Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
45/18.4TNLSB-C.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA ESTRANGEIRA
JUROS COMPULSÓRIOS
LIQUIDAÇÃO
PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Os juros compulsórios são juros legais especiais, constituindo uma taxa de juros ao ano que se enquadra na chamada sanção pecuniária compulsória, operando automaticamente, sem qualquer intervenção do juiz, desde a data do trânsito em julgado da sentença, sempre que esta condene num pagamento em dinheiro corrente, acrescendo aos juros de mora ou outra indemnização a que haja lugar.
2. Executando-se obrigação pecuniária, a liquidação dos juros compulsórios pelo agente de execução deve ser feita a final, nos termos do art.º 716.º, n.º 3, do CPC, não dependendo de requerimento do exequente, nem de qualquer outro pressuposto ou condição para além do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária.
3. Considerando a equiparação entre decisões nacionais e decisões estrangeiras como título executivo, expressamente consagrada no art.º 41.º, n.º 1, 2.ª parte, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12.12, a sanção compulsória na sua variante de juros compulsóriosm, prevista no art.º 829.º-A, n.º 4, do CC, não se aplica só às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses, mas também às proferidas pelos tribunais dos estados que fazem parte da União Europeia, como é o caso da Grécia.
4. Os juros compulsórios correspondentes à sanção legal prevista no art.º 829.º-A, n.º 4, do CC não gozam da regra de precipuidade (cf. art.º 541.º do CPC), pelo que só podem ser pagos pelo executado, não pelo credor (exequente ou reclamante).
5. Logo, o valor correspondente aos juros compulsórios não deverá ser retirado, de forma precípua, do produto da venda dos bens penhorados, antes competindo ao agente de execução, após liquidação de tais juros, notificar o executado dessa liquidação, para que este proceda ao pagamento no prazo que lhe for fixado (art.º 716.º, n.º 3, do CPC).
6. Na falta desse pagamento, compete à secretaria judicial promover a entrega à administração tributária da certidão daquela liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas (art.º 35.º, n.º 2, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019).
7. Até à entrada em vigor daquela portaria, a entrega da certidão de liquidação é efetuada através da plataforma eletrónica da Autoridade Tributária e Aduaneira ou, em alternativa, em suporte físico (art.º 9.º da Lei n.º 27/2019).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
NBG, S.A., intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra FM Ltd., de que os presentes autos constituem apenso, com vista ao pagamento coercivo, por esta, da quantia de €2.271.274,58, sendo:
a) o montante equivalente em euros a 2.500.000 dólares dos Estados Unidos da América, a título de capital, nos termos declarados na sentença proferida no dia 24 de janeiro de 2018, pela Primeira Instância do Tribunal de ____, Grécia, dada à execução;
b) €30.700 a título de custas, também declaradas naquela sentença estrangeira;
c) o restante a título de juros vencidos até à data da instauração da ação executiva, sobre o capital referido em a), nos termos igualmente indicados naquela sentença, a que acrescem os juros de mora vincendos, sobre o capital indicado em a), contados a partir a partir da data referida em c), até integral pagamento.
Consta do requerimento executivo, além do mais, o seguinte:
«Factos:
A presente é uma execução de sentença estrangeira, emitida pelos tribunais de um Estado Membro da União Europeia (a Grécia) e devidamente certificada como executória pelas Justiças desse Estado.
A presente execução tem a natureza de uma execução hipotecária sobre um Navio, propriedade da Executada e com hipoteca a favor da Exequente, que se encontra em porto nacional, já sujeito a dois arrestos, sendo um deles um arresto de natureza hipotecária a favor da Exequente, requerendo-se a correspondente conversão desse arresto em penhora.
O Título Executivo:
1. O título da presente execução é uma sentença emitida pelo Tribunal de Primeira Instância de Pireus, Grécia.
2. A referida sentença encontra-se incorporada numa certidão de decisão em matéria civil e comercial, emitida pelo referido tribunal nos termos do artigo 53 do REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO Relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a qual certidão se junta e dá por reproduzida como Doc. 1 (devidamente apostilhada e acompanhada de tradução certificada)
3. A sentença em causa, a qual se designa por “Ordem de pagamento”, é igualmente junta como Doc. 2, apostilhada e acompanhada de tradução certificada.
4. A sentença ordenou a um conjunto de Réus, nos quais se incluiu a Executada, solidariamente, que paguem à Exequente “o equivalente em Euros ao montante de 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) Dólares dos Estados Unidos da América do Norte, a calcular à taxa de conversão aplicável publicada pela Exequente na data de pagamento, acrescida de juros de mora desde 21 de Outubro de 2016, acrescidos de juros de mora sobre juros não pagos, calculados e contados semestralmente até integral pagamento” e também lhes ordenou, solidariamente, que paguem à Exequente o montante de €30.700 (trinta mil e setecentos Euros) a título de custas processuais.
