Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CLÁUDIA NOGUEIRA | ||
Descritores: | CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL CADUCIDADE DO TÍTULO DE CONDUÇÃO CONDUTOR EM REGIME PROBATÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/14/2023 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I–A interpretação do disposto no artigo 130º do Código da Estrada segundo a qual o condutor que, sujeito a regime probatório, e que cometeu uma contraordenação muito grave no exercício da condução, incorre apenas em coima nos termos do nº 7 se conduzir, contraria a letra, o espírito e a história da lei, sendo também desconforme com a globalidade do regime jurídico da obtenção e validade dos títulos de condução, pondo em causa a unidade do sistema, devendo, por isso, ser afastada.
II–As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 09/12 ao Código da Estrada não modificaram o que foram as opções essenciais do legislador quanto à distinção entre as situações de caducidade provisória decorrente da não revalidação/renovação do título de condução até ao limite de 10 anos desde o fim do prazo legal para o efeito, e as situações caducidade definitiva, na prática, as mesmas que anteriormente determinavam o cancelamento do título de condução, e nas quais se continua a incluir a caducidade derivada de cassação do título ou de condenação definitiva pela prática de infrações estradais no decurso do regime probatório. III–Não pode equiparar-se a situação do condutor em regime probatório que pratica crime estradal, ou infrações graves ou muito graves determinantes da perda do título provisório de condução, à do condutor cujo título caducou por decurso do tempo e não o revalidou no prazo legal previsto para o efeito; apenas neste último caso se pode falar de revalidação do título de condução, como resulta do estabelecido no art. 17º do RHLCE, pois que apenas se pode revalidar o que existe mas está em vias de perder validade. IV–Nos casos de cassação do título de condução ou de condenação definitiva de condutor em regime de prova por crime ou infrações estradais no exercício da condução, deixou de existir título, considerando-se os respetivos condutores, como previsto no nº 5 do artigo 130º do Código da Estrada como não habilitados a conduzir; aquele que conduzir nestas condições, verificados os demais factos integradores do respetivo tipo legal, comete o crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01.
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Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO 1.–Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida a 19/05/2023 em processo comum com intervenção de tribunal singular, absolvendo AA….. da prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo disposto no art. 3º/1 e 2 do D.L. 2/98, de 03/01, pelo qual tinha sido acusado. 2.– O recorrente peticiona a revogação da sentença recorrida, a substituir por sentença condenatória pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3º/1 e 2 do D.L. 2/98, de 03/01, formulando para tanto as seguintes conclusões [transcrição]: «(…) 1.–O Ministério Público discorda da qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal recorrido quanto aos factos dados como provados, dado os mesmos integrarem a prática do crime de condução sem habilitação legal, impondo-se, dessa forma, a condenação do arguido pelo mesmo e não a sua absolvição. 2.–A leitura do n.° 7 do artigo 130.° do C. da Estrada não poderá ser realizada de forma literal como fez o Tribunal, mas sim tendo em consideração o histórico do preceito, que sempre distinguiu as situações de caducidade decorrentes da não revalidação do título de condução daqueloutras respeitantes à caducidade decorrentes da cassação ou do cometimento de crimes de natureza rodoviária ou de contra-ordenações graves ou muito graves durante o regime probatório. 3.–Uma interpretação da norma como aquela que foi levada a cabo pelo Tribunal (de que o disposto no artigo 130.° n.° 7 se refere a todas as situações do n.° 1), levaria a penalizar-se do mesmo modo uma pessoa que deixou passar o prazo para revalidar a sua carta de condução porque, por exemplo, atingiu a idade limite de 60 anos e uma pessoa que, pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves ou de crimes de natureza estradal, viu a sua carta de condução ser cassada ou caducar por se encontrar durante o regime probatório, por se ter revelado inapto para o exercício da condução. 4.–Esta interpretação revela-se incongruente com as demais normas, quer do Código da Estrada, quer do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, concretamente as relativas à revalidação de título caducado pelo decurso do tempo e à obtenção de título de condução, nas situações de cassação ou de cometimento de infracções durante o regime probatório, que preveem um tratamento completamente diferenciado para uma e outra situações. 5.–Nas situações de revalidação, a lei não exige a submissão do seu titular às mesmas provas a que se submeteu inicialmente quando lhe foi concedido pela primeira vez tal título, sendo que lhe vão sendo impostas provas acrescidas consoante o tempo decorrido até proceder à revalidação. 6.–Por sua vez, nas situações de caducidade decorrente da cassação ou da prática de infracções durante o período probatório (como é o presente caso), impõe a lei que esses titulares tenham, não só de se submeter a prova teórica e a prova prática, tal como o fizeram aquando da obtenção inicial do seu título de condução, como também de frequentar, com aproveitamento, de curso específico de formação, conforme resulta do art. 37°, n° 1, al. b) do RHLC. 7.–Ora, para a obtenção de novo título, exige-se-lhes a realização de um procedimento a mais do que aqueles a que se sujeitaram de inicio aquando da obtenção do título entretanto caducado. E isto porque devido ao cometimento de infracções, revelaram com esta sua conduta serem inaptos ao exercício da condução, sendo assim necessário sujeitá-los a procedimentos acrescidos para que lhes possa então ser concedida nova legitimação de condução. 8.–Assim, não poderá considerar-se que o exercício da condução por titular de carta caducada por cassação ou pela prática de infracções durante o período probatório cometeu somente uma contra-ordenação e não o crime de condução sem habilitação legal, pois tal conduziria a uma solução incongruente com as demais normas do Código da Estrada e do RHLC. 9.–Deste modo, somos levados a concluir que com a alteração legislativa introduzida pelo DL n.° 102-B/2020, de 9.12 ao art. 130° do C. da Estrada, o legislador não expressou da melhor forma o seu pensamento, parecendo que no n° 7, quando faz a remissão para o n° 1 da mesma norma, terá apenas querido referir-se às alíneas a) e b) e deixar de fora as alíneas b) e c), as quais caíram na previsão do n° 5, juntamente com as alíneas c) e d) do n° 3, impondo-se assim fazer uma interpretação restritiva deste preceito. 10.–Assim, em face das razões expostas, entendemos que a conduta do arguido dada como provada na sentença recorrida integra a prática do crime de condução sem habilitação legal, pelo que deveria o arguido ter sido condenado pelo mesmo. 11.–No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.12.2022 (processo n.° 87/21.2GBVVD.G1) e de Évora de 13.09.2022 (processo n.° 20/22.4GDPTM.E1), ainda que a respeito da caducidade decorrente de cassação. Deste modo, impõe-se a revogação da sentença recorrida, devendo arguido AA…… ser condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01.». 3.–O arguido veio em resposta ao recurso pugnar pela manutenção da decisão recorrida, concluindo [transcrição]: «(…) 1-Face da última alteração legislativa ao Código da Estrada, a conduta do arguido deixou de consubstanciar a prática do crime de condução sem habilitação legal e passou a integrar somente a contra-ordenação prevista no art. 130º, nº 7 do Código da Estrada; 2-Em consequência dessa alteração, o artigo 130.º do Código da Estrada deixou de prever expressamente no texto da Lei, o “cancelamento” dos títulos de condução, passando, apenas, a falar em “caducidade”; 3-Na redacção anterior ao Decreto-Lei 102-B/2020, de 09/12, a decisão de cassação implicava o cancelamento do título de condução e, por sua vez, a condução com o título de condução cassado era cominada como crime de condução sem habilitação legal (Cfr. Artigo 130.º, números 3, alínea a) do Código de Estrada). 4-Tendo em conta o preâmbulo do Decreto-Lei número 102-B/2020 e a redacção do artigo 130.º do Código de Estrada, somos em crer que as situações de caducidade definitiva (equivalente ao anterior cancelamento) são apenas as que se encontram previstas no número 3. 5-Assim, actualmente, a cassação do título de condução constitui apenas uma situação de caducidade, não havendo lugar ao seu cancelamento ou, na sua redacção actual, à sua caducidade definitiva, podendo por isso o título de condução caducado ser revalidado, caso o seu titular, se submeta a exame especial (Cfr. número 4, do Artigo 130.º do Código de Estrada). 6-No regime actual, o agente só comete o crime de condução sem habilitação legal quando conduza com o título de condução, definitivamente caducado, ou seja, nas situações previstas no número 3, do artigo 130 do Código de Estrada, caindo dessa forma na previsão típica contida no número 5 do mesmo preceito legal, com referência ao número 3, números 1 e 2 do Decreto-Lei número 2/98, de 3 de Janeiro, 7-Pelo que, nas restantes situações, a conduta do agente que conduz com título de condução caducado, apenas, integra a contraordenação prevista no número 7 do artigo 130.º do Código de Estrada. 8-Pelo exposto, presume-se que o legislador soube expressar correctamente a sua vontade, sendo que, se o legislador não atribuiu desde a entrada em vigor da nova redacção do Art.º 130º do Código da Estrada – sanando possíveis questões como as suscitadas no recurso interporto pelo Ministério Público, não cabe ao intérprete tentar encontrar solução diversa (art.º 9º, n.º 3 do Código Civil). 9-Acresce, a favor do arguido, já ter obtido novo título de condução, conforme foi comprovado em sede de audiência de julgamento. 10-O Tribunal a quo efectuou uma correcta interpretação da legislação em vigor, não merecendo, assim, a decisão recorrida qualquer censura, a qual deverá ser mantida nos seus precisos termos. 11-Por tudo quanto foi exposto, sempre se dirá que o recurso apresentado não poderá obter qualquer provimento.». 4.–O recurso veio a ser admitido a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 5.–Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, perfilhando integralmente a posição do Ministério Público na primeira instância, sublinhando apenas que o arguido, na atualidade, é titular da carta de condução n.º SE-394904, emitida em 10.04.2023, com início em 31.03.2023 e validade até 31.03.2038, para as categorias A, A1 e A2, sendo que a carta anterior, a carta de condução n.º L-2221195 caducou em 03.08.2020. 6.–Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal. 7.–O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, b) do Código de Processo Penal. II–FUNDAMENTAÇÃO 1.–QUESTÕES A DECIDIR Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º/2 do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º/2 e 410º/, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior. Assim, é apenas uma a questão a decidir: a condução na via pública de veículo com motor por quem é titular de título de condução caducado mercê de sanção administrativa aplicada em processo de contraordenação por cometimento de contraordenação muito grave no decurso do regime probatório – art. 130º/1, c) do Código da Estrada -, configura a prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo disposto no art. 3º do D.L. 2/98, de 03/01, por via do preceituado no nº 5 do art. 130º do Código da Estrada ou é apenas punida com coima nos termos do disposto no nº 7 desse mesmo preceito. 2.–APRECIAÇÃO DO RECURSO 2.1-Da decisão recorrida A decisão recorrida, na parte relevante em face do objeto do recurso, tem o seguinte teor [transcrição]: «(…) I.–Fundamentação 1.1.–Dos factos provados Discutida a causa e com relevância para a presente decisão, julgam-se como provados os seguintes factos: 1.–No dia 31 de Janeiro de 2021, cerca das 12h30, na Rua ..... ..... ....., na C..... de C....., o arguido AA……conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca "PEUGEOT”, de matrícula……, propriedade de …… . 2.–Fazia-o sem que para tal fosse titular de documento que legalmente o habilitasse à condução do referido veículo motorizado. 3.–Bem sabia o arguido que não podia conduzir na via pública o mencionado veículo, sem ser titular do competente documento que legalmente o habilitasse a conduzir o mesmo. 4.–Não obstante, não se absteve de o fazer. 5.–Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. E ainda: 6.–O arguido foi titular da carta de condução n.° L-2221195, emitida a 21.08.2017, para as categorias B e B1, com início a 27.04.2016 e validade até 30.11.2026. 7.–Em consequência do cometimento no dia 09.07.2018, durante o regime probatório, de contraordenação qualificada como muito grave (condução de veículo a motor de categoria para a qual a carta não habilita), sancionada no âmbito do processo de contraordenação n.° 997421738, a carta de condução n.° L-2.....5 caducou em 03.08.2020. 8.–O arguido não foi notificado para proceder a exame especial de condução. 9.–Actualmente, o arguido é titular da carta de condução n.° SE-.....4, emitida em 10.04.2023, com início em 31.03.2023 e validade até 31.03.2038, para as categorias A, A1 e A2. 10.–O arguido trabalhava como pintor da construção civil, auferindo mensalmente cerca de € 1.500,00 a € 1.600,00. 11.–Encontra-se desempregado há cerca de 5 meses e não aufere subsídio de desemprego. 12.–Vive com os seus progenitores e uma filha de 6 anos de idade. Ajuda nas despesas da casa com a quantia de € 200,00. Está a aguardar a realização de uma operação cirúrgica. Tem o 9.° ano de escolaridade. Tem os seguintes antecedentes criminais averbados no seu certificado do registo criminal: a.-Por decisão transitada em julgado em 18.04.2007, no âmbito do processo n.° 350/05.0GCSXL, foi condenado pela prática, em 18.04.2005, de crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por 3 anos, extinta a 18.04.2010; b.-Por decisão transitada em julgado em 04.05.2009, no âmbito do processo n.° 1203/06.0PULSB, foi condenado pela prática, em 26.07.2006, de um crime de detenção de arma proibida e um crime de homicídio qualificado na forma tentada, na pena de 8 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade definitiva com referência ao dia 03.05.2015; c.-Por decisão transitada em julgado em 31.03.2011, no âmbito do processo n.° 558/06.0PBSXL, foi condenado pela prática, em 25.05.2006, de crime de detenção ilegal de arma, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período, extinta em 31.12.2014; d.-Por decisão transitada em julgado em 02.06.2016, no âmbito do processo n.° 24/16.6PFSXL, foi condenado pela prática, em 11.01.2016, de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, extinta por pagamento; e.-Por decisão transitada em julgado em 14.05.2021, no âmbito do processo n.° 190/21.9SILSB, foi condenado pela prática, em 13.02.2021, de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano e seis meses; f.-Por decisão transitada em julgado em 15.06.2022, no âmbito do processo n.° 1449/21.0SILSB, foi condenado pela prática, em 18.12.2021, de crime de falsificação ou contrafacção de documento, na pena de 8 meses de prisão, suspensa por 2 anos; g.-Por decisão transitada em julgado em 02.02.2023, no âmbito do processo n.° 723/22.3SILSB, foi condenado pela prática, em 15.05.2022, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 2 anos e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses. (…) 1.2.–Da qualificação jurídico-penal Atenta a matéria de facto apurada, cabe agora proceder ao seu enquadramento jurídico- penal em ordem a determinar se a conduta do arguido preenche o tipo legal do crime de que vem acusado. Ao arguido é imputada a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo pelo artigo 3.°, n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01. Dispõe o artigo 3.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01, que “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. Acrescenta o n.° 2 do referido artigo que “Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até dois anos ou multa até 240 dias”. Do exposto resulta que o tipo objectivo do referido crime é constituído pelo acto de condução de um veículo a motor (automóvel ou motociclo), na via pública ou equiparada, sem que o agente esteja legalmente habilitado para exercer tal actividade. Está em causa um crime de perigo abstracto, cuja consumação se basta com o preenchimento do facto típico, não pressupondo a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos. Por sua vez, o tipo subjectivo deste ilícito criminal pressupõe por parte do agente uma conduta dolosa, supondo assim o conhecimento dos elementos objectivos do tipo e a vontade de realização do facto pelo agente, sendo que o dolo pode revestir qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.° do CP. Estabelece o artigo 121.°, n.° 1 e 4 do Código da Estrada, respectivamente, que “só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver habilitado para o efeito” e “o documento que titula a habilitação para conduzir automóveis (...) designa-se carta de condução”. O documento que titula a habilitação para conduzir automóveis e motociclos é, assim, a carta de condução, a qual é emitida pela entidade competente e válida para as categorias de veículos e períodos de tempo nela averbados. A obtenção definitiva da carta de condução pressupõe, porém, a verificação de vários requisitos, entre os quais o não cometimento de certas infracções durante o período de provisoriedade do título. Destarte, estabelece o artigo 122.°, n.° 1 do Código da Estrada que “A carta de condução emitida a favor de quem ainda não se encontrava legalmente habilitado a conduzir qualquer categoria de veículos fica sujeita a regime probatório durante os três primeiros anos da sua validade". Acrescentando o n.° 2 da mesma disposição normativa que “Se, no período referido no número anterior, for instaurado contra o titular da carta de condução procedimento do qual possa resultar a condenação pela prática de crime por violação de regras de circulação rodoviária, contraordenação muito grave ou segunda contraordenação grave, o regime probatório é prorrogado até que a respetiva decisão transite em julgado ou se torne definitiva’” e o n.° 5 que “O regime probatório cessa uma vez findos os prazos previstos nos n.os 1 ou 2 sem que o titular seja condenado pela prática de crime, contraordenação muito grave ou por duas contraordenações graves". Revertendo agora as considerações expandidas para o caso dos autos, verifica-se que o arguido foi titular da carta de condução n.° L-2.....5, emitida a 21.08.2017, para as categorias B e B1, com início a 27.04.2016 e validade até 30.11.2026. Sucede que, em consequência do cometimento no dia 09.07.2018, durante o regime probatório, de contraordenação qualificada como muito grave (condução de veículo a motor de categoria para a qual a carta não habilita), sancionada no âmbito do processo de contraordenação n.° 997421738, a carta de condução n.° L-2.....5 caducou em 03.08.2020. Pelo que, quando o arguido conduziu no dia 31.01.2021, na Rua ..... ..... ....., na C..... de C...., o veículo automóvel de matrícula ….., a sua carta de condução já havia caducado. Importa, pois, apurar a forma como é sancionada tal conduta do arguido. Ora, com interesse para a apreciação do caso dos autos, importa atender ao disposto no artigo 130.° do Código da Estrada. Cumpre, porém, desde já, salientar que tal disposição normativa sofreu alterações recentes na sua redacção, introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 102-B/2020, de 09.12, as quais entraram em vigor a partir do dia 08.01.2021. À data da prática dos factos, estava, portanto, em vigor a nova redacção do artigo 130.° do Código da Estrada. Refira-se, desde já, que, com as alterações introduzidas ao Código da Estrada e legislação complementar pelo Decreto-Lei n.° 102-B/2020, de 09.12, o legislador baniu do Código da Estrada a menção ao “cancelamento” da carta de condução, passando exclusivamente a referir-se à sua “caducidade”, pese embora o artigo 2.°, n.° 1 do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 138/2012, de 05.07), continue a mencionar que “Os títulos de condução, com exceção dos títulos para a condução de veículos pertencentes às forças militares e de segurança, são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I.P.), nos termos do Código da Estrada e do presente regulamento” (sublinhado nosso). Assim, o actual artigo 130.° passou a ter a epígrafe de “Caducidade dos títulos de condução”, ao invés de “Caducidade e cancelamento dos títulos de condução”. A actual redacção do artigo 130.° do Código da Estrada dispõe que: “1- O título de condução caduca se: a)-Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b)-O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos nºs 1 e 5 do artigo anterior; c)-Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave; (sublinhados nossos) d)-For cassado nos termos do artigo 148° do presente Código ou do artigo 101° do Código Penal; e)-O condutor falecer.” Diferentemente, previa o artigo 130.