Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
475/22.7T8MFR.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: RECURSO
CUSTAS
RESPONSABILIDADE
CRITÉRIO DO DECAIMENTO
CRITÉRIO DO PROVEITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Os actos praticados no âmbito de um processo podem ser vistos:
a) como trâmite (acto pertencente a uma tramitação processual ou momento em que deve ou pode ser praticado nessa tramitação); 
b) como acto do tribunal ou da parte (como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, em que o que releva é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter).
II – Nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil verifica-se uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação, ou seja, aquela reporta-se ao acto como trâmite (como ocorre – por influir decisivamente no processo – quando se profere uma decisão a considerar deserta a instância por falta de impulso processual da Autora, na sequência de ser conhecido o falecimento de uma das Rés e ter sido suspensa a instância até à decisão do incidente de habilitação de sucessores, sendo que a dita Autora deduziu tal incidente, comprovando-o com a respectiva referência CITIUS, mas, por razões não explicadas, não foi nem incorporado nos autos, nem surge inserto no CITIUS).
III – As custas do recurso ficam a cargo da Autora, apesar da sua procedência, quando os Recorridos não estiveram na origem da decisão proferida, não apresentaram contra-alegações, não sendo possível funcionar o critério do decaimento, havendo que relevar o do proveito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[1]

Relatório
M veio intentar a presente acção de divisão de coisa comum, contra A e J, para por termo à compropriedade do prédio rústico composto de cultura arvense, com a área de 2.731m2, sito em M---, limites do lugar ---, da freguesia da ---, confrontando a norte com ---, a sul com ---, a nascente com caminho publico e a poente com caminho particular e outra, o qual constitui a restante parte do prédio inscrito na matriz cadastral sob o artigo …, secção D e descrito na Conservatória do Registo Predial de --- sob o número ---.
I e N, vieram requer a sua admissão como partes principais, em substituição da Ré A por ter falecido a 27/10/2020 (suscitando Incidente de Intervenção Principal Espontânea), sendo que a Ré J lhes cedeu gratuitamente e por escritura o seu quinhão hereditário (assim se tornando parte ilegítima).
A Autora-Recorrente apresentou a 21/09/2022 requerimento (Referência Citius 21796179) no sentido da continuidade da tramitação da acção, uma vez que os intervenientes já tinham procedido à escritura de Habilitação de Herdeiros atento o falecimento da Ré A, estando assegurada a sua legitimidade para sucederem às RR. demandadas, tudo nos termos dos artigos 269.º, n.º 1, alínea a), 351., n.º 2 e 353.º, todos do CPC.
A 27 de Outubro de 2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho:
“Encontra-se documentado o óbito da 1.ª R..
Assim, ao abrigo dos artigos 269.º, n.º 1, alínea a) e 270.º, n.º 1, primeira parte do Cód. Proc. Civil, suspendo a presente instância até ao momento em que for, se o for, notificada a sentença a proferir no âmbito do respectivo incidente de habilitação de sucessores, nos termos do artigo 276.º, n.º 1, alínea a) do diploma legal em referência”.
Tal decisão foi notificada a à Autora a 04/11/2022 (Referência Citius 140625988).
A 05 de Dezembro de 2023 o Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho:
“Por despacho de 27.11.2022, foi a instância suspensa ao abrigo dos artigos 269.º, n.º 1, alínea a) e 270.º, n.º 1, primeira parte, ambos do Cód. Proc. Civil, cuja expedição de notificação encontra-se certificada como realizada no dia 4 de Novembro do mesmo ano.
Atendendo a que no passado dia 04.05.2023 completaram-se seis meses após a data em que o despacho de acima referido, pelo qual se informava que os autos aguardariam o devido impulso processual, se deve ter por notificado (cfr. artigo 248.º do Cód. Proc. Civil), sem que tenha o incidente de habilitação de sucessores do R. sido devidamente impulsionado, ao abrigo do disposto nos artigos 138.º, n.º 1, parte final, 276.º, n.º 1, alínea a), 281.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 277.º, alínea c), todos do Cód. Proc. Civil, declaro a presente instância deserta e, consequentemente, extinta”.
Tal decisão foi notificada à Autora a 07/12/2022 (Referência Citius 147976673).
