Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1235/22.0T8LSB.L2-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: FALTA DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE DA SENTENÇA
INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÕES RECÍPROCAS DE RESTITUIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Não há violação do princípio do contraditório plasmado no art. 3.º n.º3, do Código de Processo Civil, e, portanto, a falta de realização de audiência prévia não implica a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, se, previamente à prolação da sentença, se realizou audiência final, com produção de prova e de alegações, não tendo qualquer das partes arguido a nulidade decorrente da omissão de audiência prévia e tendo mesmo o i. mandatário dos recorrentes, no início da audiência final, declarado não pretender incluir qualquer outro tema da prova para além dos indicados pelo tribunal.
II – Não se justifica a alteração da matéria de facto provada se, atentos os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação, as provas produzidas não impuserem decisão diversa.
III – Uma decisão judicial, sendo um acto jurídico, está sujeita a interpretação, nos termos dos arts. 295.º, 236.º e 238.º do Código Civil.
IV – Assim, tal decisão valerá com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do seu destinatário real, poderia deduzir do respectivo teor, desde que tal sentido tenha um mínimo de correspondência no texto do documento.
V – A excepção de não cumprimento a que alude o art. 290.º do Código Civil opera em relação às obrigações recíprocas de restituição que tiverem sido fixadas na sentença que declarou anulado o negócio.
VI – Para que exista abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: a existência de um comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; um comportamento ulterior contraditório em relação àquele; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência de um “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento de uma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.
VI – A impossibilidade de os AA., em razão da sua ocupação ilícita pelos RR., utilizarem e fruírem as fracções autónomas de que são proprietários constitui um dano susceptível de avaliação patrimonial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
J…, G…, H… e I… intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra D… e mulher, E…, e F…, Unipessoal, L.da, pedindo que os RR. sejam condenados a:
«a) pagarem, solidariamente, aos AA. quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a título de prejuízos patrimoniais causados aos AA. até ao dia 12-01-2022 - pelo facto de não entregarem as frações supra referidas em desrespeito do douto acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º2009/13.5TVLSN.L1, bem como o pagamento de pagamento de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) por cada mês, ou fração, que vier a passar entre a presente data e a data em que estes entreguem aos AA. as frações em causa, livres de quaisquer ónus ou encargos.
Ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese académica se concede.
b) pagarem, solidariamente, aos AA. quantia de € quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a título de enriquecimento sem causa, pelo facto de manterem a fruição das frações supra referidas, entre o dia 13 de dezembro de 2019 e o dia 12 de janeiro de 2022, sem qualquer título legitimador para o efeito, em desrespeito do douto acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 2009/13.5TVLSN.L1, bem como o pagamento de pagamento de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) por cada mês, ou fração, que vier a passar entre a presente data e a data em que estes entreguem aos AA. as frações em causa, livres de quaisquer ónus ou encargos.
E, em todo o caso,
c) pagarem aos AA. juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias referidas nas alíneas a) e b), devidos entre a data em que estes forem citados e a data em que procedam ao pagamento das quantias, aqui, peticionadas».
Para tanto, alegam, em síntese, o seguinte:
1 - São herdeiros de L…;
2 - O 1.º A. e a herança indivisa daquela L… dedicam-se à construção civil;
3 - No exercício daquela actividade, o 1.º A. e L… venderam aos 1.ºs RR. determinadas fracções autónomas;
4 - Os RR. intentaram contra o 1.º A. e contra L… uma acção, no âmbito da qual foram anulados os contratos de compra e venda das fracções, os aqui RR. foram condenados a restituir tais fracções ao aqui 1.º A. e a L…, e estes últimos foram condenados a restituir aos aqui RR. os preços pagos pelas fracções adquiridas e as despesas da aquisição;
5 - Os AA. e os RR.  intentaram acções executivas, tendo em vista o cumprimento daquela decisão, as quais não se encontram findas;
6 - Posteriormente, o 1.º A notificou os RR. para procederem à entrega das fracções;
7 - O procurador dos AA., em 13/12/2019, deslocou-se às fracções (onde se situa a sede da R. sociedade), no sentido de as receber, contra a entrega de cheques bancários;
8 - No entanto, os RR. não efectuaram a entrega, pelo que se encontram em mora;
9 - Os RR. ocupam as fracções sem que paguem aos AA. qualquer valor pela sua utilização e impedem os AA. de fruírem a sua propriedade;
10 - Causando aos AA. um prejuízo mensal não inferior a € 2.200,00, do qual os AA. devem ser indemnizados, face à ocupação ilícita das fracções;
11 - Caso assim não se entenda, sempre os AA. deveriam ser ressarcidos ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
Os RR. contestaram, invocando, em síntese, o seguinte:
a) A R. sociedade é parte ilegítima, porque não foi parte no contrato de compra e venda anulado e nunca foi interpelada para a entrega das fracções;
b) Tendo em vista o cumprimento do determinado judicialmente, através de carta recebida pelos aqui AA. em 24/4/2018, os ora RR. interpelaram os ora AA. para pagamento da quantia em dívida e consequente restituição das fracções, solicitando que, para tanto, se designasse dia e hora, entre 21 e 30 de Maio de 2018;
c) Porém, os AA. nada responderam, pelo que se constituíram em mora a partir de 31/5/2018;
d) Por esse motivo, os aqui RR. intentaram contra os aqui AA. acção executiva, para pagamento de quantia certa, a qual se encontra pendente, tendo os ali executados deduzido embargos;
e) Entretanto, os AA. intentaram contra os RR. acção executiva, para entrega de coisa certa, sem alegarem terem oferecido a prestação a que se encontram adstritos e, aliás, sem que a tenham oferecido;
f) Em 13/12/2019, o 1.º A. pretendia pagar a quantia referida na sentença em singelo, sem os juros de mora, sem a sanção pecuniária compulsória, sem as despesas da execução, e sem conceder aos RR. um prazo razoável para a entrega;
g) Até ao pagamento integral do crédito exequendo, os RR. gozam de direito de retenção sobre as fracções;
h) Sem prejuízo de, após o recebimento da quantia em que os AA. foram condenados, e previamente à entrega das fracções, os RR. terem direito de proceder ao levantamento das benfeitorias;
i) Pelo que, ocorrendo excepção de não cumprimento, não estavam obrigados a entregar as fracções;
j) Nada devem, assim, aos AA.;
k) Além disso, o valor locativo das fracções é muito inferior ao pretendido pelos AA.;
l) O instituto do enriquecimento sem causa encontra-se afastado, por não existir qualquer enriquecimento e existir causa justificativa para a falta de entrega das fracções.
Convidados os AA. a exercerem o contraditório relativamente à matéria de excepção invocada na contestação, vieram os AA. G…, H… e I… defender a legitimidade da R. sociedade.
Os RR. apresentaram então requerimento no qual, além de informarem do óbito do 1.º A., vieram juntar cópia do acórdão, que afirmam ter transitado em julgado, proferido no apenso de embargos à execução para entrega dos imóveis, onde foi decidido que a falta de pagamento, pelos aqui AA., da quantia objecto da condenação e da execução para pagamento de quantia certa, era impedimento para a entrega do bem, sendo esta inexigível. Pedem que, por terem omitido estes factos supervenientes e relevantes para a decisão, os AA. sejam condenados, como litigantes de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 2.500,00.
Os AA. Maria G…, H… e I… pugnaram pela improcedência do pedido da sua condenação como litigantes de má fé e, mediante a dedução do pertinente incidente, requereram a sua habilitação como herdeiros do falecido A. J…, habilitação que foi deferida, por decisão de 20/6/2023.
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da R. sociedade, foram indicados os factos assentes e foram indicados factos para produção de prova [«Artigo 49.º da petição inicial»; «A 3.ª ré tem sede social no local nos termos de fls. 61 vrs. cujo teor se dá por integralmente reproduzido»]. Tendo os AA. reclamado de omissão relativamente aos temas da prova, foi proferido o seguinte despacho:
«O Ilustre Mandatário dos Autores quer produzir prova dos artigos 24.º e 18.º da petição inicial e que o tribunal indefere tal pretensão na medida em que tais factos dizem respeito a todo o processo de execução para entrega de coisa certa, e até, no limite de outra acção executiva.
Os factos ocorreram na pendência das duas acções executivas em curso e dizem respeito ao mérito dessas acções, à obrigação de entregar os imóveis e/ou de pagar o valor da sentença.
Não cabe a este tribunal sindicar o que naquele foi decidido, ou deveria ter sido posto que os factos ocorreram na pendência dessas acções judiciais e aqueles dizem respeito.
Nestes autos discute-se o alegado prejuízo que as autoras sofreram em consequência da não entrega das fracções que diz ser ilícita. Donde todo o historial processual que conduz a esse dever de entrega das fracções deveria e poderia ser discutida na acção judicial que esteve pendente para o efeito.
Indefiro pois tal produção de prova».
AA. e RR. foram convidados a juntar documentos e não foi designada data para a audiência final, por se ter entendido que, após aquela junção, os autos fornecem todos os elementos para uma decisão de mérito.
Vieram, então, os RR. efectuar junção de certidão extraída das acções executivas e, de seguida, foi proferido saneador-sentença, que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido, condenando os AA. no pagamento das custas.
Não se conformando esta decisão, nem com a que indeferiu a reclamação apresentada contra os temas da prova, delas apelaram os AA., tendo sido, neste TRL, proferido acórdão que, revogando o despacho e a sentença recorridos, determinou o prosseguimento dos autos para a fase do julgamento (caso outra questão a tal não obste), incluindo-se nos temas da prova a matéria alegada que fosse controvertida e que dissesse respeito aos factos constitutivos do direito invocado pelos AA. ou excepcionais em relação ao mesmo, devendo constar desses temas a matéria resultante dos arts. 18.º e 24.º da petição inicial, na parte impugnada.
Baixados os autos à 1.ª instância, foram indicados, como temas da prova, os factos constantes dos arts. 18.º, 24.º e 49.º da petição inicial, após o que se procedeu a audiência final.
Seguidamente, foi proferida sentença, que concluiu com a decisão que de imediato se transcreve:
«Por todo o exposto o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena os 1º e 2ª RR a pagar aos AA a título de enriquecimento sem causa a quantia de €1700 por mês desde 28 de dezembro de 2019, até efetiva entrega das frações em apreço nos autos, à qual acresce o pagamento de juros de mora até total e efetivo pagamento.
Condena a 3ª R a pagar tal valor, solidariamente com os 1º e 2ª RR, desde a citação até efetiva entrega das frações ao qual acresce o pagamento de juros de mora até total e efetivo pagamento.
Custas a cargo dos RR».
Inconformados com esta decisão, dela apelaram os RR., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
« 1. Ascende a este Venerando Tribunal o presente Recurso de Apelação da sentença proferida em 16.12.2024, nos termos da qual o Tribunal a quo julgou “a presente ação parcialmente procedente e condena os 1º e 2ª RR a pagar aos AA a título de enriquecimento sem causa a quantia de €1700 por mês desde 28 de dezembro de 2019, até efetiva entrega das frações em apreço nos autos, à qual acresce o pagamento de juros de mora até total e efetivo pagamento” e condenou ainda “a 3ª R a pagar tal valor, solidariamente com os 1º e 2ª RR, desde a citação até efetiva entrega das frações ao qual acresce o pagamento de juros de mora até total e efetivo pagamento.”
2. A sentença proferida nos autos (i) não traduz uma correta e competente avaliação dos factos, (ii) aplica deficiente e erroneamente o Direito e (iii) produz uma flagrante injustiça, pelo que não pode subsistir e deve ser revogada in totum.
3. A sentença padece de diversas nulidades nos termos do art. 615.º, n.º 1 do CPC.
4. A falta de audiência prévia e selecção dos temas da prova (matéria controvertida) contraria o Acórdão datado de 25.06.2024, que determinou “o prosseguimento dos autos para a fase do julgamento (caso outra questão a tal não obste), incluindo-se nos temas da prova a matéria alegada que seja controvertida e que diga respeito aos factos constitutivos do direito invocado pelos AA. ou que sejam excepcionais em relação ao mesmo, devendo constar desses temas a matéria resultante dos arts. 18.º e 24.º da petição inicial, na parte impugnada”, em face do qual se esperava – e impunha-se – que, previamente a avançar para a fase de julgamento, fosse convocada a audiência prévia a que se refere o art. 591.º do CPC, para as finalidades aí previstas, nomeadamente a delimitação do objeto do litígio e definição dos temas da prova, onde constaria “a matéria alegada que seja controvertida e que diga respeito aos factos constitutivos do direito invocado pelos AA. ou que sejam excepcionais em relação ao mesmo”.
5. Mas a Sra Juiz “a quo” decidiu apenas - cfr despacho de 26.09.2024 com a Ref. 438651117, subsequente à baixa do Acórdão supra citado:
-”Tomei conhecimento.
Reinicie o processo.
***
Para realização de audiência de discussão e julgamento apenas à matéria mencionada no douto acórdão designo o dia 21 de novembro de 2024, pelas 9h.”
6. Na audiência prévia de 04.12.2023, o Tribunal recorrido não se ocupou das finalidades inerentes ao prosseguimento do processo para a fase de julgamento, na medida em que entendeu estar em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, limitando-se a selecionar a matéria considerada assente.
7. A Sra. Juiz “a quo” não só não convocou audiência prévia, como designou de imediato data para julgamento, contrariando e reduzindo o escopo do determinado no douto acórdão, circunscrevendo a finalidade do julgamento a apreciar em exclusivo os arts 18.o e 24.o da PI, na parte impugnada, o que contraria a obrigatoriedade de incluir nos temas de prova os factos controvertidos, quer dos constitutivos do direito invocado, quer da matéria de excepção.
8. Esse erro e essa ilegítima e ilegal restrição “bate de frente” com a determinação expressa no douto acórdão e, assim, viola os arts. 22.º e 42.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ) e artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85 de 30 de Julho, e, assim, ficou viciada e ferida de morte a regularidade e legalidade do processo judicial, o julgamento da causa e, consequentemente, a decisão.
9. A falta de convocação da audiência prévia e a óbvia redução ilegal da matéria de facto controvertida para julgamento, apenas à matéria dos arts. 18 e 24 da PI, implica, para além da LOSJ e do EMJ, a violação dos arts. 591.º, n.º 1, 608.o n.º 2 e, por isso, a sentença enferma da nulidade do art. 615.º n.º 1, al. d), ambos do CPC.
10. Os factos essenciais alegados na PI não coincidem, sequer, com os factos dados como provados e, por isso, não poderiam ser dados como provados nos termos em que o foram.
11. Na sentença pode ler-se que “A notificação judicial avulsa é de dia 9 de dezembro, para produzir efeitos dia 13 desse mês. É claramente desrazoável pretender que a desocupação de frações destinadas a restauração sejam objeto de levantamento das benfeitorias em 3 dias” e, por isso, “Aos RR era lícito restituir as frações nos 15 dias que afirmam necessitar para levantar as benfeitorias, mas não era lícito recusar o cumprimento da obrigação dos AA.”; Contudo, de forma contraditória, diz-se que “Nunca os RR alegaram que aceitaram o pagamento e recusaram restituir as lojas e que nessa medida os AA retiraram o cumprimento da sua obrigação. Não. O que sucedeu foi apenas que os RR recusaram a possibilidade de a obrigação dos AA ser cumprida porque entenderam não estarem eles em condições de cumprir com a sua obrigação, e porque discordaram do valor do cumprimento. E ao fazerem-no, sem motivo justificado, impediram a obrigação dos AA de ser cumprida e deixou de lhes ser oponível a exceção de não cumprimento. Ficaram assim responsáveis pelo prejuízo que causaram aos AA pela não entrega das frações (15 dias após essa recusa de recebimento da prestação, prazo suficiente para estes, no seu próprio entendimento, para retirar as benfeitorias)
12. Jamais os AA. alegaram que os RR. recusaram o cumprimento da obrigação de pagamento que impende sobre os primeiros…o que aqui está em causa é a obrigação de entrega das fracções e, perante a recusa por impossibilidade (e inexigibilidade) de entrega das fracções no referido dia 13 de Dezembro de 2019, os AA. não entregaram os cheques.
13. Constata-se, de forma cristalina, que se está perante uma contradição insanável e incompreensível, porquanto consta da matéria assente que (i) o cheque bancário da quantia em que os AA. foram condenados (ou seja, do valor em singelo) visava receber em troca as frações (Facto assente 10); (ii) os Autores deslocaram-se às frações, no sentido de receber as mesmas por parte dos RR, contra a entrega de dois cheques…” (facto assente 16).
14. Resulta, assim, evidente que os AA só entregariam os referidos cheques contra a entrega imediata e em simultâneo pelos RR. das fracções, condicionando qualquer pagamento à entrega simultânea daquelas.
15. O Tribunal a quo considerou lícita a recusa de entrega das frações pelos Apelantes nesse mesmo dia 13, sendo certo que os Apelados não alegaram nem provaram que, contrariamente ao que haviam comunicado na notificação avulsa, estavam ali no dia 13.12.2019 para entregar os 2 cheques sem condições aos Apelantes, ou com a condição de aguardarem para receber as frações no prazo de 15 dias, tratando-se portanto de uma afirmação “surpresa” descolada da realidade, sem respaldo algum na matéria alegada e na prova e portanto uma mera ficção criada pela Sra. Juiz “ a quo”.
16. Na comunicação entregue em mão pelos Apelantes em 13.12.2019, foi precisamente isso que os Apelantes propuseram: o pagamento integral pelos Apelados e entrega das fracções no prazo de 15 dias, comunicação essa que não obteve qualquer resposta.
17. Os Autores não alegaram nem provaram que pretendiam entregar os cheques e estavam na disposição de receber as fracções nesse prazo de 15 dias, pois, na verdade, não estavam e, perante tal possibilidade, recusaram a entrega de qualquer cheque para pagamento da prestação a que se encontram adstritos!
18. Não só os Apelantes não recusaram receber os cheques, como os Apelados podiam ter entregue, a todo o tempo, a quantia devida no processo executivo para pagamento de quantia certa n.º 17430/18.4T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 2, onde figuram como executados, pondo assim fim à mora em que se encontravam, tal como, aliás, declararam em 22.11.2019
19. Tais novos e surpreendentes factos, que a Sra. Juiz a quo ficcionou, constantes e expressos na sentença, inexistentes na PI e na matéria que a própria sentença refere como provados, não sendo instrumentais não possuem fundamentação alguma, pelo que gera a nulidade de falta de fundamentação do art. 615.º n.º 1, al. b) do CPC.
20. Verifica-se existir oposição dos fundamentos de facto com a decisão, uma vez que esta se baseia na suposta falta – recusa – dos Apelantes em receber o pagamento, em vez de, como consta do objeto definido, tratar de apurar, isso sim, se era lícito aos Apelantes recusar a entrega das fracções, o que o Tribunal a quo concluiu afirmativamente.
21. A decisão padece de oposição entre os fundamentos e a decisão, para além de ambiguidade clara que a torna ininteligível, pelo que viola o art. 615.o n.º 1, al. c) do CPC e gera, em consequência, a nulidade da sentença.
22. A sentença enferma de contradição entre os fundamentos e a decisão pois concluiu que “é claramente desrazoável pretender que as frações destinadas a restauração sejam objeto de levantamento das benfeitorias em 3 dias”, mas a decisão contraria frontalmente tal conclusão, nomeadamente:
a) sem considerar que os Apelados, querendo, deveriam requerer que se fixasse um prazo razoável para o efeito, ao abrigo do art. 777.o do C.Civil,
b) sem considerar que os Apelantes declararam entregar as frações de imediato contra o pagamento das benfeitorias e equipamentos de valor estimado em € 100.00,00, pelo que não houve qualquer recusa infundada.
c) sem considerar a anterior posição, chocantemente contraditória, assumida pelos AA nos embargos à execução, de que quando interpelados para designar data com 40!!! dias de antecedência, não o fizeram por entenderem que tal prazo era claramente insuficiente...ou seja, com a carta de 09.12.2019, incorreram em claro abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.
d) em evidente má-fé processual, deduzindo pretensão que sabiam e sabem ser manifestamente infundada.
23. Tendo o Tribunal considerado provado e concluído que a notificação com uma antecedência de apenas 3 dias era claramente desrazoável para o efeito de entrega das frações e reconhecendo ter sido lícito ao Apelantes recusar a entrega das mesmas naquele dia 13, afigura-se manifestamente contraditório condenar os Apelantes em indemnização por enriquecimento sem causa desde 28.12.2019, ficcionando uma dilação do prazo de 15 dias desde 13.12.2019, por, alegadamente, se terem recusado a receber os cheques dos Apelados no dia 13.