° do Código da Estrada, na redacção resultante do Decreto-Lei n.° 114/94, de 03.05: “1- O título de condução caduca se: a)-Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b)-O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. [...] 3- O título de condução é cancelado quando: a)-Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave; b)-For cassado nos termos do artigo 148.° do presente Código ou do artigo 101.° do Código Penal; c)-O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.° 2; d)-Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido”. (sublinhados nossos) Confrontadas as versões, é manifesto que, à luz da anterior redacção, a situação em que o titular da carta de condução se encontrava em regime probatório e fosse condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave, constituía causa de “cancelamento” da carta de condução (cfr. o citado artigo 130.°, n.° 3, alínea a) do Código da Estrada, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 114/94, de 03.05), ao passo que, actualmente, constitui mais uma das causas de “caducidade” previstas no artigo 130.°, n.° 1 (cfr. alínea c) do artigo 130.°, n.° 1 do Código da Estrada, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 102-B/2020, de 09.12). Previa-se ainda no artigo 130.°, n.° 5 do Código da Estrada, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 114/94, de 03.05, a consequência de um condutor conduzir com um título de condução “cancelado”, referindo-se expressamente que “Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido”, ao passo que estatuía o n.° 7 da mesma disposição normativa que “Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600’. Assim, à luz do regime anterior, competia ao IMT cancelar as cartas de condução caducadas verificados os requisitos legais. Por conseguinte, quando a carta fosse cancelada e o respectivo titular conduzisse na via pública nessas condições incorria na prática de um crime de condução sem habilitação legal na previsão do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01. Ao passo que, caso a carta não tivesse sido objecto de cancelamento, estando apenas caducada, o titular incorria apenas na prática de uma contra-ordenação sancionada como uma coima. Actualmente, eliminou-se a tal menção ao cancelamento no n.° 3 do artigo 130.° do Código da Estrada. Porém, em sua substituição, prevê-se agora o seguinte: “3- O título de condução caducado não pode ser renovado quando: a)-[Revogada.] b)-[Revogada.] c)-O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido; d)-Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado”. As citadas alíneas a) e b), actualmente revogadas, respeitavam precisamente à situação do regime probatório [alínea a)] e da cassação da carta de condução [alínea b)]. No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 102.°-B/2020, o legislador explicou o alcance e sentido das alterações introduzidas nesta matéria, deixando consignado que “são introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei. Do exposto neste preâmbulo, parece resultar que o legislador pretendeu distinguir os casos de caducidade definitiva, em que o título de condução caducado já não mais pode ser renovado, e os casos de caducidade temporária, em que o título de condução, apesar de caducado, ainda pode ser renovado. E previu especificamente a primeira situação no citado artigo 130.°, n.° 3 do Código da Estrada, aí englobando apenas as seguintes situações em que (i) o titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido; (ii) tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que o título deveria ter sido renovado. Delas excluindo, expressamente, por via da revogação das alíneas a) e b) do anterior 130.°, n.° 3 do Código da Estrada, a caducidade da carta no regime probatório e decorrente de cassação. E tal compreende-se, porque, prevê o legislador que também nesta situação - os titulares de títulos de condução caducados no regime probatório e decorrente de cassação - são sujeitos a exame especial de condução [cfr. artigo 130.°, n.° 4, alínea a) que remete para o n.° 2 da mesma disposição normativa]. Sendo que, de acordo com a actual redacção do artigo 130.°, n.° 3, alínea c) do Código da Estrada, o título de condução caducado só não pode ser renovado quando “O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido". Por outro lado, prevê-se actualmente no artigo 130.°, n.° 5 do Código da Estrada que “Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.° caso venham a obter novo título de condução”. Todavia, especifica o artigo 130.°, n.° 7 do Código da Estrada, na actual redacção, que “Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.° 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600". Estamos, pois, em crer que, de modo a fazer uma interpretação harmonizada destas duas normas, tendo presente as alterações introduzidas, nomeadamente a expressa revogação das anteriores alíneas a) e b) e a remessa em bloco no n.° 7 do artigo 130.° do Código da Estrada para o n.° 1 da mesma disposição normativa, sem excepcionar quaisquer das alíneas ali elencadas [pois, note-se, que o legislador não remeteu no n.° 7 do artigo 130.° do Código da Estrada apenas para a alínea a) - o que poderia ter sido uma opção legislativa - mas fez uma remissão em bloco, daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do artigo 9.° do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir; mesmo que se possa entender que, onde a lei não distingue, deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham, este não será manifestamente o caso, pois estamos no âmbito do direito penal e contraordenacional], com a actual redacção legal, salvo melhor entendimento, apenas será de considerar como verificada uma situação de efectiva inexistência de título de condução para conduzir, por seu turno, susceptível de ser subsumida ao tipo legal de crime do artigo 3.°, n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01, nas situações taxativamente consignadas no n.° 3, alíneas c) e d) do artigo 130.° do Código da Estrada (ou seja, “quando o titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido" e, quando “tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado"). Nas demais situações, o sancionamento a título meramente contra-ordenacional constitui uma opção, por parte do legislador, de manter a punição de situações - como a que se encontra ora em análise - de perda de validade/caducidade dos títulos de condução decorrente das situações consignadas no artigo 130.°, n.° 1, alíneas a) a d), do Código da Estrada, a título de ilícito de mera ordenação social e, reservar a punição de cariz penal (decorrente do artigo 3.°, n.° 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01) apenas e tão só para as já aludidas situações taxativamente consignadas no n.° 3, alíneas c) e d) do artigo 130.° do Código da Estrada, pois nos outros casos, o infractor já anteriormente se submeteu a exames escritos e práticos, alcançando a respectiva aprovação, que lhes permitiu obter um título de condução, e podem revalidar/ renovar o título, sujeitando-se a um exame especial de condução, tal como prevê o artigo 130.°, n.° 4 do Código de Estrada, à semelhança, aliás do que sucede nas situações de caducidade descorrentes da causa de caducidade previstas no artigo 130.°, n.° 1, alínea a) do Código da Estrada, tal como prevê o artigo 130.°, n.° 2 do mesmo normativo. Assim, no regime actual, o agente só comete o crime de condução sem habilitação legal quando conduza com o título de condução, definitivamente caducado, ou seja, nas situações previstas no n.° 3, do artigo 130.° do Código de Estrada, caindo dessa forma na previsão típica contida no n.° 5 do mesmo preceito legal, com referência ao n.° 3, n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01. Pelo que, nas restantes situações, a conduta do agente que conduz com título de condução caducado, apenas, integra a contraordenação prevista no n.° 7 do artigo 130.° do Código de Estrada. Afastamo-nos, assim, das posições vertidas nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 13.10.2021 (processo n.° 8/21.2GCPRT.P1), de 05.12.2022 (processo n.° 87/21.2GBVVD.G1) e de Évora de 13.09.2022 (processo n.° 20/22.4GDPTM.E1), ainda que a respeito da caducidade decorrente de cassação, todos disponíveis em www.dgsi.pt. E, salvo melhor entendimento, não parece resultar que ao prever o n.° 5 e 7 do artigo 130.° do Código da Estrada, o legislador quisesse punir, simultaneamente, o mesmo comportamento como crime e contraordenação, pois, nesse caso, também a situação de caducidade decorrente o artigo 130.°, n.° 1, alínea a) teria de ser punida necessariamente de ambas as formas, o que se mostra arredado [veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.03.2022 (processo n.° 533/21.5PCLRS.L1-5) e de 07.12.2021 (processo n.° 340/19.5PTLRS.L1-5), ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. Em face de tudo o exposto, no caso concreto, conclui-se que o arguido ao conduzir o veículo com o título de condução caducado no regime probatório, mas não ainda caducado definitivamente nos termos do artigo 130.°, n.° 3 do Código da Estrada, incorreu na prática um ilícito contraordenacional, p. e p. pelo artigo 130.°, n.° 1, alínea c) e 7 do Código da Estrada, e não no crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3.1. Posto isto, nos termos dos artigos 169.°, n.° 1 do Código da Estrada, para o processamento de contra-ordenações estradais é competente a ANSR, apenas cabendo competência para tanto aos tribunais quando a correspondente factualidade constituir simultaneamente crime e contraordenação. Destarte, só assim se compatibiliza o processo, desde logo, com a prerrogativa de pagamento voluntário da coima e respectivo formalismo, totalmente desadequado à fase de julgamento perante tribunal de 1a instância, orientada para a audiência final e prolação de sentença (cfr. nestes sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.12.2021, processo n.° 340/19.5PTLRS.L1-5, disponível em www.dgsi.pt). Em consequência, mais não resta do que absolver o arguido e ordenar extracção de certidão e remessa à autoridade competente para o respectivo processamento. (…)». 2.2–Da interpretação do disposto no art. 130º/1, c), 4, 5 e 7 do Código da Estrada Atenta a questão a decidir, importa antes de mais nada, definir qual a interpretação a conferir ao art. 130º do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. 