Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | HIGINA CASTELO | ||
Descritores: | FALTA DE TESTEMUNHAS INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA ADIAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/12/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. À luz do CPC-2013, e ao contrário do que anteriormente sucedia, a regra é a de as testemunhas serem apresentadas pela parte que as arrola, só sendo notificadas pelo tribunal quando, com a apresentação do rol, haja pedido nesse sentido. II. As normas do CPC que permitem o adiamento da inquirição de testemunha ou a sua substituição aplicam-se independentemente da forma como a testemunha é chamada a juízo (apresentada pela parte ou notificada pelo tribunal). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório «AA», autor nos autos identificados à margem, em que é réu «BB», notificado do despacho proferido em audiência final pelo qual foi indeferido o seu pedido de adiamento da inquirição de uma testemunha, e ulteriormente notificado da sentença de improcedência da ação, e com eles não se conformando, interpôs os dois recursos ora em apreciação. (…) O processo seguiu os habituais termos e, no dia da audiência final, as duas testemunhas arroladas pelo autor, ambas a apresentar, não compareceram. O autor invocou que uma delas estava impossibilitada de comparecer nessa manhã, por razões de saúde, e pediu o adiamento da inquirição para a parte da tarde. A este requerimento opôs-se o réu. O tribunal indeferiu o requerido, invocando que a testemunha era «a apresentar» e que a situação não se configurava como justo impedimento nos termos do art. 140, n.º 2, do CPC. A audiência terminou na manhã em que se iniciou, sem que o autor apresentasse qualquer das testemunhas que tinha arrolado. O autor recorreu do despacho que lhe indeferiu o adiamento da inquirição da testemunha alegadamente impossibilitada de comparecer. Concluiu as alegações deste recurso intercalar da seguinte forma: «A. A 18 de Janeiro de 2018, foi agendada data para a audiência de discussão e julgamento designando o «dia 13-03-2018, às 09:30 horas, com continuação se necessário às 14:00 horas». B. Chegado o dia da audiência, 13 de Março de 2018, logo após a abertura da audiência, requereu a mandatária do Autor a inquirição da testemunha «EE», a apresentar, para outra altura que não aquela manhã nos termos do artigo 508.º, n.º 3, alínea b) do CPC. C. Tal pedido derivou de um problema de saúde da testemunha que origina picos de elevada tensão ocular para o qual o médico que acompanha a referida testemunha já indicou a terapêutica a adotar. D. Em virtude desta terapêutica, a testemunha fica impossibilitada de sair de casa na medida em que deve ficar de repouso até a tensão ocular ficar estabilizada. Pelo que não deve sair à rua nem conduzir por precaução. E. Com base no estado de saúde da testemunha momentaneamente impeditivo de comparecer e porque esta testemunha é a única testemunha do Autor e a sua inquirição é essencial para a descoberta da verdade, requereu a mandatária nova data explicando à Mma Juíza que naquela tarde a testemunha já estaria apta para conduzir, em virtude de tal situação ter sucedido de manhã. F. Ao que, ouvido o Réu, a Mma Juíza entendeu que por a testemunha ser a apresentar ou a mesma comparecia no decorrer da audiência ou era indeferida a sua inquirição para outro momento cf. consta da ata. G. Não compareceu a testemunha, da parte da manhã, como era previsto, tendo, consequentemente, sido indeferida a sua inquirição para momento posterior. H. A falta da testemunha foi justificada, juntado para o efeito os documentos médicos da intervenção por aquela efetuada e a terapêutica a adotar. I. Do justo impedimento se deve fazer prova logo que aquele cesse, ou nos três dias subsequentes, artigo 140.