Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
579/15.2PAMTJ-B.L1-9
Relator: JORGE ROSAS DE CASTRO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ROUBO
PERDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1. Nada impede que se revogue a suspensão da execução da pena de prisão por força da prática de crime(s) cometido no período da suspensão, mesmo quando por este(s) novo(s) crime(s) vem a ser aplicada prisão também ela suspensa na execução.
2. Confiando o tribunal que faz o julgamento pelo(s) crime(s) novo(s) na suficiência da mera ameaça da execução da pena de prisão a que chega, isso não obsta legalmente a que o tribunal da primeira condenação considere que se frustraram as finalidades que estiveram na base da suspensão que decretara.
3. Na redação originária do Código Penal de 1982, aprovada pelo D.L. nº 400/82, de 23/09, prescrevia-se no seu art.º 51º, nº 1 que «a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão»; uma vez que se tratava aí de uma revogação automática, isto é, não dependente de qualquer juízo a formular pelo juiz, compreende-se que tenha surgido o entendimento segundo o qual a revogação só operaria mediante uma condenação, pelo novo crime, em prisão efetiva.
4. Os termos dessa discussão alteraram-se significativamente com a versão de 1995 do Código Penal, introduzida pelo D.L. nº 48/95, de 15/03: à luz do seu art.º 56º, deixa de haver causas de revogação automática da suspensão; deixa de haver a exigência de que o segundo crime seja doloso; deixa de ser imperativo que a pena aplicada a esse novo ilícito seja de prisão.
5. Nada sendo imperativo ou automático, tudo passou estar sujeito à apreciação judicial na casuística do caso concreto, dentro das linhas gerais definidas pelo legislador.
6. Uma nova condenação em pena de substituição, nomeadamente em pena de prisão suspensa na sua execução, embora possa revelar tendencialmente que não se encontram ainda esgotadas as possibilidades de socialização do arguido em liberdade, não obsta a que o tribunal da condenação anterior equacione a revogação da suspensão, devendo no fundo encarar-se tanto a nova conduta criminosa, como a subsequente reação penal não detentiva como fatores de ponderação do juízo revogatório da suspensão da execução da pena de prisão.
7. O juízo de ponderação implicado na revogação da suspensão da execução da pena, pela sua complexidade e pela multiplicidade de fatores a considerar, não é compatível com qualquer tipo de automaticidade, seja num sentido ou noutro; e o juízo feito pelo tribunal da segunda condenação, em momento diverso e atendendo a fatores específicos desse concreto processo, não pode vincular o tribunal da primeira condenação, sob pena, até, de se anular o poder jurisdicional deste último, de decidir em conformidade com os dados de que dispõe no seu processo, entre os quais se contam, é certo, esses outros juízo e decisão.
8. O crime de roubo simples, previsto pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, está abrangido pelo perdão previsto pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
9. Essa interpretação tem assento no art.º 7º, 1, alíneas b) i) da Lei, cujo texto, quanto ao crime de roubo, afasta da exclusão de perdão apenas o tipo agravado previsto pelo art.º 210º, nº 2 do Código Penal; o âmbito material de incidência do art.º 7º, alínea g) daquela Lei sofre a constrição prevista por aquela primeira norma, que como que funciona como norma especialíssima, que delimita, na parte em causa, o alcance da norma especial.
10. A interpretação segundo a qual o roubo simples está também excluído do perdão tornaria destituída de sentido a referência explícita ao nº 2 do art.º 210º, contida naquele art.º 7º, no que seria uma verdadeira e hermeneuticamente desnecessária interpretação ab-rogante de parte do diploma.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – RELATÓRIO
Pelo Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 6) foi proferido despacho em 12 de julho de 2024, que contém o seguinte dispositivo, relativamente ao AA, nascido em ... de ... de 1997, com os demais sinais identificativos constantes dos autos:
«Face ao exposto decide-se revogar a suspensão aplicada ao arguido nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do C.P., devendo o arguido cumprir 15 meses de prisão a que foi condenado.»
(…)
Do perdão proveniente da Lei 38-A/2023, de 02-08:
(…)
Assim, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei.»
(…)
Da possibilidade de aplicação do disposto no art.º 43.º, n.º 1, al. c), do C.P.:
Para aferir da possibilidade do cumprimento da pena de 15 meses de prisão em regime de permanência na habitação solicite à DGRSP a realização do competente relatório.»
Inconformado, o Arguido interpôs recurso do despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1. Mediante acórdão transitado em julgado em 10 de Abril de 2019, o arguido foi condenado pela prática, em 25-03-2016, de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 2 al. b) e nº 4 do Código Penal, na pena de quinze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova.
2. Uma vez terminado o período de suspensão da execução da pena, o Tribunal a quo decidiu revogar a pena em causa, determinando que o arguido cumpra 15 meses de prisão efetiva.
3. O Tribunal a quo usou como principal argumento para a revogação da pena em causa o facto de o arguido ter sido condenado pela prática, em período de suspensão da pena, de outros dois crimes no âmbito dos Processos n.º 414/21.2PAMTA e 783/19.4PAMTJ.
4. No entanto, o arguido considera que a pena que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes autos deveria ter sido declarada extinta, pelo seu cumprimento.
5. Apesar de o arguido ter sido condenado em duas penas de prisão, o Tribunal decidiu, ainda assim, suspender a sua execução – o que reflete a elaboração de um juízo de prognose positivo quanto à sua conduta futura, quando já tinha conhecimento da existência de uma pena suspensa no âmbito dos presentes autos.
6. Considerou-se que a aplicação de uma pena substitutiva não privativa da liberdade ainda era adequada e suficiente às finalidades da punição.
7. Juízo este que foi formulado mesmo sabendo-se que o arguido já tinha sido condenado nos presentes autos e que os factos tinham sido praticados durante o período de suspensão da pena.
8. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora, pag. 236, “só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois uma condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente pelo tribunal da segunda condenação”.
9. Razão pela qual não se poderá concluir que as finalidades que estiveram na base da suspensão aplicada nos presentes autos não puderam ser alcançadas, pois as condenações do arguido no outro processo refletem a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido.
10. Ademais, do relatório final elaborado pela DGRSP, resulta que o arguido passou a “a comparecer nas entrevistas, de forma assídua e pontual”, “manteve ocupação laboral regular”, realizou uma “formação especializada dentro da empresa, “Formação de condução de Empilhadores”, “não mantém o consumo regular de haxixe e que já não acompanhará de forma persistente o seu anterior grupo de pares, tendo verbalizado querer manter um estilo de vida normativo”.
11. O único ponto negativo que podemos apontar ao arguido é a prática de dois crimes durante o período de suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos.
12. Entretanto, o arguido tem tomado um percurso de vida normativo, afastado da prática de crimes, mostrando-se inserido a nível familiar e laboral.
13. O arguido reconstruiu “a sua vida junto de uma nova companheira, residindo ambos em casa arrendada, tendo deixado de consumir haxixe há cerca de um ano. Referiu, ainda, que se encontra a trabalhar com o pai na área da construção civil e que aufere mensalmente um salário de € 700”.
14. Os factos praticados nos presentes autos remontam há mais de oito anos.
15. Dos dois crimes pelos quais o arguido foi condenado, apenas um deles é de idêntica natureza àquele em que foi condenado nos presentes autos.
16. Não obstante o arguido ter praticado crimes no período de suspensão da execução da pena suspensa nos presentes autos, o Tribunal de condenação elaborou um juízo de prognose favorável ao arguido, quando tinha pleno conhecimento da pendência na pena em causa nos presentes autos.
17. Refira-se ainda que tais penas foram objeto de cúmulo jurídico, vindo a pena única a ser fixada em três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos e dez meses, sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pelos serviços da DGRSP.
18. As condições pessoais referentes ao momento da prática dos factos e ao momento da condenação, bem como a sua postura em audiência de discussão e julgamento revelaram-se fundamentais para se concluir que a mera ameaça da pena de prisão era suficiente para garantir que o arguido não voltaria a delinquir.
19. Atenta a atual inserção laboral do arguido e a sua inserção familiar, cremos que o cumprimento de uma pena em reclusão não trará benefícios para um jovem como o arguido, que tem beneficiado de votos de confiança por parte da Justiça.
20. Assim, deveria a pena aplicada ao arguido ter sido declarada extinta, ao abrigo do disposto no n.º 1 do Artigo 57.º C.P. e artigo 475.º do C.P.P.
21. Pelo que o despacho recorrido deverá ser revogado, determinando-se a extinção da pena aplicada ao arguido.
Se assim não se entender,
22. O Tribunal entendeu que, “Entende o tribunal que atendendo ao disposto no art.º 7.º, n.º 1, al. g), da Lei supra referida o crime praticado pelo arguido (crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 2 al. b) e nº 4 do Código Penal) não é passível de ser perdoado, sendo que as vítimas de tal crime (que se insere na criminalidade violenta) são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis – art.º 67.º-A, n.º 1, al. b) e n.º 3, por referência ao art.º 1.º, al. j), ambos do C.P.P.”.
23. O arguido entende que o crime de roubo simples não faz parte das exceções da aplicação do referido perdão.
24. Não obstante o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, e nos artigos 67.º-A, n.º 3, e 1.º, al. j), do Código de Processo Penal, entendemos que da leitura global e fazendo uma interpretação sistemática do referido Artigo 7.º, resulta, tendo em conta o n.º 1, al. b), i), que o legislador (sem ter presente as implicações e interpretações que poderiam decorrer da referência a “vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal”) apenas quis incluir como exceção o crime de roubo previsto no n.º 2 do art.º 210.º do Código Penal, e não o simples.
25. Caso contrário, teria inserido explicitamente o crime de roubo simples, previsto e punido pelo n.º 1 do Artigo 210.º - o que não sucedeu.
26. Tendo tido o legislador o cuidado de explicitar que não beneficiam do perdão os condenados por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal, não cabe no espírito da Lei a exclusão do crime de roubo simples (previsto e punido pelo n.º 1 do Artigo 210.º do Código Penal) por via da aplicação da alínea g) do n.º 1 do Artigo 7.º.
