Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
867/22.1T8ACB-E.L1-6
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
SUSPENSÃO DO PRAZO
COVID 19
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A citação provoca a interrupção e a suspensão do prazo prescricional;
- Compete à embargada alegar o facto que lhe aproveita, designadamente quanto à duração de eventual período de suspensão do prazo de prescrição na pendência de anterior execução que moveu à embargante.
- O disposto no artigo 323.º, n.º 1, parte final, do Código Civil, assenta na previsão da interrupção por meio do acto de citação ou de notificação judicial idónea a exprimir a intenção de exercer o direito. Verificada a previsão (citação ou notificação judicial), seguir-se-á a estatuição: a prescrição interrompe-se, independentemente do processo a que o acto (novamente a citação ou a notificação judicial) pertence ou da eventual incompetência do tribunal. Sem a realização do acto (citação ou notificação judicial idónea), não há lugar à interrupção da prescrição por força deste n.º 1, sem prejuízo do que está previsto no seu n.º 2.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.

1.1. No dia 8/4/2022, a exequente Garval - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., apresentou requerimento executivo no Juízo de Execução de … contra A e outras duas executadas, reclamando o pagamento da quantia total de € 65992,70, titulado por uma livrança.
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1.2. Por despacho proferido no dia 6/6/2022, foi decidido declarar o Juízo de Execução de …. incompetente, em razão do território, para o conhecimento da presente execução, considerando que o Tribunal competente para a presente execução é o do domicílio do maior número de executados, dado que se trata de pessoas singulares, sendo que dois dos três executados residem em área compreendida na competência do Juízo de Execução de ….
Tal decisão não foi impugnada e os autos foram remetidos ao Juízo de Execução de ….
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1.3. A executada A foi citada para os termos da execução, por meio da entrega no dia 7/11/2022 de carta registada a outra pessoa.
A mesma veio embargar a execução, excepcionando a prescrição da obrigação bancária, nomeadamente invocando que o respectivo prazo se iniciou no dia 4/04/2019. Data em que decorreram 5 dias desde a propositura de uma anterior execução, que veio a ser julgada deserta. A prescrição ocorreu em 12/04/2022, sem que os executados tivessem sido citados.
Referiu ainda que nunca assinou a dita livrança nem qualquer contrato/pacto de preenchimento relacionado com a mesma.
Pugnou no sentido de se julgar verificada a exceção da prescrição da obrigação cartular e da executada ser declarada parte ilegítima na presente execução por inexistir título executivo quanto à mesma.
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1.4. A embargada contestou a execução, invocando, entre o mais, que:
- A prescrição da livrança em causa foi interrompida com a citação dos executados – no dia 28 de Maio de 2019 - no processo executivo nº …/19.1T8ACB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Execução de … - Juiz …, que teve como título executivo esta mesma livrança;
- Ocorreu uma suspensão legal dos prazos de prescrição desde o dia 9 de Março de 2020 até ao dia 3 de Junho de 2020, por força das medidas excepcionais decorrentes da pandemia por Covid19;
- A declaração de incompetência territorial não consubstancia “causa imputável” à exequente quanto à não realização da citação nos 5 dias posteriores à data de entrada do requerimento executivo.
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1.5. Findos os articulados, foi proferido o despacho recorrido que julgou improcedente a excepção de prescrição, tendo aí sido exarado o seguinte:
De acordo com o disposto no art.º 70.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (abreviadamente LULL), aplicável às livranças por força do art.º 77.º, «todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento».
O prazo de prescrição inicia-se na data de vencimento inscrita na livrança, independentemente do início do incumprimento da relação subjacente.
O prazo de prescrição da livrança dos autos interrompeu-se no quinto dia posterior à instauração da execução n.º …/19.1T8ACB, ou seja, em 08/04/2019 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil).
Uma vez que a referida execução se extinguiu por deserção, o prazo de prescrição reiniciou-se logo após aquela data (art.º 327.º, n.º 2 do Código Civil).
Por conseguinte, o novo prazo prescricional de três anos completar-se-ia em 08/04/2022.
Todavia, a contagem da prescrição suspendeu-se entre 09/03/2020 e 03/06/2020, por força dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio), num total de 87 dias; e entre 22/01/2021 e 5/04/2021 (art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), num total de 74 dias.
Ora, a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil).
O facto de o Tribunal onde a execução deu entrada se ter declarado territorialmente incompetente não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil.
Na verdade, a interrupção da prescrição só não ocorreria se a citação se não tivesse realizado dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa imputável ao requerente.
Como se refere no Acórdão do STJ de 29/11/2016, P. 448/11.5TBSSB-A.E1.S1 (em www.dgsi.pt), «é entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art.º 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação».
Importa, pois, concluir que a prescrição se interrompeu antes de completado o respetivo prazo.