24. Nunca foi alegado pelos Apelados, que acordaram esse prazo de dilação da entrega das frações com os Apelantes, nem jamais os Apelados sequer indiciaram, ao contrário do que sempre afirmaram na PI e na notificação avulsa, que estavam na disposição de pagar sem receber de imediato as frações… antes pelo contrário…tal suposição, além de não alegada, é frontalmente contrária aos factos alegados na PI e provados 10 e 16!
25. Como é elementar: se os Apelados tivessem declarado estar na disposição de entregar os cheques sem receber as frações na hora e apenas nos 15 dias seguintes, como é óbvio, os Apelantes tê-los-iam recebido e sem rebuço e disso dado conta à Sra. AE para refazer a conta final, e conforme propuseram na sua carta entregue, de imediato providenciado pelo desmantelamento e remoção do equipamento de restauração e demais benfeitorias para as entregar no prazo de 15 dias, ou seja, até 28.12.2019.
26. Se os Apelados quisessem mesmo pagar, não necessitavam dos Apelantes para isso, pois, naturalmente, já o teriam feito na semana anterior à Sra. AE da execução n.º17430/18.4T8LSB, quando em 22.11.2019 pediram a conta para efetuar esse pagamento em 27.11.2019 (cfr. Documentos n.º 6 e 7 da Contestação) que, depois, não fizeram e que podem fazer a todo o tempo…seja no processo, seja até para a conta indicada pelos 1.º e 2.ª Apelantes no requerimento executivo de 16.07.2018 de que os Apelados sempre dispuseram desde a citação (cfr. Documento n.º 3 da Contestação).
27. Os Apelados não entregaram os cheques no dia 13.12.2019 aos Apelantes, porque só o fariam na condição de, em simultâneo e de imediato, receberem destes as frações, conforme sempre peticionaram e consta da notificação entregue no dia 9, e o que bem sabiam ser impossível em face da antecedência de 3 dias e sendo certo que não incluíram o pagamento de juros na notificação avulsa (referindo-se apenas à quantia de capital em singelo).
28. O raciocínio ficcional da Sra Juiz “a quo”, sem qualquer sustentação fática de que os Apelados pretendiam entregar os cheques aos Apelantes, sem exigir a entrega imediata e simultânea das frações, e permitiam a dilação de 15 dias para o fazerem, é erróneo, não tem sustentação e constitui uma surpresa total, sem respaldo na matéria alegada na PI, nem na notificação avulsa, e muito menos na matéria provada e, por isso, viola os arts. 5.º, 609.o n.º 1 e 615. o als. c), d) e e) do CPC.
29. É falso e erróneo que os Apelantes se tenham recusado a receber os cheques (coisa absurda e ilógica tratando-se do seu crédito): o que os Apelados recusaram, conforme os termos da sua carta entregue na altura, foi entregar as frações que os Apelados exigiam e condicionavam para entregarem os referidos cheques, devido tanto à insuficiência do montante indicado na notificação (em singelo, sem juros, pois o 2.o cheque que levaram foi uma surpresa e não constava na notificação), como à inacreditável insuficiência da antecedência exigida para poder atempadamente desmontar e retirar os equipamentos de restauração e demais benfeitorias das fracções.
30. A sentença recorrida encontra-se viciada de omissão de pronúncia, pois não se pronunciou sobre todas as questões que devia apreciar.
31. Tal como alegado, a 3.ª R. não outorgou nem foi parte no negócio anulado, objeto da ação declarativa no processo n.º 2009/13.5 TVLSB, onde apenas foi Autora pois peticionava o pagamento de uma indemnização pelas despesas em que incorreu com a instalação e funcionamento do estabelecimento comercial explorado nas fracções cujo negócio foi anulado.
32. A 3.ª R. não foi, nem podia ter sido, condenada a nada, pois não foi parte no negócio anulado, não era Ré, nem houve qualquer reconvenção onde tal fosse pedido pela contraparte, nem pôde, portanto, defender-se ou contraditar.
33. Tal como consta da fundamentação da sentença daquele processo n.º 2009/13.5TVLSB (Documento n.º 1 da Contestação):
- “No caso em apreço os vendedores sabiam que o interesse dos AA na referida fracção era apenas a exploração da atividade de restauração, do tipo churrasqueira.
Assim sendo, concluímos pela verificação dos requisitos do erro sobre o objeto do negócio previstos nos art. 251.o e 247.o do C.C, o que conduz à anulação do contrato de compra e venda outorgado em 5/06/09 e, nos termos do art.289o do C.C, à restituição pelos RR aos 1.o e 2.o AA, compradores, do preço pago- € 335.000,00(115.000,00+220.000,00) e à restituição pelos 1.o e 2.o AA aos RR das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no impasse à Rua …, em Lisboa”-(sublinhado nosso)
34. Apesar de, no dispositivo da sentença, certamente por lapsus calami, figurar a referência genérica aos AA., deve ali ler-se apenas 1.o e 2.o AA, como referido na fundamentação, sendo certo que a 3.ª R, aqui Apelante, não foi (nem poderia ser) condenada na acção declarativa a restituir fracções que não adquiriu e objecto do negócio anulado, do qual não foi parte, nem era (ou alguma vez foi) possuidora.
35. Resulta cristalino que só os aqui 1.º e 2.ª RR. – ali AA. – se encontram obrigados à restituição das fracções, porquanto a aqui 3.ª R. não foi parte no negócio de compra e venda anulado…E tanto assim é que jamais a 3.ª R. foi interpelada pelos Apelados para entregar nada!
36. Os Apelados apenas dirigiram a comunicação de 9 de Dezembro de 2019 aos 1.o e 2.ª Apelantes, sintomático de que sabiam – ou melhor, sabem e reconhecem – que só estes e apenas estes, conforme a fundamentação da sentença, e por força da obrigação de restituir decorrente do art 289.o do CC, como consequência da anulação do contrato de compra e venda, possuíam essa obrigação, tal como resulta expresso da sentença do processo judicial acima referido (conforme alegado nos arts. 26 a 29 da Contestação), pelo que não pode, tratando-se de um manifesto lapso de escrita, e pelas regras da interpretação, considerar-se que a 3.ª R. foi condenada na acção onde só figurou como autora, o que seria uma grosseira violação do art.3.º do CPC, que postula a “Necessidade do pedido e da contradição”.
37. Se assim não fosse, então estaríamos perante uma “decisão surpresa”, totalmente ilegal, e uma contradição entre os fundamentos e a decisão, o que, como é obvio, não ocorreu, tratando-se de uma mera imprecisão que pelas regras da interpretação e do conjunto de fundamentos se verifica existir. Para além de grosseiramente inconstitucional por violação direta dos direitos e garantias de processo equitativo judicial, ínsitos nos arts 10.º da DUDH e 16, 18 e 20 da Constituição da República Portuguesa.
38. Deve entender não existir nenhuma condenação da 3.a R., aqui Apelante, para restituir as fracções objeto do contrato de compra e venda anulado, no qual, reitera-se, não foi parte contratante, pelo que é parte ilegítima na acção do ponto de vista substantivo, que implica a absolvição do pedido formulado.
39. Nessa decisão, o Tribunal reconheceu, ainda assim, a possibilidade de os aqui Réus poderem “proceder ao levantamento das benfeitorias voluptuárias desde que não ocorra detrimento das fracções.”, ao abrigo do art.1275o n.1 do C.C.
40. Por força da decisão proferida de anulação do negócio entre as partes, e apenas em consequência desta, foi determinado que os aqui 1.º e 2.º Réus, ora Apelantes, têm direito a haver dos Autores, aqui Apelados a quantia de € 362.684,85, e os Autores, aqui Apelados, têm direito à restituição por parte daqueles (apenas 1.º e 2.º Réus) das referidas fracções.
41. A 3.a Apelante não teve qualquer intervenção nem foi parte no negócio, ou no contrato de compra e venda anulado (vide art. 25.o da contestação), pelo que nunca poderia ser objeto de nenhuma condenação ao abrigo do art.289o do C.C, tal como, aliás, foi considerado na fundamentação da sentença, que atribui essa obrigação apenas por consequência do art. 289.º do CC aos 1.o e 2.a AA (aqui 1.º e 2.ª RR.).
42. As regras da interpretação dos negócios jurídicos são aplicáveis à interpretação das sentenças enquanto actos jurídicos: daí que uma sentença judicial (por via do estatuído no citado artº 295º) deve ser interpretada à luz do artº 236º, ambos do Código Civil.
43. É, assim, claro que a Sra. Juiz (do Processo n.º 2009/13.5TVLSB) considerou que apenas por consequência da declaração de anulação do negócio, se trata apenas nos termos do art. 289 CC, aplicável aos 1.o e 2.o AA., tal como expressamente referiu na fundamentação, a que acresce que a 3. a Apelante não é nem foi parte no negócio jurídico anulado, nada tem a ver com as frações objeto do mesmo, e sobretudo, nem foi demandada autonomamente na ação, pelo que não teve oportunidade de se defender, e que inexiste reconvenção e portanto nem foi chamada a contraditar nem interveio na qualidade de R, pelo que seria impossível ser condenada por algo em que não participou processualmente ( art 3.o CPC), pelo que a condenação a restituir não lhe é aplicável.
44. Pelas regras de interpretação dos negócios jurídicos aplicados à sentença proferida, só se pode entender e concluir, e os Apelantes sempre assim entenderam, que a condenação derivada da aplicação do art. 289.o era apenas e tão só aplicável aos 1. o e 2.a AA da ação, sendo, para completo rigor, imputável a um mero lapso de escrita evidente, atentando aos fundamentos invocados na própria sentença para essa condenação [em rigor, não existe nenhuma condenação da 3.a Apelante na ação declarativa, pois, no dispositivo da sentença onde se lê “AA” deve ler-se “1º e 2º AA”, conforme expressamente fundamentado, sendo essa, face à fundamentação expressa na mesma, a única interpretação possível e harmonizável com a mesma (e, já agora, conforme ao Direito!)].
45. Não tendo essa excepção de ilegitimidade invocada na contestação sido apreciada nos seus fundamentos pela Sra. Juiz “ a quo”, a sentença enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, devendo a 3.a R ser considerada parte ilegítima e absolvida do pedido, ou, pelo menos, de erro de julgamento devendo ser corrigida a decisão e a 3.a Apelante sociedade, absolvida do pedido.
46. O Tribunal recorrido não se pronunciou, igualmente, sobre a ineficácia da comunicação (notificação avulsa) de 09.12.2019.
47. Tal como resulta da mera leitura da notificação avulsa, os Autores não ofereceram o cumprimento integral da prestação (obrigação de pagamento existente), mas apenas o valor da condenação em singelo, sem, portanto, os juros de mora devidos e sanção pecuniária compulsória aplicável e demais custas da execução pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 2 com o n.º 17430/18.4T8LSB – pendente desde 16.07.2018, conforme resulta do Documento n.º 3 da Contestação.
48. Na comunicação de 09.12.2019, que antecedeu a diligência de 13.12.2019, os AA. apenas referiram que iriam deslocar-se no dia 13 de dezembro de 2019 às frações “no sentido de proceder ao pagamento, através de cheque bancário, da quantia em que fui condenado, recebendo em troca (…) as fracções” – cfr. Documento n.º 7 da PI de fls. 52 verso e facto provado 10.
49. A mera leitura dessa comunicação revela, por um lado, a referência a apenas um cheque e, por outro, a evidente intenção de pagar apenas a quantia referida na condenação, ou seja, em singelo, de onde resulta que os AA., na comunicação em causa, ofereceram apenas uma parte da prestação, na medida em que, nessa data, já estava pendente a acção executiva.
50. A comunicação em causa foi claramente remetida com uma (propositada) antecedência insuficiente: tal como alegado, e os próprios Apelados sabiam e alegaram na oposição à execução n.º 17430/18.4T8LSB, e veio a ser reconhecido na decisão recorrida, a antecedência de 3 dias não é razoável e afigura-se manifestamente insuficiente para o efeito requerido de entrega das fracções onde se encontrava instalado um restaurante em funcionamento, com a necessária retirada dos equipamentos, funcionários e levantamento das benfeitorias efetuadas (arts. 44 a 53 contestação).
51. A sentença recorrida não se pronunciou sobre a excepção de não cumprimento e direito de retenção, sendo certo que, na sua defesa, os RR. alegaram que (i) os Autores se encontram em mora, aplicando-se a excepção do não cumprimento, e, além disso (ii) assiste aos 1.o e 2.a Apelantes, ao abrigo dos arts. 754.º e 759.º do CCivil, o direito de retenção sobre as frações objeto da ação.
52. Considerando que os Apelados se constituíram em mora desde 30 de Maio de 2018 na sequência da comunicação de 20 de Abril de 2018, os Apelantes gozam de tais prerrogativas enquanto os Apelados não puserem fim à mora, cumprindo integralmente a prestação que se encontra a ser exigida no âmbito do processo n.º17430/18.4T8LSB, ou seja, procedendo ao pagamento integral da quantia em dívida, incluindo juros e sanção pecuniária compulsória devida em partes iguais aos Apelantes e ao Estado, bem como as custas e despesas da execução (tal como alegado nos arts. 74 a 77 e 90 e 91 da Contestação).
53. A decisão recorrida não se pronunciou ainda sobre o abuso de direito, ao abrigo do art. 334.º do C.Civil, invocado na contestação.
54. Isto porque (i) os Apelados quando notificados por carta reg C/AR pelos 1.o e 2.a Apelantes em 20.04.2018 para indicarem data até ao dia 30.5.2018 (ou seja, com 40 dias de antecedência) para cumprimento das obrigações recíprocas resultantes da decisão proferida no processo n.º 2009/13.5TVLSB (pagamento e entrega das frações), não o fizeram, constituindo-se em mora, (ii) no Processo n.º 17430/18.4T8LSB, os Apelados deduziram embargos mediante oposição à execução em 10.10.2018 e alegaram que “não indicaram dia e hora para a entrega das lojas porquanto (…) Desfazer um restaurante, tirar da frações todos os equipamentos, retirar a publicidade do exterior do edifício e repor as frações no estado inicial, em particular, reconstruir a parede divisória entre as frações, levaria muito mais tempo do que as datas sugeridas pelos exequentes”, (iii) em 22.11.2019, ou seja, apenas 17 dias antes da notificação avulsa que os Apelados remeteram aos 1.º e 2.ª Apelantes em 09.12.2019 para entrega das frações apenas 3 dias depois (13.12.2019!!!), declararam pretender pagar a dívida e demais acréscimos à Sra. AE da execução, a quem solicitaram a elaboração da conta final à data de 27.11.2019, “a fim de efetuarem o pagamento da quantia exequenda e acrescido”, o que não fizeram.
55. A Sra. AE emitiu e remeteu aos Apelados em 26.11.2019 a conta final da execução com a respetiva guia de pagamento (Documentos n.º 7 e 8 da Contestação de 08.03.2022 com a Ref. 31905467), da qual resultava claramente as instruções para que estes efetuassem o pagamento, conforme declarado e solicitado pelos próprios, e, afinal e contradizendo o que haviam declarado e apenas 12 dias depois, em 09.12.2019, os Apelados remeteram a comunicação que fundamenta a presente ação para intimar os Apelantes a entregar as frações em 3 dias…
56. As alegações e comportamentos contraditórios dos Apelados constituem um claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, que os Apelantes expressamente invocaram na sua contestação e que, como se constata, foi olimpicamente ignorado pela Sra. Juiz a quo, tanto na matéria provada, como visto, como na apreciação do Direito aplicável na sentença recorrida.
57. Compulsada a sentença apelada, verifica-se que a mesma, reduzindo ilegal e erroneamente a matéria de facto controvertida contra o determinado no douto acórdão dessa Relação de 25.06.2024 com a Ref. 21713201, ignorou por completo a contestação dos RR., seja na matéria de excepção aduzida e seus fundamentos, bem como quanto aos factos invocados nela impugnados e sem considerar outros alegados e quanto ao Direito aplicável.
58. Tratando-se de flagrante omissão de pronúncia, porquanto as questões colocadas na contestação acima elencadas deveriam ter sido apreciadas e não tiveram qualquer tratamento ou apreciação na resposta a matéria de facto e na decisão de mérito, a sentença é nula por aplicação dos arts 608.º, n.º 1 e 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
59. A decisão padece de vícios evidentes quanto ao julgamento da matéria de facto em face dos elementos constantes dos autos.
60. Impõe-se a correcção do lapso de que o facto provado 5. padece: pelos motivos acima já indicados e recorrendo às regras interpretativas, onde se lê “condenar os, aqui, RR. a restituírem as referidas frações ao, aqui, 1.º A. e à sua esposa L…” deverá ler-se “condenar os, aqui, 1.º e 2.ª RR. a restituírem as referidas frações ao, aqui, 1.º A. e à sua esposa L…”.
61. O facto provado 7. deve ser corrigido na medida em que a 3.ª R. jamais intentou qualquer acção executiva: “7. Como decorrência da dita sentença, ambas as partes (AA de um lado, 1.º e 2.º RR do outro) intentaram ações executivas, uma para entrega de coisa certa e outra para pagamento do valor determinado na sentença;
62. Também o facto provado 9. carece de uma clarificação, devendo dele constar a data de 16.07.2018 – vide Documento n.º 3 da Contestação –, ou seja: “9. Por seu turno os aqui 1 e 2 RR intentaram em 16.07.2018 a ação executiva nº 17430/18.4T8LSB que correu termos no J6 do Tribunal de execução de Lisboa tal como consta de fls. 111 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Nesses autos foram deduzidos embargos de executados pelos aqui AA cuja decisão ainda não transitou em julgado;”
63. O facto provado 11. padece de falta de rigor: se é verdade que nos termos da conta da Sra. AE de 26.11.2019 emitida a pedido dos Autores, os 1.º e 2.ª RR. tinham a haver € 401.239,68, não é menos verdade que a comunicação referia igualmente os honorários e despesas da AE e juros devidos ao Estado), ascendendo a responsabilidade total dos Autores a € 434.166,55 e, fruto das penhoras, estando em falta € 427.808,04 – vide Documento n.º 9 da Contestação.
64. Tendo por base os elementos constantes do processo e a prova testemunhal – tal como abaixo transcrito –, deveria o facto provado 11. ter a seguinte redacção: “11. No dia 13/12/2019 as partes as partes compareceram nas frações suprarreferidas e, na ausência de entrega dos cheques e das fracções, foi entregue pelos réus aos autores a carta de fls. 144 vrs e 145, a que estes não responderam, referindo o seguinte: (transcrição da comunicação)
65. Tendo por base os elementos constantes do processo, também o facto provado 14. deveria ter uma redacção distinta: “14. No dia 20/04/2018 os 1° e 2RR enviaram à 1.a autora e à herança a carta de fls. 107 e 108 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, com vista ao cumprimento simultâneo das prestações recíprocas (obrigação de pagamento e de restituição das fracções), em dia a escolher entre os dias 21 e 31 de Maio de 2018, a qual foi por este recebido a 20/04/2018;” - conforme Documento n.º 2 da Contestação.
66. Os factos provados 16. e 17. foram indevidamente considerados provados nos termos que constam da decisão.
67. Quanto ao facto provado 16., os Autores não alegaram tal facto, mas sim que “deslocaram-se às fracções (…) no sentido de receberem as mesmas dos RR. contra a entrega de um cheque bancário emitido pelo Banco BPI no valor de € 362.684,85” – cfr. artigo 18.º da PI e tal como indicaram na notificação avulsa de 09.12.2019.
68. O 2.º cheque a que se faz referência não só não era conhecido dos 1.º e 2.ª RR. até ao momento em que compareceram no local, como, na verdade, os Autores não estavam na disposição de o entregar sem impor condições, sendo os Autores quem indica que “à cautela, de um outro cheque bancário emitido pelo BPI no valor de € 45.787,73 (…) – que representam os “alegados” juros pedidos pelos 1.º e 2.ª RR. (…), juros esses que o 1.º A. entende, contudo, não serem devidos, mas que, na data, estava disponível para pagar caso as fracções lhe tivesses sido entregues” – artigo 24.º da PI.
69. O 2.º cheque era apenas à cautela e, tal como resultou da prova gravada, pressupunha não só a entrega das fracções no imediato, como continuar a sindicar e discutir os juros judicialmente na oposição por embargos atrás referida, entretanto já julgada improcedente – cfr. Documento n.º 2 do Requerimento de 14.12.2023.