5. A Exequente, nos termos da solidariedade passiva acima decretada, exige, por esta via, o pagamento à Executada, executando-a nos termos deste requerimento.
6. Nos termos do nº 1 do artigo 42º do Regulamento 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, junta-se a este requerimento uma cópia da decisão, satisfazendo as condições necessárias para atestar a sua autenticidade (no caso, está certificada e apostilhada) – corresponde a Doc. 2 acima junto.
7. Nos termos do nº 2 do artigo do mesmo artigo do mesmo regulamento, junta-se a certidão emitida nos termos do artigo 53.º do mesmo regulamento, confirmando que a sentença é executória – corresponde a Doc. 1 acima junto.
8. Junta-se, igualmente, atendendo ao disposto no artigo 43º, nº 1 do aludido regulamento, como Docs. 3 e 4, comprovativos de notificação à Executada da certidão emitida nos termos do artigo 53º do aludido regulamento. A mesma foi notificada, quer à Executada, quer ao agente de processamento nos termos do contrato de empréstimo em causa. Tudo apostilhado e acompanhado de tradução.
Pedido:
Deste modo, pede-se a execução do património da Executada (o Navio hipotecado, descrito abaixo) para pagamento da quantia declarada na sentença que serve de título executivo a esta execução:
- O equivalente em Euros ao montante de 2.500.000 Dólares dos Estados Unidos da América, acrescidos dos juros conforme indicado na sentença, acrescido ainda de
- €30.700 a título de custas, também declaradas na sentença.
Este valor, à taxa de conversão do dia de hoje e calculados os juros (tudo conforme detalhado na “liquidação” à frente neste requerimento) ascende, à data de hoje, à quantia de €2.271.274,58.
Mais se pede a execução pelos juros vincendos até integral pagamento.»
*
Consta da ação executiva um documento intitulado «Auto de Penhora», com data de 19 de janeiro de 2021, do qual consta, além do mais, o seguinte:

Limite da penhoraDívida exequendaDespesas prováveisTotal
2.271.274,58355.108,882.626.383,46

«Produto da venda antecipado do navio denominado OV, com nº ____, ocorrida no processo nº __/__._TNLSB, do Tribunal Marítimo de Lisboa, Secção Única, o qual se encontra depositado por depósito autónomo no montante de 701.157,88 Euros, com a referência de depósito nº ____ de __-__-____.»
*
NEPV, S.A., reclamou créditos por apenso à ação executiva um crédito no montante de € 20.623,76, acrescido de € 7.779,96, a título de juros de mora vencidos à taxa dos juros comerciais, garantido por arresto do navio penhorado no processo principal.
*
No dia 28 de abril de 2022, o senhor agente de execução apresentou na ação executiva o seguinte requerimento:
«(...) notificado da reclamação de créditos apresentada vem requer a V. Exa que se digne emitir a competente sentença de creditos bem como se digne autorizar a transferencia do produto da venda antecipado da venda para a conta executado do Agente de Execução para que possa realizar os competentes pagamentos.
Desde ja se requer que se digne informar se são devidos valores ao Estado de custas e de juros compulsorios, sendo que relativamente aos juros compulsorios são devidos mas apenas depois de pagos as custas, os honorarios do AE, a quantia exequenda, as reclamações que sejam admitidas.»
*
Notificado para se pronunciar sobre tal requerimento, o exequente respondeu no dia 19 de maio de 2022, defendendo que:
- sendo o título desta execução uma sentença estrangeira, não são aplicáveis os juros compulsórios previstos no art.º 829.º-A, n.º 4, do CC;
- a entender-se diferentemente, isto é, que os juros compulsórios são devidos, deve ser dada a prioridade de pagamento às custas (incluindo os honorários do Exmo. Senhor Agente de Execução) e aos créditos exequendos face aos juros compulsórios, que só podem ser pagos em último lugar.
*
No dia 30 de março de 2023 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, que transitou em julgado, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nestes termos, e com tais fundamentos, julgo reconhecido o crédito reclamado e procedo à sua graduação juntamente com o exequendo da seguinte forma, para efeitos de pagamento:
«1. Crédito reclamado no montante de €20.413,76, acrescido do montante de €7.700,74 correspondente aos juros de mora vencidos à taxa dos juros comerciais;
2. Crédito exequendo;
3. Crédito reclamado no montante de €210, acrescido do montante de €79,22, correspondente aos juros de mora vencidos à taxa dos juros comerciais.»
