Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CALHEIROS DA GAMA | ||
Descritores: | MEIOS DE PROVA PROIBIÇÃO DE PROVA VIDEOVIGILÂNCIA GRAVAÇÃO ILÍCITA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/04/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | A obtenção dos fotogramas através do sistema de videovigilância existentes num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum nº 1630/08.8PFSXL do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Seixal, o arguido A…, actualmente em prisão preventiva à ordem destes autos, foi submetido a julgamento vindo a ser condenado pelo Tribunal Colectivo do Circulo Judicial de Almada, por acórdão proferido em 3 de Dezembro de 2009, pela prática em autoria material e em concurso real de: a. Um crime de furto simples, p. e p., pelo artº 203º, nº 1 do Cód.Penal, na pena de três meses de prisão (nuipc 826/09.7PGALM); b. Dois crimes de furto simples, p. e p., pelo artº 203º, nº 1 do Cód.Penal (nuipc 1576/08.0PFSXL), na pena de cinco meses de prisão para cada um dos crimes; c. Um crime de receptação, p. e p., pelo artº 231º, nº 1 do Cód.Penal (nuipc 479/08.2PDALM), na pena de um ano de prisão; d. Um crime de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 1, alínea a) do Cód.Penal (nuipc 667/08.1PASXL), na pena de dois anos e seis meses de prisão; e. Um crime de furto simples, p. e p., pelo artº 203º, nº 1 do Cód.Penal, (nuipc 489/08.0GASXL) na pena de um ano de prisão; f. Um crime de furto simples, p. e p., pelo artº 203º, nº 1 do Cód.Penal, (nuipc 865/08.PBSXL), na pena de um ano de prisão; g. Um crime de furto simples, na forma tentada, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 203º, nº 1, 22º, 23º e 73º, todos do Cód.Penal (nuipc 867/08.4PESXL), na pena de nove meses de prisão; h. Um crime de dano simples, p. e p., pelo artº 212º, nº 1 do Cód.Penal (nuipc 867/08.4PESXL), na pena de oito meses de prisão; i. Um crime de furto simples, p. e p., pelo artº 203º, nº 1 do Cód.Penal, (nuipc 822/08.4SDLSB), na pena de um ano de prisão; j. Um crime de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 1, alínea b) do Cód.Penal (nuipc 1007/08.5PALGS), na pena de dois anos e seis meses de prisão; k. Um crime de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 2, alínea e) do Cód.Penal (nuipc 1160/08.8GCMFR), na pena de quatro anos de prisão; l. Um crime de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 2, alínea e) do Cód.Penal, (nuipc 1630/08.8PFSXL), na pena de dois anos e quatro meses de prisão; m. Um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo artº 86º, nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, (nuipc 822/08.4SDLSB) na pena de oito meses de prisão; n. Dois crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p., pelo artº 291º, nº 1 do Cód.Penal (nuipc 1138/08.1PAALM e nuipc 1630/08.8PFSXL), na pena de dois anos e seis meses de prisão, para cada um dos crimes; o. Um crime de dano qualificado, p. e p., pelo artº 213º, nº 1, alínea c) do Cód.Penal, (nuipc 1630/08.8PFSXL) na pena de dois anos de prisão; p. Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p., pelo artº 347º, nº 1 do Cód.Penal, (nuipc 1138/08.1PAALM) na pena de três anos de prisão; q. Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p., pelo artº 347º, nº 1 do Cód.Penal, (nuipc 1630/08.8PFSXL) na pena de um ano e seis meses de prisão; r. Dois crimes de injúria agravada, p. e p., pelos arts. 181º, 184º e 132º, alínea h) do Cód.Penal, (nuipc 1630/08.8PFSXL) na pena de três meses prisão para cada um deles. Em cúmulo jurídico, nos termos do artº 77º do Cód. Penal na pena única de oito anos de prisão; Em duas sanções acessórias da proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dezoito meses, nos termos do artº 69º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal; Em cúmulo, na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de três anos, nos termos do artº 69º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal[1]; 2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: “lª Conclusão Limita o recorrente, o âmbito do recurso, nos termos da alínea C) do número 2 do art.403.9 do CPP ao crime de furto qualificado p.p. pelo art.204.g, nº2, alínea e) do Código Penal (NUIPC 1160/08.8GCMFR) pela prática do qual foi condenado na pena de quatro anos de prisão. 2ª Conclusão O arguido foi condenado, como autor material de um crime de furto qualificado, p.p. pelo art.204º, nº 2, alínea e) do Código Penal (NUIPC 1160/08.8GCMFR) na pena de quatro anos de prisão, tendo, o Tribunal "a quo" , dado como provados para suportar a referida condenação os factos constantes dos números 95 a 102 do ponto 2.1. - Factos provados. 3ª Conclusão A convicção/motivação do Tribunal "a quo" formou-se no facto do estabelecimento onde alegadamente o arguido cometeu o furto ter câmaras de videovigilância, cujas filmagens foram juntas aos autos (cfr. fls.865), estando os respectivos fotogramas a fls. 857 a 863, tendo entendido que, em tais fotogramas se vê a chegada do arguido, com o veículo Nissan Micra de matrícula 00-00-00, vendo-se, ainda, o arguido carregando em braços, peças de roupa e diverso outro material, não ficando dúvidas ao Tribunal "a quo" de ter sido o arguido o autor deste furto. 4ª Conclusão Ora, deste modo, duas questões se colocam: será efectivamente o arguido, que aparece nas filmagens e fotogramas e serão, tais filmagens e fotogramas, válidas como prova. 