A embargante alega ainda que é demandada na qualidade de avalista e que a subscritora/avalizada não foi demandada na anterior execução, assim como não o é na presente, pelo que invoca a respetiva prescrição.
Sucede que o avalista não é um devedor subsidiário, mas sim solidário, pelo que a sua
responsabilidade subsiste ainda que o avalizado não seja demandado (e mesmo que a obrigação garantida seja nula), como resulta do art.º 32.º da LULL.
Nos termos do art.º 47.º da LULL, «os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.
«O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas, individualmente ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram».
Por outro lado, o avalista tem uma relação mediata com o portador, donde resulta que não pode invocar exceções pessoais do subscritor/avalizado, salvo o pagamento.
Por conseguinte, não só o avalista não pode invocar perante a exequente a prescrição da
obrigação do avalizado, como essa invocação é inócua para a responsabilidade do próprio avalista.
Face ao todo o exposto, julga-se improcedente a exceção de prescrição cambiária”.
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1.6. A embargante interpôs o presente recurso de apelação, que concluiu da seguinte forma:
A. Nos presentes autos, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, no qual se pronunciou sobre a exceção de prescrição, decidindo pela improcedência da mesma.
B. Desde logo o Tribunal a quo nos factos assentes, mais concretamente no n.º 2) indica que 2) A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 08/09/2019, porém a data aposta na Livrança é 08/09/2016 e não na data constante do despacho,
C. Entendeu ainda o Tribunal a quo o prazo de prescrição da Livrança é 8 de Abril de 2022, tendo considerado a interrupção da prescrição em ação instaurada anteriormente, entendendo todavia que o prazo suspendeu-se em virtude da legislação aplicável à situação da pandemia COVID 19.
D. Entendeu assim o Tribunal a quo que a prescrição suspendeu-se por 87 dias entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020 nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio) e por 74 dias entre 22/01/2021 e 5/04/2021 nos termos do (art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), num total de 161 dias.
E. O artigo 7.º n.º 1, 3 e 4 da Lei 1-A/2020 estipulou suspensão de prazos judiciais e substantivos estabelecendo um regime excecional e temporário de suspensão de prazos de prescrição e caducidade.
F. Na data em que, vigorou o regime excecional a Recorrida, não havia ainda instaurado os presentes autos, estando a decorrer o prazo de prescrição, que por força da interrupção decorrente do requerimento executivo instaurado em 3 de Abril de 2019, se reiniciou a 8 de Abril de 2019, referindo que à data de entrada da suspensão da Lei 1-A/2020 ainda a Recorrida disponha de pelo menos 2 anos até a Livrança prescrever, bem como a ação foi intentada pela mesma mandatária que á havia feito anteriormente.
G. Todavia não podendo a mesma beneficiar do regime excecional que permitiu a suspensão dos prazos, considerando as palavras de M. Teixeira de Sousa e J.H Delgado em “As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março (repercursões na jurisdição civil) disponível em Blog do IPPC: As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil) (blogippc.blogspot.com), com referência aos n.º 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março “O regime é aplicável, sem qualquer dúvida, às acções ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excepcional.” “Se dúvidas houvesse quanto a esta interpretação, pelo menos no que se refere ao regime da prescrição, o disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC sempre permitiria, por si mesmo, considerar suspensos os prazos de prescrição que, em 9/3/2020, se encontrassem nos últimos três meses.”
H. A aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º L 1- A/2020 permite concluir que o regime aproveita a todos os que sejam titulares de direitos cujos prazos de prescrição se encontrem nos últimos três meses.
I. O legislador certamente não podia pretender que, para todo e qualquer prazo de prescrição ou de caducidade, se viesse a acrescentar (quiçá daqui a 10 ou 15 anos) a duração da situação excepcional.
J. Quem precisa de protecção é quem, neste momento, tem um prazo de prescrição ou de caducidade a terminar, não aquele contra quem corre um prazo de prescrição ou de caducidade que vai terminar daqui a 2, 7, ou 12 anos.
K. A solução é então, de forma esquemática, a seguinte: - Suspendem-se todos os prazos
de prescrição e de caducidade que em 9/3/2020 se encontravam nos últimos três meses; – Suspendem-se todos os prazos de prescrição e de caducidade que, durante a situação excepcional, atinjam os últimos três meses; “
L. Acontece que nos presentes autos que, a Recorrida já disponha de título executivo, faltavam mais de 2 anos para a prescrição do título executivo, já se encontravam na posse do mandatário todos os elementos necessários para que a ação desse entrada, tendo a primeira execução sido considerada deserta, não se vislumbrando qualquer necessidade de proteção da Recorrida,
M. Entendeu o Tribunal a quo que o prazo de prescrição ficou suspenso 74 dias entre 22/01/2021 e 5/04/2021 conforme disposto no artigo 6.º-B da Lei 4-B/2021 n.º 3 que apenas dispõe para processos e procedimentos que corram termos nos Tribunais e não para o exercício do direito substantivo, mas mesmo que assim não fosse, volta a se verificar que a prescrição não se encontrava nos últimos três meses aplicando-se também aqui o que se disse ara o artigo 7.º da Lei 1-A/2020.