*
Sobre o requerimento apresentado pelo senhor agente de execução no dia 28 de abril de 2022, recaiu o extenso despacho datado de 20 de abril de 2023 (Ref.ª Citius __), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nestes termos, e com tais fundamentos, determino que o Exmo./a. Senhor/Senhora Agente de Execução proceda à liquidação dos juros compulsórios previstos no art. 829.º-A, n.º 4, do CC aquando do cumprimento do disposto no art.º 716.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, devendo aqueles ser pagos antes dos créditos de capital exequendo e reclamado.»
*
É deste despacho que a exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«Questão A
A. Numa execução, como a dos presentes autos, em que se verifica que o montante obtido dos bens vendidos e penhorados (neste caso, bem único, um navio estrangeiro, de executado estrangeiro) fica aquém (substancialmente in casu) da quantia exequenda e dos créditos reconhecidos (cerca de €2.300.000,00 de quantia exequenda contra cerca de €655.000,00 de valor obtido) não pode haver lugar à liquidação e pagamento dos juros compulsórios, quer do credor, quer do Estado, previstos no artigo 829.ºA/4 do Código Civil, por uma multiplicidade de razões.
B. Em primeiro lugar, constatar que, se existir essa liquidação e pagamento, a parte desses juros que competir ao Estado Português significa uma perda correspondente pelo credor.
C. No caso dos autos, em que o Tribunal recorrido, além de estabelecer a obrigatoriedade dessa liquidação, estabeleceu a prioridade desses juros compulsórios sobre os créditos exequendo e reclamados, a perda do credor exequente ascende à módica quantia de cerca de €290.000,00! Se fossem aplicáveis, mas sem a dita prioridade, mesmo assim, continuaria a existir uma perda considerável do credor.
D. As tais múltiplas razões para a dita interpretação são as seguintes: Elemento teleológico de interpretação (art.º 9/1 do CC): Sendo evidente que a intenção do legislador com a instituição do sistema dos juros compulsórios foi o reforço do cumprimento de sentenças, instituindo nova penalidade (meio de pressão) sobre o devedor, está absolutamente proibido qualquer resultado interpretativo que leve a que, num caso concreto, quem seja penalizado seja, não o devedor, mas o credor. Tal elemento teleológico é imperialmente retumbante na questão candente, fazendo com que, no processo interpretativo, se tenha de ajustar a previsão da norma a casos (como o presente) em que o montante obtido está aquém do montante exequendo e neles decretar, sem particulares dúvidas, que não haverá qualquer pagamento de tais juros compulsórios (seja a parte do credor, seja a parte do Estado). Admitir, em casos destes, essa liquidação significa fazer manifesta interpretação errada dessa norma.
E. Além do elemento teleológico de interpretação já referido, verificar-se-ia uma situação verdadeiramente anti-jurídica, posto que, visando-se assegurar a tutela efectiva de um direito creditício, se instituiria uma solução que dita a sua perda parcial. Uma norma do processo executivo assim interpretada constituiria uma solução anti-sistemática.
F. Aconteceria, ainda, a violação de princípios constitucionais: i) o da proporcionalidade (artigo 18 da CRP), que surge auto-explicado pela “potência” dos números de perda do exequente para o estado Português neste caso; o da propriedade privada (artigo 62/1 da CRP), pela ablação do direito creditício do exequente em favor do estado Português; o da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20 e 268/4 da CRP, porquanto o sistema de execução de um crédito contemplaria norma que diminui (dramaticamente no caso dos autos) essa tutela (recuperação de crédito) e o próprio princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP) posto que a percepção pelo Estado de juros compulsórios em detrimento do credor não está protegida pela legitimidade de cobrança de que outras quantias disfrutam, como, por exemplo, as custas judiciais. O Estado Português inteirar-se-ia assim a uma quantia com o fundamento numa lei mal interpretada, uma solução legal absolutamente anti-jurídica. Nesta linha, constatar ainda que tal sistema se comportaria, não como uma ferramenta de dissuasão do incumprimento pelo devedor, mas um estímulo a esse incumprimento.
G. Ressalvando que sufragamos não serem devidos os juros compulsórios neste caso, seja com que graduação face a outros créditos for, sem jamais conceder e reservando direitos impugnatórios, haverá que olhar, por cautela de patrocínio, especificamente para a questão dessa graduação. Nesse particular, jamais tais juros compulsórios poderiam ter prioridade sobre o crédito exequendo e outros reconhecidos. Com efeito, os juros compulsórios não estão incluídos nas quantias que a lei diz saírem precípuas da quantia obtida pela venda dos bens penhorados no artigo 541 do CPC, não sendo admitida qualquer aplicação analógica. A ausência na lei de qualquer regime idêntico para os juros compulsórios não significa qualquer lacuna. O legislador, simplesmente, deu-lhes o tratamento normal, que é o de não estabelecer a sua prioridade de pagamento na execução, tratando-os como créditos comuns (e, como já vimos, a serem pagos depois dos restantes pelas razões acima referidas).
