Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1902/22.9T8BRR.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - Para efeitos de cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho numa situação em que o contrato de trabalho se mantinha há cerca de um mês e meio, os valores auferidos pelo trabalhador a título de horas extraordinárias, cuja regularidade não se discute, integram o cômputo ficcionando-se que o trabalhador auferiria a média mensal decorrente dos valores arrecadados durante 12 meses.
2 - Os valores mensais devidos por horas extraordinárias e complemento de horário integram o subsídio de férias pelo que devem ser contabilizados à razão de 13 meses.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

O Ministério Público, no exercício do patrocínio oficioso do A. AA, não concordando com a sentença proferida em 04/04/2024, vem interpor recurso.
Pede que se profira, em substituição da mesma, decisão em que se dê como provada a retribuição anual ilíquida mencionada, assim como se condene a R. seguradora a pagar ao A. as importâncias indicadas.
Formulou as seguintes conclusões:
1.- Pese embora na douta sentença recorrida se mencione que a retribuição anual para efeitos de indemnização é no montante de €10.626,52, o que é facto é que não fez constar tal dos factos provados, assim como não se fez constar dos factos não provados a importância que se entendia que o A. não tinha auferido a título de horas extra, mais precisamente a importância de €1.743,58.
2.ª- Assim sendo, o recorrente entende que sentença recorrida é nula, nesta parte, por a Mm.ª Juíza a quo não se ter pronunciado quanto a questões que se devia pronunciar (art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a), do CPT), o que desde já invoca para todos os efeitos legais.
3.ª- No que respeita à questão colocada pela Mm.ª Juiz na douta sentença recorrida, isto é, se é de considerar que o valor auferido pelo A. a título de horas extra preenche o conceito de regularidade a que alude o n.º 2, do art.º 71, da LAT, afigura-se-nos que se deverá dar resposta positiva.
4ª- Com efeito, da factualidade dada como provada resulta que o A. começou a trabalhar para a R. empregadora em 01.09.2021.
5.ª- Mais, desde essa data até à data do acidente, ocorrido em 20.10.2021, o A. auferiu a título de horas extraordinárias, como foi dado como provado, a importância de €89,89, no mês de setembro de 2021, e €164,63, no mês de outubro do mesmo ano.
6.ª- Assim, e atento o referido, por exemplo, no douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.02.2019, proc. n.º 1130/15.0T8BRR.L1-4, num caso em que um sinistrado apenas trabalhou 12 dias, dúvidas não se suscitam que se trata de uma prestação regular.
7.ª- Acresce que, como resulta do referido em tal aresto, citando um douto acórdão do mesmo Tribunal e Secção, cabia às RR. provarem que as referidas horas extraordinárias, trabalho suplementar, não revestiam carácter regular, o que como resulta da matéria de facto dada como provada e da fundamentação de facto e de direito não conseguiram.
8.ª- É certo que no caso dos autos o A. só trabalhou para a R. 50 dias.
9.ª- Contudo, no caso em apreço no douto acórdão citado, o sinistrado só trabalhou 12 dias, ali se referindo, com interesse para esta questão, que «(…) a regularidade das ditas prestações decorre da simples circunstância de que foram pagas em todos os meses em que o Sinistrado trabalhou para a Ré, isto é, no mês da admissão e no mês em que ocorreu o acidente de trabalho; e para este efeito, mais não é exigível. (…)».
10.ª- Neste contexto, e sem prejuízo de melhor opinião, nada justifica que a Mm.ª Juíza a quo tenha lançado mão do disposto no n.º 5, do art.º 71º, da Lei dos acidentes de trabalho, como resulta do acórdão transcrito e se refere, de forma expressa, por exemplo no douto ac. do Venerando Tribunal da Relação de Évora, proferido em 29.11.2018, proc. n.º 423/16.3T8LRA.E1.
11.ª- Isto porque, quanto ao salário base e ao complemento de horário contínuo os respetivos valores eram fixos.
12ª- Quanto às horas extra, e atento o disposto no n.º 3, do art.º 71, da citada Lei, mais não restava do que apurar o valor diário €5,09 (254,52 : 50 = €5,09), multiplicá-lo por 365 dias, para apurar o valor dos 12 meses/anual, que seria de €1.857,85, que a dividir por 12 meses dá o valor mensal de €154,82.
13.º - Em seguida, e uma vez que se considera que tal prestação é devida nos 12 meses de trabalho e que se trata de uma contrapartida pelo trabalho prestado, a mesma terá de ser refletida no subsídio de férias, pelo que, €154,82 vezes 13 meses dá o valor anual desta prestação, no montante de €2.012,66 - a este propósito vide, por exemplo, acórdão do STJ de 01.10.2012, por unanimidade, proc. n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
14.º- Por todo o exposto, e por incorreta interpretação e aplicação do direito, mais precisamente do disposto no art.º 71.º, n.ºs 1 a 5, da LAT, da LAT, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, nesta parte, e proferido douto acórdão em que se dê como provado que a retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado para efeitos de indemnização é no montante de €12.384,66 (salário base de €700,00 x 14 = €9.800,00 + complemento horário contínuo €44,00 x 13 = €572,00 + horas extra €154,82 x 13 = €2.012,66).
