| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: | 
 | ||
| Relator: | MARIA JOSÉ COSTA PINTO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE NOTA DE CULPA DECISÃO DISCIPLINAR MATÉRIA DE FACTO DESPEDIMENTO ILÍCITO | ||
|  |  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
|  |  | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
|  |  | ||
| Sumário: | I – O problema da validade de um pacto de exclusividade, à luz das garantias dos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da CRP, só se coloca quando dele resulte, para o trabalhador, a obrigação de não exercer para outrem, ou por conta própria, atividades não concorrentes com a do empregador. II – A licitude da cláusula de exclusividade deve ser averiguada segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um sério e legítimo interesse do empregador. III – No âmbito do direito disciplinar, de natureza sancionatória, é necessária uma descrição escorreita dos factos e uma imputação dos mesmos, sem margem para dúvidas, à conduta do trabalhador, não sendo suficiente que a matéria de facto permita apenas discernir, ou intuir, que o trabalhador teria conhecimento de determinadas circunstâncias de facto, quando esse conhecimento, em concreto, enquanto facto psicológico, é indispensável à afirmação de que a conduta do trabalhador integra infracção disciplinar. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
|  |  | 
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: П 1. Relatório 1.1. AA impugnou judicialmente a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por Agência XX (Agência XX). Realizada a audiência de partes, e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o articulado para motivar o despedimento e o processo disciplinar, o que fez. No respectivo articulado a Ré1 empregadora, alegou, em síntese, que o A. foi despedido com justa causa e processo disciplinar, sustentando os fundamentos que motivaram o despedimento do trabalhador por o mesmo, estando ciente da preparação de uma reportagem acerca da crise energética pelos seus colegas e da intenção destes em entrevistarem a Sra. BB como a personagem principal da referida reportagem, ter contactado esta senhora em momento anterior para preparar uma reportagem para uma empresa cliente da Ré, a TV YY, tudo à revelia da R. e sem o conhecimento dos colegas, em violação da cláusula de exclusividade e do dever de não concorrência, o que levou a que os colegas de trabalho se sentissem enganados e atraiçoados, gerando mau ambiente e um clima de desconfiança. Alegou ainda que, quando confrontado com a situação pelo Coordenador da R. CC, o A. apresentou versões contraditórias das circunstâncias da sua deslocação à casa da Sra. D. BB, bem como adoptou uma postura de isolamento e alheamento, limitando-se a pedir desculpas para justificar a execução deficiente do seu trabalho. Conclui que o A. violou os deveres de exclusividade, obediência, respeito e lealdade para com os seus colegas e para com a Ré e ainda os deveres de praticar os actos tendentes à produtividade, o que torna impossível a continuação da relação laboral. Pediu que, caso se conclua pela ilicitude do despedimento, se exclua a reintegração do autor, por gravemente prejudicial e perturbadora do ambiente de trabalho na R. Juntou o procedimento disciplinar. Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, o A. trabalhador impugnou parte dos factos alegados pela R. e deduziu reconvenção. Alegou, em resumo, para além factualidade atinente ao respectivo percurso laboral ao serviço da R. e aos antecedentes disciplinares, o seguinte: que fez efectivamente trabalho de fixing para a TV YY (recolher contactos e dar indicações de locais que podem ou não ser utilizados para a realização de filmagens e entrevistas) e contactou com a pessoa mencionada nesse âmbito para uma reportagem sobre a crise na habitação, fora do horário de trabalho e em atividade inócua para a Ré, com quem tem um contrato de trabalho a tempo parcial; que tinha um conhecimento geral da reportagem que estava a ser preparada na R. sobre a pobreza energética em ... e a dificuldade de aquecimento das casas portuguesas, especialmente durante o inverno, por ter sido esse tema abordado em reuniões da redacção em que esteve presente e no grupo de whatsapp do qual também faz parte, mas não estava a par dos pormenores, não tendo estado na reunião de dia 14, em que estava de folga, pelo que não sabia que os seus colegas se deslocariam no dia seguinte a ...; que conversou com a dita Sra. BB, cujo nome nunca foi mencionado no grupo de whatsapp, mas o seu depoimento não se enquadrava no âmbito do tema a abordar pela TV YY; que só se apercebeu que os seus colegas iriam a ... depois de estar fora do local; que facultou aos colegas os contactos dos moradores do lote 70 e estabeleceu contacto da Sra. BB com um colega, sendo a reportagem realizada pela R. no dia 20 de Fevereiro; que não referiu o tema do lote 70 e os contactos feitos à TV YY; que esteve a trabalhar até ao despedimento; que a cláusula de exclusividade aposta no seu contrato de trabalho é ilícita e deve ser declarada nula; que o trabalho do A. como fixer para a TV YY, que é cliente da R., nunca podia ser considerado concorrente; que as duas empresas actuam em mercados diferentes; que as reportagens são completamente diferentes; que não violou o dever de executar actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa pois só se apercebeu da deslocação dos colegas ao lote 70 depois de lá sair e desconhecia que pretendiam entrevistar a Sra. BB, tendo fornecido todos os contactos após ter sido informado da confusão criada; que não violou o dever de lealdade e respeito e que o seu comportamento não foi grave, uma vez que a única consequência que teve foi o atraso nas gravações e entrevista, por 5 dias, sendo a sanção aplicada desproporcional e o despedimento ilícito. Sustenta, ainda, que seja julgado improcedente o pedido de exclusão da reintegração. Formulou, a final, o pedido: - de declaração de ilicitude do despedimento por ausência de justa causa; - de condenação da R. a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final e - de condenação da R. na reintegração do A. ou, em alternativa, a pagar-lhe indemnização em montante não inferior a 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção, conforme opção que venha a fazer. Foi proferido despacho saneador. Realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual o A. reiterou que pretendia a reintegração, a Mma. Juiz a quo proferiu em 05 de Fevereiro de 2024 sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, julga-se lícito e regular o despedimento com justa causa sem indemnização ou compensação de AA, datado de 06-06-2023. Custas pelo autor. Fixo à causa o valor de € 2000,00. […].» 1.2. O A., inconformado interpôs recurso desta decisão tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: “i. O Recorrente intentou a presente ação contra a Recorrida em consequência do despedimento ilícito e abusivo levado a cabo pela mesma, sem fundamento de facto e de Direito, resultante de meras convicções e muita desconfiança (injustificada), num verdadeiro processo de intenções que mancha a imagem profissional e o bom nome do Recorrente. ii. O Tribunal a quo declarou o despedimento do Recorrente regular e lícito, absolvendo a Agência XX de todos os pedidos; iii. A Sentença sob censura encontra-se ferida de nulidade, por flagrante omissão de pronúncia (em violação do disposto na alínea d) n.° 1 do art.° 615.a do Código de Processo Civil, uma vez que não se pronuncia sobre a proporcionalidade e licitude da Cláusula de exclusividade aposta no contrato de trabalho do Recorrente que, por si mesma, constitui matéria essencial para efeitos de apreciação da regularidade e licitude do despedimento em causa nos presentes autos. iv. Por outro lado, a Sentença sob censura padece de erro de julgamento na apreciação dos factos admitidos por acordo e confessados, na seleção dos factos relevantes para a boa decisão da causa, e na aferição da prova produzida, padecendo de vários erros de julgamento no que aos factos provados diz respeito; v. O primeiro erro da decisão sobre a matéria de facto resulta de o Tribunal a quo não ter considerado todos os factos admitidos por acordo e/ou confessados. Nessa medida, reconhecendo o erro de julgamento, deverão ser aditados à fundamentação de facto as matérias constantes dos artigos - 3.°; 6.°- sendo que em vez de “atualmente” passou a constar “à data dos factos”; art.° 77.° até despedimento e dos artigos 80.° e 81.° todos da contestação. E dos artigos 4.° e 77.° da contestação, confessados em depoimento de parte da Recorrida. vi. Adicionalmente, o Tribunal a quo deixou à margem da decisão factos essenciais e instrumentais alegados pelo Recorrente na Contestação e sobre os quais foi feita prova e, como tal, deverão integrar a Sentença. vii. Em consequência, deverá o Tribunal ad quem reapreciar a prova testemunhal acima devidamente identificada e deverá ser aditada à matéria de facto da Sentença a factualidade constante dos artigos 45.°, 53.°, 59.° e 76.° da Contestação; 76A) A Reportagem sobre a pobreza energética, iniciada em janeiro de 2023, era para ser publicada durante o primeiro trimestre do ano (no curso do inverno) 79A) À data de 9 de Fevereiro, a equipa que se encontrava afeta à elaboração da reportagem sobre a pobreza energética, já tinha entrevistado a Sra. DD, que vive na ... e que sofre com o frio em casa no inverno, tendo obtido depoimentos e imagens, que foram utilizadas na versão final da reportagem. 81A) No dia 15 de Fevereiro, pouco depois das 11h, foi o mesmo Sr. EE que acompanhou o Autor da saída do metro de ... até ao ..., tendo-o apresentado a diversos moradores, um deles, a Sra. BB com quem o Autor travou conversa, tendo-ihe sido fornecido mais outro contacto de uma moradora do Lote, a Sra. FF, que não se encontrava no iocainesse dia". 65B) A TV YY é cliente da Ré e não sua concorrente viii. Acresce ainda que, as matérias alegadas nos artigos 17.°, 65.° e 74.° da Contestação foram dadas como factos não provados sob as alíneas a), j) e k) da decisão sob censura mas, erradamente, pois foi produzida prova cabal sobre os mesmos, que impunha decisão distinta, pelo que, nesse sentido, deverão os artigos acima referidos ser aditados à factualidade provada, nos seguintes termos: 69 A) Por altura da sua contratação, em reunião com a GG Diretora da Agência XXpara todos os escritórios da ..., o Autor levantou a questão da exclusividade, referindo inclusivamente a possibilidade de fazer alguns trabalhos nos seus dias de folga, uma vez que iria reduzir consideravelmente o período normal de trabalho semanal (de 35h para 21h) e, consequentemente, a sua retribuição mensal, o que lhe foi autorizado, sem necessidade de qualquer autorização adicionai, desde que esses trabalhos fossem realizados fora do horário de trabalho e não fossem jornalísticos; 47A) As perguntas realizadas pelo CC na reunião de 16 de Fevereiro deixaram o Autor muito apreensivo e temeroso. 87A) Tendo-se apercebido que os moradores do ... residiam em habitação pública (iHRU), o Autor nunca chegou a referir o tema do ... e os contactos feitos à TV YY. ix. Finalmente, a Sentença recorrida considerou [erradamente] provadas as matérias sob o ponto 16) e sob ponto 51), que tem de ser retirados da decisão, por não provados; Quanto ao ponto 16) esta matéria, alegada pela Recorrida no artigo 33.° do AMD, resultou assente, por acordo das partes em sede de audiência de julgamento (despacho constante da Ata da 1.° sessão) apenas a partir de “ — estando” excluindo-se, “Em todas estas reuniões o Autor encontrava-se presente”. Acresce que nenhuma das testemunhas ouvidas confirmou que o Recorrente esteve presente em todas as reuniões onde foi abordado o tema da reportagem sobre a pobreza energética. Nessa medida deve ser dada nova redação ao ponto 16 dos factos provados, conforme aquela que foi o acordo das partes, eliminando a expressão “o Autor encontrava-se presente nestas reuniões”, nos seguintes termos: 16. O Autor estava incluído no referido grupo do whatsapp e, por isso, a par deste projeto de reportagem. x. Por outro lado, também não ficou provado que na altura da contratação em 2017, pelo menos a GG não tenham dito ao Autor que este podia trabalhar por conta própria. Neste sentido, tem de ser eliminado o ponto 51) por estar em total oposição com a prova produzida, e até com a apreciação que a Meritíssima Juiz fez deste depoimento. E/ou substituído por outro que refira as concretas condições em que tal autorização foi concedida. xi. Quanto à decisão de Direito, a primeira crítica a fazer à Sentença sob censura é o facto de a fundamentação da decisão ser feita por mera adesão, por transcrição, dos textos do articulado motivador. Com efeito, houve matéria alegada pela Ré não foi dada como provada e matéria alegada pelo Autor, em sua defesa que foi também provada e que merecia uma ponderação do Tribunal. É uma péssima forma de exercício do poder decisório! xii. Se a Meritíssima Juiz se tivesse debruçado, criticamente, como determina o art.° 607 (n.° 4) do CPC, sobre os factos provados por ambas as partes, e sobre todas as questões submetidas pelas partes (art.° 608.° do CPC), e não apenas pela Ré, o resultado seria diferente. Ao limitar-se a aderir à fundamentação da Recorrida, a Meritíssima Juiz caiu no mesmo vício da decisão de despedimento - julgar o Recorrente na base de um processo de intenções, não tendo qualquer factualidade que lhe permitisse assim concluir! xiii. Ora, ao contrário do entendimento vertido na sentença sob censura, o Recorrente não estava sujeito a qualquer obrigação de exclusividade, porquanto a Cláusula 13.a do seu contrato de trabalho é completamente ilícita e desproporcional, limitando a liberdade de trabalho sem qualquer justificação e contrapartida remuneratória. Neste sentido, não existirá qualquer motivo para que o Recorrente tenha que pedir autorização para prestar uma atividade não concorrente e fora do seu tempo de trabalho. xiv. Ainda que assim não se entendesse, o Recorrente foi autorizado a colaborar com entidades exteriores sem qualquer condição, desde que não fosse atividade jornalística e não é possível concluir dos factos provados, que a concreta atividade de fixing prestada pelo Recorrente à TV YY se traduza numa atividade intrinsecamente jornalística. xv. Mais acresce que as duas entidades (Recorrida e TV YY) não são concorrentes, tendo, assim, andado mal o Tribunal a quo ao considerar que impendia sobre o Recorrente a obrigação de pedir autorização escrita ao seu superior hierárquico, pois fê-lo sem base ou fundamento factual. xvi. Em segundo lugar, de acordo com a fundamentação da sentença (copia da do articulado motivador) a infração disciplinar resulta do facto de o recorrente ter contatado a Sr.a BB (à qual, atente-se, nunca chegou a entrevistar) sabendo que os seus colegas a queriam entrevistar personagem principal!! É este comportamento que a Meritíssima Juiz considera desonesto e desleal e é neste facto que reside a deslealdade e falta de companheirismo, e a falta de vontade de colaborar e ser eficiente!!! Ou seja, a acusação de violação do dever de obediência, lealdade (em termos gerais) e de respeito! xvii. Ora dos factos provados não resulta que a conduta do Recorrente tivesse tal intencionalidade uma vez que o Recorrente não sabia, nem tinha como saber, que os seus colegas se iriam deslocar ao ... naquele dia para entrevistar a Sra. BB, com intenção que esta figurasse como personagem principal da reportagem. Mais acresce que o contato estabelecido com a Sra. BB foi totalmente ocasional e fortuito e que nunca teria acontecido, naquele dia, caso o Sr. EE não tivesse tido a iniciativa de apresentar a Sra. BB, ao Recorrente. xviii. Em terceiro lugar, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a conduta do Recorrente se afigura grave pois a circunstância de a Recorrida atuar no mesmo mercado que a TV YY não releva qualquer especial gravidade; a reportagem dos seus colegas não perdeu a sua novidade e oportunidade; nem terá o Recorrente ocultado a atividade de fixing que estava a fazer. É evidente que o Recorrente nada premeditou! xix. Acrescenta-se que o Tribunal a quo desconsiderou por completo que o Recorrente pediu desculpas pelo sucedido, tendo fornecido de imediato os contactos obtidos aos seus colegas. xx. Por fim, da conduta do Recorrente não resultaram prejuízos para a Recorrida, uma vez que a única consequência efetiva e concreta da sua conduta terá sido um atraso de 5 dias (de dia 15 para dia 20 de Fevereiro) na elaboração da reportagem, que nem afetou a pretensão dos seus colegas de publicar a reportagem durante o inverno; xxi. E muito menos terá a conduta do Recorrente influenciado o ambiente na redação, dado que após o incidente, ainda que um pouco tenso no início, o ambiente amenizou-se, e os seus colegas e o Recorrente permanecerem a trabalhar com normalidade. xxii. Para além do mais, resultou provado que o Recorrente permaneceu a exercer funções da Recorrida após o incidente e até ao seu despedimento, com normalidade. xxiii. Finalmente, e deveras importante, é o facto de o Recorrente, uma vez convidado, a fazer outro trabalho de fixing, ter solicitado autorização para o efeito à Recorrida, como resultou provado por acordo das partes (arts 80.° e 81.° da contestação admitidos por acordo). xxiv. Esta circunstância faz cair por terra a afirmação da Meritíssima Juiz no sentido de que, com muita probabilidade o autor “faria o mesmo” não sendo exigível à Ré manter esta relação de trabalho “desconhecendo quando é que uma ideia de reportagem não será novamente passada a outra entidadd'. Nada mais errado e infundado! Mesmo não concordando com a Recorrente, percebendo que o entendimento da Agência XX é diferente do seu, o Recorrente optou por alinhar a sua conduta com a data entidade patronal, sendo totalmente falso que o recorrente tenha mantido uma postura de isolamento e de alheamento, que aliás não se provou! xxv. Assim, não se verificam os pressupostos de justa causa para o despedimento previstos no art.° 351.° n.° 1 do Código do Trabalho pois não existe qualquer comportamento ilícito e, muito menos, culposo que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. xxvi. Ao decidir em sentido contrário, a Sentença recorrida violou o princípio da boa-fé e a garantia Constitucional à Liberdade de Trabalho e o art.° 53.° da CRP, que proíbe, com vista a garantir a todos os trabalhadores a segurança no emprego, o despedimento ilícito; xxvii. Viola igualmente a alínea k) do n.° 1 do artigo 129.° do Código do Trabalho que prevê a garantia do trabalhador e o dever do empregador em não obstar que o trabalhador exerça outra atividade profissional; xxviii. A decisão sob censura viola os artigos 351.° e 330.° do Código de Trabalho que determina que a sanção disciplinar a aplicar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator - o que, conforme acima exposto, são manifestamente diminutas e/ou inexistentes, levando à eminente conclusão pela desproporcionalidade da sanção de despedimento aplicada nos presentes autos. xxix. Por fim, a Sentença recorrida viola o disposto no artigo 338.° do Código do Trabalho que proíbe o despedimento sem justa causa!. Nestes termos e nos demais de Direito que Vas Exas. Doutamente suprirão, deverão as presentes alegações de recurso serem julgadas procedentes, nos termos e com os fundamentos suprarreferidos e, em consequência: a) Deverá ser declarada a nulidade da Sentença, por omissão de pronúncia, em consequência declarada a peticionada ilicitude da cláusula de exclusividade aposta no Contrato de Trabalho, por violação do disposto no art.° 129.°, n.° 1 alínea K) do CT, e por violadora da Boa-fé, da garantia Constitucional à Liberdade de Trabalho, o artigo 53.° da CRP e os artigos 351.°, 330.° e 338.° do Código do Trabalho; b) Deverá ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, com as legais consequências; c) Deverá ser revogada a sentença e substituída por outra que julgando o despedimento do recorrente ilícito e desproporcional, por ausência de justa causa, condene a Recorrida a reintegrar o Recorrente e a pagar-lhe todos as retribuições vencidas desde a data do despedimento, até à data do trânsito em julgado da decisão do Tribunal, e nas demais consequências legais.” 1.3. Respondeu a R. recorrida, concluindo que: “1. O presente recurso de apelação não pode proceder. 2. Nenhuma omissão de pronúncia ocorreu nos presentes autos, pois que o Recorrente em nenhum momento pediu a verificação da licitude ou ilicitude (ou sequer da proporcionalidade) da cláusula de exclusividade aposta no seu contrato de trabalho. 3. Como tal, quer a arguição de nulidade do Recorrente, quer o seu inconformismo com o mesmo fundamento desaguam numa ilegítima pretensão de que o Tribunal a quo tivesse incorrido em evidente excesso de pronuncia, a qual se verifica quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 2a parte da alínea d) do n° 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666.°, n.° 1, do mesmo diploma). 4. Tanto é o que resulta, inevitavelmente, do princípio dispositivo e do que cristalinamente ressalta do artigo 608.° do Código de Processo Civil (CPC), onde se lê que: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (negrito e sublinhado nossos) e, bem assim, do que estatui o n.° 1 do artigo 609.° do CPC: “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”. 5. Deste modo, não pode o Recorrente pedir “B” e depois queixar-se de o Tribunal não ter conhecido de “C” (pedido que não formulou), sob pena de existir uma ampliação do pedido em violação do disposto no artigo 265.°, n.° 2 do CPC. 6. Por outro lado, as razões em que o recurso assenta não merecem, salvo o devido respeito por melhor opinião, qualquer provimento, o que decorre, claro está, da circunstância de ter o Tribunal a quo decidido corretamente, atendendo à matéria de facto que ficou por demais demonstrada e aos fundamentos de Direito que estão na base do presente litígio. 