27. O crime de roubo simples (previsto e punido nos termos do n.º 1 do Artigo 210.º do Código Penal) encontra-se abrangido pelo perdão estabelecido pela Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
28. Neste mesmo sentido, realça-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Processo n.º 167/19.4POLS-A.L1-9, de 11 de abril de 2024: I. Na interpretação das normas jurídicas o argumento literal não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, sendo o texto o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal. II. O crime de roubo simples previsto pelo artigo 210.º/1 do Código Penal não se pode ter como estando excecionado nem pela alínea b), nem pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto. II. Tal formulação permite, pelo contrário, afirmar que o crime de roubo agravado previsto no artigo 210.º/2 Código Penal, está excepcionado em ambas as normas: na alínea b) com referência expressa e na alínea g) por força da remissão, ali operada. III. A correcta interpretação da dita vai no sentido de que o legislador não pretendeu excepcionar o crime de roubo simples do âmbito da aplicação da Lei 38-A/2023: na alínea b) do artigo 7.º apenas se menciona o crime de roubo do artigo 210.º/2, não se podendo entender que o crime de roubo simples esteve na mente do legislador, quando previu a alínea g). IV. Se o legislador quisesse excluir da aplicação da dita Lei o crime de roubo, quer o simples, do n.º 1, quer o agravado, do n.º 2 (do artigo 210.º do CP), bastaria na referida alínea b) do artigo 7.º, em vez de referir apenas e só, o roubo do artigo 210.º/2, fazer menção ao roubo do artigo 210.º Código Penal. V. Nenhum sentido útil faz excluir da aplicação da Lei o crime de roubo agravado do artigo 210.º/2 através da formulação da alínea b) e fazer excluir o crime de roubo simples do artigo 210.º/1 através da sua inclusão na previsão da alínea g).
29. Tendo presente que o arguido tinha menos de 31 anos à data da prática dos factos e que a pena que lhe foi aplicada não se mostra superior a 8 anos, há que se concluir pela verificação dos pressupostos para que o arguido beneficie do perdão de 1 ano a incidir na pena de prisão em que foi condenado.
30. O Tribunal a quo violou o Artigo 2.º, o n.º 1 do Artigo 8.º e as alíneas b) i) e g) do n.º 1 do Artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.»
O recurso foi admitido para esta Relação, por despacho de 4 de outubro de 2024, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
«1.º – Nos presentes autos o arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 10 de abril de 2019, pela prática em 25-03-2016 de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210.º, n.º 1, e n.º 2 al. b), e 204.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do Código Penal, na pena de quinze meses de prisão, com execução suspensa por igual período, sob regime de prova.
2.º - Numa primeira fase o arguido havia incumprido, culposamente, os deveres impostos não tendo comparecido na DGRSP para elaboração do seu plano de reinserção social, tendo sido determinada a respetiva audição do arguido.
3.º - O Tribunal no sentido de conceder mais uma oportunidade ao arguido, por decisão proferida em 27-01-2021 (fls. 1153-1154) prorrogou o período de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um ano, razão pela qual o prazo total de suspensão da execução da pena em causa veio a atingir o seu terminus apenas em 10-07-2021.
Na sequência da referida diligência o arguido compareceu na equipa da DGRSP, tendo sido elaborado o seu plano de reinserção social que foi judicialmente homologado – vide fls. 1143, ao qual veio aderir progressivamente e manteve ocupação laboral.
4.º - Por factos praticados na pendência do período de suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos o arguido foi condenado:
- no âmbito do processo 414/21.2PAMTA, do JLC do Montijo, J1, pela prática em 06-05-2021 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 204.º, n.º 2, al. e) e 203.º, n.º 1, do C.P. na pena de dois anos e oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos e seis meses, sujeito a regime de prova – vide fls. 1263-1272 verso;
- o arguido foi igualmente condenado no âmbito do processo 783/19.4PAMTJ, do JLC do Montijo, J1, pela prática em 09-10-2019 de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos, com regime de prova – vide fls. 1330-1343.
5.º - O arguido praticou esses factos já após ter sido ouvido pelo tribunal e o prazo da suspensão da execução da pena de prisão ter sido prorrogado.
Acresce que, foi já condenado, para além da condenação sofrida nestes autos, pela prática de 8 crimes de roubo, em três processos diversos, todas em penas de prisão suspensas na sua execução, sendo que no âmbito do processo 492/16.5SGLSB foi determinada a prorrogação do prazo de suspensão.
6.º - Os comportamentos delituosos do recorrente, são efetivamente demonstrativos que o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena que lhe foi aplicada nestes autos naufragou, já que voltou a delinquir por mais duas vezes e, ainda que tenha sido condenado em penas de prisão suspensas na sua execução verifica-se que o cometimento de tais crimes inviabilizou em definitivo o cumprimento das finalidades que se encontravam na base do juízo de suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado nestes autos.
De facto, estas duas condenações, atenta a sua gravidade em termos de factualidade, e em termos de medida da pena aplicável, apenas admite o entendimento de que atentos os factos considerados provados, o juízo de prognose positivo que esteve na génese da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos fica irremediavelmente condenado.
7.º - É, pois, de concluir que, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente, o despacho recorrido fez uma adequada ponderação dos elementos colhidos nos autos à luz do disposto no art.º 56.º, n.º 1 al. b) do C.P., sem preterir qualquer formalidade essencial e sem violar qualquer norma penal, processual penal ou constitucional.
8.º - Está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210.º, nº 1 do Código Penal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g), do n.º 1, do art.º 7.º, da Lei.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantido na íntegra o douto despacho recorrido.»
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Uma vez remetidos os autos a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, aderindo à resposta que fora apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância, pugnando em suma pela improcedência do recurso.
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Cumprido o preceituado pelo art.º 417º/2 do Código de Processo Penal, o Arguido respondeu, mantendo a posição que sustenta no recurso e aditando a identificação de vários acórdãos no sentido de que o crime de roubo previsto pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal está abrangido pelo perdão.
Não se mostra requerida a realização de audiência.
Proferido despacho liminar, foram colhidos os “vistos” e teve lugar a conferência.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Questões a tratar
É pacífico que são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem o objeto recurso, sem prejuízo do poder de apreciação das questões de conhecimento oficioso.
A essa luz, são duas as problemáticas a tratar:
- por um lado, se deve considerar-se injustificada a revogação da suspensão da execução da prisão determinada pelo Tribunal de 1ª Instância e justificada, ao invés, a extinção da pena;
- por outro lado, na eventualidade de considerar-se que essa revogação foi justificada, importará ainda ponderar se tem ou não aplicação o perdão de pena previsto pelo art.º 3º, nº 1 da Lei nº 38-A/2023, de 2/08, mormente tendo em conta o que decorre do 7º, nº 1, alíneas b) i) e g) do mesmo diploma.
2.2 O despacho recorrido
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Por acórdão transitado em julgado em 10 de Abril de 2019, foi o arguido AA condenado, pela prática em 25-03-2016 de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 2 al. b) e nº 4 do Código Penal, na pena de quinze meses de prisão, com execução suspensa por igual período, sob regime de prova.
Por decisão proferida em 27-01-2021 (fls. 1153-1154) foi prorrogado o período de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um ano, uma vez que o arguido havia incumprido culposamente os deveres que lhe eram imputados, não tendo comparecido na DGRSP para elaboração do seu plano de reinserção social.
Após audição do arguido e prorrogação do prazo de suspensão nos termos supra referidos o arguido compareceu na equipa da DGRSP, tendo sido elaborado o seu plano de reinserção social que foi judicialmente homologado – vide fls. 1143.
O prazo total de suspensão da execução da pena em causa atingiu o seu terminus em 10-07-2021.
Resulta do teor do relatório final de execução da pena a fls. 1225-1226 que o arguido aderiu progressivamente ao acompanhamento da DGRSP e manteve ocupação laboral.
No entanto, resulta destes autos que por factos praticados na pendência do período de suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos o arguido foi condenado no âmbito do processo 414/21.2PAMTA, do JLC do Montijo, J1, pela prática em 06-05-2021 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 204.º, n.º 2, al. e) e 203.º, n.º 1, do C.P. na pena de dois anos e oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos e seis meses, sujeito a regime de prova – vide fls. 1263-1272 verso.
O arguido também foi condenado no âmbito do processo 783/19.4PAMTJ, do JLC do Montijo, J1, pela prática em 09-10-2019 de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos, com regime de prova – vide fls. 1330-1343.
Foi efetuado no âmbito do processo 414/21.2PAMTA, do JLC do Montijo, J1 cúmulo jurídico das penas a que o arguido foi condenado no âmbito desses autos e no âmbito do processo 783/19.4PAMTJ, do JLC do Montijo, J1, tendo o arguido sido condenado na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos e 10 meses, sujeito a regime de prova. Tal condenação transitou em julgado em 15-05-2024.
Nos termos e para os efeitos no disposto no art.º 495, n.º 2, do C.P.P., 55.º e 56.º, do C.P. foi ouvido o arguido e dado contraditório à defesa sendo que o arguido referiu estar arrependido, ter reconstruído a sua vida junto de uma nova companheira, residindo ambos em casa arrendada, tendo deixado de consumir haxixe há cerca de um ano. Referiu, ainda que se encontra a trabalhar com o pai na área da construção civil e que aufere mensalmente um salário de €700.
Notificado para comprovar quer o contrato de arrendamento que referiu ter celebrado, quer a relação laboral que mantém com o seu pai, a defesa do arguido respondeu referindo que não tem contrato redigido a escrito de arrendamento pois o mesmo é meramente verbal e que quanto ao comprovativo da relação laboral o arguido referiu não a ter pois trabalha com o pai, sendo esse um negócio familiar onde não são emitidos quaisquer comprovativos de tal atividade.
O M.P. pronunciou-se no sentido da revogação da pena de prisão suspensa na sua execução a que o arguido foi condenado nestes autos tendo em conta a conduta do arguido ao longo do cumprimento do regime de prova, o cometimento de dois crimes no período da suspensão, um deles de natureza patrimonial e, por outro lado, o extenso passado criminal do arguido e a sua atual frágil inserção social, sendo que nem logrou comprovar que efetivamente trabalha de forma assídua com o seu pai e que aufere um rendimento estável.
A defesa do arguido notificada de tal posição discorda da mesma pugna pela extinção da pena suspensa a que foi condenado nestes autos, isto tendo em conta que o arguido acabou por cumprir com as obrigações do seu plano de reinserção social, refez, entretanto, a sua vida e está laboralmente ativo. Acresce que os factos ilícitos que praticou durante este período da suspensão originaram duas condenações em penas de prisão suspensas na sua execução o que implica que ainda assim as finalidades que estavam subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão puderam ser alcançadas, já que mesmo nas condenações que sofreu entendeu-se que o juízo de prognose de que o arguido não voltaria a delinquir era positivo.
Alega, por fim, o tempo que decorreu desde a prática desses autos, sendo que o arguido, entretanto, refez a sua vida.
Subsidiariamente peticiona que os 15 meses de prisão a que foi condenado nestes autos, caso se entenda revogar a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado nestes autos, seja cumprida em regime de permanência na habitação.
Cumpre decidir.
Nos termos do art.º 56.º, do C.P. a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseiramente os deveres ou regras de condutas impostos; b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Em causa nestes autos está a al. b) da norma supra referida.