A 05 de Janeiro de 2024, a Autora-Recorrente apresentou um requerimento no qual referiu que:
i. A R. foi notificada da sentença-surpresa que extingue a instância por falta de impulso processual, designadamente, pela omissão de dedução do incidente de Habilitação de Herdeiros no prazo de 6 meses e um dia;
ii. Estando em preparação o pertinente recurso de apelação atenta a omissão de despacho com a advertência à parte para a necessidade de exercício do seu impulso processual, com o alerta para a consequência da sua falta ao determinar-se que a notificação (do despacho) se faça «com a expressa advertência de que os autos aguardam o decurso do prazo previsto no art.º 281.º n.ºs 1 e 3 do C.P.C.»-veja-se Ac. Da Relação do Porto de 10.12.2019, Proc. 21927/15.0T8PRT.P1-;
iii. Constatou que há cerca de um ano, mais propriamente a 25 de Janeiro de 2023, tal impulso processual foi tempestivamente deduzido e entregue nos autos como comprova o registo da sua entrega-vide comprovativo ora junto;
iv.Não subsiste qualquer fundamento de facto ou de direito que possa ser assacado à requerente que persiste na sentença, o qual ainda não transitou, devendo, por este motivo ser dada sem efeito e os autos prosseguirem a sua tramitação normal”.
Com este Requerimento, a Autora juntou um comprovativo de entrega de peça processual (Referência Citius 44448394 – 25 de Janeiro de 2023, 15h 30m) referente a um incidente de habilitação de herdeiros contra I e N (incluindo documentos).
A 15 de Janeiro de 2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho:
“Para além de muito espantar a signatária que afirme a A., através do seu Ilustre Mandatário, a surpresa da decisão de deserção, pois seguramente conhecerá o que dispõe o artigo 281.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, não corresponde de todo ao iter processual que tenha sido suscitado o incidente de habilitação de sucessores que se impunha face à verificação do óbito da R. A.
Na verdade, após o despacho proferido a fls. 51, nada foi requerido ou solicitado, sendo manifesto que o requerimento que o precedeu, não constitui instrumento suficiente para iniciar o incidente em apreço – doutro modo, este Tribunal teria dele conhecido -, já que no mesmo o que se solicita a dispensa desse mesmo incidente, o que é manifestamente impossível.
Donde, nada a ordenar”.
É desta e da Decisão de 05 de Dezembro de 2023, que a Autora apresentou Recurso, juntando as suas Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões:
“1. Em contestação à acção de divisão de coisa comum instaurada pela Autora vieram os intervenientes I e N suscitar a sua Intervenção Espontânea e documentando o óbito da co-Ré A, pugnar pela sua legitimidade processual.
2. Tendo aqueles instruído a contestação com certidões de óbito e escritura(s) de Habilitação de Herdeiros, veio a recorrente, por requerimento de 21.09.2022 requerer a continuidade dos autos, sem suspensão, nos termos dos artigos 269.º/1, alínea a), 351.º/2 e 353.º do CPC, mais requerendo a sua notificação para responder ao Incidente de Intervenção caso este fosse admitido.
3. Por notificação de 07.11.2022, a A. toma conhecimento do despacho com o seguinte teor:
“Encontra-se documentado o óbito da 1.ª R..
Assim, ao abrigo dos artigos 269.º, n.º 1, alínea a) e 270.º, n.º 1, primeira parte do Cód. Proc. Civil, suspendo a presente instância até ao momento em que for, se o for, notificada a sentença a proferir no âmbito do respectivo incidente de habilitação de sucessores, nos termos do artigo 276.º, n.º 1, alínea a) do diploma legal em referência.
4. Sem resposta ao requerimento de 21.09.2022, em 25.01.2023, a A instaura Incidente de Habilitação de Herdeiros, a correr por apenso aos autos principais, liquidando a taxa de justiça competente, conforme documento que se junta.
5. Em 11.12.2013 a A. é notificada do despacho que extingue a instância por deserção uma vez que, decorrido o prazo previsto no art.º 281.º do CPC, não foi dado o competente impulso processual, designadamente, pela dedução da Habilitação de Herdeiros.