H. É inaplicável ao caso o artigo 785/1 do CC pois tal disposição tem aplicação apenas na relação credor-devedor em matéria de imputação de pagamentos quando o devedor os processa insuficientes e nada tem a ver com regras de prioridade de pagamentos em execução judicial. Tal comando normativo visa apenas regular os casos de um único credor quando este não receba o suficiente para liquidar a dívida e o devedor não proceda a qualquer designação, o que é intransponível para um cenário de execução em que o devedor não paga (é executado e penhorado), está passivo em termos de cumprimento e nada designa (imputa).
I. Finalmente, o despacho recorrido subverteria, de uma forma inaceitável, a graduação de créditos já efectuada nos autos (e bem), a qual foi ditada pela lei do Pavilhão do Navio (lei Maltesa), que não prevê, nem prioriza, quaisquer juros compulsórios. Prioriza e gradua, outrossim, os créditos restantes.
Questão B
A. A melhor interpretação a dar ao artigo 829º-A do CC é a de que a sanção compulsória (números 1 a 3) e a sua variante de juros compulsórios (número 4), aí previstas, só se aplicam a sentenças que sejam proferidas pelos tribunais portugueses. À execução em Portugal de uma sentença estrangeira, como é o caso dos autos (sentença Grega), tais dispositivos não são aplicáveis.
B. Tudo sopesado, forçoso é concluir que:
- O crédito por juros compulsórios previstos no artigo 829º-A/4 do CC (sejam os 2,5% do exequente, sejam os 2,5% do Estado) é um crédito comum, mas que só deve ser pago após integral pagamento das custas e créditos do AE - que saem precípuos - e dos créditos exequendos e de credores reconhecidos. Ou seja, só se este forem liquidados integralmente é que haverá pagamento dos juros compulsórios a favor de exequente e Estado Português;
- No limite dos limites, sem jamais conceder, por mera cautela de patrocínio e reservando direitos de impugnação mesmo nesse cenário, tal crédito de juros compulsórios seria crédito comum, sem qualquer prioridade sobre os créditos exequendos e de credores reconhecidos.
C. O (não obstante Douto) despacho recorrido fez, assim errada aplicação das várias normas alegadas nestas conclusões e deve ser revogado, substituindo-se por decisão que:
- Decrete a não liquidação, no caso concreto, desses juros compulsórios (ou a sua liquidação (estatísitica-indicativa), mas sem qualquer pagamento) ou
- (Sem jamais conceder, por mera cautela de patrocínio e reservando direitos de impugnação mesmo nesse cenário) que tais créditos de juros compulsórios são créditos a tratar em paridade com os créditos exequendos e de credores reconhecidos.»
Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.»[1].
No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório:
«Termos em que:
Deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que decrete dispostivo nos termos referidos na conclusão que antecede por essa ser a correcta aplicação do direito e dessa forma se fazer justiça!»
*
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
*
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, neste recurso importa decidir se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída:
a) por outra que, decrete a não liquidação, no caso concreto, de juros compulsórios ou a sua liquidação (estatística-indicativa), mas sem qualquer pagamento); ou, caso assim se não entenda,
b) por outra que os créditos de juros compulsórios aqui em causa são créditos a tratar em paridade com os créditos exequendos e de credores reconhecidos.
*
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que decorre do relatório que antecede.
*
3.2 – Fundamentação de direito:
Os juros compulsórios constituem uma inovação introduzida no Código Civil com adição do art.º 829.º-A, através do Dec. Lei n.º 262/83, de 16.06.
São juros legais, ou seja, cuja obrigação resulta diretamente da lei, ou seja, do n.º 4 daquele artigo[2], cuja redação é a seguinte: «Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.»
Trata-se de uma taxa de juros ao ano que se enquadra na chamada sanção pecuniária compulsória e que se vence automaticamente desde a data do trânsito em julgado da sentença, sempre que esta condene num pagamento em dinheiro corrente, que acrescem aos juros de mora ou outra indemnização que tenham lugar.
São, pois, uns juros especiais, que nem têm por fim ou função a remuneração do capital, isto é, não são remuneratórios, nem a indemnização pela mora, isto é, não são moratórios, assumindo antes uma função própria de compulsão, ou seja, de coagir o devedor a pagar: daí a sua designação de compulsórios ou coercitivos, pois intentam exclusivamente compelir, pressionar, coagir o devedor ao cumprimento, e não reparar ou indemnizar prejuízos, pois, para além de o próprio legislador as designar expressis verbis de compulsórias, elas operam sem prejuízo e acrescem à indemnização ou aos juros de mora que tiverem lugar ou forem devidos[3].