N. Consta do despacho proferido pelo Tribunal a quo que a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil), não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil.
O. Na verdade, a interrupção da prescrição só não ocorreria se a citação se não tivesse realizado dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa imputável ao requerente.
P. A Livrança dada aos presentes autos prescreve a 8-4-2022, não considerando a suspensão da situação excecional do COVID 19 e aplicando o artigo 323.º n.º 2 do CPC a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os 5 dias, logo a 13 de Abril de 2022, data em que a Livrança estaria prescrita.
Q. Mas mesmo que assim não fosse em tempo algum o Recorrido beneficiaria da interrupção findo 5 dias, pois em primeiro lugar não requereu a citação ao que acresce o facto da ficção legal estabelecido no artigo 323.º n.º 2 estar dependente de 3 requisitos: O prazo prescricional esteja ainda a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da ação; Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor.
R. Pois, tendo a ação dado entrada no último dia, 8 de Abril de 2022 a prescrição ocorreu no dia seguinte faltando um primeiro pressuposto.
S. A prescrição da Livrança dada aos presentes autos, seria a 8 de Abril de 2022, caso se aplique o regime da suspensão decorrente da situação pandémica COVID 19, a suspensão da prescrição foi de 87 dias e 74 dias, no cômputo total de 161 dias pelo que a livrança iria prescrever em 16 de Setembro de 2022,
T. Acontece que, não pode o Recorrido beneficiar da ficção dos 5 dias constante do artigo 323.º n.º 2 do CPC, para interromper a prescrição, em virtude de existir causa imputável ao Recorrido,
U. Desde logo incumpriu a Recorrida o artigo 724.º n.º 5 do CPC, ao não juntar o original da Livrança, só o fez a 17 de Maio de 2022, após ter sido notificada para o efeito, não podia a Recorrida ignorar que, os autos seguem a forma de processo ordinário, considerando o título executivo e o valor da ação a mesma estaria sempre sujeita a despacho liminar nos termos do artigo 726.º do CPC.
V. Sabia a Recorrida que, sem a junção do original não seria possível proferir despacho liminar, tendo a junção ocorrido a 17 de Maio de 2022, inviabilizando assim a citação do Recorrente em tempo útil;
W. Em nenhum momento do processo a Recorrida veio aos autos requerer a citação prévia do Recorrente, e mesmo após a sentença do Tribunal que se declarou incompetente veio a Recorrida prescindir do prazo de recurso, por forma a que o processo tramitasse de forma regular no Tribunal competente;
X. Assim a interrupção só ocorre com a citação do Recorrente que, não se basta com intentar a ação ou execução em Juízo, sendo necessário que se levem ao conhecimento do devedor, nesse sentido veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2010 Processo n.º 1472/04.0TVPRT-C.S1, o que veio a ocorrer a 11 de Outubro de 2022, ou seja, muito depois da prescrição da Livrança que ocorreu a 16 de Setembro de 2022;
Y. A Recorrida não pode beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art.º 323º, n.º 2, do C. Civil, numa ação iniciada em 8 de Abril de 2022 num tribunal incompetente, em violação das regras de competência territorial, quando apenas faltavam 4 meses e 12 dias para terminar o prazo de prescrição de três anos veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1721/19.0T8PVZ.P1 de 24-02-2022 em www.dgsi.pt entendeu que “Tendo a autora instaurado a acção num tribunal que não era o competente e tendo esse tribunal, conforme podia fazer ex oficio, conhecido de imediato da excepção e só após essa decisão ordenado a remessa para o tribunal competente onde depois se iniciaram as diligências para citação, a circunstância de a citação não se ter efectuado no prazo de cinco dias após a instauração da acção resulta de causa imputável ao requerente, pelo que a prescrição não se tem por interrompida com o decurso desse prazo.”
Z. No caso defrontamo-nos com uma violação objetiva por parte da Recorrida das normas adjetivas que devia ter levado em conta ao instaurar a ação, com efeito a ação foi intentada num Tribunal que não era competente, não tendo também junto o original do título para permitir ao Tribunal proferir o despacho liminar,
AA. O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, ao entender que o Recorrente é um solidário, pelo que a sua responsabilidade subsiste ainda que o avalizado não seja demandado.
