capitalização de encargos financeiros (€605.278); “[q]ue estes imóveis foram avaliados na ótica de mercado por uma entidade independente que determinou que o preço de venda global destes ativos em termos de localização e área disponível (479.369,18 metros quadrados) seja computado no montante de 3.390.335 euros.”, afetando negativamente os capitais próprios pela diferença de €4.160.702 entre o justo valor dos ativos a alienar e o valor contabilístico registado na rubrica de inventários ao custo de aquisição.
6. Com base nos ajustamentos descritos naquele relatório - emergentes da anulação de património pertencente à CMPD (€1.093.355), da alteração dos valores dos imóveis detidos para venda (€4.160.702), e do acréscimo aos valores dos ativos e passivos financeiros através da contabilização de itens não reconhecidos nas demonstrações financeiras - prejuízos fiscais, impostos correntes a pagar, gastos associados ao sinal não reembolsado, e indemnização exigida por credor (€833.383) -, o seu autor concluiu que o valor total dos ativos é de €6.097.451, o valor total do passivo é de €12.016.220 e os capitais próprios ajustados em referência a 31 de dezembro de 2017 no valor negativo de €5.918.769,00.
7. A solicitação do mandatário da M., DL. procedeu a avaliação dos terrenos da Azores por referência aos anos de 2018 e 2020, da qual elaborou relatórios que assinou digitalmente em 28.07.2020, concluindo pelo valor total de €6.281.000,00 no ano de 2018 e de €6.403.000,00 no ano de 2020 se considerados como  urbanizáveis, e de €3.351.000,00 em ambos os anos se considerados como rústicos, acrescidos em qualquer caso do valor de €205.000,00 referente a terrenos não edificáveis (doc. 35 da oposição de M. junto com o req. de 03.08.2020, fls. 1217 e ss.).
8. As ditas avaliações e correspetivos relatórios têm por objeto:
- conjunto de terrenos denominado parque habitacional - 13 imóveis com área total de 154.240 m2, ao qual como terreno urbanizável e em função da sua capacidade construtiva e de uma estimativa de vendas (de habitações) no valor de €61.696.000,00, atribuiu o valor de mercado de €3.240.000,00 (considerando 61.696m2 como solo apto para construção e o valor de construção de €813,18/m2, multiplicado por 7,5% a título de percentagem de referência do terreno pelos acessos e infraestruturas existentes), e como terreno rústico atribuiu o valor de mercado de €1.180.000,00 atendendo à situação atual, povoado de pastagem multianual e alguns incultos, condições para exploração agro-pecuária;
- conjunto de terrenos denominado Unidade de Execução 10 – 22 imóveis com área total 73.048,13m2, ao qual como terreno urbanizável e em função da sua capacidade construtiva (considerando 29.220m2 como solo apto para construção) e de uma estimativa de vendas (de armazéns) no valor de €11.688,00, atribuiu o valor de mercado de €790.000,00 no ano 2020 e de €731.000,00 no ano de 2018, e como terreno rústico atribuiu o valor de mercado de €559.000,00 atendendo à situação atual, povoado de pastagem multianual e alguns incultos, condições para exploração agro-pecuária;
- conjunto de terrenos denominado Feira Internacional dos Açores - 11 imóveis com área total de 58.020m2, ao qual como terreno urbanizável e em função da sua capacidade construtiva (considerando 23.208m2 como solo apto para construção) e de uma estimativa de vendas (de armazéns) no valor de €9.283.200,00, atribuiu o valor de mercado de €611.000,00 no ano 2020 e de €580.000,00 no ano de 2018, e como terreno rústico atribuiu o valor de mercado de €443.000,00 atendendo à situação atual, povoado de pastagem multianual e alguns incultos, condições para exploração agro-pecuária;
- conjunto de terrenos denominado Outros Prédios - 16 imóveis com área total de 121.995m2 ao qual como terreno urbanizável e em função da sua capacidade construtiva (considerando 48.798m2 como solo apto para construção) e de uma estimativa de vendas (de armazéns) no valor de €19.519,20, atribuiu o valor de mercado de €1.246.000,00 no ano 2020 e de €1.219.000,00 no ano de 2018, e como terreno rústico atribuiu o valor de mercado de €935.000,00 atendendo à situação atual, povoado de pastagem multianual e alguns incultos, condições para exploração agro-pecuária.
9. Desses relatórios consta que a avaliação é realizada com base no Regulamento do Plano Diretor Municipal (capacidade construtiva) para o local e que não é considerado o “bem no seu uso atual (povoado de pastagem natural e devoluta) porque não cumpre o pressuposto de “máxima e melhor utilização do terreno/bem”, sendo o seu valor calculado em função da sua capacidade construtiva (…).” e utilizando o método do custo indireto evolutivo.
F) A Assembleia Municipal de Ponta de Ponta Delgada, na sua reunião ordinária de 29 de Novembro de 2018 deliberou, por unanimidade, no ponto 3 da ordem de trabalhos (pp. 29 a 43) a “alienação dos 51% do capital social da empresa Azores Parque, EM, SA, em procedimento de hasta pública, e ainda o respetivo programa, condições gerais e constituição do júri” (in https://www.cmpontadelgada.pt/cmpontadelgada/uploads/document/file/2022/ata_da_sessao_ordinaria_da_assembleia_municipal_de_ponta_delgada_de_29_de_novembro_de_2018.pdf).
F.1) Da ata da referida Assembleia Municipal mais consta que no uso da palavra o Sr. Presidente da Câmara “Aproveitou para descrever a forma como começou todo o processo, explicando que em conversações informais com o Sr. Vereador do PS, V., teve conhecimento de que tinha havido manifestação de interesse por parte de alguém para aquisição da Azores Parque, e que, nessa circunstância, haveria uma maioria, no executivo, aberta a essa possibilidade, que seria sem qualquer contestação, mais favorável. Mais tarde veio a saber que essa manifestação de interesse tinha dado entrada na própria empresa Azores Parque e, com base nessa informação, levou o assunto a reunião da Câmara para que se pudesse, eventualmente, avançar para a alienação. (…). Acrescentou (…) que o processo estava a decorrer em estrita legalidade e que o documento continha toda a informação relativa ao programa de concurso, incluindo o caderno de encargos, (…), até porque, sublinhou, tem que ser apresentada a situação real da empresa para a alienação em hasta pública. (…). Além disso, adiantou, uma vez que está a ser feita a alienação em hasta pública de 51%, porque a empresa, ela própria, já tem os restantes 49%, fruto da alienação dos outros sócios (Tagus Park, Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, e V…. & R….), a Câmara Municipal fica de fora do capital social da empresa. Desse modo, quem adquirir a empresa, nos termos legais, e conforme previsto no caderno de encargos, assume todos os ativos e passivos da empresa. Quanto às dúvidas apontadas sobre a avaliação, esclareceu que toda a avaliação é um exercício do funcionamento do mercado.
G) A Câmara Municipal de Ponta Delgada, na sua reunião ordinária de 16 de Novembro de 2018, deliberou, por unanimidade, (assunto 377/18), abrir “procedimento de hasta pública para alienação de 51% do capital social da empresa Azores parque, EM, SA, detido pelo Município de Ponta Delgada”, tendo aprovado as peças concursais – programa e condições gerais – e nomeado um júri independente, composto pelo Doutor GC., como Presidente e pelos
Eng.º A. e pelo Dr. PG., como Vogais. Mais deliberou obter autorização da Assembleia Municipal para proceder à alienação, nos termos legais (https://www.cm-pontadelgada.pt/cmpontadelgada/uploads/document/file/1927/ata_da_reuniao_ordinaria_de_16_de_novembro_de_2018_da_camara_municipal_de_ponta_delgada.pdf)
H) O procedimento de hasta pública foi publicitado através de anúncio publicado no Diário da República, II Série, de 8 de fevereiro de 2019, edital e a cópia do programa da hasta pública, constando do anúncio, sob o ponto 1 (‘Objeto do contrato’), que o objeto da hasta pública é a venda de 102.000 ações ao portador com o valor nominal de €510.000,00 e que o valor da avaliação do bem é de €1,00; sob os pontos 9 e 10 (‘Prazo para apresentação das propostas’ e ‘Modo e local de apresentação das propostas’), até às 16h30 do 5º dia a contar da data do envio do anúncio (em 07.02.2019), e pela apresentação da mesma na Câmara Municipal junto da comissão de hasta pública do Município de Ponta Delgada; e sob o ponto 16 (‘Outras informações’) que “O valor indicado no Campo «Avaliação do bem» deve ser considerado com sendo: - 5.918.769,00 eur (doc.s 27, 28 e 29, juntos com a oposição de M.).
I) No dia 13 de fevereiro de 2019, pelas 10.00 horas, realizou-se o ato público da praça referente à hasta pública (doc. 30, juntos com a oposição de M.).
J) Decorre da ata do procedimento de hasta pública que houve apenas um concorrente (a Alixir Capital (Lisbon), Lda.), que apresentou uma proposta (acompanhada de plano de negócios) de preço de 500,00€, tendo-lhe sido adjudicada, provisoriamente, a venda. No ato de hasta pública, o concorrente procedeu ao pagamento do montante de 450,00€, tendo pago posteriormente, nos termos previstos no procedimento, os restantes 50,00€ (doc. 31, 32 e 33, junto com a oposição de M.).
K) A Câmara Municipal de Ponta Delgada, na sua reunião ordinária de 6 de março de 2019, deliberou, por unanimidade, o seguinte: “a) A adjudicação definitiva, pelo valor de 500,00€ (quinhentos euros), à Alixir Capital (Lisbon), Lda. de 102.000 ações, com o valor nominal de 5,00€ cada uma, num total de 510.000,00€ (quinhentos e dez mil euros), correspondentes a 51% (cinquenta e um por cento) do capital social Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A.; b) Deliberou que adjudicação efetuada não vincula juridicamente a Câmara Municipal aos pressupostos que o adjudicatário expressa naquele plano, com exceção dos que decorram de obrigações legais e do contrato de arrendamento celebrado e em vigor quanto ao arrendamento do parque de máquinas, até outubro de 2023”” (in https://www.cmpontadelgada.pt/cmpontadelgada/uploads/document/file/2030/ata_da_reuniao_ordinaria_de_camara_no_5_de_6_de_marco_de_2019.pdf).
L) Em 11-03-2019 o capital social da Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A. foi vendido pelo Município de Ponta Delgada à empresa Alixir Capital (Lisbon), Lda., da qual é sócio e gerente S., e tem ainda como sócia a empresa Portadmiral – Investiments, Unipessoal, Lda.
L.1) Da ata nº 22 da Azores subscrita pelo requerido S. na qualidade de presidente da mesa da assembleia geral e por HF. na qualidade de secretário, consta que no âmbito da assembleia geral extraordinária da Azores realizada na sua sede social no dia 04.04.2019 aquele propôs e aprovou a nomeação do requerido C. e dele próprio para o Conselho de Administração da Azores, sendo o primeiro na qualidade de presidente e o segundo de vogal, e mais deliberou que ficam desde já empossados e em funções, nomeação que foi conduzida ao registo comercial em 12.04.2019. 
L.2) Alixir Capital (Lisbon), Ldª foi constituída por contrato de sociedade inscrito no registo em 05.09.2017 com sede em Bobadela, capital social de €5.000,00 -  não realizado até janeiro de 2020 -dividido em duas quotas, uma no valor de €500,00 titulada por S. (residente em Bobadela) e designado gerente, e a outra no valor de €4.500,00 titulada por Portadmiral – Investments, Unipessoal, Ldª (com sede em Bobadela), tendo por objeto gestão de investimentos e consultoria de gestão (doc. 3 junto com o req. de 27.02.2020 do credor BTS).
L.3) Portadmiral – Invesments, Unipessoal, Ldª foi constituída por contrato de sociedade inscrito no registo em 27.11.2013 com o capital social de €5.000,00 representado por quota de igual valor titulada por O., e com a designação de S. para o cargo de gerente, tendo por objeto social a compra e venda de imóveis e design de interiores; em 06.01.2014 foi levado ao registo a transmissão da quota em benefício de Capital United Group Limited, com sede em Hong Kong, em 22.01.2014 foi nomeado gerente G., residente em Hong Kong inscrita, em 18.11.2015 foi inscrita alteração ao objeto social com o aditamento de importação e exportação de produtos, eventos desportivos, e atividades de engenharia, e em 26.08.2021 averbada a cessação de funções de S., por destituição em 15.07.2021 (doc. 20 junto com o req. de 07.07.2020 do AI e doc. junto a fls. 4419 com a oposição de R.)
M) Por contrato particular de compra e venda de imóvel celebrado em 26.04.2019 e termo de autenticação lavrado por R., a Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A., representada pelos requeridos C. e S., vendeu o imóvel registado na conservatória de registo predial sob o número 1807, da freguesia …, à sociedade ORDEC – Obras Regionais de Eletricidade e Construção Civil, Lda., com o NIPC 512070555, pelo valor global de 65.000,00 €, que a Azores declarou ter recebido através dos cheques bancários nºs 9800000153 e 8373502551 nos valores de €55.000,00 e €10.000,00, este último entregue a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito do contrato promessa de compra e venda que no contrato de compra e venda as partes declararam ter celebrado entre si em 10 de abril de 2019, mais declarando que não houve intervenção de qualquer mediador imobiliário no negócio. (cfr. DOC. 14 junto com o requerimento inicial).           
N) Por escritura publica de compra e venda celebrada em 10-05-2019, a Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A., representada pelo requerido C., vendeu a fração autónoma, destinada a comércio, identificada pela letra “S”, integrada no prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, localizado na Rua …, n.º 102, freguesia de … (…), concelho de Ponta Delgada, fração inscrita na matriz sob o artigo 2414 com o valor patrimonial tributário de €85.617,66, descrita na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º 1793-S, daquela freguesia e concelho, à sociedade Urbicom – Sociedade Imobiliária, Lda., NIPC 512 080 062, pelo preço de 140.000,00 €, que declararam ter sido pago naquela data pelo cheque nº 6200100006, mais declarando que não houve intervenção de empresa de mediação imobiliária no negócio. O Sr. Notário do Cartório declarou que verificou a qualidade e os poderes de representação de C. pela consulta à certidão permanente do registo comercial e pela ata nº 155 da reunião do conselho de administração que lhe foi exibida (cfr. DOC. 10 junto com o requerimento inicial).
O) Por escritura publica de compra e venda celebrada em 14-05-2019, a Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A. representada pelo requerido C., vendeu mais 5 imóveis (artigos 49 a 52 e 54 da freguesia de …, São Roque, com o valor patrimonial tributário total de €7.562,56) a LP, contribuinte fiscal n.º …997, casado sob o regime da comunhão geral de bens com MM, contribuinte fiscal n.º 144 …, pelo preço global de 30.000,00 €  que declararam ter sido pago naquela data pelo cheque bancário nº 6776320411, mais declarando que não houve intervenção de empresa de mediação imobiliária no negócio. O Sr. Notário do Cartório declarou que verificou a qualidade e os poderes de representação de C. pela consulta à certidão permanente do registo comercial e pela ata nº 156 da reunião do conselho de administração que lhe foi exibida (cfr. DOC. 11 junto com o requerimento inicial).
P) A sociedade Leiloazores, Unipessoal, Ldª foi constituída por contrato de sociedade inscrito no registo em 29.03.2016, tendo por objeto atividade leiloeira, atividade de mediação imobiliária e avaliação de bens, com o capital social de €10.000,00 titulado por C., nomeado gerente, e em 10.09.2018 foi conduzida ao registo a divisão da quota unica em duas de igual valor e a transformação da sociedade de unipessoal por quotas para sociedade por quotas, e a nomeação de SS. para o cargo de gerente, por deliberação de 28.08.2018. Em 08.05.2019 foi levada ao registo a cessação de funções do gerente C., a transmissão de uma das quotas deste a F. e a nomeação deste como gerente (cfr. DOC. 16 junto com o requerimento inicial e docs. apresentados por F. em cumprimento de notificação, a fls. 1421 e ss.).
Q) Em 15-05-2019, a sociedade Bird Waves, Ldª - constituída por contrato de sociedade inscrito no registo em 31.07.2017 com sede em Pegões, Montijo, Distrito de Setúbal e capital social de €7.500,00 dividido em duas quotas de igual valor nominal tituladas por B., designado gerente, e MZ.– conduziu ao registo a cessação de funções de B. do cargo de gerente e a transmissão das quotas representativas do seu capital social em benefício da Leiloazores, e inscreveu alteração da sede para Ponta Delgada, alteração ao contrato de sociedade para sociedade unipessoal por quotas com unificação das quotas, que passou a ser integralmente detida pela sociedade Leiloazores, Ldª, e a designação de gerentes SS. e F. deliberadas na mesma data (15.05.2019) (doc. 15 junto com o req inicial do credor BST).
R) Por escritura publica de compra e venda celebrada em 16-05-2019, a Azores Parque, representada pelo requerido C., vendeu mais 10 imóveis (arts. 2716, 2717, 2718, 2723, 2724 e 11, 12, 14, 15 e 16 da secção 02, todos da freguesia de …, São Roque, com o valor patrimonial tributário total de €99.207,79) à sociedade Logislink – Terminal Logística, Lda., com o NIPC …, representada por Q., pelo preço global de 450.000,00 € que declararam ter sido pago pelo cheque nº1600014286 emitido em 15.05.2019, mais declarando que não houve intervenção de empresa de mediação imobiliária no negócio. O Sr. Notário do Cartório declarou que verificou a qualidade e os poderes de representação de C. pela consulta à certidão permanente do registo comercial e pela ata nº 159 da reunião do conselho de administração que lhe foi exibida (cfr. DOC. 12 junto com o requerimento inicial).
S) Por escritura publica de compra e venda celebrada Em 20-05-2019 a Azores Parque, representada pelo requerido C., vendeu mais 15 imóveis à sociedade Birds Waves, Unipessoal, Lda., com o NIPC …., representada por SS, pelo preço global de 50.000,00 €, que declararam ter sido paga na mesma data por transferência bancária, efetuada da conta da ordenante para a conta beneficiária nº….816, ambas da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, mais declarando que não houve intervenção de empresa de mediação imobiliária no negócio. O Sr. Notário do Cartório declarou que verificou a qualidade e os poderes de representação de C. pela consulta à certidão permanente do registo comercial e pela ata nº 156 da reunião do conselho de administração que lhe foi exibida (cfr. DOC. 13 junto com o requerimento inicial).
T) Por documento particular, em 12 de junho de 2019, a Azores Parque, representada pelos requeridos C. e S., e a sua nova acionista única, a Alixir Capital, representada pelo requerido S. e ali indicada como detentora de 100% do capital social daquela, celebraram um contrato de empréstimo, através da qual a primeira se obrigou a emprestar à segunda o montante de 260.000 € que declararam ser destinado a satisfazer a assunção de compromissos financeiros de tesouraria e de investimento da Mutuária, a disponibilizar pela primeira à segunda através de sucessivas transferências bancárias a partir daquela data, a reembolsar no prazo mínimo de 24 meses e nunca superior a 3 anos, sem prejuízo da possibilidade da sua renovação, e com remuneração de juros à taxa anual de 2,5% a pagar com a liquidação da dívida. (DOC. 22 junto com o parecer do Senhor administrador da insolvência).
U) Por escritura publica de compra e venda celebrada em 25.07.2019, o requerido C., em representação, na qualidade de presidente do conselho de administração, da Azores Parque celebrou um promessa de compra e venda com o Município de Ponta Delgada, representado pelo requerido B., na qualidade de Presidente da CMPD, através do qual a Azores Parque prometeu vender e o Município de Ponta Delgada prometeu comprar, pelo valor de 169.000 € (cento e sessenta e nove mil euros), o prédio rústico, localizado em Valagão, inscrito na matriz da freguesia da Fajã de Baixo sob o artigo …, secção …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número …, com a área total de €21.040m2. Mais declararam que a título de sinal e princípio de pagamento a CMPD pagou e a Azores recebeu €90.000,00 através do cheque nº 6100001010, que atribuem eficácia real à promessa, que com a celebração do contrato a Azores confere ao Município a posse do imóvel e autoriza-o a realizar todas as obras que entender necessárias, e que a escritura publica de compra e venda prometida é realizada até 15.05.2020; contrato que em 07.08.2019 foi inscrito no registo predial (cfr. DOCS. 31 e 32 juntos com o parecer do AI).
V) Em 09.08.2019, foi apresentada a petição inicial do presente processo de insolvência.
W) Em 13.08.2019, foi expedida a primeira carta de citação da Azores Parque nos autos principais. A carta de citação foi devolvida.
X) Em 23.08.2019, a Azores Parque apresentou PER.
Y) Em 02.09.2019, a insolvente foi citada para o presente processo.
Z) Em 26.11.2019, a Azores Parque confessou a sua situação de insolvência no processo principal.
AA) Em 28 de novembro de 2019, a Azores Parque foi declarada insolvente.
AB)-AC)
1. Em 20 e 22.10.2004 a Azores celebrou com o Banco BCP Millenium (BCP) dois contratos de abertura crédito, um até €2,5M para financiamento de necessidades pontuais de tesouraria (construção de infra-estruturas do loteamento) a utilizar até 20.10.2006 pelo prazo de 3652 dias, desde 20.10.2004 até 20.10.2014, a reembolsar em prestações semestrais no valor de €156.250,00, vencendo-se a primeira em 20.04.2007, e outro até €3M para financiamento de necessidades pontuais de tesouraria (aquisição de terrenos) a utilizar até 22.10.2006 pelo prazo de 3652 dias, desde 22.10.2004 até 22.10.2014, a reembolsar em prestações semestrais no valor de €187.500,00, vencendo-se a primeira em 22.04.2007, prevendo ambos sob os pontos 9.2. e 10 que “Para garantia das obrigações emergentes deste contrato é também entregue por essa sociedade em documento complementar, carta conforto, prestada pela Câmara Municipal de Ponta Delgada (…).// Ownweship: O município de Ponta Delgada obriga-se a manter a sua participação no capital social da AZores Parque nos termos da carta conforto (…) sob pena de vencimento antecipado do empréstimo. (doc. 6 junto com a oposição de M., fls. 553 e ss. e 572 e ss.).
2. O contrato de €3M foi objeto de renegociações e aditamentos em 22.04.2011, 19.10.2012, e 22.10.2014 - nesta última data para reestruturação do valor ainda em divida de €1.500.000,00, a amortizar em prestações semestrais, com juros e imposto de selo - e novamente em 22.10.2016, 20.10.2017 e 22.10.2018, acordando sucessivamente em cada uma destas renegociações o pagamento do montante então em dívida de €666.670,00 de uma só vez no prazo de 12 meses (em, respetivamente, 22.10.2017, 22.10.2018, e 22.10.2019), acrescido de juros e imposto de selo (doc. 7 junto com a oposição de M., fls. 557 e ss.).