6. Em 05.01.2024 a A. completamente surpreendida com esta decisão alerta os autos por requerimento e por telefonema que instaurara em tempo, o competente Incidente, juntando-o com o comprovativo de entrega de peça processual disponibilizado por meio electrónico.
7. Por despacho de 19.01.2024 o Tribunal a quo entende nada ter a ordenar, não compreendendo como a deserção e seus efeitos possa ter sido uma surpresa(!), mais parecendo referir-se ao requerimento de 21.09.2022.
8. O Tribunal a quo não de pronunciou sobre a junção do Incidente, comprovativo de entrega, taxa liquidada…
9. Mas do elenco da factualidade demonstrada, a A. demonstrou que impulsionou tempestivamente os autos, com recurso ao meio disponível para o efeito-sistema Citius.
10. A A. recorrente está na posse de um comprovativo de entrega de uma peça processual, com o requerimento e seus documentos, e não do comprovativo da saída; ressalve-se que o meio electrónico disponível para as partes entregarem as suas peças e sob o qual não possuem qualquer controlo, certifica a entrega e não outra coisa.
11. Alertado, poderia ainda, o Tribunal a quo rectificar, oficiosamente, o lapso material constatado, nos termos do disposto no art.º 614º/1 do CPC a qual pode ocorrer a todo o tempo e dar sem efeito a deserção, ordenando o normal
prosseguimento dos autos, atenta o Incidente de Habilitação de Herdeiros deduzido e averiguar a razão de ali não se encontrar apenso.
12. Ao invés, insiste em erro de julgamento quando se verifica que não existe uma situação de negligência da parte de quem tinha o ónus de impulsionar o processo.
13. O Tribunal a quo violou o seu dever de gestão processual (art.º 6.º do CPC) e o princípio da cooperação (art.º 7.º do CPC)
14. A falta de pronúncia sobre o requerimento de 21 de Setembro; a falta de pronúncia sobre o requerimento de 5 de Janeiro p.p., sobre um requisito do qual depende a deserção da instância, como o foi a junção do comprovativo da entrega desse mesmo Incidente impeditivo da deserção, e, portanto, de uma formalidade imposta por lei (art.º 3.º/3, do CPC), geram a nulidade dos despachos nos termos do disposto pelos artigos 195.º e 615.º/1, alínea d) do CPC.
15. A parte não pode ser prejudicada pela alegação da secretaria de não saber o que sucedeu ou “onde foi parar o incidente”; tal comportaria a insegurança e o caos se cada vez que os mandatários obtivessem os comprovativos de entrega electrónicos não houvesse a certeza da sua entrega no destino.
16. Nada na conduta da Autora pode ser sancionada com a extinção da instância.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência, revogar-se os despachos recorridos, substituindo-os por decisão que reconheça o tempestivo impulso processual da Autora e ordene a tramitação do Incidente de Habilitação deduzido, mesmo que, para tal tenham de ser accionados meios que expliquem se o desconhecimento do Apenso do Incidente pelo Tribunal a quo foi humano ou mecânico, designadamente recorrendo ao ITIJ, sempre salvaguardando a administração da justiça e gestão processual, assim se
fazendo a habitual Justiça!”

A 29 de Janeiro de 2024 a Autora-Recorrente juntou ainda um mail recebido do helpdesk do IGFEJ, com o seguinte conteúdo:



Não foram apresentadas Contra-Alegações.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[2]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar da correcção da decisão do Tribunal a quo no sentido da deserção da instância.
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Fundamentação de Facto
A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório.
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Fundamentação de Direito
Os presentes autos assentam num equívoco que importa desfazer de imediato.
A Decisão sob recurso baseia-se na falta de impulso processual por parte da Autora, por não ter deduzido um incidente de habilitação de herdeiros que, não constando – efectivamente – apresentado no CITIUS, também efectivamente se mostra comprovado documentalmente tê-lo sido (cfr. o comprovativo de entrega de peça processual - Referência Citius 44448394 – junto com o Requerimento de 05 de Janeiro de 2024 e resposta do helpdesk do IGFEJ junta a 29 de Janeiro de 2024).