70. Considerando que a antecedência da comunicação de 09.12.2019 para a diligência de 13.12.2019 não permitia aos RR. retirar os equipamentos e benfeitorias do estabelecimento e, por isso, entregar no imediato, nesse mesmo dia, as fracções – tal como a decisão acaba por reconhecer ser legítimo e os próprios Autores também quando alegaram que nem 30 dias seriam suficientes –, os Autores, perante tal impossibilidade de receberem as fracções naquele momento, recusaram a entrega de qualquer cheque (seja do cheque do valor em singelo, seja do valor do cheque levado à cautela e jamais referido na notificação avulsa). Pensar o contrário, como faz a decisão recorrida – isto é, que os Autores estavam disponíveis para entregar os cheques e receber as fracções daí a 15 dias – é pura ficção!
71. Assim, a única factualidade que poderia constar do facto provado 16. era a seguinte e que deve ser modificada: “16. No dia 13 de dezembro de 2019 o procurador dos AA juntamente com M…e O… deslocaram-se às frações referidas no sentido de receber as mesmas por parte dos RR., contra a entrega de um cheque bancário emitido pelo BPI, no valor de € 362.684,85 e, à cautela, levou ainda outro cheque bancário emitido pelo BPI, no valor de € 45.787,73 a título de alegados juros, que não reconhecem como devidos e que admitiam entregar se as frações lhes fossem imediatamente entregues, embora declarando que os pretendiam continuar a discutir/contestar; Por seu turno, o 1.º R., juntamente com o seu Procurador, Tiago Pinheiro e Augusto Pinheiro, deslocou-se às frações referidas no sentido de receber o pagamento integral.”
72. Também a factualidade constante do ponto 17. não corresponde à verdade pois os 1.º e 2.ª RR. propuseram devolver as lojas no prazo de 15 dias, o que não mereceu resposta dos AA., na medida em que as pretendiam receber de imediato (frações que foram posteriormente entregues aos Apelados em 27.06.2022).
73. Embora o valor dos cheques não perfizesse a quantia total da responsabilidade dos Autores, não foram os 1.º e 2.ª RR. que não aceitaram os mesmos. Na verdade, foram os Autores quem não estava disponível para os entregar sem receber, nesse momento, as fracções.
74. A única factualidade que poderia constar do facto provado 17. era a seguinte e que deve ser modificada: “17. Os RR verificaram a existência dos cheques mas discordaram do seu valor. Após conversações, os AA. não entregaram os cheques e os 1.º e 2.ª RR. não entregaram as fracções que se encontravam equipadas, tendo sido entregue a comunicação referida em 11.”
75. Dos depoimentos prestados, resulta evidente que os Autores apenas estavam na disposição de entregar quaisquer cheques contra a imediata entrega das fracções, o que bem sabiam não ser possível atenta a antecedência da notificação.
76. As testemunhas não presenciaram qualquer conversa, e mais não podem atestar do que a não entrega dos cheques e das fracções, sendo por demais evidente que não sabem qual foi o teor da conversa havida e, por isso, não podem afirmar quem recusou o quê!
77. As testemunhas dos AA. confirmaram que ali estavam para receber de imediato as fracções contra a entrega de apenas um cheque…o que corrobora a tese dos RR…face à impossibilidade de entrega das fracções, foram os AA. quem não quis entregar o cheque (de capital), sendo certo que, quanto ao 2.º cheque (não referido na notificação avulsa e por isso inexistente até àquele momento), a sua eventual entrega (contra o recebimento das fracções) sempre seria condicional, conforme declararam na conversa havida…a que acresce ainda a questão do valor total em dívida e que os AA. haviam declarado pretender pagar na acção executiva, o que não fizeram!
78. O Tribunal a quo omitiu, por completo, que o 1.º R. prestou declarações de parte e que, além dos Advogados presentes no local, foi a pessoa que presenciou as conversas havidas em 13.12.2019. Entre outros, o 1.º R. atestou que os AA. “disseram que o cheque que levavam dos juros era para continuar com uma acção nos quais iriam contestar esses juros…ou seja, não era adquirido para eles que aqueles juros que estavam a pagar estavam a aceitar essa decisão…para além desse valor não ser correcto, o valor que traziam dos juros não ser o correcto…eles tinham consultado a conta na agente de execução 2 semanas antes disto que recebi para nos encontrarmos na churrasqueira…eles sabiam precisamente o valor que estava em causa…”
79. Os factos provados 13. e 18. não deveriam ter resultado provados: o primeiro porque os AA. não cumpriram com o ónus que sobre si impendia e se trata de matéria conclusiva; o segundo pois existiu uma contradição insanável e o critério utilizado pelo Tribunal não respeitou as regras impostas pelo ónus da prova, sendo que os AA. não lograram fazer prova da alegação constante da causa de pedir, como lhes competia.
80. Na sentença proferida a Sra Juiz “a quo” desprezou por completo, praticamente todos os factos alegados na Contestação dos Apelantes, bem como inúmeros factos relevantes que resultam do processo e que contrariam, se devidamente sopesados, as conclusões de Direito errôneas e sem consistência que exprimiu na 2a sentença, ora sob recurso de Apelação.
81. Dos elementos constantes dos autos – alegações, prova documental e testemunhal –, resulta que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos (que revestem evidente importância e relevância no julgamento da causa, devendo, por isso, ser considerados provados na matéria assente):
A. A 3.ª R. não foi parte no contrato de compra e venda referido em 3. - tal como resulta do art. 25 da Contestação e da sentença proferida no processo declarativo 2009/13.5TVLSB.
B. Na sentença proferida na acção judicial referida em 4., pode ler-se que:
“Assim sendo, concluímos pela verificação dos requisitos do erro sobre o objeto do negócio previstos nos art. 251.o e 247.o do C.C, o que conduz à anulação do contrato de compra e venda outorgado em 5/06/09 e, nos termos do art.289o do C.C, à restituição pelos RR aos 1.o e 2.o AA, compradores, do preço pago- € 335.000,00(115.000,00+220.000,00) e à restituição pelos 1.o e 2.o AA aos RR das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no impasse à Rua … N1 e 1A, em Lisboa.”
e
“Quando muito poderão os AA, nos termos dos art. 216º nº 3 e 1275º nº 1 do C.C., proceder ao levantamento das benfeitorias voluptuárias desde que não ocorra detrimento das fracções.” - conforme arts. 90 e 91 da Contestação e sentença proferida no processo declarativo 2009/13.5TVLSB.
C. A carta referida em 14. não obteve qualquer resposta da parte dos Autores, ou seja, não marcaram data para pagarem a quantia objecto da condenação e, em simultâneo, receberem as fracções, tudo conforme estipulado na sentença. - conforme arts. 41 e 52 da Contestação e tal como confessado pelos AA. nos embargos à execução deduzidos no Processo n.º 17430/18.4T8LSB que constituem o Documento n.º 2 do Requerimento de 14.12.2023 com a Ref. 37889025 – vide arts 7.o e 9.o.
D. Nos embargos de executados deduzidos pelos AA. em 10.10.2018, estes alegaram que, na sequência da carta referida em 14., "Não indicaram dia e hora para a entrega das lojas, porquanto:
a) Os exequentes mantinham e mantêm, nas frações que já deveriam ter entregue, a exploração do restaurantes/churrascaria, que desde a aquisição das frações exploram no local, sob a firma F… Unipessoal, Lda;
b) Desfazer um restaurante, tirar da frações todos os equipamentos, retirar a publicidade do exterior do edifício e repor as frações no estado inicial, em particular, reconstruir a parede divisória entre as frações, levaria muito mais tempo do que as datas sugeridas pelos exequentes.” – cfr. Documento n.º 2 junto com o Requerimento de 14.12.2023 com a Ref. 37889025 e o alegado nos artigos 61.º e 62.º da Contestação.
E. Em 22.11.2019, os Autores requereram à Sra. AE do Processo n.º17430/18.4T8LSB “a elaboração da conta final da execução, à data de 27.11.2019, a fim de efectuarem o pagamento da quantia exequenda e acrescido.” - conforme o Documento n.º 6 da Contestação e arts. 55 e 56 da Contestação.
F. Em 26.11.2019, os Autores foram notificados da conta da Sra. AE do Processo n.º 17430/18.4T8LSB, sendo que a responsabilidade total dos Autores ascendia a € 434.166,55, estando em falta € 427.808,04 e sendo devido directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 401.239,68. – cfr. Documento n.º 7 da Contestação e art. 66 da Contestação.
G. Os Autores não efectuaram o pagamento da quantia exequenda e acrescido no Processo n.º 17430/18.4T8LSB. – cfr. Documento n.º 7 da Contestação e art. 66 da Contestação.
H. Em 13.12.2019, nos termos da conta da Sra. AE nomeada no Processo n.º 17430/18.4T8LSB, a responsabilidade total dos Autores ascendia a € 435.506,56, estando em falta € 428.399,99 e sendo devido directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 402.207,46. - conforme o Documento n.º 8 da Contestação.
I. Em 27.06.2022, os 1.º e 2.ª RR. procederam à entrega das chaves das fracções no Tribunal no âmbito do Processo n.º 4093/19.9T8LSB; em 29.06.2022, o Sr. Sr. Agente de Execução determinou a extinção da obrigação/execução pela entrega do bem; em 13.07.2022, os Autores declararam que “não consideram que os imóveis lhes tenham sido entregues”. - conforme os Documentos n.º 2, 3 e 4 juntos com o Requerimento de 26.01.2023 com a Ref. 34866684 – fls. 164 e seguintes, sendo certo que se trata de facto jurídico superveniente atendível nos termos do artigo 611.º do CPC.
82. Perante a factualidade provada e de acordo com as regras da experiência comum, resulta evidente que (i) jamais os Autores quiseram pagar a quantia total que se encontra a ser peticionada no processo executivo; (ii) ao contrário do que a sentença dá a entender, os Autores nunca estiveram na disponibilidade de entregar os cheques e receber as fracções 15 dias após 13.12.2019 – facto que não está alegado e seria, no limite, constitutivo do direito dos Autores; (iii) Tal como resulta da notificação avulsa e da PI, os Autores pretendiam apenas pagar se recebessem em troca, no local e de imediato, as fracções, recusando a entrega dos cheques perante a impossibilidade de entrega das fracções – tanto assim é que, nos artigos 17.º e 18.º da PI, os Autores alegam que notificaram RR. para “procederem à entrega das fracções” e “deslocaram-se no sentido de receberem as mesmas…contra a entrega de um cheque bancário emitido pelo Banco BPI no valor de € 362.684,85”; e (iv) o tal 2.º cheque de € 45.787,73 que os Autores levaram à cautela – e que nunca foi referido na notificação avulsa, que apenas referia o pagamento em singelo da quantia a que foram condenados – não só foi uma supresa, como, além disso, os Autores apenas estavam na disponibilidade de entregar sob condição, isto é, com o intuito de os sindicar e continuar a discutir no processo executivo.
83. Os Autores jamais quiseram pagar na íntegra a quantia devida e, assim, cumprir integralmente a prestação a que se encontra adstritos por decisão judicial transitada em julgado e tanto assim é que, relativamente aos juros de mora, confirmam que não os reconhecem como devidos…(cfr art. 24 da PI).
84. A 3.a Apelante sociedade F… Unipessoal Lda , não foi condenada na restituição das frações, na ação declarativa que serve de fundamento à presente ação, bastando para tal interpretar a sentença na sua globalidade e atentar na fundamentação, resultando que a condenação assenta em exclusivo na aplicação do art 259.o do Ccivil.
85. A referência genérica de condenação dos ali “AA” no dispositivo, em consequência da anulação do contrato de compra e venda celebrado, sem ter estabelecido a diferença que fez na fundamentação e que é a única legal e logicamente possível, indica que se tratou de um lapso, e que nunca esteve na sua mente contradizer a própria fundamentação e condenar quem não foi parte no contrato anulado e nunca foi demandado no processo, contra a qual não existia nem pedido nem causa de pedir, o que seria uma violação do art.3o do CPC, para além da nulidade da sentença em que incorreria por contradição entre os fundamentos e a decisão.
86. O Tribunal a quo deveria ter absolvido a 3.ª Apelante do pedido, pois sobre a mesma não impende qualquer condenação na entrega das fracções.
87. Os Apelantes são simultaneamente credores e devedores dos Apelados e estes constituíram-se em mora a partir de 31.05.2018, o que levou os 1.º e 2.ª Apelantes a intentar, em 16.07.2018, acção executiva com vista ao pagamento de quantia certa liquidada em € 364.498,25, correspondente a € 362.684,85 + juros de mora vencidos e vincendos desde 31.05.2018 até efectivo e integral pagamento + sanção pecuniária compulsória à taxa de 5% ao ano, nos termos do art. 829.º-A, n.º 4, do C.Civil desde a data de 17.10.2017, correspondente ao trânsito em julgado do Acórdão e até efectivo e integral pagamento.
88. Considerando que os Apelados se constituíram em mora (enquanto devedores do pagamento e credores da restituição das fracções, na medida em que se aplicam as normas da excepção de não cumprimento), verifica-se que a obrigação de que são credores é inexigível até que ponham termo à mora, ou seja, até que cumpram integralmente a obrigação pecuniária a que foram condenados por decisão judicial transitada em julgado.
89. Os 1.º e 2.ª Apelantes gozam da prerrogativa de não cumprir a obrigação de entrega enquanto os Apelados não cumprirem, integralmente, a obrigação de pagamento e, até que tal suceda, sendo simultaneamente credores e devedores, os 1.º e 2.ª Apelantes têm direito de retenção sobre as fracções.
90. Tal como decidido no acórdão do STJ de 09.06.2016, “O que resulta ou origina a exceptio é a possibilidade de recusa da prestação por uma das partes enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório, o de realização da prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação”, sendo que “a exceptio vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial”
91. No caso dos autos, não só os Autores não cumpriram (nem queriam cumprir) integralmente a prestação a que estão adstritos (obrigação de pagamento), como, por força da mora em que incorreram em Maio de 2018, os RR. podem realizar a sua prestação (obrigação de entrega das fracções) em momento ulterior ao recebimento da contraprestação (isto é, do valor que é devido no âmbito do processo executivo n.º 17430/18.4T8LSB).
92. Estando os Apelados em mora dede 30 de Maio de 2018, os Apelantes gozam da excepção de não cumprimento e direito de retenção, e portanto não são obrigados a entregar as frações, sendo esse o pedido deduzido, enquanto os Apelados não fizerem cessar a mora, ou seja, pagando integralmente a quantia em que foram condenados (i.e., quantia exequenda e os juros de mora, a sanção pecuniária compulsória e demais acréscimos, constantes da execução n.º 17430/18.4T8LSB).
93. A obrigação de entrega das frações é inexigível – tal como foi já decidido noutro processo –, sendo certo que a entrega consubstancia a causa de pedir, até que a obrigação de pagamento esteja integralmente satisfeita.
94. A não restituição das fracções até 27.06.2022 – data em que foram entregues – deveu-se, única e exclusivamente, a causa imputável aos próprios Autores – cfr. artigo 611.º do CPC –, não havendo a violação de qualquer direito dos Apelados.
95. A obrigação resultante da sentença não tem prazo certo, sendo necessária a interpelação, o que os Apelantes fizeram pela sua carta de 20.04.2018, com a proposta de prazo entre 30 e 40 dias de antecedência para a data de entrega simultânea das prestações, a que os Apelados não responderam nem indicaram nenhuma data.
96. Mesmo relevando o facto que já se encontravam em mora pelo incumprimento da sua obrigação, é de um absurdo intolerável, os Apelados terem contrariado o seu próprio entendimento anterior e enviarem uma notificação com 3 dias de antecedência da data que queriam para entregar a quantia em que foram condenados contra a entrega das frações pelos Apelantes, não tendo tido o mesmo cuidado de propor um prazo razoável e chegar a acordo sobre o mesmo para o cumprimento mútuo das prestações recíprocas.
97. Não existe, nem poderia existir qualquer incumprimento por parte dos Apelantes, pois os Apelados face à natureza da prestação de entrega de uma fração constituída por um restaurante e das operações prévias necessárias, quer pelas circunstâncias que a determinaram quer por força dos usos neste tipo de casos e sempre considerando a imprescindível boa-fé, ainda assim não quiseram fazer acordo com os Apelantes para fixar uma data adequada, tendo optado por uma notificação/intimidação com apenas 3 dias de antecedência da data por eles unilateralmente fixada.
98. A não entrega das frações pelos Apelantes, por manifesta impossibilidade e inadequação do prazo, não conduz à mora, nem a nenhum estado de incumprimento, e, nos termos do art. 777 n.2 do CC, só permitiria aos Apelados requerer a fixação judicial do prazo.
99. A ação não pode proceder, uma vez que não existiu qualquer incumprimento por parte dos Apelantes, v.g o alegado pelos Apelados que lhe sirva de fundamento, tendo a recusa de entrega das frações no dia 13 de Dezembro de 2019 sido considerada como lícita na sentença, ora apelada.
100. Seja na modalidade de responsabilidade civil, seja de enriquecimento sem causa, não estão verificados os pressupostos legalmente previstos, porquanto, perante os factos, a não entrega das fracções não constitui facto ilícito e existe uma causa para a detenção das fracções.
101. In casu, verifica-se a inaplicabilidade da figura do enriquecimento sem causa, fundamento jurídico da condenação: a obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art. 473.º do C.Civil, pressupõe a verificação cumulativa dos quatro requisitos, sendo certo que (i) a detenção da fracções pelos Apelantes é justificada e tem causa clara: adquiriram a propriedade e possuem a mesma, até à sentença sua própria ação declarativa lhes ter dado razão de que foram enganados na finalidade de uso das mesmas, e tem a legitima expectativa de receber o seu crédito fruto da condenação dos Apelados nesse facto e que ainda não receberam, (ii) os Apelados têm outros meios de fazer valer o seu alegado direito, v,g na ação executiva da sentença.
102. Nos autos não resultou provado – nem quer alegado – que os Apelados tenham sofrido um dano real e efectivo, isto é, jamais os Apelados alegaram e provaram a existência de um dano concreto, real e efectivo, e, por isso, susceptível de tutela indemnizatória.
103. O fundamento do peticionado pelos AA na petição inicial, e apesar de estarem em mora quanto à sua obrigação, é a falta de restituição das frações pelos Apelados no dia 13 de Dezembro de 2019, contra o pagamento da quantia em que foram condenados na ação declarativa, em simultâneo.
104. Os AA nunca admitiram outra coisa senão a entrega simultânea e imediata das frações, contra a entrega dos 2 cheques, sendo que o 2.o cheque que alegadamente levaram, à cautela, no dia 13.12.2019 a titulo de juros, foi uma surpresa para os 1.o e 2.a Apelantes, uma vez que não estava previsto, pois na notificação avulsa efetuada referia apenas a quantia da condenação em singelo… ou seja sem quaisquer juros que lhe eram devidos, seja os de mora(4%) ou da sanção pecuniária compulsória ( 2,5%).
105. Não corresponde assim à realidade o afirmado pela Sra Juiz “ a quo”, na motivação da sentença de que: “É de notar porém que a carta foi logo entregue na data acordada aos AA., no dia 13 de dezembro de 2019. Os RR não sabiam sequer o valor que os AA iam pagar mas recusaram logo o recebimento com a carta que lhes entregaram.”, mas é a própria Juiz “a quo” que invalida por completo a notificação avulsa, afirmando que não se sabia o valor que os Apelados iam pagar...o que, naturalmente, a torna de todo e por completo ineficaz, por falta de elemento essencial da interpelação.
106. Os AA, aqui Apelados, na notificação informam que pretendem pagar unicamente a quantia, “em que foram condenados”, em singelo portanto, sem quaisquer juros, ou seja, € 362.684,85...contra a entrega imediata das frações - é o que resulta claro dos arts 17.o, 18º, 24.o, 26.o, 30.o, 33.oe 34.oda PI e do teor da notificação avulsa e que se encontra ínsito na sentença nos factos assentes 10 e 16.
107. Nunca existiu a disponibilidade dos Apelados de entregar os cheques sem receber de imediato as frações, donde não se sabe em que facto provado se baseia a Sra Juiz “a quo” para afirmar que os Apelados pretendiam entregar os 2 cheques sem receber as frações em troca e que os Apelantes se recusaram a receber os cheques nessas circunstâncias, até porque tal jamais teria sucedido.
