Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RENDAS FIADOR NOTIFICAÇÃO DA MORA SUBSTITUIÇÃO PELA CITAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A notificação do fiador a que aludem os n.ºs 5 do art.º 1041.º do CC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, deve fazer-se desde a primeira mora e se, após a notificação, se cumularem outras rendas que continuem em falta, deverá dar-se imediatamente conta da dívida acumulada. 2. Assim, nos termos daqueles normativos, caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação. 3. Num caso em que o senhorio não efetuou à ré fiadora a notificação exigida pelo n.º 5, não pode, conforme decorre do n.º 6, exigir dela a satisfação dos direitos de crédito invocados na presente ação; 4. (...) carecendo de qualquer fundamento a argumentação de que: - «a ausência notificação à fiadora, não afasta a relevância da citação desta (...), considerando-se realizada a necessária notificação da fiadora com esta citação, sendo-lhe exigível as rendas vencidas e não pagas nos 90 dias anteriores à citação»; - «(...) pese embora, seja necessária a notificação dos fiadores no prazo de 90 dias, tal notificação deve considerar-se realizada com a citação, pois com este ato a Ré fiadora toma conhecimento das rendas que estão em dívida e respetivos montantes, cumprindo-se a finalidade contida no art.º 1041º nº 5, que é evitar o alargamento da responsabilidade decorrente da mora». 5. A procedência de uma tal da argumentação tornaria, com inacreditável singeleza, absolutamente inúteis os normativos contidos nos n.ºs 5 e 6 do art.º 1041.º do CC, reduzindo-os a insignificante letra morta. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: JG intentou a presente ação declarativa contra IR e LR, alegando, em suma, que é dono da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta ___, União das Freguesias de ____, concelho de ____, descrito na Conservatória do Registo Predial do ____ sob o nº __, e inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º __. No dia 21 de maio de 2021, o autor declarou dar de arrendamento à 1.ª ré, que declarou tomá-la de arrendamento, a fração autónoma acima identificada, com efeitos a 1 de junho seguinte, pela renda mensal de €525,00. A 2.ª ré assumiu, solidariamente com a 1.ª ré, o cumprimento de todas as cláusulas do contrato de arrendamento, seus aditamentos e renovações, até efetiva restituição do locado, livre de pessoas e de bens. No mês de janeiro de 2022, a 1.ª ré apenas liquidou parcialmente a renda, permanecendo em dívida a quantia de €125,00, sendo que, desde então deixou de proceder ao pagamento da renda a que se vinculou. Encontram-se em dívida as rendas vencidas e não pagas desde janeiro de 2022 até à data da instauração da ação, no montante de €1.700,00. O autor conclui assim a petição inicial: «Nestes termos e nos mais de Direito, (...), deverá a presente ação ser julgada procedente por provada e consequentemente: a) Ser declarada a resolução judicial do contrato de arrendamento, ordenando-se o despejo imediato da 1ª R. da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta ____, concelho de ____, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo __ e descrito na Conservatória do Registo Predial do ____ sob o nº __; b) Serem as R.R. condenadas a entregar o referido prédio urbano livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação; c) Serem as R.R. condenadas solidariamente no pagamento das rendas vencidas até à presente data, no montante de €1.700,00 e nas rendas que se vierem a vencer até à entrega efectiva do locado, bem como no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento de cada uma das rendas até efectivo e integral pagamento.» * Apesar de pessoal e regularmente citadas para os termos da ação, as rés não contestaram. * Na subsequentemente tramitação dos autos foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Pelo exposto, e conforme disposições legais acima citadas, decido julgar parcialmente procedente à presente ação e, em consequência: a. Declaro resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré IR, referente à fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta ____, União das Freguesias ____, concelho do ____, inscrito na matriz predial urbano sob o artigo __ da União de Freguesias ____ e descrito na Conservatória do Registo Predial do ____, freguesia de Paio Pires sob o n.