3. O contrato de €2,5M foi objeto de renegociações e aditamentos àquele contrato em 20.04.2011, 31.10.2012, e 20.10.2014 – nesta última data para reestruturação do valor em divida €1.250.000,00, a amortizar em prestações semestrais, com juros e imposto de selo -, e novamente em 20.10.2016, 20.10.2017 e 20.10.2018 – acordando sucessivamente em cada uma destas renegociações o pagamento do montante então em dívida de €555.552,00 de uma só vez no prazo de 12 meses (doc. junto com a oposição de M., fls. 580 e ss.)
4. Em 22.05.2007 a Azores celebrou dois contratos de empréstimo com o Banco Comercial dos Açores (nº …..20.1 e …..20.2) um no montante de €2.500.000,00 destinada a construção do parque de máquinas, outro em igual montante de €2.500.000,00 destinado a construção de infra estrutura viária, ambos pelo prazo de 15 anos, incluindo período de carência de capital de 2 anos com possibilidade de ser renovado por acordo das partes, a reembolsar em prestações anuais de capital acrescidas dos respetivos juros. (docs. 7 e 8 juntos com o parecer do AI).
5. O mútuo destinado à construção do parque máquinas foi objeto de aditamentos para previsão de novo período de carência, acompanhado de outras alterações, celebrados em (docs. junto com a oposição de M., a fls. 652vº e ss.):
- em 22.06.2011, sendo o valor então em dívida de €2.307.692,31, concessão de período de carência até 24.05.012, reembolso em 10 prestações anuais de capital e juros, a primeira em 24.05.2013, alteração do spread para 4,5% (taxa nominal efetiva de 6,647%), e constituição de hipoteca sobre o prédio inscrito no artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob a ficha … (no qual foi instalado o Parque de Máquinas;
- em 23.05.2013, mantendo-se em divida o mesmo valor de €2.307.692,31, prorrogação do período de carência de capital até 24.11.2013, reembolso em 18 prestações semestrais, a primeira em 24.11.2013 e a última em 24.05.2022, constituição de hipoteca sobre prédio rustico (sito em …, freguesia de …) inscrito sob o artigo …, secção … e descrito na CRP sob a ficha …, e sobre o prédio misto (sito em …, …) inscrito sob os artigos … e … e descrito na CRP sob a ficha …;
- em 22.11.2013, com fixação do valor em dívida de €2.522.692,31, concessão do período de carência de capital até 24.11.2014, reembolso em 27 prestações semestrais de capital e juros, a primeira em 24.05.2017 e a última em 24.05.2028, alteração do spread para 5,25%, manutenção das hipotecas já constituídas, e ‘carta conforto’ da Câmara Municipal de Ponta Delgada;
- em 20.01.2015, mantendo-se em divida o mesmo valor de €2.522.692,31, concessão do período de 24 meses de carência de capital (até 24.11.2016), reembolso em 23 prestações semestrais de capital e juros, a primeira em 24.05.2017, manutenção das hipotecas já constituídas, e ‘carta conforto’ da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
6. Após a medida de resolução do Banco de Portugal de 20.12.2015 e a transmissão daquele contrato de mútuo para o Banco Santander Totta, foi objeto de aditamentos para concessão de novos períodos de carência, celebrados em (docs. 12 e 13 juntos com o parecer do AI, fls. 315v e ss.):
- em 23.03.2017, com a concessão de período de carência de capital até 24.02.2018, inclusive, com manutenção do pagamento de juros em prestações mensais e, findo o período de carência, reembolso do capital em dívida no montante de €2.665.618,25 em prestações trimestrais e sucessivas, acrescidas dos juros e imposto de selo, vencendo a primeira em 24.05.2018 e a última em 24.05.2028, sendo as prestações trimestrais de capital vencidas até 24.02.2028 no valor cada de €65.000,00 e a vencida em 24.05.2028 correspondente ao capital remanescente em dívida e ao vencimento do contrato;
- em 20.06.2018, com a concessão de período de carência de capital até 24.02.2019 e vencimento da primeira prestação trimestral de capital em 24.05.2019 no valor de €72.044,00, acrescida de juros e imposto selo, e as restantes prestações de igual valor até 24.02.2029, com pagamento do remanescente em dívida em 24.05.2029.
7. O outro contrato de mútuo celebrado em 22.05.2007 foi igualmente objeto de aditamentos para previsão de novo período de carência, acompanhado de outras alterações, outorgados em 22.06.2011, 27.09.2013, 13.11.2013 e 20.01.2015, e transmitido ao BST pela medida de resolução do Banco de Portugal de 20.12.2015, foi objeto dos seguintes aditamentos celebrados em (docs. 10 e 11 juntos com o parecer do AI, fls. 309v e ss.):
- em 23.03.2017, com a concessão de período de carência de capital até 14.02.2018, inclusive, com manutenção do pagamento de juros sobre o capital em prestações mensais e, findo o período de carência, pagamento do capital mutuado e em dívida no montante de €2.436.646,16 em prestações trimestrais e sucessivas acrescidas dos juros e imposto de selo, vencendo a primeira em 14.05.2018, sendo as prestações trimestrais de capital vencidas até 14.08.2029 no valor cada de €51.800,00 e a vencida em 14.11.2029 correspondente ao capital remanescente em dívida e ao vencimento do contrato;
- em 20.06.2018, com a concessão de período de carência de capital até 14.02.2019 e o vencimento da primeira prestação trimestral de capital em 14.05.2019 no valor de €56.666,00 acrescida de juros e imposto selo, e as restantes prestações de igual valor até 14.08.2029, com pagamento o remanescente em dívida em 14.11.2029.
8. Em 28.05.2009 a Azores celebrou contrato cessão de créditos com o Banco Banif pelo qual aquela cedeu os créditos decorrente de contrato de arrendamento e o Banif antecipou à Azores o pagamento das rendas futuras, pelo preço de €3.636.167,00 (doc. 14 junto com a oposição da M., fls. 672 e ss.)
9. Em 31.12.2014 a Azores celebrou contrato empréstimo com o Banco Banif pelo montante de €114.000,00 à taxa fixa de 4,5% exclusivamente para reembolso de dívidas da mutuária ao mutuante, com vencimento em 31.12.2016, a reembolsar em 4 prestações semestrais de capital e juros, e prevendo como garantia carta de conforto da CMPD (doc. 16 junto com a oposição de M., fls. 687v. e ss.).
10. Por escritura de 23.03.2017 a Azores celebrou com o BST contrato de empréstimo pelo montante de €2.387.172,37 com consignação de rendimentos, destinado a regularização de responsabilidades junto do Banco emergentes do contrato de cessão de créditos celebrado em 28.05.2009, sendo a consignação de rendimentos acordada pelo prazo de 92 meses a título de garantia da quantia mutuada (€2.387.172,37), e inscrita no registo predial em 23.03.2017; contrato que foi objeto de aditamento outorgado em 20.06.2018 para concessão de período de carência de capital até 23.02.2019, inclusive, com pagamento mensal dos juros calculados sobre o capital durante esse período e, findo, com pagamento do em dívida em prestações trimestrais e sucessivas no valor unitário de capital de €103.790,10 acrescidas dos respetivos juros e imposto de selo, vencendo a primeira em 23.05.2019 e a última em 23.08.2024 (docs. 18, 19 e 20 juntos com o requerimento inicial do BST, fls. 161v. e ss. e 165v. e ss.).
11. Por escritura de 23.03.2017 a Azores celebrou contrato de mutuo com hipoteca com o BST pelo montante de €330.000,00 pelo prazo de 14 meses e juros à taxa de 7%, a reembolsar em duas prestações, uma a vencer no 3º mês subsequente, e outra na data do vencimento integral do empréstimo, garantido por hipoteca sobre prédio rustico sito na freguesia …, inscrito no art.º …, secção … e descrito na CRP sob a ficha … (doc. 15 junto com o parecer do AI, (fls. 325v e ss.).
AC1.) Através de carta subscrita pelos membros do Conselho da Administração H. e M., datada de 08.03.2018 e dirigida à Direção Comercial de Empresas dos Açores do Banco Santander Totta, aqueles informaram que “o processo de dissolução da Azores está com atraso devido, principalmente, à complexidade da saída dos restantes acionistas privados/públicos. (…). Faltam ainda concretizar as situações (…): Taguspark (…); R… C… e T… (…); Universidade dos Açores-este processo será mais longo (…) dada a complexidade jurídica para a sua concretização. A Universidade apresentará uma Acção Declarativa no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, para anular a sua participação na estrutura acionista da Azores Parque.//Perante este enquadramento, vimo solicitar a Vossa Excelência a reestruturação do atuais contratos de financiamento, celebrados entre a Azores Parque e o Banco Santander Totta, e face às expectativas e ao quadro regulador e de contexto da concretização do processo de internalização da Azores Parque na Câmara Municipal, formulamos desde já as seguintes sugestões:
Contratos nºs …..77703096, ….57943096, …50575096: introdução de período de carência de capital até 31 de maio de 2019, e respetiva reafectação do valor do capital, relativo à carência neste período, pelas restantes prestações;
Contrato de consignação de receitas – 180.000,00€: pagamento de 50.000 euros até 31 de maio de 2018, vencendo-se o valor residual em 31 de maio de 2019.
AC.2) Através de carta datada de 08.06.2018 e dirigida à Direção Comercial de Empresas dos Açores do Banco Santander Totta, o Município de Ponta Delgada, através do Sr. Presidente da CMP, informou que até setembro de 2018 procederá à deliberação de dissolução e internalização da sociedade Azores, “pelo que a introdução de carência de capital referente ao ano 2018 foi solicitada para esse objetivo, em carta da Azores parque nº 3/2018, de 8 de fevereiro 2018. ” (doc. 1 apresentado com o parecer da comissão de credores junto com o req. de 12.10.2020, a fls. 2858 e ss.).
AD) (eliminado).
AE) (eliminado).
AE.1) Os administradores da Azores, B., H., M., e L., tinham conhecimento da utilização de conta(s) bancária(s) da empresa Municipal ‘Cidade Em Ação’ para recebimento de rendas de prédios pagas à Azores, determinada pelo Diretor Geral da Azores como forma de evitar que aqueles montantes fossem objeto da penhora realizada sobre conta bancária da Azores no âmbito do processo de execução nº--- instaurada por P. contra a Azores para cobrança de crédito no montante de capital de €285.000,00 reconhecido por sentença.
AF) Desde 2015 e até novembro de 2018 esteve em curso o processo de internalização da Azores Parque, devendo-se a sua morosidade à dificuldade na aquisição das demais participações sociais.
AG) O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número … da freguesia de … (vendido à Logislink – Terminal Logística, Lda. pelo preço de 5.313,00 €) tinha, à data da venda, o valor de 5.800 €.
AH) O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número … da freguesia de … (vendido à Logislink – Terminal Logística, Lda. pelo preço de 11.165,00 €), tinha, à data da venda, o valor de 12.100 €.
AI) O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número … da freguesia de … (vendido à Logislink – Terminal Logística, Lda. pelo preço de 972,00 €), tinha, à data da venda, o valor de 1.100 €.
AJ) Os 15 imóveis que a Azores Parque vendeu à Birds Waves, Unipessoal, Lda. por um total de 50.000,00 € tinham, à data da venda, o valor patrimonial tributário de 3.043.689,78€.
AK) O preço da venda realizada a favor da Birds Waves não foi recebido pela Azores Parque.
AL) (incluído na al. E.1)
AM) Depois de declarada a insolvência os bens da insolvente apreendidos pelo AI foram por este descritos e avaliados no auto de apreensão pelo valor total de 4.667.330€.
AN) No âmbito do contrato de 12.06.2019 (celebrado com a Alixir Capital), a Azores Parque realizou a favor da Alixir Capital:
- Uma transferência no valor de 209.000 €, no dia 07-06-2019.
- Uma transferência no valor de 60.000 €, no dia 30-07-2019.
AO) Em 29 de abril de 2019, a Insolvente recebeu 55.000 € pela venda que foi realizada a favor da empresa Ordec – Obras Regionais de Eletricidade e Construção Civil, Lda. Desses 55.000 €, 25.000 € foram objeto de levantamento em numerário.
AP) Em 13 de maio de 2019, a Insolvente recebeu 140.000 € pela venda que foi realizada a favor da empresa Urbicom – Sociedade Imobiliária, Lda.
Desses 140.000 €, 25.000 € foram objeto de levantamento em numerário, realizado nesse mesmo dia.
No dia seguinte, 14 de maio de 2019, a Insolvente procedeu ainda a mais dois levantamentos em numerário, no valor de 9.500 € e de 16.700 € respetivamente.
AQ) Em 15 de maio de 2019, a Insolvente recebeu 30.000 € pela venda que foi realizada a favor de LMDP.
Desses 30.000 €, 25.000 € foram objeto de levantamento em numerário realizado nesse mesmo dia.
AR) Em 17 de maio de 2019, a Insolvente recebeu 450.000 € pela venda que foi realizada a favor da Logislink – Terminal Logística, Lda.
Desses 450.000 €, 25.000 € foram objeto de levantamento em numerário realizado nesse mesmo dia.
AS) A insolvente fez os seguintes levantamentos em numerário da conta bancária da Insolvente junto da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo:
a) 03-05-2019: 25.000 €,
b) 07-05-2019: 1.200 €,
c) 13-05-2019: 25.000 €,
d) 14-05-2019: 9.500 €,
e) 14-05-2019: 16.700 €,
f) 15-05-2019: 25.000 €,
g) 17-05-2019: 25.000 €,
h) 14-06-2019: 10.000 €,
i) 26-07-2019: 10.000 €.
AT) Os requeridos C. e S. assinaram dois cheques datados de 16.05.2019 emitidos ao portador sobre a conta da Azores na CEMAH e pelo valor unitário de €75.000,00, que C. entregou a P. aquando âmbito da celebração da venda à Logislink, tendo sido apresentados a pagamento e debitados da conta da Azores no dia 17.05.2019.
AU) Em 20 de novembro de 2019, a Azores Parque transferiu 20.000 € a favor da empresa Requintorange, a qual é detida integralmente e gerida por C.
AV) Em 27.11.2019, a insolvente levantou em numerário o total do saldo disponível (descontadas a comissão e taxas devidas pelo referido levantamento): 2.153,02 €.
AW) O parque de máquinas da CMPD encontra-se instalado no imóvel propriedade da Azores Parque inscrito sob o artigo 1, secção 1 da freguesia de Fajã de Baixo-Coroa da Furna e descrito sob a ficha nº 1563 da Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada (desanexado da ficha nº191) para o efeito arrendado ao Município de Ponta Delgada por contrato entre estas celebrado em 25.08.2008 pelo prazo de 15 anos e com início em 01.10.2008 pela renda mensal constante do anexo II do referido contrato (atualizada anualmente desde o valor inicial de €25.000,00 até €37.815,00 no ano de 2023, sendo de €30.747,00 no ano de 2016, €31.669,00 no ano de 2017, €32.619,00 no ano de 2018, e €33.598,00 em ano de 2019), contrato do qual mais consta que “A CMPD aceita que não poderá denunciar o contrato de arrendamento sem que para o efeito proceda ao pagamento das rendas até ao fim do contrato (Setembro de 2022).(documento junto aos autos a fls. 306v/309 – Doc. 17 junto com o requerimento inicial do credor BST).
AX) Até ao momento da declaração de insolvência da Azores Parque, as referidas rendas eram recebidas pela insolvente e consignadas em depósito a favor do Santander nos termos acordados por contrato de empréstimo com consignação de rendimentos do imóvel celebrado por escritura publica de 20.03.2017 pelo montante de €2.387.172,27 (aludido em AB)/AC), ponto 10).
AX.1) Em 20.06.2018 o Banco Santander Totta, SA e a Azores Parque, esta representada pelo respetivo conselho de administração, celebraram ‘Aditamento ao contrato de empréstimo nº0032.00495639140’ correspondente ao descrito em AX), pelo qual o primeiro declarou conceder à mutuária o benefício de um período de carência de capital até 23.02.2019, inclusive, durante o qual os juros calculados sobre o capital mutuado serão pagos em prestações mensais e postecipadas, e após o qual o capital mutuado e em dívida será amortizado em prestações trimestrais e sucessivas, as quais serão acrescidas dos respetivos juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira em 23/05/2019, conforme o seguinte plano de pagamento:
a) as prestações trimestrais de capital que ocorrerão entre 23/05/2019 e 23/08/2024 serão, cada uma, no valor de €103.790,10 (…);
b) a prestação trimestral de capital que ocorrerá em 23/11/2024 será no valor de capital remanescente em dívida, sendo coincidente com a data de vencimento do contrato.
AY) Após a declaração de insolvência, a administração da Azores Parque não entregou ao Senhor Administrador de Insolvência as quantias atinentes às rendas (do aluguer do parque de máquinas).
AZ) Mesmo após ter sido notificada para o efeito pelo Senhor Administrador de Insolvência para a morada da Azores Parque e, após, para R..
AAA) O Município de Ponta Delgada transferiu para a Azores Parque os seguintes montantes (docs. 18 a 21, juntos com a oposição de M.):
- Ano de 2016 – 139.590,26€,
- Ano de 2017 – 247.397,51€,
- Ano de 2018 – 164.881,55€,
- Ano de 2019 – 141.398.35€.
AAB) Na reunião da Câmara Municipal de Ponta Delgada, de 6 de março de 2019, M. e H. ausentaram-se da sala no momento da votação da venda da participação social do Município de Ponta Delgada.
AAC) S. nunca foi contactado pelo senhor Administrador de Insolvência, designadamente para proceder à entrega da renda do parque de máquinas.
AAD) (eliminado).
AAE) Entre março e abril de 2019, R. convidou C. para ser o novo presidente do conselho de administração do Azores Parque.
AAF) Após o início de funções de C. e de S. na Azores Parque, todas as decisões foram materialmente tomadas por R., designadamente: mudança de contabilista, venda de imóveis, determinação do preço de venda, angariação de compradores, levantamentos em numerário e transferências bancárias; e eram materialmente executadas pelo requerido C. de acordo com as instruções daquele.
AAG) C. e S. assinavam os documentos que R. para o efeito lhes mostrava.
AAH) No que respeita aos fluxos financeiros e movimentos bancários, eram realizados por C. cumprindo as “ordens” de R. e assinando tudo aquilo que este exigia, designadamente, transferências para a sua empresa pessoal MC, Unipessoal, Lda. e entregas em numerário.
AAI) R. disse a C. “se algum dia falares no meu nome levas um tiro nos cornos, ato-te uma pedra a uma perna e atiro-te ao mar”.
AAJ) Tendo analisado a documentação efetuada de compliance bancários, o requerido R. concluiu que, do ponto de vista jurídico, não haveria nenhum obstáculo àquela participação social.
AAK) Os documentos disponibilizados pela Azores Parque para consulta, foram os documentos públicos da sociedade, designadamente contas da sociedade, balancetes e elementos públicos relativos aos imóveis.
AAL) R. sempre se assumiu como advogado especializado em insolvências.
AAM) À data dos factos e desde pelo menos 24.05.2017, R. e S. integravam o Conselho de Administração da SAD do Santa Clara, o primeiro na qualidade de presidente e o segundo de vogal (facto público e publicação de ato social junta a fls. 1349 e s. com a resposta do AI às oposições ao incidente).
AAN) A MC, Lda. foi constituída em 15.01.2019; R. foi sócio único até 02.01.2020, data em que passa a também ser sócia a Portadmiral – Investiments, Unipessoal, Lda. Sendo que esta [Portadmiral – Investiments, Unipessoal, Lda.] também é sócia da Alixir Capital
(Lisbon), Lda., a adquirente da Azores Parque. Foi requerente desta alteração ao registo D., advogado (documento de fls. 178/179, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
AAO) Entre 03.05.2019 e 14.06.2019, foi transferida a quantia de 580.087,97€ da conta bancária da Azores Parque para a MC, Unipessoal, Lda.:
- em 03.05.2019: 25.000€,
- em 06.05.2019: 90.000,00€;
- em 13.05.2019: 90.000,00€,
- em 15.05.2019: 55.087,97€;
- em 17.05.2019: 270.000,00€ e
- em 14.06.2019: 50.000,00€.
AAP) Entre 23.05.2019 e 18.06.2019 foi transferida a quantia de 255.289,87€ da MC, Lda. para a Azores Parque:
- em 23.05.2019: 20.000,00€,
- em 24.05.2019: 20.000,00€,
- em 29.05.2019: 5.000€,
- em 07.06.2019: 210.000€,
- em 18.06.2019: 289,87€.
AAQ) O empréstimo de € 209.000,00 da Azores Parque à Alixir, realizado em 07.06.2019 - referido no facto AN) -, foi realizado após transferência da MC Unipessoal, Lda. da quantia de € 210.000,00 para a conta da Azores Parque, no mesmo dia.
AAR) Não fosse a transferência da MC, Lda., em 07.06.2019, o saldo bancário da Azores Parque era de € 59,28.
AAS) O dinheiro transferido da sociedade Azores Parque para a Alixir foi (re)transferido desta para o Santa Clara (sendo R. Presidente do Santa Clara) e usado para pagamento de despesas do Santa Clara.
AAT) O Administrador da Insolvência resolveu o contrato de empréstimo referido em AN), AAQ), AAR) e AAS), não tendo sido devolvida a quantia em causa à massa insolvente.
AAU) Por escritura publica de compra e venda de 15.05.2019 foi celebrado contrato de compra e venda entre a sociedade Azores Parque, representada pelo requerido C., e o Santa Clara, representada pelo requerido S. na qualidade de vogal do conselho de administração, pelo qual aquela vendeu o prédio descrito na conservatória de registo predial sob o nº …- AD, inscrito na matriz sob o artigo …, pelo preço de 25.000€, que declararam ter sido pago naquela data pelo cheque nº…752. O Sr. Notário do Cartório declarou que verificou a qualidade e os poderes de representação de C. pela consulta à certidão permanente do registo comercial e pela ata nº 158 da reunião do conselho de administração que lhe foi exibida.