108. Assumir que os Apelados entregariam os cheques sem condicionar essa entrega ao recebimento simultâneo e de imediato as frações, no dia 13 de Dezembro de 2019, não tem nenhuma correspondência nem com os factos alegados, nem com os factos provados, pois nunca existiu.
109. Os Apelantes nunca recusaram o recebimento dos cheques mas sim a entrega das frações contra o recebimento daqueles, o que é substancialmente diferente e como visto, foi entendido ser lícita essa recusa de entrega.
110. A sentença, ao condenar os Apelantes a pagar uma indemnização, a título de enriquecimento sem causa, quando considerou lícito que os mesmos não entregassem as frações aos Apelados naquele dia 13 de Dezembro, não tem correspondência alguma nem com a causa de pedir, nem com o objeto da ação nem com a matéria assente.
111. Com a notificação avulsa de 09.12.2019 para a diligência de 13.12.2019, na qual declararam pretender pagar apenas a quantia devida em singelo, os Apelados agiram em claro e manifesto abuso de direito - na modalidade de “venire contra factum proprium” -, contrariando (i) a alegação de que uma antecedência de 40 dias era insuficiente para receberem as fracções, (ii) o pedido de 22.11.2019 e notificação da conta final de 26.11.2019 para, como declararam, procederem ao pagamento integral da sua dívida  (quantia exequenda e acrescido) diretamente nos autos de execução do processo 17430/18.4T8LSB.
112. A actuação em claro abuso de direito por parte dos Apelados sempre determinaria a supressão do seu direito e a improcedência da presente ação, com a consequente absolvição do pedido.
113. Dos factos expostos é forçoso concluir pela caracterização da má-fé processual e substantiva com que os Apelados litigam na presente lide, omitindo e ocultando factos essenciais, contradizendo o seu comportamento anterior, desistindo de proceder ao pagamento da sua dívida no processo executivo para encenar uma situação impossível em que pudessem alegar que quiseram pagar aos Apelantes sem realmente o fazer por recusa daqueles e litigaram bem sabendo da falta de razão da sua pretensão.
114. O Tribunal a quo incorreu numa clara deficiente e errónea percepção e interpretação, quer dos factos, quer do Direito aplicável, constituindo a sentença recorrida uma verdadeira e flagrante aberratio do ponto de vista da Justiça e que o Direito não pode tolerar.
115. Devendo a sentença recorrida ser revogada in totum e substituída por outra que, conhecendo do mérito da causa, absolva os RR. do pedido.
116. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, conhecendo do mérito da causa, absolva os Apelantes dos pedidos formulados.
117. A decisão recorrida violou as normas estatuídas no artigo 10.º da DUDH, artigos 16.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 289.º, 290.º, 334.º, 428.º, 473.º, 483.º, 754.º, 763.º, 777.º, 804.º, 813.º, 814.º, 829.º-A, 1275.º do Código Civil, artigos 3.º, 5.º, 542.º, 543.º, 591.º, 608.º, 609.º, 611.º e 615.º do CPC., artigos 22.º e 42.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ) e artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85 de 30 de Julho.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, requer-se a V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, considerar nula e/ou anular a sentença e/ou revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, conhecendo do mérito da causa, absolva os Apelantes dos pedidos formulados. Assim decidindo farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!».
Os AA. contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.
           
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões [de facto e de direito] formuladas pelos recorrentes nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7.ª ed., págs. 134 a 142].
Nessa conformidade, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- a nulidade da sentença;
- o mérito da sentença, quanto à procedência parcial do pedido.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provado:
« 1. O 1º A. exerce a sua atividade comercial, em nome individual, como industrial da construção civil, tendo por atividade a compra e venda e arrendamento de bens imobiliários e construção de edifícios residenciais e não residenciais;
2. De igual forma, a herança indivisa de L… exerce, igualmente, a sua atividade comercial relativa à indústria da construção civil, tendo por atividade a compra e venda e arrendamento de bens imobiliários e construção de edifícios residenciais e não residenciais;
3. No exercício da sua atividade comercial como industrial da construção civil, o 1.º A., no dia 5 de junho de 2009, vendeu aos 1.º e 2.º RR. as frações designadas pelas letras “D” e “E” – representativas, respetivamente, do comércio e serviços C e D - sitas no lote 11, no arruamento à Avenida … (Rua …) n.º 8, 8-A a 8E e Impasse à Rua …, n.º 1, 1ª e 1B, em Benfica, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, da freguesia de Benfica, respetivamente pelo preço de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) e de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), tudo num total de € 335.000,00 (trezentos e trinta e cinco mil euros);
4. Os RR., no ano de 2009, propuseram contra o 1.º A. e a sua esposa L… uma ação judicial, que correu os seus termos no Proc. n.º 2009/13.5TVLSB, junto do Juiz 19 – 1.º Secção Cível – Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, na qual pediram o seguinte:
a) a declaração de anulação do contrato de compra e venda das frações acima referidas;
b) a condenação do, aqui, 1.º A. e da sua esposa L… a restituírem aos 1.º e 2.º RR. o preço pago e demais despesas no montante de € 362.684,85 (trezentos e sessenta e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos)
c) A condenação do, aqui, 1.º A. e da sua esposa L… a indemnizarem a sociedade F…, UNIPESSOAL, Lda pelas despesas em que esta sociedade incorreu com a instalação e funcionamento do estabelecimento no montante de € 202.047,10
5. Ação judicial essa que veio a ser julgada parcialmente procedente, tendo o Tribunal decidido:
a) declarar a anulação do contrato de compra e venda outorgado no dia 05-06-2009, referente à compra e venda das frações acima referidas;
b) condenar os, aqui, RR. a restituírem as referidas frações ao, aqui, 1.º A. e à sua esposa L….
c) condenar o, aqui, 1.º A. e a sua esposa L… a restituírem aos, aqui, 1.º e 2.º RR, os preços pagos pelas frações adquiridas, no valor de € 115.000,00 e € 220.000,00;
d) condenar o, aqui 1.ª A. e a sua esposa L…, a restituírem aos aqui 1.º e 2º R, o valor pago com as despesas de escritura, IMT, Imposto de Selo, contrato de financiamento e despesas da CML no valor total de € 27.684,85.
6. Decisão essa que transitou em julgado no ano de 2017,
7. Como decorrência da dita sentença, ambas as partes (AA de um lado, RR do outro) intentaram ações executivas, uma para entrega de coisa certa e outra para pagamento do valor determinado na sentença;
8. Na execução para entrega de coisa certa que correu termos no J4 do juízo de execução de Lisboa sob o nº 4093/19.9T8LSB-A.L1 foi decidido, por acórdão transitado em julgado, que os embargos de executado deduzidos pelos aqui RR foram julgados procedentes na medida em que “se julgam procedentes o fundamento previsto no art. 729º al. e) do CPC, por se verificar que a obrigação exequenda era inexigível e que esse vicio não foi suprido na fase introdutória da execução, determinando em consequência a extinção desta execução”, em termos e condições que constam de fls. 172v a 187 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Por seu turno os aqui 1 e 2 RR intentaram a ação executiva nº 17430/18.4T8LSB que correu termos no J6 do Tribunal de execução de Lisboa tal como consta de fls. 111 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Nesses autos foram deduzidos embargos de executados pelos aqui AA cuja decisão ainda não transitou em julgado;
10. No dia 9/12/2019, por notificação avulsa feita por agente de execução os 1º e 2 RR foram notificados que o falecido A. J… iria deslocar-se no dia 13 de dezembro de 2019 às frações no sentido de proceder ao pagamento, através de cheque bancário, da quantia em que foi condenado, e de receber em troca as frações, conforme teor de fls. 52 verso, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11. No dia 13/12/2019 as partes as partes compareceram nas frações suprarreferidas e foi entregue pelos réus aos autores a carta de fls. 144 vrs e 145, referindo que era lhes devido a quantia de €401.239,68 à data de 27/11/2019 decorrente do processo executivo, e que careciam de 15 dias para proceder ao levantamento das benfeitorias ou que os AA pagassem €100.000 a esse título, sendo que o lapso de tempo concedido não era suficiente para proceder a esse levantamento, tudo em termos e condições que constam da referida carta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Os RR não pagam qualquer valor aos AA pela ocupação/posse das frações;
13. Os RR ocupam as frações em causa com oposição dos AA e sem a sua autorização, o que levou a intentar as ações judiciais supra referidas que tiveram o desfecho já mencionado,
14. No dia 20/04/2018 os 1° e 2RR enviaram à 1.a autora e à herança a carta de fls. 107 e 108 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, a qual foi por este recebido a 20/04/2018;
15. Os autores não pagaram até à presente data o valor determinado pelo acórdão judicial do processo 2009/13.5TVLSB na medida em que tal questão se encontra ainda a ser discutida nos autos de execução mencionados, sob o n° de processo 17430/18.4T8LSB;
16. No dia 13 de dezembro de 2019 o procurador dos AA juntamente com M… e O… deslocaram-se às frações referidas no sentido de receber as mesmas por parte dos RR., contra a entrega de dois cheques bancários emitidos pelo BPI, no valor de €362.684,85 e €45.787,73;
17. Os RR verificaram a existência dos cheques mas discordaram do seu valor e não aceitaram os mesmos, nem devolver as lojas.
18. Atenta a dimensão das lojas, a sua localização, e a sua idade, o valor locativo mensal das mesmas cifrava-se em 2019 em cerca de €1700».
A mesma decisão considerou como não provado:
«Não se provou que a 3R tem a sede social no local que consta de fls. 61v (cuja certidão não foi junta aos autos)».

Apesar de tal já ter sido referido no acórdão proferido em 25/6/2024, cujas considerações foram, nessa parte, ignoradas pelo tribunal a quo, não podemos deixar de dizer, novamente, que documentos não são factos, mas meios de prova de factos, e, portanto, não é correcta a técnica de, pura e simplesmente, dar como reproduzidos documentos, sem se indicarem - ao menos de forma resumida - os factos relevantes que se extraíram desses documentos e que, nessa medida, se consideram provados. Não se compreende, também, sendo certo que há muito que o processo é exclusivamente electrónico (cfr. art. 132.º do Código de Processo Civil) - sendo o suporte físico um mero apoio à tramitação -, que se refiram, na matéria de facto, folhas do processo físico, sem se indicarem as datas e referências CITIUS sob as quais os documentos constam do sistema informático, dificultando e, por vezes, até tornando impossível às partes e mesmo ao tribunal de recurso identificarem os documentos a que o tribunal de 1.ª instância se reporta.

MÉRITO DO RECURSO      
Das invocadas nulidades da sentença:
Pretendem os recorrentes, em primeiro lugar, que a sentença é nula, por excesso de pronúncia.
Argumentam da seguinte forma: «a falta de audiência prévia e selecção dos temas da prova (matéria controvertida) contraria o Acórdão datado de 25.06.2024, (…) em face do qual se esperava – e impunha-se – que, previamente a avançar para a fase de julgamento, fosse convocada a audiência prévia a que se refere o art. 591.º do CPC, para as finalidades aí previstas, nomeadamente a delimitação do objeto do litígio e definição dos temas da prova, onde constaria “a matéria alegada que seja controvertida e que diga respeito aos factos constitutivos do direito invocado pelos AA. ou que sejam excepcionais em relação ao mesmo”. A Sra. Juiz “a quo” não só não convocou audiência prévia, como designou de imediato data para julgamento, contrariando e reduzindo o escopo do determinado no douto acórdão, circunscrevendo a finalidade do julgamento a apreciar em exclusivo os arts 18.o e 24.o da PI, na parte impugnada, o que contraria a obrigatoriedade de incluir nos temas de prova os factos controvertidos, quer dos constitutivos do direito invocado, quer da matéria de excepção». «Esse erro e essa ilegítima e ilegal restrição “bate de frente” com a determinação expressa no douto acórdão e, assim, viola os arts. 22.º e 42.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ) e artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85 de 30 de Julho, e, assim, ficou viciada e ferida de morte a regularidade e legalidade do processo judicial, o julgamento da causa e, consequentemente, a decisão». «A falta de convocação da audiência prévia e a óbvia redução ilegal da matéria de facto controvertida para julgamento, apenas à matéria dos arts. 18 e 24 da PI, implica, para além da LOSJ e do EMJ, a violação dos arts. 591.º, n.º 1, 608.o n.º 2 e, por isso, a sentença enferma da nulidade do art. 615.º n.º 1, al. d), ambos do Código de Processo Civil».
Apreciando.
Antes de mais, há que dizer que não ocorreu qualquer violação do determinado no dispositivo do acórdão de 25/6/2024 - e, consequentemente, não foi violado o disposto  nos arts. 22.º e 42.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ) e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85 de 30 de Julho.
Com efeito, o que se determinou naquele acórdão foi que os autos prosseguissem  para a fase do julgamento (caso outra questão a tal não obstasse), incluindo-se nos temas da prova a matéria alegada que fosse controvertida e que dissesse respeito aos factos constitutivos do direito invocado pelos AA. ou excepcionais em relação ao mesmo, devendo constar desses temas a matéria resultante dos arts. 18.º e 24.º da petição inicial, na parte impugnada. Ou seja, a única matéria que se determinou que fosse obrigatoriamente incluída nos temas da prova (por ser a que tinha sido objecto do recurso interposto) foi a constante dos arts. 18.º e 24.º da petição inicial, cabendo ao tribunal a quo aferir se se tornava, ou não, necessário, neles introduzir outras matérias. E aquela obrigatoriedade de inclusão foi respeitada pelo tribunal de 1.ª instância, conforme melhor veremos infra.
Quanto à alegada omissão de realização de audiência prévia, temos que a mesma, no caso dos autos (em que se realizou audiência final, com produção de prova e de alegações), daria, quando muito, lugar a uma nulidade processual,  nos termos do art. 195.º n.º1 do Código de Processo Civil.
Ocorre que, conforme resulta da acta de 4/12/2023, já se havia, previamente à prolação do acórdão de 25/6/2024, realizado a audiência prévia - sendo certo que, nesse acto, nenhuma das partes arguiu a falta de indicação do objecto do litígio previamente à indicação dos temas da prova, pelo que se precludiu, nesse acto, a possibilidade de arguir tal omissão (cfr. art. 199.º n.º1 do Código de Processo Civil). No mais, quando muito, poderia entender-se ser necessário o agendamento da respectiva continuação, para ponderação de inclusão, nos temas da prova, de outras matérias para além das indicadas como obrigatórias pelo Tribunal da Relação.
Ora, o tribunal a quo limitou-se a designar data para a audiência final, o que fez mediante o despacho de 26/9/2024, que foi notificado às partes, por via electrónica, em 27/9/2014, presumindo-se a notificação recebida em 30/9/2024 (art. 248.º n.º1 do Código de Processo Civil). Nos 10 dias subsequentes a essa notificação, as partes nada disseram e, portanto, precludiu-se o seu direito de invocar a correspondente eventual nulidade decorrente de omissão da continuação da audiência prévia (cfr. art. 149.º n.º1 do Código de Processo Civil).
É verdade que tal (alegada) nulidade poderia considerar-se comunicada à sentença, em termos de esta ser nula por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º n.º1 d) do Código de Processo Civil. Mas tal apenas ocorreria se tivesse implicado violação do princípio do contraditório plasmado no art. 3.º n.º3, do mesmo diploma[1] - o que não ocorreu. Efectivamente, no início da audiência final de 21/11/2024 - como se pode constatar da audição da respectiva gravação -, o tribunal de 1.ª instância cumpriu o determinado no acórdão proferido nos autos em 25/6/2024, indicando, como temas da prova, a matéria constante dos arts. 18.º, 24.º e 49.º da petição inicial. Após, deu oportunidade às partes para se pronunciarem acerca da fixação desses temas, tendo o i. mandatário dos ora recorrentes declarado, expressamente, não pretender incluir qualquer outro tema da prova. Por outro lado, nenhuma das partes arguiu, no acto, qualquer nulidade decorrente da falta de realização da (continuação da) audiência prévia, tendo decorrido a produção de prova e de alegações.
Foi, assim, plenamente respeitado o princípio do contraditório e foi também respeitado o decidido no acórdão de 25/6/2024, pelo que não ocorre, nessa vertente, qualquer nulidade da sentença, assim improcedendo, nessa medida, as conclusões de recurso.
Entendem também os recorrentes que a sentença é nula, por contradição entre os fundamentos, já que ali se refere que era lícito aos RR. exigir um prazo superior para entrega, face à necessidade de levantarem as benfeitorias, mas, de forma contraditória, diz-se que os RR., sem motivo justificado, impediram os AA. de cumprirem a sua obrigação.
De acordo com o art. 615.º n.º1 c) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ora, ainda que se verificasse a contradição entre os fundamentos, apontada pelos recorrentes, tal não geraria a nulidade da sentença. Com efeito, conforme resulta daquele art. 615.º n.º1 c), aquela nulidade apenas decorre de contradição entre os fundamentos e a decisão - e não dos fundamentos entre si - ou de ininteligibilidade da decisão (e não dos fundamentos). O que não é o caso da (alegada) contradição invocada pelos apelantes.
Não ocorre, pois, a nulidade em causa, assim improcedendo as respectivas conclusões de recurso.
Pretendem ainda os recorrentes que a sentença é nula, nos termos do art. 615.º n.º1 b), c), d) e e) do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal levou em consideração factos que não constam da matéria provada.
Nos termos do art. 607.º n.º3 do Código de Processo Civil, na fundamentação da sentença, deve «o juiz discriminar quais os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final».
Por outro lado, refere o art. 615.º n.º1 b), do mesmo diploma, que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como refere o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, págs. 139 a 141), «as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso. Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto». No entanto, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»[2].
Ora, o tribunal recorrido indicou os factos provados e não provados, os motivos da sua convicção e as normas que entendeu aplicáveis.
Verifica-se, pois, que não existe ausência total de fundamentação.
Por outro lado, a alegada consideração, na fundamentação de direito, de factos que não constam da matéria provada não gera qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão (pois esta é a decorrência do raciocínio seguido pelo tribunal), nem qualquer ininteligibilidade desta última (a decisão é perfeitamente inteligível, consistindo na obrigação de pagamento de determinada quantia) - cfr. o já citado art. 615. n.º1 c).
Igualmente tal invocada consideração não integra qualquer pronúncia sobre questão de que o tribunal não pudesse tomar conhecimento [alínea d), do mesmo art. 615.º n.º1], porquanto as questões a resolver não se reportam a factos concretos, mas sim ao objecto do processo, integrado pela causa de pedir, pelo pedido e pelas excepções invocadas.
É claro que, para que o tribunal possa basear-se em determinados factos para fundamentar juridicamente a sua decisão, tais factos têm de constar da matéria provada. No entanto, se, ao contrário do que se lhe impõe, levar em consideração factos que não tenham sido levados à matéria provada, tal não implica a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, mas sim uma eventual deficiência da decisão de facto, a enquadrar, sendo caso disso, nos termos dos arts. 662.º n.º1 e n.º2 c) do Código de Processo Civil.
Finalmente, a consideração dos factos em causa também não integra qualquer condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [alínea e), do citado art. 615.º n.º1], uma vez que a condenação proferida pelo tribunal respeita os limites do pedido, condenando em quantia pecuniária inferior à pretendida pelos AA..
Não se verifica, assim, a nulidade apontada, improcedendo as correspondentes conclusões de recurso.
Entendem os recorrentes, por outro lado, que existe oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, bem como ambiguidade que torna a decisão ininteligível, uma vez que, apesar de ter afirmado que é desrazoável os AA. pretenderem o levantamento das benfeitorias em três dias, concluiu que os recorrentes devem indemnizar os recorridos, o que fez sem ter levado em consideração que «a) (…) os Apelados, querendo, deveriam requerer que se fixasse um prazo razoável para o efeito, ao abrigo do art. 777.o do C.Civil, b) sem considerar que os Apelantes declararam entregar as frações de imediato contra o pagamento das benfeitorias e equipamentos de valor estimado em € 100.00,00, pelo que não houve qualquer recusa infundada. c) sem considerar a anterior posição, chocantemente contraditória, assumida pelos AA nos embargos à execução, de que quando interpelados para designar data com 40!!! dias de antecedência, não o fizeram por entenderem que tal prazo era claramente insuficiente...ou seja, com a carta de 09.12.2019, incorreram em claro abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”. d) em evidente má-fé processual, deduzindo pretensão que sabiam e sabem ser manifestamente infundada» (…) «Tendo o Tribunal considerado provado e concluído que a notificação com uma antecedência de apenas 3 dias era claramente desrazoável para o efeito de entrega das frações e reconhecendo ter sido lícito ao Apelantes recusar a entrega das mesmas naquele dia 13, afigura-se manifestamente contraditório condenar os Apelantes em indemnização por enriquecimento sem causa desde 28.12.2019, ficcionando uma dilação do prazo de 15 dias desde 13.12.2019, por, alegadamente, se terem recusado a receber os cheques dos Apelados no dia 13».