Por outro lado, o equívoco adensou-se, quando o despacho de 15 de Janeiro de 2024, em vez de relevar o requerimento de 05 de Janeiro e esclarecer a situação, ignora-o, parecendo reportar-se apenas ao apresentado a 21 de Setembro de 2022 (o que até poderia estar correcto, não fora a circunstância de a Autora ter comprovado a entrada em juízo de um incidente de habilitação de herdeiros, a 25 de Janeiro de 2023…).
Por aqui se constata, assim, que a decisão que considerou a deserção da instância (independentemente de estar ou não correcta, pela inexistência de prévia advertência ou sinalização para essa consequência[3]), está necessariamente inquinada de nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil.
A este propósito convocam-se as relevantes considerações expostas no texto que Miguel Teixeira de Sousa publicou no Blog do IPPC, a 18 de Abril de 2018, intitulado “O que é uma nulidade processual?”[4]:
“1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões.
Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).
2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
-- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
-- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação.
Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
3. Do disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte.
O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual.
Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art.º 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art.º 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC);
 - As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art.º 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art.º 186.º a 202.º CPC.
4. Em conclusão:
-- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;
-- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC”.
Continuando a abordar a matéria, em Setembro de 2020[5], o mesmo Autor, sistematizou e consolidou ideias, expondo o seguinte:
“O CPC trata das nulidades processuais nos art.º 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art.º 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art.º 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença?
A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite.
Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art.º 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é.
A nulidade processual decorrente do disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art.º 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art.º 195.º, n.º 1, CPC.
Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art.º 615.º, n.º 1, CPC.
O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art.º 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC”.
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In casu, a situação tem que ver com uma Sentença a decretar a deserção da Instância por falta de impulso processual da Autora (dedução de incidente de habilitação de herdeiros), sendo certo que não foi considerado, porque na altura não havia disso constância nos autos, tal impulso tinha ocorrido logo em Janeiro de 2023.
Ou seja, estamos diante de uma Sentença proferida em momento processualmente desadequado, por não ter sido apreciado o incidente de habilitação de herdeiros, nem dele terem sido tiradas quaisquer consequências.
Trata-se da omissão de uma decisão, de acto(s) como trâmite, que impedem que a Sentença possa continuar a ter validade processual, uma vez que – como é evidente – a nulidade produzida influi decisivamente no exame ou decisão da causa (tal como exige a parte final do n.º 1 do artigo 195.º).
O recurso tem, deste modo, de ser julgado procedente, e anulado o processado que se segue à data de entrada em juízo do requerimento de 25 de Janeiro de 2023, onde foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros.
Nessa sequência, o Tribunal, depois de averiguar e esclarecer o que ocorreu, haverá de fazer juntar aos autos o dito Requerimento de 25 de Janeiro (apurando responsabilidades, para procurar obviar a repetição deste tipo de incidentes) e deverá dar-lhe o seguimento processual adequado.
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Da responsabilidade tributária
O recurso foi originado por uma decisão processual errada do Tribunal a quo, num processo em que os Embargantes ainda não tiveram intervenção.
O artigo 1.º do Regulamento das Custas Processuais é claro quando afirma que “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”, sendo que, como referem Abrantes Geraldes - Paulo Pimenta - Luís Filipe Pires de Sousa em anotação ao artigo 527.º do Código de Processo Civil, salvo “quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art.º 1.º do RCP)”[6].
Os artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, determinam que as decisões que julguem a ação, o incidente ou o recurso devem condenar no pagamento de custas a parte que lhes houver dado causa (considerada vencida e na respectiva proporção), sendo que, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Está a lei imbuída de dois princípios: o da Causalidade e, subsidiariamente, o do Proveito.
Quanto ao princípio da Causalidade, o pagamento da taxa de justiça previsto pelos artigos 529.º, n.º 2 e 530.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dá o mote no que concerne o impulso processual de uma parte (com a petição inicial, a contestação, o requerimento executivo, a petição de embargos de executado ou de terceiro, um requerimento de implementação de incidente ou de resposta, uma interposição de recurso ou uma apresentação de contra-alegações[7]).
Abordando esta matéria, o Juiz Conselheiro Salvador da Costa escreveu o seguinte: “Na base da referida responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas (a responsabilidade pelo pagamento das custas com base no princípio do proveito ocorre, por exemplo, nos processos especiais de inventário de partilha ou de divisão de coisa comum).