AAV) O preço referido em AAU) não foi pago e, em 23.11.2020, o Senhor Administrador da Insolvência procedeu à sua resolução, nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 1414verso/1418, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
AAW) Em 19.05.2021, o Santa Clara remeteu ao presente processo requerimento do qual consta: a requerente conformou-se com tal decisão, não tendo proposto ação de impugnação. A Requerente necessita, com urgência, de evidenciar probatoriamente, junto de entidades públicas, que não é titular, à corrente data, de qualquer património imobiliário (requerimento junto aos autos a fls. 4517/4518, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
AAX) Em 25.03.2019, foi celebrado contrato denominado prestação de serviços entre a Azores Parque, representada pelos requeridos C. e S. e por estes subscrito, e o advogado R., através da MC, Lda., pelo qual esta se obrigou a prestar serviços de planeamento, acessória à gestão e administração e rentabilização estratégica do seu ativo e património, pelo valor de até 450.000€, e aquela obrigou-se a pagar estes honorários “de forma faseada e a solicitação da segunda contraente, de acordo com o calendário variável determinado por esta (…). (doc. 1 junto com o req. de 04.03.2020 apresentado por R. em representação da insolvente em resposta ao req. de 27.02.2020 do credor BST (pelo qual alegou as transferências bancárias realizadas pela insolvente em benefício da MC no seguimento do recebimento dos preços dos imóveis pagos à Azores).
AAZ) Entre 03.05.2019 e 14.06.2019, a Azores Parque transferiu para conta bancária da MC, Lda 580.087,97€. Entre 23.05.2019 e 18.06.2019, a MC, Lda. transferiu para a conta bancária da Azores Parque 255.289,87€ (nos termos que constam de AAO) e AAP). Em 19.05.2020, o Senhor Administrador da Insolvência declarou a resolução do contrato em benefício da massa insolvente, nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 4503verso/4510, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
ABA) Em 19.05.2020, a MC, Lda. (representada por R.) e a massa insolvente (representada pelo senhor administrador da insolvência) celebraram o denominado Acordo de Transação, de acordo com o qual 1.1. A MC e R, comprometem-se solidariamente a pagar à Azores Parque o montante de 324.798,10€ como consequência da resolução em benefício da massa insolvente do contrato de prestação de serviços. 1.2. Para pagamento parcial do montante a devolver, a MC realizou na presente data a transferência bancária de 28.000€ (…). 1.4. A dívida remanescente será paga em 11 prestações mensais e sucessivas de 26.981,64€, sendo a primeira até ao final do mês de julho de 2020 e a última até ao final do mês de maio de 2021. 2.1. Enquanto o presente estiver a ser escrupulosa e atempadamente cumprido por MC, Ldª e R., e assim que o mesmo estiver por estes integralmente cumprido, a Azores Parque obriga-se a não intentar e/ou não fazer seguir qualquer ação, impugnação, incidente, procedimento recurso ou reclamação (incluindo de índole civil, penal, contraordenacional, administrativa, societária, insolvencial e disciplinar), nem direta nem indiretamente, contra a MC e contra R. C, com fundamento na putativa ilegalidade, invalidade, ineficácia ou incumprimento do contrato de prestação de serviços, e, bem assim, com base em qualquer outro fundamento ou factualidade relacionada , direta ou indiretamente, com o mesmo (documento junto aos autos a fls, 4500/4503, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido). Dois dias depois, em 25.06.2020, o senhor administrador da insolvência deu entrada do seu primeiro Parecer no Apenso B, após pedidos de prorrogação do prazo. Este contrato (denominado Acordo de Transação) foi cumprido.
ABB) Em 31.05.2019, foi celebrado contrato denominado de Prestação de Serviços entre JM …e Associados – Sociedade de Advogados, RL e a sociedade Azores Parque, de acordo com o qual: Cláusula 1ª; a) A primeira outorgante prestará à segunda outorgante serviços de natureza jurídica – contenciosa, cobranças, expediente, consultadoria jurídica, assistência e aconselhamento jurídico em todas as áreas do direito mediante celebração do contrato de avença. b) Nesta avença estão incluídos os honorários devidos pela propositura ou acompanhamento de ações judiciais em qualquer tipo de foro. c) Excetam-se da presente avença os serviços de registo e notariado, os quais quando solicitados serão faturados com um desconto de 50% sobre o valor da tabela em vigor no escritório da primeira outorgante e após prévia comunicação e aceitação de valores. d) A primeira outorgante presta à Segunda outorgante os serviços contratados mediante celebração do contrato de avença. Cláusula 2.ª Os serviços serão solicitados presencialmente, nos escritórios da primeira outorgante, pelos legais representantes da segunda outorgante, ou a pessoa em quem a Sociedade venha a delegar poderes ou por via eletrónica através do email: …@...advogados.pt. Cláusula 3.ª A primeira outorgante emitirá pareceres jurídicos solicitados pela Segunda Outorgante em relação a quaisquer questões enquadradas no âmbito das suas atribuições no prazo máximo de dois dias úteis.(…) Cláusula 5.ª Como contrapartida dos serviços prestados, a Segunda Outorgante pagará à Primeira Outorgante a) uma avença anual de 75.000€, mais IVA à taxa em vigor; b) A avença será faturada em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, 6.250€, mais IVA e pagas no dia 1 de cada mês (…)
ABC) Em 30.07.2019, foi transferida a quantia de 7.687,50€ da conta bancária da Azores Parque para a conta do Dr. PM..
ABD) Em 2019, Dr. PM. foi advogado da Alixir e foi advogado do Santa Clara.
ABE) Em 23.05.2019, a conta bancária da Azores Parque tinha saldo no valor de 4.743,90€.
 Nesse dia, R. transferiu (através da conta bancária da MC, Lda.) 20.000€.  Nesse mesmo dia, foi realizada uma transferência de 20.000€ para D..  Se R. não tivesse realizado a transferência da conta bancária da MC, Lda. não existia saldo suficiente para a transferência.
ABF) Em 24.05.2019, a conta bancária da Azores Parque tinha saldo no valor de 4.740,26€. Nesse dia, R. transferiu (através da conta bancária da MC, Lda.) 20.000€. Nesse mesmo dia, foi novamente realizada uma transferência de 20.000€ para D.. Se R. não tivesse realizado a transferência da conta bancária da MC, Lda. não existia saldo suficiente para a transferência.
ABG) Em 29.05.2019, a conta bancária da Azores Parque tinha saldo no valor de 523,19€. Nesse dia, R. transferiu (através da conta bancária da MC, Lda.) 5.000€. Nesse mesmo dia, foi realizado um pagamento ao Estado no valor de 5.136,73€ e após pagamento à companhia de seguros Fidelidade. Se R. não tivesse realizado a transferência da conta bancária da MC, Lda. não existia saldo suficiente para estes pagamentos.
ABH) Em 07.06.2019, a conta bancária da Azores Parque tinha saldo no valor de 39,28€. Nesse dia, R. transferiu (através da conta bancária da MC, Lda.) 210.000€. Nesse mesmo dia, foi realizada uma transferência de 209.000€ para a Alixir. Se R. não tivesse realizado a transferência da conta bancária da MC, Lda. não existia saldo suficiente para a transferência.
ABI) Em 18.06.2019, a conta bancária da Azores Parque tinha saldo no valor de 240,75€. Nesse dia, R. transferiu (através da conta bancária da MC, Lda.) 289,87€. Nesse mesmo dia, foram realizados pagamentos ao Estado e ao Instituto da Segurança Social. No dia seguinte (19.06.2019), foi realizado o pagamento da taxa social única, ficando a conta bancária da Azores Parque com o saldo de 208,69€. Se R. não tivesse realizado a transferência da conta bancária da MC, Lda. não existia saldo suficiente para estes pagamentos.
ABJ) Em 2 de Maio de 2019, S. assinou documento denominado Procuração (autenticada em 03.05.2019) pela qual constitui seu procurador o Requerido C., conferindo-lhe poderes para, individualmente, em nome e em representação da sociedade praticar os seguintes atos nos termos e condições que entender convenientes: i) comprar e vender quaisquer bens imóveis, no âmbito da atividade corrente da Sociedade, pagando e cobrando os preços que se mostrem devidos, requerendo todos os respetivos registos, averbamentos , cancelamentos, pagamentos de quaisquer emolumentos e/ou taxas e praticar todos e quaisquer atos necessários para esses apontados fins junto de quaisquer conservatórias de registo predial, notários, autoridades fiscais, Câmaras Municipais e outras entidades públicas e/ou privadas , emergentes e relacionados com a referida compra, bem como a cessão dos correspondentes direitos, garantias e acessórios que acompanham. (…) iii) Criar contas bancárias, levantar dinheiro em numerário, movimentar a crédito ou a débito e encerrar contas bancárias, contrair mútuos e requerer financiamentos , assinar cheques, requerer a emissão e cancelamento de cartões de débito e de crédito, prestar garantias, aceitar, sacar e endossar letras ou livranças e tomar todas as providências para a sua cobrança e ou liquidação, celebrar quaisquer contratos de leasing, factoring, renting, aluguer de longa duração, ordenar transferências e efetuar aplicações financeiras (….) viii) Efetuar quaisquer pagamentos junto da Autoridade Tributária, Segurança Social, Instituto para o Desenvolvimento Social dos Açores, Câmaras Municipais, e outras entidades administrativas, podendo representar a Sociedade junto destas e aí
declarar, requerer, praticar e assinar tudo o que entender necessário ou conveniente (…) xiii) Outorgar e assinar todos e quaisquer documentos públicos e ou privados que sejam necessários e ou convenientes ao exercício e concretização das faculdades conferidas em virtude do presente mandato, ainda que não expressamente mencionados. xiv) Em geral, e até ao permitido pela legislação portuguesa, representar a Sociedade e requerer, assinar, realizar, praticar ou autorizar quaisquer atos
necessários para o cumprimento dos objetivos descritos nas alíneas anteriores.
ABK) O registo do domínio da LeiloAzores ficou em nome de R..

2. Factos não provados
1. (eliminado)
2. (eliminado)
3. (eliminado)
4. S. desconhecia os atos de venda do património e as transferências bancárias realizadas por C..
5. S., relativamente à venda à ORDEC – Obras Regionais de Eletricidade e Construção Civil, pelo preço de € 65.000,00:
5.1. Considerou que o valor da venda correspondia ao valor de mercado;
5.2. Foi C. quem negociou e recebeu o pagamento.
6. S. nunca levantou dinheiro das contas bancárias da Azores Parque e nunca assinou cheques da Azores Parque.
7. (eliminado)
8. O Oponente (R.), após a aquisição das participações sociais da sociedade AP pela sociedade Alixir nunca atuou, em comunhão de esforços com quem quer que seja, muito menos no sentido de prejudicar a sociedade Azores Parque via delapidação, dissipação ou ocultação do património social.
9. R. não teve qualquer intervenção na celebração do contrato de empréstimo da Azores Parque à Alixir, referido no facto AN).
10. Foi G. o único beneficiário do contrato de empréstimo realizado pela Azores Parque à Alixir.
11. Quanto aos valores inscritos e contratualmente previstos no contrato de prestação de serviço celebrado entre a MC, Lda. e a Azores Parque foram aqueles que se entenderam que seriam necessários para cobrir quer o trabalho já prestado quer o trabalho que seria prestado.
12. Foi por se ter apercebido do excesso dos valores acordados e transferidos que R. procedeu às transferências referidas em AAP), ABE), ABF), ABG), ABH) e ABI).
13. A participação de R. ocorreu unicamente no contexto do mandato forense, consultor negocial e também, em certos casos, de representante de G..

C) Âmbito e pressupostos da insolvência culposa
Pela ordem cronológica e lógica das questões de direito que cada um dos recursos suscita, conhece-se em primeiro lugar dos recursos da massa insolvente e de R., este na parte em que rejeita a qualidade de administrador de facto da Azores que a sentença lhe imputa. Prossegue-se com o conhecimento do recurso de R. tendo por objeto aferir da verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa e, por fim, dos efeitos da mesma.
 1. Do recurso da massa insolvente
1.1. Da afetação dos recorridos B., L., H. e M. pela insolvência culposa (recurso da massa insolvente)
Como já se referiu e foi expressamente delimitado pela recorrente nas alegações de recurso da massa insolvente[57], este tem exclusivamente como objeto o segmento da sentença recorrida que decidiu pela absolvição dos recorridos B., L., H. e M. do pedido de afetação pela qualificação da insolvência deduzido no parecer do AI com fundamento no incumprimento do dever de apresentação à insolvência da Azores, no pressuposto de que se encontra nessa situação desde 2015 e que era do conhecimento dos seus administradores, em conjugação com o incumprimento da obrigação de promover a dissolução e internalização daquela empresa municipal local na CMPD no prazo legal previsto pelo art.º 62º Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local (RJAEL). Pedido ao qual, para além do mais, os recorridos opuseram a impossibilidade legal de a empresa ser declarada em situação de insolvência enquanto participada pela Câmara por tratar-se de empresa local e como tal afastada por aquele regime legal e, assim, afastado o dever da sua apresentação à insolvência, mais alegando que a obrigação de dissolução de empresas municipais com resultados negativos nos 3 anos consecutivos anteriores (prevista pelos arts. 62º a 65º do RAJEL), como era o caso da insolvente (desde 2015), não impede a venda da participação social do Município.
Relativamente a esta matéria a decisão recorrida consignou a natureza de empresa municipal local da Azores enquanto os recorridos foram seus administradores e a perda dessa qualidade após a sua alienação pela CMPD, considerou que “[p]orque o regime jurídico a aplicar é distinto (quando estava sujeita ao RJAEL e quando deixou de estar sujeita a este regime) a análise da existência (ou não) de insolvência dolosa cumprirá essa diferença de regimes de forma cronológica”, invocou os arts. 62º e 63º do RJAEL e, no essencial, considerou que “as empresas locais são obrigatoriamente objeto de deliberação de dissolução, no prazo de seis meses, sempre que se verifique uma das seguintes situações: quando se verificar que, nos últimos três anos, o resultado líquido é negativo, que foi dado cumprimento ao processo de dissolução por internalização exigido pela lei que especificamente se aplica ao caso.”, que esta solução pode ser substituída pela sua alienação e que nesse caso a empresa perde a natureza de empresa local e, com estes fundamentos, concluiu pela não verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência da Azores como culposa relativamente ao período em que os recorridos foram seus administradores.
Contra esta decisão a massa insolvente opôs factos e valorações que no seu entender revelam a verificação da situação de insolvência da Azores nos três anos anteriores ao início do processo (resultados líquidos negativos sucessivos desde 2015, superioridade do passivo sobre o ativo, incumprimento de dívida reconhecida por sentença condenatória, ausência de atividade e de receitas para cumprimento/amortização dos empréstimos bancários) e o seu conhecimento pelos recorridos (no essencial, através das contas dos exercícios de 2015 a 2018 que, para além dos resultados negativos que exibem, revelam o não cumprimento de um crédito reconhecido por sentença no montante de €280.000,00 por alegada falta de tesouraria/receitas da Azores para o seu pagamento, dos relatórios de avaliação elaborados em 2018 por DL. e MB., dos quais resulta manifesta superioridade do passivo sobre o ativo, e das cartas dos administradores da Azores e do Presidente da CMPD ao BST e sucessivas moratórias para cumprimento dos financiamentos bancários, das quais alega resultar ausência de liquidez da Azores para o seu cumprimento nos prazos contratados), censurou o facto de a sentença recorrida não analisar as contas da Azores, integradas pelo valor dos ativos que no entender da recorrente deveria ter sido inscrito na contabilidade, e de não explicar o motivo pelo qual não se verifica a situação de insolvência descrita nos arts. 3º, nº 1 e 2 e 20º, nº 1, al. h) do CIRE[58], e alegou que incorre em erro de direito ao concluir pela conformidade legal da atuação dos recorridos por referência ao previsto no RJAEL na medida em que, contrariamente à apreciação que fez, a determinação da obrigação de internalização ou venda de uma empresa municipal nos termos dos artigos 62º e 63 do RJAEL não está limitada à data de início de eventual processo de insolvência dessa empresa municipal e o tribunal “não pode socorrer-se da limitação temporal do artigo 186º do CIRE para ignorar a situação da Azores Parque anterior a 2016 e, em especial, para ignorar que o início dos resultados negativos ocorreu em 2015 e não em 2016”. Mais alega que, para além de ultrapassado o prazo de 6 meses legalmente para internalização ou venda da empresa previsto no RJAEL, a venda da Azores Parque não foi realizada nos termos legais.[59]
Apreciando dir-se-á antes de mais que na invocação do erro de julgamento de direito que imputa à sentença para fundamentar o pedido da sua revogação e a condenação dos recorridos, a massa insolvente oblitera em absoluto o facto de estes autos terem como único e exclusivo objeto a qualificação da insolvência como culposa e a condenação de quem por ela deve ser afetado nos efeitos legais que dessa qualificação decorrem, nos termos subjetivos e objetivos taxativamente previstos pelos arts. 186º, nº 1, 2 e 3 e 189º, nº 2 do CIRE, que não incluem ou abrangem por qualquer forma a apreciação da legalidade de procedimentos administrativos previstos e regulados pelo Regime Jurídico da Atividade das Empresas Municipais, designadamente, das questões do (in)cumprimento  da obrigação de dissolução, de internalização ou de venda da empresa no prazo por aquele previsto, da regularidade legal do procedimento administrativo encetado para o efeito e, muito menos, da validade da venda realizada no âmbito do mesmo[60]. Questões cuja sindicância não é da competência da jurisdição comum e que, como se afigura curial, não cabem no objeto do incidente de qualificação da insolvência por apenso a processo de insolvência, cujos pressupostos formais e materiais constam exclusivamente previstos no CIRE, mais especificamente, no art.º 186º, sendo por referência a estes que compete aferir se os factos conhecidos nos autos correspondem à fattispecie normativa de qualquer uma das causas legais da insolvência culposa ali previstas.
No demais, apesar de incluídos na discussão e decisão de facto os factos alegados em seu fundamento[61], por irrelevante para a decisão de mérito a sentença recorrida não aferiu nem tinha que aferir da verificação da situação de insolvência da Azores enquanto empresa municipal local na medida em que, conforme consta da fundamentação de direito, como tal estava sujeita a regime jurídico distinto, regime que prevê e determina o dever de a entidade pública titular do capital social da empresa proceder à dissolução e internalização da empresa ou à sua venda quando esta apresente sinais tidos pelo legislador como manifestação da sua inviabilidade económica e/ou financeira, designadamente, quando apresenta resultados negativos sucessivos durante 3 anos; acrescenta-se, independentemente de qual seja a situação patrimonial da empresa por referência aos seus capitais próprios (balanço ativo/passivo ou situação líquida) e/ou aos fluxos de caixa ou tesouraria (liquidez para cumprimento das dívidas nas datas dos seus vencimentos)[62].
Com efeito, não estando em causa a natureza jurídica da Azores como empresa municipal (EM) até à sua alienação à sociedade Alixir, aferir da verificação da sua situação de insolvência é inútil à apreciação do mérito do incidente relativamente aos recorridos na medida em que, naquela qualidade, não pode ser objeto de declaração judicial de insolvência, o que prejudica a questão do (in)cumprimento do dever de apresentação da Azores à insolvência[63] ou a imputação de qualquer outro facto ilícito fundamento da qualificação da insolvência como culposa aos recorridos[64]; em última análise, inviabiliza a possibilidade de responsabilização dos seus administradores por recurso e no âmbito de processo de insolvência.
Sob a epígrafe Empresas locais, o art.º 19º do RJAEL define-as nestes termos (subl. nosso):
1 - São empresas locais as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em razão da verificação de um dos seguintes requisitos:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de administração ou de fiscalização;
c) Qualquer outra forma de controlo de gestão.
2 - Qualquer uma das entidades públicas participantes pode constituir sociedades unipessoais por quotas ou sociedades anónimas de cujas ações seja a única titular.
3 - A constituição de sociedades unipessoais por quotas ou de sociedades anónimas unipessoais, nos termos do número anterior, deve observar todos os demais requisitos de constituição previstos na lei comercial.
4 - As empresas locais são pessoas coletivas de direito privado, com natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana, consoante a influência dominante prevista no n.º 1 seja exercida, respetivamente, por um município, dois ou mais municípios ou uma associação de municípios, independentemente da respetiva tipologia, ou uma área metropolitana.
5 - A denominação das empresas locais é acompanhada da indicação da sua natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana, respetivamente E. M., E. I. M. ou E. M. T.
6 - Apenas podem ser constituídas empresas locais de responsabilidade limitada.
Sob a epígrafe Regime Jurídico, o art.º 21º prevê que As empresas locais regem-se pela presente lei, pela lei comercial, pelos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do setor empresarial do Estado, sem prejuízo das normas imperativas neste previstas.
Como é defendido na doutrina por Carlos José Batalhão, cuja posição aqui seguimos de perto[65], apesar de constituídas sob a forma comercial e legalmente qualificadas como pessoas coletivas de direito privado[66], pela sua ligação ‘umbilical’ à autarquia – na génese, no objeto, no controlo da gestão e financeiro e, em suma, no caráter instrumental no desenvolvimento e prossecução do interesse público no âmbito das atribuições do município[67] -, as Empresas Municipais (EM) estão legalmente subordinadas a um regime jurídico especial com traços de regime jurídico-público que lhes confere natureza sui géneris, distinto da disciplina geral das sociedades comerciais, e inconciliável e insuscetível de concorrer com o regime legal da insolvência. Mais do que isso, e por isso, revela o propósito do legislador de as excluir do âmbito subjetivo do processo/declaração judicial de insolvência (como é sabido, prevista como causa legal de dissolução das sociedades, cfr. art.º 141º, nº 1, al. d) do CSC). Solução legal que “é obviamente coerente com o facto de estas empresas serem uma ‘longa manus’ do município, isto é, uma extensão ou continuidade, «um instrumento jurídico de que, nos termos e limites fixados por lei, este pode servir-se para a realização de interesses públicos. A empresa pública integra institucionalmente a administração pública municipal, ainda que em forma jurídico-privada.[68]
Solução e bondade legal que se nos afigura resultar linear, desde logo, do art.º 39º do RJAEL que, sob a epígrafe Controlo Financeiro, estabelece que:
1 - As empresas locais estão sujeitas a controlo financeiro destinado a averiguar da legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão.
2 - Sem prejuízo das competências atribuídas pela lei ao Tribunal de Contas, o controlo financeiro de legalidade das empresas locais compete à Inspeção-Geral de Finanças.
3 - As empresas locais adotam procedimentos de controlo interno adequados a garantir a fiabilidade das contas e demais informação financeira, bem como a articulação com as entidades referidas no número anterior.
 E das normas previstas no Capítulo VI Alienação, dissolução, transformação, fusão e internalização do RJAEL aprovado pela Lei nº 50/2012 de 31.08, a saber:
Sob a epígrafe Deliberação, art.º 61º:
1 - Compete ao órgão deliberativo da entidade pública participante, sob proposta do respetivo órgão executivo, deliberar sobre a alienação da totalidade ou de parte do capital social das empresas locais ou das participações locais.