A propósito, escreve Calvão da Silva, a cujo entendimento aderimos, que «(...) o legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal, (...), a ordenação da sanção pecuniária compulsória, disciplina-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquele que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal. Daí a previsão adicional de juros de 5% no art.º 829.º-A, e não noutro lugar, designadamente no art.º 806.º, justamente porque tem carácter coercitivo e não indemnizatório.
No tocante ao âmbito de aplicação da sanção pecuniária compulsória legal, deve dizer-se que ela é constituída por todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais. É o que resulta do n.º 4 do art.º 829.º-A, ao prescrever serem automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente. Outro alcance não pode ser dado à disposição legislativa que não este: quer a sentença de condenação recaia sobre uma soma em dinheiro, cujo montante está estipulado contratualmente, quer a soma em dinheiro a pagar seja determinada pela própria decisão da justiça – como acontece na obrigação de indemnização, fixada em dinheiro, resultante da responsabilidade civil extracontratual ou contratual, a qual, no momento da fixação do quantum respondeatur, se converte de dívida de valor[4] em obrigação pecuniária, são automaticamente, de direito, devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença condenatória.»[5]-[6].
Ainda segundo o mesmo Autor, «(...) seja dito que o montante da sanção pecuniária compulsória legal - adicional de juros de 5% - se destina, em partes iguais, ao credor e ao Estado, em conformidade com a sua natureza coercitiva e com a sua independência da indemnização. Se, porém, tivesse a natureza de indemnização moratória, destinar-se-ia integralmente ao credor.»[7]-[8].
Assim, no caso concreto, havia, evidentemente, que dar lugar ao estrito cumprimento do disposto no art.º 829.º-A, n.º 4.
Trata-se de uma sanção legal, de funcionamento automático, independentemente de qualquer decisão do juiz
Conforme refere Lebre de Freitas, «a liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória: executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do executado [rectius: “do exequente»][9], devendo ser feita a final (art. 716-3); executando-se obrigação de prestação de facto infungível, o exequente tem de a requerer , quer já tenha sido fixada na sentença declarativa, quer se pretenda que seja pelo juiz de execução (art.ºs 868-1, 874-1 e 8776-1-c).»[10].
A parte desses juros destinada ao Estado (art. 829.º-A, n.º 3, do CC), não significa uma perda correspondente pelo credor.
Conforme escreve Delgado de Carvalho, «a obrigação de pagamento dos juros compulsórios não é da responsabilidade do credor exequente ou reclamante, dado que o sujeito passivo da obrigação de pagamento daqueles juros é a parte vencida na ação na qual foi proferida a sentença em execução ou, por outras palavras, a parte que tiver sido condenada quanto ao objeto do litígio (cf. art.º 829.º-A, n.º 4, do CC), salvo acordo em contrário das partes.
Assim, o responsável pelo pagamento dos juros compulsórios é sempre o executado.»
O Tribunal Constitucional, no seu Ac. n.º 218/2020, de 17.04.2020, Proc. n.º 397/2019, 3.ª Secção (Rel. Joana Fernandes Costa), acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200218.html, após afirmar que «o artigo 829.º-A acolheu duas distintas modalidades de sanção pecuniária compulsória, tendo em conta o tipo de obrigação cujo cumprimento se destina promover: a primeira, de natureza judicial, fixada pelo tribunal a requerimento do credor quando em causa esteja o cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível; a segunda, de natureza legal, previamente fixada por lei e de funcionamento automático, aplicável em caso de condenação no cumprimento de uma obrigação pecuniária de quantia certa», deixou bem claro que «a principal diferença entre as referidas espécies - previstas, respetivamente, nos n.ºs 1 e 4 do artigo 829.º-A do Código Civil - reside, assim, na circunstância de a primeira depender da iniciativa do credor e carecer de ser fixada judicialmente, de forma casuística e segundo critérios de equidade, ao passo que a segunda - também designada de juros compulsórios legais - opera automaticamente e pelo valor resultante da taxa anual legalmente fixada para o efeito, acrescendo a qualquer outra indemnização, incluindo moratória, a que haja lugar, sem qualquer outro pressuposto ou condição para além do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária[11]-[12]
Nenhuma inconstitucionalidade decorre, pois, do cumprimento do disposto no n.º 4 do art.º 829.º-A.
Contrariamente ao entendimento do apelante, «a sanção compulsória (números 1 a 3) e a sua variante de juros compulsórios (número 4), aí previstas», não se aplicam só «a sentenças que sejam proferidas pelos tribunais portugueses», pois «à execução em Portugal de uma sentença estrangeira, como é o caso dos autos (sentença Grega), tais dispositivos» também «são aplicáveis».
A sentença a que foi concedida executoriedade provem de um tribunal grego, por conseguinte, de um órgão judicial de um Estado - a Grécia -, que, tal como Portugal, faz parte da União Europeia.