7. Os pedidos de modificação da matéria de facto formulado pelo Recorrente assentam, no seu próprio depoimento de parte, e no testemunho do Sr. EE, testemunha absolutamente distanciada do tema em causa e que teve uma intervenção meramente incidental nos factos, limitando-se a recorrer aos demais depoimentos em matéria estratégica, desconsiderando o contexto dos mesmos e, muitas vezes, o âmbito das questões em que as respostas se encontravam inseridas - recortando convenientemente e procurando, assim, fazer da prova testemunhal , um fato à medida das suas pretensões. 8. Ainda que assim não fosse e que não fossem clamorosamente improcedentes as suas pretensões modificativas da douta decisão proferida acerca da matéria de facto, mesmo aí teria de se ter em conta - o que o Recorrente não faz - a Jurisprudência que restringe a possibilidade de modificação a situações em que seja possível concluir com certeza ter havido erro manifesto na valoração da prova - o que nunca é demonstrado pelo Recorrente. 9. Expurgando as muitas considerações laterais que se surpreendem nas suas alegações, resta apenas um inconformismo do Recorrente relativamente à pouca relevância dada às suas próprias palavras e a de testemunhas que se lhe afiguram “chave” mas que para o Julgador não mereceram relevo. 10. No que respeita à análise da matéria de facto, importa notar que, nos termos do artigo 662.° do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação apenas “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa", e que a “Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) anular a decisão proferida na 1.a instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.a instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados". 11. Resulta da interpretação deste preceito legal, em conjugação com a jurisprudência e doutrina dominantes sobre a matéria, que modificação da matéria de facto apenas pode ocorrer nas situações em que se verifique a existência de um erro flagrante na decisão da matéria de facto; ou seja, tem que existir uma verdadeira convicção de forma - o erro sobre a matéria de facto tem que ser evidente para justificar a sua modificação. 12. Bem pelo contrário, o que toda a prova produzida demonstra é a bondade e licitude do processo disciplinar instaurado pela Recorrida contra o Recorrente, que culminou com a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, absolutamente proporcional e válida; 13. Considera o Recorrente que a Meritíssima Juiz deixou à margem da decisão factos que foram alegadamente admitidos por acordo e provados por confissão, devendo ser dada como provada a factualidade constante dos artigos 3.°, 6.°, art.° 77.° até “despedimento”, artigos 81.° e 82.° e artigo 5.° da contestação. 14. Ora, tais factos, com exceção do artigo 82.° da Contestação, são absolutamente irrelevantes para a decisão da causa, não se contrariando a veracidade dos mesmos, mas não sendo possível estabelecer qualquer relação entre os mesmos e o pedido formulado pelo Recorrente. 15. No que respeita especificamente ao art.° 82.°, se é certo que o Recorrente assentiu em não realizar este novo trabalho de fixing para a TV YY, em nenhum momento resulta provado - nem mesmo no depoimento prestado pelo próprio - que tal decisão tivesse sido tomada com vista a preservar a sua relação laboral. O Recorrente limitou-se a acatar uma ordem que lhe foi dada pelo seu superior hierárquico já que, não o fazendo, incorreria numa (ou diga-se antes, mais uma) violação direta e flagrante dos deveres a que se encontrava adstrito. 16. Considera ainda o Recorrente que a Meritíssima Juiz deixou à margem da decisão factos com relevo para a boa decisão da causa, e relativamente aos quais foi produzida prova, concretamente os artigos 45.°, 53.°, 59.° e 76.° da Contestação. 17. Também aqui se desconhece em absoluto o motivo pelo qual pretende o Recorrente ver considerados como provados estes factos, porquanto mais uma vez os mesmos são absolutamente irrelevantes para a decisão da causa, não se contrariando a veracidade dos mesmos, mas não sendo possível estabelecer qualquer relação entre os mesmos e o pedido formulado pelo Recorrente. 18. Especificamente no que ao Art. 76.° diz respeito, nem sequer a eventual consideração de tal facto como provado teria a virtualidade de, por qualquer meio, diminuir o grau de culpa do Recorrente ou a gravidade dos seus comportamentos e o impacto negativo que poderia ter para a Recorrida, conclusão para a qual tem particular relevo o depoimento da testemunha CC. 19. Considera ainda o Recorrente que foram dados erradamente como não provados factos relativamente aos quais foi alegadamente realizada prova cabal, concretamente os artigos 17.°, 65.° e 74.° da Contestação. 20. Quanto ao artigo 17.°, do depoimento credível e perentório prestado pela testemunha GG resulta claro que todos os trabalhadores da Agência XX têm a possibilidade de colaborar com terceiros desde que estejam reunidas duas condições: (i) que apresentem uma autorização escrita por cada colaboração com entidades externas e (ii) não trabalhar com concorrentes diretos. 21. Mais resultou provado nunca o Recorrente ter pedido especificamente autorização para trabalhar como “fixe?', atividade que assume naturalmente caráter jornalístico (o que o Recorrente bem sabia, do que é sintomático não ter levantado expressamente este tema na referida reunião). 22. A respeito do artigo 65.° da Contestação, haverá que reiterar que não foi carreada aos autos qualquer prova acerca deste facto pelo Recorrente. 23. Bem pelo contrário resulta cabalmente provado do depoimento da testemunha HH que a atitude do Recorrente foi de absoluta negação, revelando até agressividade nas pouquíssimas respostas que deu quando lhe foram pedidas explicações acerca do sucedido, sempre num tom evasivo e nada colaborativo, o que gerou um sentimento de revolta e injustiça nos seus colegas de trabalho, levando inclusivamente a que a fotojornalista II abandonasse a reunião antes do seu fim. 24. Ainda quanto ao art. 74.°, a consideração deste facto como provado, ou não, não apresenta absolutamente nenhum relevo para a decisão da causa, porquanto resulta evidente que a violação do dever de lealdade por parte do Recorrente não depende da concretização desta reportagem por parte da TV YY, ou sequer da utilização de informação relativa ao ..., mas apenas do simples facto de aquele se predispor a utilizar informação que havia sido divulgada e transmitida pelos seus colegas da Recorrida para ajudar a “compor' uma reportagem a ser publicada por outro meio de comunicação social. 25. A conclusão, extraída pelo mesmo, de que se apercebeu que os moradores do ... residiam em habitação pública apenas se verificou quando se deslocou a este local para se encontrar com a Sra. BB, pelo que sempre existiria previamente subjacente a intenção de conseguir obter, com este contacto, informação relevante para a reportagem da TV YY. 26. Por último, alega ainda o Recorrente que foram dados erradamente como provados determinados factos, concretamente os pontos 16) e 51) da listagem de factos provados constante do subcapítulo 2.1.1 da sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo. 27. Pretende o Recorrente que o facto provado 16) seja alterado para constar apenas que “o Autor estava incluído no referido grupo de Whatsapp, e, por isso, a par deste projeto de reportagem", por entender não ter resultado provado que o mesmo esteve em TODAS as reuniões mantidas sobre o tema. 28. Em nenhum momento a sentença considera provado que o Recorrente esteve presente em TODAS as reuniões. 29. Nem sequer seria necessário que tal ocorresse para que o mesmo tivesse plena e perfeita consciência de que os seus colegas iriam realizar a referida reportagem, sendo que resultou igualmente provado (facto n.° 15 que, curiosamente, o Recorrente não coloca em causa), que “durante todo este período iniciado em novembro, este tema, assim como o trabalho de recolha de elementos e pesquisa que estava a ser levado a cabo, foram abordados nas reuniões de equipa, presenciais ou através de meios de comunicação à distância, assim como no grupo de Whatsapp da redação", e que o Recorrente estava nesse mesmo grupo de Whatsapp! 30. É absolutamente evidente que o Recorrente estava perfeitamente a par da intenção dos seus colegas de trabalho, dos objetivos da reportagem que iriam realizar, dos testemunhos que pretendiam obter e de quem pretendiam entrevistar como personagem principal da reportagem. 31. Mais, ficou cabalmente provado (aliás, confirmado em sede de audiência de julgamento pela leitura das mensagens trocadas no grupo de whatsapp) que o Recorrente tomou conhecimento de os seus colegas iriam a ..., especificamente ao ..., falar com a Sra. BB, antes de se dirigir ao mesmo local para se encontrar com o Sr. EE. 32. O Recorrente sempre foi bem tratado, de forma educada, cordial e até pedagógica, pelos seus superiores hierárquicos, em concreto pelo Sr. CC, “Coordenador Editorial” da redação de ... e responsável em primeira instância pela revisão dos artigos redigidos pelo Recorrente, assim como pelos demais colegas de trabalho. 33. O seu superior, assim como os demais colegas de trabalho apostaram no Recorrido e procuraram continuar a integrá-lo na equipa e a incentivá-lo a propor temas para reportagens, ainda que o mesmo já tivesse, no passado, sido sancionado por condutas que demonstravam grande desrespeito pela sua entidade empregadora e pelos seus colegas de trabalho. 34. Como bem refere a decisão recorrida, “não ficou demonstrada qualquer “perseguição” ao autor. Pelo contrário, os factos provados revelam que o autor - aliás o próprio o disse - ia às reuniões, estava integrado no grupo whatsapp, conhecia as reportagens a serem realizadas que não lhe incumbiam diretamente, o autor é que, pelo contrário, consciente das cláusulas de lealdade e exclusividade, da necessidade de autorização para trabalhar com outras entidades na área do jornalismo, não se preocupou em pedir autorização/comunicar/ esclarecer a situação". 35. O Recorrente, ao invés, continuou a demonstrar uma enorme falta de humildade, afastamento, desinteresse e falta de colaboração com os seus colegas, numa atitude de arrogância e quase afronta. 36. O seus colegas, nos seus depoimentos, demonstraram surpresa e zanga com a atitude do Recorrente, e até tristeza e desapontamento, indicando por várias vezes não considerarem possível restabelecer uma relação de confiança com o Recorrente que é absolutamente determinante para o bom funcionamento de uma agência com tão poucos trabalhadores. 37. A tese imaginada pelo Recorrente de que foi vítima de qualquer tipo de “processo de intenções”, como refere nas suas alegações, não encontrou qualquer eco na factualidade provada. 38. De entre os deveres que emergem para o trabalhador da relação laboral destacam- se os deveres de urbanidade e probidade para com o empregador e os superiores hierárquicos, de guardar lealdade ao empregador (em sentido amplo) e de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, por se tratar de deveres essenciais e elementares da relação de trabalho. 39. O dever de lealdade integra um dever acessório autónomo da prestação principal, fundado na relação de confiança entre as partes, que restringe a liberdade do trabalhador, atenta a necessidade de proteção do empregador contra os atos suscetíveis de lesar os seus interesses. Este dever de lealdade do trabalhador coincide, a final, com o dever geral de cumprimento pontual dos contratos, enunciado no n.° 2 do artigo 762.° do Código Civil. 40. iA violação do dever de lealdade por parte do Recorrente não depende da concretização de qualquer reportagem por parte da TV YY referindo o ..., mas apenas do simples facto de o mesmo se ter predisposto a utilizar informação que havia sido divulgada e transmitida pelos seus colegas da Recorrida, para ajudar a “compor” uma reportagem a ser publicada por outro meio de comunicação social. 41. As condutas levadas a cabo pelo Recorrente são reveladoras de um manifesto desrespeito dos valores que a Recorrida defende e os quais devem pautar as relações entre os trabalhadores e também entre estes e os seus superiores hierárquicos. 42. Para além da violação do dever de respeito, resultaram amplamente provadas e demonstradas violações dolosas - porque intencionais - e grosseiras dos deveres de lealdade, não concorrência e exclusividade. 43. A obrigação de exclusividade aposta no contrato de trabalho do ora Recorrente, ao contrário do pretendido pelo mesmo, era totalmente válida, lícita e proporcional, não padecendo de qualquer tipo de vício. 44. A atividade de fixing é, efetivamente, uma atividade jornalística, com impacto na atividade da Recorrida, considerando que a TV YY se move no mesmo mercado concorrencial. 45. Haverá necessariamente que concluir que os factos praticados pelo Recorrente sempre constituiriam uma clara e flagrante violação do dever de lealdade, constante da alínea f) do n.° 1 do artigo 128.° do Código do Trabalho. 46. Os comportamentos do Recorrente traduziram uma violação dolosa e grosseira de realizar de modo zeloso o trabalho e de praticar os atos tendentes à produtividade, os quais não são observados quando este se dedica a trabalhar “em dois tabuleiros” em seu benefício, quando promove contactos junto das mesmas pessoas, causando entropias e perplexidades e confusões junto das mesmas fontes, gerando deslocações inúteis aos locais a visitar nas reportagens e criando mau ambiente junto dos prestadores de serviços e trabalhadores da Recorrida. 47. Ficou ainda provada uma violação dolosa e grosseira do dever de obediência. 48. O Recorrente já foi disciplinarmente sancionado no passado, ao serviço da Recorrida, com sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição, por violação culposa por parte do Recorrente dos mais elementares deveres laborais. 49. Esta conduta do Recorrente - ademais considerando os antecedentes disciplinares, foi obviamente apta a colocar definitivamente em crise a confiança depositada na sua pessoa pela Recorrida, na pessoa dos seus superiores hierárquicos e dos seus colegas de trabalho. 50. O seu comportamento gerou uma evidente destruição do clima de confiança, segurança, lealdade e camaradagem que são absolutamente essenciais no local de trabalho e no âmbito de qualquer relação laboral. 51. Esta conduta gerou na Recorrida dúvidas a respeito da probidade, honestidade e idoneidade do Recorrente, até pela postura de ocultação que se retira da factualidade considerada provada. 52. A recorrente conduta desleal e pouco séria do Recorrente, colocaram em causa o ambiente e a própria estrutura organizativa e hierárquica em que se encontrava integrado, bem como os valores existentes na Recorrida e pelos quais a agência sempre pautou a sua atividade. 53. Foi incongruente e desonesto da parte do A. ter avançado com o estabelecimento de um contacto com a Sra. D. BB, em benefício da TV YY e em seu próprio benefício financeiro, quando estava perfeitamente ciente, por tudo quanto resultou provado e demonstrado, que tinha plena consciência da intenção dos seus colegas de efetuarem a reportagem sobre a pobreza energética e de quererem que a referida senhora fosse a personagem principal da reportagem. 54. Face às condutas graves e dolosas do Recorrente, toda e qualquer confiança que foi ao longo dos últimos anos depositada no mesmo, foi quebrada por completo e não pode de forma alguma ser restaurada. 55. Afigura-se preenchido o previsto no número 1 do artigo 351.° do Código do T rabalho, pois que se constata existir comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências - mormente na confiança mínima que tem de existir em qualquer relação de trabalho - implica que tenha sido impossível a conservação do vínculo. 56. Os factos apurados em momento algum apontaram para uma acusação disciplinar com falsos argumentos, ilícita ou, por qualquer meio, desproporcional. 57. Considerar-se que esta conduta do Recorrente não é apta a integrar o conceito de justa causa de despedimento, implicaria um total esvaziamento do poder de direção e disciplinar do empregador, e da própria sanção de despedimento com justa causa conforme legalmente prevista. 58. Bem andou, portanto, o Tribunal a quo em todo este contexto de facto e de Direito em concluir que “a sanção disciplinar de despedimento é adequada à gravidade dos factos e proporcional à culpa do agente, agravada pela sua reincidência, pelo que julgamos o despedimento lícito". Nestes termos, e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, seja pelos fundamentos louvavelmente constantes da sentença injustamente posta em crise, seja pelos expostos nas alegações e conclusões apresentadas, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, com o que farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!” 1.4. O recurso foi admitido. A Mma. Juiz a quo pronunciou-se ainda sobre a arguida nulidade, afirmando que em seu entender “não se verifica a nulidade da sentença invocada, nos termos do art. 615.º n.º 1 d) do CPC, pois que o Tribunal não tem que conhecer de todos os argumentos invocados pelas partes, mas apenas das questões que sejam pertinentes para a decisão, o que não é o caso”. 1.8. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de o acórdão a proferir contemplar a continuidade da sentença. Cumprido o contraditório, nenhuma das partes se pronunciou. Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir. * 2. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes: 1.ª – da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 2.ª – da impugnação da decisão de facto; 3.ª – da existência de um comportamento infraccional por parte do recorrente, o que implica a análise da sub-questão da licitude da cláusula de exclusividade aposta ao contrato de trabalho celebrado entre as partes; 4.ª – da justa causa para o despedimento do recorrente; 5.ª – das consequências do despedimento, caso se conclua pela sua ilicitude. * 3. Da nulidade da sentença O recorrente vem alegar, antes de mais, que a sentença sob censura se encontra ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, em violação do disposto na alínea d) n.° 1 do art.° 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que não se pronuncia sobre a proporcionalidade e licitude da cláusula de exclusividade aposta no seu contrato de trabalho que, por si mesma, constitui matéria essencial para efeitos de apreciação da regularidade e licitude do despedimento em causa nos presentes autos. A recorrida, por sua vez, alega que não foi peticionada a declaração de nulidade da cláusula de exclusividade, que o tribunal não fez mais do que ater-se ao pedido formulado e que, se se tivesse pronunciado incorria, aí sim, em evidente excesso de pronúncia, o qual se verifica quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 2.ª parte da alínea d) do n° 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666.°, n.° 1, do mesmo diploma). Vejamos. Estabelece o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho ser nula a sentença quando: «a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.» A nulidade por omissão de pronúncia prevista no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, consiste no incumprimento do dever que ao juiz incumbe de, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, bem como aquelas cujo conhecimento oficioso lhe seja imposto por lei (artigo 608.º, n.º 2 do mesmo Código de Processo Civil). A questão que se coloca consiste, pois, em saber se no caso vertente se impunha à Mma. Juiz a quo emitir pronúncia sobre a questão da proporcionalidade e licitude da cláusula de exclusividade aposta no contrato de trabalho. No procedimento disciplinar instaurado e no articulado motivador do despedimento (artigos 110.° e ss. do articulado motivador do despedimento), a recorrida imputou ao recorrente a violação culposa dos deveres de exclusividade, não concorrência e do dever geral de lealdade, pelo facto de o mesmo ter prestado a atividade de fixing para um cliente da recorrida, a TV YY. E invocou, especificamente, estar o A. vinculado à cláusula de exclusividade aposta no contrato de trabalho, segundo a qual o trabalhador “compromete-se, durante toda a vigência deste contrato, a dedicar o seu tempo e atividade ao serviço da Agência XX Qualquer trabalho remunerado ou atividade desempenhada fora da Agência XX deve ser previamente autorizada por escrito pelo superior hierárquico. Tal autorização pode ser revogada a qualquer momento, sem obrigação da parte da Agência XX de justificar a sua decisão, se o trabalho externo prejudicar os interesses da Agência XX” (cláusula 13.ª), autorização que nunca foi concedida. Acrescentou que a TV YY não é uma agência noticiosa, mas move-se no mesmo circuito da R. sendo, cliente da R., o que tem especial gravidade para esta situação. Analisada a contestação do ora recorrente, verifica-se que na mesma este invoca, quanto à vinculação à cláusula de exclusividade, ser esta disposição contratual ilícita, desproporcional e abusiva, altamente limitativa da sua liberdade de trabalho uma vez que, traduzida à letra, impõe a proibição de prestação de trabalho para terceiros, seja qual for o seu âmbito, e sem qualquer contrapartida, pois não foi estabelecida qualquer remuneração pela obrigação de exclusividade, pelo que deverá ser declarada nula (artigos 92.° e ss. da contestação, vg. 108.