O cometimento pelo arguido de um crime durante o período de suspensão de execução da pena não implica necessariamente a sua revogação pois que, para que tal aconteça é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição.
Neste sentido, explica Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 356, que a suspensão só deve ser revogada se se revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não poderão, por meio desta, ser alcançadas ou, “dito de outra forma, se nascesse ali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade”.
Em suma, a revogação da suspensão da execução da pena pela prática de crime terá que ter na sua base causas que “deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.” (in Ac. TRLisboa de 16 de Janeiro de 2006, in www.pglisboa.pt).
Ora, no caso em apreço o arguido cometeu no período da suspensão um crime de furto qualificado e um crime de tráfico de menor gravidade.
Nestes autos o arguido havia sido condenado pela prática de um crime de roubo desqualificado. Assim, o arguido no período da suspensão para além de ter cometido um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, cometeu, ainda, um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do C.P., sendo que a sua ação voltou a visar bens jurídico de caráter patrimonial.
Acresce que o arguido praticou esses factos já após ter sido ouvido pelo tribunal e o prazo da suspensão da execução da pena de prisão ter sido prorrogado. Assim, nem mesmo sabendo que havia beneficiado de uma oportunidade de cumprir a pena a que foi condenado em liberdade o arguido não se absteve de delinquir novamente, desta feita visando bens que se encontravam no interior da casa do ofendido, utilizando, para tal o escalamento.
Ora, tal demonstra que o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena aplicada ao arguido nestes autos naufragou, já que o arguido voltou a delinquir por mais duas vezes e ainda que tenha sido condenado em penas de prisão suspensas na sua execução entende-se que o cometimento de tais crimes inviabilizou o cumprimento das finalidades que se encontravam na base do juízo de suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado nestes autos.
Na verdade, entende-se que estas duas condenações, quer pela sua gravidade em termos de factualidade, quer pela sua gravidade em termos de medida da pena aplicável leva a que o tribunal entenda, face aos factos nela dados como provados, que o juízo de prognose positivo que esteve na génese da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos caia por terra.
Como vimos, o arguido praticou os factos que conduziram à segunda condenação já após ter-lhe sido concedida uma oportunidade, sendo que o arguido acabou por apenas estar efetivamente sujeito a regime de prova durante o período da prorrogação da suspensão, já que este faltou sucessivamente à DGRSP e por sua culpa não foi atempadamente elaborado o seu PRIS.
Acresce que é extenso o certificado de registo criminal do arguido sendo que o mesmo já foi condenado, para além da condenação sofrida nestes autos, pela prática de 8 crimes de roubo, em três processos diversos, todas em penas de prisão suspensas na sua execução, sendo que no âmbito do processo 492/16.5SGLSB foi determinada a prorrogação do prazo de suspensão. Para além de tais condenações o arguido ainda foi condenado pela prática de um crime de furto simples, um crime de furto qualificado e um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade.
Assim, a condenação em pena de prisão suspensa proferida nestes autos não contribuiu para evitar a recidiva (visto que o arguido voltou a delinquir).
Na verdade, a uma reiteração na prática de crimes contra o património e contra bem jurídicos pessoais, o arguido associa agora a prática de um crime de furto qualificado e um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, muitas vezes associado a fenómenos de criminalidade contra o património.
Daí que não se possa afirmar que as finalidades que estavam subjacentes no juízo de suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos não foram postas em causa com os factos que o arguido praticou e pelos quais foi condenado no âmbito do processo n.º 783/19.4PAMTJ e 414/21.4PAMTJ.
Os factos supra descritos demonstram que a reiteração criminosa não apenas se manteve como este variou a sua atividade delituosa, já que enveredou para a prática de crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, demonstrando elevadas exigências de prevenção especial, aliás, espelhadas no quantum da pena que lhe foi aplicada no âmbito do processo 414/21.4PAMTJ – dois anos e oito meses de prisão, ainda que suspenso na sua execução por 3 anos e seis meses, com regime de prova.
Como refere Odete Oliveira, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105, “o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respetiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição.” Cfr. Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105.
Entende-se que a conduta posterior do arguido à suspensão da execução da pena, frustrou irremediavelmente a possibilidade de ainda assim, com a prática dos novos factos, considerar que se mantinha o juízo de prognose inicial favorável à suspensão.
A gravidade dos factos praticados, a medida da pena aplicada e o pouco tempo que mediou entre a condenação que o arguido sofreu nestes autos e a prática de novos factos ilícitos levam a que o juízo de prognose não seja favorável à manutenção da suspensão.
A fundamentação para a aplicação de uma pena grave, pouco tempo depois da suspensão da pena em análise, retiram qualquer legitimidade para se apoiar na manutenção de qualquer juízo de prognose favorável à manutenção da suspensão.
Se é verdade que o arguido foi condenado pelos novos factos em penas suspensas na sua execução, entende o tribunal que esse juízo de prognose favorável efetuado no âmbito de tais processos não vincula este tribunal, sendo que nestes autos e face ao que se deixou transcrito entende-se que as finalidades que estavam subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos naufragaram, pois o arguido para além de reiterar a sua conduta criminosa, praticou ainda e por duas vezes mais dois crimes, um deles novamente contra bens jurídicos patrimoniais.
Por fim, diga-se que o facto de só agora se cogitar a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada a este arguido quando o período de suspensão terminou em 10-07-2021 está relacionado com o facto do tribunal ter aguardado pelo desfecho dos processos que o arguido tinha pendentes e cujos factos foram cometidos no período da suspensão (vide art.º 57.º, n.º 2, do C.P.).
Face ao exposto decide-se revogar a suspensão aplicada ao arguido nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do C.P., devendo o arguido cumprir 15 meses de prisão a que foi condenado.
Notifique.
*
Do perdão proveniente da Lei 38-A/2023, de 02-08:
O arguido AA na data da prática destes factos tinha 19 anos, pelo que se coloca a questão de se saber se o mesmo pode beneficiar da aplicação do perdão proveniente da Lei 38-A/2023, de 02-08.
Entende o tribunal que atendendo ao disposto no art.º 7.º, n.º 1, al. g), da Lei supra referida o crime praticado pelo arguido (crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 2 al. b) e nº 4 do Código Penal) não é passível de ser perdoado, sendo que as vítimas de tal crime (que se insere na criminalidade violenta) são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis – art.º 67.º-A, n.º 1, al. b) e n.º 3, por referência ao art.º 1.º, al. j), ambos do C.P.P. – neste sentido Ac. TRG de 23-01-2024, processo n.º 5310/19.0JAPRT-AI.G1, relatora Isilda Pinho, in https://jurisprudencia.pt/acordao/220944/ e Ac. TRL de 28-11-2023, processo n.º 102/18.5P8LSB-A.L1-5, relatora LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO, in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9dda6213d096d5cb80258a9a00362150?OpenDocument.
Assim, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei.
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Notifique.
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Da possibilidade de aplicação do disposto no art.º 43.º, n.º 1, al. c), do C.P.:
Para aferir da possibilidade do cumprimento da pena de 15 meses de prisão em regime de permanência na habitação solicite à DGRSP a realização do competente relatório.»
2.3 Factos com potencial relevo para a decisão que resultam dos autos
2.3.1 O Arguido tem os seguintes antecedentes criminais (cfr. referência eletrónica nº 38968855):
2.3.1.1 No processo nº 1029/13.4PAMTJ, por sentença de 12/01/2017, transitada em julgado em 6/03/2017, foi condenado pela prática em 14/12/2013 de dois crimes de roubo, na pena de 13 meses de prisão, suspensa por idêntico período, com regime de prova; a pena viria a ser julgada extinta por referência a 7/04/2018, por despacho de 29/05/2018;
2.3.1.2 No processo nº 492/16.6SGLSB, por sentença de 29/06/2017, transitada em julgado em 12/02/2019, foi condenado pela prática em 14/05/2016 de três crimes de roubo, na pena única de 1 ano e 11 meses de prisão, suspensa por idêntico período, com regime de prova; o período de suspensão viria a ser prorrogado por 1 ano, por despacho de 1/02/2021, transitado em julgado em 5/05/2021;
2.3.1.3 No processo nº 624/15.1PAMTJ, por sentença de 12/07/2018, transitada em julgado em 1/10/2018, foi condenado pela prática em 20/08/2015 de um crime de furto, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 1.000,00; a pena foi declarada extinta por despacho de 16/11/2021, por referência a 11/05/2021, por efeito do pagamento;
2.3.1.4 No processo nº 250/16.8PAMTJ, por acórdão de 27/10/2021, transitado em julgado em 26/11/2021, foi condenado pela prática em 29/03/2016 de três crimes de roubo, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa por idêntico período, com regime de prova;
2.3.1.5 No processo nº 579/15.2PAMTJ (estes autos), por acórdão de 11/03/2019, transitado em julgado em 10/04/2019, foi condenado pela prática em 25/03/2016 de um crime de roubo (desqualificado), nos termos previstos pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, alínea b) e 204º, nºs 1, alínea b) e 4 do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por idêntico período, com regime de prova;
2.3.1.6 No processo nº 783/19.4PAMTJ, por sentença de 9/12/2021, transitada em julgado em 21/01/2022, foi condenado pela prática em 9/10/2019 e 8/09/2919, respetivamente, de um crime de tráfico de menor gravidade e de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com regime de prova; a pena de multa foi julgada extinta, por efeito do pagamento, por referência a 30/06/2022, por despacho de 31/10/2022; os factos que levaram a esta condenação foram os seguintes (cfr. certidão junta a 21/06/2023/referência eletrónica nº 36313947):
«NUIPC 783/19.4PAMTJ:
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 08 de setembro de 2019, pelas 14h15m, na Rua ..., Bairro ..., ..., o arguido tinha consigo, no interior de uma caixa metálica, em alumínio, de cor cinza, 6 (seis) tiras de cannabis (resina), com o peso total líquido de 7,173 gramas, e 12,3% de grau de pureza.
2. Tal cannabis (resina) perfazia 18 (dezoito) doses individuais desse produto estupefaciente.
3. O arguido consome habitualmente cannabis e destinava toda a quantidade de cannabis, que consigo trazia nesse dia 08 de setembro, a consumo próprio, nesse dia e nos que se lhe seguissem.
4. O arguido tinha plena consciência que tinha consigo o produto supra descrito, cujas características bem conhecia, designadamente a natureza estupefaciente do mesmo.
5. O arguido bem sabia que não lhe era lícito transportar e ter na sua posse o supra descrito produto.
NUIPC 70/19.8GAMTJ:
6. No dia 09 de outubro de 2019, pelas 15h, na Rua ..., Bairro ..., ..., o arguido tinha consigo, dentro do bolso esquerdo dos calções que trajava, 6 (seis) tiras de cannabis (resina), com o peso total líquido de 17,888 gramas, e 2,4% de grau de pureza.