15.º- Mais, atendendo a que a retribuição auferida pelo sinistrado se encontrava integralmente transferida para a seguradora, e a posição plasmada no douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto em 14.03.2022, proc. n.º 1451/20.0T8PNF.P1, in www.dgsi.pt, em que se refere, em síntese, que a seguradora é responsável pelo pagamento das quantias devidas ao sinistrado no âmbito daquele acidente, nos termos da retribuição anual apurada, não sendo relevante o facto de o sinistrado só ter trabalhado 2 meses e o contrato de seguro, celebrado entre a seguradora e a empregadora, ser na modalidade de prémio variável, folhas de férias, afigura-se, ainda, que no douto acórdão se deverá condenar a R. seguradora a pagar ao A. as seguintes importâncias: - €86,69 (€12.384,66 x 70% x 1% = €86,69) a título de pensão anual e vitalícia e, uma vez que é obrigatoriamente remível, no respetivo capital de remição; -€1.293,91 a título de incapacidades temporárias, conforme cálculo acima indicada.
FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., notificada do recurso que o sinistrado interpôs da sentença de 4-4-2024, vem apresentar as suas contra-alegações e, bem assim, interpor Recurso Subordinado.
Conclui ali pela rejeição da apelação interposta e aqui pela alteração da sentença.
Em sede de recurso subordinado apresentou as seguintes conclusões:
E. Sendo certo que, como bem contempla a douta sentença, o contrato de seguro em apreço garante, para as incapacidade temporárias, o pagamento de 100% da remuneração líquida, a tal resultado não se chega mediante a dedução das taxas devidas a titulo de IRS e segurança social, como indevidamente fez a douta sentença, mas antes pelo valor liquido efetivamente auferido pelo sinistrado, conforme recibos de vencimento e que corresponde a € 704,63, sendo esse aliás, o valor indicado pela entidade patronal para o efeito, cfr. participação de sinistro junta aos autos a fls.
F. No limite, sendo que o contrato de trabalho apenas vigorava, antes do sinistro, por período que não chegou a dois meses, para obter o salário ilíquido, seria de considerar a média dos salários auferidos, para o que haveria de considerar a quantia mensal de € 680,81 (€704,63 + 656,78: 2)
G. Assim, considerando o salário líquido de €704,63, são devidas ao sinistrado as quantias de € 3752,88 de ITA (€704,63x12:365 x162) e €180,69 de ITP a 10% (€704,63x12:365x10%x78), num total de € 3.933,57, a que há a deduzir a quantia já adiantada pela Ré a esse titulo, € 3.574,49 (cfr, facto provado 17), tendo o sinistrado a receber de diferença de Its apenas a quantia de € 359,08 e não a quantia a que foi condenada cfr. ponto b1 da decisão;
H. Por ser assim, no que toca ao cálculo das indemnização devidas ao sinistrado pelas incapacidades temporárias, a douta sentença fez uma incorreta subsunção dos factos provados à lei aplicável e ao contrato de seguro em causa, termos em que, conforme estatuído no artigo 71.º da LAT, deve a douta sentença ser parcialmente alterada na alínea b1) do dispositivo, condenando-se a recorrente a pagar à autora as diferenças de indemnizações por incapacidades temporárias no montante de € 180,36.
I. Ao decidir fazer integrar na retribuição anual o valor mensal do complemento horário vezes 13 e não 12, além de ser nula por falta de fundamentação, Art.º 615º nº 1 b) CPC, a douta sentença violou o nº 3 do Art.º 71º da LAT, devendo ser substituída por douta Acórdão que contemple aquela rubrica integrante do vencimento anual considerando o valor mensal x 12, passando a considerar-se a retribuição anual do sinistrado no montante anual de € 10.582,00 (€700 x 14 +€44 x 12 + €251 x 1).
J. Termos em que a douta sentença deverá ser substituída por douto Acórdão fixe em € 10.582,00 a retribuição anual auferida pelo trabalhador
K. Aqui chegados e considerando o valor anual remuneratório para efeitos de cálculo das prestações e mais considerando o previsto no Art.º 48ºnº 3 c) da LAT, e bem assim que o sinistrado ficou a padecer de uma IPP de 1%, a pensão anual e vitalícia a fixar-lhe deverá ser € 74,07 (€10.582,00x70%x1%).
L. Deverá pois a douta sentença ser alterada na parte em que atribui e condena a Ré pagar uma pensão anual e vitalícia de € 74,39, por douto Acórdão que fixe aquela pensão no montante de € 74,07.