Como refere o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, pág. 141), no caso previsto no art. 615.º n.º1 c), a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Ora, no caso dos autos, não se verifica qualquer contradição entre o raciocínio seguido pelo tribunal e a decisão proferida – embora se tenha considerado que não era razoável pretender a desocupação das fracções em três dias, entendeu-se também que os RR. não podiam, com esse fundamento, ter recusado o recebimento do pagamento dos AA. e que, ao fazerem-no, agiram injustificadamente e deixaram de poder opor aos AA. a excepção de não cumprimento. Em consequência, devem indemnizar os AA. pela ocupação das fracções.
Este raciocínio é perfeitamente lógico e, como já dissemos, a decisão é perfeitamente inteligível,  já que consiste no pagamento de uma quantia determinada.
Se o tribunal desconsiderou a aplicação de determinadas normas, ou se não fez a interpretação mais correcta daquelas que aplicou, tratar-se-á de uma questão de erro de julgamento (portanto, relativa ao mérito da decisão), que nada tem a ver com a questão da nulidade por contradição entre fundamentos e decisão ou por ininteligibilidade desta.
Constata-se, pois, que a decisão proferida é a consequência lógica do raciocínio seguido pelo tribunal a quo, sendo certo que tal decisão é perfeitamente inteligível por um declaratário normal, pelo que não ocorre a nulidade apontada, improcedendo, nessa vertente, as conclusões do recurso.
Finalmente, naquilo que diz respeito à invocação de nulidades, pretendem os apelantes que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, já que não conheceu:
a - da excepção de ilegitimidade;
b - da ineficácia da notificação judicial avulsa de 9/12/2019;
c - da excepção de não cumprimento;
d - do direito de retenção;
e - do abuso de direito.
O art. 608.º n.º2 do Código de Processo Civil dispõe que o juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Assim, o juiz, na sentença, terá de resolver todas as questões que as partes suscitem ou que sejam de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Em consonância, nos termos do art. 615.º n.º1 d), do mesmo diploma, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
As questões a resolver «reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir». Já «a qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso (art. 5.º n.º3 do Código de Processo Civil), mas esse poder não pode deixar de ser conjugado com outras limitações, designadamente aquelas que obstam a que seja modificado o objecto do processo (integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir) ou as que fazem depender um determinado efeito da sua invocação pelo interessado[3]».
Constata-se, pois, que o invocado art. 615.º n.º1 d) diz respeito à necessidade de o tribunal conhecer do objecto do litígio. A nulidade a que se reporta aquela norma, decorrente de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, apenas se verifica se a questão tiver sido completamente omitida e não se, ainda que não mencionada expressamente, a mesma puder considerar-se abrangida pela argumentação e decisão proferidas.
No caso dos autos, os AA. pretendiam a condenação dos RR. a pagar-lhes determinadas quantias, fosse com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, fosse com base em enriquecimento sem causa, cabendo ao tribunal conhecer da verificação dos pressupostos da verificação da primeira e, subsidiariamente, do segundo.  Por sua vez, os RR. invocaram, na contestação, diversas excepções, de que ao tribunal cabia igualmente conhecer.
Entre essas excepções, consta a ilegitimidade da R. sociedade, sendo certo que a decisão recorrida é totalmente omissa relativamente a essa questão. No entanto, tal não gera qualquer nulidade, porque se trata de questão que não podia sequer ser conhecida na sentença, uma vez que a mesma havia já sido apreciada - e julgada improcedente - no despacho saneador proferido em 4/12/2023 (cfr. art. 613.º n.º1 e 3 do Código de Processo Civil). Por outro lado, trata-se de questão que não pode mais ser apreciada, porquanto, não tendo sido interposto recurso do despacho saneador, nessa parte, a decisão proferida transitou em julgado (cfr. arts. 644.º n.º3 e 620.º n.º1 do Código de Processo Civil).
Quanto à «ineficácia da notificação judicial avulsa de 9/12/2019», referida nas conclusões da apelação, embora a mesma seja invocada na contestação, não se trata de qualquer facto excepcional em relação ao direito dos AA., mas sim de uma mera impugnação - era aos AA. que cabia provar, enquanto facto constitutivo do seu direito (art. 342.º n.º1 do Código Civil), que efectuaram a interpelação para entrega. Portanto, tendo a sentença considerado que se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnização, conheceu da questão em causa, não sendo obrigação do tribunal, como já se frisou, conhecer de todos os argumentos invocados pelos RR. em impugnação do direito dos AA..
Relativamente à excepção de não cumprimento, foi a mesma apreciada, tendo, na sentença, sido considerado expressamente que a mesma não poderia ser oposta aos AA..
Quanto ao direito de retenção, temos que o mesmo, efectivamente, é invocado na contestação. No entanto, embora se refiram aos arts. 754.º e 759.º do Código Civil, o que os RR. alegam é que não estão obrigados à entrega enquanto os AA. não lhes entregarem a totalidade da quantia que entendem ser-lhes devida, incluindo o preço que pagaram pelas fracções, juros de mora e custas devidas na execução para pagamento de quantia certa, concluindo (cfr. art. 77.º da contestação) que, «por força das regras aplicáveis à excepção de não cumprimento, os aqui Réus não estavam obrigados a entregar as fracções». Trata-se, portanto, dos mesmos fundamentos invocados a propósito da exceptio que, como vimos, foram conhecidos pela sentença, pelo que, também aqui, não ocorre a apontada nulidade.
Em relação ao abuso de direito, temos que o mesmo não foi invocado na contestação a propósito do direito que os AA. exerceram na presente acção. A única referência que é feita àquele instituto é no art. 61.º da contestação, mas apenas a propósito da conduta processual dos aqui AA. na sua petição de embargos à acção executiva para pagamento de quantia certa. Portanto, não se tratando de questão que tenha sido suscitada pelas partes - e não se vendo que o tribunal estivesse perante questão de conhecimento oficioso para a qual os factos apontassem inequivocamente -, não estava a sentença obrigada a dela conhecer.
Por tudo o exposto, não se verifica nenhuma das nulidades da sentença apontadas pelos recorrentes, nessa medida improcedendo as conclusões de recurso.

Da impugnação da decisão de facto
Nos termos do art. 662.º n.º1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., págs. 333 e ss.), «sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa».
Conforme resulta dos arts. 341.º do Código Civil e 607.º n.º5 do Código de Processo Civil, tendo as provas por função «a demonstração da realidade dos factos», «o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», embora a livre apreciação não abranja «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Assim, desde que para a prova não exista norma legal que exija formalidade especial ou prova documental, e desde que não se trate de matéria provada plenamente, seja por documento, confissão ou acordo das partes, as provas produzidas estão sujeitas ao princípio da livre apreciação pelo tribunal.
Claro que livre apreciação não equivale a arbitrariedade, e é por isso que o n.º4, do mesmo art. 607.º, exige que o juiz analise criticamente a prova e indique todos os elementos que foram decisivos, assim objectivando [e tornando sindicável] a sua convicção.
Nesse sentido, para que um facto se considere provado, tem-se vindo a exigir que a prova produzida preencha o chamado standard da prova (nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa ser aceite como verdadeira) que vigora em processo civil, que é o da probabilidade prevalecente[4]. Ou seja, consideradas as regras do ónus da prova (art. 342.º do Código Civil), é necessário que, a partir das provas produzidas, a versão constante destes pontos da sentença mereça uma confirmação lógica maior do que a versão contrária. Se assim não for, tais factos têm de considerar-se não provados (cfr. art. 414.º do Código de Processo Civil).
Acresce que, como se refere no Ac. RP de 21/6/2021 (proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt), «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância».
Particularmente no caso da prova testemunhal e por declarações de parte (e desde que não estejamos perante factos de prova vinculada), é de salientar que, havendo vários depoimentos / declarações contraditórios entre si, as regras da sua apreciação não são matemáticas, ou seja, um facto não é considerado provado ou não provado consoante exista um maior ou menor número de pessoas a afirmá-lo ou a contrariá-lo. Ainda que apenas uma pessoa afirme um facto, enquanto todas as outras o negam, e ainda que várias pessoas afirmem um facto, enquanto apenas uma o nega, esse facto pode ser considerado provado / não provado, conforme a apreciação que seja feita dos depoimentos / declarações, com base na sua credibilidade, coerência, isenção, razão de ciência, distanciamento, conjugação com outros meios de prova (v.g., documental) e conjugação com as regras da experiência. Aliás, ainda que todas as pessoas ouvidas afirmem determinado facto, o mesmo pode ser considerado não provado - basta que os depoimentos / declarações não sejam credíveis (porque, por exemplo, as pessoas têm interesse na decisão da causa e não se mostraram objectivas na sua narração, o seu conhecimento não é directo, os depoimentos / declarações foram contraditórios ou foram de tal forma coincidentes que se afiguram «ensaiados», não é possível que aquelas pessoas, nas circunstâncias concretas, tivessem conhecimento daqueles factos…). E não se pode olvidar que o tribunal de primeira instância se encontra em posição privilegiada para levar a cabo tal tarefa de apreciação, ponderação e discernimento, uma vez que contacta directa e presencialmente (ou, mesmo que à distância, com imagem) com as pessoas ouvidas e, portanto, pode aperceber-se dos aspectos relevantes da linguagem não verbal – expressões faciais, postura, gestos, hesitações. Significa isto que, salvo casos de flagrante erro de avaliação por parte do tribunal de primeira instância (v.g., uma testemunha em que o tribunal se baseou claramente está a efabular, o seu depoimento é contrariado por prova documental ou pericial fiável, os factos que narrou não podiam – de acordo com as regras da experiência ou outras – ter acontecido daquela forma, aquilo que disse não foi o que o tribunal entendeu…), não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença. Dito de outra forma, em caso que não seja de prova legal, deve confiar-se na avaliação efectuada em primeira instância, a não ser que a prova produzida implique, necessariamente, decisão diversa.
Note-se, também, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art. 640.º n.º1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art. 608.º n.º2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt)[5]. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art. 130.º, do mesmo diploma.
Balizadas que estão as regras que nos orientarão, passemos à apreciação da pretensão dos recorrentes, que é a seguinte:
A – Seja corrigida a redacção do facto provado n.º5 [«Ação judicial essa que veio a ser julgada parcialmente procedente, tendo o Tribunal decidido: a) declarar a anulação do contrato de compra e venda outorgado no dia 05-06-2009, referente à compra e venda das frações acima referidas; b) condenar os, aqui, RR. a restituírem as referidas frações ao, aqui, 1.º A. e à sua esposa L…. c) condenar o, aqui, 1.º A. e a sua esposa L… a restituírem aos, aqui, 1.º e 2.º RR, os preços pagos pelas frações adquiridas, no valor de € 115.000,00 e € 220.000,00; d) condenar o, aqui 1.ª A. e a sua esposa L…, a restituírem aos aqui 1.º e 2º R, o valor pago com as despesas de escritura, IMT, Imposto de Selo, contrato de financiamento e despesas da CML no valor total de € 27.684,85»], de modo a que, «onde se lê “condenar os, aqui, RR. a restituírem as referidas frações ao, aqui, 1.º A. e à sua esposa L…” deverá ler-se “condenar os, aqui, 1.º e 2.ª RR. a restituírem as referidas frações ao, aqui, 1.º A. e à sua esposa L…”».
B – Seja corrigida a redacção do facto provado n.º7 [«Como decorrência da dita sentença, ambas as partes (AA de um lado, RR do outro) intentaram ações executivas, uma para entrega de coisa certa e outra para pagamento do valor determinado na sentença»], de forma a que dele passe a constar que: «7. Como decorrência da dita sentença, ambas as partes (AA de um lado, 1.º e 2.º RR do outro) intentaram ações executivas, uma para entrega de coisa certa e outra para pagamento do valor determinado na sentença;».
C – Seja alterada a redacção do facto provado n.º9 [«Por seu turno os aqui 1 e 2 RR intentaram a ação executiva nº 17430/18.4T8LSB que correu termos no J6 do Tribunal de execução de Lisboa tal como consta de fls. 111 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Nesses autos foram deduzidos embargos de executados pelos aqui AA cuja decisão ainda não transitou em julgado»] para «9. Por seu turno os aqui 1 e 2 RR intentaram em 16.07.2018 a ação executiva nº 17430/18.4T8LSB que correu termos no J6 do Tribunal de execução de Lisboa tal como consta de fls. 111 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Nesses autos foram deduzidos embargos de executados pelos aqui AA cuja decisão ainda não transitou em julgado».
D – Seja alterada a redacção do facto provado n.º11 [«No dia 13/12/2019 as partes as partes compareceram nas frações suprarreferidas e foi entregue pelos réus aos autores a carta de fls. 144 vrs e 145, referindo que era lhes devido a quantia de €401.239,68 à data de 27/11/2019 decorrente do processo executivo, e que careciam de 15 dias para proceder ao levantamento das benfeitorias ou que os AA pagassem €100.000 a esse título, sendo que o lapso de tempo concedido não era suficiente para proceder a esse levantamento, tudo em termos e condições que constam da referida carta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido»] para: «11. No dia 13/12/2019 as partes as partes compareceram nas frações suprarreferidas e, na ausência de entrega dos cheques e das fracções, foi entregue pelos réus aos autores a carta de fls. 144 vrs e 145, a que estes não responderam, referindo o seguinte: (transcrição da comunicação)».
E – Seja alterada a redacção do facto provado n.º14 [«No dia 20/04/2018 os 1° e 2RR enviaram à 1.a autora e à herança a carta de fls. 107 e 108 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, a qual foi por este recebido a 20/04/2018»] por «14. No dia 20/04/2018 os 1° e 2RR enviaram à 1.a autora e à herança a carta de fls. 107 e 108 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, com vista ao cumprimento simultâneo das prestações recíprocas (obrigação de pagamento e de restituição das fracções), em dia a escolher entre os dias 21 e 31 de Maio de 2018, a qual foi por este recebido a 20/04/2018;” - conforme Documento n.º 2 da Contestação».
F – Seja alterada a redacção do facto provado n.º16 [«No dia 13 de dezembro de 2019 o procurador dos AA juntamente com M... e O… deslocaram-se às frações referidas no sentido de receber as mesmas por parte dos RR., contra a entrega de dois cheques bancários emitidos pelo BPI, no valor de €362.684,85 e €45.787,73»] para «16. No dia 13 de dezembro de 2019 o procurador dos AA juntamente com M… e O… deslocaram-se às frações referidas no sentido de receber as mesmas por parte dos RR., contra a entrega de um cheque bancário emitido pelo BPI, no valor de € 362.684,85 e, à cautela, levou ainda outro cheque bancário emitido pelo BPI, no valor de € 45.787,73 a título de alegados juros, que não reconhecem como devidos e que admitiam entregar se as frações lhes fossem imediatamente entregues, embora declarando que os pretendiam continuar a discutir/contestar; Por seu turno, o 1.º R., juntamente com o seu Procurador, P… e Q…, deslocou-se às frações referidas no sentido de receber o pagamento integral».
G – Seja alterada a redacção do facto provado n.º17 [«Os RR verificaram a existência dos cheques mas discordaram do seu valor e não aceitaram os mesmos, nem devolver as lojas»] para «17. Os RR verificaram a existência dos cheques mas discordaram do seu valor. Após conversações, os AA. não entregaram os cheques e os 1.º e 2.ª RR. não entregaram as fracções que se encontravam equipadas, tendo sido entregue a comunicação referida em 11».
H – Seja considerado não provado o facto n.º13 [«Os RR ocupam as frações em causa com oposição dos AA e sem a sua autorização, o que levou a intentar as ações judiciais supra referidas que tiveram o desfecho já mencionado»].
I – Seja considerado não provado o facto n.º 18 [«Atenta a dimensão das lojas, a sua localização, e a sua idade, o valor locativo mensal das mesmas cifrava-se em 2019 em cerca de €1700»].
J – Sejam considerados provados os seguintes factos omitidos pela sentença:
«A. A 3.ª R. não foi parte no contrato de compra e venda referido em 3. - tal como resulta do art. 25 da Contestação e da sentença proferida no processo declarativo 2009/13.5TVLSB.
B. Na sentença proferida na acção judicial referida em 4., pode ler-se que:
“Assim sendo, concluímos pela verificação dos requisitos do erro sobre o objeto do negócio previstos nos art. 251.o e 247.o do C.C, o que conduz à anulação do contrato de compra e venda outorgado em 5/06/09 e, nos termos do art.289o do C.C, à restituição pelos RR aos 1.o e 2.o AA, compradores, do preço pago- € 335.000,00(115.000,00+220.000,00) e à restituição pelos 1.o e 2.o AA aos RR das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no impasse à Rua … N1 e 1A, em Lisboa.”
e
“Quando muito poderão os AA, nos termos dos art. 216º nº 3 e 1275º nº 1 do C.C., proceder ao levantamento das benfeitorias voluptuárias desde que não ocorra detrimento das fracções.” - conforme arts. 90 e 91 da Contestação e sentença proferida no processo declarativo 2009/13.5TVLSB.
C. A carta referida em 14. não obteve qualquer resposta da parte dos Autores, ou seja, não marcaram data para pagarem a quantia objecto da condenação e, em simultâneo, receberem as fracções, tudo conforme estipulado na sentença. - conforme arts. 41 e 52 da Contestação e tal como confessado pelos AA. nos embargos à execução deduzidos no Processo n.º 17430/18.4T8LSB que constituem o Documento n.º 2 do Requerimento de 14.12.2023 com a Ref. 37889025 – vide arts 7.o e 9.o.
D. Nos embargos de executados deduzidos pelos AA. em 10.10.2018, estes alegaram que, na sequência da carta referida em 14., "Não indicaram dia e hora para a entrega das lojas, porquanto:
a) Os exequentes mantinham e mantêm, nas frações que já deveriam ter entregue, a exploração do restaurantes/churrascaria, que desde a aquisição das frações exploram no local, sob a firma F…Unipessoal, Lda;
b) Desfazer um restaurante, tirar da frações todos os equipamentos, retirar a publicidade do exterior do edifício e repor as frações no estado inicial, em particular, reconstruir a parede divisória entre as frações, levaria muito mais tempo do que as datas sugeridas pelos exequentes.” – cfr. Documento n.º 2 junto com o Requerimento de 14.12.2023 com a Ref. 37889025 e o alegado nos artigos 61.º e 62.º da Contestação.
E. Em 22.11.2019, os Autores requereram à Sra. AE do Processo n.º17430/18.4T8LSB “a elaboração da conta final da execução, à data de 27.11.2019, a fim de efectuarem o pagamento da quantia exequenda e acrescido.” - conforme o Documento n.º 6 da Contestação e arts. 55 e 56 da Contestação.
F. Em 26.11.2019, os Autores foram notificados da conta da Sra. AE do Processo n.º 17430/18.4T8LSB, sendo que a responsabilidade total dos Autores ascendia a € 434.166,55, estando em falta € 427.808,04 e sendo devido directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 401.239,68. – cfr. Documento n.º 7 da Contestação e art. 66 da Contestação.
G. Os Autores não efectuaram o pagamento da quantia exequenda e acrescido no Processo n.º 17430/18.4T8LSB. – cfr. Documento n.º 7 da Contestação e art. 66 da Contestação.
H. Em 13.12.2019, nos termos da conta da Sra. AE nomeada no Processo n.º 17430/18.4T8LSB, a responsabilidade total dos Autores ascendia a € 435.506,56, estando em falta € 428.399,99 e sendo devido directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 402.207,46. - conforme o Documento n.º 8 da Contestação.
I. Em 27.06.2022, os 1.º e 2.ª RR. procederam à entrega das chaves das fracções no Tribunal no âmbito do Processo n.º 4093/19.9T8LSB; em 29.06.2022, o Sr. Sr. Agente de Execução determinou a extinção da obrigação/execução pela entrega do bem; em 13.07.2022, os Autores declararam que “não consideram que os imóveis lhes tenham sido entregues”. - conforme os Documentos n.º 2, 3 e 4 juntos com o Requerimento de 26.01.2023 com a Ref. 34866684 – fls. 164 e seguintes, sendo certo que se trata de facto jurídico superveniente atendível nos termos do artigo 611.º do CPC».