7. Tal cannabis (resina) perfazia 8 (oito) doses individuais desse produto estupefaciente.
8. Nesse mesmo dia 09 de outubro de 2019, pelas 15h30, o arguido tinha guardadas, dentro de uma gaveta de um móvel, que se encontrava no interior do seu quarto, sito na Rua ..., 10 (dez) tiras de cannabis (resina), com o peso total líquido de 30,847 gramas, e 3,2% de grau de pureza, as quais se encontravam divididas em dois grupos, cada um dos quais acondicionado em papel de alumínio.
9. Tal cannabis (resina) perfazia 19 (dezanove) doses individuais desse produto estupefaciente.
10. O arguido não destinava a totalidade desses produtos, que consigo trazia e guardava nesse dia 09 de outubro, a consumo próprio.
11. O arguido tinha plena consciência que tinha consigo e guardava os produtos descritos nos pontos 6. a 9., cujas características bem conhecia, designadamente a natureza estupefaciente dos mesmos.
12. O arguido bem sabia que não lhe era lícito transportar, guardar ou ter na sua posse os produtos descritos nos pontos 6. a 9..
13. O arguido atuou sempre de forma livre, deliberada e consciente.
14. Tendo plena consciência que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
2.3.1.7 No processo nº 414/21.2PAMTJ, por sentença de 4/01/2023, transitada em julgado em 3/02/2023, foi condenado pela prática em .../.../2021 de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses, com regime de prova; os factos que levaram a esta condenação foram os seguintes (cfr. certidão junta a 16/02/2023/referência eletrónica nº 35095773):
«1. Por volta das 2h06 do dia 06 de maio de 2021, os arguidos BB e AA, na concretização de um plano previamente traçado entre ambos, dirigiram-se até à residência do ofendido CC, situada na ..., com a intenção de aí penetrarem e de se apoderarem dos objectos de valor que aí viessem a encontrar.
2. Com esse objectivo, o arguido BB saltou por cima do muro que rodeia a referida residência e abriu o portão aí existente de modo a deixar entrar o arguido AA.
3. Após, começaram ambos a percorrer o local, designadamente o pátio, a zona do estendal e o interior da habitação do ofendido, na qual penetraram de modo não concretamente apurado, em busca de bens e objectos de valor que pudessem levar consigo, tendo reunido, em número não concretamente apurado, fatos e botas de mergulho, cintos, camisolas.
4. De seguida, os arguidos ausentaram-se do local, levando consigo os referidos bens, os quais integraram no seu património.
5. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intentos e de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de fazerem seus os mencionados bens, aos quais sabiam não ter direito, tendo consciência que actuavam contra a vontade do respectivo proprietário.
6. Mais sabiam que a sua conduta era reprovável e punida por lei.»
2.3.1.8 No âmbito do Processo mencionado em 2.3.1.7 veio a ser realizado cúmulo jurídico por sentença de 15/04/2024, transitada em julgado em 15/05/2024, que englobou as penas aplicadas nele e no Processo referido em 2.3.1.6, constando da sentença o seguinte (cfr. certidão junta em 16/05/2024/referência eletrónica nº 39381700):
«(…)
a) Factos provados:
(…)
6) O arguido trabalha para o seu pai, no sector de construção civil, em horário completo, auferindo o vencimento mensal de €700,00.
7) Vive com a namorada, atualmente desempregada.
8) Residem em casa arrendada com a renda mensal de €600,00.
9) O arguido está a ser acompanhado pela DGRSP no âmbito de planos de reinserção social.
(…)
Nestes termos, atendendo aos critérios supra enunciados, tendo ainda em conta a natureza dos ilícitos em causa em conjugação com a motivação e situação pessoal e profissional do arguido, devidamente ponderados no seu conjunto, afigura-se adequada uma pena única de três anos de prisão.
Da substituição/suspensão da execução da pena de prisão
Conhecidos que são os potenciais efeitos crimogéneos do cumprimento de uma pena de prisão (podendo mesmo ter o efeito contrário à pretensão de reintegração do agente que subjaz à aplicação de qualquer pena), e, tendo em consideração que a pena de prisão concretamente aplicada ao arguido nestes autos impõe-se ponderar da sua substituição por outra medida não privativa da liberdade, que seja legalmente admissível.
Preceitua o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A suspensão da execução da pena de prisão constitui verdadeira pena (pena de substituição em sentido próprio), não se traduzindo numa modificação da pena de prisão, mas numa pena autónoma que assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, efetivado no momento da decisão.
Neste domínio ensina o Professor Figueiredo Dias que «(…), desde que imposta ou aconselhada à luz das exigências da prevenção especial de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, e a estabilização das expectativas comunitárias»
Destarte, deve poder formular-se um juízo de prognose fundamentado, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto (ainda que posteriores ao facto e mesmo que já valoradas em sede de medida concreta da pena), em que se manifeste fundada expectativa de que o agente sinta tal suspensão como uma advertência e não volte a delinquir.
A suspensão da execução da pena não depende da discricionariedade do juiz, antes traduzindo o exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.
No caso em apreço, mostra-se verificado o pressuposto formal previsto pelo artigo 50.º do Código Penal, uma vez que foi determinada pena de prisão inferior a cinco anos.
No que ao pressuposto material diz respeito impõe-se antes de mais antolhar aos crimes em presença, nomeadamente, furto qualificado, consumo e tráfico de menor gravidade. No quadro do tráfico de estupefacientes, atendendo ao bem jurídico em presença, ao modo como ele é atingido pela conduta ilícita e, essencialmente, o alarme social causado por tal ilícito, as razões de prevenção geral, em regra, desaconselham a suspensão da execução da pena de prisão.
Contudo no caso do consumo e tráfico de menor gravidade tais exigências da punição mostram-se mitigadas, não obnubilando a possibilidade de suspensão.
O arguido mostra-se pessoal e profissionalmente inserido, estando atualmente a residir com a sua namorada e a trabalhar na construção civil com o seu pai, donde ressuma que a vida do arguido se mostra estabilizada.
De outro passo, apurou-se não só que o arguido se afastou do grupo de pares cuja influência para comportamentos desviantes terá contribuído para o seu passado criminal, como também que o mesmo se encontra presentemente abstinente.
Acresce ainda que o arguido, adotou uma postura contrita, de colaboração evidenciando interiorização do desvalor das suas condutas.
Do exposto afigura-se que mera suspensão da execução da pena de prisão será suficiente para demover AA do cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Tal conclusão que é enfatizada, de resto pelo facto de o arguido ter vindo a ser acompanhado pela DGRSP por força de condenações anteriores, não sendo conhecida a prática de outras incursões delituosas.
Considera-se, contudo, que o passado criminal do arguido revela que a mera ameaça de cumprimento da pena de prisão (suspensão) não é suficiente, por si só, para acautelar as necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir, maxime considerando que o arguido cometeu os crimes em apreciação durante período de suspensão de pena de prisão.
Assim, é premente dar continuidade ao acompanhamento pela DGRSP a que o arguido tem vindo a aderir, de modo a consolidar, com ajuda profissional, os alicerces necessários para que mantenha a sua vida conforme ao direito e afastado da prática de novos delitos.
Nesta conformidade, e em obediência do disposto nos artigos 53.º e 54.º do Código Penal, determina-se a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 3 anos e 10 meses, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
(…)
Pelo exposto, decido aplicar ao arguido AA em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas nestes autos e no processo n.º 783/19.4PAMTJ:
a) A pena de 100 dias de multa à razão diária de €5,00, no montante global de € 500,00, sem prejuízo do cumprimento já verificado.
b) A pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos e dez meses, sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pelos serviços da DGRSP.
(…)
Após trânsito:
(…)
- Remeta cópia da sentença para concretização do regime de prova.
(…)»
2.3.2 Nos presentes autos o período de suspensão da execução da pena de prisão fixado pelo acórdão de 11/03/2019 foi objeto de prorrogação por um ano, após audição do Arguido realizada em 10/12/2020, por despacho de 27/01/2021, o qual tem o seguinte teor (cfr. referência eletrónica nº 402292534):
«Por acórdão transitado em julgado em 10 de Abril de 2019, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 2 al. b) e nº 4 do Código Penal, na pena de quinze meses de prisão, com execução suspensa por igual período, sob regime de prova.
Mostra-se já exaurido o período de suspensão da execução da pena e o arguido não chegou a cumprir qualquer regime de prova porquanto não compareceu na DGRSP para elaboração do pertinente plano de reinserção social.
No dia 10 de Dezembro procedeu-se à audição do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 495º nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Na referida diligência o arguido referiu não ter comparecido nas entrevistas agendadas pela DGRSP por ter mudado de morada, tendo, entretanto, desenvolvido actividade laboral em diversos locais, incluindo no estrangeiro. Mais afirmou estar disposto a aproveitar “uma nova oportunidade” que eventualmente lhe seja concedida e deu conhecimento de ter comparecido recentemente a entrevista na DGRSP.
Da informação de fls. 1125 resulta que o arguido compareceu efectivamente na DGRSP em 23 de Novembro do ano transacto, altura em que foi realizada entrevista para elaboração de plano de reinserção social no âmbito de outro processo.
Como bem refere o M.P. na sua promoção antecedente o arguido ao ausentar-se da morada por si fornecida nos autos sem comunicação ao tribunal, sabedor de que havia sido condenado em pena de prisão com execução suspensa sob regime de prova, revelou alheamento relativamente a essa condenação e inerentes obrigações.
Tal violação dos seus deveres mostra-se culposa e grosseira, levando a que os objectivos visados com a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido à observância de regime de prova não se mostram atingidos, por culpa sua.
No entanto, o arguido expressou vontade de, doravante, as cumprir, e o certo é que compareceu na DGRSP para elaboração de plano de reinserção social, ainda que no âmbito de outro processo.
Acresce que do seu certificado de registo criminal verifica-se que não foi condenado por qualquer crime praticado durante o período de suspensão da execução da pena e dos autos não resulta que tenha pendente qualquer processo por crime cometido durante esse mesmo período.
Assim, e ao disposto no art.º 55º al. d) do Código Penal, decide-se prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido por mais um ano relativamente ao fixado no acórdão, solicitando-se à DGRSP que diligencie com urgência pela elaboração e junção aos autos do necessário plano de reinserção social.
Notifique.»
2.3.3 Na sequência da prorrogação descrita em 2.3.2 veio, entretanto, a ser elaborado relatório final, por parte da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com data de 22/02/2022, o qual tem o seguinte teor (transcrição da parte relevante):
«(…)
O presente documento foi elaborado a partir de informação recolhida através de entrevistas presenciais com o condenado na sede desta equipa, consulta do dossiê do condenado existente nesta DGRSP, consulta da documentação entregue pelo condenado, nomeadamente contrato de trabalho, e recibos de vencimento, e realizada articulação com o Núcleo de Investigação Criminal da PSP de ...