*
Apresentamos seguidamente um breve resumo dos autos para melhor compreensão:
AA instaurou a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e XX, Lda., peticionando:
- Que seja reconhecido o evento dos autos ocorrido em 20 de Outubro de 2021 como acidente de trabalho e, consequentemente;
1 - Que a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., seja condenada a pagar ao Autor:
a) A pensão anual e vitalícia de € 86,60 e, uma vez que é obrigatoriamente remível, o respetivo capital de remição, no montante de € 1.374,00;
b) A importância de € 1.288,27, a título de diferença pelos períodos de incapacidade temporária;
d) Juros de mora até integral pagamento das quantias referidas de 1.a) e 1.b). 2 - Caso se entenda que a retribuição não se encontrava transferida na íntegra para a Ré seguradora, mais precisamente a importância, de € 1.952,21, que as Rés sejam condenadas a pagar ao Autor:
a) A pensão anual e vitalícia de € 86,60, sendo da responsabilidade da Ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a importância de € 72,93, e da Ré “XX, Lda.”, a importância de € 13,67 e, uma vez que é obrigatoriamente remível, o capital de remição no montante de € 1.157,11, por parte da Ré seguradora, e no montante de €216,89, por parte da Ré empregadora;
b) A Ré seguradora Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., na importância de € 520,93, a título de diferença pelos períodos de incapacidade temporária;
c) E a Ré “XX, Lda.”, na importância de € 634,74, pelos períodos de incapacidades temporárias;
d) Juros de mora até integral pagamento das quantias referidas de 2.a) a 2.c).
Alega, em síntese: Que no dia 20 de Outubro de 2021 trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré “XX, Lda.”, como operador de máquinas, com a retribuição anual no montante de € 12.370,10, correspondente ao salário base de € 700,00 x 14 meses, o complemento de horário contínuo de € 42,50 x 13 e horas extra no valor de € 2.016,56 x 1. No dia acima indicado, cerca das 13H15, nas instalações da Ré empregadora, sitas em ..., o Autor foi vítima de um acidente que lhe causou lesões que justificaram uma (ITA) de 21/10/2021 a 31/03/2022 e um de incapacidade temporária parcial de 10% de 01/04/2022 a 17/06/2022 e, em exame médico considerou-se, ainda, que a alta ocorreu em 17/06/2022, bem como que o sinistrado ficou com uma incapacidade permanente parcial de 1%.
A Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. contestou a ação, alegando, em síntese, que aceita a ocorrência e caracterização do acidente como de trabalho e aceita as conclusões do douto exame singular. Mais alega que o valor da remuneração segura é de € 10.417,89 anuais, correspondendo ao salário base de € 700,00*14, acrescido de € 44,00*12 e € 89,89*1. Mais alega que tendo já pago ao Autor o montante de € 3.574,49 pelos períodos de incapacidade temporária, calculados tendo em conta 100% da retribuição líquida - € 704,63/mês - apenas lhe deve a esse título a diferença de € 127,60.
A Ré XX, Lda. contestou a ação, alegando, em síntese, que aceita a existência do acidente, tal como descrito no exame médico, frisando considerar que a totalidade da remuneração está transferida para a Seguradora, pelo que não é responsável por nenhum valor quanto ao acidente sofrido pelo Autor. Termina pugnando pela sua absolvição.
Procedeu-se à realização da audiência final e, após, à prolação de sentença que julga a ação parcialmente procedente porque provada e, em consequência:
a) Reconhece como retribuição anual do Autor o valor de € 10.626,52.
b) Condena a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Autor AA:
b1 – a quantia de € 602,78 (seiscentos e dois euros e setenta e oito cêntimos) correspondente ao remanescente do valor devido a título da incapacidade temporária absoluta desde 21 de Outubro de 2021 a 12 Março de 2022 e de incapacidade temporária parcial de 10% de 01 de Abril de 2022 a 17 de Junho de 2022 (162 dias e 78 dias respetivamente);
b2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 74,39 (setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 17 de Junho de 2022 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
c) Absolve a Ré XX, Lda. dos pedidos contra si formulados.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
A. RECURSO INDEPENDENTE:
1ª – A sentença é nula?
2ª – O valor referente a horas extraordinárias que integra a retribuição para efeitos de cálculo deve apurar-se distintamente?
B. RECURSO SUBORDINADO:
1ª – A sentença errou no cálculo das indemnizações por IT?
2ª – A sentença é nula?
3ª – A pensão anual deve ser recalculada?
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FUNDAMENTAÇÃO:
A 1ª questão a apreciar prende-se com a nulidade da sentença, ao que compreendemos, por insuficiência da matéria de facto.
Defende o Apelante que pese embora na sentença se mencione que a retribuição anual para efeitos de indemnização é no montante de €10.626,52, não fez constar tal dos factos provados, assim como não se fez constar dos factos não provados a importância que se entendia que o A. não tinha auferido a título de horas extra, mais precisamente a importância de €1.743,58.
Independentemente do enquadramento legal desta pretensão – nulidade da sentença por omissão de pronúncia ou insuficiência factual, aquela a analisar no âmbito do Art.º 615º/1-d) e esta no âmbito do Art.º 662º/2-c), ambos do CPC-, discussão em que não penetraremos, cumpre salientar que o Apelante labora em erro.
Na verdade, como bem decorre dos autos, esteve em causa o valor da retribuição para efeitos de cálculo das indemnizações e pensão. Este é um conceito jurídico e afere-se em função dos valores parciais efetivamente auferidos. Assim sendo, o valor da retribuição para aqueles efeitos é uma conclusão a retirar do conjunto de factos que espelhem aqueles valores.