º do CPC. J. Acontece que na altura da audiência aquele ainda decorria, tendo o A. o cuidado de vir juntar prova logo no dia seguinte, pelo que deu cumprimento ao preceituado quanto a justo impedimento, cf. justificação de falta. K. No entanto, a Mma. Juíza nada disse, não tendo até ao momento proferido qualquer despacho sobre esses elementos probatórios. L. Foram ouvidos o Autor e as testemunhas do Réu, tendo a audiência sido encerrada às 12:45 conforme consta da ata. M. Dada a hora, a que acabaram de ser inquiridas as testemunhas, de acordo com o princípio da boa colaboração das partes, princípio da transparência e boa sensatez que deve ser apanágio do juiz, deveria a Mma. Juíza, ter suspendido a audiência, à hora de encerramento dos tribunais da parte da manhã, cumprindo o horário, com continuação para as 13h30, como já estava previsto. N. Com todo o respeito pelo princípio da sensatez que deve nortear a vida judicial, permita-se o desabafo, mas mais pareceu que estar-se-ia a lutar contra o tempo, para produzir alegações de seguida, mesmo que tivesse a audiência que encerrar fora de horas, mas sempre antes das 13h30, altura que era prevista a comparência da testemunha. O. Estávamos perante uma impossibilidade temporária/impedimento legítimo da testemunha para comparecer em juízo, justificada por questões de saúde. P. Como a testemunha era a Apresentar, mesmo com o problema de saúde, o Autor era obrigado a apresentá-la sob pena de não ser ouvida atendendo a que a norma da alínea b) só se aplica a testemunhas a notificar, conforme despacho. Q. Totalmente sem razão: R. O artigo 508.º no seu n.º 3, alínea b) do CPC. refere que «Se a impossibilidade for meramente temporária, ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;” S. A norma não refere que só se aplica a testemunhas a notificar, pois além de poder a inquirição ser adiada porque a testemunha a notificar pelo tribunal o não foi, mas também noutros casos, nomeadamente, ou tiver mudado de residência depois de oferecida, ou deixar de comparecer por outro impedimento. T. Da lei não resulta a exclusão da impossibilidade temporária ou o impedimento legítimo das testemunhas a apresentar pelas partes, e o artigo 508.º n.º 3, alínea b) do CPC. U. É bem claro, ao não especificar que só se aplica a testemunhas a notificar pelo tribunal, pois refere ou…ou…bem como…se não tiver sido notificada devendo ter sido (neste caso a testemunha a notificar), ou…ou qualquer tipo de testemunha. V. Neste sentido vide CPC anotado pelo ilustre Dr. Abílio Neto e Ac. RG, de 22.6.2004: Proc. 913/04-1.dgsi.Net. W. O A. dispôs-se a colaborar com o Tribunal, poupando-lhe trabalho de tal forma, evitando o trabalho acrescido do próprio tribunal ter de envidar todos os esforços para que a testemunha estivesse presente em Tribunal, notificando-a. X. Não pode agora vir a ser penalizado, quando deveria era ser agraciado pelo trabalho que poupou ao Tribunal. Y. Nesse caso nenhuma das partes, nunca apresentaria as testemunhas, obrigando o Tribunal a apresentá-las através de notificação. Z. Nem sequer foi esse o espírito do legislador ao fazer a norma da alínea b) do n.º 3 do artigo 508.º do CPC. AA. Não faria sentido penalizar a parte devendo sim sentir-se agradecido pelo trabalho poupado de ter de proceder a notificações. BB. Esta norma aplica-se quer ao caso em que a testemunha seja a notificar pelo tribunal quer seja a apresentar, neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22-06-2004, referente ao processo 913/04-1. CC. O artigo 508.º do CPC, e já anteriormente o artigo 629.º, eliminou do seu contexto as testemunhas que a parte se tinha obrigado ou estivesse obrigada a apresentar. O que quer dizer que passou a abranger qualquer testemunha indicada no processo com vista à sua inquirição. (negrito e sublinhado nosso) DD. A ausência da ou das testemunhas indicadas pelas partes, gera o direito de serem substituídas ou ser marcada uma nova data para a sua inquirição, dentro dum prazo de trinta dias, se se verificarem os pressupostos aludidos no artigo 508.º, n.º 3, alínea b) do CPC. E isto aplica-se tanto às testemunhas a apresentar como às notificadas ou a notificar pelo tribunal. EE. Assim, atualmente, podem ser substituídas as testemunhas faltosas à inquirição que foram notificadas pelo tribunal, como as que as partes se obrigaram a apresentar. FF.E, dentro do espírito reformista do legislador, se enquadra também a possibilidade de serem ouvidas noutra data, as testemunhas faltosas a uma diligência, que as partes se obrigaram a apresentar. É o que resulta da nova redação dada ao artigo 631, 630 e 629 n.º 2 e 3 do CPC. (negrito e sublinhado nosso), vide neste sentido Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães. GG. No caso em apreço, estamos perante uma situação em que a diligência iniciou com a inquirição das testemunhas presentes, e depois foi requerido que fosse marcada nova data para serem ouvidas as testemunhas faltosas, invocando-se uma impossibilidade temporária de comparência. HH. Perante uma situação destas, o juiz tinha a ponderar a situação, de molde a certificar-se se a inquirição era indispensável a formar a sua convicção ou não. No caso afirmativo, dentro dum prazo razoável, nunca superior a 30 dias, marcava nova data para continuar a diligência. II. Em caso negativo, consignava na ata que não era necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade, e indeferia o requerido. O certo é que o não fez, como o impunha o artigo 508.