5ª Conclusão Relativamente a ser efectivamente o arguido que aparece nas filmagens e fotogramas e consultados os autos verificar-se-á que na grande maioria dos mesmos o autor do furto aparece de cara tapada, sendo que, naqueles em que aparece de cara relativamente visível, a qualidade não é suficiente para que se possa afirmar, sem margem para qualquer dúvida, de que se trata do arguido, tendo este negado a prática destes factos e não tendo sido identificado por qualquer das testemunhas. 6ª Conclusão Deste modo, fica aqui, pelo menos, uma dúvida se seria o arguido ou não o autor deste furto e, a existir tal dúvida, a mesma não poderia ter deixado de ter consequências em obediência ao principio in dúbio pró reo, havendo uma imposição de que os juizes se pronunciassem em sentido favorável ao arguido, pois, não poderia haver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, não podendo deixar de existir um estado de dúvida no espírito do julgador, embora, tal não transpareça do douto Acórdão. 7ª Conclusão Mais, com base nas imagens vem o Tribunal "a quo" a dar como provado que o arguido se "introduziu em estabelecimento comercial, através de arrombamento, não se percebendo como o fez, dado que não se vislumbra qualquer arrombamento. 8ª Conclusão No tocante à segunda questão - serão, tais filmagens e fotogramas, válidas como prova - será relativamente pacifico que a licitude da videovigilância se aferirá pela sua conformidade ao fim que a autorizou, havendo, desde logo, que saber se as câmaras aqui em causa estavam autorizadas e a quem e para que fim. 9ª Conclusão Tais interrogações não estão respondidas no douto Acórdão, nem tão pouco nos autos, violando-se, nomeadamente, os artigos 126º, nº 3 e 167º do CPP, pois, quanto à valoração da prova obtida por reproduções mecânicas, na qual se insere a videovigilância, importa ter em conta os n.º l e 2 do art.167.2 do CPP, citando-se nesse sentido o Acórdão do TRL, de 30-10-2008, Processo 8324/2008-9. 10ª Conclusão A interpretação contida no mesmo será a única a dar, ao art.12º do DL nº 231/98 de 22 de Julho. 11ª Conclusão Poder-se-á sempre argumentar que o fim visado pela instalação da videovigilância neste caso, apenas poderia ser o de prevenir a segurança do estabelecimento, e aceitando-se, que assim fosse, por mera facilidade de raciocínio, tal não invalida que estivessem sempre visíveis, avisos aos que lá se deslocam de que estão a ser filmados e só, nesta medida, a videovigilância seria legítima, não resultando dos autos ou sequer do douto Acórdão que fosse esse o caso. 12ª Conclusão Deste modo, as imagens oferecidas como prova e destinadas a demonstrar os factos que eram imputados ao arguido, não obedecem aos requisitos legais, ou seja, a videovigilância não estava autorizada e nem se encontrava devidamente assinalada, sendo que, em tais circunstâncias, as imagens constituem uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do "arguido." , nos termos conjugados dos artigos 125º, 126º e 167º do CPP e 32º, nº 8 da CRP. 13ª Conclusão E, deste modo, sendo tais meios de prova, o único suporte da acusação e da condenação constante do douto Acórdão e a considerar-se que a prova era proibida, tais imagens e o seu modo de obtenção (fotogramas, videovigilância) constituem prova nula e, em consequência, não poderiam ter sido consideradas e valoradas, nos termos e para os efeitos dos artigos 118º, 125º e 126º do CPP e tratando-se de autêntica nulidade insanável, a par das que constam do artigo 119º do CPP, deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, sendo assim, nulo todo o processado, desde a acusação - relativa a este crime naturalmente - inclusive, e ulteriores termos do processo. 14ª Conclusão E, assim, face ao incumprimento do principio in dúbio pró reo, nos termos acima expostos, ou, face à violação dos artigos 118.º-, 125º, 126. -, 161." todos do CPP e do n.58 do art.32.e da CRP, deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra, que leve em conta o referido princípio ou que, considere as imagens e o seu modo de obtenção prova nula, ferida de nulidade insanável, declarando, consequentemente nulo todo o processado, desde a acusação, inclusive, e todos os ulteriores termos processuais. Nestes termos e nos mais de direito que v. Exªs doutamente suprirão deverá o presente recurso ordinário ser aceite e a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que leve em conta o principio in dúbio pró reo ou que, considere as imagens e o seu modo de obtenção prova nula, ferida de nulidade insanável, declarando, consequentemente nulo todo o processado, desde a acusação, inclusive, e todos os ulteriores termos processuais, só assim se fazendo inteira justiça” 3. Respondeu o Ministério Público formulando as seguintes conclusões: “1- No que tange ao NUIPC 1160/08.8GCMFR e analisados os fotogramas juntos aos autos, designadamente os que constam a fls. 859 e segs, vê-se, sem margem para qualquer dúvida, que era o arguido quem entrou no interior do estabelecimento comercial indicado nos autos e dele retirou os objectos que estão melhor relatados no acórdão recorrido. 2-Assim o Tribunal “ a quo” valorou correctamente os elementos probatórios e que sustentaram que se desse como provado que foi o arguido quem praticou os factos correspondentes ao NUIPC 1160/08.8GCMFR. 3- Os fotogramas que permitiram a condenação do arguido pelos factos referidos em 2 devem ser considerados como meio de prova válida. 