BB. Na ação anteriormente instaurada pela Recorrida o avalizado não foi demandando, até porque a Recorrida bem sabia, uma vez que faz parte da lista de credores, que o mesmo estava insolvente desde 2015, tendo a Livrança sido preenchida em 2016.
CC. Estabelece o artigo 653.º do CC que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderam ficar subrogados nos direitos que a estes competem” , a respeito dos fiadores que na verdade deve estender-se às demais garantias pessoais em que por força do pagamento o garante fique sub-rogado nos direitos do credor perante o devedor ou se constitua um direito de regresso sobre ele, por idêntica ordem de razão.
DD. E uma vez estendido à garantia autónoma, que é um negócio apenas socialmente típico, não há nenhuma razão para que idêntico regime não se aplique a todas as situações de prestação de garantia por terceiro, pois estando no âmbito das relações imediatas, nenhuma razão há para não estender a aplicação do artigo 653.º do CC à prestação do aval, pois que aqui cedem o passo as suas autonomias e abstração, a Recorrida ao não demandar o avalizado mostrou total desconsideração pela posição jurídica do Recorrente, retirando a possibilidade deste fazer valer-se do direito sobre o avalizado, pelo que não deve a Recorrida ser merecedora da tutela que a garantia lhe confere, devendo o recorrente se considerar exonerado da sua obrigação.
Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido por outra que decida nos termos requeridos.
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1.7. A embargada contra-alegou, sustentando com interesse que:
“D. A data de vencimento da livrança é de 08 de Setembro de 2016, o facto de no douto despacho se referir a data de vencimento de 08 de Setembro de 2019, trata-se de um mero lapso de escrita que em nada altera a decisão da causa.
E. A Recorrida intentou a presente execução para pagamento de quantia certa em 08 de Abril de 2022.
F. Sucede, porém, que a Recorrida moveu uma outra execução contra a Recorrente, com base na mesma livrança, em 03 de Abril de 2019, que correu termos sob o nº …./19.1T8ACB no Juízo de Execução de …. – Juiz …, pelo que o prazo de prescrição da livrança dos presentes autos interrompeu-se no quinto dia posterior à instauração da referida execução, ou seja, em 08 de Abril de 2019, nos termos do artigo 323.º, nº 2 do Código Civil.
G. A referida execução extinguiu-se por deserção, pelo que o prazo de prescrição se reiniciou logo após aquela data, nos termos do artigo 327.º, nº 2 do Código Civil, assim o novo prazo prescricional de três anos completar-se-ia em 8 de Abril de 2022.
H. Todavia, e como muito bem decidiu o tribunal a quo: “a contagem da prescrição suspendeu-se entre 09/03/2020 e 03/06/2020, por força dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio), num total de 87 dias; e entre 22/01/2021 e 5/04/2021 (art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), num total de 74 dias. Ora, a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil)”.
I. É aplicável o regime excepcional do artigo 7.º n.º 3 e 4 da Lei 1-A/2020 de 19 de Março bem dos artigos artigo 6-B n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), pelo que a livrança dos autos não está prescrita.
J. Pelo que não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo permanecer intocado o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo.
K. Apesar de o Tribunal onde a execução deu entrada se ter declarado territorialmente incompetente, esse facto não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil.
L. No mesmo sentido a jurisprudência, como se refere no Acórdão do STJ datado de 29 de Novembro de 2016, no Processo 448/11.5TBSSB-A. E1.S1, que conta com o Juiz Desembargador Garcia Calejo como Relator, disponível em www.dgsi.pt: “É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art.º 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação”
M. Por fim, vem a Requerente dizer que “O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, ao entender que o Recorrente é um devedor é devedor solidário, pelo que a sua responsabilidade subsiste ainda que o avalizado não seja demandado.”
N. Mais uma vez não lhe assiste razão.
O. Enquanto avalista da livrança, a relação da Recorrente com a Recorrida, situa-se no domínio das relações imediatas, pelo que prevalece o princípio da autonomia, abstração e literalidade da relação cambiária,
P. Não sendo oponível à Recorrida credora-emissora-portadora da livrança a invocada excepção da prescrição da obrigação.
Q. Mais uma vez, bem decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal á quo: “… não só o avalista não pode invocar perante a exequente a prescrição da obrigação do avalizado, como essa invocação é inócua para a responsabilidade do próprio avalista.”
R. Nestes termos, deve improceder totalmente a pretensão da Recorrente, e manter-se intocado o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo”.
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1.7. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte:
- Alteração e ampliação da matéria de facto;
- Consequências da instauração desta nova acção executiva no dia 8/4/2022 e da executada A apenas ter citada para os termos da execução, por meio da entrega no dia 7/11/2022 de carta registada a outra pessoa, nomeadamente em termos de interrupção da prescrição;
- Relevância da instauração da presente acção perante um tribunal territorialmente incompetente, nomeadamente em termos de causa no retardamento da citação da embargante;
- Relevância da suspensão da contagem do prazo prescricional em virtude da sucessão legislação decorrente da pandemia por Covid19; e,
- Contagem do prazo prescricional e seus efeitos.
