Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARLA FRANCISCO | ||
Descritores: | CUSTAS INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL EM SEPARADO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | O prazo de prescrição do crédito de custas do Estado começa a correr desde o trânsito em julgado da decisão condenatória, por ser este o momento em que ao credor é lícito promover a sua liquidação, uma vez que se trata de uma dívida ilíquida, em conformidade com o disposto no art.º 306º, nºs 1 e 4 do Cód. Civil, primeira parte. Sumário:(Da responsabilidade da relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1– Relatório No processo nº 3645/08.7TASNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 3, por acórdão datado de 25/11/2014, transitado em julgado a 26/11/2015, foram AA……, BB……. e CC…… Alves condenados no pagamento de custas processuais. Na sequência da condenação vieram os mesmos apresentar reclamações da conta de custas, onde invocam a prescrição dos créditos de custas do Estado, invocando o disposto nos arts.º 306º do Cód. Civil e 29º e 37º do Regulamento das Custas Processuais. Com data de 30/09/2022 foi proferido despacho, no qual se dá provimento às reclamações e se declara prescrito o crédito de custas do Estado, por se mostrar decorrido o prazo de 5 anos previsto no art.º 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais. * Inconformado com esta decisão, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: “1- O Ministério Público não se conforma com o decidido em douto despacho proferido no dia 30 de setembro de 2022, que declara prescrito o crédito de custas em que são devedores os arguidos AA….., BB……. e CC…… Alves, nos termos do artigo 37º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, por entender que não se verifica prescrição, na medida em que o respetivo prazo (prescricional) ainda não se iniciou no caso em concreto. 2- Não se discute que o prazo de prescrição do crédito de custas é de cinco anos, uma vez que é o que prevê o artigo 37.º, n.º1, do Regulamento de Custas Processuais, o ponto de discórdia consiste no momento em que se inicia o decurso daquele prazo, pois que ao invés do que resulta de douto despacho que se recorre, considera-se que o início do prazo de prescrição do crédito de custas apenas se inicia com o momento em que termina o prazo de pagamento voluntário das custas contadas, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º1, do Código Civil, sendo este o entendimento perfilhado por Salvador da Costa em Regulamento das Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 2009, 398. 3- No mesmo sentido se entendeu em douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.02.2013 no processo n.º 2288/04.9TBFAR-A.E1, in www.dgsi.pt, que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”. 4- Também em douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.07.2017 no processo n.º 1825/03.0PBLRA.C1 se decidiu: “As custas só são devidas a partir da sua liquidação, com a elaboração da respetiva conta e notificação dessa “liquidação” ao devedor. O prazo de prescrição [da dívida de custas] inicia-se com o termo do prazo de pagamento voluntário das custas que na sequência da liquidação, tenham sido notificadas ao devedor.” 5- O prazo previsto no artigo 29.º do Regulamento de Custas Processuais é o prazo para a elaboração da conta, o que não se pode confundir com o momento em que o crédito das custas pode ser exercido, que só se inicia após a sua liquidação e notificação ao devedor, ao abrigo do disposto no artigo 306.º, n.º1, do Código Civil. 6- O douto despacho proferido nos autos em 30 de setembro de 2022 ao decidir declarar prescrito o crédito de custas em que são devedores os arguidos AA…..., BB…… e CC…… violou o disposto nos artigos 29.º, n.º1 e 37.º , n.º1, do Regulamento de Custas Processuais e o artigo 306.º, n.º1, do Código Civil, devendo o mesmo ser revogado e substituído por decisão que determine indeferir as reclamações de contas constantes de documentos com as referências eletrónicas n.ºs 21727065/21735525/ 21755606 de 12 de setembro de 2022 e emitir novas guias de pagamento.” * O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo. * BB…... e CC…… apresentaram resposta, formulando as seguintes conclusões: “I.– Salvo o devido respeito, carece de razão o ora Recorrente na questão que suscita em sede de Recurso. II.– Senão vejamos, III.– Vem o ora Recorrente defender que a contagem do prazo prescricional do crédito de custas só inicia com a notificação da conta de custas aos responsáveis pelo seu pagamento e subsequente decurso do prazo para o pagamento voluntário da mesma. IV.