114/94, de 03/05 (doravante CE), na redação atualmente em vigor (desde 09/01/2021) introduzida pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12, mormente na conjugação do que dispõem os seus nºs 1, 4, 5 e 7, perspetivando também o que, em rigor, mudou no regime anteriormente previsto nesse mesmo preceito legal. Vejamos então. Dispõe atualmente o art. 130º do CE sob a epígrafe «caducidade dos títulos de condução», que: «1–O título de condução caduca se: a)-Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b)-O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior; c)-Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave; d)-For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal; e)-O condutor falecer. 2–A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a)-A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b)-A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior; c)-A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano. 3–O título de condução caducado não pode ser renovado quando: a)-[Revogada.] b)-[Revogada.] c)-O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido; d)-Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado. 4– São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2: a)-Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1; b)-Os titulares do título caducado há mais de cinco anos. 5–Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução. 6–[Revogado.] 7–Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.» (negritos e sublinhados nossos). Anteriormente às ditas alterações introduzidas pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12, era o seguinte o teor deste mesmo preceito legal: «1–O título de condução caduca se: a)-Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b)-O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. 2–A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a)-A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b)-A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. c)-A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano. 3–O título de condução é cancelado quando: a)-Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave; b)-For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal; c)-O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2; d)-Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido. 4–São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução. 5–Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido. 6–Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º. 7–Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.» (negrito e sublinhado nossos). * Está aqui em causa uma situação de condutor que, estando sujeito a regime probatório, nos termos previstos no art. 122º do CE, cometeu infração muito grave pela qual lhe foi aplicada coima em decisão administrativa definitiva, o que, nos termos do disposto no art. 130º/3, a) do CE, na versão anterior às alterações introduzidas pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12, determinava o cancelamento do respetivo título de condução, e nos termos do art. 130º/1,c) na redação atual, determina a sua caducidade. A questão que se coloca no recurso é a de saber se esta caducidade tem os mesmos efeitos que tinha o anteriormente previsto cancelamento do título, traduzindo-se numa caducidade definitiva por não ser admissível a revalidação do título de condução, como defende o Digno recorrente. Ou se, ao invés, com a remissão em bloco feita do nº 7 para o nº 1 do art. 130º, e com a supressão das alíneas a) e b) no nº 3, pretendeu o legislador equiparar a caducidade por condenação definitiva do condutor em regime probatório por crime ou infrações graves no exercício da condução, à caducidade por não revalidação atempada do título de condução, sendo, portanto, a mesma apenas provisória, como é sustentado na decisão recorrida. No primeiro caso, o condutor cometeria o crime de condução sem habilitação legal por se encontrar desprovido de título de condução, tendo que obter um novo título, nos termos do nº 5 do art. 130º; no segundo caso, o condutor cometeria apenas uma contraordenação nos termos do nº 7 do art. 130º, porquanto poderia ainda vir a renovar o título caducado. Pode já adiantar-se que se discorda da interpretação sufragada na sentença recorrida, parecendo-nos estar a razão do lado do recorrente. Senão vejamos. Importa, antes de mais, ter presente a afinidade e similitude entre a caducidade decorrente da cassação do título de condução já definitivo, e a caducidade decorrente de decisão condenatória definitiva por crime ou infrações estradais graves, relativa a condutor em regime probatório, a merecerem, por isso, tratamento e soluções idênticas. O regime probatório, tal como se encontra previsto sob o art. 122º do CE, dispõe o seguinte na parte relevante para o caso: «1–A carta de condução emitida a favor de quem ainda não se encontrava legalmente habilitado a conduzir qualquer categoria de veículos fica sujeita a regime probatório durante os três primeiros anos da sua validade. 2–Se, no período referido no número anterior, for instaurado contra o titular da carta de condução procedimento do qual possa resultar a condenação pela prática de crime por violação de regras de circulação rodoviária, contraordenação muito grave ou segunda contraordenação grave, o regime probatório é prorrogado até que a respetiva decisão transite em julgado ou se torne definitiva. (…) 5–O regime probatório cessa uma vez findos os prazos previstos nos n.os 1 ou 2 sem que o titular seja condenado pela prática de crime, contraordenação muito grave ou por duas contraordenações graves.» (negrito nosso). Na versão original deste preceito introduzida pelo D.L. 2/98, de 03/01, ao invés do uso da expressão «regime probatório», mencionava-se o «carácter provisório» do título e condução emitido a favor de quem não se encontrasse legalmente habilitado a conduzir, o qual se convertia em definitivo se durante os dois primeiros anos do seu período de validade «não for instaurado ao respectivo titular procedimento pela prática de crime ou contra-ordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir.». Esta provisoriedade não se alterou com a adoção da expressão «regime probatório», recrudescendo outrossim a exigência para os condutores a ele sujeitos, como resulta do aumento do período de tempo, de 2 para 3 anos, mas também, por exemplo, na consideração de valores inferiores de álcool no sangue para efeitos da previsão das contraordenações grave e muito grave por condução sob a influência do álcool – arts. 81º/3, 145º/1,l) e 146º/j) do CE. Nesta senda, uma vez tornado definitivo o título de condução por ter decorrido o assinalado prazo sem que se registe alguma das situações de crime ou contraordenações estradais, a condenação por tais infrações relevará já para efeitos do sistema de pontos previsto no art. 148º do CE, cujo regime foi introduzido no Código da Estrada pela L. 116/2015 de 28/08. Efetivamente, nos termos do art. 121º-A a todos os condutores são atribuídos doze pontos, aos quais se subtrairá determinado número de pontos previsto para a infração estradal que for cometida ou por via da aplicação de penas e sanções de inibição de conduzir, até ao esgotamento desses pontos, que redunda na sanção administrativa de cassação do título de condução, prevista no art. 148º/4, c) do CE. Note-se que anteriormente à introdução do sistema de pontos, a cassação administrativa ocorria quando o condutor praticava três contraordenações muito graves ou cinco contraordenações entre graves e muito graves, conquanto cometidas num período de cinco anos – art. 148º/1 do CE na redação da L. 72/2013, de 03/09. Ou seja, ocorria segundo um regime semelhante ao previsto para os condutores com título provisório de condução, embora de modo mais exigente para estes. Com a adoção do sistema de pontos para os títulos definitivos, manteve-se para os títulos provisórios a anterior previsão das condições de vigência do regime probatório, os quais, como decorre da conjugação dos normativos citados, se encontram excluídos do sistema de pontos. Tudo para significar que, como resulta também da previsão contida no art. 130º do CE, existe semelhança e afinidade entre a situação do condutor que, encontrando-se em regime probatório, é condenado por crime estradal ou sancionado com coima por contraordenação estradal muito grave ou duas graves, e a situação do condutor que, dispondo de título de condução definitivo, perde a totalidade dos pontos e vê por via disso cassado esse título. Na verdade, em ambos os casos, a perda do título de condução é a consequência jurídica da prática de infrações reveladoras da impreparação para o exercício da condução, com uma diferença: no primeiro caso existe apenas um título provisório, que só se tornará definitivo com o decurso do prazo de 3 anos sem registo do cometimento dessas infrações – art. 122º/5 do CE -, enquanto no segundo, o título é já definitivo, estando sujeito a um sistema de pontos, em que a prática de infrações importa a perda de pontos até à cassação – art. 148º/1, 4,c) do CE. Daí que tenham um regime comum no que toca às consequências da caducidade – art. 130º/1, c) e d) e 4 e 5 -, mas também no concernente às exigências para obtenção de novo título e condições a que o mesmo fica sujeito – art. 130º/5 do CE e art. 37º/1, b) do RHLC. Como não poderia deixar de ser já que entre ambos existe apenas uma diferença de grau na gravidade das infrações que determinam a perda do título de condução, consoante esse título seja já definitivo ou ainda provisório. Feito este breve enquadramento, vejamos então a decisão recorrida e a interpretação aí adotada do disposto no art. 130º do CE, sendo que também aí se supôs a identidade de tratamento das referidas situações, subsumíveis às alíneas c) e d) do nº1. * Tendo por base as alterações introduzidas pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12 na redação deste preceito legal, o Tribunal recorrido, perfilhando uma interpretação literal ancorada na letra do nº 7 (que permaneceu intacta) e na eliminação das antigas alíneas a) e b) do nº 3, entendeu que o exercício da condução por quem tinha o título de condução caducado por ter cometido uma infração estradal muito grave encontrando-se no período do regime probatório, deve ser punido apenas com coima, como mera contraordenação. Assim, reconhece-se que antes das aludidas alterações, tal situação determinava o cancelamento do título de condução, resultando da conjugação entre os nº 3, a), 5 e 7 do art. 130º, que o condutor que conduzisse nessas condições, com o título cancelado, cometia um crime de condução sem habilitação legal. Mais se entendeu que, por ter sido