º __. b. Condeno a Ré IR a proceder à entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens ao Autor, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença. c. Condeno a Ré IR a proceder ao pagamento da quantia de €1.700,00 (mil e setecentos euros), correspondente às rendas vencidas no período de janeiro a abril de 2022, e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das referidas obrigações até efetivo e integral cumprimento. d. Condeno a Ré IR a proceder ao pagamento da indemnização, devida, nos termos do disposto no artigo 1045.º, n.º 1, do Código Civil, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até a data da entrega efetiva do locado livre de pessoas e bens, no montante correspondente à renda - €525,00 mensais – acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações que integram a obrigação, até efetivo e integral cumprimento. e. Absolvo a Ré LR dos pedidos contra si formulados. f. Condeno a Ré IR no pagamento das custas do processo, por a elas ter dado causa, sem prejuízo da isenção de que beneficia.» * Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações: «1. O presente recurso tem por objeto parte da sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, com a qual o Apelante não se conforma, que julgou a ação parcialmente procedente. 2. O Tribunal a quo condenou a Ré IR a proceder ao pagamento da quantia de €1.700,00, correspondente às rendas vencidas no período de Janeiro a Abril de 2022, e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das referidas obrigações até efetivo e integral cumprimento. 3. Ao proceder desta forma incorreu em omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre as rendas que se venceram na pendência da acção de despejo, excluindo as rendas vencidas no período de Maio a Dezembro de 2022, pese embora o A. tenha pedido a condenação das Rés no pagamento das rendas que se vencessem até à efectiva entrega do imóvel. 4. Refere a douta decisão que “nos termos do artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o arrendatário contínua obrigado a pagar as rendas não só na pendência da ação, como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença”. 5. Contudo, quer no dispositivo quer na sua fundamentação, apesar de dar como provado o não pagamento das rendas desde Janeiro até à data em que foi proferida sentença, a douta decisão não condena a Recorrida no pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção. 6. O Meritíssimo Juiz não se pronuncia sobre questões submetidas à sua apreciação, pelo que ocorre omissão de pronúncia, de acordo com o previsto no art.º 608º nº 2 do CPC, e consequentemente a nulidade da sentença. 7. Atento o exposto, a douta sentença, violou o disposto no art. 615º nº 1 d) e art.º 608º nº 2 do Código Processo Civil. 8. Entendeu o douto Tribunal a quo que o autor não provou que procedeu a notificação do fiador nos termos do preceituado no artigo 1041.º, n.º 5 e 6 do Código Civil, pelo que não pode exigir daquele a satisfação dos seus direitos de crédito, absolvendo a Ré fiadora dos pedidos. 9. Entende o recorrente que a ausência da comunicação/notificação da fiadora, não afasta a relevância da citação desta que ocorreu nos presentes autos, considerando-se realizada a necessária notificação da fiadora com esta citação, sendo-lhe exigível as rendas vencidas e não pagas nos 90 dias anteriores à citação. 10. A exigência de notificação prévia dos fiadores, para que lhes possa ser exigido o pagamento das rendas, consagrada no art.º 1041º nº 5 do Código Civil, tem por fim evitar que estes sejam surpreendidos e injustamente prejudicados pela inércia do devedor principal/arrendatário, que deixa acumular rendas, agravando assim a situação, sem o seu conhecimento, podendo depois ser confrontados com várias rendas em dívida. 11. Pese embora, seja necessária a notificação dos fiadores no prazo de 90 dias, tal notificação deve considerar-se realizada com a citação par, pois com este acto a Ré fiadora toma conhecimento das rendas que estão em dívida e respectivos montantes, cumprindo-se a finalidade contida no art.º 1041º nº 5, que é evitar o alargamento da responsabilidade decorrente da mora. 12. É este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, em circunstâncias idênticas, quanto à interpelação do fiador, num contrato de mútuo, conforme Acórdão de 14-10-2021, proc. nº 475/04.9TBALB-A.P1.S1(Vide in www.dgsi.pt) assim como do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-03-202, proc. nº 1366/18.1T8AGD-B.P1 (Vide in www.dgsi.pt). 