Ora, olhando ao acervo fático vemos que ali consta a matéria que a sentença levou em linha de conta para concluir pelo valor da retribuição. Esta conclusão, porque se reveste dessa natureza, não tinha que –nem podia- enformar o acervo fático, visto que este, tal como prescrito no Artº 607º/4 do CPC é composto por factos.
Termos em que improcede a questão em apreciação.
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Também a Recrte. R. invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação porquanto a mesma fez integrar na retribuição anual o valor mensal do complemento horário vezes 13 e não 12.
Dispõe o Art.º 615º/1-b) do CPC que a sentença é nula se não contiver a fundamentação.
Ocorre, porém, que só uma leitura desatenta por parte da R. permite invocar falta de fundamentação da sentença neste conspecto.
Na verdade, lê-se ali a páginas 8 e 9:
Ora, nos termos do artigo 71º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, as demais prestações, além do subsídio de Natal, de férias e da retribuição base, pagas com carácter de regularidade, integram o conceito de retribuição a fim de calcular as prestações devidas após um acidente de trabalho, salvo se se destinarem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

Não restam dúvidas que o trabalhador foi contratado pela Ré XX, Lda., em 1 de Setembro de 2021 e deveria auferir, além do salário base, o complemente de horário contínuo, que seria de € 44,00 mensais. Uma vez que este era um valor que constitui uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho do Autor, este valor tem de se refletir no subsídio de férias e na retribuição de férias, sendo por isso de calcular multiplicando por 13 vezes, ou seja, o valor anual de € 572,00 e não apenas 12 vezes, como referido pela Ré Seguradora.”
Em presença deste extrato, é patente a fundamentação exarada, pelo que improcede a questão em apreciação.
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OS FACTOS:
1 - No dia 20 de outubro de 2021, o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré “XX, Lda.”, como operador de máquinas.
2 - No dia acima indicado, cerca das 13H15, nas instalações da Ré empregadora, sitas em ..., quando o Autor se encontrava a movimentar balotes de chapa e um deles caiu-lhe em cima do pé/perna esquerda.
3 - Do acidente resultou para o Autor traumatismo do joelho esquerdo, com contusão óssea e traumatismo da TT esquerda, com rotura parcial do ligamento dorsal talo navicular.
4 - A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º AT63871804.
5 - Do acidente e das lesões que se lhe seguiram resultou para o sinistrado um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 21 de Outubro de 2021 a 31 de Março de 2022 e um de incapacidade temporária parcial de 10% de 01 de Abril de 2022 a 17 de Junho de 2022.
6 - No exame médico considerou-se que a alta ocorreu em 17 de Junho de 2022, bem como que o sinistrado ficou com uma incapacidade permanente parcial de 1%.
7 - O Autor concordou com o exame médico realizado e o seu resultado, no âmbito da tentativa de conciliação ocorrida na Procuradoria do Juízo do Trabalho do Barreiro em 09 de Março de 2023.
8 - As Rés, no âmbito da tentativa de conciliação, aceitaram a existência do acidente, a sua caracterização como de trabalho e o nexo causal entre o acidente e as lesões do sinistrado, assim como o resultado do exame médico quanto aos períodos de incapacidades temporárias, a data da consolidação médico-legal e a IPP de 1%.
9 - A Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., aceitou proceder ao pagamento da importância de € 127,60, a título de diferença pelos períodos de incapacidade temporária.
10 - No que respeita à remuneração anual auferida pelo sinistrado, a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., apenas aceitou a responsabilidade pela remuneração de €10.417,89, mais precisamente salário base de €700,00 x 14, outros € 44,00 x 12 e horas extraordinárias € 89,89 x 1.
11 - A Ré “XX, Lda., não aceitou a responsabilidade pela diferença verificada na retribuição anual, no montante de € 1.952,21, por entender que a retribuição anual do sinistrado se encontrava toda transferida para a Ré seguradora.
12 - Existe adequação entre o traumatismo e o dano corporal, sendo o traumatismo sofrido adequado a produzir as lesões verificadas.
13 – O Autor auferiu, relativamente ao mês de Setembro de 2021, os seguintes montantes: - € 700,00 de vencimento base; - € 44,00 de complemento de horário contínuo; - € 89,89 de remuneração de horas extraordinárias;
14 – O Autor auferiu, relativamente ao mês de Outubro de 2021, os seguintes montantes: - € 700,00 de vencimento base; - € 26,00 de complemento de horário contínuo; - € 164,63 de remuneração de horas extraordinárias; - € 104,00 a título de prémio de produtividade.
15 – O Autor foi admitido ao serviço da Ré XX, Lda. no dia 01 de Setembro de 2021.
16 – As folhas de remuneração do trabalhador sinistrado (“folhas de férias”) foram remetidas pela Ré XX, Lda. à Ré Seguradora e contêm a totalidade da remuneração paga ao trabalhador nos meses de Setembro e Outubro de 2021, incluindo o complemento de horário contínuo (CHC) e o trabalho suplementar.
17 – A Ré seguradora já pagou ao Autor, a título de indemnização pelas incapacidades temporárias o valor de € 3.574,49.
18 – O contrato de seguro, celebrado pelas Rés, garantia o pagamento de 100% da remuneração líquida do trabalhador, durante as incapacidades temporárias.