– Posição que foi perfilhada em vários arestos de Tribunais Superiores, utilizados, inclusive, pelo ora Recorrente para sustentar a sua posição. V.– Sobre essa temática veio o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se no douto acórdão de 17/10/2017, proferido no âmbito do processo 203/14.0T8PTG-E.E1.S1, onde se pode ler: “(…)paulatinamente, ocorreu uma inflexão jurisprudencial e actualmente, a linha dominante aponta no sentido que o prazo de cinco anos de prescrição do crédito de custas começa a correr com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Isto é, desde o momento em que é lícito ao Estado promover a sua liquidação.” in dgsi.pt VI.– O que está causa é o momento a partir do qual se inicia o decurso do prazo de prescrição do crédito de custas. VII.– O RCP é omisso nessa matéria, apenas determina no n.º 1 do seu art.º 37 que o prazo de prescrição é de 5 anos. VIII.– Não dispondo o RCP sobre esta matéria, haverá a necessidade de recurso ao disposto no Código Civil, tendo em vista a integração desta lacuna da lei, por via da aplicação do artigo 10.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 9.º, ambos do C.C. IX.– Ou seja, a resposta encontra-se nas regras gerais do instituto da prescrição previstas no C. Civil. X.– Determina o n.º 1 do art.º 306 do C.C que: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido;” XI.– Regra que se compreende, se tivermos em consideração aquele que é principal fundamento da prescrição, penalizar a negligência do titular do direito em exercitá-lo. XII.– Sobre essa temática, escreveu Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 445-446, 1992, Almedina: “(…) segundo a doutrina dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit ius).” XIII.– No caso concreto, o direito pode ser exercido com o trânsito em julgado da decisão condenatória. XIV.– Quanto ao momento em que esse direito de torna exequível, vem o n.º 4 do art.º 306 do C. Civil dar a resposta ao determinar: “Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.” XV.– Ao credor passou a ser “lícito promover a liquidação” no momento do trânsito em julgado da decisão condenatória. XVI.– Aliás, o n.º 1 do art.º 29 do RCP diz que a conta de custas deve ser elaborada no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final. XVII.– Desde o trânsito em julgado da decisão final depende única e exclusivamente do credor Estado a criação de condições que conduzam à cobrança do crédito. XVIII.– Com o devido respeito por opinião diferente, fere a sensibilidade jurídica e os princípios basilares da segurança e da estabilidade jurídica entender que o prazo de prescrição só inicia quando o credor, sem qualquer limitação temporal, se dispuser a liquidar o seu crédito. XIX.– Conforme se pode ler no douto Acórdão da Relação de Évora de 27/01/2022 proferido no âmbito do processo 852/12.1TBPTM-A.E.1: “As razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas não podem ficar dependentes de um acto administrativo de concepção temporal aleatória, quando a letra da lei aponta claramente para o momento inicial em que deve ocorrer a elaboração da conta. Não se podem aqui confundir as noções de possibilidade do exercício do direito – que já se mostrava extinto no momento em que foi elaborada a conta inicial – com o acto de contabilização e liquidação do crédito de custas. É, assim, a partir do trânsito em julgado, que se inicia o prazo de prescrição, sendo irrelevante a omissão da secretaria judicial, designadamente, na elaboração tardia da conta de custas, dado que a não feitura desta não representa uma causa suspensiva da prescrição do crédito de custas. Deve assim prevalecer o entendimento expresso no supra referenciado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quando sublinha que a prescrição extintiva dos direitos se funda no decurso do tempo e na duradoura inércia do credor, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado período de tempo indicado na lei. Essa extinção por negligência do credor em não exercer o seu direito durante um determinado período de tempo – em que seria legítimo esperar que o fizesse, nisso estando interessado – justifica-se por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, que impõem que a inércia prolongada daquele envolva consequências desfavoráveis para o seu exercício tardio, atendendo, nomeadamente, à expectativa do devedor de se considerar liberto do cumprimento.” in dgsi.pt. XX.– Defender o contrário, é conceder ao credor Estado uma posição privilegiada sobre os demais credores, numa clara violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13 da C.R.P XXI.