Monitorização da Execução da Medida
No decurso do acompanhamento, AA apresentou, numa fase inicial, irregularidade na assiduidade, a qual justificou de modo informal, tendo corrigido, posteriormente essa atitude, tendo passado a comparecer nas entrevistas, de forma assídua e pontual.
O condenado manteve ocupação laboral regular, efetuando, numa fase inicial do acompanhamento, trabalhos relacionados com a construção civil com o seu progenitor. Desde ... de 2021 que está a trabalhar na empresa ..., no ..., recebendo o salário mínimo nacional. AA terá realizado formação especializada dentro da empresa, “Formação de condução de Empilhadores”.
O condenado referiu que não mantém o consumo regular de haxixe e que já não acompanhará de forma persistente o seu anterior grupo de pares, tendo verbalizado querer manter um estilo de vida normativo.
No entanto, da articulação feita com as OPC´s verificámos a existência de novas ocorrências durante a execução da presente medida judicial, constando AA como arguido no NUIPC 414/21.2PAMTJ, em 06-05-2021, e como infrator, regime contraordenacional na NPP 62911/2021e NPP 78210/2021.
AA viria a ser condenado, no decurso da presente medida, no âmbito do processo 250/16.8PAMTJ, pela prática de três crimes de roubo, em cúmulo jurídico na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período com sujeição a regime de prova, tendo a sentença transitado em julgado a 26-11-2021.
AA também foi condenado, no âmbito do processo 783/19.4PAMTJ, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, e por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade em 100 dias de multa, e na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com sujeição a regime de prova, tendo o trânsito em julgado ocorrido a 26-11-2021. Os referidos factos ocorreram após o trânsito em julgado da presente medida judicial.
Conclusão / Proposta
Apesar do condenado ter progressivamente aderido ao nosso acompanhamento e ter mantido ocupação laboral, somos de salientar pelo menos uma condenação por factos praticados após o trânsito em julgado da presente medida e outras ocorrências criminais durante período probatório.
Neste contexto, não nos parece que o condenado tenha interiorizado o sentido da pena, pelo que se coloca à consideração desse Tribunal, a oportunidade de revogação da presente medida.»
2.4 Conhecendo do mérito do recurso
2.4.1 Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão
Nos presentes autos o Arguido foi condenado, como se sabe, pela prática de um crime de roubo (desqualificado), previsto pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 204º, nºs 2, alínea b) e 4, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, com regime de prova.
Tendo o acórdão transitado em julgado no dia 10 de abril de 2019, estimava-se que aquele período de quinze meses terminaria no dia 10 de julho de 2020. Face ao despacho proferido a 27 de janeiro de 2021, o período de suspensão veio a ser prorrogado por um ano, o que significa que o final daquele período passou então a situar-se no dia 10 de julho de 2021.
Sucede que no conjunto do período de suspensão o Arguido cometeu três crimes pelos quais foi condenado no âmbito de dois Processos, o que despoletou a prolação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do preceituado pelo art.º 56º, nº 1, alínea b) do Código Penal.
O Arguido mostra-se inconformado, alegando, em síntese, que a revogação da suspensão não é automática; que apenas um dos novos crimes tem natureza idêntica àquele pelo qual fora condenado nestes autos; e que por esses novos crimes foram-lhe aplicadas penas de prisão também com execução suspensa, o que traduz, por parte desses Tribunais, a formulação de um juízo de prognose favorável, não podendo assim considerar-se nestes autos frustradas as finalidades que estiveram na base da suspensão.
Acrescenta ainda que do último relatório social disponível resulta que o Arguido aceitou o acompanhamento da DGRSP, colaborou com os serviços de forma assídua e pontual, manteve ocupação profissional, realizou formação profissional e alterou os seus hábitos de consumo de produto estupefaciente; e que das declarações que prestou resulta o reconhecimento de que está arrependido e reconstruiu a sua vida junto de uma nova companheira, deixou de consumir haxixe há cerca de um ano e trabalha com o pai na área da construção civil.
Cumpre apreciar.
A suspensão da execução da pena de prisão é revogada pelas razões previstas pelo art.º 56º, nº 1 do Código Penal e nomeadamente, para o que aqui revela, quando o condenado «cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas» [alínea b)].
É indiscutível que se mostra preenchido o requisito formal da revogação, a saber, o cometimento de crime pelo qual o Arguido foi condenado – no caso, foram três os «novos» crimes. O que resta por apreciar é se, por via do cometimento desses novos crimes, ficou revelado que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas.
Objeta o Arguido que não pode ser formulado um juízo de prognose desfavorável nestes autos uma vez que nos processos relativos aos crimes cometidos durante o período de suspensão ainda foram os tribunais capazes de chegar a um juízo de prognose favorável, determinando a suspensão da execução das respetivas penas de prisão.
O argumento tem peso e não pode deixar de ser discutido.
Perguntemo-nos então: haverá algum obstáculo formal, previsto no direito positivo, a que se revogue a suspensão da execução da pena de prisão por motivo da prática de crime(s) no período da suspensão, quando por este(s) novo(s) crime(s) vem a ser aplicada prisão também ela suspensa na execução?
Perguntando de outro modo: confiando o tribunal que faz o julgamento pelo(s) crime(s) novo(s) na suficiência da mera ameaça da execução da pena de prisão a que chega, isso impede legalmente o tribunal da primeira condenação de considerar que as finalidades que estiveram na base da suspensão inicial se frustraram?
Na redação originária do Código Penal de 1982, aprovada pelo D.L. nº 400/82, de 23/09, prescrevia-se no art.º 51º, nº 1 o seguinte: «a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão.» Assim é que, (i) cometendo o arguido um crime doloso durante o período da suspensão (ii) pelo qual fosse condenado numa pena de prisão, a revogação da suspensão operaria sem que ao tribunal se exigisse a feitura de qualquer juízo de prognose sobre o comportamento do Arguido. Tratava-se aí, portanto, de uma revogação automática. Discutia-se, ainda assim, na vigência dessa redação, se a pena de prisão aplicada ao segundo crime tinha que ser efetiva ou se a revogação também ocorreria perante uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução.
Na vigência dessa redação formou-se um entendimento no sentido de que essa (segunda) condenação teria que ser em prisão efetiva [Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias (1993), pgs. 356-357]. E nada temos a objetar de princípio a esse entendimento, uma vez que a revogação aí em causa operava automaticamente; não se via bem, com efeito, como poderia uma revogação automática ocorrer, isto é, sem qualquer juízo de apreciação concreto por parte do juiz, perante uma «mera» prisão suspensa na sua execução.
Ora, os termos dessa discussão alteraram-se significativamente com a versão de 1995 do Código Penal, introduzida pelo D.L. nº 48/95, de 15/03: à luz do seu art.º 56º, deixa de haver causas de revogação automática da suspensão; deixa de haver a exigência de que o segundo crime seja doloso; deixa de ser imperativo que a pena aplicada a esse novo ilícito seja de prisão.
Nada sendo imperativo ou automático, tudo passou estar sujeito à apreciação judicial na casuística do caso concreto, dentro das linhas gerais definidas pelo legislador.
E neste âmbito, há na verdade quem sustente que a segunda condenação tem que ser em pena de prisão efetiva para que possa equacionar-se a revogação da anterior suspensão da execução de pena de prisão; considera-se aí que é de todo contraindicado, sob pena de incoerência do sistema, que a suspensão seja revogada com base na prática de crime ulterior e na frustração das finalidades daquela, quando a esse crime ulterior vem, afinal, a ser também aplicada pena substitutiva, assente na afirmação de um juízo de prognose favorável que se nega quanto à primeira pena [Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição atualizada, Universidade Católica Editora (2022), pg. 354; e os Acs. da RE de 13/07/2021 e da RC de 28/03/2012, relatados respetivamente por Martinho Cardoso e Olga Maurício, in www.dgsi.pt – todos os acórdãos que citarmos devem reportar-se a esta fonte de pesquisa].
Estamos em crer, porém, que existe também uma corrente jurisprudencial muito relevante que propugna que a condenação em nova pena de substituição, nomeadamente em pena de prisão suspensa na sua execução, embora possa revelar tendencialmente que não se encontram ainda esgotadas as possibilidades de socialização do arguido em liberdade, não obsta a que o tribunal equacione a revogação da primeira suspensão, devendo no fundo encarar-se tanto essa nova conduta criminosa, como a subsequente reação penal não detentiva como fatores de ponderação do juízo revogatório da suspensão da execução da pena de prisão (neste sentido, Acs. da RC de 9/10/2024, da RE de 8/09/2021, da RE de 6/01/2015 e, muito em especial, o da RP de 14/07/2010, relatados respetivamente por Sandra Ferreira, Berguete Coelho, Ana Barata Brito e Joaquim Gomes).
É esta última a linha em que nos inserimos.
O juízo de ponderação implicado na revogação da suspensão da execução da pena, pela sua complexidade e pela multiplicidade de fatores a considerar, não é compatível com qualquer tipo de automaticidade, seja num ou noutro sentido; mais: o juízo feito pelo tribunal da segunda condenação, em momento diverso e atendendo a fatores específicos desse concreto processo, não pode vincular o tribunal da primeira condenação, sob pena de se anular o poder jurisdicional deste último, de decidir em conformidade com os dados de que dispõe no seu processo, entre os quais se contam, é certo, esses outros juízo e decisão.
Do que acaba de dizer-se pode extrair-se, em jeito de conclusão, o seguinte (cfr. Ac. da RL de 6/02/2024, proferido no Proc. nº 201/21.8PBSNT.L1, relatado por Ana Cláudia Nogueira, não publicado):
i. a subsequente condenação do agente em pena de prisão efetiva será indicativa de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão da execução da pena na primeira condenação não puderam ser alcançadas por meio dessa pena;
ii. a subsequente condenação do agente em pena de prisão suspensa na execução, ou noutra pena de substituição, será indicativa de que ainda poderá ser possível um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do agente;
iii. em qualquer caso, nem na primeira situação se pode automaticamente assumir que, por ser a subsequente condenação em pena de prisão efetiva, será de revogar a suspensão da execução da pena de prisão primeiramente aplicada, nem no segundo caso se pode ter por adquirido não poder revogar-se a suspensão da execução dessa pena de prisão primitiva só porque a subsequente condenação é em pena de prisão suspensa na execução.
Em suma, não vemos na lei, e designadamente no art.º 56º, nº 1 do Código Penal, nada que obste a que o tribunal da primeira condenação conclua pela frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão, pelo facto de ao novo crime não ter sido aplicada prisão efetiva.