4- Desconhece-se se existe ou não autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, mas ainda assim e mesmo que não tivesse sido concedida tal autorização aos donos do estabelecimento “assaltado”, a actuação do arguido não preenche o preceituado no art. 199º do Cod. Penal, visto o arguido, sabendo que estava a ser filmado, não se inibiu de actuar e, por isso, de forma tácita deu o seu consentimento, e existe uma justa causa para a captação de imagens (protecção de pessoas e património), único meio necessário e apto a repelir a eventual agressão ilícita da propriedade do ofendido, visto inexistirem testemunhas presenciais. 5- A obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. 6- A decisão recorrida deve ser mantida. Deve assim negar-se procedência ao presente recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida, uma vez que só assim se fará a costumada justiça.” 4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs apenas o seu “visto”, consignando “nada mais se nos oferece acrescentar à “resposta” do M. Público em 1ª instância”, pelo que não careceu de ser dado cumprimento ao disposto no art. 417°, n° 2, do Código de Processo Penal. 5. Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso. 6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP). Mediante o presente recurso o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior em síntese as seguintes questões: - No que tange ao NUIPC 1160/08.8GCMFR, no âmbito do qual o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 2, al. e) do CP na pena de quatro anos de prisão, o Tribunal “a quo”: a) Não realizou uma correcta apreciação dos fotogramas juntos aos autos; b) Tais elementos probatórios, únicos utilizados para a condenação do arguido por tais factos, poderão não ser lícitos. 2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto posta em crise: a) O Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos (transcrição[2]): “NUIPC 1160/08.8GCMFR 1. No dia 25 de Novembro de 2008, cerca das 07H19, o arguido A…, conduzindo o veículo de matrícula 00-00-00[3], dirigiu-se ao prédio sito na Rua…, n. °,,,, em Igreja Nova Mafra, no qual se situam os escritórios da sociedade “B…, Lda.”, e no r/c uma loja de roupa, ambas representadas e pertencentes a C… e D…. 2. Ali chegado, e na persecução dos seus propósitos, destruiu a porta de acesso ao escritório e, em seguida, entrou. 3. Após, carregou do interior do escritório para o veículo em que se fazia transportar o seguinte: a. 385,00€ (trezentos e oitenta e cinco euros) em numerário; b. um casaco em pele genuína, preto, no valor de 370,00€ (trezentos e setenta euros); c. uma carteira Dolce & Gabbana, no valor de 75,00 (setenta e cinco euros); d. um portátil Sony Vaio U 7600, no valor de 1.804,01€ (mil oitocentos e quatro euros e um cêntimo); e. um portátil Sony Vaio VGN AW, no valor de 1.016,00€ (mil e dezasseis euros); f. um portátil Toshiba Portagê M 700, no valor de 994,00€ (novecentos e noventa e quatro euros); g. um portátil Asus P 8600, no valor de 963,69€ (novecentos e sessenta e três euros e sessenta e nove cêntimos); h. um portátil Toshiba Satélite A 300 1MI, no valor de 599,00€ (quinhentos e noventa e nove euros); i. dois portáteis Toshiba Satélite 300 1 CY, cada um deles no valor de 454,18€ (quatrocentos e cinquenta e quatro euros e dezoito cêntimos); j. um portátil Sony Vaio VGN CS liS W” 8400, no valor de 886,83€ (oitocentos e oitenta e seis euros e oitenta e três cêntimos); k. um portátil Sony Vaio 14.1 T 8300, no valor de 1.063,52€ (mil e sessenta e três euros e cinquenta e dois cêntimos); l. um portátil Magalhães EO 9E1, no valor de 216,33€ (duzentos e dezasseis euros e trinta e três cêntimos); m. um portátil Acer AS3683, no valor de 240,00€ (duzentos e quarenta euros); n. um portátil HP Pavillion DV 3560EP, no valor de 911,57€ (novecentos e onze euros e cinquenta e sete cêntimos); o. um portátil Asus EPC Intel 306, no valor de 224,00€ (duzentos e vinte e quatro euros); p. um televisor 32” Samsung Plasma, no valor de 549,00€ (quinhentos e quarenta e nove euros); q. dois GPS Garmin 250 Europe, no valor cada um deles de 135,71€ (cento e trinta e cinco euros e setenta e um cêntimos); r. dois discos de 1000GB 1 TB SAA Samsung, cada um deles no valor de 82,23€ (oitenta e dois euros e vinte e três cêntimos); s. um disco de 640 GB Conceptronic, no valor de 102, 80€ (cento e dois euros e oitenta cêntimos); t. um disco Mem up media disc, no valor de li 6,00€ (cento e dezasseis euros); u. uma impressora Epson 76M, no valor de 77,89€ (setenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos); v. uma impressora portátil HP 470, no valor de 259, 54€ (duzentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos); w. um Board Asus DDR3 CHIP X48, no valor de 268,99€ (duzentos e sessenta e oito euros e noventa e nove cêntimos); x. dois Board P 43 Pro Asus, cada um deles no valor de 62,42€ (sessenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos); y. um monitor 22” LG, no valor de 108,47€ (cento e oito euros e quarenta e sete cêntimos); z. dois monitores 15” LG Tochscreen, no valo cada um deles de 272,00€ (duzentos e setenta e dois euros); aa. três meo box DVR, no valor cada uma delas de 187,00€ (cento e oitenta e sete euros); bb. um Office 2007 profissional, no valor de 193,74€ (cento e noventa e três euros e setenta e quatro cêntimos); cc. dois Office SB 2007, no valor cada um deles de 126,00€ (cento e vinte e seis euros); dd. duas pen 16 GB Take MS, no valor cada uma delas de 22,50€ (vinte e