abolida a figura do cancelamento, passando agora a tratar-se a situação no âmbito da caducidade, e pretendendo o legislador distinguir entre caducidade definitiva, para as situações previstas no nº 3, e caducidade provisória, para as restantes situações, teria reservado a punição criminal apenas para aquelas primeiras, nas quais considera não se incluir a caducidade do título provisório de condução, em regime probatório, por via da eliminação das alíneas a) e b). Ora, pese embora o esforço argumentativo empreendido pelo Tribunal a quo, e não escamoteando alguma equivocidade derivada das alterações ao art. 130º do Código da Estrada, afigura-se-nos, com todo o respeito, que a interpretação sufragada não pode subsistir por ser desconforme com as regras interpretativas previstas no art. 9º do Código Civil, pondo em causa a unidade do sistema, e, colateralmente, a segurança e a previsibilidade, jurídicas. De resto, não se tendo encontrado publicação de jurisprudência em casos como o presente, em que a caducidade se dá no regime probatório, temos que, aquela que se conhece relativamente a situações de condução com o título de condução caducado por cassação, aliás, citada na decisão recorrida, é unânime no entendimento de que, nestas circunstâncias, se verifica o crime de condução sem habilitação legal; é o caso dos acórdãos da Relação de Évora de 13/09/2022, relatado por Beatriz Marques Borges no processo 20/22.4GDPTM.E1, e da Relação de Guimarães relatado por Paulo Almeida Cunha no processo 87/21.2GBVVD.G1, ambos acessíveis e www.dgsi.pt . É também esse o nosso entendimento. Subscrevemos, de resto, tudo quanto ali consta em abono de tal interpretação, que, conforme vimos de explicitar, por identidade de razões, se considera aqui inteiramente aplicável. Ali, como aqui, dificilmente se concebe outra interpretação do disposto no art. 130º do CE que não passe por considerar o condutor em regime probatório condenado por decisão definitiva, judicial ou administrativa, pela prática de crime ou infrações, duas graves ou uma muito grave, no exercício da condução, desprovido de título de condução, cometendo por isso, nos termos previstos no nº 5 do art. 130º do CE, o crime de condução sem habilitação legal sempre que exerça a condução e até que obtenha um novo título de condução. Expliquemos porquê, analisando pari passu cada uma das objeções levantadas na decisão recorrida. –– Cancelamento e Caducidade Com o D.L. 102-B/2020, de 09/12 eliminou-se a figura do cancelamento do título de condução prevista no nº 3 do art. 130º, a que estavam sujeitos os titulares de títulos objeto de cassação ou os que, estando em regime probatório, tinham sido condenados por crime ou infrações estradais graves, agora abrangidos nas alíneas c) e d) do nº1, do art. 130º, assim se reconduzindo todas as situações de falta de requisitos desse título à figura da caducidade. Na origem desta uniformização estará a necessidade de pôr cobro à dificuldade (mais do que divergência) jurisprudencial gerada na vigência da redação anterior do art. 130º/5 e 7, do CE, sobre se configurava a prática de um crime ou de uma contraordenação a condução com título caducado por força da cassação, mas ainda não cancelado, tendendo a maioria da jurisprudência para o entendimento de que, enquanto o título caducado não fosse cancelado pelo IMT, o seu titular incorria em contraordenação.[1] Com a abolição da figura do «cancelamento», obteve-se assim o efeito de eliminar um requisito burocrático para que possa considerar-se o condutor afetado “sem habilitação legal” para conduzir, operando a caducidade ope legis, automaticamente, assim que verificadas as situações previstas no nº 1 do art. 130º do CE. Assim, diferentemente do que sucedia no domínio do Código da Estrada vigente antes da entrada em vigor do D.L. 112-B/2020, agora, uma vez tornada definitiva uma destas decisões – cassação de título de condução ou condenação definitiva de condutor em regime probatório por crime ou contraordenação (duas graves ou uma muito grave) praticados no exercício da condução -, o condutor em causa é considerado ope legis como não habilitado a conduzir, sem necessidade de qualquer declaração, nomeadamente da autoridade administrativa.[2] De tal alteração, e do facto de sob o nº 1 do art. 130º do CE se terem passado a abrigar indistintamente todas as causas de caducidade, incluindo as que se prendem com a inobservância dos requisitos de revalidação dos títulos de condução, não decorre, porém, como entendido na decisão recorrida, que o regime aplicável a umas e a outras seja exatamente o mesmo. Desde logo porque aí se preveem situações tão variadas quanto a do falecimento do titular – alínea e) -, sem qualquer contorno ilícito, a par de outras que importam já alguma contrariedade ao direito, como a não revalidação do título, ou a não sujeição a avaliação médica ou psicológica, ou a exames e provas, determinados nos termos do art. 129º/1 e 5 do CE, às quais não podem equiparar-se, pela substancialmente maior intensidade dessa contrariedade ao direito, as causas de caducidade previstas sob as alíneas c) e d) do nº 1 do art. 130º. Mas também porque, feita uma análise detalhada de todo o preceito, em conjugação com as normas atinentes do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir aprovado pelo D.L. 138/2012, de 05/07 (doravante apenas RHLC), assim como da evolução legislativa nesta matéria, se conclui não ser esse o pensamento legislativo. Importa, assim, fazer a distinção entre os diferentes tipos de caducidade, consoante as causas que lhe subjazem. –– Caducidade definitiva e Caducidade provisória Assim, essa caducidade, quando ainda possível a renovação ou revalidação do título de condução, como nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 130º do CE, será provisória, e quando tal não for possível, como nas situações subsumíveis ao disposto nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do art. 130º do CE, estaremos perante uma caducidade definitiva. Apenas quando a caducidade do título for considerada definitiva, deverá punir-se o exercício da condução pelo crime de condução sem habilitação legal, reservando-se a punição meramente contraordenacional para os casos de caducidade provisória. Esta parece ser, de facto, a leitura correta do preceituado no art. 130º do CE, sem que seja desvirtuada a lógica subjacente às alterações ao Código da Estrada introduzidas pelo D.L. 112-B/2020, as quais, em bom rigor, se traduzem mais em alterações formais e de procedimento, do que em modificações substanciais do regime legal, como se entendeu na primeira instância. Com efeito, nada, nem no preâmbulo do citado D.L. 102-B/2020, de 09/12, nem na Diretiva que visou transpor, aponta para que o legislador tenha pretendido por via deste diploma legal alterar significativamente o regime punitivo de quem conduz com o título de condução caducado, muito menos no sentido da sua suavização, diríamos até despenalização, nos casos que anteriormente dariam lugar ao cancelamento do título e ao cometimento do crime de condução sem habilitação legal, quais sejam, a cassação do título de condução ou condenação definitiva de condutor em regime probatório por crime ou infrações estradais graves. Pelo contrário. O nº 5 do mesmo normativo que antes se aplicava aos títulos cancelados, passa agora a prever que os titulares de título de condução caducado se consideram, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122º caso venham a obter novo título de condução (assim integrando ainda o que anteriormente constava do nº 6). Ora, nos termos do disposto no art. 3º/1 do D.L. 2/98, de 03/01, comete o crime de condução sem habilitação legal quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada. Pelo que, o facto de com a alteração introduzida pelo D.L. 102-B/2020 o legislador se ter limitado, no que concerne ao nº 5 do art. 130º do CE, a substituir a palavra «cancelados» por «caducado», aludindo depois a necessidade de obtenção de «novo título de condução», é significativo quanto a não ter pretendido consagrar nada de muito distinto do que anteriormente previa. –– Harmonização dos nºs 5 e 7 do art. 130º do CE É também esta leitura do art. 130º do CE na sua nova redação que permite a harmonização das previsões contidas nos seus nºs 5 e 7, definindo de forma segura as situações em que o exercício da condução por quem seja titular de título de condução caducado configura a prática de um crime de condução sem habilitação legal, como decorre do nº 5, e distinguindo-as daquelas que se quedarão pelo mero ilícito de ordenação social, como previsto no nº 7. Com efeito, na senda do que vimos de expor, o critério distintivo não pode deixar de se sobrepor à suprarreferida distinção entre caducidade provisória e caducidade definitiva, fazendo coincidir esta com o anterior «cancelamento», e nela abrangendo as mesmas situações, para as quais o legislador continuou a reservar um tratamento punitivo de natureza penal. Assim, cairão no nº 5, os casos de caducidade definitiva do título de condução, ou seja, quando não mais puder ser revalidado ou renovado, estando o seu titular obrigado a obter novo título de condução, e importando o exercício da condução nessas condições a prática de um crime de condução sem habilitação legal. Estarão nessas condições os titulares de títulos caducados que já não os possam renovar nos termos previstos nas alíneas c) e d) do nº 3 do art. 130º do CE, e os titulares de títulos caducados previstos nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do mesmo preceito, os quais, por terem deixado de ter título, num caso provisório, nos outros dois definitivo, não podem obter qualquer revalidação ou renovação. O nº 7 e a punição do exercício da condução como ilícito de mera ordenação social ficam reservados para as situações de caducidade provisória, em que está ainda ao alcance do titular do título de condução caducado proceder à sua revalidação ou renovação, como previsto no nº 1, a), b), 2 e 4, c), com referência ao art. 17º e 37º/1, c), do RHLC. –– Caducidade do título de condução prevista sob a alínea c) do nº 1 do art. 130º do CE: definitiva ou provisória? Ora, a caducidade do título por via da prática de infrações estradais no decurso do regime probatório, a par da cassação do título de condução, enquadra-se agora, como antes, nas situações de caducidade definitiva, não de caducidade provisória como foi entendido na primeira instância, em nosso entender, laborando-se em equívoco que afeta todo o raciocínio e conclusões extraídas na decisão recorrida. Parte-se aí da premissa de que os titulares de carta de condução provisória, sujeita a regime probatório, a