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2. Fundamentação.
2.1. A modificação da decisão de facto.
A embargante começa por impugnar um facto tido por assente na decisão recorrida e que diz respeito à data de vencimento da livrança, que será o dia 8 de Setembro de 2016, e não o dia 8 de Setembro de 2019 que aí se refere.
A apelada mostrou-se concordante com o invocado erro e está nos poderes deste tribunal proceder a tal correcção, não só em face do comprovado acordo da embargante e da embargada, mas sobretudo em face do elemento literal do documento que titula a execução, onde foi escrito que o vencimento ocorreria no dia 8 de Setembro de 2016.
Por conseguinte, em face do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, impõe-se a alteração da redacção do facto # 6, passando aí a constar que: “A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 8/09/2016”.
Além disso, por força do disposto no artigo 665.º, do Código de Processo Civil, entende-se que importa ampliar a matéria de facto e considerar em sede de apreciação da excepção de prescrição os seguintes factos e que resultam documentalmente dos autos:
1) A exequente intentou a execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, de que a presente oposição é dependência, em 8/04/2022, no Juízo de Execução de …;
(…)
5) Por despacho proferido no dia 6/6/2022, foi decidido declarar o Juízo de Execução de … incompetente, em razão do território, para o conhecimento da presente execução, considerando que o Tribunal competente para a presente execução é o do domicílio do maior número de executados, dado que se trata de pessoas singulares, sendo que dois dos três executados residem em área compreendida na competência do Juízo de Execução de….;
6) Tal decisão não foi impugnada e os autos foram remetidos ao Juízo de Execução de Lisboa;
7) A executada A foi citada para os termos da presente execução, por meio da entrega no dia 7/11/2022 de carta registada que foi recepcionada por outra pessoa.
*
2.2. Os factos julgados provados, com a alteração acima decidida, são os seguintes:
1) A exequente intentou a execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, de que a presente oposição é dependência, em 8/04/2022, no Juízo de Execução de …;
2) A execução tem por base a livrança apresentada com o requerimento executivo, que se reproduz, com a data de vencimento de 8/09/2016;
3) A exequente moveu uma outra execução aos executados, com base na mesma livrança, em 03/04/2019, que correu termos sob o n.º …/19.1T8ACB;
4) Na referida execução, os executados foram citados em 28/05/2019, tendo a instância sido extinta por deserção;
5) Por despacho proferido no dia 6/6/2022, foi decidido declarar o Juízo de Execução de … incompetente, em razão do território, para o conhecimento da presente execução, considerando que o Tribunal competente para a presente execução é o do domicílio do maior número de executados, dado que se trata de pessoas singulares, sendo que dois dos três executados residem em área compreendida na competência do Juízo de Execução de Lisboa;
6) Tal decisão não foi impugnada e os autos foram remetidos ao Juízo de Execução de …;
7) A executada A foi citada para os termos da presente execução, por meio da entrega no dia 7/11/2022 de carta registada que foi recepcionada por outra pessoa.
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2.3. O prazo prescricional.
O art.º 70.º, aplicável igualmente às livranças por força do art.º 77.º, da Lei Uniforme relativa às letras e livranças, estabelecida pela Convenção assinada em Genebra, em 7 de Junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de Março de 1934, dispõe que:
Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula «sem despesas».
As acções dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador prescrevem em seis meses a contar do dia em que o endossante pagou a letra ou em que ele próprio foi accionado”.
Fundando-se a acção executiva numa livrança, a mesma está sujeita a este prazo prescri-cional. E, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – cfr. art.º 304.º, n.º 1, do Código Civil.
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2.4. Contagem, interrupção e suspensão do prazo prescricional.
Tendo sido aposta uma data (8/09/2016) para o vencimento da livrança pelo subscritor, não há lugar à imediata exigência do seu pagamento (à vista). O prazo para a exigência do pagamento ao subscritor (e demais obrigados) é igualmente o prazo para o início da contagem do prazo prescricional – cfr. igualmente o art.º 76.º, da LULL, e art.º 306.º, n.º 1, do Código Civil.
Tal prazo pode ser interrompido por várias causas, nomeadamente a citação em que o credor exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente – cfr. art.º 323.º, n.º 1, do Código Civil, e art.º 564.º, do Código de Processo Civil.
Verifica-se que a exequente moveu uma outra execução aos executados, com base na mesma livrança, em 03/04/2019, que correu termos sob o n.º ../19.1T8ACB, tendo estes sido citados em 28/05/2019.