Dito isto e regressando ao ponto de partida: a prática pelo Arguido, durante o período de suspensão, dos três crimes pelos quais veio a ser condenado, revela ou não «que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas»?
Tenhamos presente que «finalidades» eram essas no caso concreto, olhando para o que ficara explicitado pelo acórdão condenatório proferido nestes autos. Aí se lê, a este propósito e com particular relevância, o seguinte:
«(…)
Ponderados todos esses factores entende-se adequado aplicar ao arguido AA a pena de 15 meses de prisão.
No entanto, atentos os critérios do art.º 50.º esta pena deverá ser suspensa na execução, bastando-se o Tribunal, perante a personalidade do arguido, as suas condições pessoais, conduta e circunstâncias análogas, com a simples censura do facto com a ameaça de execução, sendo esta uma última oportunidade que o tribunal concede ao arguido.
Na verdade, o arguido desde a prática dos factos não voltou a delinquir nos mesmos termos, tem apoio familiar e está a trabalhar.
É convicção deste Tribunal que a mera ameaça de aplicação de uma pena de prisão é suficiente para que o arguido se abstenha de cometer novos factos ilícitos.
Efectivamente, tal como escreve o Prof. Figueiredo Dias, “… pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente…”, sendo que, “… na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto…”.
(…)
Todavia, para melhor assegurar as finalidades pretendidas (cfr. artigo 40º, do Código Penal), o Tribunal subordinará a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento do regime de prova, nos termos dos artigos 50º, nº 2, 53º e 54º, todos do Código Penal, por tal se afigurar conveniente e adequado à reintegração social do arguido.
(…)»
Percebe-se então que o que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão foi a convicção de que a pena de substituição seria suficiente para garantir a reintegração social do arguido, havendo por fim último o de o Arguido não voltar a delinquir ante a ameaça de execução da pena de prisão, acompanhada de regime de prova. Não deixou o acórdão condenatório, porém, de plasmar no texto que se tratava de «uma última oportunidade que o tribunal concede», com isso bem sinalizando ao Arguido - pessoa que à data já vira transitadas em julgado três condenações anteriores, pela prática de cinco roubos e um furto - que não podia deixar de encarar a pena de substituição com o máximo empenho.
Aproveitou o Arguido essa «última oportunidade»?
Obviamente que não.
Num primeiro momento, recorde-se, o Arguido cometeu os crimes de tráfico de menor gravidade e consumo, logo em setembro e outubro de 2019.
Num segundo momento, não colaborou com a DGRSP durante o período de suspensão da execução da pena fixado no acórdão condenatório, no contexto do regime de prova, o que levou o Tribunal a decidir-se pela prorrogação de um tal período, lavrando um novo voto de confiança no Arguido, apoiado em que este «expressou vontade de, doravante, (…) cumprir», sublinhando mesmo que o Arguido dissera, aquando da audição prevista pelo art.º 495º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal «estar disposto a aproveitar “uma nova oportunidade” que eventualmente lhe seja concedida».
E num terceiro momento, já em maio de 2021, ou seja, achando-se próximo do final do regime de prova em curso, cometeu o crime de furto qualificado, recorde-se, por via da introdução em residência alheia durante a madrugada, crime esse que tem parcialmente a mesma natureza do crime de roubo pelo qual aqui fora condenado.
Dito isto, que já não é pouco, olhemos de forma retrospetiva e global para todo o histórico criminal do Arguido.
Percebe-se que estamos diante alguém que cometeu delitos pela primeira vez em 2013, quando tinha apenas 16 anos de idade (dois roubos), e que em seguida reiterou práticas criminosas ao longo de quase dezoito anos e até data recente, em 2015 (um furto), 2016 (seis roubos), 2019 (tráfico de menor gravidade e consumo de estupefacientes) e 2021 (furto qualificado), mostrando desta forma estar longe de se tratar de uma pessoa que cometeu ilícitos de forma episódica e pontual e que, pelo contrário, tem uma acentuada propensão criminosa.
De entre tais ilícitos encontram-se nada menos que oito roubos e dois furtos, um dos quais qualificado, para além de um tráfico de menor gravidade e um consumo de estupefacientes. Sublinhe-se: oito roubos e dois furtos, um dos quais qualificado.
Por referência a esse seu percurso teve sete condenações, ou seja, por sete vezes foi advertido de forma solene para a inadmissibilidade do seu comportamento e para a necessidade de o não repetir; e em cada uma dessas sete condenações foi-lhe dada a oportunidade de o fazer sem privação da liberdade: note-se que, para além da multa fixada em relação a dois dos crimes (um dos furtos e o consumo de estupefacientes), a pena invariavelmente aplicada foi a de prisão suspensa na sua execução com regime de prova - nada menos que seis vezes.
Pela duração da sua carreira criminosa, que coincide praticamente por toda a sua vida adulta; pela insuficiência das penas de substituição, mesmo com regime de prova, ou não privativas da liberdade, que lhe foram sendo aplicadas; e, agora e em particular, pela circunstância de se não ter coibido de praticar três novos crimes, e sobretudo sendo um deles também de natureza patrimonial (furto qualificado), durante o período de suspensão que lhe fora fixado nos nossos autos, não se vê como possa ser formulado um juízo de prognose favorável sobre o comportamento do Arguido (sobre esta matéria vejam-se, com interesse, os Acs. da RE de 28-02-2023 e da RP de 14/07/2010, relatados respetivamente por Carlos de Campos Lobo e Joaquim Gomes).
E o que vimos de dizer ganha uma coloração ainda mais intensa se tivermos em conta que o aludido novo crime patrimonial foi cometido já depois de ter sido decidida a prorrogação do período inicial de suspensão, ou seja, já depois de ter sido ouvido, em 10 de dezembro de 2020, no âmbito do contraditório instituído pelo art.º 495º, nº 2 do Código de Processo Penal, ocasião em que pôde ver-lhe reafirmada a seriedade da sua situação processual.
A circunstância de ainda assim ter praticado o (novo) crime de furto qualificado, por via da introdução ilegítima durante a madrugada em habitação alheia, só pode significar que as reações do sistema de justiça penal de que foi até aqui alvo nada de suficientemente significativo e mobilizador lhe serviram e que a elas foi basicamente indiferente.
Mais do que palavras de contrição ou de proclamação para futuro de vontades e intenções, como aquelas que diz no contexto das audições a que é sujeito no quadro do art.º 495º do Código de Processo Penal, os gestos do Arguido falam por si e têm um cunho objetivo e verificável; e o seu percurso criminal é a todos os títulos, neste contexto, bem expressivo.
É certo que há aspetos da sua vida que são aparentemente favoráveis, no sentido em que facilitariam uma vivência social respeitadora dos valores jurídico-criminais, como os que se prendem com a sua ocupação laboral, a sua inserção familiar e social em geral; mas esses aspetos favoráveis já estavam em larga medida presentes e foram considerados, recorde-se, aquando da condenação havida em 2019 nestes autos, e não foram suficientes para o afastar de novas práticas criminosas.
Em suma, entendemos que andou bem o Tribunal de 1ª Instância em ter revogado a suspensão da execução da pena, assim pondo fim à espiral sucessiva de abordagens judiciárias não privativas da liberdade das quais o Arguido, ao ter praticado três crimes no período de suspensão, com destaque para o de furto qualificado, se revelou não ser merecedor.
Não se ignora que os factos pelos quais foi condenado nestes autos remontam já a 2016; mas na verdade, a falta de sensibilidade do Arguido para com os valores jurídico-criminais foi sendo renovada com os ilícitos seguintes, por essa via demonstrando ele próprio que a inclinação que o levou ao ilícito de 2016 se manteve e reafirmou, com isto tornando justificada e necessária a presente reação judiciária, que de resto só podia ser despoletada com o trânsito em julgado das condenações ulteriores.
Confirmando-se assim a revogação da suspensão, depara-se ao Arguido a perspetiva de cumprir a pena de 15 meses de prisão que lhe fora fixada pelo acórdão condenatório.
*
2.4.2 Do perdão de pena
O Arguido tinha 19 anos à data dos factos, pelo que ocorre ponderar a aplicação do perdão de pena previsto pela Lei nº 38-A/2023, de 2/08, face ao preceituado pelos seus arts. 1º, 2º, nº 1 e 3º, nºs 1 e 3.
Recorde-se que o crime em causa é o de roubo, previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, por efeito da desqualificação operada à luz do art.º 204º, nº 4, aplicável por via do art.º 210º, nº 2, alínea b) do mesmo diploma. E que a 1ª Instância entendeu que o Arguido não beneficia do perdão, na medida em que o crime de roubo se enquadra no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, «especialmente vulneráveis» e por isso se encontra abrangido pela exceção prevista pelo art.º 7º, nº 1, alínea g) do nº 1 do diploma.
Sustenta o Arguido, por sua vez, que o legislador quis excluir do benefício do perdão apenas o roubo previsto pelo art.º 210º, nº 2 do Código Penal, face ao que resulta do art.º 7º, nº 1, alínea b) i) da Lei 38-A/2023, de 2/08.
Cumpre apreciar.
Esta problemática já tem sido levantada, como se sabe e evidencia pela jurisprudência que a douta decisão recorrida e o Arguido citam, em abono das soluções que respetivamente preconizam.
A jurisprudência tem vindo a dividir-se entre quem sustenta que o roubo simples está abrangido pelo perdão (Acs. da RP de 24/01/2024, da RL de 6/12/2023, da RL de 23/01/2024, da RG de 23/01/2024, relatados respetivamente por Pedro Afonso Lucas, Hermengarda do Valle-Frias, Maria José Machado e Florbela Sebastião e Silva); e quem entende que está excluído (Acs. RL de 28/11/2023, da RP de 17/01/2024, da RP de 10/01/2024, da RG de 23/01/2024, relatados respetivamente por Luísa Alvoeiro, Maria dos Prazeres Silva, Francisco Mota Ribeiro, Isilda Pinho; sufraga ainda este entendimento, Pedro Brito (2023). “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, JULGAR Online, pág. 31).
Há argumentos ponderosos num e noutro dos sentidos.
Por aderirmos a essa solução, passaremos a transcrever a parte relevante do acórdão não publicado, proferido por esta Secção no dia 11 de julho de 2024, no âmbito do Processo nº 224/22.0JDLSB-D.L1, relatado por José Castro, e no qual o aqui Relator interveio como Adjunto:
«Coloca-se então nos autos a questão da aplicabilidade do perdão de 1 ano à pena imposta por força do disposto no art.º 3º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 02.08., segundo o qual «Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos».
A Lei nº 38-A/2023, de 02.08, em vigor desde 01.09.2023, tem por objeto um perdão de penas e uma amnistia por ocasião da realização da Jornada Mundial da Juventude (cfr. o art.º 1º do referido diploma legal).