podem revalidar ou renovar nos termos previstos no nº 2 do art. 130º do CE, assim interpretando a remissão feita no nº 4 e a revogação das anteriores alíneas a) e b) do nº 3. Mas, não podem. Isto porque, não pode revalidar-se ou renovar-se o que já não existe na ordem jurídica. E, por isso, a caducidade destes títulos, tal como nos casos de cassação do título, aos quais se deve equiparar, deve considerar-se definitiva, não provisória. Com efeito, ocorrendo alguma das causas de tal caducidade, o titular do título que, assim, caduca ope legis, poderá apenas obter um novo título de condução, submetendo-se a novas provas, teórica e prática, e ainda, em acumulação, a uma formação específica, como resulta do disposto no nº 4, a) do art. 130º do CE, em conjugação com o preceituado no art. 37º/1,b) do RHLC. Já a revalidação dos títulos de condução está reservada para as situações em que, não tendo o titular praticado qualquer facto ilícito que invalide o título de condução, é de prever a necessidade de reavaliar as suas condições pessoais (aptidão física e psicológica) por via do decurso do tempo e dos seus efeitos nas suas capacidades e preparação para o exercício da condução em segurança; assim como quando surjam fundadas dúvidas sobre a aptidão física, mental ou psicológica, ou capacidade do condutor, nos termos previstos no art. 129º/1 e 5 do CE. É o que resulta da conjugação do disposto nos arts. 16º e 17º do RHLC, que, respetivamente definem as condições de validade dos títulos de condução e da sua revalidação, e tendo também em conta o preceituado no art. 129º/1 e 5 do CE. Apenas nestes casos, em que ainda está ao alcance do titular a revalidação do título de condução, se pode falar de caducidade provisória, em que a reabilitação do condutor não passa, pois, pela obtenção de um novo título. Por isso, consistentemente com estes normativos, também no nº 2 do art. 130º se preveem como situações de revalidação do título de condução caducado, portanto, de caducidade provisória, as atinentes à revalidação exigida nos termos dos citados arts. 16º e 17º, do RHLC, concentradas sob o art. 130º/1, a) do CE, e às de necessidade de reavaliação das condições de aptidão física, mental e psicológica do condutor, com previsão no art. 129º do CE. A mesma razão terá justificado a exclusão das situações de cassação do título e de condenação por crime ou infrações estradais no período do regime probatório da previsão do nº 3 deste art. 130º do CE, que prevê os casos em que o título de condução caducado não pode ser renovado, pois que, como se disse, não pode renovar-se o que já não existe. Não procede a justificação em sentido contrário acolhida na decisão recorrida para explicar a revogação das alíneas a) e b) do citado nº 3, na prática, por via de um argumento a contrario sensu, de que, se aí tinham deixado de estar previstas essas duas situações, era porque podia nesses casos haver renovação do título caducado. Não podia, nem pode, como vimos já, porque o titular desse título caducado tem que se submeter a todas as provas destinadas à obtenção de título de habilitação para conduzir e ainda a uma formação específica, tudo em vista da obtenção de um novo título. Se atentarmos, de resto, na anterior redação deste nº 3 do art. 130º do CE, percebemos que aí se previa as situações em que o título de condução era cancelado, nas quais se incluíam naturalmente a cassação e a condenação por crime ou infrações estradais no regime probatório, e que na prática redundam na perda do título; mas tendo-se adotado na nova redação do corpo do artigo a formulação negativa de «não pode ser renovado», deixou de fazer sentido a sua menção. Não perturba esta conclusão o facto de no nº 4 do art. 130º se remeter para o nº 2, prevendo-se a sujeição ao exame especial previsto para os casos de revalidação, dos titulares desses títulos caducados por cassação ou condenação definitiva por crime ou infrações estradais no período do regime probatório. Na realidade, já no domínio da redação do art. 130º anterior ao D.L. 102-B/2020 existia exatamente esta mesma remissão com referência aos títulos “cancelados”. Por outro lado, a realização do exame especial previsto para a obtenção de novo título nestes casos é comum a alguns casos de revalidação, como se prevê no art. 37º do RHLC, que contém a composição do exame especial; mas nada mais do que isso. Quisera o legislador tratar estes casos como sendo de revalidação e tê-lo-ia expressado no normativo próprio do já citado art. 17º do RHLC, cuja epígrafe, relembre-se, é «revalidação dos título de condução», assim como escusaria de criar uma norma como o nº 4, em que remete para o exame especial previsto no nº 2 (note-se bem, não para nº2), pois que bastaria inserir as respetivas alínea sob esse nº 2. Também não colhe de todo o argumento utilizado na decisão recorrida de que nestes casos de caducidade derivada da cassação ou de condenação por infrações estradais, o condutor foi já anteriormente habilitado para a condução, realizando exames teóricos e práticos; na verdade, este será um falso argumento pois que a caducidade do título implica sempre, em qualquer caso, a obtenção legal desse título; do que decorre terem todos os titulares de títulos de condução caducados sido previamente submetidos aos exames teóricos e práticos legalmente previstos para a sua obtenção, não merecendo, por isso, qualquer tratamento especial. –– A evolução legislativa e os argumentos racional e histórico Como já dito, nada na nova redação legal ou no preâmbulo do diploma de alteração autoriza a interpretação segundo a qual o legislador fez a opção legislativa de passar agora a tratar estas situações, objetivamente mais graves do ponto de vista da contrariedade ao direito, nos mesmos moldes das situações de caducidade do título por decurso do prazo legal de revalidação do título, punindo ambas apenas com uma coima. Isto porque as alterações introduzidas pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12 não tiveram o condão de alterar a diferenciação que, pese embora as múltiplas alterações legislativas, sempre existiu e se mantém no Código da Estrada, entre o regime da caducidade do título de condução por ter passado o prazo legal de revalidação e a caducidade do título de condução por via da prática de ilícitos estradais.[3] Tal conclusão flui com clareza da evolução legislativa nesta matéria, que de forma sintética se enuncia no citado acórdão da Relação de Évora de 13/09/2022, nos seguintes termos: «(…) O Código da Estrada (DL 114/94 de 3.5) no seu período de vigência de vinte oito anos sofreu vinte cinco alterações, tendo concretamente o artigo relativo à caducidade dos títulos de condução (nas redações iniciais artigo 131.º e atualmente artigo 130.º) sido sujeito a oito modificações [10]. Até à redação do DL 44/2005 de 23.2 a caducidade da carta, por regra, implicava a falta de habilitação para conduzir e consequentemente a condução na via pública nessas condições implicaria a condenação do condutor pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. O legislador, todavia, nos casos de “não revalidação do título de condução” (ex. quando os condutores não renovavam a carta no fim da validade dela constante)[11], embora classificando o título como caduco apenas punia a condução nessas condições por via contraordenacional. Nestas redações iniciais não se encontrava expressamente prevista a caducidade da carta por cassação [12], sendo aliás de referenciar não ser sequer admitida a cassação determinada por via administrativa, mas tão só pelo Tribunal [13]. Já na redação do DL 44/2005 o legislador previu expressamente no n.º 1, da alínea b), do artigo 130.º a caducidade por cassação da carta (por força do artigo 148.º do CE) considerando que a condução naquelas circunstâncias por pessoas titulares de carta de condução era considerada para todos os efeitos legais não habilitada (e assim criminalmente punida). Continuando a serem sancionados apenas com coima os condutores que não tivessem revalidado o título no período de dois anos para além do prazo da sua validade (cf. artigo 130.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) e n.ºs 5, 6 e 7 do CE). Já na 8.ª redação (Lei 72/2013 de 3 de setembro) do artigo 130.º do CE (DL 114/94 de 3.5), sob a epigrafe “Caducidade e Cancelamento dos títulos de condução”, introduziu-se um novo conceito o de “cancelamento”. Considerou-se, então, que os titulares de títulos de condução caducos e cancelados eram considerados para todos os efeitos legais não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo por isso punidos criminalmente se detetados a circular nessas condições. Exigia-se, agora, a prática de um ato administrativo que decretasse o cancelamento do título para além da ocorrência da caducidade. (…)». A 9ª redação conferida ao art. 130º do CE pelo D.L. 40/2016 de 29/07, corresponde àquela que vigorava antes das alterações introduzidas pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12. Este último diploma legal, segundo a decisão recorrida, teria introduzido as alterações ao art. 130º do CE, na prática, equiparando a situação dos condutores com título caducado por cassação ou por decisão condenatória relativa a infração no exercício da condução, e os condutores com título caducado por terem deixado passar o prazo da revalidação. Todavia, atentando no seu preâmbulo, verificamos que não esteve no seu espírito uma tal alteração que, na prática, importaria uma despenalização da condução com título caducado por cassação, ao arrepio do histórico legislativo acima enunciado. Bem pelo contrário. Aí se consigna neste particular o seguinte: «(…) São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei. (…)». Ou seja, no espírito do legislador esteve sempre a diferenciação entre a caducidade provisória dos títulos de condução passíveis de revalidação/renovação como sendo aqueles em relação aos quais, genericamente, não se observou o prazo ou as condições destinadas a obter esse efeito, e a caducidade definitiva dos títulos de condução que já não podem ser renovados. Não é despiciendo notar ainda que o D.L. 112-B/2020 visou simplesmente cumprir com a obrigação de transposição da Diretiva (UE) 2020/612, da Comissão, tendo porventura o legislador aproveitado para algum apuramento e uniformização de conceitos, como vimos no sentido de dirimir dúvidas suscitadas pela distinção entre cancelamento e caducidade dos títulos. Desta evolução legislativa flui, assim, um elemento interpretativo histórico no sentido da posição contrária à adotada na decisão recorrida. –– A letra da lei Importa ainda ultrapassar o argumento fundado no elemento literal atinente à remissão