13. Atento o exposto, a citação operada nos presentes autos a 24-05-2022, constitui notificação bastante nos termos e para os efeitos previsto no art.º 1041º nº 5 do Código Civil, tornando exigíveis as rendas vencidas nos 90 dias anteriores à sua citação. 14. A douta sentença recorrida violou o disposto no art.º 1041º nº 5 e 6 do Código civil, ao não fazer a sua correcta interpretação e aplicação (art.º 674º nº 1 a) do Código de Processo Civil). 15. Perante o exposto, deverá proceder-se à alteração da sentença proferida nos seguintes termos: c. Condenar a Ré IR a proceder ao pagamento da quantia de €1.700,00 (mil e setecentos euros), correspondente às rendas vencidas no período de Janeiro a Abril de 2022, da quantia de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros) correspondente às rendas vencidas na pendência da acção e nas rendas que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das referidas obrigações até efetivo e integral cumprimento. e. Condenar a Ré LR a proceder ao pagamento da quantia de €1.050,00 (mil e cinquenta euros), correspondente às rendas vencidas no período de Março a Abril de 2022, da quantia de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros) correspondente às rendas vencidas na pendência da acção e nas rendas que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das referidas obrigações até efetivo e integral cumprimento. f. Condenar as Rés no pagamento das custas do processo, por a ela terem dado causa, sem prejuízo da isenção de que beneficia.» Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.»[1]. No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório: «Termos em que V. Exas concedendo provimento ao presente recurso e alterando a douta decisão proferida nos termos pugnados nas presentes alegações, Farão inteira JUSTIÇA!» * Não foram apresentadas contra-alegações. *** II – ÂMBITO DO RECURSO: Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art.º 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[2]), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso. Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art.º 635.º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo” (cfr. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º). Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663.º, n.º 2). À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se a sentença recorrida: - é nula por omissão de pronúncia; - violou o disposto no art.º 1041.º, n.º 5, do CC, ao não condenar a 2.ª ré, na qualidade de fiadora, solidariamente com a 1.ª ré, no pagamento das quantias peticionadas. *** III – FUNDAMENTOS: 3.1 – Fundamentação de facto: 3.1.1. – A sentença considerou provado que: «1) O Autor é proprietário da fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta ____, União das Freguesias ____, concelho do ____, inscrito na matriz predial urbano sob o artigo __ da União de Freguesias ____ e descrito na Conservatória do Registo Predial do ____, freguesia de Paio Pires sob o n.º __. 2) No dia 21 de maio de 2021, foi celebrado um acordo escrito denominado de «contrato de arrendamento urbano», por meio do qual o Autor cedeu à Ré IR o gozo da fração identificada em 1), de forma temporária, e mediante o pagamento da quantia mensal de €525,00. 3) Conforme o acordo escrito, acordaram as partes que o gozo da fração iniciar-se-ia em 01 de junho de 2021 e terminaria em 31 de maio de 2023, renovando-se por períodos de 2 (dois) anos até perfazer os 10 anos, altura em que se efetuaria uma nova apreciação do acordo, sendo que após seis meses a Ré IR podia denunciar o acordo a todo o tempo. 4) O pagamento da quantia referida em 2), deveria ser efetuado até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária do IBAN PT ____ do banco Caixa Geral de Depósitos. 5) A Ré LR «constitui-se, em nome pessoal, fiador e principal pagador das quantias previstas no contrato, com renuncia ao benefício da excussão, assumindo a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus adiamentos legais e suas renovações até à efetiva restituição do locado livre, devoluto e nas condições estipuladas, pelo que declara que a fiança subsistirá ainda que hajam alterações da renda agora fixada.» - cláusula 10.º do acordo. 