– Por isso, bem esteve o Tribunal “a quo” a declarar prescrito o crédito de custas. XXII.– Decisão que se perfilha e cuja fundamentação, no essencial, merece inteira adesão, motivo pelo qual se corrobora. XXIII.– Não merecendo, por isso, qualquer censura a decisão recorrida, devendo a mesma ser integralmente confirmada.” * Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, nos seguintes termos qual acompanhou a argumentação já apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso. * Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado. * Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência. * 2– Objecto do Recurso Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») À luz destes considerandos, as questões a decidir neste recurso consistem em saber se o crédito do Estado quanto a custas se encontra ou não prescrito e, em consequência, se o despacho recorrido deve ser mantido ou substituído por outro que indefira as reclamações de contas apresentadas nos autos e mande emitir novas guias de pagamento. * 3–Fundamentação: 3.1.– Fundamentação de Facto 3.1.1.–É a seguinte a decisão recorrida: Despacho datado de 30/09/2022: “ (…) Por requerimento com a Ref.ª 43222388, apresentado em 12.09.2022, veio o Condenado AA…… reclamar da conta, sustentando que a conta de custas ao mesmo notificada se mostra prescrita. Alega para tanto que tendo a Decisão condenatória quanto a este proferida nos autos transitado em julgado em 26.11.2015, o prazo de cinco anos de prescrição do crédito de custas, previsto no art.º 37º, n.º 1, do RCP, já decorreu. Por requerimentos com as Ref.ªs 43237218 e 43237292 apresentados em 12.09.2022, vieram os Condenados BB…… e CC……. igualmente invocar a prescrição do crédito do Estado referente a contas, reiterando os argumentos supra aduzidos. Ouvido o Ministério Público, pugnou a Digna Procuradora da República pelo indeferimento do requerido, sustentando para o efeito que o prazo prescricional apenas se inicia com a notificação da conta de custas aos responsáveis pelo seu pagamento e o decurso do prazo de pagamento voluntário da mesma. Decidindo. De acordo com o preceituado no art.º 37º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais “O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respetiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial.”. A questão que se coloca no caso em apreço, atenta a posição assumida nos autos pelos Requerentes e pelo Ministério Público, prende-se com o momento desde quando se computa o prazo de prescrição do crédito de custas, fixado em cinco anos pelo citado art.º 37º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais. Não tendo o legislador estipulado o concreto momento a partir do qual se conta o prazo de prescrição do crédito de custas, este, nos termos gerais, começa a correr “quando o direito de crédito puder ser exercido” (art.º 306º, n.º 1, do Código Civil). Pese embora não se desconheça entendimento distinto (cfr. designadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.06.2017, Relator: Luís Teixeira, in http://www.dgsi.pt/jtrc), consideramos que da citada disposição legal não decorre que o prazo de prescrição do crédito de custas só corre depois de estas serem contadas e decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, ou desde que o devedor, notificado da conta que tenha sido efetuada das custas, as não pague voluntariamente. Com efeito, a exequibilidade do direito de crédito por custas judiciais não deve ser confundida com a possibilidade de este ser exercido. O “exercício” do direito até pode ser iniciado com a contabilização/liquidação do crédito ao mesmo inerente pelo respetivo titular, mas a sua possibilidade nasce com o trânsito em julgado da decisão que condena o devedor no seu pagamento. Ou seja, tal como é salientado pelo Acórdão do STJ de 17.10.2017 (Relator: Alexandre Reis, in http://www.dgsi.pt/jstj) “(…) apenas a exequibilidade do direito depende do seu completo ‘exercício’ e este tem os contornos oferecidos pelo art.º 306º, n.