feita no nº 7 do art. 130º para o seu nº 1, tão valorizado na decisão recorrida. É um facto que, podendo remeter apenas para alguma ou algumas das alíneas do nº 1 do art. 130º, esta remissão é feita em bloco, abrangendo aparentemente as situações previstas sob as alíneas c) e d), e portanto, também aquela que a ora se ajuíza. Todavia, a circunstância de determinada conduta ser punida a título de contraordenação não impede que seja simultaneamente punida como crime, prevalecendo sempre em caso de concurso a punição criminal, conforme decorre expressamente do disposto no art. 134º/1 do Código da Estrada que replica o que consta do art. 20º do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo D.L. 433/82, de 27/10 (RGCO). Isso mesmo se reconhece na decisão recorrida. Mas mais. Se atentarmos no teor de todas as alíneas do nº 1, percebemos que essa remissão em bloco apenas poderá derivar de má técnica legislativa considerando que aí, sob a alínea e) se preveem as situações de caducidade do título por falecimento, não podendo naturalmente o condutor falecido ser passível de qualquer procedimento contraordenacional. Ter-se-á, outrossim, visado com tal remissão que não ficasse por punir qualquer das situações de caducidade do título de condução não merecedoras de punição criminal nos termos aí previstos sob o nº 5, como é o caso das situações de não revalidação do título caducado nos termos da alínea a), do nº 1, do art. 130º, antes de verificada alguma das condições previstas no nº 3 para a não renovação. Esta é também a interpretação que permite conciliar as previsões aparentemente contraditórias do nº 5 e do nº 7 do art. 130º do CE, que simultaneamente considera os titulares de título de condução caducado como não habilitados a conduzir – nº 5 – e os pune a título contraordenacional – nº 7. ––O teste da lógica e a unidade do sistema Last but not least, levando o entendimento do Tribunal a quoaté às últimas consequências, ficando a punição criminal reservada aos casos previstos nas alíneas c) e d) do nº 3 do art. 130º do CE – c) o titular reprove pela segunda vez em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido, d) tenham decorrido mais de 10 anos sobre a data em que [o título] deveria ter sido renovado -, inexistindo prazo para que o titular de título caducado nos termos das alíneas c) e d) do nº1 se sujeitasse ao exame especial previsto no art. 37º do RHLC, teríamos que o mesmo poderia indefinidamente ficar sujeito a cometer mera contraordenação sempre que praticasse a condução, sem qualquer limite temporal. Diferentemente, aliás, do titular de título caducado apenas por o não ter atempadamente revalidado, que deixando decorrer mais de 10 anos sobre a data em que o deveria ter feito, passa a cometer crime de condução sem habilitação legal, como se entendeu no citado acórdão da Relação de Lisboa de 22/03/2022 e como é aceite na decisão recorrida que considera tratar-se aí de uma caducidade definitiva. Assim, nas situações mais graves, como a vertente, de caducidade por condenação no decurso do regime probatório de infração muito grave, não haveria prazo limite para que o condutor passasse a responder finalmente pela prática do crime de condução sem habilitação legal, nunca podendo falar-se de caducidade definitiva. Mais: caso o condutor a quem a carta tivesse sido cassada por esgotamento dos pontos, e estando impedido de obter novo título de condução como previsto no art. 148º/11 do CE durante 2 anos, exercesse a condução nesse período, seguindo a lógica da decisão recorrida, não se encontrando em qualquer das situações previstas no nº3 do art. 130º, cometeria tão somente uma contraordenação nos termos previstos no nº 7, do art. 130º. Resumindo e concluindo: Concluímos como começamos: a interpretação do disposto no art. 130º do CE adotada na decisão recorrida contraria a letra, o espírito e a história da lei, sendo também desconforme com a globalidade do regime jurídico da obtenção e validade dos títulos de condução, pondo em causa a unidade do sistema, devendo, por isso, ser afastada. Na realidade, as alterações introduzidas pelo D.L. 102-B/2020, de 09/12 no CE não modificaram o que foram as opções essenciais do legislador quanto à distinção entre as situações de caducidade provisória decorrente da não revalidação/renovação do título de condução até ao limite de 10 anos desde o fim do prazo legal para o efeito, e as situações caducidade definitiva, na prática, as mesmas que anteriormente determinavam o cancelamento do título de condução, e nas quais se continua a incluir a caducidade derivada de cassação do título ou de condenação definitiva pela prática de infrações estradais no decurso do regime probatório. Não pode, de facto, equiparar-se a situação do condutor em regime probatório que pratica crime estradal, ou infrações graves ou muito graves determinantes da perda do título provisório de condução, à do condutor cujo título caducou por decurso do tempo e não o revalidou no prazo legal previsto para o efeito. Apenas neste último caso se pode falar de revalidação do título de condução, como resulta do estabelecido no art. 17º do RHLCE, pois que apenas se pode revalidar o que existe mas está em vias de perder validade; nos casos de cassação do título de condução ou de condenação definitiva de condutor em regime de prova por crime ou infrações estradais no exercício da condução, deixou de existir título, considerando-se os respetivos condutores, como previsto no nº 5 do art. 130º do CE como não habilitados a conduzir. Aquele que conduzir nestas condições, verificados os demais factos integradores do respetivo tipo legal, comete o crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo art. 3º do D.L. 2/98, de 03/01. 2.3–Do caso concreto 2.3.1–Do crime de condução sem habilitação legal Caindo o fundamento da decisão recorrida para a absolvição do arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal por não se perfilhar o entendimento de que configure a sua conduta mero ilícito de ordenação social, importa proferir decisão em conformidade com a fundamentação que em sentido contrário vimos de expender, tendo por base a factualidade dada como provada na sentença recorrida. Assim, como resulta de 1. a 7. da matéria de facto que aí foi dada como provada, o arguido exerceu no dia 31/01/2021 a condução de um veículo ligeiro de passageiros na via pública, e fê-lo sabendo que a carta de condução de que fora titular se encontrava caducada desde 03/08/2020, por haver cometido durante o regime probatório uma contraordenação qualificada de muito grave, e, portanto, não tinha título de condução que o habilitasse a conduzir veículos motorizados na via pública. E também sabia, precisamente porque fora titular de carta de condução, que não podia exercer a condução de veículos motorizados naquelas circunstâncias, sendo tal conduta proibida por lei, não se abstendo, porém, de o fazer. Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de condução sem habilitação legal previsto no artigo 3º/2 com referência ao nº1, do DL 2/98, de 03/01, nos termos do qual: «1-Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2-Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.». Conclui-se, pois, que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime pelo qual vinha acusado, tendo-o praticado com dolo direto e consciência da ilicitude, já que atuou deliberada e voluntariamente, ciente de que lhe estava vedada a condução naquelas circunstâncias, sabendo ainda que a sua conduta era ilícita e punida por lei. Deve, por isso, o arguido ser condenado pelo crime de condução sem habilitação legal pelo qual vinha acusado, revogando-se, em conformidade, a sentença absolutória recorrida. * Revertendo a decisão absolutória proferida em primeira instância, para decisão condenatória, cumpre realizar nesta instância de recurso as operações de escolha e determinação concreta da pena a aplicar ao arguido. Isto, tendo presente a jurisprudência uniformizada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 4/2016,[4] no sentido de que «em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 3, alínea b), 368º, 369º, 371º, 379º, nº 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424º, nº 2, e 425º, nº 4, todos do Código de Processo Penal.». Vejamos então. 2.3.2–Critérios legais da escolha e determinação da Pena Como decorre do disposto no art. 40º/1 e 2, do Código Penal, «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», sendo que, «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.». A culpa não é, pois, o fundamento da pena, antes constituindo, a um tempo, o seu suporte axiológico-normativo, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder. Em sintonia com o citado preceito, dispõe o art. 71º/1 do mesmo código que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.». A medida concreta da pena será então obtida tendo como limite mínimo da moldura a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos (exigências de prevenção geral positiva), sendo em seguida doseada por referência às exigências de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais; por fim, a culpa fornece o limite máximo e inultrapassável da pena. Culpa e prevenção (geral e especial) são, por conseguinte, os dois limites a observar no processo de escolha e determinação concreta da medida da pena, assegurando o equilíbrio entre a medida ótima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade e a medida concreta da pena abaixo da qual «já não é comunitariamente suportável a fixação das penas sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar».[5] Daí que, será justa toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.[6] O nº 2 do citado art. 71º dispõe que «Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele», nomeadamente as enunciadas nas suas várias alíneas, ou seja: –– o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente [al. a)]: –– a intensidade do dolo ou da negligência [al. b)]; –– os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [al. c)]; –– as condições pessoais do agente e a sua situação económica [al. d)]; –– a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [al. e)]; e –– a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [al. f)]. As circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.[7] Estatui ainda o art. 70º do Código Penal que, se ao crime forem alternativamente aplicáveis uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, previstas no art. 40º do mesmo diploma. Assim, o critério de determinação da pena concreta aplicável encontra-se condicionado pelo momento prévio de necessária escolha da pena, atendendo aos requisitos impostos pelo art. 70º do Código Penal, segundo os quais, prevendo os preceitos incriminadores da conduta do agente a possibilidade de aplicação de uma pena alternativa de multa, será esta aplicável se com tal se compatibilizarem as exigências de prevenção. 