6) A Ré IR no mês de janeiro de 2022 apenas pagou parcialmente o valor da renda, permanecendo em dívida a quantia de €125,00. 7) A Ré IR não paga a renda desde janeiro até à presente data.» * 3.2 – Fundamentação de direito: 3.2.1 – A questão da nulidade da sentença da recorrida por omissão de pronúncia: Afirma o apelante: «O Tribunal a quo condenou a Ré IR a proceder ao pagamento da quantia de €1.700,00, correspondente às rendas vencidas no período de Janeiro a Abril de 2022, e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das referidas obrigações até efetivo e integral cumprimento. Ao proceder desta forma incorreu em omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre as rendas que se venceram na pendência da acção de despejo, excluindo as rendas vencidas no período de Maio a Dezembro de 2022, pese embora o A. tenha pedido a condenação das Rés no pagamento das rendas que se vencessem até à efectiva entrega do imóvel. Refere a douta decisão que “nos termos do artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o arrendatário contínua obrigado a pagar as rendas não só na pendência da ação, como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença”. Contudo, quer no dispositivo quer na sua fundamentação, apesar de dar como provado o não pagamento das rendas desde Janeiro até à data em que foi proferida sentença, a douta decisão não condena a Recorrida no pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção. O Meritíssimo Juiz não se pronuncia sobre questões submetidas à sua apreciação, pelo que ocorre omissão de pronúncia, de acordo com o previsto no art.º 608º nº 2 do CPC, e consequentemente a nulidade da sentença. Atento o exposto, a douta sentença, violou o disposto no art.º 615º nº 1 d) e art.º 608º nº 2 do Código Processo Civil.» Tais afirmações apenas permitem uma conclusão: o apelante fez uma leitura desatenta, para não dizer enviesada, da sentença recorrida! Como se viu, na petição inicial, o autor formula, além do mais, os seguintes pedidos: «(...) b) Serem as R.R. condenadas a entregar o referido prédio urbano livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação; c) Serem as R.R. condenadas solidariamente no pagamento das rendas vencidas até à presente data, no montante de €1.700,00 e nas rendas que se vierem a vencer até à entrega efectiva do locado, bem como no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento de cada uma das rendas até efectivo e integral pagamento.» O que fez, nesta parte, a sentença recorrida? Condenou «a Ré IR a proceder ao pagamento da quantia de €1.700,00 (mil e setecentos euros), correspondente às rendas vencidas no período de janeiro a abril de 2022, e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das referidas obrigações até efetivo e integral cumprimento.»[3]. Perante isto, como pode o apelante afirmar que «quer no dispositivo quer na sua fundamentação, apesar de dar como provado o não pagamento das rendas desde Janeiro até à data em que foi proferida sentença, a douta decisão não condena a Recorrida no pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção»? Reitera-se: o apelante leu, seguramente, mal, de forma enviesada, a sentença recorrida! É evidente que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é imputada, prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º. 3.2.2 – A questão da (não) condenação da 2.ª ré, na qualidade de fiadora e consequente violação, pela sentença recorrida, do disposto no art.º 1041.º, n.º 5, do CC. Também aqui é por demais evidente a total ausência de razão do recorrente! Afirma o apelante: «Entendeu o douto Tribunal a quo que o autor não provou que procedeu a notificação do fiador nos termos do preceituado no artigo 1041.º, n.º 5 e 6 do Código Civil, pelo que não pode exigir daquele a satisfação dos seus direitos de crédito, absolvendo a Ré fiadora dos pedidos. Entende o recorrente que a ausência da comunicação/notificação da fiadora, não afasta a relevância da citação desta que ocorreu nos presentes autos, considerando-se realizada a necessária notificação da fiadora com esta citação, sendo-lhe exigível as rendas vencidas e não pagas nos 90 dias anteriores à citação. A exigência de notificação prévia dos fiadores, para que lhes possa ser exigido o pagamento das rendas, consagrada no art.