º 4 do CC, que prescreve: ‘Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado’. (…). Temos, assim, que são instituídos dois prazos autónomos de prescrição: um começa a correr ‘quando o direito de crédito puder ser exercido’, ou seja, logo que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ao credor Estado ‘seja lícito promover a liquidação’; outro, independente daquele, logo que seja feito o apuramento do resultado líquido, sem reclamação do devedor ou por decisão sobre tal reclamação, passada em julgado. Neste caso, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, apenas do credor Estado ficou a depender o exercício do direito, com a contagem das custas no prazo de 10 dias – ainda que meramente indicativo ou ordenador – e com a criação das demais condições para a cobrança de tal crédito. Donde, desde então estava na inteira disponibilidade do credor a afetação e a organização dos meios aptos ao exercício do direito. (…)”. Como é sabido, a prescrição extintiva dos direitos funda-se no decurso do tempo e na duradoura inércia do credor, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado período de tempo indicado na lei. Essa extinção por negligência do credor em não exercer o seu direito durante um determinado período de tempo – em que seria legítimo esperar que ele o fizesse, nisso estando interessado – justifica-se por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, que impõem que a inércia prolongada daquele envolva consequências desfavoráveis para o seu exercício tardio, atendendo, nomeadamente, à expectativa do devedor de se considerar liberto do cumprimento. Com o instituto da prescrição, o legislador cuidou dos valores da estabilidade das relações jurídicas, da segurança e da certeza imanentes a qualquer ordem jurídica. Ora, segundo pensamos, na esteira do defendido pelo citado aresto, defender que o prazo prescricional apenas se iniciaria com o decurso do prazo para o pagamento voluntário da conta de custas liquidada “(…) desrespeitaria as regras impostas pelo art. 9º do CC, porque, por um lado, não colheria na respectiva letra uma adequada correspondência verbal e, por outro lado, contornaria os aspectos de ordem sistemática e racional envolvidos, afrontando o pensamento legislativo.” Dessa interpretação adviria que o decurso do prazo de prescrição só se iniciaria quando o credor se dispusesse, sem quaisquer limitações temporais, a liquidar o seu crédito, afinal, a exercer o seu direito, o que, em nosso entender, contrariaria a ratio do instituto da prescrição, bem como o regime legal constante do citado n.º 4 do art.º 306º do Código Civil. Tal interpretação igualmente colidiria com os princípios da segurança e da certeza jurídicas e da proteção da confiança dos cidadãos, bem como com o da igualdade de todos os credores perante a lei, plasmados nos art.ºs 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa. Em face do exposto, tendo o Acórdão Condenatório proferido nos autos transitado em julgado em relação aos ora Requerentes AA….., BB……… e CC……. em 26.11.2015, forçoso é concluir que lhes assiste razão, ou seja que o crédito de custas do Estado se mostra prescrito, o que se declara, porquanto já se mostra decorrido o prazo prescricional de 5 anos previsto no art.º 37º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, contado desde tal data. Notifique.” * 3.2.–Mérito do recurso No presente recurso está em causa a prescrição do crédito do Estado por custas judiciais. A este respeito dispõe o art.º 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) o seguinte: “1- O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respectiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial.” Quer a Mmª Juiz a quo, quer o Ministério Público, quer os devedores de custas reclamantes concordam que não está em causa ser este o prazo de prescrição do crédito de custas, centrando-se a discórdia do Ministério Público apenas quanto ao entendimento da Juiz a quo relativamente ao início da contagem daquele prazo. A divergência consiste em saber se o crédito das custas em que os arguidos foram condenados prescreve no prazo de 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória, como entendeu a Mmª Juiz a quo, ou no prazo de 5 anos a contar do termo do prazo concedido para o pagamento voluntário das custas, prazo este que só teve início com a notificação da liquidação de custas, como entende o Ministério Público. Uma vez que no citado preceito legal não se estabelece o momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição, importa ir buscar essa resposta a outras disposições legais, em conformidade com o disposto nos arts.º 9º e 10º do Cód. Civil. Quanto a esta matéria há que chamar à colação o previsto nas seguintes normas: - Art.º 29º, nº 1 do RCP, onde se estipula que: “1– A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, após a comunicação pelo agente de execução da verificação de facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado, após o encerramento da liquidação no processo de insolvência, ou quando o juiz o determine, dispensando-se a sua realização sempre que: a)- Não haja quaisquer quantias em dívida; b)- Nos processos de insolvência não exista qualquer verba na massa insolvente para processamento do pagamento das custas; c)- Nos processos de execução cujo agente de execução não seja oficial de justiça e nada exista para levar à conta; e d)- O responsável pelas custas beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos.” - Art.