dois euros e cinquenta cêntimos); ee. uma pen 8 GB Take MS, no valor de 12,98€ (doze euros e noventa e oito cêntimos); ff. dois carregadores Trust Universal, no valor cada um deles de 23,90€ (vinte e três euros e noventa cêntimos); gg. dois discos de 500GB, no valor cada um deles de 41,72€ (quarenta e um euros e setenta e dois cêntimos); hh. um processador 9550 Quad Core Intel, no valor de 220,00€ (duzentos e vinte euros); ii. um Kit Genuino Windows Prof, no valor de 120,00€ (cento e vinte euros); jj. um Intel Cofre I Duo E 8500, no valor de 148,00€ (cento e quarenta e oito euros); kk. três Intel Cofre II DUO E 7300, no valor cada um deles de 91,00€ (noventa e um euros); ll. dois processadores E 2220 Intel, no valor cada um deles de 56,98€ (cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos); mm. dois inversores 24 Volts, cada um deles no valor de 32,03€ (trinta e dois euros e três cêntimos); nn. um Boligrafo Espia (JSB, no valor de 59,00€ (cinquenta e nove euros); oo. um telemóvel Nokia N 85 Cooper, no valor de 381,10€ (trezentos e oitenta e um euros e dez cêntimos); pp. dois telemóveis Nokia 7100, cada um deles no valor de 76,22€ (setenta e seis euros e vinte e dois cêntimos); qq. um telemóvel Nokia E 65, no valor de 239,10€ (duzentos e trinta e nove euros e dez cêntimos); rr. um telemóvel Samsung Dual SIM 980, no valor de 290,35€ (duzentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos); ss. um telemóvel Nokia 2630, no valor de 54,08€ (cinquenta e quatro euros e oito cêntimos); tt. um telemóvel Nokia 7610, no valor de 172,00€ (cento e setenta e dois euros); uu. um telemóvel ART 8800 Nokia Carbon, no valor de 921,85€ (novecentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos); vv. três telemóveis Nokia N 96 16 GB, cada um deles no valor de 515,00€ (quinhentos e quinze euros); ww. um portátil Acer 5051, no valor de 686,31€ (seiscentos e oitenta e seis euros e trinta e um cêntimos); xx. um telemóvel Nokia 6630, no valor de 200,00€ (duzentos euros); yy. um telemóvel Samsung E 530, no valor de 150,00€ (cento e cinquenta euros); zz. um telemóvel Nokia 5140i, no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros); aaa. um telemóvel Nokia 6111, no valor de 169,00€ (cento e sessenta e nove euros); bbb. um telemóvel Nokia N93, no valor de 650,00€ (seiscentos e cinquenta euros); ccc. um telemóvel Nokia N73, no valor de 200,00€ (duzentos euros); ddd. um telefone portátil PT Siemens, no valor de 69,90€ (sessenta e nove euros e noventa cêntimos); eee. um telemóvel Samsung E 700, no valor de 200,00€ (duzentos euros); fff. um telemóvel Nokia 5200, no valor de 100,00€ (cem euros); ggg. um telemóvel Nokia 8800 ART, no valor de 921,85€ (novecentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos); hhh. um telemóvel Nokia 6500 Slide, no valor de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros); iii. um telemóvel Nokia E 65, no valor de 239,10€ (duzentos e trinta e nove euros e dez cêntimos); jjj. um telemóvel Siemens SL, no valor de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros); kkk. um OPS 660 Garmin, no valor de 280,30€ (duzentos e oitenta euros e trinta cêntimos); 4. Após ter carregado todos os objectos acima descritos para o veículo em que se fazia transportar, e por intermédio do escritório, o arguido dirigiu-se para a loja de roupa que se encontra no r/c do referido edifício. 5. Após, carregou do interior da loja de roupa para o veículo em que se fazia transportar o seguinte: a. 480,00€ (quatrocentos e oitenta euros) em numerário; b. um casaco de homem Lois, bege, comprido, no valor de 75,00€ (setenta e cinco euros); c. um par de ténis Guess, no valor de 85,00€ (oitenta e cinco euros); d. quatro pares de calças Lois bombazine, cada uma delas no valor 24,50€ (vinte e quatro euros e cinquenta cêntimos); e. Duas camisas de flanela padrão xadrez, cada uma delas no valor de 15,00€ (quinze euros); f. um blusão xadrez, bege, no valor de 12,00€ (doze euros); g. um par de calças Guess sarja, no valor de 52,00€ (cinquenta e dois euros); h. dois pares de calças de ganga ASK, cada uma delas no valor de 15,00€ (quinze euros); i. um perfume Hugo Boss Black, no valor de 32,00€ (trinta e dois euros); j. um perfume Empori Armany no valor de 24,50€ (vinte e quatro euros e cinquenta cêntimos); k. dois pares de calças Guess castanhas, cada uma delas no valor de 48,00€ (quarenta e oito euros); l. dois casacos em pele para homem, de cor preta no valor cada um deles de 150,00€ (cento e cinquenta euros). 6. Passados alguns momentos, mais precisamente quando já tinha colocado no interior do veículo em que se fazia transportar todos os objectos acima descritos, o arguido entrou no mesmo, colocou-o em funcionamento e, em seguida, abandonou o local conduzindo-o, fazendo, assim, os referidos bens coisas suas. 7. Ao agir da forma acima descrita, o arguido pretendeu apoderar-se de bens que tinha consciência pertencerem a outrem, bem sabendo que actuava sem o consentimento e contra a vontade dos respectivos donos. 