Nos termos do art.º 2º, nº 1, do mencionado diploma, «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º.»
É o caso dos autos (…).
Por outro lado, não sendo a pena superior a 8 anos (…), não está à partida excluído o perdão pela própria parte final do nº 1 do art.º 3º.
Resta assim saber se ocorre alguma causa de exclusão por força do art.º 7º, o qual dispõe do seguinte modo:

«1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por:
i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro;
ii) Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal;
iii) Crimes de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, previstos nos artigos 144.º, 144.º-A, 144.º-B e na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal;
iv) Crimes de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, previstos nos artigos 154.º a 154.º-B e 158.º a 162.º do Código Penal;
v) Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal;
b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:
i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal;
c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal;
d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:
i) Crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, de incêndio florestal, danos contra a natureza e de poluição, previstos nos artigos 272.º, 274.º, 278.º e 279.º do Código Penal;
ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal;
iii) Crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal;
e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por:
i) Crimes contra a soberania nacional e contra a realização do Estado de direito, previstos nas secções i e ii do capítulo i do título v do livro ii do Código Penal, incluindo o crime de tráfico de influência, previsto no artigo 335.º do Código Penal;
ii) Crimes de evasão e de motim de presos, previstos nos artigos 352.º e 354.º do Código Penal;
iii) Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º-A do Código Penal;
iv) Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal;
v) Crimes de peculato e de participação económica em negócio, previstos nos artigos 375.º e 377.º do Código Penal;
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por:
i) Crimes de terrorismo, previstos na lei de combate ao terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto;
ii) Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003;
iii) Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º-A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva;
iv) Crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado e de fraude na obtenção de crédito, previstos nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública;
v) Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro;
vi) Crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições;
vii) Crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime;
viii) Crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional;
ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
x) Crimes previstos nos artigos 27.º a 34.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;
h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções;
i) Os condenados em pena relativamente indeterminada;
j) Os reincidentes;
k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;
l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
2 - As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.
3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.»
                                   
Releva, no caso dos autos, as exclusões ínsitas no art.º 7º, nº 1, als. b)-i), parte final, e g), acima transcritas.
Quanto à questão vinda de referir a jurisprudência deste mesmo tribunal tem-se dividido entre aquela que apenas considera excluído do perdão o crime de roubo agravado (e já não o crime de roubo simples) [são disso exemplo os acs do TRL de 06.12.2023, proc. nº 2436/03.6PULSB-D.L1-3); de 23.01.2024 (proc. nº 179/04.2PBLSB-A.L1-5, mas com declaração de voto); e de 11.04.2024, proc. nº 167/19.4POLSB-A.L1-9] e aquela que considera excluído do perdão o crime de roubo tout court, ainda que na sua forma simples, por força da al. g) do nº 1 do art.º 7º [são disso exemplo os acs do TRL de 28.11.2023 (proc. nº 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, com voto de vencido em sentido contrário); de 14.12.2023 (proc. nº 27/22.1PJLRS-B-L1-5); de 20.02.2024 (proc. nº 286/22.0SYLSB.L2-5); de 19.03.2024 (proc. nº 846/12.7GACSC.L1-5, com voto de vencido); de 21.03.2024 (proc. nº 445/15.1PCLRS-B.L1-9); de 07.05.2024 (proc. nº 660/13.2GDALM-A.L1-5); de 08.05.2024 (proc. nº 31/05.4PDLRS-B.L1-3)].1
Os argumentos aduzidos no sentido de apenas estar excluído do perdão o crime de roubo agravado são, na sua essência, dois, a saber: i) o crime de roubo não se integra no conceito de criminalidade violenta ou especialmente violenta, conforme decorre do disposto nas als. j) e l) do art.º 1º do CPP [pelo que em caso de roubo simples não opera a exclusão do perdão a que respeita a al. g) do nº 1 do art.º 7º ]; ii) o legislador apenas quis excluir do perdão o crime de roubo agravado, conforme expressamente consignado na parte final da al. b)-i) do nº 1 do art.º 7º [a contrario sensu, estaria abrangido pelo perdão o crime de roubo simples, ainda que no pressuposto de que este constitui sempre criminalidade especialmente violenta, pelo que o legislador não expressou devidamente a sua vontade ao não atentar na exclusão da al. g) do nº 1. Nessa conformidade, a alusão ao crime de roubo p. e p. pelo nº 2 do art.º 210º do Código Penal na parte final da al. b)-i) do nº 1 seria então redundante se dele não se puder extrair, a contrario sensu, que o crime de roubo simples não está excluído do perdão].
S.m.o., após reponderação dos argumentos esgrimidos num e noutro sentido e em sentido contrário ao por nós defendido como adjunto no processo nº 445/15.1PCLRS.L1-9 (que teve na sua base o entendimento da exclusão do perdão ao crime de roubo simples), oferece-nos expressar o seguinte:
i) Desde logo, o crime de roubo simples, porquanto punível com pena de prisão cujo máximo é igual a 8 anos, e dado o seu modo de execução – que pressupõe sempre a violência física ou psíquica por qualquer um dos modos previstos no nº 1 do art.º 210º do Código Penal – integra-se sempre no conceito de criminalidade especialmente violenta e, nessa medida, discordamos do posicionamento jurisprudencial que defende o oposto.
De facto, o art.º 1º do CPP, na parte que ora releva, dispõe do seguinte modo:
«Para efeitos do disposto no presente código considera-se:
[…]
j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;
[…].»
Por sua vez, dispõe o art.º 210º, nº 1 do Código Penal, o seguinte:
«1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.»
A conduta típica consiste em subtrair ou constranger alguém a que lhe seja entregue coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.
O objeto do crime é a coisa móvel (ou seja, para efeitos penais, toda a substância corpórea, material, suscetível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha valor juridicamente relevante) ou animal alheio.
Para que haja subtração é necessário que haja uma perda de detenção, contra a vontade do detentor, e que haja substituição da detenção anterior pela detenção do agente.
Ademais, os meios para a subtração de coisa móvel alheia ou para o constrangimento à sua entrega estão especificados no respetivo tipo legal: a violência contra uma pessoa, a ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
A ameaça constitui uma violência psíquica, em que o agente constrange a vítima através da provocação de medo, inquietação, insegurança, de forma a afetar-lhe a sua liberdade de decisão e ação.
Constranger significa coagir, obrigar, pressionar, afetando assim a liberdade do coagido, o qual desse modo se vê compelido a executar uma ação contra os seus interesses patrimoniais.
Por outro lado, trata-se de um crime de resultado ou de dano, na medida em que para o seu preenchimento se mostra necessário que haja a efetiva apreensão ou entrega ao agente de coisa móvel alheia (ou animal alheio) e bem assim que haja um efetivo constrangimento levado a cabo por um dos meios descritos no respetivo tipo-legal.
Por sua vez, a ilegítima intenção de apropriação traduz-se na intenção do agente, contra a vontade do proprietário da coisa ou animal subtraídos, de se passar a comportar em relação a ele como seu proprietário, integrando-o na sua esfera jurídico-patrimonial ou de outrem.
Trata-se de um crime doloso, isto é, o agente terá de ter o conhecimento correto da factualidade típica, para assim se preencher o elemento intelectual do dolo (cfr. art.º 16º, nº 1, do Código Penal) e terá ainda de ter uma especial direção de vontade, cujo conteúdo é variável (dolo direto, dolo necessário ou dolo eventual – cfr. art.º 14º, do Código Penal), para desta forma se preencher o elemento volitivo do dolo, sendo certo que este tem de abranger o constrangimento à entrega da coisa móvel alheia (ou animal alheio) ou à sua subtração e aos meios usados para esse fim.
O roubo é assim um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais (o direito de propriedade e o de detenção de coisas móveis ou animais) quer bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de ação/movimentos e de decisão e a integridade física ou mesmo a vida), sendo certo que a lesão dos bens de natureza pessoal constitui um meio de lesão dos bens jurídicos de natureza patrimonial, existindo tantos crimes quantas as vítimas.
Distingue-se do crime de furto porque neste não está em causa a lesão de bens jurídicos de natureza pessoal.
Em suma, trata-se de crime violento que põe em causa a integridade física da vítima ou mesmo a vida, se o agente usar de violência física para alcançar a sua intenção apropriativa, ou, no limite, não tendo sido empregue violência física pelo agente, estará então em causa a liberdade de ação da vítima, seja de decisão seja de movimentos, quando constrangida por via da ação tipificada na norma a entregar a coisa ou animal.
Assim, porquanto no crime de roubo é um crime doloso em que o agente atenta contra a integridade física e/ou contra a liberdade pessoal da vítima, punível com pena de prisão cujo limite máximo abstrato é igual (roubo simples) ou superior a 8 anos (roubo agravado), tal crime integra-se claramente no conceito de criminalidade especialmente violenta nos termos da al. l) do art.º 1º do CPP [por referência à al. g), do mesmo artigo].
Como assim, a vítima de tal crime deve ser considerada especialmente vulnerável, por força do art.º 67º-A, nº 3, do CPP (aditado pela Lei nº 130/2015, de 04.09., em vigor desde 04.10.2015), nos termos do qual «As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.»
Nessa conformidade, em princípio, operaria a exclusão do perdão a que se reporta a al. g) do nº 1 do art.º 7º da Lei nº 38º-A/2023, de 02.08.
*
ii) Todavia, que relevância deve ser dada à alusão ao crime de roubo p. e p. pelo nº 2 do art.º 210º do Código Penal na parte final da al. b)-i) do nº 1 do art.º 7º da Lei nº 38-A/2023, de 02.08?
Já vimos que parte da jurisprudência vê nesse facto, a contrario sensu, a não exclusão do perdão do crime de roubo simples, pois doutra forma aquela alusão seria redundante e desprovida de utilidade prática.
Parece-nos argumento que deve colher.
O legislador consagrou dois tipos de exclusão, de natureza objetiva (com referência à tipologia de crimes excluídos ou à natureza ou quantum da pena)2 e de natureza subjetiva (com referência ao agente, como é o caso do reincidente, ou com referência às vítimas, mormente, se forem crianças e jovens ou vítimas especialmente vulneráveis).3
Conforme emerge da fundamentação do assento do STJ nº 2/2001, de 14.11 (Diário da República n.º 264/2001, Série I-A de 14.11.2001), as leis de clemência, por serem excecionais, não permitem interpretação analógica, extensiva ou restritiva, na decorrência aliás do estatuído no art.º 11º do Código Civil («As normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva»).
Atentemos então ao seguinte segmento da fundamentação de tal arresto (transcrição):
«É assim que a Constituição dispõe hoje que «compete à Assembleia da República [...] conceder amnistias e perdões genéricos» - artigo 161.º, alínea f) -, competindo ao Presidente da República «na prática de actos próprios [...] indultar e comutar penas, ouvido o Governo» - artigo 134.º, alínea f).