º). Tendo a sentença dado como provado o facto 11., em que reproduz a referida cláusula de exclusividade, e tendo também reconhecido que “o autor desrespeitou frontalmente as cláusulas de lealdade e exclusividade acordadas no contrato” quando aproveitou a ideia de uma colega e a utilizou, ou tentou utilizar, em benefício de outra entidade, e tendo fundado a sua decisão no sentido da verificação de justa causa de despedimento, também, na violação grave do inerente dever de exclusividade – e não apenas de lealdade ou não concorrência –, é patente que deveria a Mma. Juiz a quo, nos termos prescritos no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, ter apreciado a questão expressamente suscitada pelo A. na sua contestação, face ao evidente relevo da mesma para a qualificação da conduta do recorrente como violadora do dever de exclusividade para si emergente da indicada cláusula contratual. Trata-se de uma questão jurídica suscitada na contestação, que ao tribunal recorrido cabia enfrentar e resolver, por contender directamente com a qualificação da conduta apurada do recorrente como infracção disciplinar, nesta vertente. A esta conclusão não obsta que o recorrente não tenha feito constar no termo do seu articulado um expresso pedido de declaração de nulidade da cláusula contratual. Estamos perante realidades diferentes que cabe não confundir. Às questões suscitadas pelas partes e que cabe à sentença conhecer, reporta-se o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, cuja inobservância acarreta a nulidade decisória prevenida no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do mesmo diploma. Ao pedido formulado e cujos limites a sentença deve observar, reporta-se o artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, preceito que dispõe que “[a] sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” e cuja inobservância acarreta a nulidade decisória prevenida no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do mesmo diploma. Deve acrescentar-se que, pretendendo a recorrida prevalecer-se do teor da cláusula 13ª – e da alegada violação da mesma pelo trabalhador – para sustentar a verificação da justa causa de despedimento, sempre constituiria dever do tribunal apreciar se a mesma está ou não ferida de qualquer causa de invalidade, devendo declará-lo oficiosamente em caso de resposta afirmativa à questão, independentemente de qualquer requerimento por parte do recorrente, na medida em que as nulidades são de conhecimento oficioso pelo tribunal – art. 286º CC2. Analisando a sentença sob recurso, verifica-se que na mesma não é abordada a questão da validade ou invalidade da cláusula 13.ª do contrato de trabalho firmado entre as partes, nada se referindo quanto a tal, nem quanto a encontrar-se tal questão, por alguma razão, prejudicada, o que legitimaria o seu não conhecimento (artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Pelo que padece a sentença de falta de pronúncia sobre a questão expressamente suscitada na contestação do ora recorrente de ser a indicada cláusula contratual ilícita, desproporcional e abusiva, o que implica a nulidade da sentença nessa parte, nos termos do artigo 615.º, número1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que aqui se reconhece e declara. Subsequentemente, e ao abrigo do artigo 665.º, número 1, do mesmo código, este Tribunal da Relação conhecerá da matéria omitida, sendo caso disso. Procede a primeira questão suscitada na apelação. * 4. Fundamentação de facto * 4.1. Analisadas as alegações de recurso, verifica-se que o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto sob várias perspectivas. Vejamos cada uma delas. * 4.1.1. Começa o recorrente por invocar que não foram considerados na sentença todos os factos admitidos por acordo e ou confessados. E pede nas suas conclusões que se aditem à decisão as matérias admitidas por acordo constantes dos artigos 3.°; 6.°- sendo que em vez de “atualmente” passou a constar “à data dos factos”, do artigo 77.° até despedimento e dos artigos 80.° e 81.° todos da contestação. Pede também se aditem os artigos 4.° e 77.° da contestação, confessados em depoimento de parte da recorrida (conclusão v.). Verifica-se que no corpo da motivação o recorrente se limita a pedir que se aditem as matérias dos arts. 4.°, 6.°, 80 e 81.° da Contestação, indicando a redacção que propõe quanto a estas matérias e não formulando qualquer pretensão quanto aos demais artigos (3.º e 77.º) que refere nas conclusões, nem sobre eles incidindo a sua alegação, pela que a sua inclusão nas conclusões se torna incompreensível. Ora, como constitui jurisprudência pacífica, o tribunal de recurso não aprecia questões que, levadas embora às conclusões, não integram a minuta alegatória. Quando o recorrente não produz alegações sobre uma determinada questão, ainda que sobre a mesma venha a produzir conclusões, verifica-se uma restrição temática do objecto do recurso, por falta de alegações, pelo que da referida questão não é de conhecer3. Assim, não incidiremos a nossa apreciação sobre a impugnação da matéria alegada nos artigos 3.º e 77.º da contestação que, aliás, se mostra plasmada nos pontos 65) e 88) dos factos provados, onde ficou a constar que 65) A Agência XX tem como principais clientes vários meios de comunicação social, mas também empresas, instituições e plataformas digitais de todo o mundo, incluindo a TV YY (TV YY). 88) O Autor esteve a prestar atividade para a Ré, e portanto destacado para realizar trabalho noticioso, entre a data da instauração do processo disciplinar e o despedimento, tendo realizado todo o tipo de trabalho, seja de escritório na elaboração das notícias diárias, seja na cobertura de eventos desportivos, em reportagem como jogos da Liga dos Campeões, Liga Europa, cobertura da convocatória da Selecção Nacional na ..., e dos jogos da Selecção Nacional. constituindo a sentença decisão definitiva no que diz respeito a esta matéria. Quanto ao mais, resulta efectivamente do despacho constante da acta da 1.ª sessão de julgamento (fls. 252) ter sido considerada assente, por acordo das partes a matéria da contestação dos artigos 6.º (sendo que em vez de “atualmente” deverá constar à data dos factos”) e dos artigos 80.° e 81.°. E resulta da mesma acta que o artigo 4.º da contestação foi confessado pela recorrida (fls. 252 verso). Analisada a decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que da mesma não constam as matérias constantes dos artigos 4.°, 6.°, 80 e 81.° da Contestação. Alega o recorrente que esta matéria é essencial para a boa decisão da causa, do que discorda a recorrida, ainda que a mesma, incompreensivelmente, incida a sua apreciação sobre a matéria dos artigos 3.º, 5.º, 7.º, 81.º e 82.º da contestação (aceitando o interesse deste último, que não faz parte da impugnação). O dissídio não se coloca, pois, no plano da prova dos factos por acordo – a que sempre se imporia atender por força do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – mas no da sua relevância para o desfecho do litígio, sabido como é que, para se aferir da utilidade do aditamento de factos à sentença em via de recurso importa saber se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito4. Analisando a matéria impugnada, não vemos que possa revestir-se de interesse para a decisão a matéria alegada no artigo 4.º da contestação do trabalhador, a saber, que “A principal fonte de receita da Agência XX provém da assinatura dos serviços fornecidos, e também de financiamento governamental, como parte de interesse público, de forma a colocar à disposição dos seus utilizadores”, nem, em boa verdade, o recorrente indica em que termos pode detectar-se um tal interesse. Já quanto ao artigo 6.° da contestação – no qual ficou vertido que “A redação de ... é constituída, atualmente, por três jornalistas redatores em regime de contrato de trabalho: JJ, o Autor e o CC (coordenador editorial), e por três jornalistas freelancers: II (fotojornalista) e HH (videojornalistas) em regime de colaboração regular, e KK, cuja atividade é solicitada sempre que os dois primeiros não têm disponibilidade” –, afigura-se-nos que pode revestir interesse perceber o contexto da redacção da recorrida em ... e o modo como a mesma era constituída à data dos factos, ainda que este contexto resulte em parte do elenco já fixado (vide os factos 3., 4., 7. e 16. e ss.). Na medida em que é invocada em fundamento do despedimento a violação do dever laboral de probidade e respeito relativamente a colegas de trabalho e superiores hierárquicos e a criação de mau ambiente junto dos prestadores de serviços e trabalhadores da recorrida, tem interesse perceber como era constituída a redacção e as posições relativas de cada um dos elementos que a compunham, caso se detecte a existência de um comportamento infraccional. O mesmo deve dizer-se quanto aos artigos 80.° e 81.º da contestação – correspondência trocada entre o A. e o coordenador CC em 24 de Abril de 2023 –, relativos a factos verificados após a instauração do procedimento disciplinar mas que não deverão deixar de ser ponderados na aferição da existência de justa causa de despedimento, em conformidade com a análise circunstancial pressuposta no artigo 351.º, n.º 3 do Código do Trabalho, segundo o qual “[n]a apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”, avaliação complexa esta que não dispensa a análise de factos posteriores à infracção imputada que possam ser relevantes para o juízo sobre a inexigibilidade da subsistência do vínculo. Assim, porque admitidos por acordo os artigos 6.º, 80.º e 81.º da contestação, inclui-se na decisão de facto a respectiva matéria, aditando-se à decisão os seguintes factos: 68-A) A redação de ..., à data dos factos, era constituída por três jornalistas redatores em regime de contrato de trabalho: JJ, o Autor e o CC (coordenador editorial), e por três jornalistas freelancers: II (fotojornalista) e HH (videojornalistas) em regime de colaboração regular, e KK, cuja atividade era solicitada sempre que os dois primeiros não tinham disponibilidade. 89) O Trabalhador voltou a ser contatado para um trabalho de fixing e colocou a situação à consideração do coordenador da Ré CC com Cc Diretor da Agência XX para ... e ..., jornalista LL, por email enviado no dia 24 de abril de 2023, nos seguintes termos: De: AA Envoyé: lundi 24 avril 2023 10:50 À: CC Cc: LL Objet: Fixing TV YY studio Bonjour CC, Je t’envoie ce mail afin de savoir si tu ne vois pas d’inconvénient à ce que j’effectue un travail de fixing pour la boite de production française TV YY studio. Ce fixing s’inscrit dans le cadre d’un reportage TV d’une dizaine de minutes pour le programme “Nous les Européens”, diffusé sur les chaines Canal 2 et Canal 3. À ce stade, je sais que le sujet portera sur la lutte contre les incendies au ... et que le travail de fixing me prendra entre trois et quatre jours. Pour ce travail, que je réaliserai sur mes jours off pendant le mois de mai, on me demande de caler les intervenants choisis, d’accompagner le tournage si nécessaire et de traduire du portugais vers le français et vice-versa au besoin. En te remerciant par avance pour ta réponse. Amts, AA TRADUÇÃO Olá, CC, Estou a enviar-lhe este e-mail para saber se não se importa que eu faça um trabalho de fixação para o estúdio da produtora francesa TV YY. A fixação faz parte de uma reportagem televisiva de dez minutos para o programa "Nous les Européens", transmitido em Canal 2 e Canal 3. Nesta fase, sei que o tema será o combate aos incêndios em ... e que o trabalho de fixação me levará entre três e quatro dias. Para este trabalho, que farei nos meus dias de folga durante o mês de maio, pedem-me que prepare os altifalantes escolhidos, que acompanhe as filmagens se necessário e que traduza de português para francês e vice-versa se necessário. Agradeço desde já a vossa resposta. Amts, AA 90) No dia 5 de maio de 2023, o LL respondeu ao Autor, nos seguintes termos (cf. Documento n°9 junto com a contestação): Caro AA, Refiro-me aos vossos e-mails abaixo, que li no meu regresso de férias. Não podemos aceitar o seu pedido. O seu contrato de trabalho contém uma cláusula de exclusividade muito ciara e, em nenhum momento, durante a sua actividade na Agência XX, nos pediu autorização para trabalhar para terceiros. Por conseguinte, nunca recebeu o nosso acordo para o fazer. Escusado será dizer que a nossa intenção, no âmbito desta cláusula, é não permitir que desenvolva uma actividade paralela com os clientes da Agência, ainda mais quando esta se sobrepõe em grande medida à do escritório. Além disso, na medida em que está em curso um processo disciplinar contra si precisamente sobre este assunto e com este cliente, o momento deste pedido parece-nos particularmente inoportuno. * 4.1.2. O recorrente invoca também que o tribunal a quo deixou à margem da decisão factos essenciais e instrumentais alegados nos artigos 45.°, 53.°, 59.° e 76.° da sua contestação e sobre os quais foi feita prova, pedindo ao tribunal ad quem que reaprecie a prova testemunhal que identifica e que adite à matéria de facto tal factualidade, do seguinte modo: Quanto ao artigo 45.º da contestação: “A Reportagem sobre a pobreza energética, iniciada em janeiro de 2023, era para ser publicada durante o primeiro trimestre do ano (no curso do inverno)”; Quanto ao artigo 53.º da contestação: “À data de 9 de Fevereiro, a equipa que se encontrava afeta à elaboração da reportagem sobre a pobreza energética, já tinha entrevistado a Sra. DD, que vive na ... e que sofre com o frio em casa no inverno, tendo obtido depoimentos e imagens, que foram utilizadas na versão final da reportagem”; Quanto ao artigo 59.º da contestação: “No dia 15 de Fevereiro, pouco depois das 11h, foi o mesmo Sr. EE que acompanhou o Autor da saída do metro de ... até ao ..., tendo-o apresentado a diversos moradores, um deles, a Sra. BB com quem o Autor travou conversa, tendo-lhe sido fornecido mais outro contacto de uma moradora do Lote, a Sra. FF, que não se encontrava no local nesse dia"; Quanto ao artigo 76.º da contestação: “65B) A TV YY é cliente da Ré e não sua concorrente” que, respectivamente, extrai dos indicados artigos da contestação. Indica em fundamento da alteração pretendida com o aditamento do artigo 45.º da contestação, o depoimento da testemunha JJ, jornalista. Relativamente ao aditamento do artigo 53.º da contestação, pede a reapreciação dos depoimentos das testemunhas JJ (jornalista), HH (videojornalista), e II (repórter de imagem), bem como do documento n.º 10 junto com a contestação (a reportagem publicada pela recorrida) e do seu depoimento de parte. Quanto ao aditamento do artigo 59.º da contestação, invoca o depoimento da testemunha EE (morador no ... e membro da Associação de Moradores desse Bairro que acompanhou o A. da saída do metro de ... até ao ..., tendo-o apresentado a diversos moradores, um deles, a Sra. BB), bem como o documento n.° 7 junto com a contestação, que constitui a cópia de uma troca de mensagens no dia 15 de Fevereiro de 2023 entre a testemunha EE e o recorrente. E relativamente ao aditamento do artigo 76.º da contestação, lança mão do depoimento das testemunhas MM (jornalista da TV YY), GG (jornalista e Diretora da Agência XX para a ...) e CC (jornalista Coordenador Editorial na recorrida em ...). A recorrida, por seu turno, alega que estes factos são absolutamente irrelevantes para a decisão da causa e que não contraria a veracidade dos mesmos. Tece ainda considerações sobre o relevo do último, socorrendo-se, a esse propósito, do depoimento da testemunha CC. Tendo em consideração a posição que a recorrida assume na presente apelação quanto à veracidade destes factos que se pretendem ver aditados, devem os mesmos considerar-se assentes por acordo das partes, sendo inútil proceder à pretendida reapreciação dos meios probatórios invocados pelo recorrente – cfr. o artigo 607.º, n.º 4, do CPC. Persiste, contudo, a questão de aferir da respectiva relevância para a decisão, em consonância com o já dito (vide 4.1.1.) na medida em que, ainda que a parte não concorde com a decisão de facto, não deve lançar mão do expediente da impugnação da decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito da causa5. No caso vertente, cremos serem relevantes os factos alegados no artigo 45.º da contestação que se pretendem ver assentes, pois um dos elementos da justa causa consiste na gravidade das consequências da conduta infracional do trabalhador (artigo 351.º, n,º 1, do Código do Trabalho), sendo para tal efeito importante aferir, a este nível, se a reportagem sobre a pobreza energética, iniciada em Janeiro de 2023, foi publicada – ou não – mais tarde do que era intenção da R., em virtude da conduta do recorrente. O mesmo deve dizer-se quanto ao facto alegado no artigo 53.º, sobre o nível de desenvolvimento da indicada reportagem, quando o recorrente adoptou a conduta que lhe é imputada. Tal como o facto anterior, este facto permite uma análise mais esclarecida das efectivas consequências da conduta do trabalhador e da existência, ou não, de impacto da mesma na actividade da recorrida. Já quanto ao alegado no artigo 59.º da contestação, não vemos que o facto de no dia 15 de Fevereiro, pouco depois das 11h, ter sido o Sr. EE que acompanhou o A. até ao ... e o apresentou a diversos moradores, incluindo a Sra. BB, possa relevar para a decisão de mérito. É certo que no âmago da censurabilidade da conduta do recorrente, enquanto elemento essencial da infracção disciplinar que lhe foi imputada, está o seu prévio conhecimento da intenção dos seus colegas de que a Sra. D. BB fosse a personagem principal da reportagem sobre a pobreza energética que iam efectuar, e que o A. nega esse conhecimento prévio (factos 42. e 43.), alegando só se ter apercebido da deslocação dos seus colegas ao lote 70 depois de ter abandonado esse local (artigo 62.º da contestação). Mas é igualmente certo que não tem qualquer relevo para afirmar – ou negar – aquele conhecimento prévio, o facto, alegado, de ter sido o Sr. EE que acompanhou o A. até ao ... e o apresentou a diversos moradores, incluindo a Sra. BB. Este facto é compatível, quer com o prévio conhecimento, por parte do A., da intenção dos seus colegas de realizar a entrevista à indicada senhora que o Sr. EE lhe veio a apresentar, quer com o seu absoluto desconhecimento, apenas demonstrando que foi o Sr. EE quem acompanhou o A. até ao ... e o apresentou a diversos moradores, incluindo a Sra. BB, nada adiantando a propósito daquele facto essencial em que se consubstancia o indicado conhecimento prévio nem quanto a haver uma intenção anterior do A. de entrevistar a referida senhora. O mesmo se diga do facto de ter sido então fornecido ao A. outro contacto de uma moradora do Lote, a Sra. FF, que não se encontrava no local nesse dia, o qual o recorrente pretende também ver provado nesta Relação e nada adianta quanto àquele conhecimento prévio, não sendo passível de influenciar a decisão de mérito, no quadro das soluções plausíveis da questão de direito. Nada há, pois, a aditar a este propósito por irrelevante. No que respeita ao facto alegado no artigo 76.º da contestação, que, nesta sede, o recorrente pretende ainda ver aditado – a saber, que “A TV YY é cliente da Ré e não sua concorrente” –, não procede também a sua pretensão. Na verdade, que a TV YY é cliente da R. mostra-se já afirmado nos factos 61. e 65., nos quais o tribunal a quo considerou provado, respectivamente, que “embora a TV YY não seja uma agência noticiosa, move-se no mesmo circuito, no mesmo "mercado”, sendo cliente da R.” e que a R. “tem como principais clientes vários meios de comunicação social, mas também empresas, instituições e plataformas digitais de todo o mundo, incluindo a TV YY (TV YY”. Pelo que seria redundante voltar a afirmá-lo. Quanto à afirmação negativa constante da última parte do artigo 76.º da contestação, que o recorrente pretende que fique a constar da decisão de facto – que a TV YY não é “concorrente” da R. – entendemos que se trata de uma afirmação de cariz conclusivo que, por isso mesmo, não deve constar do elenco de factos provados. Estando em causa na presente acção a imputação ao recorrente de uma conduta violadora dos deveres de lealdade, não concorrência e exclusividade, além da violação do dever de respeito (vide vg. a conclusão 47. das contra-alegações, em consonância com a decisão de despedimento e o articulado motivador apresentado na acção), a afirmação de que a TV YY não é concorrente da R. pode, em determinada perspectiva que enquadra uma solução plausível da questão de direito, condicionar directamente a decisão sobre a alegada violação daquele dever de não concorrência. Ora, como temos repetidamente afirmado noutros arestos desta Relação, embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado, a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos. Por isso apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil – e por isso o artigo 607.º, n.º 3 do CPC prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados”. Assim, procedendo parcialmente a impugnação deduzida, aditam-se à decisão os seguintes factos, que correspondem, respectivamente, à alegação dos artigos 45.º e 53.º da contestação: 16-A) A Reportagem sobre a pobreza energética, iniciada em janeiro de 2023, era para ser publicada durante o primeiro trimestre do ano (no curso do inverno); 17-A) À data de 9 de Fevereiro, a equipa que se encontrava afeta à elaboração da reportagem sobre a pobreza energética, já tinha entrevistado a Sra. DD, que vive na ... e que sofre com o frio em casa no inverno, tendo obtido depoimentos e imagens, que foram utilizadas na versão final da reportagem; * 4.1.3. O recorrente refuta também a decisão da Mma. Juiz a quo de considerar “não provada” a matéria alegada nos artigos 17.°, 65.° e 74.° da contestação, elencando-as nas alíneas a), j), e k) dos factos “não provados” da sentença. Segundo alega, foi produzida prova sobre os mesmos que impunha decisão diversa. Vejamos cada um de per se. 4.1.3.1. O Tribunal a quo deu como não provado que: a) No dia em que assinou o contrato, e estranhando que tendo passado a prestar atividade a tempo parcial não poder prestar qualquer outra atividade sem autorização da Ré, em reunião com a GG Diretora da Agência XX para todos os escritórios da ..., e com o NN (Diretor do escritório de ...), o Autor levantou esta questão da exclusividade, referindo inclusivamente a possibilidade de fazer alguns trabalhos como fixer, nos seus dias de folga, uma vez que iria reduzir consideravelmente o período normal de trabalho semanal (de 35h para 21h) e, consequentemente, a sua retribuição mensal, o que lhe foi autorizado. (17.º) Em fundamento da sua convicção, quanto à resposta que aqui conferiu ao artigo 17.º da contestação, exarou o seguinte: «Os factos a) e b) dados como não provado resultaram do depoimento objetivo e convicto de GG, responsável da Agência XX na ... que explicou com precisão que todos os trabalhadores da Agência XX têm a possibilidade de colaborar com terceiros desde que estejam reunidas duas condições, muito claras: que apresentem uma autorização escrita por cada colaboração com entidades externas e não trabalhar com concorrentes diretos. Isto mesmo explicou ao autor que nunca solicitou qualquer autorização para colaborar com a TV YY e que portanto nunca lhe foi dada essa autorização. A testemunha foi muito objetiva e credível quando referiu que nunca deu uma autorização genérica ao autor para a realização de trabalhos jornalísticos, designadamente o fixing. A testemunha disse que nunca recebeu qualquer pedido de autorização do AA para colaborar com a TV YY e por isso nunca concedeu ao autor autorização para prestar qualquer serviço à TV YY. O próprio autor em depoimento de parte confessou que “Nunca reportou a LL ou a CC a atividade que ia desenvolvendo para a “TV YY”, e só no dia 16/02/2023 quando foi interrogado diretamente pelo CC, é que lhe disse que estava a fazer fixing para a “TV YY”.”. A testemunha II foi muito peremptória ao referir que achava que o autor não fazia trabalhos de jornalismo para outras empresas. Também o CC disse com credibilidade desconhecer que o autor realizasse trabalhos para outras empresas noticiosas. Aliás, o seu testemunho demonstrou que quando se apercebeu da situação ficou efetivamente surpreso e zangado, com a atitude do autor, tanto mais que o autor não colaborava com os colegas e ajudava outras empresas noticiosas.» O recorrente defende que a conclusão a retirar do depoimento da testemunha GG não invalida que a matéria do artigo 17.º da contestação seja dada como provada, ainda que parcialmente, propondo a seguinte redacção para um novo facto a constar do elenco de factos provados: “69-A) Por altura da sua contratação, em reunião com a GG Diretora da Agência XX para todos os escritórios da ..., o Autor levantou a questão da exclusividade, referindo inclusivamente a possibilidade de fazer alguns trabalhos nos seus dias de folga, uma vez que iria reduzir consideravelmente o período normal de trabalho semanal (de 35h para 21h) e, consequentemente, a sua retribuição mensal, o que lhe foi autorizado, sem necessidade de qualquer autorização adicional, desde que esses trabalhos fossem realizados fora do horário de trabalho e não fossem jornalísticos”. Ouvido o depoimento desta testemunha (que é Diretora da Agência XX para todos os escritórios da ...), verifica-se que a mesma referenciou ter estado presente quando foi decidido contratar o A. e que, nessa altura, ele lhe perguntou se era possível colaborar com entidades exteriores. A testemunha não se lembra especificamente se o A. terá perguntado se podia fazer trabalhos como fixer nos dias de folga, mas sabe que na altura lhe explicou que podia ter colaborações exteriores, “mas com duas condições: em primeiro lugar, precisava de pedir uma autorização por escrito e não poderia colaborar com os nossos concorrentes”. Desde é logo de referir que a testemunha não se recordou se o recorrente a questionou especificamente sobre a possibilidade de fazer fixing, o que não afasta a hipótese de o assunto ter sido abordado, mas não é também suficiente para se afirmar que o foi. E muito menos se pode concluir deste depoimento, como faz o recorrente, que a GG o tenha efetivamente autorizado a realizar trabalhos jornalísticos, desde que para tal cumprisse aqueles dois requisitos, e que ficasse de fora a necessidade de autorização para a realização de trabalhos considerados não jornalísticos. A testemunha não o verbalizou e o seu depoimento não autoriza esta ilação. Aliás, deve dizer-se que embora a testemunha não se recorde de o A. lhe ter colocado a questão do fixing, não deixou de dizer, através do intérprete, que o A. não poderia colaborar com a concorrência directa com “colaborações jornalísticas, ou seja, trabalho de fixing, por exemplo, escrever artigos, filmar um vídeo, uma reportagem, tudo o que tem a ver com esse tipo de atividade”. Explicou ainda que durante 15 anos trabalhou nos vídeos e no fixing e que o fixing consiste em determinar as pessoas a entrevistar e obter o acordo dessas pessoas, sendo normalmente jornalistas as pessoas que o fazem e que a Canal 2 entrou em contacto com o A. pelo facto de ele ser jornalista. Respondeu ainda afirmativamente, quando lhe foi perguntado se o A. nunca poderia fazer o fixing sem autorização. Acresce que ficou plasmado no contrato escrito celebrado entre as partes, concretamente, na sua cláusula 13.ª, sob a epígrafe “Exclusividade”, que: “(...) o Trabalhador compromete-se, durante toda a vigência deste contrato, a dedicar o seu tempo e atividade ao serviço da Agência XX. Qualquer trabalho remunerado ou atividade desempenhada fora da Agência XX deve ser previamente autorizada por escrito pelo superior hierárquico. Tal autorização pode ser revogada a qualquer momento, sem obrigação da parte da Agência XX de justificar a sua decisão, se o trabalho externo prejudicar os interesses da Agência XX”. Ora, o documento junto aos autos que titula o contrato faz prova plena da materialidade das declarações prestadas (artigo 376.º, n.º s 1 e 2 do Código Civil), na medida em que no segmento em causa, demonstrativo dos termos do acordo entre A. e R. quanto à exclusividade, a exigir prévia autorização escrita pelo superior hierárquico para qualquer trabalho remunerado ou atividade desempenhada fora da Agência XX, é contrário ao interesse do A. de ver legitimada a realização de qualquer trabalho remunerado ou actividade desempenhada fora da Agência XX por uma autorização verbal genérica coeva da celebração do contrato – cfr. os artigos 352.º, 355.º, n.º 4 e 358.º, n.º 2 do Código Civil. Nos termos do preceituado no artigo 376.º, n.º 2 do Código Civil os factos relativos ao acordo entre as partes quanto aos termos em que seria admitida a realização de actividade fora da Agência XX mostram-se provados, sendo inadmissível a prova por testemunhas que tenha por objecto quaisquer convenções a ele contrárias ou adicionais por força do disposto no artigo 394.º, n.º 1 do Código Civil. É certo que a declaração constante de um documento com força probatória plena não faz prova plena da sinceridade, veracidade ou validade das declarações emitidas pelo declarante, podendo provar-se que a declaração não correspondeu à verdade ou que foi afectada por algum vício de consentimento (artigos 376.º nº 2 e 359.º, nºs 1 e 2 do Código Civil), e é também certo que para a prova desse vício é admitida a prova testemunhal6, mas não foi alegado no caso vertente qualquer vício da vontade (que a declaração foi viciada por erro, dolo, coacção, simulação), ou mesmo que faltou a vontade porque, por exemplo, a declaração documentada não é séria. Quanto à possibilidade jurisprudencialmente admitida7, com base na doutrina do Professor Vaz Serra, de, quando houver um princípio de prova por escrito que torne verosímil o facto a provar contrário à declaração confessória constante do documento, se complementar esse princípio de prova escrito com prova testemunhal, de modo a fazer a prova do facto contrário, ou seja, no caso, a prova de onde resulte não ser necessária autorização para trabalhos não jornalísticos fora do horário de trabalho, não cremos também que se possa lançar mão no caso sub judice desta excepção jurisprudencialmente admitida à regra do artigo 394.º, n.º 1 do Código Civil, por inexistir tal princípio de prova escrito. Nem o recorrente o alega, tão pouco. Assim, no caso em análise nunca seria possível lançar mão da prova testemunhal para demonstrar um inexistente acordo entre as partes no sentido de uma autorização genérica, sem necessidade de qualquer autorização adicional, para o A. fazer alguns trabalhos não jornalísticos nos seus dias de folga. Em suma, não relevando que o A. tenha colocado à Directora da R. a questão da exclusividade sem a concomitante prova de um acordo ou autorização genérica que pudesse sobrepor-se ao que resulta do contrato de trabalho escrito, e não podendo dar-se como provado o mais que o A. alega com base em prova testemunhal – que, aliás, não foi de molde a confirmar o alegado –, nada aconselha a que se altere a decisão do tribunal a quo quando ao facto que ficou a constar da alínea a) dos factos “não provados”. 4.1.3.2. O Tribunal a quo deu como não provado: j) Que as perguntas realizadas pelo CC na reunião de 16 de Fevereiro tivessem deixado o autor muito apreensivo e temeroso. Em fundamento da sua convicção, quanto a este aspecto, a Mma. Julgadora a quo exarou o seguinte: «Os factos e), g), h) i) e j) resultaram não provados por força dos depoimentos das testemunhas II, fotojornalista, HH, jornalista/repórter de imagem, JJ, jornalista e CC, jornalista, todos colegas do autor na Ré em conjugação com o próprio depoimento do autor que disse estar no grupo de whatsapp em que as conversas foram tidas e da análise das reportagens. É manifesto que ainda que o autor só se tivesse apercebido da ida dos colegas mais tarde, ainda assim teria toda a relevância informá-los que tinha estado no lote 70 e a entrevistar a Sra. BB para depois os colegas não repetirem a diligência.» O recorrente invoca o depoimento da testemunha JJ, que participou na reunião com o A. e o CC, e defende que este facto, por si alegado no artigo 65.º da contestação, passe a constar dos factos provados. A R., por seu turno, invoca o depoimento de HH. Reapreciados os depoimentos das testemunhas JJ e HH, não há dúvida de que o primeiro afirmou que o A. não estava à vontade na reunião de 16 de Fevereiro e estava com medo de ter feito alguma coisa que fosse pretexto para haver novamente um processo. Quanto ao segundo, não se descortina a razão por que a R. invoca o seu depoimento na medida em que o mesmo se refere, não à reunião de 16 de Fevereiro em que não esteve presente (vide o facto 38.), mas a uma reunião que se verificou “2-3-4 dias depois” do dia 15 de Fevereiro e em que esteve presente, também, a II. Ainda que tenha relatado que o A. estava numa atitude defensiva e muito agressiva, recusava dizer o que se passou e negava que trabalhava para outra entidade, o seu depoimento é imprestável pois não se reporta à reunião em causa na alínea j) dos factos “não provados”. A reunião em causa na alínea j) dos factos “não provados”, mostra-se relatada nos factos 39. e ss. da sentença, todos eles assentes sem impugnação em via de recurso (com excepção do facto 51. que não contende com a matéria sob apreciação). Em tais factos é relatada uma conversa dura entre CC e o A., em que o A. não tem uma posição absolutamente coerente (vejam-se os factos 44. a 46.) e é longamente questionado sobre o que sucedeu na véspera e sobre a sua actividade fora da R., vindo no termo da reunião a acatar a sugestão do CC de ligar de volta à Sra. D. BB e lhe dizer que JJ assumiria a reportagem e tentaria marcar uma reunião para o início da próxima semana, como já havia sido entretanto acordado entre a senhora e o HH, bem como a concordar em dar o contacto da senhora e da associação que o tinha ajudado a encontrá-la (factos 53. e 54.). Tendo em consideração o depoimento de JJ, apreciado livremente e segundo as regras da experiência, nos termos do n.° 5, do artigo 607.°, do Código de Processo Civil, devidamente conjugado com a sucessão de questões que foram colocadas no decurso da reunião (como relatado nos factos 39. e ss.) e com a circunstância de o A. ter sido recentemente objecto de procedimento disciplinar tendo cumprido uma sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição (factos 62. e 63.), entendemos que o mesmo, prestado de modo que se nos afigurou sincero e credível, é de molde a permitir se considere provado o facto que ficou a constar da alínea j) dos factos “não provados”. Adita-se, pois, à decisão o seguinte facto: 54-A) As perguntas realizadas pelo CC na reunião de 16 de Fevereiro deixaram o autor apreensivo e temeroso. 4.1.3.3. O Tribunal a quo deu como não provado que: k) Tendo percebido que aqueles moradores residiam em habitação pública (IHRU), não eram objeto de despejos, não organizavam protestos e pagavam rendas baixíssimas, o Autor sequer referiu o tema do ..., e os contatos feitos, à TV YY. Em fundamento da sua convicção, quanto a este aspecto, a Mma. Julgadora da 1.ª instância exarou o seguinte: «O facto f) e k) resultou de nenhuma prova ter sido feita sobre o mesmo, sendo que o que a Sra. BB referiu foi que o Sr. AA tinha deixado uma data marcada para a entrevista. Face aos acontecimentos, o depoimento deixou de poder relevar.» Este facto foi alegado pelo recorrente no artigo 74.º da sua contestação, e o recorrente sustenta a sua prova no depoimento da testemunha MM (Jornalista da TV YY, que lhe solicitou que elaborasse uma lista de contactos para entrevista e indicação de locais para filmar que pudessem ter interesse para ser elaborada uma reportagem que a TV YY pretendia fazer sobre a Crise da habitação em ...), bem como no depoimento da testemunha EE, no seu depoimento de parte e no documento n.º 6 junto com a contestação (artigo de “A Mensagem de ...” que menciona várias vezes o IHRU referindo que “ninguém se lembra de alguma vez o lote 70, que hoje pertence ao IHRU, ter sido sujeito a obras"). Ouvidos os depoimentos referidos, verifica-se que a testemunha MM, que fazia o contacto do A. com a TV YY no âmbito deste trabalho de fixing afirmou que nunca o A. lhe referiu o indicado ... ou alguém morador deste bairro. Não há quaisquer razões para duvidar do seu depoimento que não foi, neste ponto, contrariado por qualquer outro, nem de algum modo colocada em causa a sua credibilidade. Ao invés, a testemunha revelou preocupação com a deontologia da sua profissão de jornalista e com o seu profissionalismo, relatando que nunca recorreria aos serviços de um fixer para realizar uma reportagem inspirada numa outra reportagem da recorrida, de quem afirmou ser a TV YY cliente e a quem esta paga pelos serviços prestados. No que concerne ao testemunho de EE, morador do referido bairro, resulta do mesmo que o ... pertence ao IHRU8, sendo, por isso, de habitação pública, o mesmo sucedendo com o relatado na reportagem de “A Mensagem de ...” documentada com a contestação. Ora ficou provado no facto 77. que no início de Janeiro de 2023 o Autor foi contactado pela MM, que lhe solicitou que elaborasse uma lista de contactos para entrevista e indicação de locais para filmar que pudessem ter interesse, para ser elaborada uma reportagem que a TV YY pretendia fazer sobre a “Crise da habitação em ... - dificuldades para encontrar apartamentos/casas devido à escassez de oferta, rendas altas, preços para compra de habitação altos, despejos, protestos da população, casas de valor elevado com poucas condições, associações a lutar pelo direito à habitação, peritos em habitação e gentrificação, proprietários de alojamentos locais, investidores estrangeiros em ... com poder de compra significativo, políticas para descobrir quais seriam as soluções propostas para esta crise habitacional”, não constando deste extenso elenco de temas envolvidos na reportagem da “Crise da Habitação” qualquer um relacionado, quer com a habitação pública, quer, tão pouco, com o específico aspecto da eficiência energética das habitações. E ficou também provado que no dia 14 de abril, no canal Canal 2 foi transmitida a reportagem da TV YY e o ... não foi abordado (facto 87.). O que, tudo conjugado, conforta o depoimento da testemunha MM, que se nos afigurou credível e sincero. E impõe se considere provado, tal como pretendido, que: 86-A) Tendo-se apercebido que os moradores do ... residiam em habitação pública (IHRU), o Autor nunca chegou a referir o tema do ... e os contactos feitos à TV YY. * 4.1.4. O recorrente defende ainda se altere o ponto 16. dos factos provados. Em tal ponto da decisão, a Mma. Juiz a quo considerou provado que: 16) O Autor encontrava-se presente nestas reuniões, estando igualmente incluído no referido grupo de whatsapp, e, por isso, a par deste projeto de reportagem, que estava a ser discutido e abordado com o Coordenador Editorial, CC, e que seria levado a cabo pelo JJ, jornalista da R., e pelo HH, videojornalista freelancer, e II, fotógrafa freelancer, os quais prestavam serviços à Ré. Alega o recorrente que esta matéria alegada pela recorrida no artigo 33.° do articulado motivador do despedimento, resultou assente, por acordo das partes em sede de audiência de julgamento (despacho constante da Ata da 1.° sessão) a partir de “…estando” e excluindo-se, “Em todas estas reuniões o Autor encontrava-se presente”. Alega também que nenhuma das testemunhas ouvidas afirmou, em momento algum, que o recorrente se encontrasse presente em todas as reuniões onde foi abordado o tema da reportagem sobre a pobreza energética, pelo contrário, até porque não integrava a equipa destacada para aquela reportagem, como se infere, por exemplo dos factos provados nos pontos 22) e 23), referentes à reunião de 14 de Fevereiro em que o A. não esteve, comprovadamente, presente. Defende se dê nova redação ao ponto 16 dos factos provados, conforme aquela que foi o acordo das partes, eliminando a expressão “o Autor encontrava-se presente nestas reuniões”, nos seguintes termos: “16. O Autor estava incluído no referido grupo do whatsapp e, por isso, a par deste projeto de reportagem.” Constata-se da acta da audiência de julgamento que o facto agora em causa foi assente por acordo das partes, mas com a restrição que o recorrente indica (vide fls. 252 verso). Tal significa que a alegação de que “o Autor encontrava-se presente nestas reuniões” não foi objecto do acordo ali firmado e foi submetida a instrução, tendo a Mma. Juiz a quo considerado a mesma provada com fundamento na motivação que expressou e no âmbito da qual ponderou a prova testemunhal, por depoimento de parte e documental produzida. Afirma a sentença que os factos “13) a 61) e 64) [aqui incluindo, pois, o 16)] resultaram dos depoimentos objetivos e credíveis das testemunhas II, fotojornalista, HH, jornalista/repórter de imagem, JJ, jornalista e CC, jornalista, todos colegas do autor na Ré, sendo este último o cooordenador da equipa que trabalha em ..., em conjugação com as Reportagens juntas, uma publicada na “Mensagem” sobre o frio nas casas de ... e que tem como primeira protagonista BB, com fotografia desta e do interior da casa onde habita, doc. 7 junto à contestação, outra publicada na revista “le point” – doc. 10 junto à contestação e ainda uma terceira acessível in : https://www.youtube.com/watch?v=_tmoWtXToCs”. O recorrente alega que nenhuma das testemunhas ouvidas afirmou que o recorrente estivesse em todas as reuniões. Ora reanalisada a prova produzida, com a audição dos depoimentos prestados, não se detecta efectivamente que, quer as testemunhas, quer as partes (estas nos seus depoimentos de parte), tenham em algum momento afiançado ter o A. estado presente em todas as reuniões relativas à reportagem que se preparava sobre a pobreza energética em .... Resulta aliás dos factos pontos 22) e 23) que o A. não se encontrava presente na reunião de 14 de Fevereiro em que pelos presentes (o JJ, o HH e o coordenador CC), foi tomada a decisão de explorar o local e edifício concretos e os seus habitantes em ... para permitir concluir o artigo sobre a pobreza energética, no qual a equipa vinha trabalhando há tanto tempo, decisão que foi comunicada também à fotógrafa II pelo HH, não se encontrando provado que tenha sido também comunicada ao A. Deve dizer-se que o essencial do facto – que o A. se encontrava a par deste projecto de reportagem sobre a pobreza energética no nosso país a levar a cabo pelos seus colegas – se mostra admitido por acordo das partes (vide a acta de fls. 252 verso), sendo de natureza meramente instrumental9 o facto questionado neste segmento da impugnação. Seja como for, em fidelidade à prova produzida, uma vez esta reapreciada, altera-se o facto 16. para o seguinte: 16) O Autor encontrava-se presente em algumas destas reuniões, estando igualmente incluído no referido grupo de whatsapp, e, por isso, a par deste projeto de reportagem, que estava a ser discutido e abordado com o Coordenador Editorial, CC, e que seria levado a cabo pelo JJ, jornalista da R., e pelo HH, videojornalista freelancer, e II, fotógrafa freelancer, os quais prestavam serviços à Ré. * 4.1.5. O recorrente impugna, finalmente, o ponto 51. dos factos provados. Em tal ponto da decisão, após afirmar que CC perguntou ao A. se sabia que tinha de pedir autorização à R. antes de trabalhar para um terceiro e que o mesmo respondeu que não sabia mas que GG e NN lhe tinham dito na altura da sua contratação (em 2017) que ele podia fazer trabalho por conta própria fora (factos 49. e 50.), a Mma. Juiz da 1.ª instância considerou provado o seguinte: 51) O que a R. apurou ser falso. Alega o recorrente não ter ficado provado que na altura da contratação em 2017, pelo menos a GG, não lhe tenha dito que este podia trabalhar por conta própria. Segundo aduz, o que resultou do depoimento desta testemunha, foi que confirmou que podia, desde que não fosse trabalho para concorrentes directos, e que sendo trabalho jornalístico, mesmo que não fosse para concorrentes directo, só com autorização. E conclui que deve ser eliminado o ponto 51) por estar em total oposição com a prova produzida, e até com a apreciação que a Meritíssima Juiz fez deste depoimento, ou substituído por outro que refira as concretas condições em que tal autorização foi concedida. Como resulta do já acima apreciado (vide 4.1.3.1.), uma vez reponderada a prova produzida, não podemos acompanhar o recorrente na totalidade da sua pretensão. É certo que nada ficou apurado quanto ao que NN tenha dito ao A. na altura da contratação, pelo que quanto a esta pessoa não pode afirmar-se a falsidade do afirmado pelo A. ao coordenador CC. Mas quanto à testemunha GG (que, recorde-se, é Diretora da Agência XX para todos os escritórios da ...), declarou a mesma ter estado presente quando foi decidido contratar o A. e que, nessa altura, ele lhe perguntou se era possível colaborar com entidades exteriores, tendo-lhe a mesma respondido que podia ter colaborações exteriores, “mas com duas condições: em primeiro lugar, precisava de pedir uma autorização por escrito e não poderia colaborar com os nossos concorrentes”. Em conformidade, deverá ser conferida uma resposta restritiva a esta alegação da R., pois que não pode afirmar-se ser totalmente falsa a afirmação do recorrente que consta do facto 50. O facto 51. passará, pois a reflectir esta restrição, conferindo-se-lhe a seguinte redacção: 51) O que não correspondia à verdade quanto a GG, na medida em que o que esta afirmou ao A., na altura da contratação, foi que poderia ter colaborações exteriores, mas com duas condições: precisava de pedir uma autorização por escrito e não poderia colaborar com os concorrentes da R.. * 4.1.6. Em suma, procede parcialmente a impugnação deduzida, com a alteração nesta instância dos pontos 16) e 51) dos factos provados e o aditamento dos pontos 16-A., 17-A, 54-A), 68-A), 86-A), 89-A) e 90-A) aos factos provados. * 4.2. A decisão de facto a atender para o enquadramento jurídico do pleito, após a intervenção deste Tribunal da Relação é a seguinte (destacam-se a traço grosso os factos que foram aditados ou objecto de alteração): 1) A R. Agência XX, doravante Agência XX, é a representante permanente em ... da Agência XX. 2) A Agência XX tem por objeto a recolha, tanto em ... como no resto do mundo, de elementos informativos e objetivos e coloca essa informação à disposição dos seus potenciais utilizadores; 3) A representação em ... é assegurada por LL e a operação jornalística em ... é coordenada por CC. 4) O A. foi admitido ao serviço da R., Escritório de ..., em 3 de janeiro de 2017, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, renovável por mais três, com vista à substituição do jornalista JJ, que se encontrava em regime de licença sem vencimento. 5) Para prestar as funções de jornalista, com a categoria de Redator II Grupo, integrado na redação da Agência XX em ... e cumprindo um horário de cerca de 156 horas mensais, ou seja, sete horas por dia, tendo direito a dois dias de descanso por semana, em regime de isenção de horário de trabalho (Adiante “IHT”), mediante o pagamento de uma retribuição base no valor de €1.670,00 e subsídio de IHT no valor de €501,00. 6) Nos termos da Cl.a 9.a deste contrato, o Autor estava obrigado a pedir autorização escrita ao seu superior para “qualquer colaboração ou atividade jornalística externa.”. 7) Após o regresso de JJ, no dia 1 de outubro de 2017, autor e Ré celebraram o “contrato de trabalho por tempo indeterminado” junto como doc. 6 à contestação, “em regime de tempo parcial”, para o desempenho, das funções de Jornalista inerentes à categoria profissional de Redator do Grupo II. 8) No desempenho destas funções, competia ao A., produzir notícias que acontecem em ..., em todos os campos, incluindo política, economia, meio ambiente, desporto e notícias gerais, entre outras funções afins ou funcionalmente ligadas àquelas. 9) Foi acordado um horário de 21h de trabalho por semana (por referência a um horário completo de 35h semanais), em regime IHT, mediante pagamento de uma retribuição base mensal de €1.120,00, e um subsídio de IHT no valor mensal de €336,00 (cf. Documento n°4, adiante junto, que se dá por integralmente reproduzido). 10) Nos termos da cláusula 12.a deste contrato de trabalho com a epígrafe “Lealdade” “(... os documentos, informações, contactos ou dados recolhidos pelo Trabalhador no exercício das suas funções para a Agência XX são, por natureza, confidenciais. O Trabalhador compromete-se a respeitar a sua confidencialidade e a utilizar tais documentos, informações, contactos ou dados exclusivamente no exercício das suas funções para a Agência XX. O Trabalhador está vinculado a um dever de lealdade em relação ao seu empregador e a qualquer pessoa que trabalhe para a Agência XX, comprometendo-se de se abster de qualquer comportamento ou comentários contrários aos seus interesses materiais e morais. Tais deveres de lealdade e descrição devem ser observados pelo Trabalhador na sua relação com terceiros, bem como com outros trabalhadores da Agência XX’”. 11) E na cláusula 13.ª do contrato de trabalho., sob a epígrafe “Exclusividade”, que: “(...) o Trabalhador compromete-se, durante toda a vigência deste contrato, a dedicar o seu tempo e atividade ao serviço da Agência XX. Qualquer trabalho remunerado ou atividade desempenhada fora da Agência XX deve ser previamente autorizada por escrito pelo superior hierárquico. Tal autorização pode ser revogada a qualquer momento, sem obrigação da parte da Agência XX de justificar a sua decisão, se o trabalho externo prejudicar os interesses da Agência XX”. 12) Para vigorar a partir do dia 1 de setembro de 2018, foi celebrado um aditamento ao contrato de trabalho, nos termos do qual foi aumentado o período normal de trabalho semanal do autor para as 28h, (cf. Documento n°5, adiante junto, que se dá por integralmente reproduzido) e a retribuição ilíquida de € 1336,00, mensais, a que acresce o subsídio por IHT no valor mensal de ilíquido de €400,89. 13) Desde o início de novembro de 2022, que alguns elementos da redação da R., bem como prestadores de serviço seus, estavam a analisar a possibilidade e a pertinência de prepararem uma reportagem tendo por tema a pobreza energética em ... e a dificuldade de aquecimento das casas portuguesas, especialmente durante o inverno. 14) No mês de dezembro de 2022, foi decidido que a preparação da referida reportagem se iniciaria em janeiro de 2023. 15) Durante todo este período iniciado em novembro, este tema, assim como o trabalho de recolha de elementos e pesquisa que estava a ser levado a cabo, foram abordados nas reuniões de equipa, presenciais ou através de meios de comunicação à distância, assim como no grupo de Whatsapp da redação. 16) O Autor encontrava-se presente em algumas destas reuniões, estando igualmente incluído no referido grupo de whatsapp, e, por isso, a par deste projeto de reportagem, que estava a ser discutido e abordado com o Coordenador Editorial, CC, e que seria levado a cabo pelo JJ, jornalista da R., e pelo HH, videojornalista freelancer, e II, fotógrafa freelancer, os quais prestavam serviços à Ré. 16-A) A Reportagem sobre a pobreza energética, iniciada em janeiro de 2023, era para ser publicada durante o primeiro trimestre do ano (no curso do inverno); 17) No dia 9 de fevereiro de 2023, a equipa que se encontrava afeta a esta reportagem, procedeu à entrevista de um estudante universitário e de um grupo de idosos reformados, na associação “...”. 17-A) À data de 9 de fevereiro, a equipa que se encontrava afeta à elaboração da reportagem sobre a pobreza energética, já tinha entrevistado a Sra. DD, que vive na ... e que sofre com o frio em casa no inverno, tendo obtido depoimentos e imagens, que foram utilizadas na versão final da reportagem; 18) Apercebendo-se que teriam poucas imagens que acompanhassem e ilustrassem a reportagem, o videojornalista HH e a fotógrafa, II, decidiram ajudar o jornalista JJ a procurar testemunhas que aceitassem ser entrevistadas e fotografadas nas suas casas. 19) No dia 13 de fevereiro de 2023, pelas 18h14, a II colocou no grupo de Whatsapp da redação - na qual o A. se encontrava incluído – um artigo publicado no website “A mensagem de ...”, de 4 de janeiro de 2023, que tinha testemunhos de habitantes da zona de ..., em ..., que viviam numa situação de pobreza energética extrema. (cf. Documento n°6). ( e art. 55 da contestação) 20) Entretanto, no mesmo grupo, JJ e HH responderam à II, informando que iriam organizar-se para se deslocarem a ..., no sentido de conseguirem obter os testemunhos em falta sobre o tema. 21) No dia seguinte, 14 de fevereiro de 2023, pelas 13h13, … insistiu no grupo Whatsapp, que o trabalho de pesquisa da II tinha sido excelente, e que deveriam avançar com o tema, propondo uma pequena conferência nessa tarde para o discutir melhor e para se organizarem em conformidade. 22) Como tal, no próprio dia 14 de fevereiro de 2023, pelas 15h00, realizou-se uma videoconferência entre o JJ, o HH e o coordenador editorial CC, sendo explicado e descrito o motivo pelo qual a equipa acreditava que a reportagem sobre este local e edifício concretos e os seus habitantes em ... poderia finalmente permitir concluir o grande artigo sobre a pobreza energética, no qual a equipa vinha trabalhando há tanto tempo. 23) Foi, então, coordenadamente, tomada por todos, a título definitivo, a decisão de explorar o referido local/edifício no dia seguinte, 15 de fevereiro de 2023, com o intuito de encontrar testemunhas e programar a filmagem a realizar na semana seguinte, decisão que foi comunicada também à fotógrafa II pelo HH. 24) No dia 15 de fevereiro de 2023, a partir das 10h27, os referidos HH, II e JJ começaram a trocar mensagens sobre esta deslocação a ..., a fim de combinarem o encontro no referido local nessa mesma tarde, tendo ficado combinado que se encontrariam pelas 14h, 25) Uma vez mais no grupo de Whatsapp no qual o A. se encontrava incluído e a cujas mensagens tinha e tem acesso. 26) Uma vez que tanto os referidos JJ como a II se encontravam um pouco atrasados face à hora combinada, HH tomou a decisão de começar sozinho a verificar o local e a procurar habitantes dispostos a testemunhar quanto ao estado do edifício. 27) Depois de ter procurado durante cerca de 45 minutos, encontrou finalmente, pelas 14h30, o ... do indicado edifício em ..., que se encontrava num estado decrépito e que, concluiu, ser perfeito para ilustrar a reportagem sobre pobreza energética. 28) Tentou, de seguida, entrar em contacto com um habitante para obter algumas informações e procurar a senhora D. BB, mais conhecida por "...” que havia sido entrevistada no artigo que a II tinha partilhado com os colegas no grupo de Whatsapp da redação, e que a equipa gostaria de ter como personagem principal na sua reportagem. 29) Tendo finalmente encontrado a referida habitante do edifício, o HH apresentou-se dizendo: "Olá minha senhora, o meu nome é HH, estou ao serviço da Agência XX, estou a fazer uma reportagem sobre pobreza energética, vi o seu nome e a sua entrevista num artigo e queria saber se..." 30) Ao que ela o interrompeu, dizendo "Sim, sim, eu estive com um colega seu esta manhã, ele já me explicou. E ele já tomou muitas notas, 3 páginas no seu caderno de notas...!" 31) Desconcertado e pensando que a Senhora estava equivocada, o HH respondeu: "Creio que deve estar enganada, esta é a primeira vez que a contactamos, talvez o tenha confundido com outro jornalista...". 32) A D. BB respondeu "Não, não, é um erro, foi um dos seus colegas” sendo que quando questionada acerca do nome do jornalista com o qual havia falado, respondeu “Espere, chamava-se... AA... Sim, AA”. 33) Apanhado de surpresa com esta resposta, e sem entender porque teria o A. contactado aquela senhora nessa mesma manhã, o HH ficou de tal forma espantado que a D. BB se apressou a esclarecer: "Mas ele tinha- me dito que viria mais tarde com uma colega, uma senhora que viria tirar fotografias. Planeámos fazê-lo no dia 8 de março”. 34) Despedindo-se da D. BB, pedindo desculpa por a ter incomodado e por não saber que um colega seu havia já aparecido nessa manhã, optou por nem lhe pedir o número de telefone pois assumiu que o A. já o teria feito. 35) Nesse mesmo dia, pelas 15h, depois de deixar a D. BB, HH telefonou ao jornalista JJ para lhe contar o que havia acabado de suceder, ainda absolutamente estupefacto, tendo JJ respondido que era, de facto, estranho, e que provavelmente teria a ver com uma reportagem que o A. estaria a preparar para a TV YY, não apenas sobre a pobreza energética, mas sobre a pobreza em geral. 36) Tendo o HH respondido: "Espera, o AA está a trabalhar numa reportagem sobre o mesmo tema que nós? Há muito tempo? Para a TV YY? E está a trabalhar numa história de que falámos no grupo há dois dias? No mesmo dia que nós? Sem nos dizer nada, apesar de ele saber que iriamos lá?” 37) A partir desse momento, chocado e suspeitando que algo não estava devidamente esclarecido, o HH decidiu telefonar ao Coordenador Editorial da redação da R., CC, para lhe contar a situação, tendo o CC sido igualmente apanhado totalmente de surpresa e confirmado que o A. não estava de serviço nesse dia 15 de fevereiro de 2023 e, portanto, não estava a trabalhar para a R. nesse dia, nem estaria no dia 8 de março de 2023. 38) Já devidamente a par desta situação, o CC aproveitou o facto de os três (o A., o JJ e o próprio) terem, no dia seguinte, 16 de fevereiro de 2023, uma reunião sobre questões de planeamento, determinação da agenda para os próximos dias e o progresso dos tópicos em curso. 39) Deixando este tema para o fim da discussão, o CC começou por pedir a JJ que explicasse o que tinha acontecido no dia anterior e qual tinha sido o resultado dos esforços que tinha empreendido com o HH. 40) Em suma, na referida reunião o jornalista JJ explicou que nenhuma tentativa de contactar os residentes e comerciantes locais tinha resultado numa futura reunião ou agendamento de entrevista dos mesmos, confirmando então que a única pessoa que se tinha mostrado disponível para o fazer era a senhora BB, que tinha, no entanto, dito ao HH que já tinha sido abordada pelo A.. 41) Quando questionado sobre o motivo pelo qual se tinha ido encontrar com esta senhora algumas horas antes do HH, o A. confirmou que tinha de facto estado lá, assegurando que não se tinha apresentado como jornalista da R., e que não tinha marcado qualquer encontro para 8 de março. 42) Respondeu ainda que se tratava de uma coincidência "fortuita", pois não sabia que JJ, HH e II queriam encontrar-se com a Sra. D. BB e terminar a sua reportagem na sua vizinhança. 59° 43) Quando o CC lhe perguntou se não tinha visto as trocas de mensagens acerca deste tema no grupo do Whatsapp, o A. limitou-se a responder "não".60° 44) Quando questionado acerca do motivo pelo qual não tinha dito ao resto da equipa que estava no encalço da senhora quando o tema dos problemas de pobreza energética tinha sido discutido coletivamente, e tinha inclusivamente sido mencionado nos e-mails semanais de resumo enviados pelo CC, o A. respondeu que estava a trabalhar num tema mais amplo, relativo à habitação como um todo, e que os dois ângulos não estavam ligados. (61) 45) À pergunta que de seguida lhe foi feita pelo CC acerca do motivo pelo qual se encontrava a efetuar uma pesquisa sobre este tema, o A. informou lhe tinha sido pedido para preparar uma reportagem para a TV YY no final do ano de 2022. 46) Quando, de seguida, questionado pelo CC acerca da sua atividade fora da R., o A. terá começado por responder que estava "esporadicamente" a arranjar histórias para terceiros, mas acabando por dizer que nunca tinha trabalhado para ninguém fora da R. . 47) Verificou-se, portanto, uma contradição clara entre o que o A. disse num primeiro momento (quando referiu que trabalhava esporadicamente para terceiros), e a versão que adotou depois, assegurando que nunca tinha trabalhado para terceiros. (64) 48) Quando questionado ainda pelo CC acerca do motivo pelo qual a TV YY o tinha chamado, se ele nunca teria feito nenhum trabalho para eles como freelancer antes, o A. respondeu que era através de uma antiga colega de escola que trabalha na TV YY e que sabia que ele estava a viver em .... 65° 49) CC perguntou, então, ao A. se sabia que tinha de pedir autorização à R. antes de trabalhar para um terceiro, o mesmo respondeu que não sabia, 66 50) Mas que GG e NN lhe tinham dito na altura da sua contratação (em 2017) que ele podia fazer trabalho por conta própria fora. 67° 51) O que não correspondia à verdade quanto a GG, na medida em que o que esta afirmou ao A., na altura da contratação, foi que poderia ter colaborações exteriores, mas com duas condições: precisava de pedir uma autorização por escrito e não poderia colaborar com os concorrentes da R.. 52) À medida que a conversa avançava, o A. procurou repetidamente negar que tivesse interferido ou prejudicado os esforços de HH e JJ para obter o testemunho da Sra. BB, argumentando que não tinha conhecimento desses esforços, ou que tinha simplesmente "chegado lá primeiro". 53) CC sugeriu então que o A. ligasse de volta à Sra. D. BB e lhe dissesse que JJ assumiria a reportagem e tentaria marcar uma reunião para o início da próxima semana, como já havia sido entretanto acordado entre a senhora e o HH. 54) O A. concordou então em dar o contacto da senhora e da associação que o tinha ajudado a encontrá-la. 54-A) As perguntas realizadas pelo CC na reunião de 16 de Fevereiro deixaram o autor apreensivo e temeroso. 55) CC disse ainda, antes de dar por terminada a reunião, que teriam de voltar a falar sobre este tema na presença de HH e II, uma vez que também eles mereciam que lhes fosse dada alguma explicação. 72° 56) Tendo já falado com eles, CC percebeu, de forma evidente, que este incidente os perturbou muito, pois sentiram que a sua confiança tinha sido traída. 57) Na sequência desta reunião, CC optou por abordar o tema com JJ e HH, que o informaram que estavam conscientes de que o A. trabalhava ocasionalmente para outros meios de comunicação social. 58) O que, contudo, não sucedia até esse momento com CC. 59) Nem com LL. 60) Os colegas de redação sentiram-se atraiçoados e enganados pelo A. 61) Embora a TV YY não seja uma agência noticiosa, move-se no mesmo circuito, no mesmo "mercado”, sendo cliente da R. 62) O A. já havia sido disciplinarmente sancionado, ao serviço da R., com sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição, por violação culposa por parte do A. dos mais elementares deveres de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos e os companheiros de trabalho com urbanidade e probidade, realizar o trabalho com zelo e diligência e de guardar lealdade ao empregador. (136) 63) Tal sanção disciplinar foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.°25596/20.7T8LSB.L1, conforme certidão junta Documento 2 e que se dá por reproduzida. 64) A ré tem apenas 4 trabalhadores. Da contestação 65) A Agência XX tem como principais clientes vários meios de comunicação social, mas também empresas, instituições e plataformas digitais de todo o mundo, incluindo a TV YY (TV YY). 66) O Autor é licenciado em Ciências Humanas e Sociais com especialização em História pela Universidade... tendo, igualmente, o grau de Mestre em Direito e Ciência Política com especialização em Jornalismo, obtido na Universidade..., bem como uma formação em Jornalismo. (cf. Documento n°1, junto, que se dá por integralmente reproduzido). (7 cont.) 67) O Autor é titular da carteira profissional de Jornalista n° 7396 e é filiado no Sindicato de Jornalistas com o n° 7500 (cf. Documento n°2, junto, que se dá por integralmente reproduzido). 68) E é delegado sindical desde 21/12/2019. (cf. Documento n° 11, adiante junto, que se dá por integralmente reproduzido). 68-A) A redação de ..., à data dos factos, era constituída por três jornalistas redatores em regime de contrato de trabalho: JJ, o Autor e o CC (coordenador editorial), e por três jornalistas freelancers: II (fotojornalista) e HH (videojornalistas) em regime de colaboração regular, e KK, cuja atividade era solicitada sempre que os dois primeiros não tinham disponibilidade. 69) O trabalho de “fixing” consiste em recolher contactos de pessoas a entrevistar, tendo em conta a temática que se pretende abordar, sendo um trabalho de mera pesquisa de contatos e/ou locais de interesse para uma determinada reportagem, podendo envolver igualmente trabalho como tradutor quando necessário. (19.º contestação). 70) Em 2019 o Autor foi alvo de um processo disciplinar, por alegada violação do dever de respeito e de obediência para com o referido superior hierárquico, CC através do qual a Ré lhe aplicou uma sanção de repreensão registada. 71) Ainda em 2019, o Autor foi alvo do segundo processo disciplinar, também no decurso de um episódio com o mesmo coordenador, no qual a Ré lhe aplicou uma sanção de suspensão de trabalho e perda de retribuição e antiguidade pelo período de 20 dias. 72) Em 2020, o Autor foi alvo do terceiro processo disciplinar através do qual a Ré lhe aplicou uma sanção de suspensão de trabalho e perda de retribuição e antiguidade pelo período de 30 dias. 73) O Autor impugnou judicialmente, as decisões acima mencionadas, no âmbito do processo Proc. 25596/20.7T8LSB, que correu termos no Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 6, peticionando que fossem declaradas nulas por abusivas e ilícitas. 74) O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa declarou a nulidade da sanção da repreensão escrita, determinando a eliminação da mesma do registo de sanções existentes e confirmou as outras duas sanções disciplinares. 75) O Autor, inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa o qual declarou, por Acórdão já transitado em julgado, ilícita a sanção de suspensão de trabalho e perda de retribuição e antiguidade pelo período de 30 dias, aplicada pela ré em 2020, e determinou a sua eliminação do registo de sanções existentes (cf. Documento n° 2 junto aos Autos no Articulado de Motivação do Despedimento). 76) Do registo disciplinar do Autor, ficou assim a constar a sanção disciplinar de 20 dias de suspensão, com perda de retribuição. 77) No início de janeiro de 2023 o Autor foi contactado pela MM, Jornalista da TV YY, que lhe solicitou que elaborasse uma lista de contactos para entrevista e indicação de locais para filmar que pudessem ter interesse, para ser elaborada uma reportagem que a TV YY pretendia fazer sobre a Crise da habitação em ... - dificuldades para encontrar apartamentos/casas devido à escassez de oferta, rendas altas, preços para compra de habitação altos, despejos, protestos da população, casas de valor elevado com poucas condições, associações a lutar pelo direito à habitação, peritos em habitação e gentrificação, proprietários de alojamentos locais, investidores estrangeiros em ... com poder de compra significativo, políticas para descobrir quais seriam as soluções propostas para esta crise habitacional. 78) No caso concreto, o Autor tinha de agilizar tudo de forma que as filmagens pudessem arrancar em março de 2023, uma vez que a ideia era que a reportagem fosse divulgada em abril. 79) Já não era a primeira vez que Autor, colaborava com TV YY, designadamente em trabalhos de fixing, tendo em conta que reside em ... e domina a língua francesa. 80) O Autor esteve de folga do dia 10 ao dia 15 de fevereiro de 2023, pelo que não se deslocou, nesses dias, às instalações da Ré nem prestou trabalho para a mesma. (54) 81) No dia 14 de fevereiro, no âmbito do trabalho que estava a fazer para a Fracnce.TV o Autor contactou o Sr. EE, pelas 12:27h, número de telefone que obteve via facebook, através da página da Associação de Moradores do ... e com o qual, durante uma curta conversa telefónica, combinou fazer uma visita ao ..., no dia seguinte, pelas 11h. 82) CC sugeriu que o Autor ligasse à Sra. BB e lhe dissesse que o seu colega JJ assumiria a reportagem e tentaria marcar uma reunião para o início da semana seguinte. 83) O Autor concordou, tendo estabelecido contacto com a Sra. BB nesse sentido. 84) Também facultou o contacto do Sr. EE e da Sra. FF, também moradora do ..., cujo testemunho acabou por ser utilizado na versão final da reportagem da Ré. 85) Em consequência, os Jornalistas JJ, II e HH realizaram a reportagem na primeira oportunidade disponível para o efeito, concretamente no dia 20 de fevereiro. 86) A reportagem em questão foi publicada pela Ré no dia 3 de março de 2023 (cf. Documento n°10, adiante junto, que se dá por integralmente reproduzido). (73 contestação) 86-A) Tendo-se apercebido que os moradores do ... residiam em habitação pública (IHRU), o Autor nunca chegou a referir o tema do ... e os contactos feitos à TV YY. 87) No dia 14 de abril, no canal Canal 2 foi transmitida uma reportagem da TV YYe o ... não foi abordada. (75) 88) O Autor esteve a prestar atividade para a Ré, e portanto destacado para realizar trabalho noticioso, entre a data da instauração do processo disciplinar e o despedimento, tendo realizado todo o tipo de trabalho, seja de escritório na elaboração das notícias diárias, seja na cobertura de eventos desportivos, em reportagem como jogos da Liga dos Campeões, Liga Europa, cobertura da convocatória da Selecção Nacional na ..., e dos jogos da Selecção Nacional. 89) O Trabalhador voltou a ser contatado para um trabalho de fixing e colocou a situação à consideração do coordenador da Ré CC com Cc Diretor da Agência XX para ... e ..., jornalista LL, por email enviado no dia 24 de abril de 2023, nos seguintes termos: De: AA Envoyé: lundi 24 avril 2023 10:50 À: CC Cc: LL Objet: Fixing TV YY studio Bonjour Thomas, Je t’envoie ce mail afin de savoir si tu ne vois pas d’inconvénient à ce que j’effectue un travail de fixing pour la boite de production française France.tv studio. Ce fixing s’inscrit dans le cadre d’un reportage TV d’une dizaine de minutes pour le programme “Nous les Européens”, diffusé sur les chaines Canal 2 et Canal 3. À ce stade, je sais que le sujet portera sur la lutte contre les incendies au ... et que le travail de fixing me prendra entre trois et quatre jours. Pour ce travail, que je réaliserai sur mes jours off pendant le mois de mai, on me demande de caler les intervenants choisis, d’accompagner le tournage si nécessaire et de traduire du portugais vers le français et vice-versa au besoin. En te remerciant par avance pour ta réponse. Amts, AA TRADUÇÃO Olá, CC, Estou a enviar-lhe este e-mail para saber se não se importa que eu faça um trabalho de fixação para o estúdio da produtora francesa TV YY. A fixação faz parte de uma reportagem televisiva de dez minutos para o programa "Nous les Européens", transmitido em Canal 2 e Canal 3. Nesta fase, sei que o tema será o combate aos incêndios em ... e que o trabalho de fixação me levará entre três e quatro dias. Para este trabalho, que farei nos meus dias de folga durante o mês de maio, pedem-me que prepare os altifalantes escolhidos, que acompanhe as filmagens se necessário e que traduza de português para francês e vice-versa se necessário. Agradeço desde já a vossa resposta. Amts, AA 90) No dia 5 de maio de 2023, o LL respondeu ao Autor, nos seguintes termos (cf. Documento n°9 junto com a contestação): Caro AA, Refiro-me aos vossos e-mails abaixo, que li no meu regresso de férias. Não podemos aceitar o seu pedido. O seu contrato de trabalho contém uma cláusula de exclusividade muito ciara e, em nenhum momento, durante a sua actividade na Agência XX, nos pediu autorização para trabalhar para terceiros. Por conseguinte, nunca recebeu o nosso acordo para o fazer. Escusado será dizer que a nossa intenção, no âmbito desta cláusula, é não permitir que desenvolva uma actividade paralela com os clientes da Agência, ainda mais quando esta se sobrepõe em grande medida à do escritório. Além disso, na medida em que está em curso um processo disciplinar contra si precisamente sobre este assunto e com este cliente, o momento deste pedido parece-nos particularmente inoportuno. * 5. Fundamentação de direito * 5.1. A questão essencial que se coloca no presente recurso consiste em aferir se existiu justa causa para o despedimento do recorrente, questão que deverá ser analisada à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho de 2009. * 5.1.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento. Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda: – que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal; – que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e – que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica * 5.1.2. Na decisão proferida no processo disciplinar instaurado e no articulado motivador do despedimento apresentado na apresente acção, a R., ora recorrida, fez assentar a justa causa de despedimento, fundamentalmente, na circunstância de o A., estando ciente da preparação de uma reportagem acerca da crise energética pelos seus colegas e da intenção destes em entrevistarem a Sra. BB como a personagem principal da referida reportagem, ter contactado, em momento anterior e sem o conhecimento destes e da R., com esta senhora para preparar uma reportagem para uma empresa cliente da R., a TV YY, que se move no mesmo mercado. Entende a R. que está em causa uma conduta desleal para consigo e, em particular, para com os colegas de trabalho, de modo a prejudicar o trabalho que estava a ser desenvolvido por eles, que levou a que estes se sentissem afectados, enganados e atraiçoados, gerando mau ambiente e um clima de desconfiança. Mais refere a R., invocando o constante das cláusulas 12.ª e 13.ª do contrato de trabalho, que nunca pelo A. foi solicitada nem concedida autorização para a realização deste trabalho e que, quando confrontado com a situação pelo Coordenador CC o A. apresentou versões contraditórias das circunstâncias da sua deslocação à casa da Sra. D. BB, limitando-se a pedir desculpas para justificar a execução deficiente do seu trabalho. Conclui a R. que o autor violou de forma dolosa e grosseira os deveres de exclusividade, de não concorrência, de obediência, respeito e lealdade para com os seus colegas e para com a R. e, ainda, o dever de praticar os actos tendentes à produtividade, previstos nas als. a), e), f) e h), do artigo 128.º, n.º 1, do Código do Trabalho. E que a sua conduta coloca definitivamente em crise a confiança nele depositada pela R., gera dúvidas a respeito da sua probidade, até pela postura de ocultação, agravando a sua censurabilidade ter sido já sancionado disciplinarmente no passado. Considerando assim preenchido o previsto no número 1 do artigo 351.° do Código do Trabalho, por existir comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências - mormente na confiança mínima que tem de existir em qualquer relação de trabalho - implica que tenha sido impossível a conservação do vínculo, o que reitera nas conclusões das suas contra-alegações. A sentença da 1.ª instância decidiu existir justa causa para despedir o A., porquanto, considerou que os factos provados demonstram, por um lado, a violação dos referidos deveres e, por outro, que as consequências dessas violações são de tal forma graves que afetaram de forma irreversível a subsistência da relação laboral. Aderiu, por isso, à fundamentação apresentada pela R., afirmou ainda que o A. desrespeitou frontalmente as cláusulas de lealdade e exclusividade acordadas no contrato, e concluiu ser a sanção de despedimento adequada à gravidade dos factos e proporcional à culpa do agente. Na apelação, o recorrente vem essencialmente alegar: que não estava sujeito a qualquer obrigação de exclusividade, porquanto a cláusula 13.ª do seu contrato de trabalho é completamente ilícita e desproporcional, limitando a liberdade de trabalho sem qualquer justificação e contrapartida remuneratória, não existindo motivo para que tenha que pedir autorização para prestar uma atividade não concorrente e fora do seu tempo de trabalho; que foi autorizado a colaborar com entidades exteriores sem qualquer condição, desde que não fosse atividade jornalística; que as duas entidades (Recorrida e TV YY) não são concorrentes; que não sabia, nem tinha como saber, que os seus colegas se iriam deslocar ao ... naquele dia para entrevistar a Sra. BB, com intenção que esta figurasse como personagem principal da reportagem; que a reportagem dos seus colegas não perdeu a sua novidade e oportunidade, nem o recorrente ocultou a atividade de fixing que estava a fazer; que o tribunal a quo desconsiderou por completo que pediu desculpas pelo sucedido, tendo fornecido de imediato os contactos obtidos aos seus colegas; que da sua conduta não resultaram prejuízos para a recorrida, uma vez que a única consequência efetiva e concreta da sua conduta terá sido um atraso de 5 dias (de dia 15 para dia 20 de fevereiro) na elaboração da reportagem, nem influenciou o ambiente na redação, dado que após o incidente, ainda que um pouco tenso no início, o ambiente amenizou-se, e os seus colegas e o Recorrente permanecerem a trabalhar com normalidade; que, uma vez convidado, a fazer outro trabalho de fixing, solicitou autorização para o efeito à recorrida, o que faz cair por terra a afirmação da Meritíssima Juiz no sentido de que, com muita probabilidade o autor “faria o mesmo” não sendo exigível à Ré manter esta relação de trabalho, e que não se verificam os pressupostos de justa causa para o despedimento pois não existe qualquer comportamento ilícito e culposo que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. * 5.1.3. Deve começar por se recordar que incumbe ao empregador o ónus da prova dos factos em que fundou o despedimento. Como resulta do disposto no artigo 342.º do Código Civil e das regras substantivas que disciplinam a justa causa de despedimento e impõem ao empregador a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador (artigos 352.º e 367.º do Código do Trabalho), os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador10. * 5.1.4. A questão que se coloca, e que agora passaremos a enfrentar, é a de saber se, traçados estes parâmetros, o comportamento do A. que veio a provar-se é disciplinarmente censurável no contexto da relação laboral, caso em que haverá de aferir-se se, em face da sua gravidade e consequências, justifica o despedimento a que R. procedeu. * 5.1.4.1. Começa o recorrente por invocar que, ao contrário do entendimento vertido na sentença sob censura, não estava sujeito a qualquer obrigação de exclusividade, porquanto a Cláusula 13.ª do seu contrato de trabalho é completamente ilícita e desproporcional, limitando a liberdade de trabalho sem qualquer justificação e contrapartida remuneratória, não existindo motivo para que tenha que pedir autorização para prestar uma atividade não concorrente e fora do seu tempo de trabalho. No que diz respeito à cláusula de exclusividade que consta do contrato de trabalho celebrado entre as partes, a sentença da 1.ª instância não abordou a questão suscitada pelo ora recorrente da sua validade. Os autos fornecem para tanto todos os elementos necessários, pelo que cabe a este tribunal, nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, conhecer de tal questão que deixou de ser conhecida pelo tribunal recorrido. Dado que a omitida apreciação constitui uma das vertentes em que o recorrente sustenta a sua tese no recurso, tendo a recorrida ampla possibilidade de se pronunciar sobre a mesma nas suas contra-alegações (veja-se a sua conclusão 43.ª), afigura-se-nos desnecessário ouvir de novo as partes, nos termos previstos no n.º 3 daquele artigo 665.º. Mostra-se provado na sentença (facto 11.) o teor da cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes em 1 de Outubro de 2017, que sob a epígrafe “Exclusividade”, estabelece que: “(...) o Trabalhador compromete-se, durante toda a vigência deste contrato, a dedicar o seu tempo e atividade ao serviço da Agência XX. Qualquer trabalho remunerado ou atividade desempenhada fora da Agência XX deve ser previamente autorizada por escrito pelo superior hierárquico. Tal autorização pode ser revogada a qualquer momento, sem obrigação da parte da Agência XX de justificar a sua decisão, se o trabalho externo prejudicar os interesses da Agência XX”. O Código do Trabalho, satisfazendo o princípio constitucional da liberdade de trabalho, consagrado no artigo 47.º, n.º 1 da Constituição, não impõe ao trabalhador o dever de exercer a sua atividade laboral em exclusividade para um empregador, estabelecendo, inclusivamente, severas restrições à celebração de pactos de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho (artigo 136.º do CT). Não obstante, as cláusulas de exclusividade, ou pactos de exclusividade, ocorrem com alguma frequência e não têm regulamentação expressa na nossa lei ordinária. Como refere o Conselheiro Júlio Gomes tais cláusulas “tipicamente proíbem ao trabalhador toda e qualquer atividade profissional durante a vigência do contrato e, portanto, tanto atividades concorrentes como atividades não concorrentes com a do seu empregador», representando «um sério limite à liberdade de trabalho»”11. Mas, porque a obrigação de não concorrência é inerente à relação laboral, como seu elemento essencial, por força do estabelecido no artigo 128.º, alínea f) do Código do Trabalho, como afloramento do dever geral de lealdade, não pode relevar, com autonomia a obrigação de exclusividade quando referida a atividades concorrentes. Com efeito, o dever de não concorrência pressupõe precisamente a admissibilidade do pluriemprego, isto é, pressupõe a possibilidade de prestação de trabalho a mais do que um empregador, sem que qualquer deles possa arrogar-se, sem mais, o direito de exigir essa prestação em exclusivo, desde que não concorrente12. Não há, pois, dúvida de que, quando a lei proíbe ao trabalhador atividades concorrenciais, não está, seguramente, a impor-lhe a exclusividade da prestação de trabalho a um empregador. Assim, o problema da validade de um pacto de exclusividade, à luz das garantias consignadas nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, só se coloca quando dele resulte, para o trabalhador, a obrigação de não exercer para outrem ou por conta própria, atividades não concorrentes com a do empregador, só neste caso se podendo falar de compressão das referidas garantias. E a sua licitude há de ser averiguada segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efetivo interesse do empregador correlacionado com a natureza das tarefas objeto do contrato. Na palavra do Acórdão da Relação de Évora de 24 de Setembro de 202013, são admitidas restrições legais, convencionais ou negociais, à admissibilidade do pluriemprego, “desde que proporcionais e fundadas em princípios constitucionais de igual ou maior dignidade, devendo, nessa medida, a licitude da cláusula de exclusividade, limitativa do exercício de atividades não concorrenciais com a do empregador, ser averiguada segundo critérios de adequação e proporcionalidade”, em função da natureza das tarefas objecto do contrato e da existência de um real e efectivo interesse do empregador. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2009 “uma tal ponderação é suscetível de reconduzir a obrigação de exclusividade à própria essência do contrato, na perspetiva de que, sem exclusividade, os fins por ele prosseguidos não seriam plenamente atingidos”14. Cremos que a reforma laboral levada a cabo pela Lei n.º 12/2023, de 3 de Abril, ao introduzir no artigo 129.º, n.º 1 do Código do Trabalho uma nova alínea k), segundo a qual é proibido ao empregador “[o]bstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, salvo com base em fundamentos objetivos, designadamente segurança e saúde ou sigilo profissional, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício”, foi na linha desta jurisprudência, querendo deixar claro que está vedado ao empregador obstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, só o podendo fazer, designadamente através de pactos de exclusividade, se estiverem em causa interesses objetivos que o justifiquem15. Esta interpretação é consonante com a Directiva 2019/1152 do Parlamento e do Conselho, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis da UE que aquela lei transpôs e que no seu artigo 9.º, em homenagem ao princípio da liberdade de trabalho, consagrou o direito do trabalhador a ter um segundo emprego e vedou ao empregador o estabelecimento de restrições nesta matéria, exigindo que o estabelecimento de tais restrições seja fundado em razões objectivas16. Ainda à luz da legislação do trabalho antes da reforma de 2023, Maria do Rosário Palma Ramalho, admitia restrições negociais ao princípio constitucional da liberdade de trabalho desde que proporcionais e fundadas em princípios de igual ou maior dignidade, admitindo cláusulas de exclusividade (que vedam o pluriemprego na pendência do contrato de trabalho), desde que tais cláusulas correspondam a uma limitação objectiva e razoável do princípio da liberdade de trabalho, limitada ao mínimo possível, nos termos do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa17. E já após a reforma de 2023, mas dentro da mesma linha, Joana Nunes Vicente afirma que a validade dos pactos de exclusividade se encontra “dependente da existência de um interesse sério e legítimo da entidade empregadora”18. Não cremos que seja o caso dos autos. Com efeito, e tendo em conta as funções de jornalista desempenhadas pelo autor, não nos parece que tenham ficado minimamente demonstrados quaisquer factores relacionados com a atividade económica da recorrida enquanto agência noticiosa ou com as funções do trabalhador (v.g. a sua complexidade técnica destas, ou o grande tempo exigido para um eficiente desempenho do trabalhador ou a elevada responsabilidade deste) que, de algum modo, possam justificar que o trabalhador se comprometa “durante toda a vigência deste contrato, a dedicar o seu tempo e atividade” ao empregador e que tal exclusividade o impeça de realizar “qualquer trabalho remunerado ou actividade” sem autorização escrita do empregador, autorização que, repare-se, fica no livre alvedrio deste revogar a qualquer momento, sem ter que apresentar justificação. Não vislumbramos efectivamente na factualidade apurada um interesse sério e legítimo da recorrida em manter o trabalhador em regime de exclusividade, com a obrigação de não exercer para outrem, ou por conta própria, actividades não concorrentes com a sua, não se podendo concluir dos factos provados que, sem a observância da exclusividade nos termos que ficaram plasmados na cláusula 13.ª, os fins prosseguidos pelo contrato de trabalho firmado não seriam plenamente atingidos, não se justificando, por isso, a compressão das garantias consignadas nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição, É aqui particularmente relevante a circunstância de o contrato de trabalho em que foi aposta esta cláusula constituir um contrato de trabalho a tempo parcial, inicialmente com 21 horas de trabalho por semana e actualmente com um período normal de trabalho semanal de 28 horas (vide os factos 9. e 12.), o que implica que o A. não ocupe em cada semana ao serviço da R. todo o tempo em que, em geral, um trabalhador exerce uma actividade profissional, com a inerente amputação do rendimento que naturalmente decorreria do exercício profissional correspondente à execução de um contrato de trabalho a tempo completo. Este circunstancialismo, do mesmo passo que confere maior intensidade aos direitos constitucionais à livre escolha de profissão e ao trabalho no tempo “livre” de que o trabalhador dispõe em cada semana, intensifica também o juízo de desproporcionalidade que fazemos sobre a exigência de exclusividade traçada na cláusula contratual em análise, que, recorde-se, tem a particularidade de nela se convencionar que o trabalhador se compromete “a dedicar o seu tempo e atividade ao serviço da Agência XX” durante toda a vigência deste contrato, o que não deixa margem para qualquer outra actividade. Juízo de desproporcionalidade este que é alicerçado pela circunstância de não ter sido convencionada qualquer contrapartida específica pela exclusividade referida na cláusula 13.ª do contrato de trabalho firmado entre as partes19. Daqui resulta, face ao que se acabou de expor, ser ilícita a cláusula de exclusividade constante do contrato de trabalho celebrado entre as partes no que concerne a actividades não concorrentes, o que implica que não possa a recorrida fundar a justa causa de despedimento na inobservância pelo recorrente da referida cláusula, pelo que não se sufraga a sentença na parte em que afirma ter o recorrente desrespeitado frontalmente o convencionado no contrato quanto à exclusividade e neste desrespeito fundamenta, também, o seu juízo no sentido da justeza do despedimento proferido. A citada cláusula só pode considerar-se lícita se encarada como tendo em vista reforçar a protecção legal contra o perigo de concorrência consignada na alínea f) do artigo 128.º do Código do Trabalho, sendo que infra se apreciará se a apurada conduta do recorrente violou o dever laboral de lealdade nesta perspectiva da violação do dever de não concorrência, pois que também tal infracção disciplinar lhe foi imputada. Procede, neste ponto, a apelação. * 5.1.4.2. Feita esta restrição, cabe analisar o comportamento apurado do recorrente à luz da alegada violação dos deveres laborais de lealdade, urbanidade e probidade, bem como de obediência e de promover os actos tendentes à melhoria da produtividade, os quais se mostram plasmados nas alíneas a), e), f) e h) do artigo 128.º, n.º 1, do Código do Trabalho, perspectivando o dever de lealdade, na sua estrita vertente de dever de não concorrência. De acordo com o artigo 128.º, n.º 1, do Código do Trabalho, constituem deveres do trabalhador: “a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; (…) e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; (…) h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; (…)” Na decisão de despedimento, a violação dos indicados deveres laborais imputada ao A. desdobra-se em duas vertentes: por um lado, ter o A. sido incongruente e desonesto ao avançar com o estabelecimento de um contacto com a Sra. D. BB, em benefício da TV YY e em seu próprio benefício financeiro, quando estava perfeitamente ciente da intenção dos seus colegas de efetuarem a reportagem sobre a pobreza energética e de quererem que a referida senhora fosse a personagem principal da reportagem; por outro lado, ter o A. trabalhado com outra entidade na área do jornalismo sem pedir autorização à R.. 5.1.4.2.1. Comecemos por esta última vertente, que se enquadra especificamente na imputada violação do dever de lealdade, na perspectiva do dever de não concorrência. O dever de lealdade corresponde a uma obrigação acessória de conduta, que advém da boa fé ínsita no princípio geral constante do artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil e do artigo 126.º do Código do Trabalho. A exigência geral da boa fé na execução dos contratos genericamente prevista na lei civil assume especial acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, constituindo neste âmbito fonte de deveres acessórios de conduta20. Entre os deveres acessórios de conduta, a lei laboral indica, exemplificativamente, o dever de sigilo e o dever de não concorrência, constituindo este último “um comando votado à defesa do interesse económico e empresarial do empregador”21, que visa “salvaguardar um bem particular que é a posição ocupada pelo empresário no mercado concorrencial”, prevenindo o desvio de clientela. A sentença sob recurso afirmou a este propósito que: «[…] Não é obediente quem integra uma equipa de trabalho em que se discutem e programam os trabalhos e se decide, para seu próprio e financeiro interesse, "trabalhar por fora”, em benefício de outra entidade e "jogando” contra o seu próprio empregador, como não é obediente quem viola cláusulas contratuais de lealdade e exclusividade a que está adstrito. Embora a TV YY não seja uma agência noticiosa, a verdade é que se move no mesmo circuito, no mesmo "mercado”, sendo, de facto, e com especial gravidade para esta situação, cliente da R. Acresce que, ainda que assim não fosse, o impacto e sucesso das reportagens deste tipo depende em boa parte da sua novidade e antecipação, valores que se desmoronam quando há vários órgãos e/ou agências a dedicar-se e a tratar o mesmo tema.” […]» O recorrente, por seu turno, além de alegar que não tinha que pedir autorização para prestar uma actividade não concorrente fora do seu tempo de trabalho – o que atine à cláusula de exclusividade já apreciada – e que foi autorizado a colaborar com entidades exteriores desde que não fosse actividade jornalística – autorização que não provou –, invoca que não é possível concluir dos factos provados que a concreta atividade de fixing por si prestada à TV YY se traduza numa atividade intrinsecamente jornalística e que as duas entidades (recorrida e TV YY) não são concorrentes. Deve começar por se dizer que não podemos acompanhar a sentença quando a mesma configura como violador do dever de obediência o assinalado comportamento do trabalhador, maxime quando conclui que “não é obediente quem integra uma equipa de trabalho em que se discutem e programam os trabalhos e se decide, para seu próprio e financeiro interesse, "trabalhar por fora”, em benefício de outra entidade e "jogando” contra o seu próprio empregador, como não é obediente quem viola cláusulas contratuais de lealdade e exclusividade a que está adstrito”. Independentemente dos juízos de valor que esta afirmação encerra, o dever laboral implicado na conduta do trabalhador aqui relatada é o dever de lealdade na sua vertente de não concorrência e não o dever de obediência, não estando em causa na presente acção quaisquer ordens ou instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, a que o recorrente devesse obediência e que não tenha cumprido [artigo 128.º, n.º 1, alínea e), do CT]. Mas ressalvado o, a nosso ver, menos correcto enquadramento da conduta do recorrente na violação do dever de obediência, resulta deste excerto da sentença que a mesma considera ter o recorrente violado o dever de não concorrência. Vejamos. Com relevo para aferir se a conduta do recorrente afrontou o dever de não concorrência, ficou a constar da factualidade apurada que: - a R. é a representante permanente em ... da Agência XX, que tem por objeto a recolha, tanto em ... como no resto do mundo, de elementos informativos e objectivos e coloca essa informação à disposição dos seus potenciais utilizadores, e que a R. tem como principais clientes vários meios de comunicação social, mas também empresas, instituições e plataformas digitais de todo o mundo, incluindo a TV YY – factos 1., 2. e 65.; - a TV YY é cliente da R. e, embora não seja uma agência noticiosa, move-se no mesmo circuito, no mesmo "mercado” – facto 61.; - ao serviço da R. o A. desempenha as funções de jornalista a tempo parcial, competindo-lhe produzir notícias que acontecem em ..., em todos os campos, incluindo política, economia, meio ambiente, desporto e notícias gerais, entre outras funções afins ou funcionalmente ligadas àquelas – factos 7., 8. 9. e 12.; - o trabalho de “fixing” consiste em recolher contactos de pessoas a entrevistar, tendo em conta a temática que se pretende abordar, sendo um trabalho de mera pesquisa de contatos e/ou locais de interesse para uma determinada reportagem, podendo envolver igualmente trabalho como tradutor quando necessário – facto 69.; - no início de Janeiro de 2023 o Autor foi contactado por MM, Jornalista da TV YY, que lhe solicitou que elaborasse uma lista de contactos para entrevista e indicação de locais para filmar que pudessem ter interesse, para ser elaborada uma reportagem que a TV YY pretendia fazer sobre a “Crise da habitação em ... - dificuldades para encontrar apartamentos/casas devido à escassez de oferta, rendas altas, preços para compra de habitação altos, despejos, protestos da população, casas de valor elevado com poucas condições, associações a lutar pelo direito à habitação, peritos em habitação e gentrificação, proprietários de alojamentos locais, investidores estrangeiros em ... com poder de compra significativo, políticas para descobrir quais seriam as soluções propostas para esta crise habitacional”, não sendo esta a primeira vez que o A. colaborava com TV YY, designadamente em trabalhos de fixing, tendo em conta que reside em ... e domina a língua francesa – factos 77. a 79.; - na ocasião, a R. (através de trabalhadores seus e prestadores de serviços) preparava uma reportagem tendo por tema a “pobreza energética em ... e a dificuldade de aquecimento das casas portuguesas, especialmente durante o inverno” – facto 13.; - no âmbito do trabalho de fixing, em colaboração com a TV YY, o A. deslocou-se na manhã do dia 15 de Fevereiro de 2023 ao lote 70 (...), aí estabelecendo contacto, além do mais, com a moradora Sra. D. BB – factos 29. e ss, 35., 44., 45. 79. e 81.; - o A. nunca chegou a referir o tema do ... e os contactos feitos à TV YY por se ter apercebido que os moradores do ... residiam em habitação pública (IHRU) e que no dia 14 de abril, no canal Canal 2 foi transmitida a reportagem da TV YYe o ... não foi abordado – factos 86-A. e 87. Perante estes factos é patente que a TV YY é cliente da R. e, ainda que se mova no mesmo circuito ou “mercado” da R., não é uma agência noticiosa. Não é, pois, uma empresa com actividade concorrente com a da R. sendo, ao invés, sua cliente, nada indiciando que a actividade extra-laboral que o A. desenvolveu em benefício da TV YY fosse potencialmente apta a afectar a posição ocupada pela R., sua empregadora no mercado concorrencial e a traduzir-se, ainda que em termos de perigo, num desvio de clientela. Pelo que não se coloca a questão de o A. ter favorecido com a sua actividade uma empresa concorrente da R. Além disso, também não se nos afigura que possa qualificar-se a actividade de fixing que o A. desenvolveu para a TV YY como uma actividade, ela própria, concorrente da R., apesar de ter sido desenvolvida em benefício de uma sua cliente. Face ao que ficou provado, não cabe na missão da R. o trabalho de mera pesquisa de contactos e/ou locais de interesse para uma determinada reportagem, ou de tradução. Pelo que, ao desenvolver o trabalho de fixing, de forma alguma o A. estava a “desviar” clientela da R. para si próprio, apesar de não poder descartar-se que, para exercer a sua actividade, a R. necessite, ela própria, deste trabalho prévio em alguns casos. Seja como for, ainda na perspectiva de poder haver algum contacto entre a actividade que o A. desenvolveu em benefício da TV YY e a actividade da R., com o inerente risco de o fixing causar, ou ser adequado a causar, prejuízos à R., por o A. estar a par de informações provenientes da R. que poderia usar em seu benefício e da TV YY – com concomitante prejuízo da R. –, é importante analisar mais em detalhe o âmbito material da reportagem que a R. empreendia então e da que a TV YY pretendia realizar a partir da lista de contactos e indicação de locais que o A. iria elaborar. Até porque a R. não deixa de dizer que o A. se predispôs a utilizar informação que havia sido divulgada e transmitida pelos seus colegas para ajudar a “compor” uma reportagem a ser publicada por outro meio de comunicação social (conclusão 24.ª). Com efeito, o dever de não concorrência implica também uma obrigação de non facere no que respeita ao exercício de actividade concorrencial que implique a divulgação a outrem de informação que o trabalhador tem em virtude desta sua qualidade, com a inerente possibilidade de ser causado prejuízo ao empregador. Ora, no caso vertente a reportagem que a R. empreendia não versa, efectivamente, sobre o mesmo tema da reportagem que a TV YY ía empreender com base no trabalho de fixing que o recorrente desenvolveu em seu benefício: uma versava sobre a pobreza energética em ... e a dificuldade de aquecimento das casas portuguesas e a outra sobre a crise da habitação em ..., deduzindo-se da descrição deste tema que incidia essencialmente sobre a dificuldade em conseguir habitação (versando sobre as diversas causas desse fenómeno, designadamente os preços elevados), sendo de notar que não se encontrando no longo elenco de sub-temas enunciados no facto 77. qualquer referência à eficiência energética, ou falta dela, das casas em Portugal22. Trata-se, pois, de temas distintos, sendo muito residuais os pontos de contacto que entre ambos se podem hipotisar. O facto de o A. nunca ter chegado a referir o tema do ... e dos contactos ali feitos à TV YY e de o ... não ter sido abordado na reportagem que veio a ser transmitida no canal francês, é muito relevante como demonstrativo da diversidade de temas entre as reportagens em cotejo. Aliás, este facto é igualmente demonstrativo da imprestabilidade do conhecimento que o recorrente tinha da reportagem sobre a eficiência energética, por força das suas funções no seio da R., para o desempenho da tarefa de que foi incumbido pela TV YY. Bem como é demonstrativo da imprestabilidade para a reportagem da TV YY das diligências feitas pelo recorrente na manhã do dia 15 de Fevereiro de 2023. Em suma, ao invés do afirmado na sentença, não pode concluir-se dos factos provados que o A. tenha “jogado” contra o seu próprio empregador. E, ainda que se aceite que no mercado noticioso o impacto e sucesso das reportagens deste tipo depende em boa parte da sua novidade e antecipação, bem como que tais valores se “desmoronam quando há vários órgãos e/ou agências a dedicar-se e a tratar o mesmo tema” [sic.], certo é que no caso sub judice a primeira reportagem a ser publicada foi a da R., em 2023.03.03 (facto 86.) e a segunda a da TV YY, em 2023.04.14 (facto 87.), o que, de todo o modo, é irrelevante pois, como julgamos ter demonstrado, as reportagens que empreendiam a R. e a TV YY não incidiam sobre o “mesmo tema”, ao invés do dito na sentença. Não pode, pois, afirmar-se, face aos factos provados, que a concreta conduta do recorrente – trabalhador a tempo parcial, recorde-se –, ao ter prestado a actividade de fixing para a TV YY no âmbito da reportagem sobre a crise na habitação acima referida, tenha beliscado, sequer, a posição ocupada pela recorrida no mercado concorrencial, ou tenha sido apta a desviar clientela da recorrida. Não evidenciando os factos provados ter o recorrente violado a obrigação de não concorrência que a vinculação laboral à recorrida sobre si fazia recair, é de concluir que não se verifica, neste âmbito, qualquer infracção disciplinar. 5.1.4.2.2. Avancemos para a outra vertente da imputação que é feita ao recorrente na decisão de despedimento, a saber, o ter o mesmo avançado com o estabelecimento de um contacto com a Sra. D. BB, em benefício da TV YY e em seu próprio benefício financeiro no dia 15 de Fevereiro de 2023 em que se deslocou ao lote 70 (...), quando estava ciente da intenção dos seus colegas de efetuarem a reportagem sobre a pobreza energética e de quererem que a referida senhora fosse a personagem principal da reportagem, o que afectou os seus colegas de trabalho. A sentença sob recurso enquadrou estas condutas como violadoras do dever laboral de lealdade, mas também dos deveres de urbanidade e probidade para com o empregador e os superiores hierárquicos, e do dever de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa. E, louvando-se na decisão proferida no termo do procedimento disciplinar, afirmou que “o A., ao optar por ir ao ... e encontrar-se com a Sra. D. BB para efeitos de pesquisa para uma reportagem da TV YY, quando estava perfeitamente ciente, quer pelas reuniões semanais, quer pelas mensagens trocadas no grupo de Whatsapp da redação, que os seus colegas estavam a trabalhar numa reportagem sobre pobreza energética e pretendiam que a referida senhora fosse a personagem principal da mesma, revelou total displicência, ausência de companheirismo, de lealdade e de vontade de colaborar e ser eficiente”, adoptando uma “conduta absolutamente desleal para com a R. em geral e, em particular, para com os seus colegas de trabalho, tanto assim é que os mesmos se sentiram profundamente afetados, enganados e atraiçoadas com a conduta do A.”. Ora, seja na perspectiva da violação do dever de lealdade, seja na perspectiva da violação dos demais deveres assinalados, para que possa considera-se que o comportamento do trabalhador integra uma infracção disciplinar, é necessário antes de mais que se prefigure uma conduta ilícita e passível de um juízo de censura, ou seja, imputável ao trabalhador a título de culpa23. Analisando a decisão disciplinar e a própria sentença sob recurso, verifica-se que a conduta grave e dolosa que a R. imputa ao recorrente consiste, essencialmente, em ter ele ter “avançado com o estabelecimento de um contacto com a Sra. D. BB, em benefício da TV YY e em seu próprio benefício financeiro, quando estava perfeitamente ciente, por tudo quanto resultou provado e demonstrado, que tinha plena consciência [sic.] da intenção dos seus colegas de efetuarem a reportagem sobre a pobreza energética e de quererem que a referida senhora fosse a personagem principal da reportagem”. Ora, a nosso ver, não resulta da matéria de facto que o recorrente tivesse conhecimento e, muito menos, a plena consciência, de que os seus colegas queriam que a referida senhora fosse a personagem principal da reportagem sobre a pobreza energética que preparavam, sendo certo que o recorrente reitera na apelação (conclusão xvii) que não sabia, nem tinha como saber, que os seus colegas se iriam deslocar ao lote 70 naquele dia para entrevistar a indicada senhora e tivessem aquela intenção. O que se sabe, por estar provado, é que o A. estava a par do projecto de reportagem sobre pobreza energética e dificuldades de aquecimento das casas portuguesas que estava a ser discutido pelos seus colegas com o coordenador editorial desde Novembro de 2022, por se encontrar presente em algumas das reuniões então realizadas e estar incluído no grupo de whatsapp da redacção (factos 14. a 16.). E resulta também dos factos provados que o A. negou ter conhecimento de que JJ, HH e II queriam encontrar-se com a Sra. D. BB e terminar a sua reportagem na sua vizinhança (facto 42.), negando também que tivesse visto as trocas de mensagens acerca deste tema no grupo do whatsapp (facto 43.). Mas, lida e relida a decisão de facto, não se descortina que nela se mostre afirmado que, antes de se deslocar a ... na manhã do dia 15 de Fevereiro, o recorrente soubesse que os seus colegas queriam ali deslocar-se e que era sua vontade que a referida senhora fosse a personagem principal da reportagem sobre pobreza energética que estavam a realizar, nem, tão pouco, que o A. tenha lido todas as mensagens publicadas pelos seus colegas no grupo de whatsapp a que tinha acesso, vg. mensagens que expressassem a intenção daqueles de entrevistarem a referida senhora e de quererem que a mesma fosse a personagem principal da reportagem sobre a pobreza energética que se encontravam a realizar e que, na ocasião, já se tinha iniciado e tinha conteúdo (vide os factos 20. a 24. e 17-A.). Ficou provado, tão só, que o A. estava “a par” deste projeto de reportagem que vinha a ser discutido e abordado com o Coordenador Editorial, CC, e que seria levado a cabo por JJ, HH, e II, por estar incluído no referido grupo de whatsapp e se encontrar presente em algumas das reuniões realizadas em que estes estavam a analisar a possibilidade e pertinência de prepararem uma reportagem tendo por tema a pobreza energética em ... e a dificuldade de aquecimento das casas portuguesas, nelas se decidindo que a preparação da referida reportagem se iniciaria em Janeiro de 2023 (facto 16.). O que é absolutamente insuficiente para se afirmar aquele conhecimento prévio da intenção de deslocação dos colegas ao lote 70 de ... para entrevistar a Sra. D. BB e de que esta fosse a personagem principal da reportagem. Ora, tal conhecimento prefigurava-se neste caso como indispensável para que o trabalhador pudesse tomar consciência da ilicitude do facto e para que pudesse orientar a sua conduta no sentido da observância daqueles deveres, abstendo-se de avançar com a deslocação a ... e o estabelecimento do contacto com a Sra. D. BB no âmbito do trabalho que realizava para a TV YY, sendo que nada indicia que a falta desse conhecimento lhe seja censurável. Não sendo possível formular um juízo de censura sobre esta falta de conhecimento, ainda que a título de negligência, não pode perspectivar-se a existência de uma infracção disciplinar por violação dos indicados deveres laborais24 nem afirmar, como a sentença, que o A. “revelou total displicência, ausência de companheirismo, de lealdade e de vontade de colaborar e ser eficiente” ao optar por “ir ao ... e encontrar-se com a Sra. D. BB para efeitos de pesquisa para uma reportagem da TV YY”, afirmação esta que parte do pressuposto – indicado na sentença, mas sem o necessário respaldo na factualidade apurada –, de que o A. estava então “perfeitamente ciente de que os seus colegas estavam a trabalhar numa reportagem sobre pobreza energética e pretendiam que a referida senhora fosse a personagem principal da mesma”. Não estando provado que o A. conhecesse esta intenção dos seus colegas, de forma alguma pode apodar-se a sua conduta na manhã do dia 15 de Fevereiro de 2023 como “desleal para com a R. em geral e, em particular, para com os seus colegas de trabalho”, apenas se compreendendo que os mesmos se tenham sentido “enganados e atraiçoadas com a conduta do A.”, como diz a sentença, por estarem certamente convencidos de que o A. conhecia aquela sua intenção e, apesar disso, se deslocou a ... e contactou a Sra. D. BB, conhecimento que, repete-se, não ficou demonstrado nestes autos. Deve salientar-se que, situando-nos no âmbito do direito disciplinar, de natureza sancionatória, não é suficiente para a imputação de um comportamento disciplinarmente censurável a um trabalhador que a matéria de facto permita apenas intuir que o mesmo poderia ter conhecimento de determinados factos, se esse conhecimento, em concreto, é indispensável à afirmação de que a sua conduta integra infracção disciplinar. Para que possa ser salvaguardado o “direito de audiência e defesa” consagrado no n.º 10.º, do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, aplicável a quaisquer processos sancionatórios, vg. ao procedimento disciplinar de natureza privada25 ponto é que se permita ao arguido defender-se de factos concretos que lhe sejam imputáveis, para o que é necessária uma descrição escorreita de tais factos e uma imputação dos mesmos, sem margem para dúvidas, à conduta do arguido. Assim, para afirmar que o arguido conhecia a intenção dos seus colegas não basta saber que o mesmo estava a par do projecto de reportagem sobre pobreza energética que iria ser levado a cabo (facto 16.), ou que fazia parte do grupo de whatsapp da redacção (factos 15. e 16.), ou que participava em algumas reuniões da equipa (facto 16.), ou que no grupo tenha sido colocado em 13 de Fevereiro de 2023 um artigo da “...” com testemunhos da zona de ... (facto 19.). Aliás, é de notar que a factualidade assente revela não ter estado o A. presente na reunião do dia 14 de Fevereiro em que se decidiu avançar com a reportagem em ... no dia seguinte (factos 21. a 23.), que esteve de folga do dia 10 ao dia 15 de Fevereiro de 2023, pelo que não se deslocou, nesses dias, às instalações da Ré nem prestou trabalho para a mesma (facto 80.) e que as mensagens no grupo de whatsapp a combinar a dita deslocação apenas começaram a ser trocadas na manhã do próprio dia 15 de Fevereiro, a partir das 10h27 (facto 24.), ou seja, quando o A. se encontrava já nesse local a contactar pessoas ou para o mesmo se dirigia, atento o que havia combinado com a Associação de Moradores (facto 81.), o que não possibilitaria que tomasse conhecimento da intenção dos seus colegas de se deslocarem a ... para fazer a reportagem antes de ele próprio ali se deslocar. Recorde-se que é sobre o empregador que impende o ónus de alegar e provar os factos em que funda a justa causa de despedimento, neste caso, o de alegar e provar que o trabalhador tinha conhecimento, antes de se deslocar à zona da residência da Sra. D. BB, da intenção dos seus colegas de ali ir e de a entrevistarem, bem como de que ela fosse a personagem principal da reportagem que se encontravam a elaborar, conhecimento que assume relevo decisivo para que se possa concluir pela existência de um comportamento infracional por violação culposa dos acima indicados deveres laborais. Facto subjectivo este que não consta dos factos provados, a despeito da sua essencialidade. Não podendo afirmar-se que o A. soubesse, ou tivesse obrigação de saber, que os seus colegas tinham a intenção de se deslocar a ... e de que a Sra. D. BB fosse a personagem principal da sua reportagem sobre pobreza energética e dificuldade de aquecimento das casas, não pode considerar-se que configura violação culposa dos deveres de lealdade em geral, respeito, probidade e de promover a melhoria da produtividade, qualquer dos comportamentos imputados ao A.: quer o ter-se deslocado a ... e ao bloco 70, quer o ter estabelecido contacto com a indicada senhora, quer, depois, o ter referido ao coordenador e aos seus colegas, que se tratou de uma coincidência fortuita pois não sabia que JJ, HH e II queriam encontrar-se com a Sra. D. BB e terminar ali a sua reportagem, e o ter referido também que não tinha visto as trocas de mensagens acerca deste tema no grupo do whatsapp, bem como que estava a trabalhar num tema mais amplo, relativo à habitação como um todo, e que os dois ângulos não estavam ligados, dando ainda conhecimento nessa altura de que estava a trabalhar na preparação de uma reportagem para a TV YY (factos 42. a 45.). Acresce que os factos provados denotam que o A., mal foi confrontado com toda a situação criada pela sua deslocação a ... antes dos seus colegas na reunião havida com o coordenador CC logo no dia 16 de Fevereiro – após negar que tivesse interferido ou prejudicado os esforços de HH e JJ para obter o testemunho da Sra. BB (argumentando que não tinha conhecimento desses esforços, ou que tinha chegado lá primeiro), acatou a sugestão de CC no sentido de que ligasse de volta à Sra. D. BB e lhe dissesse que JJ assumiria a reportagem e tentaria marcar uma reunião para o início da próxima semana, como já havia sido entretanto acordado entre a senhora e o HH, tendo o A. estabelecido contacto com Sra. D. BB nesse sentido, concordando em dar o contacto da senhora e da associação que o tinha ajudado a encontrá-la, facultando ainda o contacto do Sr. EE e da Sra. FF, também moradora do ..., cujo testemunho acabou por ser utilizado na versão final da reportagem da Ré, tendo ficado provado que, em consequência destes actos do A., os jornalistas JJ, II e HH realizaram a reportagem logo no dia 20 de Fevereiro, primeira oportunidade disponível para o efeito (factos 52. a 54. e 82. a 87.), o que denota que a R. beneficiou afinal do trabalho do A. para a reportagem efectuada pelos seus jornalistas. Pelo que não pode deixar de se considerar que, após confrontado com a perturbação que causou o seu comportamento na manhã do dia 15 de Fevereiro – não revelando os factos provados que o mesmo foi consciente e, consequentemente, culposo –, o recorrente procedeu em observância do dever geral de boa fé e lealdade que deve estar presente em toda e qualquer relação de trabalho, procurando colmatar a perturbação criada e contribuindo activamente para a concretização da reportagem que veio a ser publicada pela R. sobre a crise energética no primeiro trimestre e 2023, como previsto (vide os factos 14., 16-A., 17-A. e 36.). Seja como for, não estando provados factos suficientes para permitir um juízo de censura sobre o assinalado comportamento do trabalhador, não se pode afirmar que a empregadora, no caso concreto, tenha provado a indispensável factualidade para que se pudesse concluir pela violação culposa, por parte do recorrente, do disposto no artigo 128.º, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que falta um dos pressupostos básicos da justa causa de despedimento [vide supra 5.1.1.]. O que torna prejudicada a apreciação da gravidade do comportamento do recorrente, e das suas consequências, bem como da inexigibilidade para o empregador da persistência do vínculo e da proporcionalidade da sanção aplicada, perdendo também relevo a ponderação do antecedente disciplinar do trabalhador. * 5.1.4.3. Em suma, porque da factualidade apurada não resulta que o A. tenha prosseguido um comportamento disciplinarmente censurável que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não se têm por preenchidas, quer a cláusula geral do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, quer alguma das hipóteses exemplificativamente descritas no seu nº 2. O que nos conduz à afirmação de que a R. procedeu a um despedimento ilícito, nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho. * 5.2. Sendo de revogar a sentença da 1.ª instância no que diz respeito à licitude do despedimento, resta analisar a questão das consequências da ilicitude deste acto extintivo. O tribunal da 1.ª instância absolveu a R. do pedido formulado pelo A. na sua contestação relativo às consequências do despedimento ilícito na medida em que julgou este lícito. Consequentemente cabe a este tribunal, nos termos do artigo 665.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, conhecer das questões que deixaram de ser conhecidas pelo tribunal recorrido, uma vez que os autos fornecem para tanto todos os elementos necessários. Afigura-se-nos desnecessário ouvir de novo as partes, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, dado que no decurso do processo as questões inerentes aos pedidos enunciados na contestação foram discutidas, podendo as partes, agindo com a diligência devida, pronunciar-se sobre as mesmas. Além disso, o recorrente peticionou expressamente na apelação que se revogue a sentença e se declare o seu despedimento ilícito e desproporcional, por ausência de justa causa, e se condene a recorrida a reintegrá-lo e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal, tendo a R. recorrida, já nesta fase de recurso, a oportunidade de sobre tais pretensões se pronunciar nas suas contra-alegações. Pelo que a decisão a proferir nunca constituirá decisão-surpresa, sendo a consequência natural da afirmação da inexistência de justa causa para o despedimento operado. * 5.2.1. Nos termos do disposto no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: “a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais; b) A reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.” Por seu turno o artigo 391º do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3). No caso sub judice, o recorrente optou pela reintegração no seu posto de trabalho, o que reiterou na apelação (vide fls. 320), o que deverá ser decidido uma vez que, apesar de a recorrida se ter oposto à reintegração, não resultam da factualidade apurada factos e circunstâncias que tornem o regresso do recorrente gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa, tal como exige o artigo 392.º, n.º 1, do Código do Trabalho para que o tribunal acolha o pedido de exclusão de reintegração. * 4.4.2. O trabalhador ilicitamente despedido tem ainda direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal (art. 390º, nº 1 do Código do Trabalho), as chamadas “retribuições intercalares”. No seu cômputo deverá atender-se a que o ora recorrente (facto 12.) beneficiava de: a) 1.336,00 €, a título de retribuição mensal ilíquida; b) 400,89 €, a título de retribuição por isenção de horário de trabalho; O montante unitário a atender mensalmente quanto a este trabalhador abarca a retribuição base e a retribuição por isenção de horário de trabalho na medida em que, conforme constitui jurisprudência pacífica, as retribuições intercalares abrangem todas as prestações que seriam devidas ao trabalhador caso não tivesse ocorrido o despedimento26. Aos montantes apurados deduzem-se “as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento” [al. a), do nº 2 do artigo 390º] e “o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social” [al. c), do nº 2 do mesmo artigo]. No caso em análise nada se apurou quanto a importâncias que o trabalhador auferisse com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, apenas havendo que ordenar oficiosamente a dedução das quantias que o mesmo eventualmente tenha recebido, no período em causa, a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues pela R. à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na alínea c), do n.º 2, do artigo 390.º do Código de Trabalho. Uma vez que estas retribuições se irão vencer até ao trânsito em julgado deste acórdão e haverá que operar as deduções das quantias que o A. tenha recebido a título de subsídio de desemprego no período em causa, a liquidação do valor final devido a este título ao recorrente deve relegar-se para incidente de liquidação nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º e ss., do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho. Nos termos do nº 2, al. b) do artigo 390.º, a tal indemnização é descontado o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento. No caso sub judice, uma vez que o A. foi despedido em 6 de Junho de 2023 e a acção judicial foi intentada no dia seguinte, 7 de Junho de 2023, deverão as retribuições intercalares ser computadas a partir da data do respectivo despedimento. Não se arbitram juros, uma vez que não foram pedidos – veja-se a doutrina expressa no AUJ n.º 9/2015 (in DR n.º 121/2015, série I, de 2015-06-24), segundo a qual «[s]e o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros». * 5.3. O segmento decisório constante da decisão sob censura que tem como objecto a fixação do valor da acção, procede a tal fixação em “€ 2.000,00)”. Uma vez que esta Relação revogou a sentença, julgando ilícito o despedimento e reconhecendo ao A. o direito à reintegração e a retribuições intercalares, deve o tribunal da 2.ª instância fixar oficiosamente o valor da causa observando o estabelecido nos artigos 296.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho27. É o que se fará. Decorre do disposto no artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho que o seu n.º 1 se reporta à fixação do valor da causa para efeitos de custas - valor este que resulta do artigo 12.º, n.º 1, alínea e), do RCP, aplicável “ex vi” do nº 1 do artigo 98º-P do CPT - dirigindo-se os n.ºs 2 e 3 do artigo 98º-P, por seu turno, ao valor da causa para os demais efeitos processuais. É este último valor que está em causa neste momento. Nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, “[o] valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”. Assim, procedendo a tal operação em conformidade com os critérios legais enunciados, tendo em consideração os pedidos que o ora recorrente formulou no seu articulado e que acima se transcreveram e que esta Relação lhe reconheceu o direito a salários intercalares no valor unitário de € 1.736,89 desde 06 de Junho de 2023, terá o valor da acção que ser fixado em € 57.491,06, que corresponde à soma dos seguintes valores: - pedido de retribuições intercalares vencidas até ao momento – no valor aproximado de € 36.648,38; - pedido de reintegração, que entendemos dever equivaler ao valor do pedido de indemnização por antiguidade, por constituir o sucedâneo pecuniário daquela, no valor de € 20,842,68; Assim, e visto o preceituado no artigo 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, entende-se ser de fixar o valor da acção em € 57.491,06. * 5.4. Porque ficou vencida no seu essencial no recurso interposto pelos recorrentes, incumbe à recorrida o pagamento das custas respectivas, que se cingem às custas de parte (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * 6. Decisão Em face do exposto, decide-se: 6.1. julgar verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da ilicitude da cláusula de exclusividade constante do contrato de trabalho firmado entre as partes; 6.2. julgar parcialmente procedente o recurso interposto em matéria de facto e, em consequência: a. alterar os pontos 16) e 51) dos factos provados, nos termos sobreditos; b. aditar aos factos provados os pontos 16-A., 17-A, 54-A), 68-A), 86-A), 89-A) e 90-A), nos termos sobreditos; 6.3. julgar procedente a apelação, e em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando ilícito o despedimento do ora recorrente AA e condena-se a recorrida Agência XX (Agência XX): 6.3.1. a reintegrar o recorrente ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; 6.3.2. a pagar ao recorrente as suas retribuições mensais nos termos acima assinalados (incluindo retribuições de férias e subsídios de férias e Natal) vencidas desde a data do seu despedimento e vincendas, até ao trânsito em julgado do presente acórdão, a que se deverão deduzir as quantias que haja recebido, nesse período, a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregue pela R. à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na al. c), do n.º 2, do art. 390º do Código de Trabalho, tudo a liquidar em oportuno incidente de liquidação [arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC], se necessário. Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja. Fixa-se o valor da acção em € 57.491,06. Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão. * Lisboa, 09 de Outubro de 2024 Maria José Costa Pinto Paula Pott Paula Santos _______________________________________________________ 1. Clarificamos que fazemos referência aos termos “Autor” e “Ré” (A. e R.) para designar as partes desta acção na medida em que, apesar de as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) se reportarem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador” e ter havido uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento com a acção especial regulada nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções e o legislador denotou no preâmbulo do diploma, quando alude ao “formulário apresentado pelo autor” que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”. 2. Vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2012.11.08, Processo 875/11.8T4AVR.C1, in www.dgsi.pt. 3. Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.02.25, Recurso n.º 2565/08 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt. e o Acórdão da Relação de Lisboa 2007.09.26, processo n.º 5032/2007-4, in www.dgsi.pt. 4. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2017, Processo 4111/13.4TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt. 5. Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 2011.09.20, Processo n.º 7711/08.0TMSNT.L1-1, in www.dgsi.pt, citando Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 388, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.05.30, Processo n.º 379/11.9TTCBR.C1 in www. colectaneadejurisprudencia.pt. . 6. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2015 e de 06 de Dezembro de 2011, in www.dgsi.pt. 7. In Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103º, p. 13 e Ano 107°, pp. 311/314. Tese acolhida por exemplo no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 07B3934, segundo o qual a regra do art. 394º do Cód. Civil, que estabelece a inadmissibilidade da prova por testemunhas, se tiver por objecto convenção contrária ou adicional ao conteúdo de documento particular mencionado nos arts. 373º a 379º, não tem um valor absoluto, sendo admitida a prova testemunhal quando houver um começo ou princípio de prova por escrito, ou mesmo quando as circunstâncias do caso concreto tornam verosímil a convenção. Vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09 de Janeiro de 2018, Processo n.º 8470/15.6T8CBR.C1, no mesmo sítio. 8. Nos termos do Decreto-Lei n.º 175/2012, de 02 de Agosto, que aprova a orgânica do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., o IHRU, I. P., é um organismo central com jurisdição sobre todo o território nacional (artigo 1.º) e tem por missão assegurar a concretização da política definida pelo Governo para as áreas da habitação e da reabilitação urbana, de forma articulada com a política de cidades e com outras políticas sociais e de salvaguarda e valorização patrimonial, assegurando a memória do edificado e a sua evolução (artigo 3.º). 9. Segundo o Professor Teixeira de Sousa, deve distinguir-se a factualidade necessária “para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo”, que constitui a causa de pedir, daquela que constitui factualidade complementar ou instrumental. Os factos instrumentais (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a)) são os factos que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cfr. art. 349.º a 351.º CC), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares. Os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos, cumprindo apenas “uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa” - in Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397. 10. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.04.22, Recurso n.º 153/09 - 4.ª Secção, e no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.09.15, Recurso n.º 2754/06.1TTLSB.L1.S1, ambos sumariados in www.stj.pt. 11. Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 630. 12. Vide Joana Nunes Vicente, com João Leal Amado, Milena Rouxinol, Catarina Gomes Santos e Teresa Coelho Moreira, in Direito do trabalho – Relação Individual, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2023, pp. 756 e ss. 13. In Colectânea de Jurisprudência, tomo IV, p. 240. 14. Proferido no processo n.º 09S0625, in www.dgsi.pt e cuja doutrina foi seguida no citado Acórdão da Relação de Évora de 24 de Setembro de 2020, bem como no Acórdão da Relação do Porto de 8 de Setembro de 2014, processo n.º 2/12.4TTMAI.P1. 15. Neste sentido, vide Joana Nunes Vicente, in ob. citada, p. 760. 16. O artigo 9.º da Directiva tem o seguinte teor: «Artigo 9.ª - Emprego em paralelo 1. Os Estados-Membros devem garantir que um empregador não proíbe um trabalhador de aceitar um emprego junto de outros empregadores, fora do horário de trabalho estabelecido com o primeiro, nem sujeita um trabalhador a um tratamento desfavorável devido a esse facto. 2. Os Estados-Membros podem estabelecer condições para o recurso a restrições de incompatibilidade por parte dos empregadores, com base em fundamentos objetivos, como a saúde e segurança, proteção do sigilo comercial, integridade do serviço público ou para evitar conflito de interesses.» 17. In “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2016, pp. 132-133. 18. In ob. citada, p. 762. 19. A obrigatoriedade de uma compensação económica é genericamente aceite como condição de validade do pacto – vide Joana Nunes Vicente, in ob. citada, p. 763. Vide ainda Jorge Leite, in Direito do Trabalho, volume II, reimpressão, Serviços de Acção Social da UC, Coimbra, 1999, p. 94. 20. Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 96.03.20 (in Ac. Dout. 416º-417º, p.1069). 21. Vide Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14ª ed. p. 246. 22. Não pode deixar de se notar que resulta do depoimento de CC ser a TV YY uma cliente importante da R., de certeza com assinatura e que, portanto, se quisesse utilizar o conteúdo da reportagem da R., podia utilizar (a partir dos minutos 54:00 do seu depoimento). 23. Vide Jorge Leite, in Direito do Trabalho, cit., p. 155. 24. Cfr. no âmbito do Direito Penal, o artigo 16.º do Código Penal. 25. Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 526. 26. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.02.15, recurso nº 2844/05, de 2010.02.24, processo n.º 333/07.5TTMAI-A.P1.S1 e de 2010.06.17, processo n.º 173/07.1TTMAI.S1. 27. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2022.12.15, Processo 17293/20.0T8SNT-A.L1.S12019.05.08, Processo 714/15.0T8BRR.L2.S1, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2016.11.16, Processo n.º 1360/16.7T8LSB.L1, todos in www.dgsi.pt. |