8. Apesar disso, decidiu fazê-los coisas suas, ainda que para tanto tivesse de proceder à destruição da porta de acesso aos aludidos estabelecimentos, o que efectivamente conseguiu.” b) Factos declarados não provados com interesse para apreciação do presente recurso: “18. O veículo de matrícula 00-00-00 tinha o valor de € 1.250,00.” c) Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se no acórdão recorrido e na parte que ora interessa: “Factos provados nºs 95 a 102: nuipc 1160/08.8GCMFR: furto no estabelecimento B…, Lda, em Mafra: O arguido negou a prática dos factos. As testemunhas C… e D… não presenciaram o furto, quando chegaram ao local já lá não estava ninguém e fizeram a relação dos bens que foram furtados e que se mostra junta a fls. 545 a 548, nada podendo esclarecer quanto à identidade do autor ou autores do furto. Contudo, o estabelecimento tinha câmaras de videovigilância e cujas filmagens foram juntas aos autos (cfr. fls. 865), estando os respectivos fotogramas a fls. 857 a 863. Ora, em tais fotogramas vê-se a chegada do arguido, com o veículo Nissan Micra de matrícula 00-00-00, vendo-se o arguido carregando em braços, peças de roupa, nomeadamente calças e no escritório de informática, retirando objectos da prateleira, transportando sacos cheios de material, não ficando assim, dúvidas ao Tribunal de ter sido o arguido o autor deste furto, sendo que quanto aos bens furtados e respectivo valor atendeu à relação de bens junta a fls. 545 a 548.” (…) “Quanto às condições sócio económicas do arguido: Atendeu o Tribunal às suas declarações e bem assim ao documento de fls. 1116, comprovativo do acompanhamento médico do arguido e ao relatório social de fls. 1126 a 1130. Por último e para prova dos antecedentes criminais, relevou o c.r.c. de fls. 799 e na certidão de fls. 571 e segs.” d) Finalmente, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos ora postos em crise pelo recorrente, expendeu-se no acórdão recorrido na parte que ora interessa: “NUIPC 1160/08.8GCMFR Provou-se que no dia 25 de Novembro de 2008, o arguido A…, dirigiu-se ao prédio sito na Rua…, n.º …, em Igreja Nova Mafra, no qual se situam os escritórios da sociedade “B…, Lda.”, e no r/c uma loja de roupa, ambas representadas e pertencentes a C… e D…. Do interior deste prédio, no qual se introduziu destruindo a porta de acesso ao escritório, o arguido retirou diverso material informático, nomeadamente computadores, disco de memória, etc. e vestuário, no valor global de cerca de 22.000,00. O arguido subtraiu coisas móveis alheias, de valor elevado, para tanto introduzindo-se em estabelecimento comercial, através de arrombamento e tendo presente a noção legal de arrombamento vertida no artº 202º, alínea e) do C. Penal, tendo agido com o propósito de integrar tais bens no seu património o que conseguiu. A conduta do arguido, preenche objectivamente e subjectivamente um crime de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 2, alínea e) do Cód. Penal.” 3. Vejamos se assiste razão ao recorrente. 3.1. - Da incorrecta apreciação da prova Da análise do presente recurso resulta que a defesa pretende invocar a existência de uma desconformidade entre a decisão de facto do julgador de primeira instância e aquela que teria sido a sua no que tange ao NUIPC 1160/08.8GCMFR, no âmbito do qual o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 2, al. e) do Cód. Penal, alegando, para tanto, não ser perceptível e não haver certeza de que seja o arguido a pessoa cuja imagens foram captadas. In casu este Tribunal pode conhecer de facto, em conformidade com o preceituado no art. 428°, do Código de Processo Penal, uma vez que houve documentação da prova produzida na audiência em 1a instância, como resulta da respectiva acta, e o recorrente a impugnou nos termos do art. 412° nº 3 do CPP). Erro notório na apreciação da prova é aquele de que o homem médio facilmente dá conta. A livre apreciação da prova implica uma valoração racional e crítica e de acordo com as regras da experiência comum, tendo em conta o homem médio suposto pela ordem jurídica. Porém, como é sabido, a melhor impugnação do julgado, nomeadamente, no plano da valoração da prova produzida e sequente estruturação da factualidade apurada, não se basta com juízos meramente opinativos ou de mera discordância, devendo assentar, isso sim, na avaliação de todo o material probatório recolhido, não deixando de recorrer aos critérios de experiência comum, a de lógica do homem médio erguido pela ordem jurídica. Para além disso, tal exercício arredará arbitrariedade a afastará as conclusões sobrevindas a meras impressões geradas no espírito do julgador. Sob tal contexto referencial cumprir-se-á, na sua melhor dimensão, o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127° do Código Penal. É certo, que nos termos do artº. 127º. do C.P.P. a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente salvo se a lei dispuser diferentemente. Assim, o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento, critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo (Ac. do Trib. Constitucional, nº.1165/99, de 19 de Novembro; BMJ, 461, 93). Na formação da convicção do julgador haverá que ter em conta o seguinte: A produção da prova em audiência deverá ser tratada com algum cuidado. O julgador, ao dar como provado ou não provado determinados factos, condenando ou absolvendo, na sua liberdade de convicção, terá que se aperceber bem dos factos e do que se passou, com a limitação da capacidade humana e terá que avaliar de acordo com as regras da experiência humana. O artº. 127 do C.P.P., diz-nos que a apreciação do Tribunal é livre, mas deverá ser sempre condicionada pela experiência da vida e critérios objectivos. Por outro lado, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício que se verifica quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E que ocorre quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a boa decisão da causa. Sendo que este vício, previsto no artº 410°, n° 2, alínea a) do CPP, é de conhecimento oficioso (cfr. o acórdão do STJ de 19/10/95 – publicado in DR I Série de 28/12/95). Analisados os fotogramas juntos aos autos, designadamente os que constam a fls. 859 e segs, e a demais prova para estes carreada, considerou o Colectivo do Tribunal “a quo” não haver margem para qualquer dúvida de que foi o arguido A… quem entrou no interior da loja de roupa e escritórios da sociedade “B…, Lda.”, sitos na Rua…, n.