Grosso modo, a causalidade consubstancia-se na relação entre um acontecimento (causa) e um posterior acontecimento (efeito), em termos de este ser uma consequência daquele.
Considerando o disposto na primeira parte do n.º 1 deste artigo, o primeiro evento é determinado comportamento processual da parte e o último a sua responsabilização pelo pagamento das custas.
Nesta perspetiva, do referido princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos a parte a cujo comportamento lato sensu o ajuizamento do litígio seja objetivamente imputável.
A dúvida revelada pela doutrina e pela jurisprudência ao longo do tempo sobre quem devia ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais com base no princípio da causalidade levou o legislador a intervir por via da inserção do normativo que atualmente consta do n.º 2 do artigo, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, de que se entende sempre dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Consequentemente, o referido nexo de causalidade tem como primeiro evento o decaimento nas ações, nos incidentes e nos recursos, e o último na responsabilização pelo pagamento das custas de quem decaiu, conforme o respetivo grau.
Assim, a parte vencida nas ações, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.
Em suma, o recorrido que não acompanhou o recurso procedente interposto pela parte contrária é responsável pelo pagamento das custas nas suas vertentes de encargos, se os houver, e das custas de parte”[8].
E é com base nestas pertinentes considerações, que formula estas conclusões:
“1.ª – É responsável pelo pagamento das custas nos recursos a parte que lhes tenha dado causa;
2.ª – Dá causa às custas dos recursos a parte que neles ficar vencida na respetiva proporção;
3.ª – A circunstância de o recorrido não ter contra-alegado no recurso interposto pela parte contrária, que foi julgado procedente, não exclui a sua responsabilidade pelo pagamento das custas respetivas”.

Num texto posterior, datado de 22 de Outubro de 2020[9], o mesmo Autor reafirma o seu entendimento, quando refere que a parte recorrida não contra-alegou no recurso, “mas podia nele ter contra-alegado, opondo-se à pretensão do recorrente”, pelo que no “âmbito da relação jurídica processual relativa ao recurso”, se configura “como parte vencida, porque a decisão da Relação de procedência lhe é potencialmente desfavorável.
Face ao disposto no n.º 2 do artigo 527.º do mencionado Código, porque é parte vencida no recurso, apesar de neste não ter contra-alegado, (…) é responsável pelo pagamento das custas respetivas em sentido estrito.
As custas em sentido estrito relativas ao recurso abrangem os encargos que nele tenham ocorrido, nos termos dos artigos 529.º, n.º 3, e 532.º, e as custas de parte, estas em conformidade com o estatuído no artigo 529.º, 4, e 533.º, n.ºs 1 e 2, todos do supramencionado Código, e no artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
No caso vertente, porém, o recorrente nada despendeu no recurso a título de encargos, mas certamente que fez dispêndio a título de custas de parte nas vertentes previstas no n.º 3, alíneas a) e c), do artigo 26.º daquele Regulamento.
Face ao exposto, o segmento relativo às custas a expressar no acórdão em análise devia ter sido no sentido de condenação do recorrido B no pagamento das custas do recurso na vertente das custas de parte liquidandas”.
Neste texto, são as seguintes as conclusões tiradas:
“1.ª - O segmento condenatório “custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final” está negativamente afetado pelos vícios processuais de obscuridade e de falta de fundamentação.
2.ª - O nosso sistema de custas processuais não comporta a condenação no pagamento de custas do recurso na proporção do decaimento a apurar a final.
3.ª – Vencido no recurso, apesar de nele não ter contra-alegado, é o recorrido B sujeito da responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas em sentido estrito – sem a vertente da taxa de justiça.
4.ª – Como o recorrente nada despendeu no recurso a título de encargos, a responsabilidade do recorrido pelo pagamento de custas cinge-se à vertente das custas de parte liquidandas.
5.ª – O segmento relativo às custas do acórdão devia expressar: “Condena-se o recorrido no pagamento das custas do recurso, na vertente das custas de parte liquidandas”.