Dispõe o art.º 41.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que «sem prejuízo do disposto na presente secção, o processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-Membro rege-se pela lei do Estado-Membro requerido. Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro.»
No Ac. da R.G. de 01.03.2018, Proc. n.º 6432/06.3TBGMR-F.G1 (José Alberto Moreira Dias), in www.dgsi.pt, decidiu-se que visando a sanção pecuniária compulsória reforçar a soberania dos tribunais, o respeito pelas respetivas decisões e o prestígio da Justiça, a mesma é devida quando se executa uma sentença estrangeira na medida em que também esta deverá ser respeitada pelo devedor, tanto mais que o Estado Português conferiu executoriedade à sentença.
Lê-se no acórdão: «É a ordem emanada pela instância judicial nacional que a executada, com o seu incumprimento, está a desrespeitar e é o prestígio deste, a sua soberania e respeito pelas suas decisões que aquela está a ferir, não as da Justiça Alemã, cujo aparelho de justiça nem sequer está a ocupar, mas antes o nacional. Aliás, metade da sanção pecuniária compulsória devida pela executada reverterá para o Estado português e não para o Alemão.»
Em comentário ao referido acórdão escreveu Miguel Teixeira de Sousa, em https://blogippc.blogspot.com/2018/06/jurisprudencia-2018-36.html:
«A RG decidiu bem, considerada a equiparação entre decisões nacionais e decisões estrangeiras como título executivo, agora consagrada expressamente no art.º 41.º, n.º 1 2.ª parte, Reg. 121572012 (cf. Rauscher, EuZPR-EuIPR (2016)/Mankowski, Art.º 55 Brüssel Ia-VO 12).
A aplicação da sanção pecuniária compulsória do Estado da execução pode originar algumas dificuldades quando o agora executado já tenha sido condenado a uma idêntica sanção no Estado de origem. Cabe ao tribunal da execução verificar se a cumulação das duas sanções compulsórias constitui uma cumulação insuportável para o executado (cf. Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht (2011), Art. 49 EuGVO 3).»
Por sua vez, e ainda com referência ao mesmo aresto, escreve Vânia Filipe Magalhães:
«Concorda-se com o entendimento sufragado no Acórdão, pelos fundamentos aí elencados, reforçado no actual Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro.
Ao determinar, no seu artigo 41.º, n.º 1, segunda parte, que uma sentença proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, tal significa que a sentença tem a mesma força vinculativa no Estado-Membro requerido, pelo que este está habilitado a executá-la nos mesmos termos das sentenças nacionais, aqui se incluindo o automatismo da sanção pecuniária compulsória legal, pelo menos na parte correspondente ao Estado.
Tal como também entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães, o artigo 55.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, não inviabiliza a exigibilidade da sanção pecuniária compulsória legal porquanto o mesmo visa salvaguardar a previsão de uma sanção pecuniária judicial nos diversos Estados Membros, como aquela a que se reporta o artigo 829.º A, n.º 1, do Código Civil.»
Concorda-se plenamente com este entendimento!
Por conseguinte, o disposto no n.º 4 do art.º 829.º-A tem, à luz dos considerandos expostos, plena aplicação no caso concreto.
Recordemos novamente a parte dispositiva da decisão recorrida:
«Nestes termos, e com tais fundamentos, determino que o Exmo./a. Senhor/Senhora Agente de Execução proceda à liquidação dos juros compulsórios previstos no art.º 829.º-A, n.º 4, do CC aquando do cumprimento do disposto no art.º 716.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, devendo aqueles ser pagos antes dos créditos de capital exequendo e reclamado.»
Não merecendo censura a primeira parte do assim decidido, o mesmo não se pode dizer quanto à segunda parte!
Segundo Delgado Martins «(...) os juros a que alude o artigo 13.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09 (designado RPOP), bem como o artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, têm vindo a ser qualificados, pelo menos na parte que compete ao Estado, quer atribuindo-lhes a natureza de crédito de juros (e consequente aplicação dos art.ºs 561.º e 785.º, ambos do CC), quer considerando-os parte integrante das custas processuais (e consequente aplicação dos art.ºs 541.º e 815.º, ambos do CPC).
Esta dupla qualificação jurídica dos juros compulsórios é compatível entre si, dado que, quer se retire o proporcional de 2,5% pertencente ao Estado de forma precípua como se fosse custas da execução (art.º 541.º, CPC), quer se retire aquele proporcional do montante devido ao credor exequente com precedência ao capital, à semelhança dos juros moratórios (art.º 785.º, CC), aqueles juros seriam sempre pagos antes do crédito de capital.
Só que, com o devido e merecido respeito, não é esta a melhor qualificação jurídica dos juros compulsórios.