° …, em Igreja Nova Mafra, e deles retirou os objectos que estão melhor relatados no acórdão recorrido. Tendo tais provas sido analisados de forma crítica e de acordo com as regras da experiência, formou o Tribunal “ a quo” livre e objectivamente, a sua convicção, no sentido da veracidade dos mesmos e da autoria por parte do ora recorrente dos factos e ilícito em causa. Ou seja, o Tribunal “a quo” valorou correctamente os elementos probatórios e que sustentaram que se desse como provado que foi o arguido quem praticou os factos correspondentes ao NUIPC 1160/08.8GCMFR, não havendo, face a tal prova, margem para se recorrer ao princípio in dubio pro reo. Com efeito, não foi violado o princípio in dubio pro reo posto que da leitura do texto do acórdão recorrido não resulta de forma alguma – e muito menos de forma evidente – que no espírito do julgador tenha subsistido qualquer dúvida sobre os factos imputados ao Recorrente. Tal dúvida nem sequer é imposta, objectivamente, pelas regras da experiência comum, atenta a coerência lógica dos factos dados como provados e destes com a fundamentação de facto contida no acórdão. Assim, considera-se que não tem razão, nesta parte, o recorrente. 3.2. – Da admissibilidade dos fotogramas juntos aos autos como elementos probatórios As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do Código Civil). Os meios de prova são, por outro lado, os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto; são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher provas. Com efeito, nos termos do art. 124º do CPP, constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis ( n.º 1). Por outro lado, o artº 32º nº 8 da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe: “São nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” Quer isto dizer que a nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova. Em obediência a tal orientação constitucional, nos termos do art. 125º do CPP, estipula-se que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Como, e muito bem, refere o MºPº na sua douta resposta, com que inteiramente se concorda e que cuja argumentação aqui passaremos a seguir de perto, nos termos do art. 126º do CPP, são nulas e, por isso, não podem ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. Nulas serão, ao abrigo do n.º 3 de tal preceito legal, também as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular. É que, o artº 26º da CRP consagra o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada. No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento. Contudo, a própria lei fundamental, no seu artº18º nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Quer isto dizer que, pese embora os princípios gerais acima referidos, a própria lei fundamental admite excepções. Assim e consagrando uma dessas excepções, nos termos do art. 167º do CPP estipula-se que: “1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal. 2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”. Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Cód. Proc. Penal. Assim e caso se trate de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como nulidade insanável, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do art. 119.º do CPP. Realizado o contexto jurídico, há que indagar, considerando o caso em discussão, se as imagens recolhidas por particulares, mediante sistema de videovigilância instalado um local de acesso público, como é a zona de acesso a estabelecimento comercial e no interior do mesmo, poderão ser valoradas como meio de prova. A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro surge como legislação geral a que deve obedecer o tratamento operado por sistemas de videovigilância e de outras formas de captação, difusão de sons e imagens. No âmbito dessa lei, os dados considerados sensíveis implicam o controlo prévio por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), através da competente notificação e autorização do seu tratamento (recolha) – cfr. art.s 7º, 8º, 27º e 28º da Lei n.º 67/98, de 26/10, que instituiu o regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação dos mesmos, aplicável igualmente à videovigilância (art. 4º, n.º 4, desse diploma). Diga-se, desde já, que a Lei n.º 67/98, de 26/Out., que instituiu o regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, aplicável igualmente à videovigilância (art. 4.º, n.º 4), não impõe o controlo prévio destes sistemas quando não esteja em causa o tratamento de dados sensíveis, considerando-se como tal, entre outras situações, a vida privada do titular dos dados – cfr. art. 28.º e 7.º, n.º 2 desta Lei. A CNPD em 19 de Abril de 2004, na sua deliberação n.º 61/2004, acessível em www.cnpd.pt, traçou os princípios ou linhas orientadoras sobre o tratamento da videovigilância, com base no quadro jurídico resultante da já citada Lei n.º 67/98, do Dec.-Lei n.º 35/2004, de 21/Fev. e do art. 20.