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O DIREITO:
Deter-nos-emos seguidamente sobre as demais questões suscitadas, iniciando a discussão pela 2ª questão decorrente do recurso independente - o valor referente a horas extraordinárias que integra a retribuição para efeitos de cálculo deve apurar-se distintamente?
Considerou-se na sentença que:
Quanto às horas extraordinárias, o Autor recebeu o valor de € 254,52 de horas extraordinárias realizadas no mês de Setembro e Outubro até à data do acidente. Deverá entender-se que este valor era regularmente auferido e extrapolar o seu valor para os meses de um ano, a fim de calcular um valor de remuneração anual que o inclua?
Entendemos que não podemos fazer esta extrapolação. As horas extraordinárias, como o próprio nome indica, corresponde a trabalho suplementar realizado para além do horário de trabalho e dependerá da disponibilidade do trabalhador e da necessidade da entidade empregadora, não correspondendo à prestação de trabalho regular. O facto de o trabalhador apenas ter trabalhado um mês e meio naquela empresa, antes da ocorrência do acidente, não nos permite ter qualquer informação da regularidade da prestação de trabalho suplementar e, que sendo regular, o seu valor deveria integrar o subsídio de férias e ser pago 13 vezes.
A informação que temos é que o Autor trabalhou aquelas horas em concreto e, devido às mesmas, auferiu o valor de € 254,52, que este valor foi comunicado à empresa seguradora e logo, deve ser relevante para o cálculo da indemnização.
Assim, nos termos do disposto no artigo 71º, n.º 5 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, na falta de elementos do último ano que permitam calcular a média da retribuição do Autor por horas extraordinárias, fixa-se a retribuição anual do Autor no valor de € 10.626,52, correspondendo ao valor do salário base pago 14 vezes ao ano, ao complemento de horário contínuo pago 13 vezes ao ano e ao trabalho extraordinário efetivamente prestado (€ 700,00 *14 + € 44,00*13 + € 254,52).
Pretende o Apelante que da factualidade dada como provada resulta que o A. começou a trabalhar para a R. empregadora em 01.09.2021 e que desde essa data até à data do acidente, ocorrido em 20.10.2021, o A. auferiu a título de horas extraordinárias, como foi dado como provado, a importância de €89,89, no mês de setembro de 2021, e €164,63, no mês de outubro do mesmo ano. Assim, em conformidade com o decidido no acórdão da RLx. de 13.02.2019, proc. n.º 1130/15.0T8BRR.L1-4, num caso em que um sinistrado apenas trabalhou 12 dias, dúvidas não se suscitam que se trata de uma prestação regular. Propõe, pois, que o cálculo se faça, quanto às horas extra, e atento o disposto no n.º 3, do art.º 71, apurando o valor diário €5,09 (254,52 : 50 = €5,09), multiplicando-o, após por 365 dias, para apurar o valor dos 12 meses/anual, que seria de €1.857,85. Concluindo-se, assim, por um valor, mensal de €154,82.
Contrapõe a Apelada que no caso concreto, dado que o contrato de trabalho vigorava há cerca de dois meses, (cfr. facto provado 1 e 15), não há elementos para apurar a média auferida pelo sinistrado, pelo que nos termos do nº 5 do Art.º 71º da LAT o cálculo se deve fazer segundo o prudente arbítrio do juiz conforme feito na sentença. E se houvesse que apurar uma média, seria então pela soma das prestações auferidas a dividir pelos 2 meses de trabalho e a multiplicar por 12 e não por 13 vezes, dando neste ponto por integralmente reproduzida a argumentação infra aduzida no recurso subordinado quanto ao complemento horário.
Que dizer?
Começamos por salientar que não está em causa a circunstância de os valores pagos a título de horas extraordinárias integrarem o conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações. Essa matéria está assumida por ambas as partes.
A discórdia centra-se no modo de cálculo e decorre da circunstância de o sinistrado ter, à data do acidente, um histórico relacional curto (1 mês e meio de atividade) – se por referência a um valor anual previsível, se por referência apenas ao valor efetivamente auferido.
Na equação cumpre atentar no disposto na Lei 98/2009 de 4/09, mais precisamente no que se dispõe no Art.º 71º:
Artigo 71.º
Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respetiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.
7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça atividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.
8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
10 - A ausência ao trabalho para efetuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho
Em causa o nº 3, segundo o qual, a regra para efeitos de cálculo é obter o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de férias e de Natal e de outras prestações regulares.
A sentença recusou a multiplicação pelo hipotético valor anual na medida em que o sinistrado apenas trabalhou cerca de um mês e meio.
O Apelante centra-se no teor de um acórdão proferido nesta RLx. no âmbito do Proc.º 1130/15.0T8BRR.