A circunstância da prescrição ter sido interrompida decorridos os cinco dias depois de ter sido requerida não impede o funcionamento do disposto no art.º 323.º, n.º 1, do Código Civil. Trata-se de um mecanismo legal de protecção do credor contra as vicissitudes do tribunal e não de protecção do devedor. A citação deste é uma manifestação clara e inequívoca do exercício do direito.
Porém, a citação não se limita a inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo. Na verdade, o artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, preceitua o seguinte: “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”. Ou seja, a citação provoca a interrupção e a suspensão do prazo prescricional, que só se reiniciará quando passar em julgado a decisão que pôs termo ao primeiro processo de execução que foi movido contra a embargante. Conforme foi singelamente alegado pelas partes, tal execução findou por deserção da instância.
Temos assim que se evidencia a interrupção do prazo prescricional no dia 28/05/2019, quando os executados foram citados no âmbito de anterior acção executiva. Tal acto de citação inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, na falta de alegação de qualquer outro facto essencial, nomeadamente em termos de suspensão do prazo.
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2.5. A questão da nova citação como causa interruptiva da prescrição.
A exequente instaurou nova acção executiva no dia 8/4/2022, mas a executada A apenas foi citada para os termos da execução, por meio da entrega no dia 7/11/2022 de carta registada a outra pessoa.
A decisão recorrida considerou que o prazo prescricional se tem por interrompido depois de decorridos cinco dias depois da instauração da nova acção executiva, considerando o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
A apelante insurge-se contra esta consideração, porque a exequente violou as regras de competência territorial – conclusão Y) das doutas alegações do recurso. Em sentido contrário, a apelada sustentou que, apesar de o Tribunal onde a execução deu entrada se ter declarado territorialmente incompetente, esse facto não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil.
A citação da executada não ocorreu no referido prazo de cinco dias. Podemos concluir que a omissão desse acto é imputável à exequente ou apenas resultou de razões de índole judiciária?
Importa considerar que a presente acção executiva segue a forma do processo ordinário e está sujeita a despacho liminar, onde o juiz aferirá da verificação de alguma excepção dilatória de conhecimento oficioso – cfr. art.º 726.º, do Código de Processo Civil. Por outro lado, é ao exequente que compete eleger o tribunal de execução, mediante a apresentação do requerimento executivo – cfr. art.º 724.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Caso o exequente apresente o seu requerimento perante um tribunal territorialmente incompetente, sujeita-se à imediata recusa da prática do acto de citação dos executados e à remessa dos autos para o tribunal competente – cfr. art.º 105.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Objectivamente, a causa para a remessa do processo para o tribunal competente e para o retardamento da citação é imputável à exequente (apresentou indevidamente o requerimento executivo perante um tribunal que não era o competente). Daí que a exequente também tenha sido acessoriamente responsabilizada pelas custas do incidente, visto que esta responsabilidade tributária também assenta na ideia da causalidade.
Além do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/2/2022 (processo n.º 1721/19.0 T8PVZ.P1) invocado pela apelante, milita igualmente neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/2/2014, que considerou que o autor, ao intentar a acção perante o tribunal incompetente é quem dá causa à vicissitude processual, notando ainda que: “A “não imputabilidade” do motivo processual deve ser valorada em termos hábeis e suscetíveis de preencher validamente, de acordo com os critérios da ordem jurídica, a correspondente norma em branco.     
Antes do mais o pressuposto exige que a absolvição resulte de uma atuação de algum modo censurável da parte, vista de acordo com uma bitola média, só assim lhe sendo imputável. Neste sentido cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2002: “a expressão «causa não imputável ao requerente», usada naquele artigo, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação”; 01-07-2009: “para os efeitos previstos no nº 3 do art.º 327º do Código Civil, é de imputar à autora a absolvição das rés da instância, por que veio a terminar uma acção, por decisão de 1 de Março de 2007, transitada em julgado em 19 seguinte, fundada na ineptidão da respectiva petição inicial, que se deveu à circunstância de se ter entendido existir ambiguidade, ininteligibilidade e incompatibilidade substancial dos pedidos formulados, vícios esses, que não obstante a autora, anteriormente, ter sido convidada a esclarecer, não foi possível ultrapassar, dado que ela, na sequência do convite, veio dizer naquele processo que não via necessidade de correcção do seu petitório; e de 15.11.2006: “para a absolvição da instancia ser imputável ao titular do direito basta que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligencia de um bom pai de família em face das circunstancias de cada caso”-
disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 76/04.1TTVFX-B.L1-4.
Logo, nas evidenciadas circunstâncias, não podemos ter por interrompida a prescrição logo que decorreram cinco dias após a apresentação do requerimento executivo perante o tribunal incompetente para os seus termos, nomeadamente a realização da citação.