º do Código do Trabalho. Nessa deliberação e quando está em causa uma infracção criminal, consignou-se a dado momento que “Sendo patente que os sistemas de videovigilância estão direccionados para o desempenho de finalidades relativas à «protecção de pessoas e bens», apresentando-se como medida preventiva e de dissuasão em relação à prática de infracções penais e podendo, ao mesmo tempo, servir de prova nos termos da lei processual penal, é imprescindível que – de acordo com o princípio da necessidade – o acesso às imagens seja restrito às entidades que delas precisam para alcançar as finalidades delineadas. Uma vez detectada a prática de infracção penal, a entidade responsável pelo tratamento deve – com a respectiva participação – enviar ao órgão de polícia criminal ou à autoridade judiciária competente as imagens recolhidas”. De acordo com a citada Lei n.º 67/98, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27.º e 28.º, constituem o crime da previsão do art. 43.º dessa lei, pois, tratando-se de uma conduta negligente, haverá apenas a contra-ordenação cominada no antecedente artigo 37.º. No caso vertente e porque tal não foi questionado em sede de audiência de discussão e julgamento, nem em sede de próprio recurso, a admitir-se a inexistência de autorização, sempre tal conduta seria censurável, apenas na forma negligente e, assim sendo, em sede de contra-ordenação. No caso dos autos desconhece-se efectivamente se havia ou não autorização da CNPD. Ainda assim, e partindo do pressuposto de que os ofendidos não possuíam qualquer autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), impõe-se apreciar se tal autorização seria efectivamente necessária para a valoração das imagens captadas e se a obtenção daquelas imagens mediante a referenciada câmara de videovigilância, configura ou não um meio ilícito de prova, para os efeitos do art. 167º do CPP. Para o efeito, há que averiguar se a recolha das imagens em questão preenche a previsão do art. 199º do Cód. Penal, relativo a gravações, fotografias e filmagens ilícitas, que tutela o direito à imagem, com consagração constitucional no art. 26º da Constituição e legal no art. 79º, n.º 1, do Cód. Civil. Estipula o art. 199º, no seu n.º 2 que “quem, contra vontade: Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; [al. a)] ou “Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que tenham sido licitamente obtidos” [al. b)]. Mediante este ilícito tutela-se o direito à imagem, constitucionalmente consagrado no art. 26.º da C. Rep. E, legalmente, no art. 79.º, n.º 1 do Código Civil. Em conflito estão, pois, dois direitos dignos de tutela (o direito à propriedade, à segurança de pessoas e bens contra o direito à intimidade). De acordo com o art. 199º do CP, impõe-se proceder a ponderação dos meios utilizados, no âmbito do princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade com as finalidades estabelecidas e as pessoas e bens protegidos. No caso, o arguido viu as câmaras de filmar e não se absteve de praticar os factos em discussão, pelo que, pelo menos tacitamente, aceitou a captação das suas imagens. Inexistiu qualquer outro meio probatório, além da captação de imagens, que permitisse a condenação do arguido pelos factos em discussão, visto não terem sido recolhidos quaisquer vestígios lofoscópicos e inexistirem testemunhas presenciais. Tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos, ou hajam ocorrido publicamente. Será, por isso, considerada criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente. É que a captação de imagens de um eventual suspeito, em tal circunstância, constitui um meio necessário e apto a repelir a eventual agressão ilícita da propriedade do ofendido. Aliás, o próprio art. 79º, n.º 2, do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Quer isto dizer que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil. A justa causa apenas poderá ser afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada. Por maioria de razão se deverá estender ao direito penal o preceituado neste último segmento normativo, face à natureza fragmentária daquele ou ao seu correspondente princípio de intervenção mínima, resultante do art. 18.º, n.º 2, da Const. Rep. Port. Ora, a citada norma do Cód. Civil, não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável. A gravação não foi obtida às ocultas, pois foi feita, como já se disse, num espaço público, onde é sabido que existem câmaras de vídeo que fazem a vigilância electrónica. Acresce que, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. As imagens do arguido não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima deste, mas sim enquanto normal cliente de um estabelecimento comercial, numa área de acesso público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder. O que é constitucionalmente protegido é, apenas, a esfera privada e íntima do indivíduo. Sucede que, a gravação não contende nem com uma nem com outra. Nesta conformidade, pode-se concluir que a obtenção dos fotogramas através do sistema de videovigilância existentes num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada. É certo que os fotogramas onde surge o arguido resultam de um conhecimento fortuito gravado pelo sistema de videovigilância instalado, mas isso não afecta a licitude desse meio de prova, porquanto o mesmo não traduz a prática de qualquer ilícito criminal. Comungando da mesma opinião, destacamos quer o Ac. da Relação de Guimarães de 29 de Março de 2004 (recurso n.