Da leitura que fazemos do mesmo a questão aí abordada não é a mesma que está em causa nestes autos. O que aí se discutiu foi o conceito de regularidade e que prestações deveriam ser contabilizadas. Daí que ali se tivesse decidido que “podemos assentar que, face ao disposto no nº 2 do artigo 71º da LAT e do artigo 258º do CT/2009, para efeitos de acidente de trabalho, integram o conceito de retribuição mensal todas as prestações pagas pelo empregador ao trabalhador com carácter de regularidade, que não se destinem a compensar custos aleatórios, cabendo ao empregador provar que as atribuições patrimoniais feitas ao trabalhador, a título de ajudas de custo, constituem verdadeiras despesas feitas ao serviço do empregador ou da empresa, sob pena de, não o fazendo, não ser aplicável o disposto no artigo 260º do CT e operar a presunção a que alude o nº 3 do artigo 258º do mesmo Código, devendo, assim, tais prestações ser consideradas como integrando a retribuição. Dito de outra forma, para o cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, o conceito de retribuição mensal a que alude o nº 2 do artigo 71º da LAT integra as prestações pagas pelo empregador ao trabalhador com carácter de regularidade, que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, cabendo ao empregador provar que essas atribuições patrimoniais tiveram esse destino, sob pena de serem consideradas retribuição.”
É, todavia, certo, que nesse aresto os factos revelam que o sinistrado tinha um registo de atividade de apenas 12 dias e que se partiu de um cálculo assente no valor anual.
Centremo-nos, então, na lei.
Não se duvida que da mesma decorre um conceito de retribuição mais lato do que aquele que emerge do Código do Trabalho. Por isso nele se integram todas as prestações que assumam carater de regularidade, sendo esta uma característica essencial da retribuição no âmbito da Lei 98/2009 que, por essa via e pela exclusão das prestações destinadas a compensar custos aleatórios, privilegia a medida das expetativas de ganho do trabalhador.
Em presença do nº 3 do Art.º 71º os valores que integram o conceito de retribuição anual correspondem ao produto de 12 vezes os mensais. Por sua vez, em presença de trabalho a tempo parcial o cálculo tem como base a retribuição que os trabalhadores aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro (nº 9), o que revela a presença de um critério de aferição que parte de uma ficção. Se assim é para os trabalhadores a tempo parcial, por maioria de razão também deve ser para aqueles que trabalham em full time.
Não podemos perder de vista o escopo das prestações emergentes de acidente de trabalho – compensar o trabalhador pela perda de ganho decorrente do evento infortunístico.
E, por outro lado, cumpre, por força do disposto no Art.º 342º/2 do CC, à entidade responsável provar que os valores auferidos o não seriam com a regularidade mensal previsível. Assim se vem decidindo no tocante à natureza compensatória de custos aleatórios – para além do acórdão supra referido, também o Ac. da RLx. de 9/05/2018, Proc.º 743/16.7T8TVD.
Ora, se no mês e meio de atividade o trabalhador realizou trabalho extraordinário e por ele foi pago, porquê concluir que a situação não se manteria no futuro se não tivesse sido o evento? Os autos nada revelam nesse sentido.
Decidiu-se no Ac. da RP de 14/03/2022, Proc.º 1451/20.0T8PNF que “se o sinistrado sofre um acidente de trabalho decorridos, dois meses, após o início do contrato de trabalho e durante esse período a empregadora lhe pagou, em montantes varáveis, todos os meses quantias que designou de “ajudas de custo”, revestindo estas natureza retributiva, as mesmas, no cômputo da remuneração anual ilíquida que servirá de base ao cálculo das indemnizações e pensão devidas àquele, têm de ser consideradas nos termos das expectativas de ganho daquele, ou seja, as 12 vezes (retribuição anual)”.
E decidiu o STJ em Ac. de 13/07/2006, Proc.º 06S1958, tendo, embora, por base o equivalente normativo da legislação anterior, que a norma do artigo 26º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, ao reportar-se à retribuição anual ilíquida, não pretende significar que a pensão é calculada com base nas remunerações efetivamente auferidas durante um ano, e visa antes fornecer um critério para calcular a retribuição normalmente auferida pelo trabalhador tomando por base o período temporal de um ano. E, assim, à luz da anterior proposição, a circunstância de o trabalhador ainda não ter completado um ano ao serviço do réu não impede que se calcule, com base nos elementos que se apuraram no processo, qual o montante anual que o trabalhador normalmente auferiria se prosseguisse a sua atividade.
Daí que concordemos com a proposta efetuada pelo Apelante no que tange ao cálculo do valor do trabalho suplementar - apurando o valor diário €5,09 (254,52: 50 = €5,09), multiplicando-o, após por 365 dias, para apurar o valor dos 12 meses/anual, que seria de €1.857,85. Concluindo-se, assim, por um valor, mensal de €154,82.
Ainda o Apelante sustenta que uma vez que se considera que tal prestação é devida nos 12 meses de trabalho e que se trata de uma contrapartida pelo trabalho prestado, a mesma terá de ser refletida no subsídio de férias, pelo que, €154,82 vezes 13 meses dá o valor anual desta prestação, no montante de €2.012,66 - a este propósito vide, por exemplo, acórdão do STJ de 01.10.2012, por unanimidade, proc. n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Em Ac. de 3/07/2024, Proc.º 25879/22.1T8LSB1 decidimos que “Auferindo o trabalhador sinistrado, para além do salário base, componentes remuneratórias denominadas de “Subsídio de Turno”, “Sub. Função “Transtainers”, “Trabalho suplementar” e “Subsídio Transporte”, cuja valoração para efeitos de retribuição enquanto base de cálculo das prestações devidas pelo acidente de trabalho foi assumida, devem tais componentes projetar-se nos cálculos à razão de 13 meses no ano no caso dos três primeiros e 11 meses no último. Esta projeção decorre da circunstância de as três primeiras prestações deverem integrar o subsídio de férias e a última não.”