Tão pouco aproveita à exequente a invocação em contra-alegações e no seguimento da decisão recorrida do disposto no artigo 323.º, n.º 1, parte final, do Código Civil, que refere que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Esta disposição legal expressamente assenta na previsão da interrupção por meio do acto de citação ou de notificação judicial idónea a exprimir a intenção de exercer o direito. Verificada a previsão (citação ou notificação judicial), seguir-se-á a estatuição: a prescrição interrompe-se, independentemente do processo a que o acto (novamente a citação ou a notificação judicial) pertence ou da eventual incompetência do tribunal. Sem a realização do acto (citação ou notificação judicial idónea), não há lugar à interrupção da prescrição por força deste n.º 1. Tal norma assenta na efectiva realização da citação e não na omissão da realização da citação. Simplesmente salvaguarda os efeitos da realização do acto de citação, mesmo que o tribunal que o realizou seja incompetente.
Isso mesmo é o que resulta expressamente do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/2/2018, tirado no processo n.º 2048/16.4T8STR.E1, convocado pela apelada no artigo 42.º, da douta contestação, nomeadamente quando aí se afirma que: “Do artigo 323.º, n.º 1 do CC resulta que a citação ou notificação judicial em resultado da propositura de uma ação, independentemente do tipo de processo, consubstanciando a intenção da parte em exercer o seu direito, determina a interrupção da prescrição, ainda que o tribunal seja incompetente. Porquanto, proposta a ação e realizada a citação ou notificação, ainda que o tribunal seja incompetente, a prescrição fica interrompida” – nosso sublinhado.
Quando o acto de citação ou notificação não é realizado nos cinco dias depois de ter sido requerido, por causa não imputável ao requerente, segue-se a disciplina do n.º 2: tem-se a prescrição interrompida.
Assim, apenas poderíamos considerar como causa interruptiva da prescrição a nova citação realizada no dia 7/11/2022, apesar de realizada em pessoa diversa – cfr. art.º 225.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
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2.6. A questão da suspensão do prazo de prescrição decorrente da legislação relativa à pandemia por Covid19.
Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março:
3 - A situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
A produção de efeitos dessa norma decorreu desde o dia 9/3/2020 (ex vi art.º 37.º, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março) e o dia 3/6/2020 (ex vi art.º 8.º, da Lei n.º Lei n.º 16/2020 de 29 de maio). Ou seja, o prazo de prescrição esteve suspenso durante 87 dias.
O artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, estabeleceu nova suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, que se prolongou desde os dias 22/01/2021 e 5/04/2021. Ou seja, o prazo de prescrição esteve suspenso durante mais 74 dias.
Ora, tendo presente que a prescrição tinha sido interrompida no dia 28/5/2019, o respectivo termo ocorreria a 28/5/2022. Porém, considerando que os períodos de suspensão do prazo se prolongaram por 161 dias, a prescrição verificou-se no dia 4/11/2022.
Não se acolhe a interpretação sufragada pela apelante, estribada na posição defendida por M. Teixeira de Sousa e J.H Delgado no artigo intitulado “As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março (repercursões na jurisdição civil)”, segundo os quais:
“O regime é aplicável, sem qualquer dúvida, às acções ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excepcional.”
“Se dúvidas houvesse quanto a esta interpretação, pelo menos no que se refere ao regime da prescrição, o disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC sempre permitiria, por si mesmo, considerar suspensos os prazos de prescrição que, em 9/3/2020, se encontrassem nos últimos três meses”.
Tal interpretação apoiava-se na Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, mas não encontrou subsequente suporte na jurisprudência e até na posição ulteriormente assumida pelo Ilustre Professor, em face dos posteriores desenvolvimentos legislativos, como nos dá conta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/5/2023:
“Se, num plano abstracto, a solução interpretativa proposta por estes autores - repita-se, que imediatamente após a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 - no sentido da aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da mesma lei, se afigura, pelas razões aduzidas pelos mesmos autores, como tecnicamente mais perfeita, certo é que a adopção de sucessivos regimes especiais ao longo dos meses de prolongamento da situação pandémica (cfr. supra, ponto 6.2. do presente acórdão) não permite o acolhimento de tal solução.