(...) Os juros compulsórios a que aludem o artigo 13.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do RPOP e o artigo 829.º-A, n.º 4, do CC não são nem juros moratórios, nem integram o conceito de custas processuais, nomeadamente, como encargos ou custas de parte (cf. art.º 3.º do RCP); eles fazem parte da dívida exequenda, embora sejam um acréscimo legal autónomo.
Com efeito, é a própria lei que os distingue e autonomiza dos juros de mora. A parte final do n.º 4 do artigo 829.º-A do CC prevê a cumulação do pagamento dos juros compulsórios com os juros de mora.
A obrigação de pagamento dos juros compulsórios não é da responsabilidade do credor exequente ou reclamante, dado que o sujeito passivo da obrigação de pagamento daqueles juros é a parte vencida na ação na qual foi proferida a sentença em execução ou, por outras palavras, a parte que tiver sido condenada quanto ao objeto do litígio (cf. art.º 829.º-A, n.º 4, do CC), salvo acordo em contrário das partes.
Assim, o responsável pelo pagamento dos juros compulsórios é sempre o executado.
Por conseguinte, os juros correspondentes à sanção legal prevista no artigo 13.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do RPOP e no artigo 829.º-A, n.º 4, do CC não gozam da regra de precipuidade (cf. art.º 541.º do CPC); à vista disso, aqueles juros só podem ser pagos pelo executado, não pelo credor (exequente ou reclamante). No caso de adjudicação, o que o Agente de Execução deve fazer, depois de pago o credor que requereu a adjudicação, é elaborar nova previsão do valor em dívida na execução (735.º, n.º 3, do CPC), incluindo aqueles juros nessa previsão (o melhor será até fazer uma liquidação separada).
Deste modo, há que concluir que aquela sanção legal, embora possa integrar as despesas da execução nos termos do n.º 3 do art.º 735.º do CPC, não tem a natureza nem de juros de mora, nem de custas de parte; por modo que o valor relativo àquela sanção não deverá ser retirado, de forma precípua, na data do cálculo efetuado pelo Agente de Execução, antes da transmissão dos bens, se houver valores que devam ser entregues ao credor (exequente ou reclamante), ou dispensando este credor do depósito desses juros, no caso de adjudicação.
Não se coloca a questão de se ter de aplicar o art.º 541.º do CPC, dado que o valor daqueles juros não integra o conceito de custas de parte, como se disse, pelo que são sempre fixados, processados e pagos de forma autónoma.
A parte do montante da sanção pecuniária destinada ao credor fica sujeita a idêntica solução, por imposição do princípio da igualdade.
(...) A Lei n.º 27/2019, de 28/03, procedeu à transferência das cobranças de créditos de custas processuais, multas não penais e outras sanções pecuniárias dos tribunais comuns para a Administração Tributária e Aduaneira.
Passa a ser utilizado o processo de execução fiscal para a cobrança dos valores contados ou liquidados que tenham sido impostos ou fixados em processo judicial, independentemente da forma da decisão (despacho, sentença ou acórdão), e que tenham a natureza de custas processuais (lato sensu), multas não penais e outras sanções pecuniárias (cf. art.º 35.º, n.º 1, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019).
Os juros compulsórios são uma sanção pecuniária devida em processo judicial.
Compete ao Agente de Execução liquidar os juros compulsórios e notificar o executado dessa liquidação, para que este proceda ao pagamento no prazo que lhe for fixado (cf. art.º 716.º, n.º 3, do CPC).
Na falta desse pagamento, compete à secretaria judicial promover a entrega à administração tributária da certidão daquela liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas (art.º 35.º, n.º 2, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019). Até à entrada em vigor daquela portaria, a entrega da certidão de liquidação é efetuada através da plataforma eletrónica da Autoridade Tributária e Aduaneira ou, em alternativa, em suporte físico (art.º 9.º da Lei n.º 27/2019).»[13].
Concorda-se inteiramente com este entendimento, importando, por isso, alterar a decisão recorrida.
 ***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em alterar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que, na sequência da correta determinação ao senhor agente de execução para proceder à liquidação dos juros compulsórios previstos no art.º 829.º-A, n.º 4, do CC aquando do cumprimento do disposto no art.º 716.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, determine agora que:
a) o senhor agente de execução proceda à notificação da executada dessa liquidação, para que esta proceda ao pagamento do montante liquidado no prazo que lhe for fixado (cf. art.º 716.º, n.º 3, do CPC);
b) na falta desse pagamento dentro do prazo fixado nos termos referidos em a), que a secretaria judicial promova a entrega à administração tributária de certidão daquela liquidação, pelas vias atrás referidas.
Sem custas.

Lisboa, 5 de dezembro de 2023
José Capacete
Ana Rodrigues da Silva
Cristina Silva Maximiano
_______________________________________________________
[1] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.