Directamente relevante para a apreciação que fazemos, merece referência expressa o Acórdão da Relação de Lisboa de 11-02-2021[10] (Processo n.º 1194/14.3TVLSB.L2-2 - Carlos Castelo Branco), onde, depois de se afirmar que da “conjugação do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, com o n.º 6 do artigo 607.º e com o n.º 2 do artigo 663.º, todos do CPC, conclui-se que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas, tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respetivo impulso processual”, e se sublinhar que de “acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual”, se fixou o entendimento segundo o qual “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”, sendo que, “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses” e havendo “um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, não funciona o critério da causalidade, atuando o princípio do proveito”, pelo que, não havendo isenção tributária, o recurso está sujeito a tributação - aspecto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas - não tendo “fundamento legal uma decisão que se expresse “sem custas””.
Todas estas considerações nos merecem concordância.
Todavia, a situação dos autos tem aspectos peculiares que impõem um tratamento próprio.
De facto, é claro que será responsável pelo pagamento das custas nos recursos a parte que lhes tenha dado causa e que dá causa às custas dos recursos a parte que neles ficar vencida na respectiva proporção e ainda que os/as Réus ainda nem sequer tiveram intervenção do processo (uma delas faleceu, foi deduzido incidente de intervenção espontânea e apresentado incidente de habilitação de herdeiros), não foram apresentadas contra-alegações, acrescendo que o recurso foi julgado procedente.
Mas também o é que:
- a acção ainda não foi decidida e vai prosseguir os seus termos processuais;
- tendo sido provido o recurso, vencendo-o (artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil), pelo critério do vencimento, não poderia a Autora ser objecto de custas do recurso;
 - os Réus e Intervenientes, por seu turno, sendo totalmente estranhos à situação que deu origem à decisão, não só são alheios à sorte do recurso, como nada dele beneficiam ou se prejudicam, não podendo considerar-se vencidos (impedindo assim o funcionamento do critério da causalidade, por a nada terem dado causa).
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Janeiro de 2019 (Processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1[11]- Micaela Sousa), quando “não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão.
Existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.º 1 do art.º 527º, n.º 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.
Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito).
Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução.
Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas.
Na situação sub judice, a apelante obteve vencimento na pretensão recursória que trouxe a juízo, ou seja, logrou obter a revogação do despacho que” considerou deserta a instância. “Como tal, a recorrente obteve provimento no recurso por si interposto, ou seja, obteve ganho de causa.
Enquanto vencedora, a recorrente não pode ser responsabilizada pela obrigação tributária, pois houve vencimento de causa.
Por sua vez”, os Réus e Intervenientes mantiveram-se alheios/as “à sorte do recurso. Não contra-alegou (faculdade concedida pelo art.º 638°, n.º 5 do CPC), nem tomou qualquer posição sobre a matéria apreciada na decisão recorrida”.
“Independentemente da existência ou inexistência de contra-alegação (cuja falta não produz qualquer efeito processual imediato e sem que seja legítimo atribuir-lhe o significado de concordância com a argumentação ou com a pretensão do recorrente (…)), o que releva determinar é se a parte dispositiva da decisão se reflecte negativamente na esfera jurídica da recorrida, ou seja, se o seu resultado efectivamente a desfavorece”.
Ora, não podemos dizer nem que os Réus e Intervenientes tenham saído vencidos[12], nem que a decisão os/as desfavoreça, uma vez que a sua situação é exactamente a mesma que tinham no início, tendo sido a decisão prolatada (e para o qual nada contribuíram, repete-se) a criar a situação presente.
Assim, e inexistindo norma que dispense tributação (em conformidade com o princípio geral de tributação ínsito no artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e com o artigo 527.º do Código de Processo Civil), embora com o presente recurso se tenha desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas e os Réus e Intervenientes não tenham dado origem à decisão recorrida, nem apresentado contra-alegações, não podem ser objecto de condenação em custas : quem recorreu “só em termos estritamente formais, obteve vencimento, já que este em nada afectou a posição de qualquer das outras partes do pedido, não nos parecendo pois, nem razoável, nem adequado, que tenha que suportar as custas quem não foi vencido nem deu causa ao recurso”[13].
Deste modo, fazendo funcionar o critério do proveito[14], ele coloca a Autora como a parte que fez movimentar a “máquina judiciária” e disso beneficiou, pelo que terá de ser a si que as custas caberão (sendo certo que se admite que o resultado final acabe por corresponder a uma situação de “Sem Custas”, mas, formalmente – e não só substancialmente – é o mais correcto).
