Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3557/17.3T8BRR.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: INSOLVENTE
MAIS-VALIAS
IRS
DÍVIDA
MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Após a declaração de insolvência o insolvente continua a ser um sujeito passivo de imposto, designadamente, de IRS.

2.Para que um crédito se possa qualificar como crédito sobre a massa tem de se enquadrar numa das situações previstas na lei, nomeadamente no art. 51º, n.º 1, do CIRE.

3.A mais-valia gerada pela alienação do imóvel antes da declaração da insolvência não beneficiou a massa insolvente, pelo que a dívida de IRS não é consequência do processo de insolvência, não sendo de qualificar como dívida da massa.

4.Em qualquer caso, decretado o encerramento do processo após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do C.I.R.E, a massa insolvente já não pode responder pelo pagamento do crédito em referência.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.– J. e E., foram declarados insolventes por sentença proferida em 13/07/2018, transitada em julgado.

Estes deduziram pedido de exoneração do passivo restante, o qual foi admitido liminarmente por despacho proferido dia 4/07/2019.
Por despacho de 1/02/2022 decidiu-se:
“Preceitua o art. 230.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que, prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento, após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no art. 239.º, n.º 6.
O art. 239.º, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dispõe que, sendo interposto recurso do despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.
Face ao exposto, nos termos do disposto nos arts. 230.º, n.º 1, alínea a), e 239.º, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, mostrando-se realizado o rateio final e não tendo sido interposto recurso do despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, declaro encerrado o processo de insolvência, no qual foram declarados insolventes J. e E.
Consigna-se quanto aos efeitos do encerramento previstos no art. 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que os mesmos serão limitados pelas obrigações que sobre os devedores recaem na sequência da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante e bem assim relativamente aos credores com as restrições mencionadas na al. c) do n.º 1 do art. 233.º in fine a qual remete para o disposto no n.º 1 do artigo 242.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique, incluindo todos os credores da insolvência. Publique e registe (art. 230.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.
No dia 17/02/2023 a fiduciário apresentou o relatório no qual refere queos devedores não cederam quaisquer valores para a conta bancária da Fiduciária, relativos à cessão de rendimentos no período acima referido, dado que os rendimentos auferidos pelos devedores constituídos unicamente pelas suas pensões de reforma, são insuficientes para ceder quaisquer verbas”.

E por despacho de 9/03/2023 decidiu-se, além do mais:
Face à posição assumida pelo(a) sr(a). fiduciário(a) e ao teor dos relatórios juntos aos autos, verificando-se que, durante o período de cessão, o(a)(s) devedor(a)(es) cumpriu(ram) os deveres impostos pelo art. 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que não ocorre qualquer motivo que determine a recusa da exoneração, decido, nos termos dos arts. 237.º, al. d), 244.º, n.º 1, e 245.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decretar a exoneração definitiva do passivo restante de J. e E., declarando, em consequência, extintos os créditos sobre a insolvência que subsistam na presente data, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados.
*
Para os devidos efeitos se consigna que, de acordo com o estatuído no art. 245.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a exoneração do passivo restante não abrange os créditos por alimentos, as indemnizações por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e os créditos tributários”.

Posteriormente, por requerimento de 10/10/2023, os insolventes vieram requerer que o tribunal ordene que “a Sra. Fiduciária informe o motivo pelo qual se encontram a ser demandados para o pagamento de dívidas fiscais relativas a IMI e IRS do ano de 2018, vencidos em 2019, ano em que foi declarada a sua insolvência, uma vez que, tendo sido diretamente solicitada, ainda hoje não foi respondida. Efetivamente, tendo a massa insolvente sido constituída por bens de valor consideráveis e o insolvente cumprido com as suas obrigações durante o período em que requereu a exoneração do passivo inicial, não se compreende como tal dívida ainda persista. Mais informa que a informação prestada por V. Exa. será comunicada à Autoridade Tributária, de modo a esclarecer as dúvidas que existem quanto à não liquidação.”

Juntaram documentos, nomeadamente cópia de uma escritura celebrada dia 17/10/1975 atinente à aquisição pelos ora insolventes de uma fracção autónoma, pelo preço de 600.000$00 e outra escritura outorgada dia 17/10/2017 tendo por objecto a venda a terceiro do mesmo prédio, pelo preço de €67.000,00.

Por requerimento de 16/10/2023 a fiduciária veio informar que foi contactada “pelo insolvente por via telefónica a solicitar que a massa insolvente procedesse ao pagamento dos impostos de IRS e IMI relativo ao ano 2018. Foi o insolvente esclarecido que quanto ao IRS a divida diz respeito a imposto liquidado pela Autoridade Tributária, dos rendimentos auferidos nesse período, pelo que é da sua responsabilidade o seu pagamento. Quanto ao IMI foi enviado por e-mail, que se junta, o comprovativo do pagamento da 1.ª e 2.ª prestação pago pelo anterior Administrador de Insolvência Dr.ABM”.