2.3.3–A escolha da pena e determinação da sua medida Na situação sob apreciação cremos não ser já bastante a aplicação de uma multa para que fiquem convenientemente salvaguardadas as exigências de prevenção, geral e especial, verificadas. Com efeito, o arguido sofreu já diversas condenações anteriores, duas delas por crime idêntico àquele pelo qual vai condenado, de condução sem habilitação legal, embora a segunda delas com condenação posterior à data dos factos aqui ajuizados; assim: –– por decisão transitada em julgado em 02/06/2016, pela prática, em 11/01/2016, de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, extinta por pagamento; –– por decisão transitada em julgado em 14/05/2021, pela prática, em 13/02/2021, de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano e seis meses. A registar, por se tratar de crime no exercício da condução, também a condenação por decisão transitada em julgado em 02/02/2023, pela prática, em 15/05/2022, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 2 anos e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses. Não deixa de ser ainda relevante o facto de estarmos perante arguido que teve já anteriormente contacto com o sistema prisional, tendo cumprido pena efetiva de 8 anos de prisão pela prática dos crimes de detenção de arma proibida e de homicídio qualificado na forma tentada, com libertação definitiva em 03/05/2015. Para além destes ilícitos, foi também já condenado por crimes de furto qualificado e de falsificação de documento, esta última, com factos e condenação posteriores aos factos ora ajuizados. O arguido não tem ainda autonomia de vida, não dispondo de ocupação profissional e residindo com os progenitores e uma filha de 6 anos de idade. Neste quadro, e pese embora o arguido haja entretanto obtido o título que o habilita a conduzir, são claros os sinais de insensibilidade às penas não detentivas que lhe foram anteriormente aplicadas, e de uma personalidade avessa à interiorização do dever ser ético-jurídico considerados bens jurídicos variados, como a vida e o património, mas também os que tutelam a segurança da vida comunidade, e concretamente a segurança rodoviária, como é aqui o caso. Verifica-se, pois, que a sanção pecuniária anteriormente aplicada ao arguido não foi suficiente para o afastar da prática deste tipo de ilícito, tendo já depois dos factos em juízo sofrido pena de prisão, embora suspensa na execução, pela prática do mesmo crime e do crime de condução em estado de embriaguez. Acresce que importa dar à comunidade o sinal de que este tipo de conduta, enquadrada jurídico-penalmente num tipo legal de crime de perigo abstrato, é altamente censurável pelo perigo que representa para a circulação rodoviária em geral, e em especial para as vidas e integridades físicas de todos quantos se cruzam com estes condutores. As estatísticas em matéria de sinistralidade rodoviária acessíveis em http://www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Pages/default.aspx, permitem-nos percepcionar que se trata de um fenómeno em ascensão e não em regressão, como seria de esperar tais os recursos que são afetados a campanhas de prevenção rodoviária e sensibilização de condutores para comportamentos estradais responsáveis. Importa, pois, que a pena a escolher seja a adequada e suficiente a promover a interiorização pelo arguido e pela comunidade em geral que não se trata de um crime menor ou de uma bagatela penal, que se possa desvalorizar pela aplicação sucessiva de penas de multa, tal a relevância dos bens jurídicos postos em perigo pela conduta criminosa, e a premência da sua tutela. Assomam, pois, como elevadas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral positiva. Ora, como vimos, é em atenção à prevenção especial e ao intuito ressocializador, no sentido de eficácia da pena como dissuasora da prática de novos crimes, que a escolha da pena deve operar. Por tudo o exposto, cremos apenas poderem ser satisfeitas com suficiência as aludidas exigências com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão. * Escolhida a pena a aplicar, caberá desta feita, e dentro da respetiva moldura abstrata já acima definida, encontrar a medida concreta dessa pena considerando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra ou favor do arguido. Assim, como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, se associam diretamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, haverá a considerar ainda que: - o arguido agiu com dolo na sua modalidade mais intensa, de dolo direto; - tem antecedentes criminais com três condenações pela prática de crimes estradais, embora apenas uma delas anterior aos factos aqui em causa; -encontra-se desempregado e a residir com os progenitores, apesar de ter agora 37 anos de idade, e de ter uma filha com 6 anos de idade; - obteve novo título de condução emitido em 10/04/2023. Face às circunstâncias descritas, uma vez que se revela intenso o grau de culpa, elevada a ilicitude, sendo também relevantes as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, dado que o limite inferior da pena se situa em um mês e o superior em 2 anos, julga-se justa a aplicação de uma pena de 9 (nove) meses de prisão. * Nos termos do preceituado no art. 45º/1 do Código Penal «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)». Ora, pelas exatas razões aduzidas quando da escolha da pena a aplicar ao arguido, designadamente as relativas às suas condições pessoais e às especiais exigências preventivas que suscitam, atendendo especialmente à renitência do arguido em valorizar a gravidade da sua conduta estradal, entendemos que apenas a pena de prisão será bastante para prevenir o cometimento de futuros crimes, pelo que não se procederá à sua substituição por multa ou por outra pena não privativa da liberdade. Não obstante, cremos poder ainda evitar-se o cumprimento da pena em efetividade. Com efeito, estatui o art. 50º/1 do Código Penal que «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.». Ora, no caso em apreço, pese embora todos os elementos desfavoráveis acima elencados, não pode escamotear-se que a obtenção pelo arguido do título de condução constitui facto posterior ao crime que reduz sobremaneira a necessidade de aplicação de uma pena efetiva para assegurar as exigências preventivas. Releva ainda o facto de apenas uma das condenações por crime de condução sem habilitação legal, ser anterior à data dos factos aqui em causa, tendo sido punida com pena de multa. Além disso, o arguido contará com o apoio dos progenitores, com quem reside, e terá responsabilidades com uma filha de 6 anos de idade. Nesta conformidade, parece-nos que, sujeitando-o a regime de prova tendo em vista monitorizar a sua conduta no futuro mais próximo, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, terão ainda sobre o arguido o desejado efeito de evitar a prática de novos ilícitos criminais, ficando ainda assim salvaguardadas as exigências preventivas acima enunciadas. Reputamos por isso como adequada a suspensão da prisão aplicada ao arguido pelo período de 18 (dezoito) meses sujeita a regime de prova nos termos previstos nos arts. 53º e 54º, do Código Penal, assente em plano de reinserção social direcionado para o aperfeiçoamento do sentido de responsabilidade, contemplando as obrigações previstas sob as alíneas a) e b) do nº 3, do art. 54º. * III–DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso do Ministério Público, em consequência do que: - revoga-se a sentença recorrida e - condena-se o arguido AA…… pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º/2, do D.L. 2/98, de 03/01, com referência ao nº1 do mesmo diploma legal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na execução por 18 (dezoito) meses, com regime de prova assente em plano de reinserção social direcionado para o aperfeiçoamento do sentido de responsabilidade, contemplando as obrigações previstas sob as alíneas a) e b) do nº 3, do art. 54º do Código Penal. * Sem custas - art. 513º/1 do Código de Processo Penal “a contrario”. Notifique. * Lisboa, 14 de dezembro de 2023 (Ana Cláudia Nogueira) (Luísa Alvoeiro) (Paulo Barreto) Paulo Barreto - Vota vencido: O n.º 7, do art.º 130.º, do CE é claro: " - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600." Porém, é certo, temos que interpretar o n.º 1, no sentido de só ser contraordenação quando estivermos perante título de condução ainda passível de revalidação. Se a caducidade for definitiva é crime. E o n.º 3, diz-nos quais os títulos de condução que não podem ser renovados: c) O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido; d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado. As alíneas a) e b) deste número 3 foram revogadas pelo DL 102.º-B/2020, de 09.12, diploma que diz o seguinte no seu preâmbulo: "São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei." E a alínea a) revogada estabelecia que o título de condução é cancelado (leio caducidade definitiva) quando se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave. Revogada esta alínea a), só podemos entender que a caducidade da al. c) do n.º1 - regime probatório - não é definitiva, daí que concorde com a sentença da primeira instância: estamos perante uma contraordenação e não um crime. ***** [1]Vejam-se os seguinte acórdãos, acessíveis em www.dgsi.pt : -Relação de Lisboa, de 25/11/2015, relatado no processo 495/14.5GCALM.L1-3 por Carlos Almeida; -Relação de Coimbra, de 16/10/2019, relatado no processo 27/19.9GABBR.C1 por Ana Carolina Cardoso; -Relação do Porto, de 25/11/2020, relatado no processo 20/19.1GALSD.P1 por Vítor Morgado; -Relação de Évora, de 25/05/2021, relatado no processo 135/20.3GCABE.E1 por Gomes de Sousa; -Relação de Guimarães, de 09/05/2022 relatado no processo 319/20.4PBVCT.G1 por Teresa Baltazar. [2]Neste sentido o acórdão da Relação do Porto, de 13/10/2021, relatado por José Carreto no processo 8/21.2GCPRT.P1 e o acórdão da Relação de Évora de 13/09/2022 já citado no texto do presente acórdão. [3]Neste sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 22/03/2022, relatado por Sandra Pinto no processo 533/21.5PCLRS.L1-5. [4]Publicado no Diário da República, 1ª série, nº 36, de 22/02/2016. [5]Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e sg. e 229. [6]Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96. [7]Veja-se neste sentido o acórdão do STJ de 28/09/2005, in Coletânea de Jurisprudência - STJ, 2005, Tomo 3, pág. 173. |