º, n.º 3, alínea b) do CPC. JJ. A Mma. Juíza a quo tinha a tarde reservada para o presente processo caso fosse necessário conforme despacho que proferiu na marcação da data. KK. Acresce que, aquelas testemunhas, para além de serem imprescindíveis para a descoberta da verdade, tal como mencionado pelo Autor no seu requerimento logo no início da audiência, foram as únicas arroladas pelo aqui Recorrente, por terem conhecimento direto dos factos por si alegados. LL. Tendo sido frisado que o depoimento daquela testemunha era essencial para a boa descoberta da verdade, poderia o próprio tribunal ter requerido o seu depoimento oficiosamente. MM. Nesse sentido, o próprio tribunal poderia ter requerido oficiosamente a sua inquirição, no âmbito do seu poder-dever, cf. artigo 526.º, n.º 1 e 2 do CPC. NN. Todavia, aquilo que fez foi limitar-se a descartar aquela testemunha, porque era apresentar. OO. No entanto, visto que o requerido não é ilegal, ofensivo das normas processuais ou manifestamente infundado, impertinente ou dilatório, não deveria a Mma. Juíza ter rejeitado um depoimento que o Autor reputa de indispensável para a descoberta da verdade, sob pena de cercear o direito do Autor e impedi-lo de produzir prova relativamente ao objeto do presente litígio, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 19-04-2007, processo n.º 2086/2007-6. PP. O despacho ao ter indeferido a inquirição da testemunha para mais tarde em consequência de impossibilidade temporária, omitiu uma diligência essencial para a justa composição do litígio por violação do contraditório, pelo que padece de nulidade aquele ato, o que de imediato foi arguido, nos termos do artigo 195.º do CPC. QQ. Assim, a recusa injustificada de realização de diligências que se revelem importantes para a justa composição do litígio é passível de ser sindicada em via de recurso. RR. Pelo que, o despacho recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 3.º, 411.º, 508.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) e 526.º do Código de Processo Civil. SS. O Tribunal ao indeferir a audiência da testemunha para a parte da tarde, fez errada interpretação da norma contida na alínea b) do n.º 3 do artigo 508.º do CPC, interpretação e aplicação essa violadora do princípio de garantia de defesa das partes e exercício do contraditório, plasmados nos artigos 32.º e 208.º da CRP. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o despacho proferido ser revogado e substituído por outro que ordene a inquirição da testemunha «EE», apresentada pelo Autor, no sentido de diligenciar para a descoberta da verdade e consequentemente para a justa composição do litígio e boa decisão da causa.» Após audiência final, foi proferida sentença absolutória, da qual o autor também interpôs recurso, com impugnação da matéria de facto. O recorrido contra-alegou, pugnando pela confirmação do despacho e da sentença. Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões: Do recurso intercalar: a) Se o tribunal devia ter adiado a inquirição da testemunha que o autor devia ter apresentado e que, segundo o autor alegou, estava temporariamente impossibilitada de comparecer; Caso o recurso intercalar seja julgado improcedente, conhecem-se as seguintes questões do recurso principal: b) Se o facto provado U) deve passar a não provado e os factos não provados 1, 2 e 3 devem passar a provados; c) Se, em consequência, a ação deve ser julgada procedente. II. Fundamentação de facto A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: (…) III. Apreciação do mérito do recurso Do recurso intercalar «Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado» - art. 417, nº 1, do CPC. Esta regra aplica-se às testemunhas, independentemente da forma como sejam chamadas a juízo. Sejam notificadas pelo tribunal, sejam apresentadas por outro ator processual, todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, o que implica desde logo o dever de comparecer em tribunal, não só quando notificadas para tal, mas também quando lhes seja pedido por uma parte. Trata-se de um dever jurídico, independentemente de a sua coercibilidade poder ser diversa se a parte tiver atempadamente pedido ao tribunal a notificação da testemunha. Nos termos do disposto no art. 507, n.