Vejamos.
Quanto à alteração pretendida em A) - correcção da redacção do facto provado n.º5 -, temos que a mesma não é, de forma nenhuma, viável, porque contraria o teor da certidão junta como documento n.º1 da contestação e, assim, vai indeferida. Com efeito, apesar de, na decisão recorrida, se ter referido que este facto foi dado como provado por acordo das partes, temos que se trata de facto para o qual esse acordo é irrelevante, atendendo a que o mesmo (teor de uma decisão judicial) apenas pode ser provado por certidão.
Ora, a pretendida rectificação do lapso que, segundo os recorrentes, existe na decisão proferida no processo n.º2009/13.5TVLSB, a qual transitou em julgado, apenas poderia ter sido obtida nesse mesmo processo - cfr. art. 614.º do Código de Processo Civil. Quanto à interpretação da decisão, não sendo caso de apurar a vontade comum de declarante e declaratário, estamos perante uma questão de direito, a apreciar em sede própria, que nada tem a ver com questões probatórias. Assim, a única alteração que pode (e deve) fazer-se - a fim de, sendo caso disso, poder ser interpretada, em conformidade com as normas legais, a decisão proferida - é passar a constar da matéria provada o teor integral da sentença e acórdão proferidos naquele processo n.º2009/13.
Deste modo, de acordo com a referida certidão que constitui o documento n.º1 da contestação, a redacção do facto provado n.º5 passará a ser a seguinte:
«5 - No processo referido em 4., foi proferida, em 12/12/2016, a sentença constante de fls. 6 a 23 do documento electrónico junto como documento n.º1 da contestação (ref.ª CITIUS 31905467), que aqui se dá por integralmente reproduzida».
Em consonância, aditam-se os seguintes factos à matéria provada:
«5.1 - O dispositivo daquela sentença tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente,
Declaro a anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 entre 1º e 2º AA e RR e referente à compra e venda das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa, descritas na 5ª C.R.Predial de Lisboa, freguesia de Benfica, sob o nº …;
Consequentemente condeno os AA a restituírem as referidas fracções aos RR;
Condeno os RR a restituírem aos 1º e 2º AA os preços pagos, nos valores de € 115.000,00 e € 220.000,00;
No mais, absolvo os RR.”».
«5.2 - Na fundamentação daquela sentença refere-se, além do mais, o seguinte: “Assim sendo, concluímos pela verificação dos requisitos do erro sobre o objecto do negócio previstos nos art. 251º e 247º do C.C., o que conduz à anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 e, nos termos do art. 289º do C.C., à restituição pelos RR aos 1º e 2º AA, compradores, do preço pago - € 335.000,00 (115.000,00 + 220.000,00) e à restituição pelos 1º e 2º AA aos RR das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa”.»
«5.3 - A referida sentença foi objecto de recurso e a decisão proferida foi alterada por acórdão do TRL de 14/9/2017, o qual consta de fls. 24 a 55 do documento electrónico junto como documento n.º1 da contestação (ref.ª CITIUS 31905467), que aqui se dá por integralmente reproduzido.»
«5.4 - O dispositivo daquele acórdão tem o seguinte teor:
“Tudo visto acordam os juízes em:
a) Alterar a decisão de facto relativa aos pontos 15 e k) como de III supra resulta;
b) Julgar - não obstante a alteração referida em a) - improcedente a apelação dos RR e parcialmente procedente a apelação dos AA, condenando-se ainda, os RR a pagar aos 1.º e 2.os AA, para além das quantias de 115.000,00 e 220.000,00 euros do preço das fracções pago, tal como sentenciado e que se mantém, ainda os valores de despesas de escritura - € 516,8, IMT - € 21.775,00; Imposto de selo - € 2.680,00; Despesas contrato de financiamento - € 2.260,05; despesas CML - € 453,00.
c) Confirmar no mais a sentença recorrida.”».
«5.5 - A decisão constante da mencionada sentença foi rectificada, por despacho de 21/11/2018, pela seguinte forma:
“- Onde se lê: “Declaro a anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 entre 1º e 2º AA e RR e referente à compra e venda das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa, descritas na 5ª C.R.Predial de Lisboa, freguesia de Benfica, sob o nº …”;
- Deverá ler-se: “Declaro a anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 entre 1º e 2º AA e RR e referente à compra e venda das fracções designadas pelas letras “D” e “E” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa, descritas na 5ª C.R.Predial de Lisboa, freguesia de Benfica, sob o nº …”».
Para melhor explicitação, rectifica-se, ainda, a redacção do facto provado n.º6, de acordo com a mesma certidão, pela seguinte forma:
«6 - O acórdão mencionado em 5.3 transitou em julgado em 23/10/2017».
Quanto à alteração propugnada em B), mais uma vez se trata de facto que o tribunal a quo afirmou advir do acordo das partes, mas para cuja prova esse acordo é irrelevante, dado estarmos perante matéria (teor de peças processuais) que apenas pode provar-se por documento.
Dos documentos n.º3 e 5 da contestação e 1 e 2 do requerimento de 14/12/2023 resulta que o processo n.º4093/19.9T8LSB corresponde a acção executiva para entrega de coisa certa, em que são exequentes os aqui AA. e são executados os ora RR., enquanto o processo n.º17430/18.4T8LSB corresponde a acção executiva para pagamento de quantia certa, em que são exequentes os aqui 1.º e 2.º RR. e executados os aqui AA..
Assim, a redacção dada ao facto provado n.º7 pelo tribunal não se encontra em conformidade com aqueles documentos, mas a redacção proposta pelos recorrentes também não respeita o teor dos mesmos.
Deste modo, atento o teor dos citados documentos, altera-se a redacção daquele facto provado, que passará a ser a seguinte:
«7 - Foram intentadas duas execuções, tendo por título executivo o referido acórdão: o processo n.º4093/19.9T8LSB, correspondente a uma acção executiva para entrega de coisa certa, em que são exequentes os aqui AA. e são executados os ora RR., para entrega das fracções autónomas referidas no acórdão; o processo n.º17430/18.4T8LSB, correspondente a uma acção executiva para pagamento de quantia certa, em que são exequentes os aqui 1.º e 2.º RR. e executados os aqui AA., relativa aos valores mencionados no acórdão - tudo conforme documentos 3 e 5 da contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos».
Em relação à alteração pretendida em C), a mesma não se mostra viável, pelo que vai indeferida, uma vez que a data em que o requerimento executivo deu entrada em Juízo não se encontra certificada por qualquer documento junto aos autos - maxime, não consta do documento n.º3 da contestação, mencionado pelos recorrentes.
Relativamente à alteração preconizada em D), a mesma carece de justificação, pelo que vai indeferida. Com efeito, o facto de não ter existido, naquele dia, entrega dos cheques e das fracções é irrelevante, não devendo ser levado à matéria de facto, pois o que seria constitutivo do direito dos AA., ou excepcional em relação ao mesmo, seria a existência de entrega dos cheques ou a existência de entrega das fracções. Por outro lado, a reprodução do teor da carta é desnecessária, uma vez que do facto provado n.º11 consta já um resumo dessa carta e a mesma é dada por reproduzida. Finalmente, a ausência de resposta à carta também não releva para a decisão e, aliás, não foi invocada na contestação (sendo certo que os recorrentes também não indicam a prova a partir da qual se pudesse inferir a ausência de resposta).
Quanto à alteração pretendida em E), têm razão parcial os recorrentes, já que não basta dar por reproduzidos os documentos (estes não equivalem a factos), sendo necessário fazer constar da matéria provada, ao menos de forma resumida, os factos que se extraem desses documentos. Assim, em conformidade com o documento n.º2 da contestação (cópia da carta, registo postal e pesquisa de entrega no sítio dos CTT), a redacção do facto provado n.º14 passará a ser a seguinte [sendo que, ao contrário do que referem os recorrentes: os dias a escolher eram entre 21 e 30 de Maio e não entre 21 e 31 de  Maio; a carta não foi enviada em 20/4/2018, mas em 23/4/2018; e não foi recebida em 20/4/2018, mas em 24/4/2018]:
«14 - No dia 23/04/2018, os 1.° e 2.ª RR. enviaram ao 1.º A.  e à herança aberta por óbito de L… a carta, datada de 20/4/2018, cuja cópia constitui o documento n.º2 da contestação, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, com vista ao cumprimento simultâneo das prestações recíprocas (obrigação de pagamento e de restituição das fracções) estabelecidas no acórdão mencionado em 5.3, em dia a escolher entre os dias 21 e 30 de Maio de 2018, tendo tal carta sido recebida em 24/04/2018».
Relativamente às alterações pretendidas em F) e G), temos que, quanto aos factos provados n.º16 e 17, o tribunal a quo justificou assim a sua convicção:
«M…, O… foram acompanhar os amigos, ora A.A., para serem testemunhas da tentativa de receberem as lojas e pagar o valor judicialmente decretado. P… e Q… por seu turno, amigos dos RR, foram como testemunhas exatamente do mesmo. E todos viram o mesmo: cheques a tentarem ser entregues, de valor exato que não sabem precisar (M… e O… têm a ideia de serem de cerca de 300 a 400 mil euros, mas confirmaram o teor de fls.49 como sendo esses os que possivelmente se tentou a entrega), serem recusados pelo R. (que lhe disse que não tinha o valor certo que entendia ser o que lhe era devido) e entregue uma carta (com o que apuraram ser uma contra proposta mas cujo conteúdo não sabem precisar), advogados de uma parte e de outra a falar, e todas as testemunhas com uma distância suficiente para verem mas não ouvirem, pois tudo quanto existia ia ser tratado entre os advogados. E assim se deu tal por provado em 16 e 17 dos factos provados».
Os factos em causa têm origem no que foi alegado nos arts. 18.º e 24.º a 26.º da petição inicial, pela seguinte forma:
«18.º
Nesse mesmo dia 13 de dezembro de 2019, o procurador dos AA. – aqui subscritor – juntamente com o Senhor M… e a Senhora D. O…, deslocaram-se às frações supra referidas no sentido de receberem as mesmas por parte dos RR. contra a entrega de um cheque bancário emitido pelo Banco BPI no valor de € 362.684,85 (trezentos e sessenta e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
24.º
A verdade é que no referido dia 13 de dezembro de 2019 o procurador dos AA. deslocou-se ao local em causa – sede da 3.º R. - munido do cheque bancário emitido pelo BPI no valor de € 362.684,85 (trezentos e sessenta e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) e, à cautela, de um outro cheque bancário emitido pelo BPI no valor de € 45.787,73 (quarenta e cinco mil setecentos e oitenta e sete euros e setenta e três cêntimos) – que representa os “alegados” juros pedidos pelos 1.º e 2.º RR. entre o dia em que entendem que o 1.º A. tinha de cumprir a sua obrigação e o dia 13 de dezembro de 2019, juros esses que o 1.º A. entende, contudo, não serem devidos, mas que, na data, estava disponível para pagar caso as frações lhe tivessem sido entregues, livres de pessoas e bens, juntamente com o distrate das hipotecas das frações, tudo conforme documento que se junta e que se dá aqui por integralmente reproduzido. (Doc. 8)
25.º
Acontece que, no referido dia e hora os RR. verificaram a existência dos cheques bancários emitidos em seu nome.
26.º
Contudo, os RR. entenderam, ainda, assim, não entregar aos AA. as frações referidas no artigo 11.º da presente petição inicial, tendo para tal entregue, em mão, ao procurador dos AA. – e aqui subscritor - uma carta na qual afirmam as suas razões para a não entrega das frações conforme ordenado pelo Tribunal, tudo conforme documento que se junta e que se dá aqui por integralmente reproduzido. (Doc. 9)».
Relativamente a tais factos, os RR. só aceitaram o alegado no art. 18.º, na parte relativa à pretensão da entrega das fracções contra a entrega de um cheque de € 362.684,85 (cfr. 38.º da contestação), tendo impugnado toda a matéria restante (cfr. art. 40.º da contestação), o que significa que só podem ser considerados aqueles factos sobre os quais tiver incidido a prova.
Ora, compulsada a prova testemunhal produzida, referida pelo tribunal e pelos recorrentes, bem como as declarações de parte do 1.º R., não podemos chegar a conclusão diversa da obtida pelo tribunal de 1.ª instância. Com efeito, as testemunhas presentes (M…, O…, P… e Q…) não conseguiram ouvir perfeitamente a conversa, mas viram os cheques (no plural), tendo mesmo as testemunhas O… e M… referido ser possível tratar-se dos cheques cuja cópia constitui o documento n.º8 da petição inicial. As testemunhas presentes aperceberam-se de que houve uma tentativa de entrega dos cheques e de que os mesmos foram recusados pelo R., por entender que lhe era devido um valor superior, pelo que o R. entregou ao representante dos AA. uma carta. Tal foi, aliás, confirmado pelo R., nas suas declarações de parte.
A prova produzida não permite, assim, corroborar as alterações pretendidas pelos recorrentes, nomeadamente, que o segundo cheque só tenha sido apresentado posteriormente (e não conjuntamente com o primeiro), nem que os AA. não tenham reconhecido como devidos os juros e pretendessem continuar a discutir a sua contabilização - tal apenas foi referido pelo 1.º R. nas suas declarações de parte, sem que as testemunhas presentes as tenham confirmado, nessa parte, mostrando-se as mesmas insuficientes de acordo com um critério de plausibilidade, até porque o próprio R., na contestação, tinha impugnado tal versão (que lhe era favorável…). Quanto ao pretendido aditamento de que os AA. não entregaram os cheques e os RR. não entregaram as fracções, após conversações, trata-se de facto irrelevante - o que relevaria é se tivesse existido entrega dos cheques e entrega das fracções, sendo certo que já consta dos factos provados que os RR. não aceitaram os cheques e não aceitaram devolver as lojas, o que significa que não existiu entrega, nem dos cheques, nem das fracções.
Improcede, pois, a impugnação da decisão de facto, nesta vertente.
Quanto à alteração pretendida em H), têm razão os recorrentes, relativamente ao segmento «o que levou a intentar as acções judiciais supra referidas que tiveram o desfecho já mencionado», já que as razões que levaram a intentar as acções são irrelevantes para a decisão. Decide-se, assim, eliminar tal segmento do facto provado n.º13, que nem sequer deve passar para os factos provados, já que é inócuo para a solução da causa.
Quanto ao mais, ao contrário do que referem os recorrentes, não estamos perante qualquer matéria conclusiva: a existência, ou não, de oposição ou de autorização dos AA. para a permanência dos RR. nas fracções constitui matéria de facto, susceptível de ser apreendida pelos sentidos e, portanto, de ser submetida a prova, sendo, ademais, relevante para a decisão [coisa diversa é saber se essa autorização ou oposição eram, ou não, necessárias, do ponto de vista das normas aplicáveis]. É certo que a matéria em causa foi alegada no art. 45.º da petição inicial, o qual foi impugnado no art. 40.º da contestação. Portanto, ao contrário do que referiu o tribunal recorrido na fundamentação da sua convicção, não se trata de factos admitidos por acordo. Porém, parece-nos evidente que da simples circunstância de os AA. terem intentado contra os RR. execução para entrega das fracções autónomas (documento n.º5 da contestação) se pode concluir que não autorizam a presença dos RR. nessas fracções e a ela se opõem. Por outro lado, os recorrentes não indicam qualquer prova que infirme tal conclusão - designadamente, não referem, com precisão, as passagens da gravação ou os documentos em que se pudessem fundar para chegarem a solução diversa da do tribunal -, pelo que nem sequer cumpriram os ónus a que alude o art. 640.º n.º1 b) e n.º2 a) do Código de Processo Civil, razão pela qual a impugnação de facto tem de ser rejeitada, nessa parte.
Assim, a redacção do facto provado n.º13 passará a ser a seguinte:
«13 - Os RR. ocupam as fracções em causa com oposição dos AA. e sem a sua autorização».
Relativamente à alteração pretendida em I), temos que o tribunal a quo justificou a sua convicção da seguinte forma:
«As lojas têm uma área documentada, e M… que trabalhou no mercado imobiliário afirma que o seu valor locativo será na ordem dos €1800, a €2.000 por mês e que é churrasqueira mas que se deixar de o ser não perde valor locativo.
R…, da Remax há 8 anos, pugna por um valor ligeiramente superior, refere que a extração de fumos até dá jeito para outros ramos de atividades como clínicas e não só para restauração, e que da consulta à plataforma Casa Fari (só para profissionais e que todas as testemunhas afirmam conhecer) o valor locativo do imóvel é de €1869 para arrendamento fácil, €2100 para preço justo de mercado, e €2150 para preço fora de mercado. S… que diz ter feito a mesma pesquisa (sempre por reporte a 2019) tem valores na ordem dos €1300 e €1500, mas não colocou na plataforma o facto de o imóvel ter extração de fumos. Do mesmo modo, T…, que trabalha no ramo imobiliário há muitos anos, afirma que atenta a limitação para não poder ser restauração a loja ronda os €1200 a €1400 euros.
Atentas as discrepâncias de valores, sem existir elementos documentais a suportar o afirmado, concluiu-se que o valor correto seria um pouco aquém do afirmado pelas testemunhas dos AA, e um pouco além do sustentado pelas testemunhas dos RR, pelo que se deu por provado um valor locativo de €1700, o que se deu por provado em 18 dos factos assentes».
Os recorrentes pretendem que o facto provado n.º 18 [«Atenta a dimensão das lojas, a sua localização, e a sua idade, o valor locativo mensal das mesmas cifrava-se em 2019 em cerca de €1700»] seja considerado  não provado, porque «perante a contradição existente e insanável, entendemos que o critério utilizado pelo Tribunal não respeitou as regras impostas pelo ónus da prova. Com efeito, os AA. não lograram fazer prova da alegação constante da causa de pedir, como lhes competia, pelo que não resultou provado tal facto nos termos propugnados pelo Tribunal». Em primeiro lugar, diga-se que não vislumbramos qualquer contradição insanável - as testemunhas mencionadas pelo tribunal, todas com conhecimentos do ramo imobiliário, referiram valores entre um mínimo de € 1.200 e um máximo de € 2.150, pelo que é perfeitamente razoável efectuar uma média entre esses valores que, em princípio, seria a obtida no mercado de arrendamento.  De todo o modo, a prova produzida nunca poderia ir no sentido de considerar não provado o valor locativo das fracções - apenas podendo ocorrer que se considerasse provado um valor inferior. O certo é que os recorrentes não indicaram qualquer prova alternativa que infirme a conclusão a que chegou o tribunal de 1.ª instância - designadamente, não referiram, com precisão, as passagens da gravação ou os documentos em que se pudessem fundar para chegarem a solução diversa da do tribunal -, pelo que também aqui não cumpriram os ónus a que alude o art. 640.º n.º1 b) e n.º2 a) do Código de Processo Civil, devendo a impugnação de facto ser rejeitada, nessa parte, em e, consequência, devendo manter-se o facto provado n.º18.
Quanto aos factos, referidos em J), que os recorrentes entendem que relevam para a decisão e que entendem terem sido omitidos pelo tribunal na matéria provada:
J-A) - Do facto provado n.º3 já consta o teor do contrato e a identificação de quem foi parte no mesmo, pelo que não há que mencionar quem não foi parte (se sabemos quem foi parte, já sabemos que mais ninguém foi). Portanto, não se justifica o pretendido aditamento, o qual se indefere.
J-B) - A matéria em causa já consta dos pontos 5 e 5.2 dos factos provados (nova redacção), pelo que nada mais há a apreciar.
J-C) e J-D) - Os factos em causa, alegados na contestação, poderão, eventualmente, relevar para a decisão. No entanto, os recorrentes não indicam qualquer prova que permita concluir que a carta referida no facto provado n.º14 não obteve resposta por parte dos AA.. Com efeito, a única prova que os apelantes indicam a este propósito é a petição inicial produzida pelos AA. no processo de embargos de executado à acção executiva que lhes foi movida pelos ora RR., e que se encontra junto aos autos sob o documento n.º2 do requerimento de 14/12/2023. Ora, no art. 8.º dessa peça processual, os AA. alegam expressamente que responderam aos RR., por e-mail de 26/4/2018. Assim, a única matéria que pode ser levada aos factos provados é que, na petição inicial de embargos, os aqui AA. efectuaram as declarações referidas em J-D), conforme art. 9.º daquele documento n.º2.