2 - A dissolução, transformação, integração, fusão ou internalização das empresas locais depende da prévia deliberação dos órgãos da entidade pública participante competentes para a sua constituição, a quem incumbe definir os termos da liquidação do respetivo património, nos casos em que tal suceda.
3 - As deliberações previstas no presente artigo são comunicadas à Direção-Geral das Autarquias Locais e à Inspeção-Geral de Finanças, bem como, quando exista, à entidade reguladora do respetivo setor, incluindo, sendo caso disso, o plano de integração ou internalização referido no n.º 12 do artigo seguinte, no prazo de 15 dias.
Sob a epígrafe Dissolução das empresas locais, art.º 62º:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, as empresas locais são obrigatoriamente objeto de deliberação de dissolução, no prazo de seis meses, sempre que se verifique uma das seguintes situações:
a) As vendas e prestações de serviços realizados durante os últimos três anos não cobrem, pelo menos, 50 /prct. dos gastos totais dos respetivos exercícios;
b) Quando se verificar que, nos últimos três anos, o peso contributivo dos subsídios à exploração atribuídos pela entidade pública participante é superior a 50 /prct. das suas receitas;
c) Quando se verificar que, nos últimos três anos, o valor do resultado operacional subtraído ao mesmo o valor correspondente às amortizações e às depreciações é negativo;
d) Quando se verificar que, nos últimos três anos, o resultado líquido é negativo.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a aplicação dos regimes previstos nos artigos 63.º a 65.º, devendo, nesses casos, respeitar-se igualmente o prazo de seis meses.
3 – (…).
4 - A dissolução das empresas locais obedece ao regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais.
Sob a epígrafe Transformação, art.º 63º: 
1 - A obrigação de dissolução decorrente do disposto no artigo anterior pode ser substituída pela alienação integral da participação detida pela entidade pública participante, nos termos da lei geral.
2 - Com a alienação referida no número anterior, a empresa perde a natureza de empresa local, para todos os efeitos legal ou contratualmente previstos.
Sob a epígrafe Internalização, art.º 65º:
A atividade das empresas locais pode ser objeto de internalização nos serviços das respetivas entidades públicas participantes.
Sob a epígrafe Internalização e integração no município, art.º 65º-A:
1 - O limite da dívida total previsto no n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, não prejudica a assunção da dívida da empresa local, no caso de integração ou internalização da respetiva atividade ao abrigo dos artigos anteriores.
2 - Caso a integração ou internalização da atividade cause a ultrapassagem do limite de dívida referido no número anterior, o município fica obrigado ao cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 52.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
3 - Aos municípios que ultrapassem os fundos disponíveis e aumentem os seus pagamentos em atraso em resultado da assunção dos compromissos da empresa local cuja atividade tenha internalizado não é aplicável o disposto no artigo 11.º da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 20/2012, de 14 de maio, 64/2012, de 20 de dezembro e 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Sob a epígrafe Comunicação à Inspeção-Geral de Finanças, art.º 67º, nº1:
A violação do disposto no presente capítulo é comunicada pela Direção-Geral das Autarquias Locais à Inspeção-Geral de Finanças, para efeitos do exercício da tutela administrativa e financeira e, sendo caso disso, a fim de esta requerer a dissolução oficiosa da empresa em causa.
Na Lei nº 73/2013 de 03.09 – diploma que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais – mais se prevê a obrigação de os municípios procederem a consolidação de contas[69] com as contas das empresas por si detidas ou participadas (art.º 46º, nº 2, al. b), o que, em conjugação com o art.º 65º-A do RJAEL (introduzido pela Lei nº 53/2014 de 25.08[70]) e a obrigação de a entidade pública proceder a transferências para cobertura de prejuízos (art.º 40º do RJAEL), é claramente revelador de que “a dívida da empresa é dívida do município[71] e da “tendencial inesgotabilidade dos recursos passíveis de afetação à atividade da empresa (…).”[72]  Ou seja, estas empresas “não vão à falência, mas o interesse público exige, igualmente, que não permaneçam em certas circunstâncias, servindo de «sorvedouro para os dinheiros públicos»; daí os casos de dissolução obrigatória previstos no art.º 62º da Lei nº 50/2012 (…).[73], sem prejuízo da aplicação dos mecanismos alternativos legalmente previstos, designadamente, de  transformação através da alienação integral do capital social (art.º 63º), ou de internalização da atividade da empresa local nos serviços da entidade pública participante (art.º 65º). Correspondem estas às medidas de saneamento financeiro em ordem a obstar à persistência, no domínio público, de empresas municipais economicamente insustentáveis, cujos deficits de exploração são devidos cobrir pelo município. Como é referido por Paulo Alvarenga[74], “ao determinar o equilíbrio das contas, o RJAEL acaba por impor a solvência das empresas locais.”
Regime legal que, na expressão de Carlos Batalhão, define o adn – público - das empresas municipais locais, realçando que em 2004, ano da aprovação do CIRE, tinham enquadramento na Lei nº 58/98 de 18.08[75] e na Lei nº53-F/2006 de 29.12[76] como empresas públicas e eram consideradas pela doutrina como pessoas coletivas públicas. Note-se que a Diretiva 206/111/CE relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira relativamente a certas empresas, não distingue entre empresa local e empresa pública e define esta última nos termos em que aquela consta prevista no art.º 19º, nº 1 da RJAEL, “como qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinam” (art.º 2º, al. b) da Diretiva).
Nas palavras de Carlos Batalhão, “[a] escolha da forma jurídica societária releva, sobretudo, quanto a alguns aspetos da organização e funcionamento da empresa, como, aliás, subjaz à sua génese e ao respetivo interesse de simplificação e flexibilização de regime e gestão, mas não quanto ao seu regime substantivo, fortemente marcado por especificidades jurídico-públicas; efetivamente, a submissão das empresas municipais ao direito privado societário (resultante da previsão genérica do art.º 21º da Lei nº 50/2012 de 31 de agosto) não reclama, antes pelo contrário, a sua submissão «a um regime jurídico que ignore a circunstância de se tratar de empresas municipais, do sector público.[77] “[O] que releva é o seu regime jurídico (substantivo) sui generis e extravagante relativamente às normais sociedades comerciais, de intuito lucrativo, bastando lembrar o disposto no art.º 40 (sobre o equilíbrio de contas das empresas locais e a “cobertura” dos sócios de direito público, in casu, o município), o facto de os empréstimos relevarem para o limite do endividamento dos municípios (art.º 41º), de haver um deve de informação acrescido aos municípios para efeitos de acompanhamento e controlo (art.º 42º) e, sobretudo, de estar expressamente definido um dever de dissolução nos casos explicitamente previstos no art.º 62º (…).[78]
Particularmente, da conjugação dos arts. 61º e 62º do RJAEL resulta que sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no nº 1 do art.º 62º do RJAEL ou a perda de metade do capital social da empresa municipal local, a sua dissolução é da competência do órgão deliberativo da entidade pública participante, sob proposta do respetivo órgão executivo, e é cumprida de acordo com o regime dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais. Configurando-se o RJAEL “como lei especial, de incidência imperativa e primária sobre as empresas locais[79], resulta afastada a possibilidade de dissolução das empresas locais por decisão judicial e, assim, afastada a sua sujeição ao CIRE.[80] Além de que, desde a sua constituição até à sua extinção, [a]s empresas municipais estão sujeitas à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas (TC) e ao controlo financeiro da Inspecção Geral de Finanças (IGF) (…).[81]
Para além de o regime legal próprio das empresas locais excluir a sua sujeição ao CIRE – e aos processos nele previstos -, é o próprio CIRE que as exclui do seu âmbito de aplicação, conforme se alcança da interpretação do art.º 2º, nº 2, al. a) do CIRE. Com efeito, a exclusão das pessoas coletivas públicas e das entidades públicas empresariais do objeto do processo de insolvência ali prevista não pode deixar de ser interpretada no sentido de abranger as Empresas Municipais Locais na medida em que, a despeito da sua constituição sob a forma comercial (mas de natureza municipal) e qualificação como pessoas coletivas de direito privado, o regime legal que define os parâmetros da sua constituição, atuação, controlo de gestão e financeiro, e extinção, concebe-as e rege-as como organismos de direito público. Como é referido por aquele autor, trata-se de conceito com origem no direito comunitário em matéria de contratação pública e que “[t]em consagração atual no Código dos Contratos Públicos, no art.º 2º, nº 2, alínea a) (e suas duas subalíneas): “Quaisquer pessoas coletivas que, independentemente da sua natureza pública ou privada: i) Tenham sido criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial, entendendo-se como tal aquelas cuja atividade económica se não submeta à lógica do mercado e da livre concorrência; e ii) Sejam maioritariamente financiadas pelas entidades referidas no número anterior, estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de direção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, direta ou indiretamente, designada por aquelas entidades.”//Trata-se, claramente, de um conceito funcional, «destinado a evitar quaisquer restrições quanto ao âmbito subjetivo das próprias diretivas» (…). Pois bem, da mesma forma que os organismos de direito público estão sujeitos pelo Código dos Contratos Públicos às regras de contratação pública nele definidas, parece evidente que os mesmos estarão fora do âmbito da aplicação do CIRE, pelas características intrínsecas de tais organismos, sendo hoje correto interpretar a exclusão prevista na alínea a) do nº 2 do art.º 2º do CIRE como se referindo genericamente a estes ‘organismos de direito público’ e não apenas a uma parte deles.//Não é a forma das empresas ou dos organismos que releva, mas sim o respetivo regime jurídico e características (…), pelo que as empresas locais, que inegavelmente estão integradas no conceito de ‘organismos de direito público’, como vimos, devem estar arredadas da aplicação do CIRE.[82] Interpretação corretiva à qual se adere, no sentido de na previsão daquela norma o legislador ter dito menos do que devia e/ou pretendia, e que era abarcar os ‘organismos de direito público’, categoria na qual se incluem as empresas municipais locais.
Resultado que sempre seria alcançado por via de uma interpretação atualista do art.º 2º, nº 2, al. a) do CIRE posto que “à data da redação do CIRE (2004), o setor empresarial local [SEL] era constituído apenas por pessoas coletivas públicas (…) pelo que forçoso é considerar que o conceito de “pessoas coletivas públicas”, em 2004, abarcava realidades que hoje não constam do seu conceito.//E portanto, presentemente reclamam o seu alargamento para efeitos de exclusão do CIRE (…)”.[83]
Em síntese, para efeitos do art.º 2º, nº 2 do CIRE, o que releva é o regime jurídico substantivo a que estão subordinadas as Empresas Municipais, a despeito da sua qualificação jurídica como pessoa coletiva de direito privado – é privada na forma, estrutura e organização societárias, mas é pública no procedimento (administrativo) decisório e preparatório da sua criação, na natureza pública dos capitais (pelo menos maioritários) que a compõem ou da influência dominante sobre a sua gestão (arts. 19º, 24º e 37º do RJAEL), na atividade e objetivos que prossegue (arts. 20º, 31º, 45º e 48º do RJAEL), e nos mecanismos próprios de proteção dos credores que, em primeira linha, é determinada pela tutela do erário público subjacente aos mecanismos de controlo da sua criação, subsistência e extinção (cfr. arts. 32º, 33º, 22º, 23º, 25º, nº 6 e 7, 40º, nº 2, 43º, e 61º a 65º-A do RJAEL).
Nesse sentido, Paulo Henrique Vaz Alvarenga[84] – “Embora sejam constituídas como pessoa jurídica de direito privado, elas compõem o setor público local. Dessa forma, quando a sua atividade é desenvolvida no âmbito público, estão sujeitas às regras de direito administrativo.” -, e Gisele Faria Gaio Junqueira[85] - “pretendendo a extinção das empresas municipais tecnicamente falidas, os municípios devem usar do procedimento de extinção previsto no nº 4 do artigo 62º da Lei 50/2012, de 31/08 – Procedimento Administrativo de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado pelo DL 76-A/2006, de 29 de março.//(…)//(…) as empresas municipais são “especiais” no sentido em que se lhes aplica um conjunto de normativos públicos e privados, diferenciando-se por esse facto das sociedades comerciais “normais”. Assim, também a dissolução e extinção das mesmas obedecem a regras próprias, razão pela qual a “falência” não seja o destino adequado. Aliás a verificação dos requisitos previstos na lei, que conduzem a essa dissolução, não prejudica a aplicação de outros mecanismos jurídicos alternativos de alienação, transformação, integração, fusão ou internalização.
Com interesse veja-se também acórdão nº12/2016 de 21.06.2016 do Tribunal de Contas tirado no âmbito de processo de fiscalização prévia (nº1876/2014) pelo qual, chamado a apreciar da (i)legalidade de contrato de prestação/aquisição de serviços entre o Município e Empresa Local pelo mesmo detida[86], e tendo concluído pelo incumprimento da obrigação de deliberação da dissolução desta até fevereiro de 2013 e pela inação fiscalizadora da Inspeção Geral das Finanças no cumprimento daquela obrigação, considerou o suprimento da mesma apenas por via da aplicação subsidiária do disposto nos arts. 172º[87] e 173º[88] do Código das Sociedades Comerciais, em síntese, nos seguintes termos: “18. (…) constatado que uma empresa local não cumpre os indicadores referidos no artigo 62.º, como é o caso, a lei só prevê a sua dissolução, a sua alienação, a sua fusão com outras, a sua integração em serviços municipalizados ou a internalização da sua atividade nos serviços do município.”; “42. Embora a lei estabeleça a obrigatoriedade da dissolução das empresas que preencham os indicadores referidos no n.º 1 do artigo 62.º do RJAEL e um prazo curto para essa dissolução (vide, designadamente n.º 3 do artigo 70.º), o artigo 61.º, nos seus n.ºs 1 e 2, faz depender essa dissolução de deliberação do município e o artigo 67.º estabelece que a violação da obrigação legal deve ser comunicada pela Direção-Geral das Autarquias Locais à Inspeção-Geral de Finanças para que esta requeira a dissolução oficiosa da empresa.”, e “46. (…). Nos artigos 172.º e 173.º prevê-se que o Ministério Público notifique a sociedade ou os sócios para regularização da situação e que, caso a liquidação não seja iniciada pelos sócios no prazo legal, o Ministério Público requeira a liquidação judicial da sociedade.
Termos em que se conclui pela exclusão da Azores, SA, EM do âmbito da aplicação do CIRE e, assim, do processo de insolvência por ele previsto e regulado e, consequentemente, pela exclusão dos respetivos administradores do âmbito subjetivo do incidente de qualificação da insolvência.[89]
Acresce que o objeto do incidente de qualificação da insolvência também não abrange a apreciação da responsabilidade civil dos recorridos fundada na expectativa que o seu comportamento, enquanto Presidentes e vereadores da CMPD, tenha gerado nos credores da devedora, designada e particularmente, no credor requerente do incidente - de transmissão ou assunção legal do passivo da Azores pela Câmara através da sua internalização -, e na frustração dessa expetativa pela alienação da Azores e consequente perda da qualidade de empresa municipal que detinha (ato este cuja legalidade, como já se referiu, não cabe aqui sindicar). À margem dessa questão, e retomando o que acima se anotou, a venda da Azores à Alixir não consubstancia ato ilícito suscetível de fundamentar a qualificação da insolvência na medida em que, per se, não tem a virtualidade de a causar ou agravar – no essencial, porque dela não resulta diminuição dos ativos que constituem a garantia patrimonial dos credores da sociedade, nem o agravamento do passivo já constituído até à data da alienação, inexistindo um qualquer nexo de causalidade adequada entre a alienação e os atos que nela foram posteriormente praticados sob os auspícios dos novos administradores.
Termos em que se conclui pela correção da decisão recorrida, de não afetação dos recorridos – B., L., H., e M. – pela insolvência culposa.

1.2. Do pedido de condenação do Município de Ponta Delgada na indemnização aos credores
No âmbito do recurso a massa insolvente requereu “A condenação dos Administradores Camarários na indemnização aos credores da Azores Parque pelo montante de créditos não satisfeitos deve ser acompanhada de igual condenação solidária por parte do Município de Ponta Delgada. (conclusão 281), alegando em fundamento que “Os Administradores Camarários foram administradores da Azores Parque apenas e tão só por inerência das funções administrativas que exerciam no Município de Ponta Delgada. (conclusão 282), e que “A autarquia local não pode deixar de ser responsabilizada pelas ações e omissões praticadas pelos Administradores Camarários que levam à sua afetação na qualificação da insolvência da Azores Parque e consequente dever de indemnizar (cfr. artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro).” (conclusão 283). Pedido cuja procedência resulta natural e imediatamente prejudicada pela confirmação da absolvição dos recorridos ‘administradores camarários’, sendo certo que, independentemente desse resultado, obstava desde logo à sua apreciação o disposto no art.º 3º, nº 1 do CPC pelo facto de o Município de Ponta Delgada não ser parte nos presentes autos. Acresce que o pedido surge deduzido ex nuovo no processo em sede de alegações de recurso e, como acima se consignou, é pacífico e sobejamente adquirido que, nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é balizado pelo objeto da decisão recorrida, tal qual como surge configurado pelas partes/interessados de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de pedidos e de fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa e de questões que não foram oportunamente submetidas a apreciação, salvo se de conhecimento oficioso. Nas palavras de Abrantes Geraldes, Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, com exceção da possibilidade de serem suscitadas ou apreciadas questões de conhecimento oficioso, v.g. a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes.[90]; nas quais seguramente não se enquadra a responsabilização civil e condenação do Município em indemnização por atos praticados por pessoas que integram os seus órgãos.
Termos em que se rejeita o conhecimento do pedido recursivo em questão.

2. Do recurso de R.
2.1. Da qualidade de administrador de facto
1. O art.º 186º, nº 1 faz corresponder a insolvência culposa àquela que tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Para efeitos do CIRE a al. a) do nº 1 do art.º 6º define administradores como “aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente.” Dos termos dos arts. 186º e 189º nº 2 e 3 decorre que a afetação pela qualificação da insolvência incide apenas sobre pessoas singulares.
O âmbito subjetivo do presente incidente e da afetação declarada pela decisão recorrida vem suportado na qualidade de administradores de direito de C. e S. e na qualidade de administrador de facto do recorrente R., esta denunciada nos autos pelo requerido C. e que foi como tal reconhecida pela sentença recorrida.
Reportando ao teor das als. AAF), AAG), AAH), AAN) a AAS), AAX), AAZ), ABE) a ABI) dos factos provados o tribunal a quo concluiu que o recorrente exercia a ‘gerência’ de facto, situação que, seguindo de perto acórdão da Relação do Porto de 26.11.2019, descreveu como aqueles que, “ sem título bastante, exercem na prática, de forma não subordinada e duradoura, funções próprias da administração/gerência.”, que “praticam atos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem.” Imputação que o recorrente rejeitou e aqui pretende seja afastada através da impugnação que dirigiu à decisão de facto e do resultado que para a mesma preconizou, mais concretamente, quanto ao julgado provado sob as als. AAD), AAE), AAF), AAG), AAH) e AAI) e julgado não provado sob os pontos 7 a 13. Impugnação que não obteve acolhimento, deixando intocados os factos que permitem reconhecer o recorrente como administrador de facto da insolvente, tal como a sentença recorrida concluiu e aqui se densifica.
A figura do administrador de facto corresponde a uma realidade material que existe à margem da previsão legal do órgão social competente para a administração da sociedade – esta não prescinde do elemento formal da designação ou nomeação pelos sócios -, e para a qual não existe uma definição ou previsão de critérios legais que a definam para além da que é possível extrair da analogia com a figura do administrador de direito, da qual se distingue pela ausência do título de investidura formal no cargo (nos termos do art.º 252º, nº 2 do CSC para as sociedades por quotas). Assim, e conforme definição comummente aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência, é administrador de facto Quem, sem título bastante, exerce, direta ou indiretamente e de modo autónomo (não subordinadamente), funções próprias de administrador de direito na sociedade.[91]; quem participa na “gestão estratégica e global da sociedade[92]. Com a mesma clareza, nas palavras de Soveral Martins, “[p]ara que um sujeito seja considerado como administrador de facto é necessário que atue da mesma forma que os administradores de direito.[93] De tal forma que, como refere David Nunes dos Reis[94], “é a atividade que cria o administrador de facto”.
A administração de facto exige, por natureza, o efetivo exercício de poderes de gestão no âmbito do objeto social, por princípio, de forma sistemática e continuada. A partir daqui, independentemente das várias construções e densificações doutrinárias da problemática da identificação do administrador de facto, um outro ponto parece reunir consenso – exige que a direção que caracteriza a administração de uma sociedade seja exercida de modo independente, com total e ilimitada autonomia na tomada de decisões e na atuação, influindo de forma decisiva nos destinos da sociedade, com compressão da autonomia do administrador de direito na tomada dessas decisões, o que não se basta com uma situação de mera influência ou de sugestões, antes exige uma imposição e uma expectativa de obediência[95]. Nas palavras de Ricardo Costa, “exigir-se-á a intensidade do comando e planeamento gerais no que toca ao destino comercial e financeiro da sociedade, ao provimento dos recursos humano e materiais, atendendo à dimensão da sociedade e ao tipo de atividade societária [96].  “Significa, portanto, que não basta que haja uma autonomia aparente que seja percetível do exterior. Se a esta pretensa autonomia perspetivada por terceiros não corresponder a suscetibilidade de conformar os destinos da sociedade, então não se está perante um administrador de facto.//(…)//De facto, na esteira de Ricardo Costa, uma vez que se exige um poder ilimitado e pleno (…), não são administradores de facto «todas aquelas outras [pessoas] que, na sua execução em termos limitados, solicitam instruções e supervisão à autoridade competente da sociedade (a administração de direito, como depositária dos poderes do titular da empresa) e que a ela presta contas.”[97] A contrario, é administrador de facto quem, com autonomia - sem subordinação à vontade ou ordens do administrador de direito -, decide e determina os termos da utilização dos meios de produção e/ou dos recursos disponíveis da sociedade. Como é igualmente referido por Ana Perestrelo de Oliveira, pressupõe uma “efetiva e intensa compressão da esfera de livre decisão dos administradores” de direito[98]. Nas palavras de Beatriz Alves da Silva “O administrador de facto pode ser directo – alguém que gere a sociedade por si próprio sem manusear os administradores de direito para actuarem por ele, ou indirecto. Assim, o administrador de facto directo exerce directamente os poderes que competem aos administradores de direito, o que implica uma invasão ilegítima da esfera representativa dos administradores. Por sua vez, o administrador de facto indirecto manifesta um controlo e influência decisiva sobre os administradores de direito.”[99]
Em qualquer caso exige uma atuação prolongada, sistemática e continuada, que não se basta com uma atuação isolada, episódica ou pontual, e a vontade de assumir a qualidade de administrador sem que o pretenda ser de direito. Importa por isso atender à concreta atividade exercida pelo sujeito, e em que termos. Estando em causa a existência de administração de facto por shadow director – administrador ‘na sombra’, aquele que, não assumindo externa ou publicamente o estatuto de administrador, “dá instruções que os outros acatam, actuando nas sombras[100] – a sua averiguação impõe seja realizada, não por referência às relações estabelecidas entre a sociedade e terceiros (vertente em que sobressaem as funções de representação da administração), mas antes com enfoque na relação interna sociedade-administrador e nas eventuais interações entre os administradores de direito da devedora e aquele a quem é imputada a administração de facto[101]. Note-se que em causa não está a relevância jurídica da aparência para proteção da confiança de terceiros através da vinculação/responsabilização da sociedade pelos atos praticados por quem, sem poderes formais de representação, mas com o conhecimento, consentimento e vontade de quem de direito, atuou por conta e em nome da sociedade. Ao invés, o que aqui está em causa é a imputação da responsabilidade – insolvencial – a quem, no plano interno da sociedade, tomou a condução e decisão dos negócios formalizados pelos legais representantes da Azores após a sua aquisição pela sociedade Alixir, bem como a gestão, destino ou afetação das receitas por esta obtidas no mesmo período. Questão que no caso surge claramente desvendada pelos factos descritos sob as alíneas AAF) a AAH), que aqui se reproduzem: 
AAF) Após o início de funções de C. e de S- na Azores Parque, todas as decisões foram materialmente tomadas por R., designadamente: mudança de contabilista, venda de imóveis, determinação do preço de venda, angariação de compradores, levantamentos em numerário e transferências bancárias; e eram materialmente executadas pelo requerido C. de acordo com as instruções daquele.