º 2, do CPC, as testemunhas são apresentadas pelas partes, salvo se a parte que as indicou requerer, com a apresentação do rol, a sua notificação para comparência ou inquirição por teleconferência. As testemunhas que as partes devam apresentar não são notificadas (n.º 3 do mesmo artigo). A norma do n.º 2 do art. 507 foi introduzida no ordenamento pelo CPC de 2013. Face ao anterior Código (de 1961), as testemunhas seriam notificadas pelo tribunal, a menos que a parte se comprometesse a apresentá-las. Com o Código de 2013, a regra passou a ser a inversa: nada dizendo a parte, esta tem o ónus de apresentar a testemunha, sob pena de a mesma não ser ouvida. A regra é, portanto, a de as testemunhas serem apresentadas pela parte que as arrola. Os subsequentes artigos, 508 a 510 do CPC, estabelecem o regime a seguir quando uma testemunha não comparece, aplicando-se quer se trate de testemunha notificada, quer de testemunha a apresentar, uma vez que as normas em causa não distinguem e não faria sentido que, sem que isso fosse explicitado, se estabelecesse um regime apenas para o caso particular das testemunhas que o tribunal deva notificar e que, no sistema processual civil vigente, constitui a exceção. A falta de testemunha não constitui motivo de adiamento dos outros atos de produção de prova, sendo as testemunhas presentes ouvidas, mesmo que tal implique alteração da ordem referida na primeira parte do n.º 1 do artigo 512 (n.º 2 do art. 508 do CPC). Ou seja, não é possível, à luz do direito processual civil português vigente, o adiamento do julgamento por falta de uma testemunha. Já não o era à luz do CPC-1961 desde as alterações que o DL 183/2000, de 10 de agosto, introduzira no seu art. 651, n.º 1, al. b) (CPC-1961). Do que se trata no presente recurso não é, portanto, do adiamento do julgamento. Faltando uma testemunha, o julgamento não pode ser adiado com esse fundamento. Pode, porém, ser suspenso para se permitir a inquirição dessa testemunha noutra altura, nunca além de 30 dias. Trata-se do que a lei designa por «adiamento da inquirição» da testemunha, permitindo que se efetue por uma única vez, salvo acordo das partes (art. 509 do CPC). Ou seja, havendo acordo das partes, poderá haver mais do que um adiamento da inquirição da mesma testemunha; na falta de acordo, apenas haverá um adiamento da inquirição. Em todo o caso, o dito adiamento estará dependente da verificação de algum dos requisitos previstos na al. b) do n.º 3 do art. 508 do CPC. Com efeito, nos termos do disposto no citado n.º 3, al. b), no caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê‐lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias. Assim será, seja uma testemunha que o tribunal tenha notificado ou devesse ter notificado, seja uma testemunha cuja apresentação estivesse a cargo da parte, pois a lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), e sobre todas as testemunhas, independentemente do tipo de chamamento a juízo, impende o dever de colaborar na descoberta da verdade (um dos contrapontos do direito a uma tutela jurisdicional efetiva). Não se desconhece jurisprudência em contrário, mesmo à luz do CPC-2013 – Ac. TRG de 14/04/2016, proc. 3719/10.4TJVNF-A.G1, www.dgsi.pt. Assim como também não se desconhece jurisprudência que, mesmo na pendência do CPC-1961 (redação pós 1995/96), considerava que o regime de adiamento da inquirição se aplicava também à testemunha que a parte devesse apresentar – Ac. TRG de 22/06/2004, proc. 913/04-1, citado pelo recorrente e disponível no mesmo sítio. Porquanto sucintamente dissemos, entendemos que o regime dos 508 a 510 do CPC se aplica independentemente do modo como a testemunha obtenha conhecimento de que deve prestar depoimento em tribunal. Vejamos o que sucedeu nos autos. Por despacho de 17/01/2018, a audiência final foi agendada para «o dia 13 de Março de 2018, pelas 09 horas e 30 minutos, a qual caso se mostre necessário continuará pelas 14 horas desse mesmo dia». No dia 13 de março, às 09:30 horas, as duas testemunhas arroladas pelo autor não estavam presentes, tendo a Il. Mand. do autor invocado a impossibilidade de uma delas comparecer no período da manhã, por uma questão de saúde, e requerido que a mesma fosse ouvida da parte da tarde. O tribunal recusou a aplicação do disposto no art. 508, n.