Deste modo, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, acrescentando-se à matéria provada o seguinte ponto:
«14.1 - Na petição inicial do processo de embargos de executado referido em 9, apresentada em 10/10/2018, os aqui AA. alegaram que, relativamente à carta mencionada em 14, “não indicaram dia e hora para a entrega das lojas, porquanto:
a) Os exequentes mantinham, e mantêm, nas fracções que já deveriam ter entregue, a exploração do restaurante/churrascaria, que desde a aquisição das fracções exploram no local, sob a firma F… - Unipessoal, L.da;
b) Desfazer um restaurante, tirar das fracções todos os equipamentos, retirar a publicidade do exterior do edifício e repor as fracções no estado inicial, em particular, reconstruir a parede divisórias entre as fracções, levaria muito mais tempo do que as datas sugeridas pelos exequentes”.».
J-E)-F)-H) - Embora se trate de factos ocorridos antes de 13/12/2019, os mesmos estão intimamente ligados com a determinação da quantia que AA. e RR. entendem estar em dívida, pelo que poderão, eventualmente, relevar para a decisão. Assim, tendo em consideração o teor dos documentos n.º6 a 8 da contestação, aditam-se os seguintes factos à matéria provada:
«9.1 - Em 22.11.2019, os aqui Autores (ali executados) requereram à Sra. AE do Processo n.º17430/18.4T8LSB “a elaboração da conta final da execução, à data de 27.11.2019, a fim de efectuarem o pagamento da quantia exequenda e acrescido.”
9.2 - Em 26.11.2019, a Sra. AE do Processo n.º 17430/18.4T8LSB remeteu aos aqui Autores  nota discriminativa «actualizada, com juros calculados até ao dia 27 do corrente mês de Novembro de 2019», notificando-os para, querendo, no prazo de 10 dias, reclamarem dessa nota, e esclarecendo que a mesma poderia ainda ser alterada, atendendo ao «valor das penhoras de pensão efectuadas e recebidas na conta da ora AE (…),  no valor total de 748,06 euros, conforme documento 7 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido».
9.3 - Da nota referida em 9.2 constava, como responsabilidade total dos ora Autores, a quantia de € 434.166,55, estando em falta € 427.808,04 e sendo devida directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 401.239,68.
9.4 - Em 13.12.2019, a Sra. AE nomeada no Processo n.º 17430/18.4T8LSB elaborou nova nota discriminativa, de acordo com a qual a responsabilidade total dos ora Autores ascendia a € 435.506,56, estando em falta € 428.399,99 e sendo devida directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 402.207,46, conforme documento 8 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido».
J-G) - O facto em causa não resulta do documento n.º7 da contestação, além de que o pagamento seria um facto cujo ónus da prova cabia aos AA., pelo que, de qualquer forma, o não pagamento não deveria ser levado aos factos provados. Assim, improcede o pretendido aditamento.
J-I) - Os factos em causa não foram alegados na petição inicial, nem na contestação, mas apenas no requerimento de junção de documentos, pedido de declaração de suspensão da instância e pedido de condenação dos AA. como litigantes de má fé, apresentado em 9/2/2023. Trata-se de factos que, segundo o alegado, terão ocorrido já depois de apresentada a contestação. Ora, é verdade que, nos termos do art. 611.º do Código de Processo Civil, «a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão». No entanto, essa consideração só pode ocorrer se não ocorrerem «restrições estabelecidas noutras disposições legais».  Ocorre que, conforme resulta do art. 588.º, do mesmo diploma, para que possam ser considerados, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes terão de ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão -  ou seja, têm de constar de articulado superveniente[6]. Esse novo articulado em que se aleguem factos supervenientes tem de ser apresentado na audiência prévia, quando (como na situação sub judice) os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento. O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o, ou admitindo-o, caso em que ordena a notificação da parte contrária para responder. Compulsado o requerimento de 9/2/2023, verifica-se que em nenhum momento os RR. indicaram que o mesmo consistisse num articulado superveniente, pelo que o mesmo também não foi admitido enquanto tal pelo tribunal, sendo ainda certo, aliás, que nem sequer foi apresentado no momento processual próprio, que seria a audiência prévia (que apenas se veio a realizar em 4/12/2023). Assim, não tendo os factos em causa sido introduzidos pelo meio processual próprio, não podem os mesmos ser levados em consideração na sentença, improcedendo, nessa vertente, a impugnação da decisão de facto.
Isto posto, e para melhor compreensão, passamos a transcrever os factos provados, após as modificações introduzidas neste acórdão:
Factos provados:
1. O 1.º A. exerce a sua actividade comercial, em nome individual, como industrial da construção civil, tendo por actividade a compra e venda e arrendamento de bens imobiliários e construção de edifícios residenciais e não residenciais.
2. De igual forma, a herança indivisa de L… exerce, igualmente, a sua actividade comercial relativa à indústria da construção civil, tendo por actividade a compra e venda e arrendamento de bens imobiliários e construção de edifícios residenciais e não residenciais.
3. No exercício da sua actividade comercial como industrial da construção civil, o 1.º A., no dia 5 de junho de 2009, vendeu aos 1.º e 2.º RR. as fracções designadas pelas letras “D” e “E” – representativas, respectivamente, do comércio e serviços C e D - sitas no lote 11, no arruamento à Avenida … (Rua …,) n.º 8, 8-A a 8E e Impasse à Rua …, n.º 1, 1ª e 1B, em Benfica, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, da freguesia de Benfica, respectivamente pelo preço de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) e de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), tudo num total de € 335.000,00 (trezentos e trinta e cinco mil euros).
4. Os RR., no ano de 2009, propuseram contra o 1.º A. e a sua esposa L…uma acção judicial, que correu os seus termos no Proc. n.º 2009/13.5TVLSB, junto do Juiz 19 – 1.ª Secção Cível – Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, na qual pediram o seguinte:
a) a declaração de anulação do contrato de compra e venda das frações acima referidas;
b) a condenação do, aqui, 1.º A. e da sua esposa L… a restituírem aos 1.º e 2.º RR. o preço pago e demais despesas no montante de € 362.684,85 (trezentos e sessenta e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos);
c) A condenação do, aqui, 1.º A. e da sua esposa L… a indemnizarem a sociedade F…, UNIPESSOAL, L.da pelas despesas em que esta sociedade incorreu com a instalação e funcionamento do estabelecimento no montante de € 202.047,10.
5 - No processo referido em 4., foi proferida, em 12/12/2016, a sentença constante de fls. 6 a 23 do documento electrónico junto como documento n.º1 da contestação (ref.ª CITIUS 31905467), que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5.1 - O dispositivo daquela sentença tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente,
Declaro a anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 entre 1º e 2º AA e RR e referente à compra e venda das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa, descritas na 5ª C.R.Predial de Lisboa, freguesia de Benfica, sob o nº …;
Consequentemente condeno os AA a restituírem as referidas fracções aos RR;
Condeno os RR a restituírem aos 1º e 2º AA os preços pagos, nos valores de € 115.000,00 e € 220.000,00;
No mais, absolvo os RR.”.
5.2 - Na fundamentação daquela sentença refere-se, além do mais, o seguinte: “Assim sendo, concluímos pela verificação dos requisitos do erro sobre o objecto do negócio previstos nos art. 251º e 247º do C.C., o que conduz à anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 e, nos termos do art. 289º do C.C., à restituição pelos RR aos 1º e 2º AA, compradores, do preço pago - € 335.000,00 (115.000,00 + 220.000,00) e à restituição pelos 1º e 2º AA aos RR das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa”.
5.3 - A referida sentença foi objecto de recurso e a decisão proferida foi alterada por acórdão do TRL de 14/9/2017, o qual consta de fls. 24 a 55 do documento electrónico junto como documento n.º1 da contestação (ref.ª CITIUS 31905467), que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5.4 - O dispositivo daquele acórdão tem o seguinte teor:
“Tudo visto acordam os juízes em:
d) Alterar a decisão de facto relativa aos pontos 15 e k) como de III supra resulta;
e) Julgar - não obstante a alteração referida em a) - improcedente a apelação dos RR e parcialmente procedente a apelação dos AA, condenando-se ainda, os RR a pagar aos 1.º e 2.os AA, para além das quantias de 115.000,00 e 220.000,00 euros do preço das fracções pago, tal como sentenciado e que se mantém, ainda os valores de despesas de escritura - € 516,8, IMT - € 21.775,00; Imposto de selo - € 2.680,00; Despesas contrato de financiamento - € 2.260,05; despesas CML - € 453,00.
Confirmar no mais a sentença recorrida.”
5.5 - A decisão constante da mencionada sentença foi rectificada, por despacho de 21/11/2018, pela seguinte forma:
“- Onde se lê: “Declaro a anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 entre 1º e 2º AA e RR e referente à compra e venda das fracções designadas pelas letras “D” e “C” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa, descritas na 5ª C.R.Predial de Lisboa, freguesia de Benfica, sob o nº …”;
- Deverá ler-se: “Declaro a anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 entre 1º e 2º AA e RR e referente à compra e venda das fracções designadas pelas letras “D” e “E” do prédio sito no Impasse à Rua …, nº 1 e 1-A, em Lisboa, descritas na 5ª C.R.Predial de Lisboa, freguesia de Benfica, sob o nº …”.
6 - O acórdão mencionado em 5.3 transitou em julgado em 23/10/2017.
7 - Foram intentadas duas execuções, tendo por título executivo o referido acórdão: o processo n.º4093/19.9T8LSB, correspondente a uma acção executiva para entrega de coisa certa, em que são exequentes os aqui AA. e são executados os ora RR., para entrega das fracções autónomas referidas no acórdão; o processo n.º17430/18.4T8LSB, correspondente a uma acção executiva para pagamento de quantia certa, em que são exequentes os aqui 1.º e 2.º RR. e executados os aqui AA., relativa aos valores mencionados no acórdão - tudo conforme documentos 3 e 5 da contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
8. Na execução para entrega de coisa certa que correu termos no J4 do Juízo de Execução de Lisboa, sob o nº 4093/19.9T8LSB-A.L1, foi decidido, por acórdão transitado em julgado, que os embargos de executado deduzidos pelos aqui RR foram julgados procedentes na medida em que “se julgam procedentes o fundamento previsto no art. 729.º al. e) do CPC, por se verificar que a obrigação exequenda era inexigível e que esse vicio não foi suprido na fase introdutória da execução, determinando em consequência a extinção desta execução”, em termos e condições que constam de fls. 172v a 187 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Por seu turno os aqui 1.º e 2.ª RR intentaram a acção executiva n.º 17430/18.4T8LSB que correu termos no J6 do Tribunal de Execução de Lisboa, tal como consta de fls. 111 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Nesses autos foram deduzidos embargos de executados pelos aqui AA., cuja decisão ainda não transitou em julgado.
9.1 - Em 22.11.2019, os aqui Autores (ali executados) requereram à Sr.ª AE do Processo n.º17430/18.4T8LSB “a elaboração da conta final da execução, à data de 27.11.2019, a fim de efectuarem o pagamento da quantia exequenda e acrescido.”
9.2 - Em 26.11.2019, a Sr.ª AE do Processo n.º 17430/18.4T8LSB remeteu aos aqui Autores  nota discriminativa «actualizada, com juros calculados até ao dia 27 do corrente mês de Novembro de 2019», notificando-os para, querendo, no prazo de 10 dias, reclamarem dessa nota, e esclarecendo que a mesma poderia ainda ser alterada, atendendo ao «valor das penhoras de pensão efectuadas e recebidas na conta da ora AE (…),  no valor total de 748,06 euros, conforme documento 7 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido».
9.3 - Da nota referida em 9.2 constava, como responsabilidade total dos ora Autores, a quantia de € 434.166,55, estando em falta € 427.808,04 e sendo devida directamente aos 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 401.239,68.
9.4 - Em 13.12.2019, a Sr.ª AE nomeada no Processo n.º 17430/18.4T8LSB elaborou nova nota discriminativa, de acordo com a qual a responsabilidade total dos ora Autores ascendia a € 435.506,56, estando em falta € 428.399,99 e sendo devida directamente aos aqui 1.º e 2.ª RR. a quantia de € 402.207,46, conforme documento 8 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. No dia 9/12/2019, por notificação avulsa feita por agente de execução os 1.º e 2.ª RR. foram notificados de que o falecido A. J… iria deslocar-se no dia 13 de Dezembro de 2019 às fracções, no sentido de proceder ao pagamento, através de cheque bancário, da quantia em que foi condenado, e de receber em troca as fracções, conforme teor de fls. 52 verso, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. No dia 13/12/2019, as partes compareceram nas fracções supra-referidas e foi entregue pelos réus aos autores a carta de fls. 144 v. e 145, referindo que lhes era devida a quantia de €401.239,68, à data de 27/11/2019, decorrente do processo executivo, e que careciam de 15 dias para procederem ao levantamento das benfeitorias, ou que os AA. pagassem €100.000 a esse título, sendo que o lapso de tempo concedido não era suficiente para proceder a esse levantamento, tudo em termos e condições que constam da referida carta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Os RR. não pagam qualquer valor aos AA. pela ocupação/posse das fracções.
13 - Os RR. ocupam as fracções em causa com oposição dos AA. e sem a sua autorização.
14 - No dia 23/04/2018, os 1.° e 2.ª RR. enviaram ao 1.º A.  e à herança aberta por óbito de L… a carta, datada de 20/4/2018, cuja cópia constitui o documento n.º2 da contestação, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, com vista ao cumprimento simultâneo das prestações recíprocas (obrigação de pagamento e de restituição das fracções) estabelecidas no acórdão mencionado em 5.3, em dia a escolher entre os dias 21 e 30 de Maio de 2018, tendo tal carta sido recebida em 24/04/2018.
14.1 - Na petição inicial do processo de embargos de executado referido em 9, apresentada em 10/10/2018, os aqui AA. alegaram que, relativamente à carta mencionada em 14, “não indicaram dia e hora para a entrega das lojas, porquanto:
a) Os exequentes mantinham, e mantêm, nas fracções que já deveriam ter entregue, a exploração do restaurante/churrascaria, que desde a aquisição das fracções exploram no local, sob a firma F… - Unipessoal, L.da;
b) Desfazer um restaurante, tirar das fracções todos os equipamentos, retirar a publicidade do exterior do edifício e repor as fracções no estado inicial, em particular, reconstruir a parede divisórias entre as fracções, levaria muito mais tempo do que as datas sugeridas pelos exequentes”.
15. Os autores não pagaram até à presente data o valor determinado pelo acórdão judicial do processo 2009/13.5TVLSB, na medida em que tal questão se encontra ainda a ser discutida nos autos de execução mencionados, sob o n.° de processo 17430/18.4T8LSB.
16. No dia 13 de Dezembro de 2019, o procurador dos AA., juntamente com M… e O…, deslocou-se às fracções referidas, no sentido de receber as mesmas por parte dos RR., contra a entrega de dois cheques bancários emitidos pelo BPI, no valor de €362.684,85 e €45.787,73.
17. Os RR. verificaram a existência dos cheques, mas discordaram do seu valor e não aceitaram os mesmos, nem devolver as lojas.
18. Atenta a dimensão das lojas, a sua localização, e a sua idade, o valor locativo mensal das mesmas cifrava-se, em 2019, em cerca de €1700.

Do mérito da decisão recorrida
Pela presente acção, pretendem os AA., em primeira linha, efectivar a responsabilidade civil extracontratual em que os RR. terão incorrido, ao ocuparem, sem qualquer título, duas fracções autónomas propriedade dos AA., devendo assim estes últimos ser indemnizados pelos prejuízos causados por aquela ocupação, à razão de € 2.200,00 por mês, acrescidos de juros de mora, desde 13/12/2019, até entrega das fracções, livres de ónus ou encargos.
O tribunal recorrido entendeu julgar parcialmente procedente a acção, condenando os RR. no pagamento da quantia mensal de € 1.700,00, acrescida de juros de mora, desde 28/12/2019, até efectiva entrega das fracções, contra o que os mesmos RR., ora recorrentes / apelantes se insurgem.
A respeito da responsabilidade civil rege o art. 483.º do Código Civil, de acordo com o qual «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Atento o disposto no art. 342.º n.º1, do mesmo diploma, aos AA. incumbia, assim, a prova da prática, pelos RR., de um facto voluntário, ilícito, culposo e danoso, existindo nexo de causalidade entre o facto e os danos. Por seu turno aos RR. incumbia a prova de factos excepcionais em relação ao direito dos AA. (cfr. o n.º2, daquele art. 342.º).
Dos factos provados resulta a ocupação voluntária, por parte dos RR., de fracções autónomas propriedade dos AA. [estes haviam vendido tais fracções aos 1.º e 2.ª RR., mas o contrato de compra e venda veio a ser anulado, por decisão transitada em julgado, pelo que não se produziu o efeito translativo da propriedade, permanecendo esta na esfera dos AA. - cfr. arts. 874.º, 879.º a) e 289.º n.º1 do Código Civil].
Quanto ao requisito da ilicitude, significa o mesmo que tem de haver a violação de um direito subjectivo de outrem, ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
No caso dos autos, a ilicitude resulta da violação do direito de propriedade dos AA., um direito subjectivo com eficácia erga omnes, violação essa decorrente do facto de a ocupação das fracções, pelos RR., sem autorização dos AA. e com oposição destes, os impedir de gozarem das utilidades dos bens de que são proprietários - cfr. art. 1305.º do Código Civil.
Relativamente aos 1.º e 2.ª RR., a ilicitude resulta, ainda, de terem sido condenados, por decisão transitada em julgado, a restituírem as fracções em causa aos AA. e não o terem feito. É certo que, do segmento decisório da sentença (nessa parte, confirmada por acórdão) proferida no processo n.º 2009/13.5TVLSB, consta a condenação dos AA. (que são todos os aqui RR.) a restituírem as fracções aos RR. (aqui AA.). Porém, é sabido que uma decisão judicial, como acto jurídico que é, está sujeita a interpretação, nos termos dos arts. 295.º, 236.º e 238.º do Código Civil[7]. É assim que, de acordo com aquele art. 236.º, «a declaração (…) vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele», mas, «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida». Por seu turno, prevê o art. 238.º, do mesmo diploma, que «nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso».
No caso dos autos, é claro que não é possível determinar a existência de uma vontade real comum entre declarante e declaratário, pelo que a decisão valerá com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do destinatário dessa decisão, poderia deduzir do seu teor, desde que tal sentido tenha um mínimo de correspondência no texto do documento.
Assim, necessário se torna proceder à interpretação, dentro dos parâmetros definidos pelas disposições legais citadas, no sentido de apurar o sentido que desse acto processual seria apreendido por um declaratário normal, isto é, um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real (AA. e RR.), em face do texto da decisão, conjugado com os fundamentos desta e com as ocorrências processuais relevantes. A «normalidade» do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto, mas também na diligência para recolher todos os elementos que coadjuvam a declaração[8].
Ora, há, desde logo, que atentar na circunstância de, na fundamentação da sentença, se referir expressamente que «concluímos pela verificação dos requisitos do erro sobre o objecto do negócio previstos nos art. 251º e 247º do C.C., o que conduz à anulação do contrato de compra e venda outorgado em 05/06/09 e, nos termos do art. 289º do C.C., à restituição pelos RR aos 1º e 2º AA, compradores, do preço pago - € 335.000,00 (115.000,00 + 220.000,00) e à restituição pelos 1º e 2º AA aos RR das fracções». Portanto, se, na fundamentação, o tribunal apenas se reportou à obrigação de restituição por parte dos 1.º e 2.ª AA.,  e sendo certo que não consta que tenha sido deduzido pedido de condenação de todos os AA. na entrega, constata-se que o sentido que um declaratário normal poderia razoavelmente entender do texto da decisão em análise, conjugado com as circunstâncias processuais salientadas, sentido com o qual as partes teriam de contar, não era que o tribunal pretendesse condenar todos os AA. (aqui RR.) na entrega das fracções, mas sim condenar nessa entrega apenas os 1.º e 2.ª AA. (aqui 1.º e 2.ª RR.). De todo o modo, trata-se de circunstância que, do ponto de vista que nos ocupa (ilicitude) é inócuo, porque, em relação à R. sociedade, independentemente da (ausência de) condenação, se verifica da ocupação das fracções, sem autorização dos AA. e, portanto, em violação do direito de propriedade destes, sendo, portanto, ilícito o seu comportamento.
Isto posto, temos que, de acordo com o art. 1311.º n.º2 do Código Civil, cessa a ilicitude, podendo ser recusada a restituição, nos casos previstos na lei.