º 1041º nº 5 do Código Civil, tem por fim evitar que estes sejam surpreendidos e injustamente prejudicados pela inércia do devedor principal/arrendatário, que deixa acumular rendas, agravando assim a situação, sem o seu conhecimento, podendo depois ser confrontados com várias rendas em dívida. Pese embora, seja necessária a notificação dos fiadores no prazo de 90 dias, tal notificação deve considerar-se realizada com a citação par, pois com este acto a Ré fiadora toma conhecimento das rendas que estão em dívida e respectivos montantes, cumprindo-se a finalidade contida no art.º 1041º nº 5, que é evitar o alargamento da responsabilidade decorrente da mora. É este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, em circunstâncias idênticas, quanto à interpelação do fiador, num contrato de mútuo, conforme Acórdão de 14-10-2021, proc. nº 475/04.9TBALB-A.P1.S1 (Vide in www.dgsi.pt) assim como do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-03-202, proc. nº 1366/18.1T8AGD-B.P1 (Vide in www.dgsi.pt). Atento o exposto, a citação operada nos presentes autos a 24-05-2022, constitui notificação bastante nos termos e para os efeitos previsto no art.º 1041º nº 5 do Código Civil, tornando exigíveis as rendas vencidas nos 90 dias anteriores à sua citação. A douta sentença recorrida violou o disposto no art.º 1041º nº 5 e 6 do Código civil, ao não fazer a sua correcta interpretação e aplicação (art.º 674º nº 1 a) do Código de Processo Civil).» É prática processualmente incorreta e inadequada, a invocação de arestos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos sobre questões que nada têm a ver com a que se discute neste processo. Sobre a questão ora em apreço, escreveu-se na sentença recorrida: «5.3 Da condenação solidária das Rés no pagamento das rendas vencidas e não pagas Tal como já referimos acima, a principal obrigação do arrendatário é o pagamento da renda, conforme artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil. Atendendo que a Ré IR não procedeu ao pagamento das rendas que se venceram no período de janeiro de 2022 a abril de 2022, constituindo-se, por isso, em mora, deverá a Ré ser condenada no pagamento da quantia de €1.700,00 (mil e setecentos euros), correspondentes aos referidos 4 meses de rendas não pagas, sendo que no mês de janeiro apenas pagou parcialmente o valor da renda, encontrando-se por liquidar a quantia de €125,00. Tal como resulta da factualidade dada como provada a Ré LR interveio no contrato de arrendamento urbano celebrado entre o Autor e a Ré IR na qualidade de fiadora, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia. No que diz respeito à relação estabelecida entre fiador e senhorio e, no caso de mora do locatário, importa atentar no disposto no artigo 1041.º do Código Civil (introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 2012), o qual estabelece que: «1- Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. 2- Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato se o locatário fizer cessar a mora no prazo de 8 dias a contar do seu começo. (…) 5- Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida. 6- O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.» Os números 5 e 6 do artigo 1041.º do Código Civil vieram, assim, conferir uma tutela específica ao fiador do arrendatário que, na medida da sua especificidade, afastam a aplicação das regras gerais da fiança. Assim, de acordo com o citado preceito, a mora não purgada do arrendatário, enquanto elemento constitutivo da responsabilização do fiador, constitui assim uma condição da ação, ou seja, elemento necessário para a procedência da pretensão deduzida, sendo que a exigibilidade do cumprimento das obrigações a cargo do fiador do arrendatário depende da notificação do senhorio ao fiador a que alude o artigo 1041.º, n.º 5, do Código Civil ( cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-05-2020, proferido no processo n.º 2804/18.9T8CSC.L1-2, disponível em www.dgsi.pt). Nos presentes autos, o Autor não alegou e, consequentemente, não provou que procedeu a notificação do fiador nos termos do preceituado no artigo 1041.º, n.º 5, do Código Civil, pelo que não pode exigir daquele a satisfação dos seus direitos de crédito, deverá, por isso, a Ré fiadora ser absolvida dos pedidos de condenação de pagamento das rendas vencidas entre janeiro de 2022 e abril de 2022. * 5.4 Da condenação solidária das Rés no pagamento das rendas que se vierem a vencer até entrega efetiva do locado Nos termos do artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o arrendatário contínua obrigado a pagar as rendas não só na pendência da ação, como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença. Por sua vez, estando em causa prestações periódicas, consagra o artigo 557.