Em conclusão e em face de tudo o exposto, no que à responsabilidade tributária respeita, as custas do Recurso ficarão a cargo da Autora.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, decide-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e determinando-se:
I - a anulação do processado posterior à entrada em juízo do Requerimento apresentado sob a Referência Citius 44448394 (de 25 de Janeiro de 2023, às 15h 30m);
II - seja apreciado o Requerimento referido em I; 
III - sejam efectuadas as necessárias diligências no sentido do apuramento do que sucedeu, a fim de se apurarem responsabilidades para a circunstância de o dito Requerimento não ter sido incorporado no processo e no Citius.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
*
Lisboa, 21 de Maio de 2024
Edgar Taborda Lopes
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[2] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[3] Vale a pena deixar constância do que escrito ficou no Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2023 (Processo n.º 16721/17.6T8LSB.L2-7-Luís Filipe Pires de Sousa [que é também 2.º Adjunto nos presentes autos]), no sentido de que:
“I. A decisão que declara a deserção da instância tem efeito declarativo e não constitutivo.
II. Do ponto de vista do tribunal, o princípio da cooperação impõe deveres de prevenção ou de advertência, deveres de esclarecimento, deveres de auxílio das partes e deveres de consulta das partes.

III. Por força do dever de prevenção do Tribunal, o juiz deve sinalizar – de forma clara – à(s) parte(s) que a respetiva inércia no que tange a um concreto impulso processual poderá desembocar na extinção da instância por deserção. Assim, caso ocorra o óbito de uma das partes, deve o juiz sinalizar em despacho que os autos aguardam que seja suscitado o necessário incidente de habilitação “sem prejuízo do disposto no Artigo 281º, nº1, do Código de Processo Civil”.
IV. A omissão do dever de gestão por parte do juiz integra uma nulidade processual porque o tribunal deixa de praticar um ato que não pode omitir (Artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil).
V. Todavia, «o que importa é atacar a decisão, e não o que deixou de ser realizado antes dela, e que o vício não é da decisão como trâmite processual, dado que esta foi proferida no momento adequado, mas antes da decisão como ato processual, porque ela tem um conteúdo inadmissível. Em concreto, trata-se de uma decisão nula por excesso de pronúncia, dado que conhece de matéria de que, nas condições em que o faz, não podia conhecer (art.º 615º, nº1, al. d), 666º, nº1, 685º)»”.
[4] Disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2018-04-19T07:00:00%2B01:00&max-results=12&start=163&by-date=false [consultado a 15/05/2024].
[5]Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, [em linha] texto publicado a 22 de Setembro de 2020, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2020/09/ [consultado a 11/12/2023].
Com interesse, sobre esta matéria, vide ainda, Luís Correia Mendonça, O Contraditório e a proibição das decisões-surpresa, [em linha] Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Ano 82 - Vol. I/II - Jan./Jun. 2022, páginas 185 a 239, disponível em https://portal.oa.pt/media/135588/luis-correia-de-mendonca.pdf [consultado a 15/05/2024].
[6] António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 601.
[7] Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
[8] Salvador da Costa, Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido, publicado no Blog do IPPC a 18 de Junho de 2020 e disponível em
 https://drive.google.com/file/d/1dCu40RNwIovXdGgHYFpHcSaL13rwlCf6/view [consultado a 26/12/2022].
Em sentido concordante, vd., por exemplo, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22/03/2022, 08/03/2022 (Processos n.ºs 10591/20.4T8SNT-B.L1-7 e 2214/04.5TBOER-D.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa) e 07/10/2021 (Processo n.º 5214/19.7T8FNC.L1-6-António Santos) e da Relação de Évora de 25/06/2020 (Processo n.º 769/12.0TBTVR-A.E1-Albertina Pedroso).
[9] Também publicado no Blog do IPPC (a 31/10/2020) - Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/4/2020 (Jurisprudência 2020 (77)) - e disponível em https://drive.google.com/file/d/1oc0UvAL2z8mzLXR-Vv2EtMAR7H7CfCiM/view [consultado a 15/05/2024].