Em ambos os casos fica derrogado o sistema legal punitivo; daí o intitular-se, por vezes, o regime das medidas de graça como um jus non puniendi. O direito de graça é, no seu sentido global e abrangente, «a contraface do direito de punir estadual» (Figueiredo Dias, Direito Penal ..., parte geral II, 1993, p. 685).
Sucede ainda que o direito de graça subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.
Razão pela qual aquele direito é necessariamente considerado um direito de «excepção», revestindo-se de «excepcionais» todas as normas que o enformam.
É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil -, sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas» (v. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo 121/2000, 5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo 2748/2000, 5.ª Secção, para mencionar apenas os mais recentes).
Sendo, assim, insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo» - Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra, 1978, p. 147. Na interpretação declarativa «o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo» - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, p. 185.»
De todo o modo, no caso em apreço, atenta a incongruência já assinalada [entre a parte final da subalínea i) da alínea b) e da alínea g), ambos do nº 1 do art.º 7º], não é o texto legislativo – de que deve partir qualquer esforço interpretativo – que nos dá a solução no sentido de alcançar qual foi a intenção do legislador ao consagrar duas causas de exclusão do perdão – uma específica e respeitante ao crime de roubo e outra mais genérica e com referência à qualidade das vítimas.
Tais causas de exclusão não são complementares (ao contrário, s.m.o., do expendido no acórdão do TRL de 19.03.2024, proc. 846/12.7GACSC.L1-5), pois, abarcando uma área comum de exclusão, ainda que sob perspetivas diversas (uma objetiva e outra subjetiva), são excludentes entre si, no sentido de que a causa de exclusão específica do crime de roubo exclui a aplicabilidade da causa de exclusão de mais largo espectro.
Recordemos que, nos termos do nº 1 do art.º 9º do Código Civil, «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», sendo certo que qualquer uma das interpretações em confronto tem na lei um mínimo de correspondência verbal (neste caso imperfeitamente expresso, como se verá).
Nesse contexto, torna-se mister reconstruir o processo legislativo que esteve na base da lei da Amnistia de 2023 de forma a que consigamos perscrutar qual é afinal a vontade do legislador.
Ora, s.m.o., cremos que do processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei de Amnistia de 2023 (iniciado com a apresentação pelo Governo da proposta de Lei nº 97/XV/1ª) se pode concluir que o legislador, na verdade, não obstante o texto legislativo, incongruente entre si, não quis excluir do perdão o crime de roubo simples.
De facto, nessa proposta de lei, as exclusões ao perdão estavam consignadas no art.º 5º (haveriam mais tarde de passar para o art.º 7º na versão definitiva) e, com referência ao crime de roubo, excluía-se do perdão os crimes cometidos em residências ou na via pública com o uso de arma de fogo ou arma branca [al. b)-i)], sendo certo que já então se propunha a exclusão do perdão quando as vítimas fossem especialmente vulneráveis [cfr. a al. g) do art.º 5º daquela proposta de lei].
Ora, sucede que o PSD propôs o alargamento do âmbito de exclusão aos crimes de roubo previstos no art.º 210º do Código Penal, portanto, sem qualquer distinção entre o crime de roubo simples ou agravado.
Todavia, ainda aqui, não se atentou que, sendo as vítimas de tal tipologia de crime especialmente vulneráveis, estava já excluído do perdão a prática do crime de roubo, ainda que simples, por via daquela cláusula mais geral de exclusão.
De todo o modo, tal proposta não foi aprovada, tendo sido antes aprovada a proposta apresentada pelo PS e que viria a constar da redação final tal como hoje a conhecemos da Lei de Amnistia de 2023, no segmento em apreço.
De qualquer forma, também aquela proposta do PS – assim aprovada – não atentou que o crime de roubo, ainda que simples, estaria já excluído do perdão por força da al. g) do nº 1 do art.º 7º.
Quer dizer, o legislador, com referência ao crime de roubo, ponderou expressamente se ele deveria ser pura e simplesmente excluído, simples ou agravado (proposta do PSD), ou se apenas deveriam ser excluídos do perdão os crimes de roubo agravados (proposta do PS), acabando por ser aprovada a proposta do PS no sentido de excluir apenas do perdão o crime de roubo agravado.
Talvez o caráter urgente dado ao processo legislativo explique a precipitação do legislador (precipitação essa que não foi detetada nem pelo Governo na proposta de lei apresentada nem por nenhum grupo parlamentar com assento na Assembleia da República nas propostas de alteração que apresentaram), de sorte que foi sucessivamente desconsiderada a desconformidade intrínseca entre as exclusões consagradas no art.º 7º, nº 1, als. b)-i) e g).
A evolução do processo legislativo demonstra que de uma proposta de lei que apenas excluía algumas formas agravadas do crime de roubo, se passou a excluir qualquer crime de roubo agravado do perdão de pena, depois de se ter ponderado a exclusão do perdão do crime de roubo, simples ou agravado, sob proposta de alteração do PSD e que foi rejeitada.
Tendo o legislador expressamente ponderado uma causa de exclusão especificamente referente ao crime de roubo, sem atentar que bulia com uma causa de exclusão mais genérica (atinente à qualidade das vítimas), entendemos que o pensamento legislativo, imperfeitamente expresso [daí que no caso esteja manifestamente elidida a presunção a que alude o nº 3 do art.º 9º do Código Civil], vai no sentido de apenas excluir do perdão as formas agravadas do crime de roubo, não ocorrendo tal exclusão no crime de roubo simples.
Deverá ser assim declarado o perdão de 1 ano de prisão à pena imposta, a que alude o art.º 3º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 02.08., contudo, sem prejuízo da condição resolutiva a que alude o art.º 8º, nºs 1 a 5 da mencionada lei, [estatui o nº 1 o seguinte: «O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada»].»
Em suma, aplicar-se-á o perdão de um ano, sem prejuízo do funcionamento da mencionada condição resolutiva e, em resultado disso, resta então ao Arguido cumprir, por ora, 3 meses de prisão.
Haverá ainda que ponderar se o período de prisão deve ser cumprido em meio prisional ou em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, nos termos previstos pelo art.º 43º, nºs 1, alínea c) e 2 a 4 do Código Penal, matéria cuja apreciação o despacho recorrido relegou para momento ulterior e que aqui, destarte, não cabe tratar.
*
3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, nos seguintes termos:
3.1 Confirma-se a decisão recorrida na parte em que determinou a revogação da suspensão da execução da pena de 15 (quinze) meses de prisão aplicada nestes autos ao AA;
3.2 Revoga-se a decisão recorrida na parte em que recusou a aplicação do perdão previsto pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto e, em consequência, declara-se perdoado 1 (um) ano de prisão à pena referida em 3.1:
3.2.1 Sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor daquela Lei (01/09/2023), caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada, nos termos do art.º 8º, nº 1 da referida Lei;
3.2.2 E sem prejuízo da oportuna ponderação, pelo Tribunal de 1ª Instância, do cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, nos termos previstos pelo art.º 43º, nºs 1, alínea c) e 2 a 4 do Código Penal.
***
**
Não são devidas custas [arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 Código de Processo Penal, a contrario sensu].
Registe e notifique.
*
Lisboa, 20 de fevereiro de 2025
Os Juízes Desembargadores (processado a computador pelo relator e revisto por todos os signatários; assinaturas eletrónicas)
Jorge Rosas de Castro
Isabel Maria Trocado Monteiro (com declaração de voto adiante junta)
Paula Cristina Bizarro

Declaração de voto
Com todo o respeito que nos merecem os nossos Ex.mos Colegas que formaram maioria nos presentes autos, até pela sagacidade da argumentação em que sustentam a sua decisão, vemo-nos forçados a dissentir da mesma, já que, em nosso humilde entender, o sentido da interpretação das normas da al. b)-i) e da al. g-) do artigo 7º, da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, com vista a determinar-se se ao crime de roubo simples, p. no artigo 210º, nº 1 do Código Penal é aplicado o perdão, deverá ser objeto do apuramento do seu sentido normativo, o qual seja, aquele que melhor corresponda ao pensamento legislativo.
E se é certo que, a proposta da lei do perdão, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD foi rejeitada, a verdade é que, a proposta aprovada e que foi a do PS recebeu alterações e essas foram analisadas e votadas em conjunto, tendo merecido os votos a favor do PS, do PSD, da IL, do PCP e contra do Chega, na ausência do BE, da DURP do PAN e do DURP do Livre, daí tendo resultado a exclusão da aplicação do perdão às vítimas especialmente vulneráveis, com o aditamento à alínea g) do artigo 7º, “contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código Processo Penal;” onde se integram as vítimas do crime de roubo simples, só assim se compreendendo a votação favorável do PSD.
Em face do que, resultando da redação dada à al. g) que não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, necessariamente passou a estar nela incluído o crime de roubo, previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, dado o mesmo integrar o conceito de criminalidade violenta, por corresponder a condutas que dolosamente se dirigem contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal, nos termos previstos no art.º 1º, al. j), do Código de Processo Penal, sendo ademais punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão, e, nos termos do nº 3 daquele art.º 67º-A, “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis”.
Acresce que, esta interpretação é a que, sob o ponto de vista teleológico e da coerência deve resultar da reconstituição a partir dos textos da lei, pois que, não seria compreensível que crimes muito menos graves do que o de roubo, previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, como o de coação e de perseguição, dos art.º 154º e 154º-A do CP, puníveis com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa, ficassem excluídos do perdão, e já não aquele, indubitavelmente mais grave e gerador de alarme social, onde a violência sobre uma determinada pessoa pontifica como elemento do tipo, seja na forma de coação, de ofensa à integridade física, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física da vítima, sendo ademais o mesmo punível com pena muito superior à prevista para aqueles crimes, ou seja, 1 a 8 anos de prisão.
Assim, não aplicaria o perdão de 1 ano ao recorrente, por entender que este dele não pode beneficiar, por o crime praticado estar excluído daquela Lei, nos sobreditos termos.
Em face do exposto, negaria provimento integral ao recurso, e manteria a decisão recorrida. E assim sendo voto, muito respeitosamente, vencido.
Isabel Maria Trocado Monteiro
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1. Todos os acórdãos referenciados estão publicados no sítio www.dgsi.pt.
2. Cfr. os artgs 3º, nº 1; e 7º, nº 1, al. a)-i a v); al. b)-i) e ii); al. c); al. d) – i) a iii); al. e) – i) a v); al. f) – i) a x); al. i); e al. l).
3. Cfr. o art.º 7º, nº 1, als. g), h), j) e k).