A este respeito, invocam os RR. que lhes assiste o direito de recusarem a entrega, até que lhes seja integralmente paga a quantia devida pelos AA., relativa à restituição em que foram condenados no processo n.º2009/13, a que acrescem juros de mora, sanção pecuniária compulsória e despesas da acção executiva, para pagamento de quantia certa, que se encontra pendente.
Ora, de acordo com o art. 290.º do Código Civil, as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da anulação devem ser cumpridas simultaneamente, sendo-lhes extensíveis as normas relativas à excepção de não cumprimento. No caso dos autos, os RR. vieram, precisamente, invocar essa excepção.
Nesta matéria há que levar em consideração o art. 428.º n.º1 do C. Civil, que dispõe que «se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo». O contrato é sempre um negócio jurídico bilateral, visto nascer do enlace de duas ou mais declarações de vontade contrapostas. No entanto, há contratos unilaterais (que só criam obrigações para uma das partes) e contratos bilaterais (ou sinalagmáticos), que são aqueles em que não só nascem obrigações para ambas as partes, como essas obrigações se encontram unidas uma à outra por um vínculo de reciprocidade ou interdependência (o sinalagma). O vínculo que, segundo a intenção dos contraentes, acompanha as obrigações típicas do contrato desde o nascimento deste (sinalagma genético) continua a reflectir-se no regime da relação contratual, durante todo o período de execução do negócio e em todas as vicissitudes registadas ao longo da existência das obrigações (sinalagma funcional). Porém, nem todos os deveres de prestação resultantes dos contratos bilaterais para uma das partes estão ligados aos deveres de prestar impostos à outra parte pela relação de reciprocidade própria do sinalagma. É assim que o sinalagma funcional liga entre si as prestações essenciais de cada contrato bilateral, mas não todos os deveres de prestação dele nascidos – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 378-379.
No caso das obrigações recíprocas de restituição resultantes da anulação de um contrato, a lei considera que as mesmas devem ser cumpridas simultaneamente e que, portanto, cada uma das partes no negócio anulado pode recusar a restituição enquanto a parte contrária não efectuar a restituição que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Ora, desde logo verificamos que esta excepção - tal como se assinala na decisão recorrida - não é aplicável à R. sociedade: esta R. não foi parte no negócio anulado, não foi condenada a restituir nada aos AA. em consequência da anulação e os AA. também nada foram condenados a pagar-lhe. Assim, improcede, em relação à R. sociedade, a invocada excepção de não cumprimento.
Já em relação aos 1.º e 2.ª RR., os mesmos foram condenados, em consequência da anulação do contrato de compra e venda, a restituírem aos AA. as fracções autónomas que lhes haviam sido vendidas. Os AA., por seu turno, foram condenados a entregar àqueles RR.: os preços pagos, nos valores de € 115.000,00 e € 220.000,00, as despesas de escritura - € 516,8, o IMT - € 21.775,00, o Imposto de selo - € 2.680,00, as despesas contrato de financiamento - € 2.260,05 e despesas CML - € 453,00, tudo num total de € 362.684,85.
Assim, eram essas as obrigações recíprocas de restituição: a entrega, pelos 1.º e 2.ª RR. aos AA., das fracções; a entrega, pelos AA. àqueles RR., de € 362.684,85.
E, ainda que os AA. pudessem estar anteriormente em mora relativamente à sua obrigação de entrega daquela quantia (o que não nos cabe aqui apreciar), tendo-se os AA. (através do seu procurador) apresentado perante os RR. munido de cheque bancário naquele valor, em 13/12/2019, não podiam os RR., ao abrigo daquela excepção de não cumprimento, recusar-se a entregar as fracções.
É certo que os RR. entendem que lhes são devidos, ainda, juros, sanção pecuniária compulsória e despesas da acção executiva para pagamento de quantia certa. No entanto, não é esta a sede própria para apreciar tal questão, nem a mesma releva. Ainda que aos 1.º e 2.ª RR. possa assistir o direito de receberem tal quantia, a omissão de oferecimento da mesma por parte dos AA. não faria funcionar a exceptio, dado que esta apenas se aplica às obrigações de restituição principais - e que foram fixadas na sentença já referida (que, conforme consta da respectiva decisão, não incluiu juros, sanção pecuniária compulsória ou despesas da execução). De qualquer modo, o valor dos dois cheques oferecidos pelos AA. - um total de € 408.472,58 - até superava o valor que, de acordo com as notas discriminativas elaboradas pela Sr.ª Agente de Execução, se encontrava em dívida aos aqui RR. na própria acção executiva.
Improcede, pois, a excepção de não cumprimento também em relação aos 1.º e 2.ª RR..
Note-se que, em relação aos RR., não vale o argumento de que seria necessária a prévia fixação de um prazo para entrega das fracções, nos termos do art. 777.º n.º2 do Código Civil, para que os mesmos pudessem desmontar o estabelecimento comercial que nelas se encontra em funcionamento. É que, conforme resulta dos factos provados, em 23/4/2018, os 1.º e 2.ª RR. enviaram aos AA. uma carta, com vista ao cumprimento simultâneo das prestações recíprocas, em dia a escolher pelos AA., entre 21 e 30 de Maio de 2018, o que significa que, de acordo com os próprios RR., os mesmos, nessas datas de 21 a 30 de Maio de 2018 se encontravam já, forçosamente, em condições de entregarem as fracções.
Além disso, sendo as obrigações recíprocas de restituição de cumprimento simultâneo (conforme resulta do já citado art. 290.º do Código Civil), carece de qualquer fundamento legal a pretensão dos RR., formulada na carta a que alude o facto provado n.º11, entregarem as fracções apenas depois de decorridos 15 dias sobre o recebimento da quantia que entendem ser-lhes devida pelos AA..
Invocam os RR., por outro lado, que lhes assiste o direito de retenção das fracções enquanto não receberem a integralidade do seu crédito, peticionado na execução para pagamento de quantia certa - trata-se, portanto, do mesmo fundamento já invocado a propósito da excepção de não cumprimento, que já vimos não poder proceder: quanto à R. sociedade, porque não é titular daquele crédito; e, quanto aos demais RR., porque já lhes foi oferecido o pagamento da quantia que lhes é devida.
De resto, nos termos do art. 754.º do Código Civil, «o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados».
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[9], «para que exista direito de retenção, nos termos deste artigo 754.º, é necessário, em primeiro lugar, que o respectivo titular detenha (licitamente: cfr. art. 756.º, alín. a)) uma coisa que deva entregar a outrem; em segundo lugar, que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deve a restituição; por último, que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (…), nas condições definidas naquele artigo - despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados. (…) A exceptio (…) funda-se no não cumprimento de uma das prestações a que os contraentes ficam adstritos; o direito de retenção funda-se no não cumprimento de uma obrigação que, se bem que conexa com aquelas, não se confunde com elas».
Ora, estes requisitos não se verificam no caso dos autos.
Com efeito, relativamente à R. sociedade, como dissemos, o crédito em cobrança na acção executiva para pagamento de quantia certa nem sequer é da sua titularidade. E, em relação aos restantes RR., o crédito decorrente da condenação dos aqui AA. no processo n.º2009/13 diz respeito à obrigação de restituição recíproca (não lhe sendo, portanto, aplicável o direito de retenção, mas sim a exceptio - que, neste caso, improcede), enquanto os restantes créditos (juros, sanção pecuniária compulsória e despesas da execução) não dizem respeito a despesas realizadas por causa das fracções, nem por causa de danos por estas causados.
É certo que poderia entender-se que os RR. afloraram a existência de um eventual crédito por benfeitorias. Nos termos do art. 1273.º do Código Civil:
«1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa».
Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante – cfr. art. 216.º do CC.
Portanto, tratando-se de despesas feitas por causa das fracções, poderiam os RR., eventualmente, beneficiar de um direito de retenção sobre as mesmas.
Porém, dos factos provados nada consta acerca da realização dessas despesas - nomeadamente, que tenham sido efectuadas, em quê e por quem.
Apenas na fundamentação da sentença proferida no processo n.º 2009/13 - mas não na decisão - se referiu que «quando muito poderão os AA., nos termos dos arts. 216.º n.º3 e 1275.º n.º1 do C.C., proceder ao levantamento das benfeitorias voluptuárias desde que não ocorra detrimento das fracções». Ora, não só sobre os fundamentos de direito da sentença não incide o caso julgado (cfr. art. 619.º n.º1, a contrario, do Código de Processo Civil), como, ainda que assim fosse, o direito ao levantamento das benfeitorias não dá origem à existência de direito de retenção, já que, como vimos, este apenas existe para garantia de créditos pecuniários («despesas»).
Assim, improcede, em relação a todos os RR., a excepção decorrente do invocado direito de retenção.
Finalmente, invocam os RR., em sede de recurso, que os AA., ao efectuarem a sua interpelação com apenas quatro dias de antecedência em relação à pretendida entrega das fracções, «agiram em claro e manifesto abuso de direito - na modalidade de “venire contra factum proprium” -, contrariando (i) a alegação de que uma antecedência de 40 dias era insuficiente para receberem as fracções, (ii) o pedido de 22.11.2019 e notificação da conta final de 26.11.2019 para, como declararam, procederem ao pagamento integral da sua dívida  (quantia exequenda e acrescido) diretamente nos autos de execução do processo 17430/18.4T8LSB». Tais circunstâncias justificariam, de acordo com a pretensão dos recorrentes, a paralisação do direito dos AA. à restituição das fracções.
Trata-se de questão nova, não suscitada nos articulados, nem conhecida na sentença, pelo que não deveria, em princípio, ser apreciada. De todo o modo, considerando que se tem vindo a entender que o abuso de direito é uma excepção de conhecimento oficioso[10], vejamos se se verificam, in casu, os seus pressupostos.
Nos termos do art. 334.º do C.C., «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Estamos perante uma cláusula geral, que constitui um limite normativo imanente ou interno dos direitos subjectivos – age em abuso de direito aquele que ultrapassa os limites normativo-jurídicos do direito particular que invoca. Esses limites são as regras éticas elementares, de carácter suprapositivo, que enformam o Direito[11].
O abuso de direito foi consagrado no Código Civil segundo uma concepção objectiva – para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito, sem se indagar da intenção do agente[12]. A boa fé funciona aqui como um princípio normativo, pelo qual todos devem actuar, num quadro de honestidade, correcção, probidade e lealdade, de forma a não defraudar as legítimas expectativas e a confiança gerada nos outros[13]. Ocorre abuso de direito «quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante[14]».
A doutrina vem desdobrando o abuso de direito em diversas figuras, como o venire contra factum proprium, o tu quoque, o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, ou a suppressio. Esta última abarca as hipóteses em que, devido ao facto de o titular de um direito não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, as circunstâncias que rodearam essa inacção criaram na contraparte a confiança de que o mesmo já não viria a ser exercido, merecendo essa confiança a protecção da ordem jurídica, através de um impedimento a esse exercício tardio ou da atribuição à contraparte de um direito subjetivo obstaculizador[15]. À sua caracterização não basta o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada / legítima situação de confiança da contraparte[16]. Já o venire contra factum proprium, correspondente a um comportamento contraditório com um comportamento anterior, ocorre quando se verificam os seguintes pressupostos: «a existência de um comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência de um “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento de uma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou[17]». Por seu turno, o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas pode definir-se «como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo)[18]». Finalmente, o tu quoque «exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio; ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada[19]».
No caso sub judice, os recorrentes reportam-se, na sua alegação, à modalidade de venire contra factum proprium.
No entanto, compulsada a matéria provada, não vemos que estejam preenchidos os pressupostos desta figura.
Em primeiro lugar, porque não se encontra configurado qualquer comportamento contraditório por parte dos AA.. É certo que, em sede de embargos de executado, referiram que, em Abril de 2018, entendiam que «desfazer um restaurante», repondo as fracções no estado inicial, levaria mais tempo do que o invocado pelos RR. (cerca de 40 dias). E, em Dezembro de 2019, interpelaram os RR. para a entrega em quatro dias. No entanto, entre Abril de 2018 e Dezembro de 2019 já haviam decorrido vinte meses, pelo que os RR. já tinham tido muito tempo para retirarem os seus pertences do local (e, se não retiraram, sibi imputat, até porque foram eles próprios que se propuseram entregar as fracções até 30 de Maio de 2018). Também não ocorre qualquer contradição entre formularem um pedido, na acção executiva (para pagamento de quantia certa), de elaboração da nota discriminativa, a fim de procederem ao pagamento do que se vier a apurar e terem pretendido, passados alguns dias efectuar o pagamento de forma extrajudicial. É que, por um lado, nada impede que, mesmo que corra uma execução, a quantia peticionada seja total ou parcialmente paga extrajudicialmente (cfr. art. 846.º n.º5 do Código de Processo Civil) e, por outro lado, nada permite concluir que a nota discriminativa elaborada pela Sr.ª Agente de Execução se tenha consolidado, ou seja, que contra ela não tenha sido deduzida reclamação. Portanto, não está configurada a violação, pelos AA., de quaisquer princípios éticos fundamentais.
Finalmente, além de não se ver que o comportamento anterior dos AA. tenha sido de molde a fazer criar nos RR. a convicção de que os AA. não viriam oferecer o pagamento e exigir a entrega das fracções, nada se provou acerca de um eventual «investimento de confiança» por parte dos RR. - ou seja, dos factos provados não resulta que, por causa do comportamento dos AA., os RR. tenham confiado em que lhes fosse concedido mais tempo para ocuparem as fracções.
Improcede, pois, também a excepção de abuso de direito, razão pela qual não se encontra afastada a ilicitude da ocupação das fracções por parte dos RR..
Em relação à culpa, temos que como tal se entende a conduta humana censurada pelo Direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo - art. 487.º n.º2 do C.C. (cfr. Antunes Varela, R.L.J., ano 102.º, págs. 38 e ss.). Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta merecer a reprovação do Direito, pressupondo que o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo.
No caso sub judice, entendemos que os RR. agiram e agem de forma culposa, já que não podem ignorar que detêm ilicitamente as fracções, as quais se encontram obrigados a restituir, por não terem qualquer título que lhes permita a ocupação e por já ter sido oferecida pelos AA. a entrega da quantia que foram condenados a restituir mediante a sentença proferida no processo n.º2009/13, entrega essa que os RR., de forma injustificada, recusaram.
Por fim, dos factos provados resulta também claro que a ocupação em causa originou danos para os AA. e que existe um nexo de causalidade adequada entre a conduta dos recorrentes e tais danos (art. 563.º do Código Civil).
            Vejamos.
Dano é a lesão de um bem jurídico. Engloba, por um lado, a lesão de um património, denominando-se, então, dano patrimonial, e, por outro, a lesão da integridade física e/ou moral de uma pessoa, denominando-se, nesse caso, dano não patrimonial.
No caso dos autos, os AA. encontram-se impossibilitados, desde 13/12/2019, de utilizarem e fruírem as suas fracções, o que constitui um dano susceptível de avaliação patrimonial.
Princípio geral da obrigação de indemnização é o de que o obrigado à reparação do dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – arts. 562.º e 564.º do CC.
Para determinação do valor da indemnização, além dos citados arts. 562.º e 564.º, será ainda necessário levar em consideração o disposto no art. 1271.º, do mesmo diploma, que dispõe que «o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido», bem como no art. 566.º n.º2, também do Código Civil, de acordo com o qual «a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Quanto aos frutos que a coisa produziu, nada se provou, pelo que não existe qualquer diminuição patrimonial dos AA., nesse aspecto.
Já quanto aos frutos que as fracções poderiam ter produzido, provou-se que o valor locativo das mesmas era, em 2019, de € 1.700,00, valor que os AA. poderiam ter obtido se as fracções estivessem disponíveis e, portanto, pudessem ter sido colocadas no mercado de arrendamento. Por outro lado, é facto notório que as rendas têm vindo a aumentar, pelo que não se justifica qualquer diminuição daquele valor de € 1.700,00 ao longo dos anos.
Deste modo, caberia aos RR., solidariamente (cfr. art. 497.º n.º1 do Código Civil), entregarem aos AA. a quantia mensal de € 1.700,00 (e não € 2.200,00, como era pedido), desde 13/12/2019, até à efectiva entrega das fracções. No entanto, atendendo a que a sentença proferida em 1.ª instância fixou a data do início da obrigação de indemnização em 28/12/2019 para os 1.º e 2.ª RR. e na data da citação para a R. sociedade  - e sendo certo que, nessa parte, não foi interposto recurso -, terão de ser essas as datas a considerar.
Nada existe, assim, a alterar na decisão recorrida, nessa vertente, devendo, no entanto, dela ser eliminada a menção de que a indemnização tenha sido fixada «a título de enriquecimento sem causa», já que o fundamento da mesma é antes a responsabilidade civil extracontratual.
Naquilo que diz respeito aos juros de mora, deverá ser alterado o segmento decisório da sentença, no sentido de aí se fazer constar que são devidos apenas desde a data da citação, não só porque, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito, só com a sentença se tornou determinada a obrigação (cfr. art. 805.º n.º3 do Código Civil), como porque é essa a data constante do pedido (pelo que nunca seria possível estabelecer o início da contagem dos juros em data anterior - cfr. arts. 3.º n.º1 e 609.º n.º1 do Código de Processo Civil). Deverão, ainda, os RR. ser absolvidos do mais peticionado pelos AA.. Nessa estrita medida, procede a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a decisão recorrida, que passará a ter a seguinte redacção:
«Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A - Condenam-se os 1.º e 2.ª RR. a pagarem aos AA. a quantia mensal  de € 1.700,00, desde 28/12/2019, até à entrega, aos AA., das fracções autónomas identificadas no ponto 3 dos factos provados, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até total e efectivo pagamento;
B - Condena-se a 3.ª R., desde a data da sua citação, a pagar os valores mencionados em A), solidariamente com os 1.º e 2.ª RR.;
C - No mais, absolvem-se os RR. do pedido».
Custas, nos termos do art. 527.º do Código de Processo Civil, por AA. e RR.:
1 . Em primeira instância, na proporção de 1/5 para os AA. e 4/5 para os RR.;
2. Em segunda instância, na proporção de 1/20 para os AA. e 19/20 para os RR..

Lisboa, 15-07-2025,
Alexandra de Castro Rocha
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
_______________________________________________________
[1] Cfr. Ac. RP de 8/2/2024, proc. 2430/22, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9a15d23e0061c11e80258ae10052c7d6?OpenDocument .
[2] No mesmo sentido, podem ver-se, a título de exemplo, os Ac. STJ de 20/11/2019 (proc. 62/09) e de 2/6/2016 (proc. 781/11), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol I, 3ª ed.,pág. 782.
[4] A este respeito pode ver-se, com grande desenvolvimento, o Ac. RL de 17/10/2017, proc. 585/13, disponível em http://www.dgsi.pt, onde se refere, além do mais, que a verdade apurada no processo não é absoluta, antes se baseando em «duas regras fundamentais:
(i)-Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii)-Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa”.
“Este critério da probabilidade lógica prevalecente (…) não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis. (…) O que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis. Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica».
[5] A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».
[6] Cfr., nesse sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª ed., em anotação ao art. 611.º.
[7] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 1/7/2021, proc. 726/15, disponível em http://www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Henrich Hörster, Teoria Geral do Direito Civil, ano lectivo 1990/1991, polic., UCP/Porto, págs. 631 e ss..
[9] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, em anotação ao art. 754.º.
[10] Cfr., entre outros, o Ac. STJ de 11/12/2012, proc. 116/07, disponível em http://www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Baptista Machado, C.J., 1984, t. II, pág. 17, citando Castanheira Neves; e ainda Baptista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium, in R.L.J., nº3725, pág. 231.
[12] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., pág. 516, cit. pelo Ac. STJ de 5-3-1996, CJ STJ, ano IV, t. I, págs. 115 e ss..
[13] Cfr. Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do Direito, págs. 171 e ss..
[14] Cfr. Ac. RC de 9/1/2017, proc. 102/11, disponível em http://www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. RC de 24/11/2020, proc. 4472/18.9, disponível em http://www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Ac. STJ de 11/12/2013 proc. 629/10.9, disponível em http://www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Ac. STJ de 12/11/2013, proc. 1464/11.2, disponível em http://www.dgsi.pt.
[18] Cfr. Ac. RC de 9/1/2017, já citado.
[19] Cfr. António Menezes Cordeiro – Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, ponto12, in ROA, ano 2005, ano 65, Vol II, Setembro. 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/