[2] Cfr. Correia das Neves, Manual dos Juros, Almedina, 1989, p. 28 e 35.
[3] Cfr. Correia das Neves, Manual cit., p. 35 e 91.
[4] Dívidas de valor são aquelas que não têm «directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou o custo real e mutável de determinado objectivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação. O dinheiro deixa de ser nelas um instrumento geral (procurado) de trocas, para ser apenas a medida do valor de outras coisas ou serviços.» - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, 2003, p. 859.
[5] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, Almedina, 2022, pp. 456-457.
[6] Para Antunes Varela, a disposição contida no n.º 4 do art. 829.º-A, do CC, «aplicável indiscriminadamente a todas as condenações em prestações pecuniárias, está no meio das sanções pecuniárias compulsórias a que se referem os três primeiros números do artigo 829.º-A como a viola num enterro e traduz-se numa supertaxa de juros moratórios  de 5% ao ano, que nenhuma razão justifica.» - RLJ, Ano 119.º, N.º 3749, pp. 227-228.
[7] Cumprimento cit., p. 458.
[8] Não desconhece este Coletivo o entendimento divergente sufragado por Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, Colecção Teses, Almedina, 1990, pp. 129-130: «(...) não parece que o produto da sanção pecuniária compulsória consagrada no n.º 4 do art.º 829.º-A deva reverter, em partes iguais, para o credor e para o Estado. Apesar de a taxa de 5% ao ano, em que aquela sanção se consubstancia, acrescer aos juros de mora (se estes forem também devidos) ou à indemnização a que houer lugar, essa quantia é expressamente devida, nos termos da lei, a título de juros. Parece-nos, assim, que o montante desta sanção se destina exclusivamente ao credor, e não também ao Estado, excepto se ela incidir sobre uma sanção pecuniária compulsória decretada pelo tribunal nos termos do n.º 1.
Quer dizer: também a sanção compulsória, estabelecida pelo tribunal, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 829.º-A, fica sujeita ao adicional de juros à taxa de 5% ao ano, consoante dispõe o n.º 4 da mesma norma. Nesse caso, o seu montante reverte para o credor e para o Estado, em parte iguais, uma vez que a taxa de 5% incide sobre uma quantia que aproveita a ambos, nos termos do n.º 3 da mesma norma.
À parte este caso, todavia, o produto da sanção compulsória legal, prevista no n.º 4, destinar-se-á, exclusivamente, a nosso ver, ao credor. Deixará de ter aplicação o disposto no n.º 3, que vale apenas para a sanção compulsória consagrada no n.º 1.».
Aderimos, como referido, ao entendimento sufragado por Calvão da Silva, seguido pela jurisprudência portuguesa, como nos dá conta o Ac. da R.L. de 09.09.2021, Proc. n.º 3455/13.4YYLSB,L1-2 (Pedro Martins), acessível em https://outrosacordaostrp.com/, o mesmo sucedendo, aliás, no que tange à doutrina (cfr., a título meramente exemplificativo, José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 2.ª edição, revista, UCEP, 2017, pág. 206, nota 616: «Tais juros à taxa de 5% destinam-se em partes iguais ao credor e ao Estado (artigo 829-A n.ºs 3 e 4, do CC»; Vânia Filipe Magalhães, O papel do juiz no cumprimento das obrigações: a sanção pecuniária compulsória, in Julgar Online, dezembro de 2022, p. 21, acessível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2022/12/20221230-JULGAR-A-san%C3%A7%C3%A3o-pecuni%C3%A1ria-compuls%C3%B3ria-V%C3%A2nia-Filipe-Magalh%C3%A3es.pdf: «A sanção pecuniária compulsória, correspondente ao adicional de 5% de juros, vence-se a partir do trânsito em julgado da sentença e não tem carácter indemnizatório, como decorre do n.º 4 do artigo 829.º A do Código Civil, revertendo metade para o credor (2,5%) e a outra metade para o Estado (2,5%) (cfr. n.º 3 do artigo 829.º A do Código Civil)54, ao que acrescem os juros de mora (cfr. artigos 805.º e 806.º do Código Civil) e a indemnização que haja lugar nos termos gerais.»).
[9] A fonte citada contém um evidente lapso de escrita, pois, como é evidente, onde consta “executado” devia constar “exequente”.
[10] A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, Gestlegal, 2017, p. 117.
[11] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[12] Cfr., a propósito, o Ac. do S.T.J. de 23.02.2021, Proc. n.º 708/14.3T8OAZ-A.P1.S1 (Henrique Araújo), in www.dgsi.pt.
[13] Juros compulsórios: o problema da precipuidade, in https://blogippc.blogspot.com/2023/05/juros-compulsorios-o-problema-da.html.