AAG) C. e S. assinavam os documentos que R. para o efeito lhes mostrava.
AAH) No que respeita aos fluxos financeiros e movimentos bancários, eram realizados por C. cumprindo as “ordens” de R. assinando tudo aquilo que este exigia, designadamente, transferências para a sua empresa pessoal MC, Unipessoal, Lda. e entregas em numerário.
AAI) R. disse a C. “se algum dia falares no meu nome levas um tiro nos cornos, ato-te uma pedra a uma perna e atiro-te ao mar”.
Efetivamente, a prova produzida revelou sem sombra de dúvida que o recorrente comunicou a um Vereador da CMPD a existência de um interessado na aquisição da Azores e, na sequência dessa informação, a Câmara propôs e a Assembleia Municipal deliberou a sua venda (em detrimento da internalização cujo procedimento esteva em curso até 2018), venda que foi cumprida através de procedimento de hasta pública; consumada a aquisição da Azores através da Alixir, sociedade da qual era gerente S. - vice-presidente do conselho de administração da SAD presidida pelo recorrente -, o recorrente convidou o requerido C. para, com S., figurar no conselho de administração da Azores, mas chamando a si o domínio na condução da atividade, que decidiu desenvolver através da venda imediata dos imóveis da Azores, o domínio dos fluxos financeiros e do acesso à tesouraria – na sua quase totalidade, através da transferência do produto das vendas para a conta da MC, sociedade unipessoal detida pelo recorrente e da qual era seu único gerente, num total de €580.087,97, e das quantias levantadas em numerário e que lhe eram entregues por C. -, e a gestão e controlo financeiro da execução operacional dessas mesmas vendas, decidindo os pagamentos a realizar com o produto das mesmas, a quem, em que montantes e a que título, o que fez com total independência e autonomia decisórias através da instrumentalização dos administradores de direito, no sentido de sobre estes exercer influência decisiva, decidindo, ordenando e determinando-os à execução de atos de administração de acordo com a sua vontade, reduzida à função de representação da Azores na qualidade de seus representantes legais na formalização dos atos que a exigisse, e à execução dos atos de expediente ou de gestão corrente e de outros com vista à concretização dos seus desígnios, que aqueles cumpriram de acordo com as ordens e instruções e atuando como meros instrumentos da vontade e decisão do recorrente R. e, logicamente, com conhecimento da atividade – de venda de imóveis - que através deles era concretamente executada em nome da Azores[102].
Neste cenário o recorrente enquadra na figura do administrador de facto indireto ou oculto (em contraposição com o administrador de facto aparente). As alíneas AAN) a AAS), AAX), AAZ), ABB) a ABI) descrevem os negócios e atos que materializam as decisões do recorrente e o modo de atuação descrito em AAF) a AAH) e que, no seu conjunto, são linear manifestação da administração da Azores pelo recorrente, a impor a sua afetação pela insolvência culposa a par com os administradores de direito que, por terem essa qualidade, consentiram e permitiram ao recorrente levar a cabo a administração da Azores nos termos em que este a gizou e aqueles executaram. Nas palavras de Beatriz Alves da Silva, “Escapulir-se das obrigações de um administrador para poder ter a glória e o proveito, mas não apanhar os destroços da queda do Império seria inadmissível, sob pena de termos um administrador “fantoche” que lavaria as mãos na sua ausência de título. Não bastaria que o administrador tivesse de ser validamente nomeado para o cargo – afinal, como dizia Shakespeare, o que há num nome?[103]
Nestes termos, à primeira das duas grandes questões que o recorrente enunciou nas suas alegações – “M) Considerando as duas grandes questões objecto dos presentes autos, ou seja, i) Saber se o Recorrente podia ou não ser considerado administrador de facto da sociedade Azores Parque (…). - responde-se pela positiva, no sentido de confirmar a qualidade de administrador de facto do recorrente após a aquisição da Azores pela Alixir, com consequente improcedência do recurso nesta parte.
           
2.2. Dos fundamentos da qualificação da insolvência como culposa
i) Na linha do que antecede, à segunda grande questão objeto dos autos que o recorrente erigiu a objeto do seu recurso – “M) (…) ii) Saber se tal sociedade estava ou não já em situação de insolvência em momento temporal anterior à aquisição das participações sociais pela sociedade Alixir” – , já acima se respondeu no âmbito da apreciação do recurso da massa insolvente, no sentido de a julgar irrelevante para o conhecimento de mérito do incidente de qualificação da insolvência por prejudicada pela impossibilidade legal da declaração judicial de insolvência de Empresa Municipal, remetendo-se nesta parte para a fundamentação aí exposta - o que se faz para prevenir eventual arguição de omissão de pronúncia, mas sem prejuízo de se consignar a irrelevância da dita questão no pedido de revogação da declaração da afetação do recorrente posto que reporta e tem como fundamento factos praticados depois da transmissão à Alixir da participação social da CMPD na Azores, que o tribunal a quo enquadrou nas alíneas d) e f) do nº 2 do art.º 186º. Resultado que não seria suscetível de ser prejudicado ou afetado ainda que se concluísse que aquando da aquisição pela Alixir a Azores já se encontrava em situação de insolvência posto que o incidente visa responsabilizar não só quem (com culpa) criou a insolvência, mas também, quem a agravou independentemente de ter sido ou não criada com culpa de outrem. 
ii) O incidente de qualificação da insolvência foi introduzido pela reforma do regime da insolvência levada a cabo pelo Decreto Lei nº 53/2004 de 18.03 com o propósito, desde logo, de atalhar a insolvências fraudulentas ou dolosas, mas também para prevenir o agravamento de situações de insolvência criadas sem atuação culposa dos devedores ou dos respetivos representantes, tudo, em última linha, para tutela dos credores e do comércio jurídico no qual aqueles se movem, num circuito de interdependência de pagamentos. Lê-se no preâmbulo do citado diploma (que aprovou o CIRE), que (…) quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quem aí exerce uma actividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Concomitantemente, à liberdade de escolha de profissão e atividade, corresponde a responsabilização pelo respetivo exercício, com cumprimento das normas a que obedece e/ou condicionam.
No nº 2 do art.º 186º o legislador previu circunstâncias que, à laia de normas de proteção abstrata[104] importam presunção inilidível – júris et jure – da verificação dos pressupostos previstos no nº 1, levando as diversas situações ali contempladas, de forma inexorável, à atribuição de carácter culposo à insolvência. Isto é, da prova de qualquer um dos factos complexos ali descritos resulta adquirida, por presunção absoluta, a ilicitude do facto, a existência de culpa grave, e o nexo de causalidade entre o facto (ato ou omissão) e a criação ou o agravamento da insolvência[105]. Presunção que tem como pressuposto assumir que, em termos genéricos, todas as circunstâncias, factos ou comportamentos ali previstos, direta ou indiretamente, envolvem efeitos negativos para a situação patrimonial do devedor, geradores ou agravantes da situação de insolvência, ou seja, da impossibilidade de este cumprir as respetivas obrigações vencidas e/ou da impossibilidade, total ou parcial, de garantir o seu cumprimento[106]. O que permite tomar as previsões do nº 2 como valorações normativas do legislador em termos tais que, cada um dos factos complexos ali previstos, equivalem a enunciações legais de situações típicas de insolvência culposa[107]. Porém, e conforme anotado por Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[108], as várias alíneas do preceito exigem uma ponderação casuística, ou seja, na apreciação concreta de cada uma das situações ali previstas deve atender-se às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, e para o que aponta o recurso a conceitos indeterminados (tais como, em parte considerável, criado ou agravado artificialmente, incumprido em termos substanciais, reiterada, etc). Provados os factos constitutivos das presunções, por irrelevante “não lhe é admitido provar que esse ato não criou ou agravou a situação de insolvência[109], nem que a ação (ou omissão) que a lei toma como ilícita foi praticado sem culpa.[110]
Do nº 3 do preceito constam descritas condutas omissivas às quais a lei não faz corresponder presunção de insolvência culposa, mas tão só presunção juris tantum de culpa grave que, por isso, é suscetível de ser ilidida por prova em contrário (cfr. art.º 350º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil), mais exigindo a alegação e demonstração dos demais requisitos previstos no nº 1: criação ou agravamento da situação de insolvência, causada por aquelas condutas.
Enquanto caracterizadores da insolvência culposa e fundamento da afetação dos administradores através da responsabilização que dela emerge, os factos típicos e complexos aqui previstos concretizam específicos deveres a que os administradores estão vinculados e que enquadram nos deveres gerais de lealdade, de cuidado e diligência previstos pelo art.º 64º do Código das Sociedades Comerciais, aqui destinados à proteção de terceiros, dos interesses económicos dos credores sociais. Nas palavras de Carneiro da Frada[111], “o art.º 186 do CIRE corresponde a uma disposição de protecção cuja violação por parte dos administradores de uma sociedade desencadeia responsabilidade civil pela insolvência.
ii) A sentença recorrida, considerando à cabeça que “A venda de imóveis, por si só, não constitui um ato causador da insolvência, porquanto a mesma consubstancia precisamente o objeto social da empresa”, concluiu pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento nos seguintes factos: venda de imóveis à sociedade Birdwaves pelo preço de €50.000,00, que considerou ruinoso por inferior ao valor dos imóveis à data, de €3.043.689,78, agravado pelo não pagamento do preço; quantias transferidas e levantadas em numerário da conta bancária da Azores nos montantes considerados de €60.000,000 e €147.400,00, e emissão e desconto de dois cheques no valor total de €150.000,00, por ausência de facto/causa que justifique a saída desses valores. Factos que enquadrou na al. d) do nº 2 do art.º 186º. Mais considerou o contrato de empréstimo à Alixir da quantia de €260.000,00 e a transferência de €269.000,00 em benefício da mesma, e a transferência de €20.000,00 a favor da sociedade Requintorage, que entendeu preencherem a al. f) daquela norma.
A estes fundamentos o recorrente opõe que: se nenhuma das outras vendas foi considerada ilegítima pelo tribunal, inexistindo intenção de prejudicar quem quer que fosse, então terá que concluir-se que muito provavelmente o valor da venda à Birdwaves era o valor razoável de mercado; se o tribunal considerou que o prejuízo da venda ao Santa Clara pelo preço de €25.000,00, que não foi pago, ficou acautelado com a resolução do negócio, então esse argumento vale para o negócio da Birdwaves que foi também resolvido, o mesmo se aplicando aos cheques, sendo que um deles foi já devolvido à massa pelo seu beneficiário.
Na resposta ao recurso a massa insolvente alegou que “Todos os atos praticados e expostos na sentença proferida preenchem, claramente, o preceito legal da qualificação de insolvência como culposa, nos termos do artigo 186.º, nº 2 do CIRE.” (conclusão 72 das contra-alegações)
Consigna-se antes de mais que, aliado ao regime do recurso vigente no nosso sistema processual, de reponderação do julgamento realizado pela decisão recorrida por referência aos elementos de facto por ela considerados, e ao alcance do caso julgado[112], a proibição da reformatio in pejus consagrada pelo art.º 635º, nº 5 do CPC[113] obsta à reponderação do julgamento operado pelo tribunal recorrido sobre os factos que não reconheceu como fundamento de qualificação da insolvência da Azores como culposa por entender que não são suscetíveis de preencher os respetivos pressupostos na medida em que, nessa parte, a decisão não foi objeto de recurso (pela massa insolvente ou pelo Ministério Público, os únicos com legitimidade para censurar aquele julgamento e a repercussão do mesmo na medida dos efeitos da insolvência culposa para os por ela declarados afetados) e “[n]ão pode ser modificada ex officio a decisão recorrida em termos que se revelem mais desfavoráveis para o recorrente.”[114] Limitação que não abrange os fundamentos, motivos ou motivações do julgado pelo que, ainda que salvaguardando o óbvio, relembra-se que na apreciação do objeto do recurso o tribunal ad quem não está vinculado e limitado pela apreciação de direito operada pelo tribunal a quo sobre os factos objeto do processo, pelo que não fica vedada à Relação a confirmação da decisão recorrida com outros fundamentos legais, por força do princípio da livre indagação, interpretação e aplicação das regras de direito previsto pelo art.º 5º, nº 3 do CPC, substituindo-a por outra que, nas circunstâncias, o tribunal devia ter proferido. Neste sentido, citando, entre outros, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes[115], acórdão da Relação de Lisboa de 10.03.2022[116]I – O objecto do recurso não é definido pelas conclusões das alegações do recorrente. Estas apenas servem para, nesta parte, dizer quais, das decisões proferidas, são o objecto do recurso.//II – O afastamento do fundamento da decisão recorrida não impede que esta seja confirmada por outros fundamentos (se estes não tiverem sido julgados improcedentes pelo tribunal recorrido ou se, no caso de terem sido julgados improcedentes, eles forem de conhecimento oficioso ou a parte vencedora tiver requerido ampliação do âmbito do recurso).//III – Se estes diversos fundamentos possíveis estão discutidos pelas partes, que sobre eles já se pronunciaram, ou tiveram a possibilidade de os discutir, não há violação da proibição da decisão-surpresa ou do princípio do contraditório (art.º 3/3 do CPC).
Mais se consigna que, nas censuras que dirigem à decisão recorrida, nenhum dos declarados afetados põe em causa esta qualificação, incluindo o recorrente R. que, nesta parte, limita a impugnação recursiva à valoração da venda à sociedade Birdwaves[117] e dos cheques de €75.000,00 sacados sobre conta da Azores pelo que, não vindo questionada a valoração jurídica de outros factos como tal considerados pela decisão recorrida (transferências e levantamentos em numerário sem justificação para a saída dos valores), aquele resultado – qualificação da insolvência como culposa - está em si mesmo excluído do âmbito da reponderação a cumprir pela Relação por não integrar o objeto de qualquer um dos recursos. Não obstante, procede-se à apreciação do recurso de R. nesta parte por relevante na medida dos efeitos da insolvência culposa, designadamente, na quantificação da indemnização fixada a cargo dos afetados.
iii) A sentença recorrida concluiu pela insolvência culposa com fundamento legal nas als. d) e f) do nº 2 do art.º 186º.
Ao que ora releva, nos termos do art.º 186º, nº 2 “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: (…) d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; (…); f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; (…).
Subjacente à tutela legal visada pelo instituto da qualificação da insolvência estão dois princípios estruturantes do processo falimentar - a garantia patrimonial e o tratamento igualitário dos credores previstos pelos arts 601º e 604º do CC - por recurso aos quais se deverá alcançar a ratio dos factos qualificadores da insolvência e o alcance dos elementos normativos que os integram. Princípios que se manifestam na caracterização da insolvência liquidatária como processo de execução universal e concursal, que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação da totalidade do património do devedor para afetação do respetivo produto à satisfação dos direitos dos credores. Universal porque, conforme definição de massa insolvente que consta do art.º 46º do CIRE, com exceção dos bens isentos de penhora, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência e o que no âmbito da mesma seja recuperado/restituído à massa insolvente, bem como os bens e direitos adquiridos na pendência do processo. Concursal porque, conforme arts. 90º, 128º e 146º do CIRE, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza. A preocupação do legislador em salvaguardar a garantia patrimonial dos credores e o cumprimento da universalidade da insolvência liquidatária vai ao ponto de dotar o administrador da insolvência do poder-dever de proceder à resolução extrajudicial de negócios para recuperação das atribuições patrimoniais que, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, foram concedidas com prejuízo para o património do devedor e, assim, com prejuízo das garantias patrimoniais dos respetivos credores (cfr. arts. 120º e ss. do CIRE).
Todas as qualificativas previstas pelo art.º 186º nº 2 assumem uma função de pré-proteção daqueles interesses, sancionando condutas suscetíveis de em abstrato lesar o património e prejudicar a solvabilidade do devedor independentemente da verificação do perigo concreto de conduzirem a essa situação. As previstas nas als. b), d), e), f) e f) exigem que de qualquer um dos atos ali previstos resulte benefício para o administrador que o praticou ou para terceiro, enquanto manifestação sintomática da violação do específico dever de fidelidade a que o administrador está vinculado na gestão do património que lhe está confiado e, assim, do perigo (abstrato) de lesão do património e da solvabilidade do respetivo titular, independentemente de este se verificar. Como já se disse, também não exige a verificação da intenção de prejudicar os credores; basta que o facto seja objetivamente apto a causá-lo.
É por referência a estes princípios – da garantia patrimonial e de tratamento igualitário dos credores sociais - que se impõe entender o alcance dos elementos normativos ‘disposto de bens’ e ‘proveito pessoal ou de terceiros’ que integram o facto qualificador da insolvência previsto pela al. d) (cujos pressupostos, ao contrário do que parece ter sido o entendimento do tribunal recorrido, não se confundem com os pressupostos da resolução extra-judicial de negócio previstos pelos arts. 120º e 121º do CIRE).
Em causa na al. d) estão atos de disposição que se qualificam como prejudiciais do património da devedora e, por isso, dos respetivos credores, por deles resultar diminuição do ativo da devedora, com consequente diminuição do valor da massa insolvente constituída com a sua declaração de insolvência, e consequente agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida da afetação das garantias patrimoniais da insolvente, impedindo-os de concorrer ao produto daqueles bens para integral e/ou parcial satisfação dos respetivos créditos. No que enquadra a transmissão dos bens da devedora cujo produto, além do mais, não foi recebido ou não foi alocado ao serviço de dívida vencido e em mora no pagamento, no caso, ao pagamento de crédito reconhecido por sentença e inscrito nas contas dos últimos 3 anos da devedora no montante de capital de €285.000,00 e juros e custas judiciais no valor de €18.991,54 (cfr. ponto 6 e 7 da al. E.1) e al. AE.1), e de prestações bancárias que, esgotadas as moratórias/períodos de carência de capital anterior e sucessivamente concedidas a solicitação da acionista CMPD,  venceram ou venciam em 14, 23 e 24 de maio de 2019 pelos montantes de €56.666,00, €103.790 e €72.044,00 (cfr. als. AB) e AC), pontos 4, 6, 7 e 10), prestações com periodicidade trimestral que se renovavam trimestralmente e que no decurso do ano da realização das vendas ascenderiam ao montante total vencido de cerca de €700.000,00, ao qual em outubro desse mesmo somava o vencimento de outras prestações nos montantes de €666.670,00 e €555.552,00 (cfr. als. AB-AC), pontos 2 e 3), perfazendo o total de cerca de €1.900.000,00 de dívida vencida referente a serviço de dívida que então ascendia a mais de €10M (cfr. ponto 7 da al. E.1). Neste contexto, independentemente de qual fosse a afetação do produto das vendas, estas sempre seriam em prejuízo do princípio da satisfação proporcional dos direitos dos credores da Azores face à insuficiência dos inputs de tesouraria por elas gerado para satisfazer a totalidade do passivo vencido em 2019 e do que continuaria a vencer até 2029 à razão anual de quase €1M (cfr. als. AB) e AC), pontos 4, 6, 7 e 10), em confronto com um acervo/garantia patrimonial francamente diminuída pelas vendas de imóveis em 2019 que, não obstante abrangeram 33 imóveis da devedora, gerou ganhos e receitas de apenas cerca de €700.000,00.
É para qualquer um evidente o prejuízo que das vendas resultou para a garantia patrimonial dos credores da Azores, traduzido na disposição de bens com consequente diminuição do valor da massa insolvente constituída com a sua declaração de insolvência e consequente agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida do valor daqueles bens que, por efeito da ação dos seus administradores, deixaram de existir na esfera patrimonial da insolvente e que, não fora os mecanismos legais de tutela e reparação dos direitos do universo dos credores, arredavam a possibilidade de concorrerem ao produto desses mesmos bens. Neste cenário, e conforme resulta da conjugação do disposto nos arts. 146º, 141º, nº 1, al. e) e 142º, nº 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais e, expressamente, do art.º 18º, nº 1 do CIRE, aos administradores da devedora estava legalmente vedado proceder à liquidação extra-judicial do respetivo ativo e, perante a evidente ausência de liquidez para pagamento do serviço divida vencido e do que continuaria a vencer, antes se lhes impunha apresentá-la à insolvência para cumprimento da liquidação dos seus bens e do passivo por eles garantido.
À integração das vendas em questão na al. d) sequer obstaria a ausência de intenção de prejudicar os credores alegada pelo recorrente R.; basta que o facto seja objetivamente apto a causar esse prejuízo. Prejuízo que, no contexto da ausência de crédito ou de outros recursos disponíveis para além do produto das vendas e da renda do Parque de Máquinas paga pela CMPD (esta já anteriormente alocada ao pagamento de um outro financiamento através de contrato de consignação de rendimentos), se reconduz à violação do objeto estruturante do processo falimentar - a satisfação dos direitos dos credores.  Como acentua Soveral Martins, “A insolvência pode ter sido inevitável. Uma vez verificada a situação de insolvência atual (…) o gerente tem o dever de não agravar a situação de insolvência e de procurar a recuperação quando tal se justifique ou a manutenção do valor da massa insolvente.//(…).//Não podem os gerentes ou administradores começar a atuar como se fossem liquidatários da sociedade.//(…)//O processo de insolvência será a forma de «organizar a desgraça».[118] Prejuízo visado prevenir pela imposição do cumprimento da liquidação do ativo e do passivo do devedor insolvente através de procedimento judicial que, precisamente, visa garantir a subordinação daquela atividade e, em última linha, a satisfação dos credores, ao cumprimento de trâmites e regras legais, com a fiscalização e, em determinadas matérias, apreciação judicial.