º 1680/03-2), publicado em www.dgsi.pt, que versa sobre a captação de imagens por sistema de vídeovigilância num posto de combustível, quer o Ac. da Relação Lisboa de 28 de Maio de 2009, em que foi relatora a ora segunda signatária e igualmente acessível em www.dgsi.pt. Esclarecendo-se que neste último mencionado aresto os autos se encontravam em fase de instrução, estando portanto em causa a pronúncia ou não dos arguidos, e nos presentes, realizado que foi o julgamento, se coloca a questão de condenar ou absolver o arguido, logo num grau de exigência superior. Ali também se colocavam questões ligadas do direito à imagem e à intimidade/privacidade (in casu estava um crime de dano detectado porque o ofendido havia colocado câmaras de videovigilância dirigidas ao portão de entrada do seu prédio) que nesta nossa fundamentação agora entendemos não abordar tão profundamente porquanto tais direitos devem aqui inequivocamente ceder face à maior gravidade e circunstancialismo fáctico do crime perpetrado (furto qualificado em estabelecimento comercial aberto ao público) e por ser também claríssimo que na recolha de imagens operada através da videovigilância instalada na sociedade B…, Lda. se respeitaram os princípios de idoneidade, necessidade, justa causa, proporcionalidade e intervenção mínima, como supra melhor se deixou analisado. A finalizar e dado o seu interesse transcreve-se o que no referido ac. se expendeu a este propósito: “Porque estão em conflito direitos passíveis de protecção – o direito de propriedade, à segurança de pessoas e bens, de um lado, e o direito à intimidade, de outro – este preceito condiciona o tratamento à necessidade de ponderação entre o interesse e finalidades legítimas dos responsáveis e os direitos, liberdades e garantias dos titulares dos dados que podem ser afectados pela recolha de imagens. O tratamento a realizar e os meios utilizados devem ser considerados os necessários, adequados e proporcionados com as finalidades estabelecidas: a protecção de pessoas e bens. Ou seja, para se poder verificar se uma medida restritiva de um direito fundamental supera o juízo de proporcionalidade importa verificar se foram cumpridas três condições: se a medida adoptada é idónea para conseguir o objectivo proposto (princípio da idoneidade); se é necessária, no sentido de que não exista outra medida capaz de assegurar o objectivo com igual grau de eficácia (princípio da necessidade); se a medida adoptada foi ponderada e é equilibrada ao ponto de, através dela, serem atingidos substanciais e superiores benefícios ou vantagens para o interesse geral quando confrontados com outros bens ou valores em conflito (juízo de proporcionalidade em sentido restrito). Na linha do que referimos, será admissível aceitar que – quando haja razões justificativas da utilização destes meios – a gravação de imagens se apresente, em primeiro lugar, como medida preventiva ou dissuasora tendente à protecção de pessoas e bens e, ao mesmo tempo, como meio idóneo para captar a prática de factos passíveis de serem considerados. Estamos perante a aplicação do princípio da proporcionalidade que “implica, em cada caso concreto, a idoneidade do meio utilizado – a videovigilância – bem como, e também, o respeito pelo princípio da intervenção mínima”. O princípio da intervenção mínima obriga, necessariamente, que, em cada caso concreto, se pondere entre a finalidade pretendida e a necessária violação de direitos fundamentais, aqui concretamente o direito à privacidade e à imagem. Deverá mesmo pressupor-se que, no caso concreto, o risco a prevenir deverá ser de todo razoável” e proporcionado quando comparado com os direitos fundamentais de terceiros que são afectados com a utilização destes meios.” III – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, sendo de 5 UCs a taxa de justiça - artigos 515º, nº 1, alínea b) do CPP e 87º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do CCJ. Notifique nos termos legais. (o presente acórdão, integrado por vinte e quatro páginas com os versos em branco, foi processado em computador e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artº 94º, nº 2 do Cód. Proc. Penal) Lisboa, 4 de Março de 2010 J. S. Calheiros da Gama Maria de Fátima Mata-Mouros ----------------------------------------------------------------------------------- [1] O arguido foi absolvido: a. Do crime de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 1, alínea d) do Cód.Penal de que vinha acusado; b. De três crimes de furto qualificado, p. e p., pelo artº 204º, nº 1, alínea a) de que vinha acusado; c. De um dos crimes de detenção de arma proibida, p. e p., pelo artº 86º, nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro de que vinha acusado; d. Das duas contra-ordenações, p. e p., pelo artº 4º do Cód.Estrada de que vinha acusado. [2] Correspondem aos factos provados na decisão revidenda sob os nºs 95 a 102. [3] Veículo ligeiro de passageiros, da marca Nissan, modelo Micra, pertencente a E…, que o arguido, em data não concretamente apurada, mas após as 00H45 do dia 23 de Dezembro de 2008 e antes das 07H19 do dia 25 de Dezembro de 2008, viu estacionado na Av. Elias Garcia, em Lisboa e se apossou, bem como de todos os bens que se encontravam no seu interior, tendo consciência pertencerem a outrem, bem sabendo que actuava sem o consentimento e contra a vontade da respectiva dona – como se alcança dos factos dados por provados sob os nºs 89 a 94 de decisão revidenda. |