Esta proposição assentou na seguinte ordem de razões que ora mantemos: “Dispõe o Art.º 264º/2 do CT que o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo este a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Por outro lado, do Art.º 71º/3 da LAT extrai-se a inclusão do subsídio de férias no cômputo das prestações por acidente.

Em discussão apenas o preenchimento do conceito que emana do Art.º 264º/2 do CT – conceito de subsídio de férias. Importa, pois, aquilatar se as componentes retributivas em presença se devem ter como contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Atenta a regularidade no respetivo pagamento, e na ausência de quaisquer outros elementos factuais –cuja prova cabia à Apelada, nos termos do disposto no Art.º 342º/2 do CC – a resposta é positiva, exceto no concernente ao subsídio de transporte que, efetivamente, e recorrendo a um critério meramente baseado nas regras da experiência comum, não se vê como possa constituir contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
E, assim, os valores respeitantes àqueles complementos remuneratórios devem, nesta sede, multiplicar-se por 13, tal como pretendido.”
Termos em que procede a questão em apreciação.
***
Enfrentaremos de seguida as 1ª e 3ª questões suscitadas no recurso subordinado.
O recurso subordinado vem circunscrito a três segmentos da sentença, a saber, (i.) a determinação da remuneração ilíquida para efeito de cálculo das incapacidades temporárias; (ii.) o cálculo por 13 vezes do complemento de horário contínuo para aferir do montante anual da remuneração do sinistrado; e (iii.) a revisão dos pontos anteriores impõe a revisão dos montantes atribuídos a título de incapacidades temporárias e a título de pensão anual e vitalícia.
Começando pela - A sentença errou no cálculo das indemnizações por IT?
Consignou-se na sentença: “O Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta de 21 de Outubro de 2021 a 31 de Março de 2022, que corresponde a 162 dias de incapacidade, os quais conferem o direito a uma prestação de 70% do valor da sua retribuição, nos termos do artigo 48º, n.º 3, alínea d) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro. No entanto, o contrato de seguro que abrange este contrato de trabalho garante o pagamento de 100% da remuneração líquida. Assim sendo, o valor a considerar não é o de 70% do salário bruto, mas a totalidade do salário líquido, ou seja, o valor após desconto de 11% da segurança Social e 4,5% de IRS, o valor de 84,5% do salário bruto.
No que concerne ao valor da indemnização devida a título de incapacidade temporária absoluta, a mesma é calculada em € 3.985,38 (€ 10.626,52/365 *162*84,5%).
O Autor esteve ainda em situação de incapacidade temporária parcial de 10% de 01 de Abril de 2022 a 17 de Junho de 2022, que corresponde a 78 dias de incapacidade temporária parcial, os quais conferem o direito a uma prestação de 70% da redução sofrida na capacidade de ganho, nos termos do artigo 48º, n.º 3, alínea e) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro. Mas tal como supra referido, o contrato de seguro de acidentes neste caso, tem uma cobertura mais vantajosa, devendo ser multiplicado por 84,5% correspondente ao salário líquido na sua totalidade.
No que concerne ao valor devido a título de incapacidade temporária parcial de 10%, o mesmo é calculado em € 191,89 (€ 10.626,52/365 *78*10%*84,5%).
Pretende a Recrte. que ao resultado das indemnizações não se chega mediante a dedução das taxas devidas a título de IRS e segurança social, mas antes pelo valor efetivamente liquido auferido pelo sinistrado, conforme recibos de vencimento, apelando após a que se recorra a valores resultantes de recibos que refere.
Provou-se que a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º AT63871804 e que o contrato de seguro, celebrado pelas Rés, garantia o pagamento de 100% da remuneração líquida do trabalhador, durante as incapacidades temporárias.
Mais se provou que o Autor auferiu, relativamente ao mês de Setembro de 2021, os seguintes montantes: - € 700,00 de vencimento base; - € 44,00 de complemento de horário contínuo; - € 89,89 de remuneração de horas extraordinárias e relativamente ao mês de Outubro de 2021, os seguintes montantes: - € 700,00 de vencimento base; - € 26,00 de complemento de horário contínuo; - € 164,63 de remuneração de horas extraordinárias; - € 104,00 a título de prémio de produtividade.
Não vem suscitada a modificação da decisão de facto. Assim, será com base nos factos cuja prova se obteve que se decidirá.
A sentença partiu do valor que teve em conta como salário anual - € 700,00 *14 + € 44,00*13 + € 254,522), dividindo-o por 365 e aplicando, após um percentual que resulta da dedução das taxas tributárias aplicadas3.
Não consta dos autos o texto da apólice, documento que nos permitiria perceber se existe uma definição para o se se entendeu por “remuneração líquida do trabalhador”. Consta apenas, com entrada de 10/10/2022, a folha de rosto das condições particulares que não contém qualquer definição.