º 3, al. b), do CPC por o caso não configurar um justo impedimento nos termos do art. 140 do CPC. A fundamentação expendida pelo tribunal a quo reside essencialmente na seguinte frase: «No caso em apreço o Autor optou por apresentar a testemunha porque assim entendeu, pelo que deveria de a ter apresentado, o que não fez até à presente hora. No caso em apreço a justificação apresentada, para além de não configurar qualquer justo impedimento nos termos do art.º 140º do CPC, porque não se mostram respeitadas as formalidades previstas no n.º 2 do citado normativo, temos ainda que a aplicação do n.º 3 do art.º 508 al. b) do CPC não colhe, porquanto não existe por um lado justo impedimento que justifique a inquirição noutro dia de uma testemunha a apresentar». Como já afirmado, invocado o impedimento temporário da testemunha e solicitado pela parte o adiamento da sua inquirição, o tribunal devia ter deferido o requerido, nos termos do disposto na al. b) do n.º 3 do art. 508 do CPC. As regras do justo impedimento previstas no art. 140 do CPC têm um âmbito de aplicação diverso, aplicam-se à prática de atos processuais que as partes (ou os seus representantes ou mandatários) devam praticar, visam que a parte (por si ou seus representantes) possa praticar o ato devido e omitido por causa que não lhe é culposamente imputável. Para a falta de testemunhas existe o regime próprio já aludido. Em abstrato, o depoimento de uma testemunha pode ser relevante para a alteração da matéria de facto pretendida pelo autor, pelo que não podemos neste momento conjeturar sobre a concreta importância do depoimento da concreta testemunha para o desfecho da causa. Resta-nos apenas julgar procedente o recurso intercalar e, em consequência, determinar que o tribunal a quo reabra a audiência, em data e hora a agendar com observância do disposto no art. 155 do CPC, para permitir que o autor apresente a testemunha «EE», e apenas esta, apenas também no dia e hora que forem agendados (tratar-se-á da diligência de inquirição adiada e como tal última oportunidade de apresentar a dita testemunha, sem outra possibilidade de adiamento ou substituição – salvo acordo das partes que venha a permitir um segundo adiamento da mesma inquirição, conforme dispõe o art. 509 do CPC). O processado subsequente, nomeadamente as alegações e a sentença proferida, é anulado, sem prejuízo de o tribunal a quo poder vir a proferir outra sentença de idêntico teor, caso a testemunha não seja apresentada, ou sentença materialmente idêntica, caso o seu depoimento não seja suficiente para alterar a matéria de facto constante da sentença agora anulada. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação interposta do despacho proferido na audiência final totalmente procedente, determinando que o tribunal a quo reabra a audiência, em data e hora a agendar, para permitir que o autor apresente a testemunha «EE», anulando-se os atos posteriores à inquirição de testemunhas em audiência. Custas pelo recorrido. Lisboa, 12/03/2019 Higina Castelo José Capacete Carlos Oliveira, com a seguinte declaração de voto DECLARAÇÃO DE VOTO: Não concordo com a posição de princípio de que o Art. 508.º n.º 3 al. b) do C.P.C. permite o adiamento da inquirição de testemunha, quer a mesma seja a apresentar, quer seja notificada. Concordo com a posição do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães citado no texto do presente acórdão. Sustento que não existe fundamento para adiar a inquirição de testemunha a apresentar, salvo se houver acordo das partes, nos termos do Art. 509.º do C.P.C.. Não havendo acordo das partes, os riscos da ausência da testemunha correm pela parte onerada com a sua apresentação, não podendo servir de fundamento para o adiamento da inquirição, que assim poderia constituir um evidente expediente dilatório. Sem prejuízo, no caso concreto dos autos, em abono da verdade, não haveria adiamento, mas mero retardar da inquirição. O propósito era inquirir a testemunha no mesmo dia, mas no horário da tarde, que o Tribunal a quo já havia reservado previamente para eventual continuação do julgamento. Neste caso, não haveria qualquer abuso processual imputável à parte onerada com a apresentação da testemunha, competindo ao juiz do julgamento, ao abrigo do dever de gestão processual (Art. 6.º n.º 1 do C.P.C.), do princípio da cooperação (Art. 7.º do C.P.C.) e do dever de boa-fé processual (Art. 8.º do C.P.C.), agilizar os procedimentos necessários a permitir a inquirição da testemunha nesse mesmo dia. Carlos Oliveira |