Neste concreto surge aqui pertinente referir que a apresentação à insolvência do devedor que, de acordo com o critério de tesouraria ou cash flow previsto pelo art.º 3º, nº 1[119], se encontra impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas por falta de liquidez suficiente para cumprir a generalidade das dívidas vencidas, configura comportamento que lhe está normativamente imposto para, com a maior brevidade possível, cessar os efeitos comuns da insolvência e dar satisfação aos direitos dos credores. Com efeito, tal dever tem como corolário e/ou pressuposto lógico o facto de o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência ser a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores, quer seja através da liquidação, quer seja através da recuperação, sendo certo que por esta última via o timing na tempestiva apresentação à recuperação ainda se revela de maior importância, pois, por regra, dela dependerá a viabilidade e a possibilidade de (ainda) recuperar o devedor que, além do mais, carece da confiança dos seus credores – que a experiência revela e o senso comum dita que ficará naturalmente minada se, previamente e à revelia daqueles, a devedora procedeu à venda dos seus bens sem afetar o respetivo produto ao pagamento do passivo constituído e vencido. Trata-se por isso de norma de proteção dos credores sociais que, uma vez verificados os respetivos pressupostos, faz recair sobre o devedor presunção de culpa grave no seu incumprimento mas que, para constituir fundamento de qualificação da insolvência como culposa, como acima se anotou, mais exige a prova que do incumprimento dessa obrigação resultou agravamento da situação da insolvência, elemento que, com o nexo de causa entre a omissão e o resultado, integra o objetivo do ilícito por esta norma previsto, mas que no caso não se autonomiza da previsão da al. d) do nº 2 do art.º 186º, antes nela é consumido.
Com o que se conclui que a venda dos bens da devedora quando não dispunha de crédito nem de liquidez para pagamento de dívidas já vencidas e outras na iminência de vencer, parte delas, com periodicidade trimestral – manifestando uma situação de insolvência cuja verificação, de resto, o recorrente não contesta, ao invés, afirmou-a bastas vezes e pugnou pelo seu reconhecimento em sede de oposição e de alegações de recurso[120] -, esvaziou a insolvente dos seus ativos em prejuízo da massa insolvente e dos seus credores, e que tal conduta, independentemente do preço atribuído aos bens e de este ter sido ou não pago à vendedora, integra os pressupostos do fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. d) do nº 2 do art.º 186º que, como tal, é autonomamente valorada independentemente do cumprimento ou incumprimento do dever de apresentação à insolvência.
Considerações que, por maioria de razão, se aplica à afetação dada ao produto das vendas realizadas posto que, com exceção do pagamento da remuneração do presidente do conselho de administração requerido C. e de pagamentos a contabilista e ao Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social)[121], não foi destinado à satisfação do serviço de dívida da Azores; ao invés, foram celebrados novos contratos que oneraram a devedora com novas dívidas para as quais, a pretexto do seu cumprimento, foram canalizadas a quase totalidade das receitas obtidas pela Azores a partir da sua aquisição pela Alixir, no que se inclui a transferência para esta a título de empréstimo, e outras que foram objeto de levantamentos em numerário e através de dois cheques sem causa ou título que justifique a afetação da tesouraria da devedora nesses montantes.
Por maioria de (e flagrante) razão enquadra na al. d) a venda realizada à Birdwaves que, para além do exposto, se traduziu em liberalidade em benefício desta tendo por objeto 15 imóveis avaliados pela Autoridade Tributária em mais de €3M, mas que a sua proprietária - responsável por serviço de dívida superior a €10M, do qual pelo menos cerca de €700.000,00 já vencido e outro na iminência de vencer no montante total de quase €2M -, declarou transmitir pelo preço de €50.000,00, que não recebeu mas que declarou ter sido pago (cfr. als. S) e AK). Como é referido por Marisa Vaz da Cunha, “[o] conceito de acto gratuito é mas amplo do que o conceito de doação. Nesta categoria de actos pode incluir-se todos os praticados a título de liberalidade, actos que atribuem uma vantagem à contraparte sem implicarem uma contraprestação, actos que impliquem um sacrifício sem o correspondente sacrifício da outra parte. (…). Trata-se de um conceito que abrange todas as formas de diminuição de património, sem correspectivo, (…), não sendo necessário que a qualificação como gratuito resulte da posição de ambas as partes, mas apenas do insolvente”, mais acrescentando que por referência ao conceito de ato prejudicial à massa insolvente, na distinção entre atos onerosos e gratuitos não pode confundir-se com a classificação e contratos bilaterais ou unilaterais ou sinalagmáticos ou não sinalagmáticos.[122] É nesta distinção e conceito – de ato gratuito - que enquadram igualmente os levantamentos em numerário e as transferências sem causa ou título que as justificasse, bem como as entregas de €75.000,00 realizadas por via dos cheques emitidos por esse valor, conforme, de resto, foi julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 16.01.2024 proferido no âmbito da ação instaurada por apenso (N) a estes autos de insolvência para impugnação da resolução do pagamento de um desses cheques – “(…) uma compreensão teleológica da gratuidade, de acordo com o princípio reitor de protecção dos credores da insolvência em face de uma diminuição patrimonial, prejudicial por consistir em liberalidade, basta-se com a avaliação do enriquecimento patrimonial da contraparte, sem correspectivo, à custa da diminuição patrimonial do atribuinte, depois insolvente, de acordo com uma relação objectiva e funcional de valor entre prestação realizada e contraprestação recebida; assim, a (ausência de) representação subjectiva das partes não é de relevar como primordial para ponderar (e afastar, se assim fosse) a gratuitidade implicada na al. b) do art.º 121º, 1, do CIRE (como conceito de relação tendo por base as atribuições patrimoniais realizadas, relevando com natureza primordial o conteúdo objectivo-funcional do acto).
Termos em que se confirma a valoração de todos os factos considerados pela sentença recorrida como qualificativos da insolvência como culposa[123], com consequente improcedência do recurso de R. nesta parte.

D) Âmbito, medida e critério da afetação pela insolvência
1. Prevê o art.º 189º[124], nº 2 que “Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas (…) afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa; 
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos; 
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.
Acrescenta o nº 4 que, “Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.”
O art.º 189º fixa os limites mínimo e máximo da inibição para a administração de património de terceiros, para o comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de pessoa coletiva, de 2 a 10 anos, bem como o limite máximo da ‘indemnização’ a atribuir ao coletivo dos credores, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente. Não enuncia critérios para a concreta determinação de umas e outra.
Conforme se expôs, a qualificação da insolvência como culposa tem como pressupostos uma conduta ilícita do devedor ou dos seus administradores praticada com dolo ou com culpa grave, e em relação de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento. Considerando que o prius da qualificação é, precisamente, uma conduta, por ação ou por omissão, é pela autoria desta que em concreto se impõe aferir do âmbito subjetivo das consequências da insolvência culposa. Sem prejuízo das presunções legais de culpa, “[a] responsabilidade dos administradores e gerentes é por culpa e por facto próprio, não é responsabilidade sem culpa e por facto de outrem.[125]
Na imputação das consequências da insolvência culposa, relativamente aos administradores de direito, C. e S., o tribunal a quo atendeu “aos factos provados, à gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência e para o ressarcimento dos credores”, considerou que não foi distinto o grau de culpa de cada um deles  “uma vez que exerceram a administração exatamente durante o mesmo lapso de tempo, ambos praticaram factos conducentes à insolvência e os atos praticados por C. após 02.05.2019, foram possíveis em resultado da procuração que nesta data, S. lhe outorgou para, em suma, fazer o que quisesse, já após saber que não estava a ser prosseguido o interesse da sociedade Azores Parque” e fixou em 4 anos o período de inibição. Relativamente ao administrador de facto, R., considerou a sua culpa elevada e superior à dos administradores de direito porque as decisões foram tomadas por aquele, e fixou em 5 anos e 6 meses o período de inibição.  
S., sem pôr em causa a sua afetação pela insolvência culposa, opôs à sentença recorrida a ausência de diferenciação de culpas relativamente ao requerido C- e requereu a fixação da inibição pelo limite mínimo de dois anos em substituição dos quatro anos fixados pela sentença recorrida, e a sua condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença até ao limite mínimo de €410.000,00 por considerar que este é o montante que corresponde ao potencial prejuízo decorrente dos atos que efetivamente praticou como vogal do conselho de administração, por determinação de terceiro, e que cingiu à celebração do contrato de empréstimo com a Alixir e à assinatura de dois cheques no valor de €75.000,00 cada um, em contraste com os atos praticados pelo requerido C., que se traduzem num potencial prejuízo de €3.327.746,13. Para justificar a diferenciação mais alegou que a procuração que conferiu a C. não permite por si só que os atos por este praticados lhe sejam imputados posto que aquele agiu a mando de R. e não lhe deu a si conhecimento dos atos que praticou em seu nome com recurso àquela procuração, concluindo que “é clara a existência de abuso de representação” por exceder os fins para que foi concedida.
R., na hipótese, já acima confirmada, da sua afetação pela insolvência culposa, censura a fixação da sua inibição no período de 5 anos por superior ao dos demais afetados e por longo e injustificado, reiterando em fundamento que o recurso demonstra que as decisões que lhe são imputadas não são suas nem o beneficiaram. Relativamente à venda dos imóveis à Birdwaves mais acrescentou não fazer sentido a indemnização com fundamento na mesma porque foi resolvida e os imóveis estão na disponibilidade da massa insolvente.
2. Da inibição
A par com a vertente preventiva de proteção do património de terceiros e do comércio, as medidas inibitórias têm dimensão exclusivamente punitiva, intrínseca à tentativa de moralização do sistema visada pela introdução deste incidente[126]. Por natureza e imperativo constitucional a aplicação de sanções pressupõe a natureza ilícita e culposa – ainda que legalmente presumida - dos factos que as fundamentam pelo que, na ausência de outros critérios expressa e especificamente previstos, a determinação, em cada caso, do ‘quantum punitivo’, “deverá  ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.[127] A medida de cada sanção será então fixada por referência à natureza e gravidade objetiva da atuação fundamento da qualificação e do seu concreto contributo para a criação ou agravamento da situação de insolvência, no que se considera o âmbito de proteção da norma concretamente violada, e à intensidade do juízo de censurabilidade que em concreto possa ser dirigido ao afetado para além da culpa grave legalmente presumida que fundamenta a qualificação.
Como já se referiu na apreciação da impugnação que dirigiram à decisão de facto, ambos os recorrentes fundamentam a sua divergência em pressupostos de facto que não coincidem com a realidade documentada nos autos e consta descrita na decisão de facto, atinente com a sua intervenção nos contratos celebrados pela Azores.
Relativamente ao recorrente R., o acima exposto quanto à natureza da sua intervenção na Azores dispensam aqui outras considerações – do conjunto da apreciação realizada nestes autos resulta à saciedade que os contratos, pagamentos, transferências e outros saques da conta bancária foram maquinação sua, do ‘homem oculto’ que, numa manifesta disfuncionalização da sociedade, controlou ou determinou a conduta dos seus administradores de direito.
Relativamente ao recorrente S., para além da sua intervenção pessoal ou física na celebração da primeira venda (à Ordec) celebrada após a aquisição da Azores por sociedade da qual é sócio e único gerente, na celebração do contrato de empréstimo a esta mesma sociedade (para subsequente financiamento do Santa Clara), e na emissão de dois cheques ao portador no valor unitário de €75.000,00 para, a mando de R., serem entregues a terceiro por C. aquando da celebração da venda à Logislink (em 16.05.2019), mais subscreveu o contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade detida e gerida pelo recorrente R. prevendo o ‘preço’ de €450.000,00 a cargo da Azores e que, como resultou à saciedade, não serviu mais que para ‘titular’ ou justificar a retirada do dinheiro da conta da Azores para a esfera jurídica e disponibilidade daquele, efeito que S. não podia deixar de conhecer e querer, tanto mais que, somado aquele valor ao valor de €150.000,00 titulado pelos cheques que também subscreveu, perfazia a quase totalidade dos preços que foram pagos à Azores pelas vendas dos imóveis. Vendas que foram determinadas por R. e celebradas, uma por documento particular autenticado por aquele e com a intervenção conjunta dos dois administradores de direito (al. M), uma com a intervenção de S. em representação da compradora, o Santa Clara, que não procedeu ao pagamento do preço (als. AAU) e AAV), e as demais com a intervenção de C. em representação da Azores mas em conformidade com prévia deliberação do conselho de administração, conforme foi atestado pelo Notário que formalizou as escrituras públicas de compra e venda, nas quais declarou ter verificou a qualidade e os poderes de representação de C. pela consulta à certidão permanente do registo comercial e pela ata da reunião do conselho de administração que lhe foi exibida[128], uma para cada venda, incluindo a venda à Birdwaves (nº 155, 156, 159 e 160, cfr. als. N), O), R), e S), sendo que o conselho de administração da Azores formalmente designado - o único com poder ou capacidade legal para manifestar a vontade da Azores que ao Notário competia sindicar e verificar - era integrado apenas por S. e por C.. Do conjunto destes factos resulta que S. sabia que C. era tão, senão mais ‘fantoche’ do que ele próprio no cargo de administrador da Azores e que nesta era para ser feito o que R. determinasse – vender os imóveis da Azores e afetar o respetivo produto em benefício de terceiros com total alheamento e desprezo pelos interesses desta e dos respetivos credores -, e independentemente de ‘quem’ executasse ou materializasse as suas instruções, mas que seria C. que, como o próprio recorrente aqui reafirmou, atuou sempre a mando daquele. Contexto em que na apreciação que ora se faz perde qualquer relevância a procuração que S. outorgou a C. Silveira posto que não o fez para que este administrasse a Azores a seu bel prazer, mas apenas para o desonerar a si (S.) da necessidade de estar fisicamente presente na formalização dos atos (determinados por R.) que legalmente demandasse a sua intervenção em representação da Azores, portanto, nas relações externas da sociedade, sendo que o que releva na apreciação que aqui nos ocupa é o conhecimento e acordo por todos explícita ou implicitamente assumido no domínio das relações internas entre os vários administradores, de facto e de direito; ou seja, não releva a manifestação ou exteriorização da vontade da Azores, mas sim a sua formação, que é um processo interno e que no caso os factos revelam ser do conhecimento de todos, incluindo de S. que, ainda que pudesse não ter conhecimento de cada ato praticado, designadamente, dos concretos termos em que foram ‘afetadas’ ou ‘distribuídas’ as receitas obtidas, tinha conhecimento do plano gizado - de venda dos imóveis da Azores e da disponibilização do produto da mesma em benefício de fins e pessoas alheios à mesma. Conhecimento e acordo contemporâneo com os factos e que, além do mais, surge reforçado pelo contexto em que foi adquirida a Azores, por iniciativa de R. e através de sociedade que, conforme S. declarou em audiência, já não tinha qualquer atividade e iria ser dissolvida,  bem como pela relações profissionais em que ambos se moviam já desde pelo menos 2017 como administradores da SAD do Santa Clara que, de acordo com o declarado em audiência pelo recorrente R., estava com problemas de liquidez (outro não pode ser o sentido da expressão ‘estávamos aflitos’ a que já se fez referência no âmbito da apreciação da impugnação da matéria de facto) e, conforme também ali declarado por ambos, foi o móbil para a aquisição da Azores, na qual existiam imóveis que podiam ser ‘tomados[129] para o Santa Clara, sendo que no processo outros ‘colheram’ vantagens monetárias da Azores, sendo o denominador comum a todos (P, PM., e D.) o Santa Clara ou, em qualquer caso, R..
Mas, ainda que assim não fosse, do que se trata é de alguém assumir a qualidade legal de administrador de uma sociedade para, com conhecimento e vontade própria, dar cobertura ou ‘fachada’ a quem de facto vai exercer a sua administração que, como se viu, por ausência de título, se assume de facto. Com efeito, é consensual na doutrina e na jurisprudência que um administrador de direito que não exerce de facto está a incumprir o dever funcional social que sobre ele recai, e que o dever de administrar, de zelar e até de fiscalizar os demais elementos da direção, é incompatível com o não exercício do cargo e que, em princípio, conduzirá à responsabilização por omissão. Ricardo Costa defende que havendo responsabilidade do administrador de facto, o administrador de direito responde pela sua própria atuação se coexistiu com aquele administrador de facto ou, não tendo atuado, responde por omissão ilícita, “se se demitiu em absoluto da gestão social e a entregou, ainda que por afastamento não querido da vida da sociedade, ao administrador de facto directo; nesta circunstância, o exercício de poderes que consentiu ou tolerou (por ex., não registando a cessação de funções do administrador com título extinto) e o sucessivo comportamento danoso do administrador de facto representam a infracção do dever de controlar (culpa in vigilando) a gestão efectiva, mesmo se não levada a cabo por quem não está legitimamente investido para o efeito.”[130]. Nas palavras do acórdão da Relação de Coimbra de 21.01.2014 (na esteira do proferido pela mesma Relação em 11.12.2012, processo nº 3945/08.6TBLRA-E.C1 e de outros entretanto proferidos), [a]o reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art.º 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir da qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto (…). Afirmação que é impressivamente justificada no acórdão de 23.03.2021 desta secção: “3 – Um administrador de direito que não exerce, de facto, está, por opção, a não exercer o seu fundamental dever de cuidar, previsto no art.º 64º do CSC, nomeadamente na modalidade do dever de controlo, com gravidade acrescida em situação de dificuldades em que o cenário de insolvência é um dos possíveis.//4 - O cargo de gerente/administrador é incompatível com o respetivo não exercício.
A paridade na imputação a todos os administradores, de facto e de direito, dos factos de natureza patrimonial praticados na Azores após a sua aquisição pela Alixir não nos oferece dúvida posto que foi pela atuação concertada ou, pelo menos, com a conivência, aceitação ou cumplicidade de todos, que foram materializados. O que justifica igual medida de inibição para cada um deles, mas que a proibição da reformatio in pejus impõe seja tabelada pela fixada aos afetados C. e S., 4 anos que, numa moldura de 2 a 10 anos, em que o meio seria 6 anos, está longe de ser desproporcional ou injustificada face à delapidação patrimonial a que em menos de dois meses levaram a cabo no âmbito de uma empresa[131] que foi constituída e gizada para servir o interesse público e que, na ausência de recursos financeiros para cumprimento integral do respetivo projeto, à data da venda mantinha serviço de dívida em montante superior a €10M, cuja satisfação passou a estar exclusivamente dependente dos bens da devedora.
Com o que se conclui pela procedência, nesta parte, das alegações de recurso do recorrente R., com a redução do período das medidas de inibição fixado para 4 (quatro) anos.

Em sede de alegações de recurso o recorrente S. mais alegou e requereu que “Com a prolação da sentença inicialmente proferida, o recorrente iniciou o cumprimento do período de inibição que lhe foi fixado, pelo que ao período que lhe venha a ser definitivamente fixado, não pode deixar de ser considerado e descontado o período que este já cumpriu, desde 19 de Abril de 2021.
A fixação do termo inicial do período de inibição configura questão nova no sentido de que a mesma foi pela primeira vez deduzida nos autos em sede de recurso sem que tenha sido objeto de pronúncia e decisão pelo tribunal recorrido, pelo que se reproduz o que nessa matéria se expôs sob o ponto C), 1.2.
É pacífico e sobejamente adquirido que, nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é balizado pelo objeto da decisão recorrida, tal qual como surge configurado pelas partes/interessados de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de pedidos e de fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa e de questões que não foram oportunamente submetidas a apreciação, salvo se de conhecimento oficioso. Nas palavras de Abrantes Geraldes, Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, com exceção da possibilidade de serem suscitadas ou apreciadas questões de conhecimento oficioso, v.g. a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes.[132]; nas quais não se enquadra a fixação do termo inicial do período das medidas de inibição impostas aos afetados.
Termos em que se rejeita o conhecimento do pedido recursivo em questão.
 
2. Da indemnização
Ao nível das consequências legais da qualificação da insolvência como culposa, estabelece o art.º 189º nº 2, al. e) do CIRE que Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve: (…) e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados. (subl. nosso).
No cumprimento da citada norma a sentença recorrida condenou os declarados afetados pela insolvência culposa a indemnizar os credores da Azores no montante dos créditos não satisfeitos até ao montante de €3.675.089,78.
Como critério considerou que “o valor da indemnização corresponderá aos valores que, de acordo com a factualidade provada, tiverem prejudicado os credores, sem prejuízo da posterior dedução de valores que tenham sido obtidos pelo senhor administrador da insolvência relativamente a esses bens.”
Por referência aos factos/atos provados considerou que o prejuízo dos credores resultou apenas dos dois cheques no valor total de €150.000,00 descritos em AT), dos levantamentos em numerário no montante total de €147.400,00 descritos em AO), AP), AQ), AR), AS) b., h. e i., e AV), das transferências no montante total de €60.000,00 descritas em AU), ABE) e ABF), e das transferências realizadas em benefício da Alixir no montante total de €269.000,00 e descritas em NA), atos que incidiram sobre o saldo bancário da insolvente cujo valor foi constituído na sua quase totalidade pelo produto das vendas; e da venda realizada à Birdwaves, computando-o aqui pelo montante de €3.043.689,78 no pressuposto de este corresponder ao valor dos imóveis objeto da venda.
Já acima se concluiu pela paridade na imputação a todos os administradores, de facto e de direito, dos factos de natureza patrimonial praticados na Azores após a sua aquisição pela Alixir e, assim, pela ausência de fundamento para a diferenciação da responsabilidade dos afetados, designadamente, no montante da indemnização a imputar[133], requerida pelos recorrentes S. e R. no pressuposto, erróneo, de a culpa e participação de cada um deles nos factos fundamento da qualificação ficar aquém da culpa e participação dos outros.
Resta apreciar da bondade da medida ou quantum da indemnização fixada pela decisão recorrida.
Apesar de a alínea e) ter sido introduzida pela Lei nº 16/2012 de 20.04, permanece até hoje objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial pelas várias interpretações dos pressupostos e âmbito da condenação na indemnização que prevê, dissenso que as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11.01 não auguraram sanar ainda que, em função da interpretação que fazemos da anterior redação, tendam para esse resultado.