Consultada a Apólice Uniforme – Portaria 256/11 de 5/07 – também ali não encontramos alguma definição.
A Recrte. também não efetua qualquer enquadramento jurídico da questão.
Assim, não nos merece censura a decisão recorrida quando, em vez de calcular a indemnização com base em 70% do salário conforme Art.º 48º/3 e 4, procede ao cálculo nos termos referidos (mais favorável).
*
Passamos, assim, à 3ª questãoo recálculo da pensão anual por referência ao modo de calcular o complemento horário.
Alega a Apelante que não se conforma com o cálculo por 13 vezes do valor mensal do complemento de horário contínuo para aferir do montante anual da remuneração do sinistrado, por total ausência de fundamento legal ou fáctico e por do Art.º 71º decorrer que para cálculo da retribuição é considerada a retribuição mensal 12 vezes, não se compreendendo pois o que motivou o Tribunal a, sem qualquer fundamentação, considerar a referida rubrica mensal vezes 13.
Relativamente à invocada falta de fundamentação já acima nos pronunciámos.
Resta agora aferir do bem ou mal fundado do cálculo.
Conforme já demos nota, a sentença explicou que do Art.º 71º decorre a inclusão, no cálculo das prestações devidas, das demais prestações, além do subsídio de Natal e do de férias e da retribuição base, desde que pagas com carácter de regularidade e desde que não se se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Mais ponderou que o sinistrado auferia um complemento de horário contínuo, que seria de € 44,00 mensais e, uma vez que este era um valor que constitui uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho do Autor, este valor tem de se refletir no subsídio de férias e na retribuição de férias, sendo por isso de calcular multiplicando por 13 vezes.
Mostra-se devidamente enquadrada a questão.
Na verdade, conforme já explicámos a propósito dos valores devidos por trabalho suplementar, dispõe o Art.º 264º/2 do CT que o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo este a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Ora, resultando do acervo fático que, para além da remuneração base, o A. no período de referência, auferiu também um valor a título de complemento de horário, este integra, por força daquele dispositivo, o subsídio de férias, recordando-se, para este efeito, a presunção legal que emerge do disposto no Art.º 258º/3 do CT. Presunção que impõe à R. o ónus da prova do contrário.
Deste modo, decorrendo do nº 3 do Art.º 71º que o subsídio de férias integra o cômputo da retribuição para efeitos de cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, o valor do complemento deve contabilizar-se para tal efeito.
E, assim, os valores respeitantes àquele complemento remuneratório devem, nesta sede, multiplicar-se por 13, tal como decidido.
Improcede, deste modo, a questão em apreciação.
***
Aqui chegados cumpre recalcular os valores devidos, dada a procedência da apelação interposta pelo A.. Fica, como é óbvio, prejudicada a questão também suscitada pela R. a este propósito.
Temos, assim, que o mesmo auferia, por mês, 700,00€ a título de salário base, 44,00€ a título de complemento horário e 154,82€ por horas extraordinárias.
Ou seja, 700,00 *14 + € 44,00 *13 + 154,82 * 13 = 12.384,66€ anuais.
Partindo destes dados e do supra decidido, recalculemos, então, as indemnizações e a pensão!
- ITA: 12.384,66/365 * 162 * 84,5% = 4.644,75€
- ITP 10%: 12.384,66/365 * 78 * 10% * 84,5% = 223,63€
- IPP 1%: 12.384,66 * 1% * 70% = 86,69€
Considerando que a Ré seguradora já pagou ao Autor, a título de indemnização pelas incapacidades temporárias o valor de € 3.574,49, deve, a este título, a quantia de 1.293,89€.
Tendo o A. tido alta em 17/06/2022, o capital de remição da pensão é devido desde 18/06/2022 (Art.º 50º/2 da LAT).
<>
As custas de ambas as apelações são da responsabilidade da R, porquanto ficou vencida em ambas (Art.º 527º do CPC).
*
***
*
Em conformidade com o exposto acorda-se em:
A. Julgar procedente a apelação interposta pelo A. e, em consequência modificar a sentença quanto aos segmentos decisórios a) e b) nos seguintes termos:
a. Reconhece-se como retribuição anual do A. o valor de doze mil trezentos e oitenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos (12.384,66€);
b. Condena-se a R. FIDELIDADE, SA. a pagar ao A.:
1. a quantia de mil duzentos e noventa e três euros e oitenta e nove cêntimos (1.293,89€) a título de diferenças por indemnização por IT.
2. O capital de remição de uma pensão anual vitalícia no valor de oitenta e seis euros e noventa e nove cêntimos (86,69€), desde 18/06/2022, acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde então e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Custas pela Apelada.
B. Julgar a apelação interposta pela R. improcedente e, em consequência confirmar, nessa parte, a sentença.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 20/11/2024
MANUELA FIALHO
FRANCISCA MENDES
PAULA POTT
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1. De cujo coletivo fez parte a ora 1ª Adjunta
2. Sendo 700,00€ o valor do salário base, 44,00€ o complemento de horário e 254,52€ o das horas extraordinárias
3. 11% de segurança social e 4,5% de IRS