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que em caso de incumprimento por parte do devedor, podem compreender-se no pedido e na condenação tanto as prestações vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação. Atendendo que na presente ação o Autor pretende que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento que celebrou com a Ré IR e devendo esse pedido ser julgado procedente, a Ré apenas está obrigada a pagar as rendas vencidas até ao trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de se desvirtuar a indemnização devida pela mora na restituição do imóvel locado. No que concerne à mora na restituição do imóvel locado, preceitua o artigo 1045.º, n.º1, do Código Civil que «se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.» , sendo que logo « que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.» (artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil). Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-06-2016, proferido no processo n.º 2501/14.4TBSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt, « Decorre do artigo 1045.º do Código Civil que a quantia correspondente à renda tem que continuar a ser satisfeita pelo arrendatário enquanto não efetuar a entrega do imóvel, sendo agora devida a título de compensação ao senhorio em valor que se mostra legalmente estabelecido: em singelo, se não houver mora, em dobro, se entretanto o arrendatário se tiver constituído em mora, como acontece no caso de resolução judicial do contrato de arrendamento. (…) Assim, diferentemente do que se passa quanto à indemnização nos termos gerais de direito, designadamente nos previstos para a responsabilidade extracontratual, no caso em apreço a indemnização é devida em montante legalmente tarifado.» Não obstante o supra aludido, o Tribunal sempre estará vinculado às pretensões das partes, encontrando-se impedido de condenar em quantidade superior ao peticionado, nos termos do disposto no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, «o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objeto.» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-11-2009, proferido no processo n.º 996/05.6TCLRS.L1-6, disponível em www.dgsi.pt). Tal como referimos supra, relativamente à Ré LR que interveio no contrato em apreço na qualidade de fiadora, não foram cumpridos os trâmites legais estabelecidos no artigo 1041.º, n.º 5, do Código Civil e de que depende a exigibilidade dos direitos de crédito do Autor, pelo que também deve ser absolvida deste pedido. Assim, a Ré IR deve ser condenada a pagar o valor equivalente à renda, desde o trânsito em julgado da presente sentença e enquanto não for entregue a coisa locada, a título de indemnização, nos termos do disposto no artigo 1045.º, n.º 1, do Código Civil. * 5.5 Da condenação solidária das Rés no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento de cada uma das rendas até efetivo e integral pagamento Determina o artigo 804.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil que «a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.», sendo que «o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível, não foi efetuada em tempo devido.» No que respeita ao momento da constituição em mora, estabelece o artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, que há mora do devedor independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo. Tratando-se de obrigações pecuniárias, o artigo 806.º, n.º 1, do Código Civil, prevê que: «(…) a obrigação corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.» Por sua vez, o artigo 559.º, n.º1, do Código Civil dispõe que « os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministério da Justiça e das Finanças e do Plano.», ou seja, nos termos da Portaria n.º 291/03, de 08 de abril, sendo que no caso em concreto a taxa de juro aplicável é de 4% ao ano, prevista para as dívidas civis. Assim, em conformidade com o supra expendido, a Ré LR também deverá ser absolvida deste pedido. Pelo que, deverá a Ré IR ser condenada no pagamento ao Autor, dos juros de mora, calculados à taxa de 4% ao ano, aplicável às obrigações de natureza civil, desde a data de vencimento de cada uma das prestações ou rendas e até efetivo e integral pagamento, cfr. artigos 798.