A alteração que a Lei nº 9/2022 introduziu na redação da al. e) – para passar a constar “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem (…) até ao montante dos créditos não satisfeitos” onde constava “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem (…) no montante dos créditos não satisfeitos” – é de natureza interpretativa, por reclamada pela discussão gerada com a incompatibilidade da literalidade da sua anterior redação com as especificações previstas pelo nº 4 – “Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.” –, e no sentido de consagrar a fórmula e solução legal que em 2012 foi ab initio pretendida prever para a responsabilização insolvencial, enquanto modalidade específica de responsabilidade civil que, como tal, não prescinde da verificação dos respetivos pressupostos legais gerais. Com efeito, sendo o nº 4 uma especificação dos termos da aplicação do efeito previsto pela al. e) do nº 2, em nome da coerência e consistência paradigmática da terminologia do sistema jurídico como um todo e, em particular, dos institutos jurídicos de natureza eminentemente civil, essencial à sua teorização e compreensão geral e abstrata, a construção das referidas normas por recurso aos vocábulos e segmentos ‘indemnizarem’, ‘valor das indemnizações devidas’, ‘calcular o montante dos prejuízos sofridos’, e ‘critérios para a sua quantificação’, não permite imputar ao legislador de 2012 mais do que a intenção de consagrar a medida da responsabilização do afetado pela insolvência de acordo com os pressupostos gerais da responsabilidade civil, ainda que limitada pelo montante máximo dos créditos não satisfeitos por respeito processual ao objeto e funcionalidades práticas do processo de insolvência [134], mas com o aproveitamento, em benefício dos credores, da qualificação e declaração judicial da natureza ilícita e culposa das condutas dos afetados pela qualificação operada em sede de processo de insolvência e da facilitação, por essa via, da imputação dos danos por elas produzidos. [135] [136]
Como é referido por Catarina Serra “A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade (provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência (a “causalidade fundamentadora” da responsabilidade civil), mas esta não basta para responsabilizar os sujeitos afectados; deve ainda verificar-se a causalidade entre a conduta e os danos (a “causalidade preenchedora” da responsabilidade civil). (…) é preciso apurar a diferença entre a situação que existe e a situação que existiria se a conduta ilícita não tivesse tido lugar – apurar, mais precisamente, o dano diferencial. (…). Cumpre ao juiz discriminar, sobretudo, entre as condutas criadoras e as condutas agravadoras da situação de insolvência. Na prática, o dano causado pelas primeiras é susceptível de se aproximar do montante dos créditos não satisfeitos. Relativamente ao dano causado pelas segundas, esta proximidade nunca se verifica.[137]
Assim, diversamente do que sucede com as medidas de inibição, a responsabilização patrimonial dos afetados, para além da sua dimensão punitiva intrínseca à moralização do sistema visada pelo incidente da qualificação, assume também uma dimensão de reparação dos credores através da condenação em indemnização cuja quantificação o legislador remeteu para os pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil. É nesse sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.10.2021: “A qualificação como culposa duma insolvência – consistindo no escrutínio das condições em que eclodiu ou se agravou uma situação de insolvência – tem em vista aplicar certas medidas/sanções ao(s) culpado(s) por tal criação ou agravamento, ou seja, o propósito da qualificação duma insolvência como culposa é não permitir que, havendo culpado(s), o(s) mesmo(s) passe(m) “impune(s)” e, no fundo, “moralizar o sistema” (fazendo com que o direito/processo de insolvência proteja realmente os interesses públicos, relacionados com a economia, e os interesses privados, da satisfação dos credores). //Em todo o caso, tal não pode significar, como já referimos, que tais medidas/sanções/indemnizações, pese embora o seu objetivo moralizador, possam ser impostas sem quaisquer limites e fora de quaisquer exigências ou controlo de proporcionalidade (ou de não desproporcionalidade).//Tudo isto para dizer que não pode ser automaticamente, mas sim atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (o que está provado no processo e o que levou à qualificação), que o juiz pode-deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afetadas.//E entre as circunstâncias com significado para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar encontram-se os elementos factuais que revelam o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes ao grau de culpa), uma vez que, estando em causa uma insolvência culposa, o fator/grau de culpa da pessoa afetada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o fator/proporção em que o comportamento da pessoa afetada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização.
De resto, por apelo a princípios de proporcionalidade ou de proibição de excessos, já na vigência da redação inicial da al. e) a jurisprudência maioritária rejeitava a condenação ‘automática’ dos afetados pelo montante dos créditos não satisfeitos, pugnando pela fixação da indemnização após prévia apreciação e por referência, no essencial, à conduta da pessoa afetada, ainda que na perspetiva do seu contributo para a criação ou agravamento da insolvência, que será o mesmo que dizer, por referência ao perigo abstrato tutelado pela norma fundamento da qualificação da insolvência preenchida pela conduta do afetado[138]. Por isso e pela natureza sancionatória que lhe está subjacente, a obrigação de indemnização determinada pela afetação da insolvência culposa não é prejudicada pela destruição – total ou parcial - dos atos fundamento da qualificação no âmbito do processo de insolvência através dos mecanismos legais para o efeito previstos, como ocorre suceder com a resolução extra-judicial de negócios pelo AI, com consequente destruição e restituição ou constituição da obrigação de restituição dos bens dele objeto à massa insolvente.
Do exposto resulta o acerto do critério e dos fundamentos nos quais a sentença recorrida suportou a quantificação da indemnização: para além da coerência na coincidência que se impunha entre os (únicos) factos que valorou como qualificadores da insolvência como culposa e os (únicos) factos em que fundamentou o quantum da responsabilização patrimonial dos afetados, mais se surpreende a coincidência ou justaposição entre a causa ‘fundamentadora’ e a causa ‘preenchedora’ dessa responsabilidade ou, dito de outra forma, entre o perigo de dano presumido pela norma fundamento da qualificação e o dano concretamente produzido pelo agravamento da situação patrimonial da devedora,  este traduzido na diminuição da garantia patrimonial dos créditos pela dissipação de valores em depósito bancário da Azores provenientes da venda dos seus imóveis, e pela venda de 15 imóveis que, para além de desacompanhada do pagamento do preço nela declarado, como se disse, independentemente desse pagamento teria sempre como inevitável efeito a indisponibilidade do produto dos imóveis para, no âmbito do processo de insolvência e através da sua liquidação, dar satisfação aos créditos reconhecidos que pelo respetivo produto houvessem de ser pagos. Coincidência que, no campo onde nos movemos - de responsabilização civil, perante os credores, dos responsáveis pela criação ou pelo agravamento da insolvência –, se traduz na correspondência de valores entre o valor daqueles atos, o valor dos danos por eles produzidos, e o valor da indemnização devida fixar.
Assim, concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, do nexo de causalidade entre a concreta atuação que determinou e/ou fundamentou a qualificação da insolvência como culposa, e do prejuízo pela mesma produzido aos credores, e mais considerando o já aludido princípio da proibição da reformatio in pejus que, tal como sucede na apreciação dos pressupostos da insolvência culposa, obsta a que na quantificação da indemnização o tribunal de recurso considere factos que para o efeito foram expressamente afastados pela decisão recorrida, a indemnização deve ser fixada pelo montante correspondente à soma das quantias que sem causa justificativa foram levantadas (€147.400,00), transferidas (€60.000,00) e sacadas (€150.000,00) da conta bancária da insolvente, em qualquer caso, sempre em prejuízo do universo dos credores da Azores, da quantia transferida em benefício da acionista da Azores (€269.000,00), como as demais também em prejuízo do universo dos credores da insolvente, e do valor dos imóveis objeto da venda à Birdwaves, dos quais a Azores e os respetivos credores foram despojados por ação dos afetados.
À confirmação do montante global da indemnização fixado pela sentença recorrida obsta apenas a alteração que nesta instância foi introduzida à al. AJ) para clarificar que o valor ali imputado aos imóveis vendidos à Birdwaves corresponde ao VPT, posto não ter sido produzida prova atendível e fiável sobre o valor de mercado ou de liquidação dos mesmos, pelo que se considerará como medida do prejuízo por este ato produzido o preço pelo qual esses imóveis foram ou venham a ser vendidos no âmbito da liquidação da massa insolvente da Azores, até ao limite máximo do valor pelo qual foi considerado na decisão recorrida, de €3.043.689,78. Em última análise corresponde ao valor (de liquidação) com o qual os credores poderiam contar para satisfação dos seus créditos atendendo a que ausência de liquidez para pagamento das prestações bancárias vencidas e em dívida e das que no prazo de 3 e 5 meses iriam sucessivamente vencer impunham a apresentação da Azores à insolvência para cumprimento da liquidação do respetivo património sob fiscalização dos credores e do tribunal, em detrimento da liquidação ilegal e anárquica empreendida pelos afetados, da qual tinham a obrigação legal de se ter abstido de levar a cabo.
Com o que neste âmbito se conclui pela parcial procedência das alegações de recurso, com a alteração em conformidade do segmento do dispositivo da decisão correspondente à condenação em indemnização que, no demais, se mantém nos seus precisos termos posto que não impugnados pela massa insolvente.
Considerando a natureza solidária da obrigação de indemnização a cargo dos afetados pela qualificação da insolvência, a alteração da decisão recorrida em benefício destes aproveita ao requerido C. nos termos do art.º 634º, nº 2 do CPC, norma que que estabelece que Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros: (…) c) Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente.

E) Do incidente de litigância de má fé deduzido pelos recorridos M. e outros contra a massa insolvente
Os recorridos requereram a condenação da massa Insolvente como litigante de má-fé com fundamento em uso manifestamente reprovável do processo, nos termos do art.º 542º, nº 2, als. a) e d), do CPC. Alegam em fundamento que o pedido de condenação do Município de Ponta Delgada no pagamento à massa insolvente do montante dos créditos não satisfeitos, solidariamente com os requeridos M., B., H. e L., constitui pedido processualmente impossível no incidente pleno de qualificação de insolvência e nesta fase processual, por ilegal, o que aquela não pode deixar de saber, e só se explica pela atitude persecutória que o AI e a Massa Insolvente desenvolvem em relação a D., B., H. e L..
De harmonia com o disposto no art.º 542º do CPC, Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A litigância de má fé corresponde a conduta processual ilícita por assunção de condutas ou uso indevido de procedimentos judiciais, abrange condutas praticadas com dolo ou negligência grave, e pressupõe a responsabilidade subjetiva da parte, isto é, um juízo de culpa. Coloca-se em duas vertentes: a má fé material ou substancial, que respeita ao conteúdo da relação jurídica material e ao mérito da causa, à qual reportam os fundamentos previstos pelas als. a) e b), e a má fé instrumental, que concerne à relação jurídica processual, e à qual reportam os fundamentos previstos pelas als. c) e d).
A tutela do instituto da litigância de má fé incide sobre a atuação processual da parte, isto é, sobre atos praticados ou omitidos no processo. Nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta, e L. Sousa (com subl. nosso), “Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios.[139] No essencial na base da má fé está um requisito essencial: a consciente ou, no mínimo, a exigível consciência de ausência de razão ou desconformidade do procedimento/atuação adotada com a lei (processual e/ou material). Na sua forma mais empírica ocorre quando se “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.”[140]
Apreciando dir-se-á antes de mais que, ainda que o pedido de condenação da CMPD deduzido em incidente de qualificação de insolvência e na instância recursiva configure um absurdo processual - ultrapassa o que se possa ter como uma questão de diferentes perspetivas e/ou convicções jurídico-processuais, que a massa insolvente não expôs ou justificou nas suas alegações -, o certo é que a consciência da falta de fundamento para esse pedido não se coloca quanto aos fundamentos da pretensão de mérito, mas sim quanto à admissibilidade da sua apreciação no âmbito deste incidente e em sede de recurso.
Por outro lado, esse pedido foi dirigido contra terceiro que não se confunde com qualquer um dos recorridos e que, por não ser parte nem estar na ação, não se pode considerar por ele perturbado ou ‘incomodado’. Para além da linear rejeição do seu conhecimento, também não requereu nem deu aso a tramitação processual acrescida relativamente à imposta ou necessária ao conhecimento do recurso da decisão de absolvição objeto do recurso da massa insolvente, pelo que não existem elementos válidos que permitam concluir que esta deduziu aquele pedido contra a CMPD em sede de alegações de recurso com o objetivo de entorpecer ou protelar a ação da justiça.
Termos em que se conclui pela insuficiência da conduta da massa insolvente como fundamento de responsabilização processual e, consequentemente, pela improcedência do pedido que nesse sentido foi contra ela deduzido.

VII - Decisão
Por todo o exposto, acordam as juízas que integram a 1ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente através da revogação, nos segmentos recorridos (a negrito), dos pontos 4.2. e 5. do dispositivo, que se substituem por outros com o seguinte teor:
4.2. determino a sua inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos;
5. Condeno C., S. e R. a indemnizar os credores da Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, S.A. no montante dos créditos não satisfeitos, até ao montante de €626.400,00 (seiscentos e vinte e seis mil, e quatrocentos euros), acrescido do valor do produto da venda dos imóveis objeto da venda aludida na al. S) da decisão de facto, até ao limite máximo global de €3.675.089,78  (sem prejuízo de ser desconsiderado o valor referente a negócio que tenha sido resolvido e que tal resolução não conste da factualidade provada), sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados (artigo 189.º, nº 2, alínea e), do CIRE).
Mantendo-se no demais a sentença recorrida.

Nos termos do art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC:
Custas da apelação da massa insolvente integralmente a seu cargo.
Custas da apelação de R. a seu cargo e da massa insolvente, na proporção de 5/6 para o primeiro, e 1/6 para a segunda.
Custas da apelação de S. a seu cargo e da massa insolvente, na proporção de 5/6 para o primeiro, e 1/6 para a segunda.
Custas do incidente de litigância de má fé a cargo dos recorridos B., L., H. e D., com 1 UC de taxa de justiça a cargo de cada um deles.

Lisboa, 28.01.2025
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
_______________________________________________________
[2] Diploma a que pertencem todas as normas citadas salvo indicação de outro.
[3] Correspondente ao apenso J.
[4] A referência ao ano de 2021, que a Sr.ª Juiz reproduziu no despacho de 04.01.2021, é manifesto lapso de simpatia.
[5] Luis Menezes Leitão, CIRE Anotado, 11ª ed., p. 76.
[6] Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pp. 103 e 106.
[7] Correponde ao atual art. 631º,nº 2 do CPC.
[8] No mesmo sentido, acórdão do STJ de 15.02.2018, ambos disponíveis na página da dgsi.
[9] Art. 12º, nº1 do Estatuto do Administrador Judicial.
[10] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 259:
[11] J. de Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AAFDL, Vol. I, p. 19.
[12] Sobre a questão dos destinatários do pagamento, e dando relevância ao principio par conditio creditorum, Soveral Martins, Um Curso de Direito de Insolvência, p. 388 e s.
[13] Em, “A Qualificação da Insolvência, Incidente e Efeitos”, FDUL, 2018, Dissertação de Mestrado orientada pelo Sr. Professor Doutor Rui Carlos Gonçalves Pinto Mestrado em Direito Ciências Jurídico-Empresariais, p. 13 e s.
[14] Da mesma forma que assiste legitimidade ao AI ou à massa insolvente para, do lado passivo da instância recursiva, responder aos recursos interpostos pelos afetados pela declaração da insolvência culposa sempre que entenda que o sentido e âmbito da sentença recorrida corresponde à tutela legal que o caso convoca (sobre a legitimidade passiva recursiva, vd. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, p. 236).
[15]  Vd., entre outros, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss.
[16] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Almedina, 4ª ed., p. 735.
[17] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 4ª ed., p. 737.
[18] Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03.10.2017.
[19] Das als. M) a O), R) a U), AU, AAU, AAX, AAZ, ABB consta que (entre 26 abril e 30.07.2019 e 20.11.2019) a Azores vendeu (imóveis), obrigou-se emprestar dinheiro, celebrou contrato promessa de compra e venda, celebrou contratos de prestação de serviços, realizou transferências bancárias; das als. AO) e AS) e V) consta que (entre 29.04 e 26.07.2019 e em 27.11.2019) a insolvente procedeu a levantamentos de quantias monetárias da sua conta bancária
[20] Referência que se faz porque, em rigor, os vícios que o recorrente apontou à sentença reportam à decisão de facto e incidem sobre os termos em que descreve a autoria dos atos/negócios fundamento da insolvência culposa, que considera insuficientes para suportar a duração das medidas de inibição e o montante da indemnização fixada imputável a cada um dos afetados, vício que a verificar-se configuraria ‘apenas’ vício da decisão de facto com a virtualidade de determinar a sua ampliação nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do CPC ou que, no limiar e em abstrato, poderia desembocar em erro de julgamento de direito pela não verificação ou preenchimento de todos os pressupostos das normas legais fundamento da decisão.
[21] I – INTRODUÇÃO - CONTEXTO DA PRESENTE OPOSIÇÃO (PÁG 1 A 4 – ARTIGOS 1 A 7);
    II - DOS DOCUMENTOS PROCESSUAIS IDENTIFICADOS:
A- REQUERIMENTO SANTANDER 27/JANEIRO/2020 ( 4 A 9 - ARTIGOS 8 A 35);
B- REQUERIMENTO SANTANDER 27/FEVEREIRO/2020 9 A 10 ARTIGOS 36 A 41);
C- PARECER DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA -25/JUNHO/2020 (PÁG 10 A 18 - ARTIGOS 42 A 63);
D-PARECER DO 2MINISTÉRIO PUBLICO - 29/JUNHO/2020 (PÁG 18 A 19 ARTIGOS 64 A 68);
E-OPOSICAO APRESENTADA POR C (PÁG 19 A 23 ARTIGOS 69 A 93);
III - DOS ELEMENTOS PROCESSUAIS IDENTIFICADOS (PÁG 23 A 38 ARTIGOS 94 A 111);
IV - IMPUTAÇÃO EFECTUADA AO ORA OPONENTE - DEFESA EM GERAL (PÁG 39 A 42 ARTIGOS 112 A 132);
V – IMPUTAÇÃO EFECTUADA AO OPONENTE DEFESA E CONTEXTO DA ACTUAÇÃO (PAG 43 A 50 ARTIGOS 133 A 148);
VII - DA CONCRETA OPOSIÇÃO DO OPONENTE- A ACTUAÇÃO DO OPONENTE - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM A SOCIEDADE MC UNIPESSOAL (PÁG 50 A 51 - ARTIGOS 185 A 199);
VIII - DA CONCRETA OPOSIÇÃO - A ACTUAÇÃO DO OPONENTE – APRESENTAÇÃO DO PER – (PÁG 52 A 55 – ARTIGOS 200 A 226);
IX - DA CONCRETA OPOSIÇÃO - A ATUAÇÃO DO OPONENTE – NEGÓCIOS VÁRIOS (PÁ G 55 A 64 ARTIGOS 227 A 292);
X - RETORNO À ANÁLISE DA SITUAÇÃO ECONÓMICO-FINANCEIRA DA SOCIEDADE AP ANTES DA ALIENAÇÃO PELA SOCIEDADE ALIXIR G 64 A 84 ARTIGOS 293 A 406);
XI - DOS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO NEGOCIADOS PELA ANTERIOR ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE INSOLVENTE (P G 84 A 88 ARTIGOS 407 A 435);
XII - DA TOMADA DE POSIÇÃO DO BANCO SANTANDER NO PROC 1297/20.5T8PDL (P G 88 A 95 ARTIGOS 436 A 464
[22] Processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2, disponível na página da dgsi.
[23] O standard de prova no processo civil e no processo penal, janeiro de 2017, p. 6-7, disponível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf
[24] Processo nº 1118/15.0T8VLG.P1, disponível na página da dgsi.
[25] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª ed., p. 233
[26] Por não corresponderem a factos integradores dos elementos normativos aplicáveis.
[27] O que expressamente se menciona face ao teor da conclusão GG) das alegações de recurso de R., de que “(…) não há uma única testemunha que impute ao Recorrente a administração de facto da sociedade Azores Parque.””
[28] Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, disponível na pág. da dgsi.
[29] Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 339.
[30] in Código de Processo Civil anotado, Vol. III, p. 272
[31] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, ed. 1985, p. 456 e s.
[32] In Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 349-352.
[33] Vd. Antunes Varela, ob. cit. p. 453 (nota de rodapé).
[34] Vd. Teixeira de Sousa, As partes, O objeto e a Prova na Acção Declarativa, pp. 259-260
[35] Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores”, in IDET-Miscelâneas, nº 3, Almedina, 2004, p. 43
[36] Apud David Nunes dos Reis, “Administradores de Facto, Vinculação e Responsabilidade por Omissão”, Almedina, 2021, p. 25.
[37] Nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed., pags. 350 e ss.
[38] Doc. 1 junto com o req. de 27.02.2020 do credor Banco Santander Totta (fls. 175v. e s.)
[39] Como é referido por Luis F. Pires de Sousa, “O conhecimento como facto gera múltiplos indícios decorrentes da necessidade do ser humano realizar uma conduta adaptativa face ao meio que o rodeia. A adaptação constitui precisamente um signo de que o indivíduo recebeu informação sobre o meio. A máxima de experiência aqui subjacente poder-se-á expressar assim: diz-me o que fazes e dir-te-ei o que se passa.” (em Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª e., p. 295).
[40] Doc. 4 junto com a resposta de C. à oposição do recorrente (fls. 4503vº e ss.)
[41] Sendo do conhecimento publico que um dos requisitos para licenciamento dos clubes para competições profissionais (1ª e 2ª ligas) é a regularidade da situação contributiva perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social.
[42] In Direito Probatório Material, Almedina, p. 216.
[43] Conforme declarou, o contabilista da Azores (após a aquisição pela Alixir) era o seu contabilista pessoal e do Santa Clara.
[44] Nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed., pags. 350 e ss.
[45] Desde logo porque a culpa na criação e/ou no agravamento da situação da insolvência é aferida e valorada por critérios objetivos, no caso, pelo conteúdo normativo dos deveres de diligência e de tutela de interesses patrimoniais da sociedade administrada e dos respetivos credores subjacentes ao cargo de administrador de sociedade comercial e, por inerência, do respetivo património.
[46] Como foi feito pelo tribunal a quo que, na motivação da decisão de facto, justificou o teor da al. AD) como resposta restritiva “ao facto constante do despacho saneador (‘nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 (inclusive em março de 2019) a análise das contas das Azores Parque revelavam a situação de insolvência?’)” e com a transcrição dos arts. 20º, nº 1 e 3º, nº 2 do CIRE, relativamente a cujos elementos normativos aferiu da verificação dos pressupostos da situação da insolvência por referência a factos que considerou terem resultado da prova pessoal e documental produzida, e mais considerou que “(…) todas as testemunhas ouvidas relativamente a este facto foram unânimes a declarar que não estava em causa a situação de insolvência. Existia uma situação económica difícil decorrente da ausência de vendas (…).