º 306º do Cód. Civil, que regula a contagem dos prazos de prescrição pela seguinte forma: “1.– O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição. 2.– A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer. 3.– Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele. 4.– Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.” A dúvida que se coloca no presente recurso consiste em saber se o prazo de prescrição do crédito de custas do Estado começa a correr desde o trânsito em julgado da decisão condenatória, por ser este o momento em que ao credor é lícito promover a sua liquidação, uma vez que se trata de uma dívida ilíquida, nos termos do disposto no art.º 306º, nºs 1 e 4 do Cód. Civil, primeira parte, ou se apenas se inicia no momento em que termina o prazo de pagamento voluntário das custas já contadas, nos termos do disposto na segunda parte de cada um dos nºs 1 e 4 da mesma norma. Importa atentar que no nº 4 do art.º 306º estão previstos dois prazos prescricionais independentes, sendo um para a liquidação da dívida e outro para o resultado líquido, conforme apontam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, volume I, 4º edição, Coimbra Editora, Ldª, pág. 278. Relativamente a esta matéria existe divergência na jurisprudência. No entanto temos por boa a tese sufragada pelo acórdão do STJ, datado de 17/10/17, proferido no processo nº 203/14.0T8PTG-E.E1.S1, em que foi relator Alexandre Reis, in www.dgsi.pt, e que foi também a adoptada pela decisão recorrida, porquanto a consideramos mais consentânea com satisfação das necessidades de segurança e certeza inerentes a qualquer ordem jurídica e que aqui reproduzimos: “Nos termos dos n.os 1 e 4 do art. 306.º do CC, o prazo de cinco anos de prescrição do crédito de custas (art. 37.º, n.º 1, do RCP) começa a correr: (i) «quando o direito de crédito puder ser exercido», ou seja, desde que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ao credor Estado «seja lícito promover a liquidação»; (ii) desde que sejam notificadas a conta com o apuramento do resultado líquido desse crédito, sem reclamação do devedor, ou a decisão sobre tal reclamação, passada em julgado. “(…)Não tendo o legislador estipulado o concreto momento a partir do qual se conta o prazo de prescrição do crédito de custas, este, nos termos gerais, começa a correr «quando o direito de crédito puder ser exercido» (artigo 306º, nº 1, do CC). Porém, essa regra geral, por si só, não tem a concretude bastante para sustentar o entendimento perfilhado em decisões que (…) dela têm extrapolado a ideia de que o prazo de prescrição do crédito de custas só corre depois de estas serem contadas e decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, ou desde que o devedor, notificado da conta que tenha sido efectuada das custas, as não pague voluntariamente ([4]). Como parece evidente, essa interpretação obnubila a questão crucial do estabelecimento do momento a partir do qual o direito pode ser exercido, ou seja, noutra perspectiva, daquilo em que consiste o conceito de “exercício” a que o legislador alude, o qual, patentemente, se mostra integrado pelo estatuído no subsequente nº 4 do mesmo artigo 306º. Com efeito, não deve ser confundida a exequibilidade do direito de crédito por custas judiciais com a possibilidade de este ser exercido: o “exercício” do direito até pode ser iniciado com a contabilização/liquidação do crédito ao mesmo inerente pelo respectivo titular mas a sua possibilidade nasce com o trânsito em julgado da decisão que condena o devedor no seu pagamento. Ou seja, apenas a exequibilidade do direito depende do seu completo “exercício” e este tem os contornos oferecidos pelo art. 306º nº 4 do CC, que prescreve: «Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado». Temos, assim, que são instituídos dois prazos autónomos de prescrição: um começa a correr «quando o direito de crédito puder ser exercido», ou seja, logo que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ao credor Estado «seja lícito promover a liquidação»; outro, independente daquele, logo que seja feito o apuramento do resultado líquido, sem reclamação do devedor ou por decisão sobre tal reclamação, passada em julgado ([5]). Neste caso, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, apenas do credor Estado ficou a depender o exercício