Com efeito, em diversos momentos (aquando da publicação da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, da Lei n.º 16/2020, de 29.05, e da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02), ao, sucessivamente, alterar, revogar e repristinar, o regime de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, teve o legislador oportunidade de, resolvendo as objecções entretanto surgidas optar pela via propugnada, não o tendo feito. Como, aliás, veio a ser reconhecido pelo próprio Teixeira de Sousa («Nova alteração à L 1-A/2020, de 19/3», 01/05/2020, in blog do IPPC, ponto IV) se pronunciar sobre a Proposta de Lei n.º 30/XIV, que esteve na base da Lei n.º 16/2020, de 29.05, nos seguintes termos:
«III. Em conclusão: não é nada seguro o regime que vai vigorar quanto aos prazos de prescrição e de caducidade depois da revogação do art.º 7.º L 1-A/2020. O próprio legislador dá sinais contraditórios. Por um lado, parece querer afastar o regime dos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º L 1-A/2020; mas, por outro, não dá nada em troca da desprotecção dos interessados que resulta da mera revogação do art.º 7.º L 1-A/2020.
IV. Melhor solução seria estabelecer, em consonância com o disposto no art.º 321.º, n.º 1, CC, que o alargamento dos prazos de prescrição e caducidade só se verifica em relação aos prazos que, em 10/3, estivessem nos últimos três meses ou que os tivessem atingido durante a vigência do art.º 7.º, n.º 4, L 1-A/2020. Para estes prazos, poder-se-ia estabelecer que eles só voltariam a correr depois de x tempo a partir da revogação do art.º 7.º L 1-A/2020 (por exemplo, após 30 ou 45 dias). Isso protegeria quem pode ser afectado pela cessação da suspensão do prazo de prescrição ou de caducidade e impediria a interpretação de que todo e qualquer prazo que estivesse em curso no dia 10/3 está alargado até à sua definitiva consumação.
No fundo, em vez de uma reposição tácita e "desprotectora" do decurso dos prazos de prescrição e caducidade, haveria uma reposição expressa e "protectora" dessa reposição. Dado que esta reposição expressa seria acompanhada de uma medida de protecção do interessado que pode ser afectado pelo decurso do prazo, deixaria de haver qualquer justificação para se entender que esse interessado necessita do alargamento estabelecido no art.º 7.º, n.º 4, L 1-A/2020.». [negrito nosso]
No sentido da inviabilidade da solução interpretativa da aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 321.º CC ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos pelas leis da pandemia, se pronunciou Marco Carvalho Gonçalves («Atos Processuais e Prazos no Âmbito da Pandemia da Doença Covid-19», intervenção proferida no âmbito da sessão de estudo, intitulada Atos Processuais e Prazos no âmbito da pandemia da doença Covid-19):
«Nos termos do art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo. (…)
Acresce que este regime especial prevalecia sobre quaisquer outros que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.
(...)
Diferentemente, no que diz respeito ao prazo de prescrição, temos dúvidas de que houvesse necessidade de se dispor expressamente quanto à sua suspensão, já que, por força do regime vigente no art.º 321.º, n.º 1, do CC, a prescrição “suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. O mesmo é dizer que, se, à data da entrada em vigor desse diploma legal, o prazo de prescrição se encontrasse nos últimos três meses, a contagem do prazo suspender-se-ia automaticamente, por força da lei.
Em todo o caso, o certo é que, por força da adoção daquele regime excecional, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade não só ficou suspensa a partir do dia 9 de março de 2020, como também a duração máxima desses prazos foi prolongada pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.» - disponível em https://juris.stj.pt, processo n.º 16107/21.8YIPRT-A.G1.S1.
Alcançando-se a conclusão em como a prescrição se verificou no dia 4/11/2022, a ulterior citação da embargante acaba por se revelar inoperante. Entende-se, assim, que é de julgar procedente a excepção de prescrição, com a consequente procedência dos embargos e a extinção da execução quanto à embargante A – cfr. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º, n.º 1, do Código Civil, e art.ºs 576.º, n.º 3, e 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Em suma, não se acompanha a decisão recorrida que considerou “que a instauração da presente execução ocorreu em 08/04/2022, interrompendo-se a prescrição no quinto dia subsequente à sua entrada em juízo, ou seja 13/04/2022 (art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil). O facto de o Tribunal onde a execução deu entrada se ter declarado territorialmente incompetente não impede o efeito interruptivo da prescrição, como expressamente decorre do art.º 323.º, n.º 1, parte final do Código Civil”. A aplicação deste n.º 1 dependeria da realização de citação ou notificação judicial para produzir o efeito interruptivo do prazo prescricional. E os n.ºs 1 e 2 não podem ser aplicados em simultâneo, pois o primeiro assenta na realização da citação ou notificação judicial e o segundo assenta na não realização da citação ou notificação judicial (dentro de cinco dias depois de ter sido requerida).
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, na procedência da apelação, acordam em julgar igualmente procedentes a excepção de prescrição e os presentes embargos, com a extinção da execução quanto à embargante A.          
3.2. As custas são a suportar pela apelada, que saí vencida.

3.3. Notifique.
Lisboa, 20 de Março de 2025

Nuno Gonçalves
Nuno Luís Lopes Ribeiro
João Brasão