[10] Acórdão que foi também publicado por Miguel Teixeira de Sousa no Blog do IPPC a 28/07/2021 (disponível em https://blogippc.blogspot.com/2021/07/jurisprudencia-2021-22.html [consultado a 11/03/2024]) e que segue de perto o Acórdão da mesma Relação e com o mesmo Relator, de 06/02/2020 (Processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2-Carlos  Castelo Branco).
[11] Disponível em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5566&codarea=58 [consultado a 11/03/2024].
[12] Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/1997 (Processo n.º 97S079 - Matos Canas), ‘vencidos’ "são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas”.
Também nos Acórdãos da Relação de Lisboa 11/02/2021 (Processo n.º 1194/14.3TVLSB.L2-2 - Carlos Castelo Branco) e 06/02/2020 (Processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2 - Carlos Castelo Branco), se assinalou que nos “casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no princípio da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial. (…)
Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão”.
[13] Nesta mesma linha, o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/2018 (Processo n.º 128/15.2T9CDN.C2 - Heitor Vasques Osório) tece considerações que temos como pertinentes e adaptáveis à situação dos presentes autos: “Parece-nos, assim, inquestionável que nos autos, relativamente ao recurso decidido pelo acórdão (…), há um vencedor mas não há um vencido.
Nesta situação, à luz dos critérios referidos, o vencedor, precisamente porque obteve vencimento, não pode ser responsabilizado pelas custas precisamente porque a existência de vencimento afasta o princípio do princípio do proveito processual. E qualquer outra parte – contrária ou não –, precisamente porque não é parte vencida, não pode ser responsabilizada pelas custas, já que não se verifica o princípio da causalidade.
Como resolver então a questão, sabido que, como resulta do disposto no art.º 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, são devidas custas pelo recurso? (…)
No acórdão da R. de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011, processo nº 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, in www.dgsi.pt, no qual a recorrente suporta a sua argumentação, escreveu-se, «Se a decisão permitir encontrar um vencedor, mas não um vencido, a dívida de custas deve ser distribuída à semelhança daquelas que sejam devidas pelo próprio processo, acrescendo aquelas a estas – é o que se chama responsabilidade pela parte vencida a final». Acontece que a questão decidida neste acórdão tinha por objecto uma decisão interlocutória, o que não sucede nestes autos.
Por outro lado, no mesmo acórdão da R. de Lisboa também se lê, «Se, nem no final, for possível descobrir quem seja o vencedor e o vencido no processo, é a quem tomou a iniciativa de desencadear o funcionamento da máquina judiciária – em regra, o autor – que se deve reconhecer a dívida de custas», reconhecendo-se, ainda que a título excepcional, a possibilidade de ter que suportar a dívida de custas determinada pelo procedimento judicial quem o desencadeou, ainda que tenha obtido vencimento.
Ora, in casu, ainda que a recorrente tenha obtido vencimento no recurso, para além do que supra se deixou dito, não vemos que objectiva vantagem obteve com ele, sendo certo que desencadeou o respectivo procedimento.
Por outro lado, não sendo recurso que tenha tido por objecto decisão interlocutória, não poderiam as custas respectivas ficar a cargo da parte vencida a final, no sentido defendido pela recorrente.
Pelas sobreditas razões, entendemos estar-se perante uma situação em que, excepcionalmente, deve suportar as custas quem lançou mão do procedimento recursivo, precisamente porque, só em termos estritamente formais, obteve vencimento, já que este em nada afectou a posição de qualquer das outras partes do pedido, não nos parecendo pois, nem razoável, nem adequado, que tenha que suportar as custas quem não foi vencido nem deu causa ao recurso, tanto mais que é apenas um remédio para colmatar os erros da decisão e não, um meio de refinamento jurisprudencial (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo penal, 6ª Edição, 2007, Editora Rei dos Livros, pág. 25) pelo que, que deve manter-se a decidida condenação quanto a custas”.
[14] À pergunta “dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?” respondem os já citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/02/2021 e 06/02/2020, que não podendo, em face do que dispõem os artigos 527.º e 607.º, n.º 4, do CPC, decidir-se por uma ausência de responsabilidade (“sem custas”) - que seria ilegal por corresponder a “uma isenção tributária não prevista na lei” (sendo preliminar assumir-se que o recurso “está sujeito a tributação”) – “deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso (que, no caso, não se compreenderia) – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável.
Funciona, pois, o critério do proveito (…)”.