do direito, com a contagem das custas no prazo de 10 dias – ainda que meramente indicativo ou ordenador – e com a criação das demais condições para a cobrança de tal crédito. Donde, desde então estava na inteira disponibilidade do credor a afectação e a organização dos meios aptos ao exercício do direito ([6]). Como se sabe, a prescrição extintiva dos direitos funda-se no decurso do tempo e na duradoura inércia do credor, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado período de tempo indicado na lei. Essa extinção por negligência do credor em não exercer o seu direito durante um determinado período de tempo – em que seria legítimo esperar que ele o fizesse, nisso estando interessado – justifica-se por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, que impõem que a inércia prolongada daquele envolva consequências desfavoráveis para o seu exercício tardio, atendendo, nomeadamente, à expectativa do devedor de se considerar liberto do cumprimento Com o instituto da prescrição, o legislador cuidou dos valores da estabilidade das relações jurídicas, da segurança e da certeza imanentes a qualquer ordem jurídica. Ora, segundo pensamos, a aceitação da proposta interpretativa formulada neste recurso sobre as aludidas normas desrespeitaria as regras impostas pelo art. 9º do CC, porque, por um lado, não colheria na respectiva letra uma adequada correspondência verbal e, por outro lado, contornaria os aspectos de ordem sistemática e racional envolvidos, afrontando o pensamento legislativo. Dessa interpretação adviria que o decurso do prazo de prescrição só se iniciaria quando o credor se dispusesse, sem quaisquer limitações temporais, a liquidar o seu crédito, afinal, a exercer o seu direito – que é o que aqui está em causa, como pensamos ter demonstrado. Tal resultado, perante a apontada a ratio do instituto da prescrição, não merece adesão, dado conferir amparo ao credor negligente, aliás, contra o que a citada norma do nº 4 do artigo 306º do CC estabelece expressamente: em caso de iliquidez da dívida, a prescrição começa a correr desde que o credor – qualquer credor e não apenas o Estado – possa promover a sua liquidação. E colidiria com os princípios da segurança e da certeza jurídicas e da protecção da confiança dos cidadãos, bem como com o da igualdade de todos os credores perante a lei, plasmados nos artigos 2º e 13º da Constituição.(…)” Na verdade, não é exigível que um devedor de custas fique na dependência da disponibilidade do Estado credor em exercer o seu direito de liquidação e cobrança das custas processuais por mais de cinco anos, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, havendo que procurar a interpretação da lei que melhor acolhimento sistemático tem, nomeadamente em relação aos preceitos constitucionais que consagram o direito à igualdade de tratamento. Não o fazendo, subvertem-se os princípios que subjazem ao instituto da prescrição e que são, sobretudo, a possibilidade de exercício de um direito durante um determinado tempo, sob pena de não mais poder ser exercido, principalmente quando não estão legalmente previstas quaisquer consequências para o incumprimento pelo Estado do prazo para a elaboração da conta previsto no art.º 29º do RCP. Importa recordar que a prescrição extintiva surge em benefício do devedor, mas tem como justificação a inércia do credor no exercício do seu direito de crédito. Ora, não pode o legislador estabelecer um prazo de prescrição do exercício do direito de cobrança das custas processuais e deixar depois o exercício desse direito dependente da maior ou menor diligência dos funcionários encarregues de fazer a liquidação dessas mesmas custas, sem quaisquer consequências. (no sentido do decidido, veja-se Acórdão do TRE, datado de 11/05/17, proferido no processo nº 203/14.0T8PTG-E.E1, em que foi relatora Maria da Graça Araújo, in www.dgsi.pt) Não obstante não se desconheça a jurisprudência em sentido contrário (veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRE, datado de 16/11/10, proferido no processo nº 84/98.0GTSTB.E1, em que foi relator José Lúcio, e datado de 26/02/13, proferido no processo nº 2288/04.9TBFAR-A.E1, em que foi relator João Amaro, in www.dgsi.pt), temos, por boa, pelas razões expostas, a posição adoptada pelo Tribunal recorrido, pelo que se entende julgar improcede o presente recurso e confirmar a decisão recorrida. * 4.–Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 14 de Novembro de 2023 (texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora) Carla Francisco (Relatora) João António Filipe Ferreira Ester Pacheco dos Santos (Adjuntos) |