[47] Nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed., pags. 350 e ss.
[48] Foi requerida pelo credor requerente BST, mas foi rejeitada por despacho de 22.10.2020 que não foi objeto de impugnação e, como tal, formou caso julgado formal sobre a questão.
[49] O recorrente S. requer que da decisão de facto consta que não foi apurado qualquer valor.
[50] Sobre os critérios ou bases de mensuração contabilística legalmente adotados, e sua problemática, vd. Ana Maria Gomes Rodrigues, Justo Valor, Uma Perspectiva Crítica e Multiisciplinar, em IDET, Miscelâncias nº7, Almedina, 2011, p. 69-133. Com pertinência ao caso destaca-se na síntese conclusiva da abordagem, a afirmação de que “(…) o justo valor não é um valor, mas vários valores para diferentes realidades em funçãoda abordagem adoptada.” (p. 130).
[51] Como é referido por Luis F. Pires de Sousa, “(…) quando se afirma que o facto x está provado, o que se afirma é que as provas produzidas (cf.art. 413º do CPC) constituem esteio suficiente para confirmar uma determinada hipótese sobre tal facto.” (em Direito Probatório Material, Comentado, Almedina, p. 11).
[52] A recorrente utiliza o termo ‘revogação’, mas impropriamente posto que este reporta expressamente à sentença ou despacho que dirime ou regula a situação ou litígio submetido a juízo e que, para o efeito, conclui com um dispositivo ou comando final relativamente ao qual a decisão de facto não tem qualquer autonomia, valor impositivo ou regulador que cumpra revogar, mas sim e apenas alterar, aditar ou eliminar.
[53] Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 329.
[54] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, vol. II, ps. 92, 99 e 101.
[55] Acórdão de 17.10.2019, disponível na página da dgsi.
[56] Documentos 4, 5 e 6 apresentados com o requerimento inicial do incidente do credor BST.
[57] Artigo 2 das alegações de recurso.
[58] Conclusões 14º a 211º e 261º a 274º das alegações de recurso.
[59] Conclusões 212º a 260º das alegações de recurso.
[60] Competência reconhecida à jurisdição administrativa por acórdão do Tribunal de Conflitos de 18.01.2022n, tirado no âmbito da ação 1297/20.5T8PDL-A.L1-A.S1 que o BST instaurou contra o Município de Ponta Delgada e ALixir Capital (Lisbon), Ldª pedindo a declaração de nulidade da venda da participação social por aquele detida na Azores Parque, SA, EM com fundamento, em síntese, na alegação de que” o contrato de compra e venda de ações celebrado entre o MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA e a ALIXIR CAPITAL não tem qualquer substrato real e foi celebrado com o único propósito de permitir que o MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA se pudesse furtar à assunção das responsabilidades que tinha e tem no passivo da AZORES PARQUE” acórdão no qual se considerou o facto de na ação o autor alegar “que a venda ocorreu em violação da Lei nº50/2012  Lei n.º 50/2012 (que aprova o regime jurídico da actividade empresarial local e das participações locais - RJAELPL), designadamente da alínea d), do n.º 1, do seu art. 62.º,” e de a apreciação das questões por ele enunciadas implicar “uma análise da actividade do município na fase pré-contratual”.
[61] Para salvaguardar todas as soluções plausíveis de direito.
[62] Sem prejuízo, com as palavras de Catarina Serra sempre se dirá que a insolvência enquanto impossibilidade de cumprir “não coincide necessariamente com – e por isso não significa – uma situação patrimonial líquida negativa (superioridade do passivo face ao activo). (…) pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por lhe faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado.” (Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2.ª edição, 2021, p. 56).
[63] Omissão que é legalmente erigida a fundamento de qualificação da insolvência apenas se concretamente demonstrado nexo de causalidade adequada entre a omissão da apresentação da devedora à insolvência no prazo legal e o agravamento da insolvência, nos termos previstos pelos arts. 18º e 186º, nº 3, al. a) do CIRE, anotando-se que a venda de participação no capital social de sociedade em situação de insolvência à data da transmissão não constitui per se causa de agravamento da insolvência e que, sendo as contas da Azores, SA, EM e as reservas e ênfase que às mesmas são feitas pelo respetivo ROC do conhecimento público, ‘só’ após a transmissão da participação social da CMPD e do subsequente incumprimento de prestações emergentes de financiamentos bancários até aí objeto de acordos de moratórias e vencidas, na sua maioria, em maio de 2019, vem a ser requerida a insolvência da Azores pelo BST, o seu maior credor (veja-se o alegado nos arts. 122º a 124º e 135º da petição inicial do processo de insolvência).
[64] Na qualidade e estatuto de gestores públicos estão sujeitos ao Estatuto do Gestor Público aprovado pelo Decreto Lei nº 71/2007 de 27.03 (cfr. art. 30º, nº 4º do RJAEL) – nesse sentido, Ricardo Costa, Órgãos de empresas públicas: entre o interesse público e o direito societário, em ‘Diálogos com Coutinho de Abreu – Estudos oferecidos no aniversário do professor’, Almedina, 2020, disponível em https://www.ricardo-costa.com/data/FILEP_69_20201220151824.pdf
[65] Empresas Municipais, SA (“S.” de Sociedades, “A.” de Anómalas) e a Aplicação do CIRE, Associação de Estudos de Direito Regional e Local, Braga, 2015.
[66] Cfr. art. 19º, nº 1, 4 e 5 da RJAEL:
1 - São empresas locais as constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em razão da verificação de um dos seguintes requisitos (…).
4 - As empresas locais são pessoas coletivas de direito privado, com natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana, consoante a influência dominante prevista no n.º 1 seja exercida, respetivamente, por um município, dois ou mais municípios ou uma associação de municípios, independentemente da respetiva tipologia, ou uma área metropolitana.
5 - A denominação das empresas locais é acompanhada da indicação da sua natureza municipal, intermunicipal ou metropolitana, respetivamente E. M., E. I. M. ou E. M. T.
[67] Conforme princípio geral previsto pelo art.º 6º nº 1 da RJAEL, A constituição de empresas locais e as participações previstas no n.º 3 do artigo 1.º e no artigo 3.º devem ser fundamentadas na melhor prossecução do interesse público e, no caso da constituição de empresas locais, também na conveniência de uma gestão subtraída à gestão direta face à especificidade técnica e material da atividade a desenvolver.
E mais se prevê, no art.º 20º, nº 5 (Objeto Social):
Não podem ser constituídas empresas locais nem adquiridas participações que confiram uma influência dominante, nos termos previstos na presente lei, cujo objeto social não se insira nas atribuições dos respetivos municípios, associações de municípios, independentemente da respetiva tipologia, ou áreas metropolitanas.
No art.º 22º, nº 1 (Constituição de empresas locais):
 A constituição das empresas locais ou a aquisição de participações que confiram uma influência dominante, nos termos da presente lei, é competência dos órgãos deliberativos das entidades públicas participantes, sob proposta dos respetivos órgãos executivos.
No art.º 31º (Princípios de gestão):
A gestão das empresas locais deve articular-se com os objetivos prosseguidos pelas entidades públicas participantes no respetivo capital social, visando a satisfação das necessidades de interesse geral ou a promoção do desenvolvimento local e regional, assegurando a viabilidade económica e o equilíbrio financeiro.
No art.º 37º (Orientações estratégicas):
2 - A competência para a aprovação das orientações estratégicas pertence ao órgão executivo da entidade pública participante.
3 - As orientações estratégicas referidas nos números anteriores definem os objetivos a prosseguir tendo em vista a promoção do desenvolvimento local e regional ou a forma de prossecução dos serviços de interesse geral, contendo metas quantificadas e contemplando a celebração de contratos entre as entidades públicas participantes e as empresas locais.
[68] Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, Almedina, 2007, p. 95, apud Carlos Batalhão, ob. cit., p. 43.
[69] Procedimento contabilístico que consiste na agregação das demonstrações financeiras de um grupo económico ou empresarial para apresentação de resultados na ‘entidade-mãe’ como se de uma entidade única se tratasse, com o objetivo de permitir analisar e aferir o estado financeiro e a evolução do grupo de forma global.
[70]  Diploma que aprovou o regime jurídico da recuperação financeira municipal.
[71] Carlos Batalhão, ob. cit., p. 86.
[72] Idem, p. 91
[73] Ob. cit. p. 95.
[74] Setor Empresarial Local - O Enfoque sobre as Empresas Locais, Publicações CEDIPRE Online – 21 http://www.cedipre.fd.uc.p, Coimbra, julho de 2014 (Centro de Estudos de Direito Público e Regulação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), p. 65.
[75] Diploma que aprovou a Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais.
[76] Diploma que revogou a Lei 58/98 e aprovou o Regime Jurídico do Sector Empresarial Local (RJSEL) que, de acordo com Pedro Gonçalves
[77]  Ob. cit. p. 66-67.
[78] Idem, p. 105.
[79] Paulo Henrique Vaz Alvarenga, texto cit. p. 57.
[80] No sentido da natureza subsidiária da lei comercial, aplicável apenas na ausência de regulação expressa no RJAEL, Pedro Costa Gonçalves, ob. cit. p. 117.
[81] Ivone Fernandes Cordeiro, (In)cumprimento legal e Viabilidade das Empresas Municipais: Estudo de Caso das Empresas do Município de Lisboa , Dissertação de Mestrado em Contabilidade da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, 2012, p. 2, disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/74634/2/24957.pdf
[82] Ob. cit. p. 112-115.
[83] Ob cit. p. 111.
[84] Texto cit., p. 59.
[85] Análise Empírica da Dissolução das Empresas Municipais, Dissertação de Mestrado em Administração Pública da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, 2017, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/54876/1/Gisele%2bFaria%2bGaio%2bJunqueira.pdf
[86] Estava em causa a “(im)possibilidade legal de o Município (…), abstendo-se de determinar a dissolução obrigatória da empresa local e decidindo ilegalmente mantê-la em atividade, celebrar um contrato com essa empresa, contrato esse que, além do mais, assegura o financiamento dessa atividade.”, relativamente ao que o Tribunal de Contas concluiu “Não há dúvida de que a autarquia infringiu a lei ao não dissolver a empresa e ao decidir manter e financiar a sua atividade.
[87] Estabelece que Se o contrato de sociedade não tiver sido celebrado na forma legal ou o seu objecto for ou se tornar ilícito ou contrário à ordem pública, deve o Ministério Público requerer, sem dependência de acção declarativa, a liquidação judicial da sociedade, se a liquidação não tiver sido iniciada pelos sócios ou não estiver terminada no prazo legal.
[88] Estabelece que 1 - Antes de tomar as providências determinadas no artigo anterior, deve o Ministério Público notificar por ofício a sociedade ou os sócios para, em prazo razoável, regularizarem a situação.//2 - A situação das sociedades pode ainda ser regularizada até ao trânsito em julgado da sentença proferida na acção proposta pelo Ministério Público. Sendo que, no contexto, a regularização da situação corresponde à deliberação de dissolução pelo órgão deliberativo do Município (Assembleia Municipal).
[89] Tese pela qual, de resto, terá enveredado o credor requerente da insolvência e do incidente BST posto que nos termos do art.º 82º, nº 3 do CIRE Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir: a) As acções de responsabilidade que legalmente couberem, em favor do próprio devedor, contra os fundadores, administradores de direito e de facto, membros do órgão de fiscalização do devedor e sócios, associados ou membros, independentemente do acordo do devedor ou dos seus órgãos sociais, sócios, associados ou membros; b) As acções destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência; sendo que na pendência do processo de insolvência da Azores, SA aquele credor instaurou ação de responsabilização contra os aqui recorridos, pendente sob o nº 2509/22.6T8PDL, pela qual e, no essencial, com os mesmos fundamentos aqui invocados pela massa insolvente, peticionou a condenação daqueles no pagamento à massa insolvente da quantia de €5.918.769,00, ação para a qual não teria legitimidade ativa caso se entendesse que o processo de insolvência abrange a Azores enquanto Empresa Municipal Local. 
[90] Ob. cit. p. 29-30.
[91] Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, “Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores”, in IDET-Miscelâneas, nº 3, Almedina, 2004, p. 43.
[92] Apud David Nunes dos Reis, “Administradores de Facto, Vinculação e Responsabilidade por Omissão”, Almedina, 2021, p. 25.
[93] “Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores”, Almedina, p. 201
[94] “Administradores de Facto, Vinculação e Responsabilidade por Omissão”, Almedina, 2021, p. 23
[95] Sobre esta designação e suas características, vd. Ricardo Costa, “Os Administradores de Facto das Sociedades Comerciais, Almedina, 2016, Ana Perestrelo de Oliveira, “A Designação de Administradores”, Almedina, 2015, p. 229, e David Nunes dos Reis, “Administradores de Facto, Vinculação e Responsabilidade por Omissão”, Almedina, 2021.
[96] “Responsabilidade Civil Societária dos Administradores de Facto”, in Temas Societários, IDET/Almedina, Coimbra, 2006, p. 29, nota 4.
[97] David Nunes dos Reis, ob. cit., p. 27 e s.
[98] Ob. cit., p. 230.
[99] Beatriz Alves da Silva, Análise do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de abril de 2015, Mestrado de Direito Empresarial da Faculdade de Direito da Universidade Católica, Escola de Lisboa, 24.06.2019, p. 6 – disponível em
https://www.academia.edu/39764661/AN%C3%81LISE_DO_AC%C3%93RD%C3%83O_DO_TRIBUNAL_DA_RELA%C3%87%C3%83O_DE_COIMBRA_DE_14_DE_ABRIL_DE_2015_Insolv%C3%AAncia_Culposa_Administrador_de_Facto_
[100] Idem, p. 3.
[101] Metodologia a que se impõe recorrer para distinguir entre o administrador de facto e os ´gerente de comércio, ‘preposto’,  ou Diretor que esteja fora do órgão da administração da sociedade.
[102] Defendendo e justificando a responsabilização cumulativa do administrador de direito e do administrador de facto, vd. Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, ob. cit. Na jurisprudência, acórdão da RC de 22.11.2016, processo nº 2675/13.1TBLRA-E.C1, e acórdão desta Relação e secção de 23.03.2021, proc. nº 1396/11.4TYLSB-B.L1, disponível na pagina da dgsi.
[103] Texto cit., p. 10.
[104] Vd. Manuel Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, ROA, Ano 66, Set. 2006.
[105] Nesse sentido, entre outros, ac. STJ de 15.02.2018, proc. nº 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, e ac. da RP de 21.02.2019, proc. n.º 1733/15.2T8STS-B.P1.
[106] Sobre a conexão entre as causas de qualificação da insolvência previstas pelas als. h) e i) do nº 2 e al. b) do nº 3 do art. 186º e a (potencial) criação ou agravamento da situação de insolvência, vd. Soveral Martins, Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores, Almedina, p. 315-317.
[107] Nas palavras do Tribunal Constitucional, acórdão nº 570/2008 de 26.11.2008, “Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa.//(…).// Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vanta­gem de evitar a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. São objectivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objecto de prova, mediante a imposição normativa (ex vi legis) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais.”
[108] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Iuris, Vol. II, p. 15.
[109] Carina Magalhães, Incidente de Qualificação da Insolvência. Uma Visão Geral, em Estudos de Direito da Insolvência, Coord. Maria do Rosário Epifânio, Almedina, 2015, p. 121.
[110] A este respeito Carneiro da Frada justifica que “a inadmissibilidade dessa prova não é todavia (em geral) excessiva, enquanto puder justificar-se como forma enérgica de dissuadir insolvências e estão com elas intimamente ligadas. É isso que justifica a declaração da insolvência como culposa sem necessidade de mostrar a ligação entre a conduta censurada e a concreta insolvência ocorrida (vedando a prova em contrário ou aceitando que a superveniência de elementos fortuitos que codeterminaram a insolvência não exclui essa insolvência culposa.” (texto cit.)
[111] Texto citado.
[112] No sentido de que incide sobre a decisão enquanto conclusão de certos fundamentos, e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (vd. comentário de Miguel Teixeira de Sousa ao acórdão de RE de 11.05.2017 em https://blogippc.blogspot.com)
[113] Estabelece que Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
[114] A. Geraldes,Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed. atualizada, p. 139.
[115]  “[O] preceito [agora artigo 636 do CPC] só se aplica quando o tribunal recorrido tenha efectivamente conhecido o fundamento em causa, julgando-o improcedente: a parte vencedora há-de ter nele decaído. Se, ao invés, tal fundamento, invocado pela parte em 1.ª instância, não tiver chegado a ser apreciado (designadamente por ser subsidiário e proceder o pedido principal, ou por proceder um dos fundamentos em alternativa), o tribunal de recurso não deixará de o conhecer, sem necessidade de requerimento de ampliação, se julgar improcedente o pedido tido por procedente pelo tribunal recorrido: esse fundamento constitui já objecto do recurso.”
[116] Disponível na página da dgsi.
[117] Arts. 267º a 271º e 274º a 277º das suas alegações de recurso.
[118] Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores”, Almedina, p. 300, 302 e 306; subl. nosso.
[119] Para este efeito – presunção inilidível de conhecimento de situação de insolvência – não releva o critério de insolvência especificamente previsto pelo nº 2 do art. 3º para as pessoas coletivas, de passivo manifestamente superior ao ativo, designado critério do balanço. Nesse sentido, Soveral Martins, ob. cit. p. 307. 
[120] Entre outros, arts. 190º e 256º das alegações de recurso: “Da análise conjugada de todos os elementos probatórios resulta manifesta a situação de insolvência da sociedade Azores Parque antes da venda das participações sociais à sociedade Alixir.” “Em suma, uma vez mais, considerando correctmente todos os elementos probatórios constantes dos autos, teria o tribunal a quo necessariamente de concluir que a sociedade Azores Parque estava já, pelo menos desde 2016, insolvente. (…).
[121] Cfr. resulta da descrição do extrato bancário conduzida à nota 53.
[122] Em Garantia Patrimonial e Prejudicialidade, Um estudo sobre a resolução em benefício da massa, Almedina, 2017, p. 152 e s.
[123] Embora se discorde do enquadramento de parte dos mesmos na al. f) do nº 2 do art 186º posto que o ato de usar ou utilizar crédito ou bens da devedora aqui previsto não se confunde com o ato de dispor dos bens ou dos créditos da devedora, antes reporta à concreta afetação dada a bens e/ou créditos do ativo da devedora para fins distintos da sua atividade mas que se mantêm na sua disponibilidade jurídica, o que não é o caso dos imóveis e das quantias monetárias objeto dos atos que fundamentam a qualificação da insolvência como culposa pela sentença recorrida, cuja propriedade foi transmitida a terceiros.
[124] Com as alterações introduzidas ao teor dos nº 2, al. e) e  nº 4 pela Lei nº 9/2022 de 11.01.
[125] Coutinho de Abreu, “Responsabilidade civil dos administradores”, apud Ricardo Costa, “Os administradores de facto das sociedades comerciais”, Coimbra, 2012, p. 781, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/24344/4/OS%20ADMINISTRADORES%20DE%20FACTO%20DAS%20SOCIEDADES%20COMERCIAIS.pdf
[126] Vd. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, 7ª ed., pág. 159.
[127] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/2015 de 20.05, apud Catarina Serra, O incidente de Qualificação da Insolvência depois da Lei nº 9/2022, em Revista Julgar nº 48, 2022, p. 25.
[128] Veja-se que o art.º 406º, al. e) do CSC estabelece que  Compete ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente sobre: (…) e) Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis;.
[129] Expressão de S. em audiência.
[130] Ob. cit. pág. 781.
[131] Ao completo arrepio, anota-se, do projeto de negócios apresentado com a proposta de aquisição a Azores no âmbito da hasta pública realizada para a sua venda.
[132] Ob. cit. p. 29-30.
[133] Diferenciação que não é afetada pela natureza solidária que o legislador atribuiu à obrigação de indemnização determinada por efeito da afetação pela insolvência culposa pois, como é dito por Antunes Varela, referindo-se ao art.º 512º do Código Civil,  “a obrigação não deixa de ser solidária, acrescenta ainda a lei, por ser diferente o conteúdo da prestação de cada um deles. Com isto quer o texto significar (dando como assente que a diversidade de conteúdo da prestação se não refere apenas às relações internas) que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de um dos obrigados responder apenas pelo capital, enquanto o outro responde pelo capital e pelos juros, ou até de ser diferente a soma por que um e outro são responsáveis (dever um 100 e outro 80 apenas). No entanto, em qualquer destes casos, só há verdadeira solidariedade em relação à parte comum da responsabilidade (quanto ao capital, no primeiro exemplo; quanto à soma menor, no segundo). Só essa parte comum corresponde à prestação integral por que responde cada um dos devedores, nos termos do nº 1 do art.º 512º.// Nesse sentido, pode realmente considerar-se requisito essencial da solidariedade a identidade da prestação, visto só haver obrigação solidária relativamente à prestação (ou parte da prestação) por que responde qualquer dos devedores ou que qualquer dos credores tem a faculdade de exigir, por si só.” (Das obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 6ª ed., p. 726 e s.).
[134] Que, de resto, bem se compreende, para obviar à tentação de os credores transformarem o incidente de qualificação em ações de responsabilização societária nos termos do art. 78º do CSC que, além do mais, obliterava a exclusiva legitimidade que para o efeito e na pendência do processo o art.º 82º, nº 3, al. b) do CIRE atribui ao administrador da insolvência.
[135] Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça acolheu no acórdão de 12.12.2023
[136] Nesta parte divergimos da restrição das especificações previstas pelo nº 4 ao plano das relações internas defendida por Henrique Sousa Antunes no caso de pluralidade de afetados para sustentar e manter que o montante dos créditos não satisfeitos é a medida da obrigação de indemnizar prevista pelo nº 2  (em “Natureza e funções da responsabilidade civil por insolvência culposa”, em V Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação Catarina Serra, Almedina 2019, p. 135 e ss.).
[137] Revista Julgar nº 48, setembro 2022, p. 26 a 31.
[138] Nesse sentido, acórdãos da RL de 27.04.2021, proc. nº 540/19.8T8VFX-C.L1, do STJ de 22.06.2021 (proc. 439/15.78OLH-J.E1.S1), e de 06.09.2022 (proc. 291/18.0T8PRG-C.G2.S1)
[139] CPC Anotado, I Vol., 2ª ed., p. 617.
[140] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, páginas 355 a 358.
Decisão Texto Integral: