Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1060/22.9T8BRR.L1-4
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
TREINADOR
REGIME APLICÁVEL
SUCESSÃO DE CONTRATOS
RENOVAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - Apesar de nem a Lei 28/98 de 26/06, nem a Lei 54/2017 de 14/07 conterem previsão expressa quanto à renovação do contrato de trabalho desportivo, ou quanto à sucessão de contratos no mesmo posto de trabalho, não são subsidiariamente aplicáveis os arts. 149.º e 143.º do Código do Trabalho, por serem incompatíveis com as especificidades do contrato de trabalho desportivo.
2 - Sucedendo-se, ininterruptamente, diversos contratos de trabalho a termo, o prazo de prescrição relativamente aos créditos emergentes de cada um dos contratos só se inicia com o termo da relação de dependência do trabalhador relativamente ao empregador e do poder de direção do empregador relativamente ao trabalhador, por se reconhecer que enquanto tal dependência se mantiver o trabalhador está impedido de exercer os seus direitos.
3 – A cláusula 31.ª do CCT celebrada entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicada no BTE nº 20, de 29/05/2012 deve ser interpretada no sentido de que aos treinadores são asseguradas as remunerações base mínimas que variam em função das divisões em que competem as equipas nas quais aqueles exercem funções.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
AA, propôs ação declarativa sob a forma de processo comum contra ZZ, SAD, peticionando o seguinte:
- Que se declare que o contrato celebrado entre o Autor e a Ré é um contrato de trabalho, declarando-se ilícito o despedimento do Autor.
- Que se condene a Ré pagar ao Autor, título de danos não patrimoniais, a quantia de €10.000,00.
- Que se condene a Ré pagar ao Autor, a título de diferenças salariais, a quantia de €92.431,00.
- Que se condene a Ré pagar ao Autor, a título de trabalho suplementar, a quantia de €46.886,65.
- Que se condene a Ré pagar ao Autor, a título e prestações vencidas com o ajuizamento da ação: €2.820,00, bem como as prestações vincendas até à decisão final.
- Que se condene a Ré a reintegrar o Autor ou a indemnizá-lo, conforme opção que este fará até à audiência de discussão e julgamento.
Alegou, em síntese, ter celebrado com a ré um contrato em 01 de julho de 2015, ficando ao serviço desta, desde essa data, até 30 de junho de 2021, cumprindo um horário de trabalho fixado pelo treinador principal, geralmente das 08h às 17h00, com uma hora para almoço e um dia de descanso semanal. Mais alegou que os instrumentos que utilizava, na sua atividade profissional, pertenciam à ré, que cumpria ordens e diretrizes da ré e recebia, em contrapartida, uma remuneração fixa, periódica e regular. Alegou também que exercia as funções de treinador adjunto, prestando apoio ao treinador principal da Equipa X
Alegou ainda que recebeu €1.000,00 mensais durante o primeiro ano de trabalho e €1.500,00 mensais a partir daí, mas que segundo o CCT aplicável, tinha direito a receber quatro vezes o salário mínimo nacional vigente, que sofreu danos patrimoniais devido à cessação do contrato com a ré, que deverão ser ressarcidos e que realizou horas extraordinárias, num total de 2484 horas, que deverão ser pagas.
Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, a ré contestou alegando, em síntese, que o contrato celebrado pelas partes caducava a cada época desportiva, como é usual na atividade desportiva e correspondia a um contrato de prestação de serviços. Que o valor proposto a título de contrapartida pela atividade do autor, em cada época, correspondia ao valor orçamental disponível e foi aceite por este, como valor anual e dividido em 12 prestações, no exercício da sua liberdade contratual. Mais alegou que o autor exercia a sua atividade com autonomia técnica e sem subordinação, sem limite de horário. À cautela alega que, caso o Tribunal entenda que é um contrato de trabalho, que ao mesmo deve ser aplicada a legislação aplicável ao praticante desportivo e o CCT celebrado entre a ANFT e a LPFP em 04 de Maio de 2012, pelo que o mesmo sempre seria um contrato a termo e não sem termo, conforme defende o Autor. Quanto aos créditos peticionados, a Ré alega que os créditos relativos aos anos anteriores já estão prescritos, mas que ainda que assim não se entenda, a diferença salarial não é a peticionada pelo Autor, porquanto o seu vencimento segundo o CCT era de duas vezes o salário mínimo nacional. Quanto ao valor de subsídio de férias e de Natal, o mesmo já se encontra incluído no valor acordado e pago anualmente ao autor. Impugna a existência de trabalho suplementar, porquanto na atividade contratada não havia horário estabelecido e é apenas garantido um dia de descanso semanal, que era concedido. Refere, por fim, que a cessação do contrato não consubstancia um despedimento, mas a caducidade do contrato celebrado.
O autor respondeu às exceções pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador e realizada da audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual o tribunal “a quo” decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente:
«a) declarar que os contratos celebrados entre AA e ZZ, SAD em 31 de Julho de 2015, 26 de Julho de 2016, em 01 de Julho de 2017, 14 de Agosto de 2018, 1 de Julho de 2019 e 01 de Julho de 2020 são contratos de trabalho, sendo tratados como um único contrato de trabalho.
b) Condenar a Ré ZZ, SAD a pagar ao Autor AA o montante de € 19.159,92 (dezanove mil cento e cinquenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) a título de diferenças salariais de 2015 e 2016, e de subsídios de Natal e de Férias dos anos de 2015 (proporcionais), 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, subsídio de férias vencido a 01 de Janeiro de 2021 e ainda os proporcionais de subsídio de férias e de Natal de 2021.»
E decidiu também:
«c) não considerar ilícito a cessação do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré, absolvendo a Ré dos demais pedidos contra si formulados.».
O autor interpôs recurso da sentença apenas na parte relativa ao valor devido a título de diferenças salariais, defendendo interpretação da cláusula 31.ª da CCT aplicável, diversa da perfilhada pelo tribunal, assente nas seguintes conclusões:
«1º - O presente recurso restringe-se ao segmento da douta sentença referente às diferenças salariais peticionadas.
2º - A questão crucial da presente ação era a de se saber se o contrato celebrado entre o A. e a R. seria de trabalho ou de prestação de serviços.
3º - Resolvida esta questão, as outras, dependentes desta, vêm na sua decorrência.
4º - Declarada como sendo laboral a relação estabelecida entre A. e R., entra imediatamente em equação aplicativa as normas legais aplicáveis: Código do Trabalho e/ou instrumentos de regulação coletiva.
5º - Assumindo a douta sentença em recurso que às relações laborais estabelecidas entre o A. a R. é aplicável o CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação de Treinadores de FUTEBOL, haverá de concluir que a cláusula 31ª (remuneração mínima) é aplicável ao caso "sub judice"
6º - Ora, sendo a R., ZZ, SAD, um clube da ... Liga Profissional, ao A., como treinador-adjunto, é devida a remuneração mínima estabelecida na cláusula 31ª nº 2 do respetivo CCT, ou seja, o equivalente a 4 remunerações mínimas nacionais,
7º - Ora, o A. que habitualmente exercia a sua atividade no treinamento da equipa B, no entender da Meritíssima Juiz "a quo", não se lhe aplica a remuneração prevista para a ... Liga Profissional, porque tal entendimento não quadra com o "espírito da cláusula referida".
8º - Porém, com o devido respeito, ao não atender à expressão empregue pelo legislador na elaboração da cláusula 31ª do CCT, referente à remuneração mínima, incorre em erro de interpretação, violando, nomeadamente o disposto no artigo 9º nº 2 do CC, de onde se extraiu o conhecido axioma "Onde a Lei a não distingue, o interprete não deve distinguir.»
*
A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso do autor e interpôs, por sua vez, recurso da sentença, com impugnação da matéria de facto, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Entende a R. que o facto provado 7 contém conceitos conclusivos que devem ser eliminados: “ininterruptamente” e “semelhantes"; na verdade, a prova deveria bastar-se com as datas de início e termo dos contratos, bem como - pela remissão para o teor integral dos documentos 2 a 7 juntos com a petição.
À cautela, dir-se-á ainda que tais conceitos não têm qualquer correspondência com a matéria provada sob os nºs 26º a 31º, 34º, 35º, 36º, 38º e 40º, que reflectem a periodicidade dos contratos e seu termo, bem como a dinâmica que precedia a formalização de cada contrato, perfeitamente autónomos entre si.
2 - Os factos provados 10 e 24 estão incompletos porque o A. integrou igualmente a equipa técnica dos sub-23, conforme se verifica pelo confronto dos documentos 5 a 7 juntos à petição, bem como atendendo à fundamentação destes factos - pág. 13.
3 - Confrontando a cláusula décima dos documentos 2 a 7 juntos à petição, as datas que deveriam constar dos factos provados 26 a 31 seriam, respectivamente, as seguintes: 1.7.15 a 30.6.16; 1.7.16 a 30.6.17; 1.7.17 a 30.6.18; 1.7.18 a 30.6.19; 1.7.19 a 30.6.20; e 1.7.20 a 30.6.21., lapso em que incorreu o Tribunal e que deve ser corrigido.
4 - No facto provado 35, o Tribunal deu como certo “que a Ré entendia serem”, e tal deve ser retirado, não só por ser conclusivo, como também devido à matéria provada em 34º e 35º, primeira parte, em que é notório que a quantia anual era acordada e negociada entre as partes, não resultando de qualquer entendimento unilateral da R.
5 - O facto provado 41 está incompleto, bem como é omissa a sua fundamentação, lapso que deve ser corrigido pelo Tribunal.
6 - Face ao regime aplicável, arts. 5º, nº 2, als. d) e e) e art.º 8º, nº 4 da Lei 28/98, de 26.6 e arts. 6º, nº 3, als. e) e f) e art.º 9º, nº 5 da Lei 54/17, de 14.7, assim como face à Cl. 8ª do CCT celebrado entre a ANTF e a LPFP, publicado no BTE nº 20, de 29.5.12, o Tribunal deveria ter entendido que os contratos eram autónomos entre si, não os devendo tratar como se fossem um único contrato, o que, aliás, está em franca contradição quer com a autonomia da vontade das partes que expressamente acordaram a sua caducidade automática, findo o prazo previsto (cfr. Considerandos e Cláusula Décima), quer com as disposições aplicáveis e com a regulamentação colectiva.
Acresce que, atentos os factos provados 33 a 36, 38 e 40 é notório que não havia qualquer renovação dos contratos; pelo contrário, finda uma época desportiva, e de acordo com o orçamento disponível, com os resultados da época anterior e com as necessidades técnicas futuras, era apresentada uma proposta ao A., o qual era livre de a aceitar ou não, bem como de a negociar.
7 - Aliás, a conclusão a que chegou o Tribunal de tratar os vários contratos como se fossem um único é totalmente incongruente com a aplicação dos diplomas e do CCT em causa, bem como atenta a própria fundamentação da sentença que expressamente refere a verificação do termo e a caducidade automática dos contratos - cfr. págs. 26 e 27 - o que, por sua vez, teria outra consequência: a prescrição dos créditos reclamados, com excepção dos referentes ao último contrato - cfr. art.º 337º, nº 1 CT.
8 - Ou seja, o Tribunal deveria ter considerado os contratos autónomos entre si e os créditos prescritos por referência aos cinco primeiros contratos; e, quanto ao último contrato, época desportiva 20/21, os únicos créditos que poderiam estar em causa - subsídios de férias e de Natal - não são devidos face ao acordo das partes de que a quantia era anual e global, ou seja, por época desportiva, incluindo todas as prestações devidas por acordo e negociação das partes - cfr. factos provados 33º a 35º - não tendo o A. ilidido tal prova - Ac. da RP de 07/07/2003.
9 - À cautela e sem conceder ao exposto, cumpre alertar que alguns cálculos do Tribunal estão incorrectos:
- quanto à diferença salarial de 2016, deveriam ter sido considerados 6 meses, até Junho - pelo que o valor a ponderar seria 360€ (60€ x 6 meses), em vez dos €420 - cfr. pág. 30 da sentença e doc. 2 da petição;
- quanto aos subsídios de 2021, deveriam ter sido ponderados seis meses (até Junho) pelo que o valor em causa seria 1500€ (750€ x 2 subsídios proporcionais) - cfr. pág. 31 e 32 da sentença e doc. 7 da petição.
10 - No entanto, reitera-se o já referido, ou seja, nada é devido ao A., atenta a caducidade automática dos contratos e consequente prescrição dos créditos reclamados; e, quanto ao último contrato, considerando o acordo alcançado entre as partes (que englobou todas as quantias devidas pela época desportiva), o Tribunal deveria ter igualmente concluído que não há qualquer crédito em dívida.
Em suma, a interpretação a que o Tribunal chegou viola o disposto nos arts. 5º, nº 2, als. d) e e) e art.º 8º, nº 4 da Lei 28/98, de 26.6, arts. 6º, nº 3, als. e) e f) e art.º 9º, nº 5 da Lei 54/17, de 14.7, Cl. 8ª do CCT celebrado entre a ANTF e a LPFP, art.º 337º nº 1 CT e arts. 342º, nº 1 e 405º CC, assim como é uma interpretação contrária à verificada em decisões semelhantes de Tribunais superiores (Acs. STJ de 10.7.08, 16.11.10, 25.6.15).»
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Os recursos foram admitidos com o modo de subida e efeitos adequados e recebidos os autos neste tribunal, foram com vista ao Ministério Público que apenas emitiu parecer quanto ao recurso interposto pelo autor, pugnando pela sua improcedência.
Nenhuma das partes respondeu ao parecer.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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Delimitação objetiva do recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 - alteração da matéria de facto provada (recurso da ré);
2 - se estamos face a um único contrato de trabalho ou a vários contratos autónomos entre si (recurso da ré);
3 - prescrição dos créditos reclamados pelo autor referentes ao período anterior ao do último contrato celebrado (recurso da ré);
4 - se o autor tem direito a diferenças salariais em valor superior ao reconhecido pela sentença (recurso do autor);
5 - se o autor tem direito aos subsídios de férias e de Natal (recurso da ré).
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Fundamentação de facto
O tribunal “a quo” considerou provados os seguintes factos:
«1 - A Ré é uma sociedade anónima desportiva, que adotou a denominação de ZZ, SAD.
2 - A Ré tem por objeto social, nomeadamente, a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento e desenvolvimento das atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada.
3 - Nos termos estatutários, a Ré, ZZ, SAD, tem um capital social, integralmente subscrito e realizado, de sessenta e sete milhões de euros, representado por sessenta e sete milhões de ações, sendo gerida por um Conselho de Administração, e tem a respetiva sede social no ..., na ..., freguesia do ..., em ....
4 - A Ré integra o ZZ, SAD, que, no âmbito do respetivo objeto social, nomeadamente, participa com equipas dos diversos escalões etários nos campeonatos nacionais de futebol, realizados sob a tutela da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa dos Clubes Profissionais de futebol.
5 - O Autor é licenciado em Motricidade Humana pela Universidade ..., com mestrado no ramo de Alto Rendimento Desportivo.
6 - O Autor, como segundo contratante e com a designação de “Técnico de Desporto”, celebrou com a Ré, em 31 de Julho de 2015, um acordo intitulado “Contrato de prestação de serviços” com o seguinte teor:
"PRIMEIRA
Pelo presente contrato, o TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se, em regime de avença, a prestar os serviços descritos no Anexo I a este contrato e que dele passa a fazer parte integrante.
SEGUNDA
Os serviços serão prestados nas instalações da ..., ou em qualquer outro local indicado pela ZZ, SAD.
TERCEIRA
O TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se a não prestar serviços idênticos aos ora contratados a terceiros clubes ou sociedades anónimas desportivas e a não exercer nos mesmos quaisquer funções na área do futebol, enquanto vigorar o presente contrato de avença.
QUARTA
O TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se a manter sigilo sobre os assuntos e informações do foro interno da Sociedade de que venha a ter conhecimento ou acesso no exercício das suas funções, quer durante a vigência, quer após a cessação do presente contrato.
QUINTA
O TÉCNICO DE DESPORTO está inibido de fazer apostas ou de qualquer modo participar em jogos de azar referentes às competições em que as equipas da ZZ, SAD participem ou previsivelmente venham a participar, nomeadamente, apostas online, casas de jogos, casas de apostas e afins.
SEXTA
O TÉCNCO DE DESPORTO obriga-se, sempre que se encontre ao serviço da ZZ, SAD, ou em sua representação, a utilizar o vestuário e equipamento oficial da ZZ, SAD e a respeitar os compromissos desta para com os seus patrocinadores oficiais ou outros com quem tenham sido assumidos compromissos publicitários, bem como abster-se de publicitar marcas concorrentes àqueles.
SÉTIMA
1. A presente avença é estabelecida sem limitação de horas respeitantes aos treinos) ministrados pelo, fixando-se os honorários do mesmo na quantia ilíquida de €1.000,00 (mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal, se aplicável, que só serão pagos mediante a entrega do respectivo recibo de modelo oficial, devidamente preenchido.
2. Os rendimentos auferidos pelo TÉCNICO DE DESPORTO ao abrigo do presente contrato serão tributados em IRS por aplicação da taxa prevista nos termos do Código do IRS, mediante retenção na fonte, quando a ela houver lugar nos termos da Lei, sem prejuízo do apuramento anual de rendimentos do TÉCNCO DE DESPORTO e consequentemente imposto final a pagar ou receber pelo TÉCNCO DE DESPORTO.
OITAVA
1. O TÉCNICO DE DESPORTO desempenhará a sua atividade com inteira autonomia técnica e sem qualquer subordinação à ZZ, SAD, respeitando os obiectivos estabelecidos pelo Coordenador Técnico e os interesses da ZZ, SAD.
2. O TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se a não praticar ou colaborar em quaisquer actos que possam de alguma forma pôr em causa as obrigações que tem para com a ZZ, SAD ou que sejam susceptíveis de lesar os interesses e a imagem social e desportiva inerentes à actividade da ZZ, SAD.
NONA
Os outorgantes consideram-se vinculados apenas pelo regime do presente contrato de prestação de serviços. Fica, designadamente, expresso que:
2) O TÉCNICO DE DESPORTO deverá fazer prova perante a ZZ, SAD, quando este a entenda solicitar, da declaração à Administração Fiscal de início, alterações ou cessação de atividade, bem como da sua inscrição no regime de segurança social dos trabalhadores independentes;
b) A ZZ, SAD e o TÉCNICO DE DESPORTO ficarão obrigados ao cumprimento das obrigações contributivas de Segurança Social previstas na Lei para cada uma das partes no Regime dos trabalhadores independentes, bem como todas as obrigações que resultem da legislação fiscal, não ficando a ZZ, SAD obrigada a contratar para o TÉCNICO DE DESPORTO qualquer seguro de acidentes de trabalho.
DÉCIMA
1. O presente contrato é celebrado na presente data e os seus efeitos jurídicos retroagem a 1 de Julho de 2015, tendo o seu termo a 30 de Junho de 2016, data em que, sem mais, caducará.
2. As partes declaram estar cientes de que o presente contrato, atenta à natureza específica da atividade contratada, foi livre e conscientemente celebrado por um período temporal pré-determinado, caducando automaticamente na mesma data em que caduca a licença desportiva do TÉCNICO DE DESPORTO emitida pelas instâncias desportivas competentes, sem que ao TÉCNICO DE DESPORTO seja devida qualquer quantia para além das remunerações previstas na cláusula sétima.
DÉCIMA PRIMEIRA
O presente contrato de prestação de serviços só poderá ser rescindido antecipadamente nos termos gerais de direito.
DÉCIMA SEGUNDA
No omisso, observar-se-ão as regras disciplinadoras do contrato de mandato constantes do Código Civil.
Anexo I - Funções do Técnico Desporto
Ao Técnico de Desporto no exercício das suas funções, caber-lhe-á:
• Observar diretamente jogos de futebol em Portugal e no estrangeiro;
• Elaborar relatórios de observação, de acordo com o modelo em vigor no Gabinete de Scouting;
• Elaborar compactos vídeo de jogos;
• Efectuar tarefas de planeamento e organização do Gabinete de Observação e Análise de jogos afetos à Equipa X;
• Elaborar relatórios de observação dos jogadores cedidos temporariamente a outros
Clubes;
• Prestar esclarecimentos sobre matérias relativas aos serviços prestados sempre que solicitado."
7 - O Autor manteve-se ao serviço da Ré, ininterruptamente, até 30 de Junho de 2021, através de celebração de contratos semelhantes ao descrito no facto sob o n.º 6, em 26 de Julho de 2016, em 01 de Julho de 2017, 14 de Agosto de 2018, 1 de Julho de 2019 e 01 de Julho de 2020.
8 - O Autor apresentava-se diariamente na ..., propriedade da Ré, para prestar a sua actividade profissional.
9 - O Autor cumpria o horário que a Ré lhe fixava, através do Treinador Principal.
10 - O Autor, integrando a Equipa Técnica da Equipa X, composta por um Treinador Principal, três Treinadores Adjuntos, um Preparador Físico e um Treinador de Guarda-redes, prestava apoio ao Treinador Principal, quer no desenrolar dos treinos em campo, quer na elaboração de relatórios de observação de adversários, ou de acompanhamento de jogadores cedidos temporariamente a clubes terceiros, quer na elaboração de vídeos, quer ainda no planeamento e organização da gabinete de Análise e Observação de Jogos afetos à Equipa X, tarefas e missões típicas e próprias dos treinadores adjuntos.
11 - Os equipamentos que o Autor utilizava, designadamente fatos de treino, blusas, calções, bonés, assim como todos os utensílios necessários aos treinos: pines, barreiras, bolas, tapetes, balizas móveis, etc., eram propriedade da Ré.
12 - O Autor cumpria ordens e diretrizes da Ré e recebia, como contrapartida da sua atividade, uma remuneração fixa, periódica e regular.
13 - O Autor recebeu a remuneração de €1.000,00 por mês no primeiro ano em que prestou actividade à Ré, e de €1.500,00 por mês, a partir do segundo ano, até ao final da colaboração com a Ré, à razão de 12 retribuições por ano.
14 - As tarefas executadas pelo Autor eram as típicas funções de um treinador de futebol adjunto.
15 - O Autor era designado de treinador adjunto, no trato interno por prestar apoio direto ao Treinador Principal.
16 - Em Junho de 2021, a Ré comunicou verbalmente ao Autor a cessação do contrato, com efeitos reportados a trinta desse mês.
17 - A cessação do contrato entre as partes foi confirmada em documento emitido pela Ré para efeitos de desemprego e ainda em “emails” trocados com o autor., designadamente num deles em que o Diretor dos Recursos Humanos da Ré diz, “ipsis verbis”, o seguinte:
"Conforme transmitido anteriormente, a ZZ, SAD entende que a relação contratual tem a natureza de uma prestação de serviços, nos termos e condições previstos no contrato celebrado entre as partes. Não obstante, em agradecimento pela colaboração prestada, mantemos a proposta que lhe apresentámos, de pagamento do valor de €4.500, no âmbito de um acordo de revogação do contrato."
18 - O Autor não aceitou a proposta da Ré.
19 - As relações contratuais entre Autor e Ré cessaram em 30 de Junho de 2021, por iniciativa da Ré.
20 - A Ré não instaurou qualquer processo disciplinar ao Autor.
21 - A Ré nunca pagou ao Autor qualquer valor a designação de subsídios de férias e de Natal.
22 - A Ré não pagou ao Autor valores com a designação de horas extraordinárias.
23 - Foi celebrado um contrato colectivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, o qual foi publicado no BTE nº 20, de 29 de Maio de 2012 e é aplicável às relações laborais dos treinadores.
24 - A Ré integrou o Autor na equipa técnica afeta à equipa B do ZZ.
25 - O salário mínimo nacional teve os seguintes valores:
a) - Entre Outubro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015: €505,00;
b) - no ano de 2016: €530,00;
c) - no ano de 2017: €557,00;
d) - no ano de 2018: €580,00;
e) - no ano de 2020: €635,00;
f) - no ano de 2021: €665,00.
26 - Ao longo do primeiro contrato, que vigorou de 31 de Julho de 2015 até 26 de Julho de 2016, a Ré pagou ao Autor €1.000,00 por mês, ou seja, €12.000,00/ano.
27 - Ao longo do segundo contrato, que vigorou de Julho de 2016 a Julho de 2017, a Ré pagou ao Autor €1.500,00 por mês, ou seja, €18.000,00/ano.
28 - Ao longo do terceiro contrato, que vigorou de Julho de 2017 a Julho de 2018, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
29 - Ao longo do quarto contrato, que vigorou de Julho de 2018 a Julho de 2019, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
30 - Ao longo do quinto contrato, que vigorou de Julho de 2019 a Julho de 2020, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
31 - Ao longo do sexto contrato, que vigorou de Julho de 2020 a Julho de 2021, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
32 - O Autor não tem formação jurídica.
33 - Antes do início de todas as épocas desportivas, a Ré aprova um orçamento, cabendo ao responsável do departamento geri-lo, conforme as necessidades de cada época desportiva, assim como lhe cabe verificar os escalões adequados a cada técnico e a performance destes, na época anterior.
34 - Por volta de Maio/Junho de cada época desportiva, o responsável contactava com o Autor e apresentava-lhe a proposta para a época a iniciar em Julho, a qual era sujeita a aceitação e negociação com o Autor.
35 - A proposta era feita ao Autor por época desportiva, ficando estabelecido, nos sucessivos contratos, a quantia anual a pagar ao mesmo, doze vezes ao ano, correspondendo aos meses da época desportiva e tal quantia incluía todas as prestações que a Ré entendia serem devidas ao Autor por época desportiva.
36 - A continuidade do Autor dependia do orçamento disponível, dos técnicos e escalões adequados e da negociação, no início de cada época.
37 - Os treinos decorriam geralmente entre as 9.30h e as 10.30h, todos os dias.
38 - Ao longo das épocas em que o Autor colaborou com a Ré, teve vários e diferentes superiores hierárquicos e coordenadores técnicos, mantendo sempre, no entanto, autonomia técnica.
39 - Na época desportiva 21/22, o Autor foi convidado para se juntar à equipa técnica do YY, o que aceitou.
40 - No início de Julho de 2021, o Autor solicitou a declaração para o subsídio de desemprego, referindo ter informado que tal se devia a caducidade do contrato.
41 - O Autor auferiu o montante de»
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Apreciação
Conheceremos as questões que se suscitam nos autos, pela ordem enunciada na delimitação do objeto do recurso, que consideramos que corresponde à ordem imposta pela da sua precedência lógica (art.º 608.º, n.º 2 do CPC).
Nessa medida a 1.ª questão a resolver é a relativa à impugnação da matéria de facto.
Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe, não apenas a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgador, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º CPC, mas também a consideração da matéria de facto que se encontre plenamente provada por acordo das partes nos articulados, por documentos ou por confissão reduzida a escrito nos termos do art.º 607º, nº 4 CPC, desde que relevantes para a decisão a proferir atentas todas as soluções jurídicas possíveis.
Tal atuação da Relação relativamente à matéria de facto que se encontre plenamente provada, pode ser da iniciativa do tribunal, em obediência à aplicação das regras de direito probatório material (cfr. arts. 354.º e 358.º, 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, todos do Código Civil e 574.º, nºs 2 e 3 e 587º, n.º 1 CPC) e pode ser suscitada pelo recorrente, o qual pode impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo possam determinar uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.
Estando em causa meios de prova subtraídos à livre apreciação do julgador, a impugnação da matéria de facto com esse fundamento não está sujeita aos ónus a que se refere o art.º 640.º CPC.
Estando em causa meios de prova não subtraídos à livre apreciação do julgador, a apreciação da impugnação está sujeita ao cumprimento dos ónus a que se refere o art.º 640.º do Código de Processo Civil, a propósito dos quais refere António Santos Abrantes Geraldes:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
Vejamos cada uma das situações identificadas no recurso.
Entende a recorrente que as expressões “ininterruptamente” e “semelhantes", contidas no facto provado 7 são conceitos conclusivos que devem ser eliminados, alegando que a prova deveria bastar-se com as datas de início e termo dos contratos, com a remissão para o teor integral dos documentos 2 a 7 juntos com a petição e, à cautela, que tais conceitos não têm qualquer correspondência com a matéria provada sob os nºs 26º a 31º, 34º, 35º, 36º, 38º e 40º, que refletem a periodicidade dos contratos e seu termo, bem como a dinâmica que precedia a formalização de cada contrato, perfeitamente autónomos entre si.
A decisão que no entender da recorrente deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, ainda que não indicada separadamente, infere-se suficientemente da alegação, isto é, a eliminação dos conceitos conclusivos, pelo que, nada obsta à apreciação da impugnação.
Ora, a decisão da matéria de facto deve contemplar apenas factualidade (artigo 607º, nº 3 a 5, do Código de Processo Civil), isto é, acontecimentos da vida real, do que resulta dever ser afastada a matéria conclusiva ou de direito.
Sob o ponto 7 foi dado como provado o seguinte:
«7 - O Autor manteve-se ao serviço da Ré, ininterruptamente, até 30 de Junho de 2021, através de celebração de contratos semelhantes ao descrito no facto sob o n.º 6, em 26 de Julho de 2016, em 01 de Julho de 2017, 14 de Agosto de 2018, 1 de Julho de 2019 e 01 de Julho de 2020.»
Discute-se nos autos se entre o autor e a ré vigorou um único contrato de trabalho (ou vários contratos de trabalho que devem ser tratados como um único) ou vários contratos autónomos entre si, para o que será relevante ponderar se a relação contratual teve ou não interrupções e o concreto conteúdo dos contratos celebrados.
Nessa medida o advérbio “ininterruptamente” constante do ponto 7 da matéria de facto provada, poderia ser considerado conclusivo ou mesmo matéria de direito.
Mas, como resulta do Ac. do STJ de 09/06/20051 um determinado conceito, que tem um sentido jurídico, pode ser usado enquanto conceito de facto, na medida em que seja usado “num sentido inequivocamente factual”, isto é, na medida em que esse sentido factual possa ser apercebido “pela generalidade das pessoas”. O mesmo acontece, com as expressões conclusivas.
O advérbio em causa, atendendo ainda aos factos provados em 6. e 16., interpretado no sentido de que o autor prestou serviço à ré desde o início do primeiro contrato até 30/06/2021 tem um sentido factual suficientemente apreensível, não carecendo de ser eliminado do acervo factual constante da sentença.
Já o adjetivo “semelhantes”, deverá ser eliminado, por ser meramente valorativo, qualificativo que não substitui o teor dos contratos em causa, esse sim a matéria de facto que releva.
Assim, procede parcialmente a impugnação, alterando-se a redação do ponto 7. Dos factos provados que passará a ter a seguinte redação:
«7 - O Autor manteve-se ao serviço da Ré, ininterruptamente, até 30 de Junho de 2021, através de celebração, em 26 de Julho de 2016, em 01 de Julho de 2017, 14 de Agosto de 2018, 1 de Julho de 2019 e 01 de Julho de 2020, dos contratos que constituem os documentos n.º 3 a 7 da petição inicial cujo teor, por brevidade, se dá por reproduzido
A ré impugna também a decisão relativa aos factos provados 10 e 24 por considerar que os mesmo estão incompletos, resultando dos documentos 5 a 7 da petição inicial e até da fundamentação da sentença que o autor integrou igualmente a equipa técnica dos sub-23.
Também, nesta parte, os ónus supra referidos, se mostram suficientemente cumpridos.
O teor do facto provado em 10 é o seguinte:
«10 - O Autor, integrando a Equipa Técnica da Equipa X, composta por um Treinador Principal, três Treinadores Adjuntos, um Preparador Físico e um Treinador de Guarda-redes, prestava apoio ao Treinador Principal, quer no desenrolar dos treinos em campo, quer na elaboração de relatórios de observação de adversários, ou de acompanhamento de jogadores cedidos temporariamente a clubes terceiros, quer na elaboração de vídeos, quer ainda no planeamento e organização da gabinete de Análise e Observação de Jogos afetos à Equipa X, tarefas e missões típicas e próprias dos treinadores adjuntos.»
E o teor do ponto 24 é o seguinte:
«24 - A Ré integrou o Autor na equipa técnica afeta à equipa B do ZZ.»
Antes de mais, refere-se desde já, que, do nosso ponto de vista, não se justifica qualquer alteração ao ponto 10, já que o que dele consta são as funções que o autor desempenhava na equipa B e não que ele tenha desempenhado sempre essas funções.
Por outro lado, analisados os documentos nº 5 a 7 da petição inicial, verifica-se que deles não resulta que o autor tenha sido integrado na equipa de sub 23, inexistindo em qualquer deles menção à equipa na qual o autor foi integrado. A única menção que existe é no Anexo I dos doc. 6 e 7 (não está junto o Anexo I do doc. 5) às equipas de futebol de formação, mas ignorando-se quais os escalões, pelo que, os meios de prova invocados não permitem sustentar a alteração pretendida pela recorrente.
Ainda assim, como a recorrente também alega pode ler-se na fundamentação o seguinte:
«Os factos sob os números 10, 14, 15 e 24 foram confirmados por todas as testemunhas ouvidas, que especificando ter o Autor uma função específica de análise de jogo, era treinador adjunto com tal função, equiparado ao treinador adjunto de guarda redes ou outro, sendo a explicação mais cabal da existência desta função, da testemunha BB, ficando o Tribunal convencido da verificação do facto. Mais foi referido por todas as testemunhas ouvidas que, num primeiro momento o Autor esteve afecto à equipa técnica da Equipa X (até à época 2017/2018) e num segundo momento passou a integrar a equipa técnica dos sub-23 (época 2018/2019 a 2020/2021).»
Acresce ainda que na fundamentação da sentença, a propósito do pedido de diferenças salariais, foi considerado o seguinte:
«O Autor foi, nas épocas desportivas de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018, treinador-adjunto da Equipa X do ZZ e nas épocas 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021, treinador-adjunto da Equipa de Sub-23 do ZZ.
Estas duas equipas não competiram na ... Liga em nenhum destes anos.
A Equipa X do ZZ não pode, aliás, competir na ... Liga, porquanto é nesta que a Equipa principal do clube compete, à qual a Equipa X é subordinada, nos termos do artigo 7º do Regulamento das Competições, aprovado em sede de Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol. A Equipa X do ZZ compete na ... Liga.
Quanto à Equipa de Sub 23, a mesma compete num campeonato próprio organizado pela Federação Portuguesa de Futebol, nos termos do Regulamento do Campeonato Nacional - Divisão Sub23, actualmente denominada Liga ....
Assim, nos primeiros três anos de contrato em que foi treinador adjunto da Equipa X do ZZ, o Autor tinha direito, a título de retribuição mínima, do valor de 2 salários mínimos, por corresponder a metade da retribuição mínima do Treinador principal de uma Equipa da ... Liga.
E nos três anos em que treinou a equipa de sub23, o valor do seu salário teria de ser calculado em valor equivalente, atenta a aceitação da Ré, de que esta equipa teria o mesmo tipo de retribuição e sendo certo que não competia na ... Liga, única situação que poderia impor salário mínimo superior.»
Destes dois excertos da sentença resulta que apesar de tal não constar expressamente da matéria de facto provada, mas apenas da fundamentação da sentença, quer de facto, quer de direito, o tribunal considerou efetivamente que nas épocas desportivas 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021, o autor exerceu funções como treinador-adjunto da Equipa de Sub-23 do ZZ, admitindo-se mesmo que face ao que consta da motivação da decisão de facto, a omissão em causa, tenha constituído um mero lapso.
Releva ainda que o autor não impugnou este segmento da sentença, limitando-se a pugnar por interpretação diversa da cláusula 31.ª da CCT quanto ao valor mínimo da retribuição.
Nesta medida, afigura-se-nos que, face à análise global da sentença e às posições das partes, nada obsta à alteração da redação do ponto 24 da matéria de facto provada, suprindo-se a omissão que certamente só por lapso dele consta e que é, enquanto tal, suscetível de retificação (art.º 249.º do Código Civil).
Ainda a propósito da matéria do ponto 24, importa, oficiosamente, ao abrigo do disposto pelos arts. 607.º, n.º 4 e 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aditar matéria que no contexto da ação se considera confessada pela ré (cfr. art.º 352.º do Código Civil) na parte final do art.º 80.º da contestação, onde em seu “prejuízo” refere que quer a equipa B, quer a equipa de sub 23 fazem parte da 2.ª Liga2.
Consequentemente, altera-se a redação do ponto 24 da matéria de facto provada, que passará a ser a seguinte:
«24 - A Ré integrou o Autor na equipa técnica afeta à equipa B do ZZ, passando a integrá-lo na equipa de sub 23 nas épocas de 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021, ambas fazendo parte da ... Liga.»
Quanto aos pontos 26 a 31 a recorrente sustenta a impugnação nos documentos 2 a 7 juntos com a petição inicial.
A redação dada àqueles factos foi a seguinte:
«26 - Ao longo do primeiro contrato, que vigorou de 31 de Julho de 2015 até 26 de Julho de 2016, a Ré pagou ao Autor €1.000,00 por mês, ou seja, €12.000,00/ano.
27 - Ao longo do segundo contrato, que vigorou de Julho de 2016 a Julho de 2017, a Ré pagou ao Autor €1.500,00 por mês, ou seja, €18.000,00/ano.
28 - Ao longo do terceiro contrato, que vigorou de Julho de 2017 a Julho de 2018, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
29 - Ao longo do quarto contrato, que vigorou de Julho de 2018 a Julho de 2019, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
30 - Ao longo do quinto contrato, que vigorou de Julho de 2019 a Julho de 2020, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
31 - Ao longo do sexto contrato, que vigorou de Julho de 2020 a Julho de 2021, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.»
A decisão do tribunal relativa à matéria de facto ali dada como provada, mostra-se fundamentada nos seguintes termos: «Os factos sob os números (…), 26, 27, 28, 29, 30 e 31 foram considerados provados tendo em conta o teor dos documentos juntos como documentos 2 a 7 com a petição inicial, fls. 10-v a 23 e que correspondem aos contratos celebrados entre as partes, dos quais consta a retribuição acordada.»
Contudo, da leitura de tais documentos, mais concretamente da leitura da cláusula décima de cada um dos contratos, resulta manifestamente que o tribunal “a quo” errou nas datas que considerou como de inicio e termo dos contratos, e que se lhe impunha porque as mesmas constam expressamente dos documentos, concretizar os dias, e não apenas referir os meses.
Assim, procedendo a impugnação, altera-se a redação dos pontos 26 a 31 que passará a ser a seguinte:
«26 - Ao longo do primeiro contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2015 até 30 de Junho de 2016, a Ré pagou ao Autor €1.000,00 por mês, ou seja, €12.000,00/ano.
27 - Ao longo do segundo contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2016 a 30 de Junho de 2017, a Ré pagou ao Autor €1.500,00 por mês, ou seja, €18.000,00/ano.
28 - Ao longo do terceiro contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2017 a 30 de Junho de 2018, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
29 - Ao longo do quarto contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2018 a 30 de Junho de 2019, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
30 - Ao longo do quinto contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2019 a 30 de Junho de 2020, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
31 - Ao longo do sexto contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2020 a 30 de Junho de 2021, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano
Quanto ao ponto 35 da matéria de facto provada a recorrente alega que o Tribunal deu como certo “que a Ré entendia serem”, e tal deve ser retirado, não só por ser conclusivo, como também devido à matéria provada em 34º e 35º, primeira parte, em que é notório que a quantia anual era acordada e negociada entre as partes, não resultando de qualquer entendimento unilateral da R.
O teor do ponto 35 é o seguinte:
«35 - A proposta era feita ao Autor por época desportiva, ficando estabelecido, nos sucessivos contratos, a quantia anual a pagar ao mesmo, doze vezes ao ano, correspondendo aos meses da época desportiva e tal quantia incluía todas as prestações que a Ré entendia serem devidas ao Autor por época desportiva.»
O tribunal motivou esta decisão nos seguintes termos:
«Os factos sob os números 33, 34, 35 e 36 foram considerados provados com base no depoimento da testemunha BB, director da formação, que confirmou a existência do orçamento e da sua gestão nos termos constantes da contestação e convencendo o Tribunal da veracidade do alegado.»
O que a recorrente alegou a este propósito na contestação foi o seguinte:
«7º
Antes do início de todas as épocas desportivas, a R. aprova um orçamento, cabendo ao responsável do departamento geri-lo, conforme as necessidades de cada época desportiva, assim como lhe cabe verificar os escalões adequados a cada técnico e a performance destes, na época anterior.

Pelo que, por volta de Maio/Junho de cada época desportiva, o responsável contactava com o A. e apresentava-lhe a proposta para a época a iniciar em Julho, a qual era sujeita a aceitação e negociação com o A.

E a proposta era feita por época desportiva, ficando estabelecido, nos sucessivos contratos, a quantia anual a pagar ao A., doze vezes ao ano, correspondendo aos meses da época desportiva.
10º
Quantia essa que incluía todas as prestações devidas ao A., por época desportiva.».
Assim, os factos dados como provados em 33 e 34 reproduziram integralmente os arts. 7º e 8º da contestação, o ponto 35 reproduz o alegado em 9.º da contestação, acrescido da afirmação posta em causa pela recorrente e que tem a sua origem no alegado em 10º da contestação.
A alegação da ré no referido art.º 10º, não tem suporte expresso nos contratos juntos aos autos, não foi invocado qualquer meio de prova que a sustente, e sobretudo, é não só conclusiva, como, no caso concreto, em que se discute se os subsídios de férias e de Natal que o autor reclama estavam incluídos na quantia anual acordada em cada contrato, constitui matéria de direito, pelo que, a Mm.ª Juiz, entendeu restringir o alegado, fazendo constar como provada a opinião da recorrente sobre a questão.
Ora, não sendo o acervo factual integrante da sentença os repositórios das posições jurídicas das partes expressas nos articulados, o segmento final do ponto 35, deverá ser eliminado.
Por conseguinte a redação do ponto 35 dos factos provados passará a ser a seguinte:
«35 - A proposta era feita ao Autor por época desportiva, ficando estabelecido, nos sucessivos contratos, a quantia anual a pagar ao mesmo, doze vezes ao ano, correspondendo aos meses da época desportiva.»
Finalmente a recorrente alega que o facto provado 41 está incompleto, bem como é omissa a sua fundamentação, lapso que deve ser corrigido pelo Tribunal.
Sob 41 consta o seguinte:
«41 - O Autor auferiu o montante de»
É evidente a incompletude identificada pela recorrente, assim, como é evidente que na fundamentação da decisão de facto não existe qualquer referência ao ponto 41.
Na sentença também não consta qualquer referência a valores auferidos pelo autor para além dos constantes dos pontos 26 a 31dos factos provados e do tratamento jurídico dos mesmos, na parte em que relevaram para a decisão relativa aos créditos salariais reclamados.
Dos articulados da causa nada se apreende que pudesse gerar o facto de que o dito ponto 41 constitui o começo.
Inexiste qualquer outra questão para solução da qual fosse relevante perceber qual o montante auferido pelo autor.
Finalmente ainda que se admitisse que estaria em causa dar como provado o montante que o autor terá auferido após a cessação do vínculo com a ré, estariam em causa factos relevantes para a determinação da compensação devida pela ilicitude do despedimento. Ora, a sentença concluiu pela improcedência do pedido de declaração de ilicitude do despedimento, tendo nessa parte já transitado em julgado, pelo que seria de todo inútil qualquer diligência para trazer agora tal matéria para o processo.
Nestes pressupostos, estamos em crer que a inclusão do dito ponto 41 na decisão terá resultado de um qualquer lapso e, como tal, atendendo ainda à sua irrelevância, na parte apreensível, determina-se a sua eliminação.
Sendo assim, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto provada deduzida pela recorrente, em virtude do que, e considerando ainda o aditamento oficioso determinado, passam a ser os seguintes os factos provados a considerar, assinalando-se as modificações introduzidas a itálico:
«1 - A Ré é uma sociedade anónima desportiva, que adotou a denominação de ZZ, SAD.
2 - A Ré tem por objeto social, nomeadamente, a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento e desenvolvimento das atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada.
3 - Nos termos estatutários, a Ré, ZZ, SAD, tem um capital social, integralmente subscrito e realizado, de sessenta e sete milhões de euros, representado por sessenta e sete milhões de ações, sendo gerida por um Conselho de Administração, e tem a respetiva sede social no ..., na ..., freguesia do ..., em ....
4 - A Ré integra o ZZ, SAD, que, no âmbito do respetivo objeto social, nomeadamente, participa com equipas dos diversos escalões etários nos campeonatos nacionais de futebol, realizados sob a tutela da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa dos Clubes Profissionais de futebol.
5 - O Autor é licenciado em Motricidade Humana pela Universidade ..., com mestrado no ramo de Alto Rendimento Desportivo.
6 - O Autor, como segundo contratante e com a designação de “Técnico de Desporto”, celebrou com a Ré, em 31 de Julho de 2015, um acordo intitulado “Contrato de prestação de serviços” com o seguinte teor:
"PRIMEIRA
Pelo presente contrato, o TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se, em regime de avença, a prestar os serviços descritos no Anexo I a este contrato e que dele passa a fazer parte integrante.
SEGUNDA
Os serviços serão prestados nas instalações da ..., ou em qualquer outro local indicado pela ZZ, SAD.
TERCEIRA
O TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se a não prestar serviços idênticos aos ora contratados a terceiros clubes ou sociedades anónimas desportivas e a não exercer nos mesmos quaisquer funções na área do futebol, enquanto vigorar o presente contrato de avença.
QUARTA
O TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se a manter sigilo sobre os assuntos e informações do foro interno da Sociedade de que venha a ter conhecimento ou acesso no exercício das suas funções, quer durante a vigência, quer após a cessação do presente contrato.
QUINTA
O TÉCNICO DE DESPORTO está inibido de fazer apostas ou de qualquer modo participar em jogos de azar referentes às competições em que as equipas da ZZ, SAD participem ou previsivelmente venham a participar, nomeadamente, apostas online, casas de jogos, casas de apostas e afins.
SEXTA
O TÉCNCO DE DESPORTO obriga-se, sempre que se encontre ao serviço da ZZ, SAD, ou em sua representação, a utilizar o vestuário e equipamento oficial da ZZ, SAD e a respeitar os compromissos desta para com os seus patrocinadores oficiais ou outros com quem tenham sido assumidos compromissos publicitários, bem como abster-se de publicitar marcas concorrentes àqueles.
SÉTIMA
1. A presente avença é estabelecida sem limitação de horas respeitantes aos treinos) ministrados pelo, fixando-se os honorários do mesmo na quantia ilíquida de €1.000,00 (mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal, se aplicável, que só serão pagos mediante a entrega do respectivo recibo de modelo oficial, devidamente preenchido.
2. Os rendimentos auferidos pelo TÉCNICO DE DESPORTO ao abrigo do presente contrato serão tributados em IRS por aplicação da taxa prevista nos termos do Código do IRS, mediante retenção na fonte, quando a ela houver lugar nos termos da Lei, sem prejuízo do apuramento anual de rendimentos do TÉCNCO DE DESPORTO e consequentemente imposto final a pagar ou receber pelo TÉCNCO DE DESPORTO.
OITAVA
1. O TÉCNICO DE DESPORTO desempenhará a sua atividade com inteira autonomia técnica e sem qualquer subordinação à ZZ, SAD, respeitando os obiectivos estabelecidos pelo Coordenador Técnico e os interesses da ZZ, SAD.
2. O TÉCNICO DE DESPORTO obriga-se a não praticar ou colaborar em quaisquer actos que possam de alguma forma pôr em causa as obrigações que tem para com a ZZ, SAD ou que sejam susceptíveis de lesar os interesses e a imagem social e desportiva inerentes à actividade da ZZ, SAD.
NONA
Os outorgantes consideram-se vinculados apenas pelo regime do presente contrato de prestação de serviços. Fica, designadamente, expresso que:
2) O TÉCNICO DE DESPORTO deverá fazer prova perante a ZZ, SAD, quando este a entenda solicitar, da declaração à Administração Fiscal de início, alterações ou cessação de atividade, bem como da sua inscrição no regime de segurança social dos trabalhadores independentes;
b) A ZZ, SAD e o TÉCNICO DE DESPORTO ficarão obrigados ao cumprimento das obrigações contributivas de Segurança Social previstas na Lei para cada uma das partes no Regime dos trabalhadores independentes, bem como todas as obrigações que resultem da legislação fiscal, não ficando a ZZ, SAD obrigada a contratar para o TÉCNICO DE DESPORTO qualquer seguro de acidentes de trabalho.
DÉCIMA
1. O presente contrato é celebrado na presente data e os seus efeitos jurídicos retroagem a 1 de Julho de 2015, tendo o seu termo a 30 de Junho de 2016, data em que, sem mais, caducará.
2. As partes declaram estar cientes de que o presente contrato, atenta à natureza específica da atividade contratada, foi livre e conscientemente celebrado por um período temporal pré-determinado, caducando automaticamente na mesma data em que caduca a licença desportiva do TÉCNICO DE DESPORTO emitida pelas instâncias desportivas competentes, sem que ao TÉCNICO DE DESPORTO seja devida qualquer quantia para além das remunerações previstas na cláusula sétima.
DÉCIMA PRIMEIRA
O presente contrato de prestação de serviços só poderá ser rescindido antecipadamente nos termos gerais de direito.
DÉCIMA SEGUNDA
No omisso, observar-se-ão as regras disciplinadoras do contrato de mandato constantes do Código Civil.
Anexo I - Funções do Técnico Desporto
Ao Técnico de Desporto no exercício das suas funções, caber-lhe-á:
• Observar diretamente jogos de futebol em Portugal e no estrangeiro;
• Elaborar relatórios de observação, de acordo com o modelo em vigor no Gabinete de Scouting;
• Elaborar compactos vídeo de jogos;
• Efectuar tarefas de planeamento e organização do Gabinete de Observação e Análise de jogos afetos à Equipa X;
• Elaborar relatórios de observação dos jogadores cedidos temporariamente a outros
Clubes;
• Prestar esclarecimentos sobre matérias relativas aos serviços prestados sempre que solicitado."
7 - O Autor manteve-se ao serviço da Ré, ininterruptamente, até 30 de Junho de 2021, através de celebração, em 26 de Julho de 2016, em 01 de Julho de 2017, 14 de Agosto de 2018, 1 de Julho de 2019 e 01 de Julho de 2020, dos contratos que constituem os documentos n.º 3 a 7 da petição inicial cujo teor, por brevidade, se dá por reproduzido.
8 - O Autor apresentava-se diariamente na ..., propriedade da Ré, para prestar a sua actividade profissional.
9 - O Autor cumpria o horário que a Ré lhe fixava, através do Treinador Principal.
10 - O Autor, integrando a Equipa Técnica da Equipa X, composta por um Treinador Principal, três Treinadores Adjuntos, um Preparador Físico e um Treinador de Guarda-redes, prestava apoio ao Treinador Principal, quer no desenrolar dos treinos em campo, quer na elaboração de relatórios de observação de adversários, ou de acompanhamento de jogadores cedidos temporariamente a clubes terceiros, quer na elaboração de vídeos, quer ainda no planeamento e organização da gabinete de Análise e Observação de Jogos afetos à Equipa X, tarefas e missões típicas e próprias dos treinadores adjuntos.
11 - Os equipamentos que o Autor utilizava, designadamente fatos de treino, blusas, calções, bonés, assim como todos os utensílios necessários aos treinos: pines, barreiras, bolas, tapetes, balizas móveis, etc., eram propriedade da Ré.
12 - O Autor cumpria ordens e diretrizes da Ré e recebia, como contrapartida da sua atividade, uma remuneração fixa, periódica e regular.
13 - O Autor recebeu a remuneração de €1.000,00 por mês no primeiro ano em que prestou actividade à Ré, e de €1.500,00 por mês, a partir do segundo ano, até ao final da colaboração com a Ré, à razão de 12 retribuições por ano.
14 - As tarefas executadas pelo Autor eram as típicas funções de um treinador de futebol adjunto.
15 - O Autor era designado de treinador adjunto, no trato interno por prestar apoio direto ao Treinador Principal.
16 - Em Junho de 2021, a Ré comunicou verbalmente ao Autor a cessação do contrato, com efeitos reportados a trinta desse mês.
17 - A cessação do contrato entre as partes foi confirmada em documento emitido pela Ré para efeitos de desemprego e ainda em “emails” trocados com o autor., designadamente num deles em que o Diretor dos Recursos Humanos da Ré diz, “ipsis verbis”, o seguinte:
"Conforme transmitido anteriormente, a ZZ, SAD entende que a relação contratual tem a natureza de uma prestação de serviços, nos termos e condições previstos no contrato celebrado entre as partes. Não obstante, em agradecimento pela colaboração prestada, mantemos a proposta que lhe apresentámos, de pagamento do valor de €4.500, no âmbito de um acordo de revogação do contrato."
18 - O Autor não aceitou a proposta da Ré.
19 - As relações contratuais entre Autor e Ré cessaram em 30 de Junho de 2021, por iniciativa da Ré.
20 - A Ré não instaurou qualquer processo disciplinar ao Autor.
21 - A Ré nunca pagou ao Autor qualquer valor a designação de subsídios de férias e de Natal.
22 - A Ré não pagou ao Autor valores com a designação de horas extraordinárias.
23 - Foi celebrado um contrato colectivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, o qual foi publicado no BTE nº 20, de 29 de Maio de 2012 e é aplicável às relações laborais dos treinadores.
24 - A Ré integrou o Autor na equipa técnica afeta à equipa B do ZZ, passando a integrá-lo na equipa de sub 23 nas épocas de 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021, ambas fazendo parte da ... Liga.
25 - O salário mínimo nacional teve os seguintes valores:
a) - Entre Outubro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015: €505,00;
b) - no ano de 2016: €530,00;
c) - no ano de 2017: €557,00;
d) - no ano de 2018: €580,00;
e) - no ano de 2020: €635,00;
f) - no ano de 2021: €665,00.
26 - Ao longo do primeiro contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2015 até 30 de Junho de 2016, a Ré pagou ao Autor €1.000,00 por mês, ou seja, €12.000,00/ano.
27 - Ao longo do segundo contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2016 a 30 de Junho de 2017, a Ré pagou ao Autor €1.500,00 por mês, ou seja, €18.000,00/ano.
28 - Ao longo do terceiro contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2017 a 30 de Junho de 2018, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
29 - Ao longo do quarto contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2018 a 30 de Junho de 2019, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
30 - Ao longo do quinto contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2019 a 30 de Junho de 2020, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
31 - Ao longo do sexto contrato, que vigorou de 1 de Julho de 2020 a 30 de Junho de 2021, a Ré pagou ao Autor €18.000,00/ano.
32 - O Autor não tem formação jurídica.
33 - Antes do início de todas as épocas desportivas, a Ré aprova um orçamento, cabendo ao responsável do departamento geri-lo, conforme as necessidades de cada época desportiva, assim como lhe cabe verificar os escalões adequados a cada técnico e a performance destes, na época anterior.
34 - Por volta de Maio/Junho de cada época desportiva, o responsável contactava com o Autor e apresentava-lhe a proposta para a época a iniciar em Julho, a qual era sujeita a aceitação e negociação com o Autor.
35 - A proposta era feita ao Autor por época desportiva, ficando estabelecido, nos sucessivos contratos, a quantia anual a pagar ao mesmo, doze vezes ao ano, correspondendo aos meses da época desportiva.
36 - A continuidade do Autor dependia do orçamento disponível, dos técnicos e escalões adequados e da negociação, no início de cada época.
37 - Os treinos decorriam geralmente entre as 9.30h e as 10.30h, todos os dias.
38 - Ao longo das épocas em que o Autor colaborou com a Ré, teve vários e diferentes superiores hierárquicos e coordenadores técnicos, mantendo sempre, no entanto, autonomia técnica.
39 - Na época desportiva 21/22, o Autor foi convidado para se juntar à equipa técnica do YY, o que aceitou.
40 - No início de Julho de 2021, o Autor solicitou a declaração para o subsídio de desemprego, referindo ter informado que tal se devia a caducidade do contrato.
41 – Eliminado
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2.ª questão: se estamos face a um único contrato de trabalho ou a vários contratos autónomos entre si (recurso da ré)
O tribunal “a quo” no dispositivo da sentença declarou que os seis contratos celebrados entre o autor e ré são contratos de trabalho.
Não se discute no recurso a natureza laboral dos contratos celebrados entre as partes, tendo a sentença, nessa parte, transitado em julgado.
As partes também não discutem já a aplicação analógica a tais contratos do regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, aprovado pela Lei 54/2017 de 14/07, tal como foi, e bem, considerado em 1.ª instância, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça3.
É, pois, pacífico, que tal como considerado em 1.ª instância, cada um dos contratos celebrados constitui um contrato de trabalho a termo por uma época desportiva.
Considerou, porém, o tribunal “a quo” que tais contratos deveriam ser tratados como um único por aplicação do disposto pelo art.º 149.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
No caso concreto, face às posições assumidas pelas partes nos seus articulados, a questão assumiria relevância para solução de duas outras: a determinação da antiguidade do autor e a prescrição dos créditos pelo mesmo reclamados.
Ora, a determinação da antiguidade do autor já não releva uma vez que a sentença transitou em julgado na parte em que o tribunal entendeu não ter ocorrido o despedimento ilícito do autor, nem haver lugar a compensação pela caducidade do contrato e, ao contrário do que pretende a ré, como veremos adiante, no caso concreto, à contagem do prazo de prescrição é indiferente estarmos perante vários contratos ou um único contrato.
Ainda assim, face ao dispositivo da sentença, não deixaremos de nos pronunciar.
Avançamos desde já que, em nosso entender, o art.º 149.º, n.º 5 do Código do Trabalho, segundo o qual se considera como único contrato aquele que seja objeto de renovação, não tem aplicação no caso dos autos.
Dispunha a Lei 28/98 de 26/06 (que vigorava à data da celebração dos três primeiros contratos) no seu art.º 3.º que “Às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo aplicam-se, subsidiariamente, as regras aplicáveis ao contrato de trabalho.”
Tal norma foi transposta para o art.º 3.º, n.º 1 da Lei 54/2017 de 14/07, com a explicitação constante da sua parte final, nos seguintes termos: “Às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo aplicam-se, subsidiariamente, as regras aplicáveis ao contrato de trabalho que sejam compatíveis com a sua especificidade.” – sublinhado nosso.
Assim, o código do trabalho apenas será aplicável ao contrato de trabalho desportivo para solução de lacunas e na medida em que tal não colida com as especificidades subjacentes a este tipo contratual.
Vejamos, pois!
Quanto à duração do contrato dispunha a Lei 28/98, no art.º 8.º:
“1 - O contrato de trabalho desportivo não pode ter duração inferior a uma época desportiva nem superior a oito épocas.
(…)
4 - Considera-se celebrado por uma época desportiva, ou para a época desportiva no decurso da qual for celebrado, o contrato em que falte a indicação do respectivo termo.
5 - Entende-se por época desportiva o período de tempo, nunca superior a 12 meses, durante o qual decorre a actividade desportiva, a fixar para cada modalidade pela respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva.”
E no art.º 9.º dispunha o seguinte:
“A violação do disposto no n.º 1 do artigo anterior determina a aplicação ao contrato em causa dos prazos mínimo ou máximo admitidos.”
A lei 54/2017, introduziu alterações significativas esta matéria, exceto quanto à duração máxima do contrato, lendo-se no seu art.º 9.º:
“1 - O contrato de trabalho desportivo não pode ter duração inferior a uma época desportiva nem superior a cinco épocas.
(…)
5 - Considera-se celebrado por uma época desportiva, ou para a época desportiva no decurso da qual for celebrado, o contrato em que falte a indicação do respetivo termo.
6 - Entende-se por época desportiva o período de tempo, nunca superior a 12 meses, durante o qual decorre a atividade desportiva, a fixar para cada modalidade pela respetiva federação dotada de utilidade pública desportiva.
7 - A violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 determina a aplicação ao contrato em causa dos prazos mínimos ou máximos admitidos.”
Por sua vez dispõe o art.º 23.º do mesmo diploma:
“1 - O contrato de trabalho desportivo pode cessar por:
a) Caducidade;
(…)
2 - A caducidade por verificação do termo opera automaticamente e não confere direito a compensação.”
Por outro lado, à relação entre as partes é aplicável a CCT celebrada entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicada no BTE nº 20, de 29/05/2012 por força das Portarias de Extensão publicadas no BTE n.º 37 de 08/10 e no DR, n.º, Série I, de 05/01/2018.
Da sua cláusula 8.ª resulta, no mesmo sentido que o consagrado na Lei 54/2017 que: "O contrato de trabalho terá sempre uma duração determinada, caducando automaticamente expirado o prazo nele estipulado, sem necessidade de qualquer outra declaração ou formalidade."
Estamos, pois, perante um regime contratual que impõe como regra a sujeição do vínculo a termo resolutivo, ao contrário do regime geral do contrato de trabalho a termo configurado como excecional (art.º 139.º e segs. do Código de Trabalho).
Trata-se de diferença que se justifica pela especificidade dos interesses em presença, respeitantes ao desporto e à competição desportiva, ao praticante desportivo e ao empregador, nomeadamente o facto de as competições desportivas terem uma determinada duração, repetindo-se ciclicamente, o facto de os resultados do empregador dependerem em maior ou menor medida, da renovação cíclica dos seus praticantes desportivos, o que não e compatível com a estabilidade de um contrato de trabalho de duração indeterminada e o facto de a estabilidade do vínculo laboral poder funcionar em prejuízo dos trabalhadores, impedindo novas contratações em condições mais vantajosas4.
E como refere Maria do Rosário Palma Ramalho5 “(…) a configuração e os objetivos diversos da cláusula de termo no universo do trabalho desportivo explicam as consequências previstas para a falta de menção expressa do contrato e para a violação das regras sobre limites máximo e mínimo de duração do contrato. Em vez de serem sancionados com a solução laboral comum da conversão automática do contrato em contrato por tempo indeterminado (art.º 147º do CT) – que aqui não faz sentido – estes vícios do contrato são ultrapassados com soluções que recoloca, o contrato automaticamente na moldura temporal adequada, mas sempre na lógica de um contrato de duração limitada.
Em suma, o contrato de trabalho desportivo é de qualificar como um contrato de trabalho especial, pelos motivos já enunciados, mas apesar de ser um contrato a termo, por determinação legal, não é uma species do género contrato de trabalho a termo, regulado nos arts. 139.º ss. do CT. Assim, as lacunas do seu regime não podem ser integradas com recurso às normas do regime geral do contrato a termo, pelo menos sem uma prévia aferição da adequação axiológica das soluções que elas preconizam à razão de ser e aos objetivos do termo, quando aposto ao contrato de trabalho desportivo.”
Sendo assim, apesar de nem a Lei 28/98, nem a Lei 54/2017 conterem previsão expressa quanto à renovação do contrato de trabalho, não se poderá convocar o disposto pelos art.º 149.º do Código do Trabalho, já que não são aplicáveis os limites máximo de duração do contrato previstos pelo art.º 148.º do Código do Trabalho, não é aplicável o regime de conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado no caso de violação dos limites máximos de duração previsto pelo art.º 147.º, n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e os contratos desportivos, caducando automaticamente sem necessidade de qualquer declaração ou formalidade, não se podem considerar sujeitos ao regime de renovação de renovação tácita previsto pelo art.º 149.º, n.º 2 do Código do Trabalho. No caso também não é sequer aplicável o regime de renovação expressa a que alude o n.º 3 deste último preceito, pois, este refere-se à renovação por período de duração diferente do inicial o que não acontece na situação em análise, pois todos os contratos têm a mesma duração.
Assim, independentemente da circunstância invocada pela ré e que se demonstrou, de todos os contratos terem sido precedidos de proposta, negociação e aceitação pelo autor, e de se considerar que o autor exerceu sempre as funções de treinador adjunto (ainda que integrado na equipa B, nos primeiros três contratos e integrado na equipa de sub 23 nos três últimos), o que as partes não põem em causa, conclui-se que os seis contratos a termo, em execução dos quais o autor se manteve vinculado à ré desde 01/07/2015 até 30/06/2021, ainda que sucessivos, têm que ser considerados contratos autónomos.
E nem se apele à aplicação do regime da sucessão de contratos de trabalho a termo, cuja proibição está consagrada no art.º 143.º do Código do Trabalho. Trata este normativo da proibição das situações em que um contrato de trabalho a termo cessa e para o mesmo posto de trabalho é contratado o mesmo ou outro trabalhador também a termo. Mas a consequência para a violação do preceito é, nos termos do art.º 147.º, n.º 1, al. d) do Código do Trabalho, é que o contrato se considera celebrado sem termo, o que, como resulta do supra exposto é manifestamente incompatível com a especificidade do contrato de trabalho, que vigora necessariamente a termo resolutivo, por imposição legal e convencional.
Procede, pois, nesta parte o recurso da ré, devendo os contratos de trabalho que vigoraram entre as partes ser considerados contratos autónomos entre si.
*
3.ª questão: prescrição dos créditos reclamados pelo autor referentes ao período anterior ao do último contrato celebrado (recurso da ré)
Antes de mais importa referir que, tendo a ré invocado na contestação a exceção da prescrição dos créditos do autor relativos aos contratos anteriores ao último, o tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a questão.
Nem por isso, a solução da questão está vedada a este tribunal. Na verdade, tendo o tribunal “ a quo” considerado que os vários contratos de trabalho a termo deveriam ser tratados com um único contrato, a apreciação da exceção da prescrição tal como invocada, ficou prejudicada e, nessa medida, atento o disposto pelo art.º 665.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, procedendo a apelação quanto àquela questão, impõe-se agora a este tribunal que se pronuncie.
Ora, nos termos do art.º 304.º n.º 1 do C.C. "completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao exercício do direito prescrito”.
Segundo a lição de Orlando de Carvalho, «a prescrição é uma forma de extinção de direitos de crédito, na área dos direitos das obrigações, direitos que deixam de ser judicialmente exigíveis, passando a obrigação civil a obrigação natural» (Cfr. Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, pág. 153).
Na verdade, o decurso do tempo é um facto jurídico não negocial, é um acontecimento natural juridicamente relevante, ou seja, produtor de efeitos jurídicos.
E um dos seus efeitos mais importantes consiste, precisamente, em fazer cessar a exercitabilidade dos direitos subjetivos — depois de decorrido o prazo da prescrição e de esta ser invocada pelo devedor, o crédito não fica propriamente extinto, mas a obrigação passa de civil a natural (cfr. João Leal Amado, in A Prescrição dos Créditos Laboral (Nótula Sobre o Art.º 381º do Código do Trabalho), in Prontuário de Direito do Trabalho nº 71, Maio-Agosto de 2005, pág. 68).
A prescrição pode, pois, definir-se como a extinção dos direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, pelo que, uma vez completado o prazo de prescrição, o sujeito passivo, por ela beneficiado, goza da faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (arts. 298.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1, do Código Civil).
De acordo com o disposto pelo art.º 306º, nº 1 do Código Civil, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, importando no caso dos créditos laborais, ter em atenção quanto ao início do prazo de prescrição, o regime especial que tem vindo a ser sucessivamente consagrado pelos arts. 37º, nº 1 da LCT, 381º, nº 1 do Código do Trabalho de 2003 e 337.º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, segundo qual que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação se extinguem por prescrição no prazo de um ano a contar do dia seguinte aquele em que cessou o contrato.
Por isso, da aplicação daqueles preceitos, como tem vindo a ser afirmado pela larga maioria da doutrina e pela jurisprudência (cfr. entre tantos outros o Ac. STJ de 16/06/2016, acessível em www.dgsi.pt), resulta que o prazo de prescrição dos créditos laborais não se inicia, nem corre no decurso da relação de trabalho, mesmo quanto às prestações vencidas.
O legislador laboral estabeleceu, pois, para os créditos laborais, um regime próprio, justificado pelas especificidades da relação laboral quando comparadas com as demais relações meramente civis e comerciais, o qual comporta o diferimento do início do prazo de prescrição para o termo da relação laboral, o que equivale a dizer, que o prazo só se inicia com o termo da relação de dependência do trabalhador relativamente ao empregador e do poder de direção do empregador relativamente ao trabalhador, por se reconhecer que enquanto tal dependência se mantiver o trabalhador está impedido de exercer os seus direitos.
Significa isto que sucedendo-se diversos contratos de trabalho a termo, o prazo de prescrição relativamente aos créditos emergentes dos contratos que cessaram deve ter-se como suspenso enquanto perdurar a relação laboral subsequentemente iniciada.6
É o que se passa no caso dos autos, pois, ainda que ao abrigo de seis contratos de trabalho autónomos entre si, o autor esteve na situação de subordinação jurídica à ré, ininterruptamente desde 01/07/2015 até 30/06/2021, motivo pelo qual, o prazo de prescrição dos créditos reclamados pelo autor, apenas se pode considerar iniciado em 01/07/2021, tendo sido oportunamente interrompido com a citação da ré (art.º 323.º, n.º 1 do Código Civil) em 12/05/2022 (referência citius 32654092 de 24/07/2022).
Assim, se explica a afirmação que fizemos acima de que, ao contrário do que pretende a ré, no caso concreto, é indiferente, do ponto de vista da prescrição, estarmos perante vários contratos ou um único contrato, improcedendo o recurso da ré nesta parte.
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4.ª questão: se o autor tem direito a diferenças salariais em valor superior ao reconhecido pela sentença (recurso do autor)
Está aqui em causa a interpretação da cláusula 31.ª do CCT aplicável à relação entre as partes.
É o seguinte o teor daquela cláusula:
“Cláusula 31.ª
Remuneração mínima
1 - Aos treinadores principais são assegurados as seguintes remunerações base mínimas, quando exerçam as suas funções em clube da:
... Liga — oito vezes o salário mínimo nacional;
... Liga — quatro vezes o salário mínimo nacional;
... Divisão Nacional X — três vezes o salário mínimo nacional;
... Divisão Nacional — duas vezes o salário mínimo nacional;
Outras divisões e escalões juvenis — uma vez o salário mínimo nacional.
2 - Aos treinadores-adjuntos é assegurado, como remuneração base mínima, metade dos montantes estabelecidos no número anterior para os treinadores principais de cada divisão.”
O tribunal “a quo” considerou que a retribuição do autor deveria ser calculada por referência à do treinador principal da ... Liga, correspondendo, portanto, a duas vezes o salário mínimo nacional, entendendo o autor que deveria ser calculada por referência à do treinador da ... Liga, por considerar que o seu vínculo era com um clube da ... Liga e que a norma convencional não faz qualquer alusão a escalões.
Como se pode ler no Ac. STJ de 19/04/20237 «Na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo – como é o caso, uma vez que estamos perante cláusulas cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas – de aplicação directa aos contratos de trabalho em vigor – e, por outro lado, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados- ac. do STJ de 01-10-2015., Proc. º 4156/10.6 TTLSB.L1.S1.
Este Supremo Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções colectivas deve seguir as regras da interpretação da lei- cfr., entre outros, os ac. 22-06-2022, Proc. nº 14406/20.5T8SNT.L1.S1, e de 01-06-2022, Proc. n. º 638/20.0T8PRT.P1.S1 (4.ª Secção)
A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.»
Na aplicação destes critérios, do nosso ponto de vista, não merece censura a solução encontrada na sentença de considerar como retribuição mínima devida ao autor metade da retribuição mínima devida a um treinador principal de equipa da ... Liga.
A este respeito a Mm.ª Juiz “a quo” escreveu o seguinte:
“Ora, a interpretação do Autor de que todos os treinadores da Ré, independentemente de treinarem a equipa principal, que compete na ... Liga, ou um dos outros escalões, têm a mesma remuneração não é de acompanhar, pois não se coaduna com o espírito da cláusula referida. Assim deve entender-se que os treinadores de cada equipa devem ganhar, pelo menos, o salário mínimo previsto para os treinadores do escalão onde competem, não se aferindo tal remuneração pelo facto de o clube ter uma outra equipa, com a qual não trabalham, a competir num escalão superior, recebendo os treinadores adjuntos pelo menos metade desse valor, nos termos do n.º 2 da referida cláusula 31ª.”
A mera leitura do n.º 1 da cláusula permite perceber que, apesar de nela se referir ao exercício de funções em clubes das diversas divisões, o que se pretendeu foi que os mínimos retributivos nela consagrados variem consoante a “importância” da competição em que o treinador exerce as suas funções.
Por outro lado, salvo melhor opinião não são os clubes que integram determinadas divisões ou escalões de competição, mas as suas equipas, sendo certo que os clubes podem ter, e muitos têm, equipas a competir nas diversas divisões e em diversos escalões.
Acresce que a aceitar-se a interpretação propugnada pelo autor, num clube que tivesse uma equipa de futebol na ... Liga, todos os treinadores, independentemente das divisões e escalões em que estivessem integradas as equipas em que exercem funções, teriam a mesma retribuição mínima, resultado que não corresponde àquele que se encontra expresso (ainda que imperfeitamente) pela cláusula em referência.
Por conseguinte, tal como na sentença, conclui-se que o autor, exercendo as funções de treinador adjunto integrado na equipa B, nos primeiros três contratos e na equipa de sub 23 nos três últimos, tinha direito a receber a retribuição mínima correspondente a metade da retribuição mínima prevista para o treinador principal da ... Liga, na qual se integram as mencionadas equipas, como ficou provado.
O autor tinha assim, direito à retribuição mínima mensal correspondente a dois salários mínimos, tal como foi considerado na sentença sob recurso, à qual apenas há que fazer uma correção quanto às diferenças devidas no ano de 2016 que, tal como invocado pela ré, decorre da alteração da matéria de facto na parte relativa aos períodos de vigência dos contratos.
Com efeito, o primeiro contrato que vigorou entre as partes produziu os efeitos desde 01/07/2015 até 30/06/2016, tendo o autor recebido nesse período a retribuição de €1.000,00.
O segundo contrato produziu efeitos desde 01/07/2016 até 30/06/2017, tendo o autor recebido nesse período a retribuição de €1.500,00.
Assim, sendo a retribuição mínima mensal garantida em 2016 de €530,00 e a retribuição devida ao autor de €1.060,00 (€530,00 x 2), tendo o autor recebido, de janeiro a junho, não até julho como se refere na sentença, a retribuição mensal de €1.000,00, apura-se uma diferença mensal de €60,00, tendo o autor direito relativamente a esse período de 2016, ao total de €360,00 (€60,00 x 6 meses).
Em Julho de 2016, na vigência do segundo contrato, a retribuição contratada e paga foi de €1.500,00, pelo que nada é devido ao autor a título de diferença salarial.
As diferenças salariais devidas ascendem, assim, a um total de €410,00, sendo €50,00 referentes a 2015 e €360,00 referente a 2016.
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5.ª questão: se o autor tem direito aos subsídios de férias e de Natal (recurso da ré).
O autor, alegando nunca ter recebido qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal, reclamou o pagamento da totalidade do seu valor por referência a todo o período em que esteve vinculado à ré.
A ré, por sua vez invocou a prescrição de tais créditos relativos aos cinco primeiro contratos e alegou que o autor não tem direito a qualquer quantia a esse título por ter sido acordado o pagamento de uma quantia anual global que englobou todas as quantias devidas pela época desportiva.
Nos termos da cláusula 32.ª do CCT aplicável:
«1 - Os treinadores têm direito a receber um subsídio de férias e de natal equivalente à remuneração base mensal, salvo se o período de prestação de trabalho for inferior a uma época, caso em que o montante do subsídio será correspondente a dois dias e meio por cada mês de trabalho efectivamente prestado.
2 - Salvo acordo das partes, o subsídio de férias é pago no início do período de gozo das férias ou, quando interpoladas, no início do 1.º período de gozo, sendo o subsídio de Natal pago até ao dia 15 de Dezembro.»
Ficou provado que a Ré nunca pagou ao Autor qualquer valor com a designação de subsídios de férias e de Natal.
Por outro lado, no primeiro contrato celebrado entre as partes que vigorou de 01/07/2015 até 30/06/2016 não foi contratado pagamento de qualquer quantia global ou anual, mas a quantia ilíquida mensal de €1.000,00, pelo que, na falta de quaisquer outros factos provados, não pode proceder a tese da ré.
Nos restantes contratos foi sempre acordado o pagamento de uma quantia anual (no segundo contrato de €12.000,00 e nos restantes de €18.000,00) a pagar em 12 prestações, mensais, iguais e sucessivas.
O facto de ter sido acordado o pagamento de uma quantia anual não permite, na falta de quaisquer outros elementos, concluir que tal quantia se destinava a pagar também os subsídios de férias e de Natal, sendo certo, além do mais, que a ré nem sequer aceitou na contestação que os contratos fossem contratos de trabalho, considerando antes que eram contratos de prestação de serviço, caso em que nem seriam devidos os ditos subsídios.
É certo quer, como alega a ré, nos termos do art.º 15.º, n.º 4 da lei 54/2017 de 14/07 “As partes no contrato de trabalho desportivo podem decidir fracionar o pagamento das retribuições dos meses de junho e julho e dos subsídios de Natal e de férias, em número nunca inferior a 10 prestações, de montante igual, pagas com a retribuição dos restantes meses.”
Mas esse acordo não resulta dos contratos, nem de qualquer outra matéria que tenha ficado provada.
Por fim, a vingar a tese da ré quanto à inclusão dos subsídios de férias e de Natal no montante da retribuição anual acordado com o autor, então a retribuição mensal paga ao autor a considerar para o cálculo das diferenças salariais reclamadas, não seria de €1.000,00 e €1.500,00 mas de €857,14 na época de 2015/2015 e de €1.285,71 nas épocas seguintes, o que nenhuma das partes sequer defendeu.
Inexistem assim, do nosso ponto de vista, motivos para considerar que na retribuição anual paga pela ré ao autor estavam incluídas as quantias devidas a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
No que respeita ao valor devido, nada mais foi impugnado além do cálculo do subsídio de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato nesse ano, entendendo a ré que apenas devem ser considerados 6 meses ao contrário dos 7 meses atendidos na sentença recorrida.
Tem razão.
De facto, não tendo sido postos em causa os demais valores devidos, nem o modo como foram calculados por referência a um único contrato, a quantia apurada referente ao ano de 2021, terá de ser retificada em consequência da alteração introduzida na matéria de facto provada quanto ao período de vigência do contrato, sendo que o último cessou em 30/06/2021.
Nessa medida, o valor devido a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal deverá ser contabilizado por referência a seis meses e não a sete, reduzindo-se, assim, o seu valor para €750,00 cada.
Consequentemente, procedendo o recurso da ré nesta parte, reduz-se o valor devido a título de subsídio de férias e de Natal para o total de €18.439,92.
Em conclusão, o recurso do autor improcede integralmente e o recurso da ré procede parcialmente.
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Decisão
Por todo o exposto acorda-se:
I – julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo autor;
II – aditar oficiosamente ao ponto 24 dos factos provados a matéria acima consignada;
III – julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e, em consequência:
a) julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto provada, alterando-se a redação dos pontos 7, 24, 26 a 31, 35 e 41, nos termos acima consignados;
b) revogar parcialmente a al. a) do dispositivo da sentença, declarando, em sua substituição que os contratos celebrados entre AA e ZZ, SAD em 31 de julho de 2015, 26 de julho de 2016, em 01 de julho de 2017, 14 de agosto de 2018, 1 de julho de 2019 e 01 de julho de 2020 são contratos de trabalho;
c) revogar parcialmente a al. b) do dispositivo da sentença, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de 410,00 (quatrocentos e dez euros) a título de diferenças salariais e a quantia global de € 18 439,92 (dezoito mil quatrocentos e trinta e nove euros e noventa e dois cêntimos) a título de subsídios de férias e de subsídios de Natal;
d) manter, no mais, a sentença recorrida.
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Custas em ambas as instâncias por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos – art.º 527.º do Código de Processo Civil.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Notifique.
Lisboa, 05/06/2024
Maria Luzia Carvalho
Francisca Mendes
Maria José Costa Pinto
(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
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1. Acessível em www.dgsi.pt (Relator Bettencourt de Faria).
2. Nas contra-alegações ao recurso do autor a ré alega que «(…) apesar de a R., em sede de Contestação, por mero lapso, ter indicado que a equipa de Sub-23 pertencia à ... Liga. Certo é que o Tribunal não está vinculado à alegação das partes, em matéria de Direito, podendo e devendo aplicar correctamente a Lei, neste caso, a regulamentação desportiva (aliás, crê-se que o Tribunal deu conta do referido lapso, na medida em que considerou como retribuição mínima 2 (dois) salários mínimos nacionais, “atenta a aceitação da Ré” – cfr. pág. 30 da sentença», pretendendo agora que, ao contrário do seu entendimento expresso na contestação, apenas era devido ao autor no âmbito dos três últimos contratos a retribuição correspondente a um salário mínimo.
Ora, não só a questão não é uma questão de direito, mas uma questão de facto que, de resto, a ré alegou em sede e momento próprios, como a ser uma questão de direito, deveria ter sido suscitada pela ré em sede de ampliação do objeto do recurso ao abrigo do art.º 636.º, n,º 1 do Código de Processo Civil, o que não fez, nem subsidiariamente.
3. Veja-se, entre outros, o Ac. STJ de 25/06/2015 (Relator Fernandes da Silva), citado na sentença, e a jurisprudência e doutrina nele citadas, acessível em www.dgsi.pt.
4. Leal Amado, Contrato de Trabalho Desportivo. Lei 54/2017, de 14 de Julho, Anotada, Coimbra, 2017, pág. 56 e segs.
5. Tratado de Direito do Trabalho, Parte IV – Contratos e Regimes Especiais, pág. 459
6. Cfr. Ac. RL de 26/05/2021, acessível em dgsi.pt. (Relatora Manuela Fialho), subscrito pela aqui 1.ª adjunta, cuja fundamentação, ainda que referindo-se a uma situação de contratos a termo intervalados por curtos períodos, tem aqui inteira aplicação.
7. Acessível em www.dgsi.pt (Relator Ramalho Pinto).