º 799.º, 804.º, 805.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 806.º, n.º1, todos do Código Civil.» Tudo claro como água! Decisão acertada, bem estruturada, bem fundamentada, fazendo correta interpretação da lei, insuscetível, portanto, de qualquer reparo! Dispõe o n.º 5 do art.º 1041.º do CC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que «caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida», acrescentando o n.º 6 que «o senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.» O próprio apelante confirma expressamente que não efetuou aquela notificação. Conforme refere Pinto Frutado, «os n.ºs 5 e 6 preenchem uma lacuna sobre a relação do locador com o fiador, que exista, do locatário, em face da mora deste no pagamento de rendas. No n.º 5, estabelece-se que o senhorio deve dar-lhe conhecimento da mora e da quantia em dívida “nos 90 dias seguintes”. A notificação deve, naturalmente, fazer-se desde a primeira mora e se, após a notificação, se cumularem outras rendas que continuem em falta, certamente deverá dar-se imediatamente conta da dívida acumulada. A notificação é indispensável porque, como se declara no n.º 5, só após ela poderá o senhorio exigir do fiador a quantia em dívida. Isto era o que já se praticava anteriormente ao aditamento destes n.ºs 5 e 6. Apenas se acrescentou agora, à prática adotada, um prazo de notificação, talvez com o objetivo moralizador de evitar que o senhorio prolongue a ocorrência da mora para ir avolumando a dívida.»[4]. Conforme certeiramente se afirma no Ac. da R.G. de 24.11.2022, Proc. n.º 629/21T8CHV.G1 (Joaquim Boavida), in www.dgsi.pt, «estes dois números foram aditados ao artigo 1041º pela Lei nº 13/2019, de 12/2, que estabeleceu medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade. Portanto, nos termos do artigo 1041º, nºs. 5 e 6, do CCiv, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, em vigor desde 13.02.2019, caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação. Tais normativos estabelecem novas condições para a exigibilidade de tal prestação ao fiador (...).» Não tendo o senhorio, ou seja, o autor, aqui recorrente efetuado à 2.ª ré, fiadora, a notificação exigida pelo n.º 5 do art.º 1041.º do CC, como ele próprio reconhece, não pode, conforme claramente decorre do n.º 6, e muito bem se decidiu na sentença recorrida, exigir dela a satisfação dos direitos de crédito invocados na presente ação. Não tem, naturalmente, qualquer fundamento, a surpreendente argumentação do apelante, no sentido de que «a ausência da comunicação / notificação da fiadora, não afasta a relevância da citação desta que ocorreu nos presentes autos, considerando-se realizada a necessária notificação da fiadora com esta citação, sendo-lhe exigível as rendas vencidas e não pagas nos 90 dias anteriores à citação. (...) Pese embora, seja necessária a notificação dos fiadores no prazo de 90 dias, tal notificação deve considerar-se realizada com a citação par, pois com este acto a Ré fiadora toma conhecimento das rendas que estão em dívida e respectivos montantes, cumprindo-se a finalidade contida no art.º 1041º nº 5, que é evitar o alargamento da responsabilidade decorrente da mora.» A procedência, por absurdo, da argumentação do apelante, tornaria, com inacreditável singeleza, absolutamente inúteis os normativos contidos nos n.ºs 5 e 6 do art.º 1041.º do CC, reduzindo-os a insignificante letra morta! A apelação terá, pois, inevitavelmente, de ser julgada improcedente, mantendo-se, por conseguinte, a bem estruturada e fundamentada sentença recorrida. *** IV – DECISÃO: Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a sentença recorrida. As custas da apelação são a cargo do recorrente (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2). Lisboa, 4 de julho de 2023 José Capacete Micaela Sousa Luís Filipe Sousa _______________________________________________________ [1] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293. [2] Os artigos citados sem referência a qualquer diploma legal pertencem ao Código de Processo Civil Português, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. [3] O destacado a negrito é da nossa autoria. [4] Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, outubro de 2019, p. 148. |