Por requerimento de 17/11/2023, os insolventes vieram expor e requerer o seguinte:
1 A declaração de insolvência data de julho de 2018;
2 Os insolventes entregaram todos os seus bens e rendimentos disponíveis à massa insolvente;
3 A obrigação de liquidação do imposto relativo aos rendimentos auferidos em 2018 venceu-se em 31.08.2019, data em que todo o património e rendimento disponível se encontravam a ser administrados pelos Fiduciário nomeado;
4 Pelo que, requer a V. Exa. se digne esclarecer a quem cabia a responsabilidade por tal pagamento, uma vez que não se aceita a justificação apresentada pela Exma. Senhora Administradora de Insolvência”.

Por despacho prolatado dia 18/12/2023 decidiu-se:
“Req. 17/11/2023: Por não se integrar em nenhuma das categorias previstas no art. 51.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a dívida por IRS não constitui dívida da massa insolvente e, como tal, não é esta responsável pelo respectivo pagamento, mas sim os insolventes na medida em que, apesar da declaração de insolvência, são estes os titulares dos rendimentos que importam a constituição e vencimento da obrigação de pagamento daquele imposto. Notifique.”

Inconformados com esta decisão, vieram os insolventes interpor o presente recurso de apelação, o qual foi recebido, tendo apresentado alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:
Violação de norma jurídica - O Douto Despacho violou o disposto no artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE.
a)-O artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE estabelece que são dívidas da massa insolvente qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência.
b)-Nos termos do artigo 1.º do CIRS o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares incide sobre o valor anual dos rendimentos depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos.
c)-Nos termos do artigo 50.º da Lei Geral Tributária, o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários.
d)-Nos termos do artigo 47.º, n.º1 do CIRE, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
e)-Nos termos das normas indicadas, sobre os rendimentos auferidos pelas pessoas singulares no ano fiscal de 2018 incidem IRS, mesmo que nesse ano fiscal sejam declarados insolventes os sujeitos passivos, constituindo garantia geral desse crédito fiscal o seu património.
f)-Nos termos do disposto no artigo 80.º do CIRE a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência que assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial.
g)-Em conformidade o Insolvente comunicou ao fiduciário em 25 de Julho de 2019 que a Repartição de Finanças do Barreiro havia liquidado em 5 de Maio de 2019 o Imposto sobre o Rendimento Singular auferido em 2018 e declarado pelos insolventes, no valor de 5.915,54 Euros, enviando a nota de liquidação com data limite de pagamento 31 de Agosto de 2019, conforme documento que agora se junta.
h)-A tal comunicação respondeu o fiduciário que a massa insolvente iria pagar o Imposto em Agosto, conforme documento que agora se junta.
i)-Nos termos do artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE são dívidas da massa insolvente qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência.
j)-Não podia ser recusado em 2019 pelo fiduciário o pagamento da dívida fiscais que incidia sobre rendimento auferido no ano fiscal de 2018 e em data anterior à declaração de insolvência e assim declarou que iria pagar .
l)-Em conformidade com o exposto como a dívida de IRS sobre o rendimento auferido pelos insolventes em 2018 e liquidado a titulo de IRS em 2019 constitui dívida da massa insolvente, o Douto Despacho ora recorrido viola o disposto no artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE.
Terminam pedindo seja declarado procedente o recurso interposto e assim alterado o despacho recorrido por acórdão que declare que o crédito liquidado a titulo de IRS em 2019 sobre o rendimento auferido pelos insolventes em 2018 constitui dívida da massa insolvente.
Juntou cópia de e-mails com o seguinte teor:

Assunto RE: Justo Predi Imobiliária

Remetente A…
…>

Para ……>

Data 2019-07-25 10:22

Sr. J.

Não se preocupe que a Massa Insolvente paga o imposto em Agosto.

Cumprimentos

ABM


De: J….
Enviada: 24 de julho de 2019 14:46
Para: A…

Assunto: J. Predi Imobiliária

Boa tarde, Dr.

Por favor queira ver o anexo.

Agradeço imenso!

Com os melhores cumprimentos,

J.


Juntou ainda cópia de um documento de cobrança de IRS emitido pela AT, e endereçado ao insolvente, relativo ao exercício de 2018, no montante de €5.915,54, com data limite de pagamento o dia 31/08/2019.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.
*

II.A questão a decidir resume-se a saber se o crédito da AT relativo a IRS do exercício de 2018 constitui uma dívida da massa.
*

III.Os factos a considerar são os descritos no relatório que antecede.
*

IV.Do mérito do recurso:
Os ora recorrentes foram declarados insolventes por sentença proferida dia 13/07/2018.
Apesar de privados, desde então, do poder de oneração ou alienação dos seus bens (art. 81º do CIRE), o administrador de insolvência não se substitui aos insolventes no cumprimento das obrigações tributárias, nomeadamente ao cumprimento das obrigações declarativas, para efeitos de apuramento de rendimento tributável em sede de IRS, como previsto no art. 57.º do CIRS – cfr. Acórdão do STA de 08-03-2017, processo n.º 01660/15, acessíveis em wwwdgsi.pt.
A representação, para questões de cariz patrimonial, não vai ao limite de ter de abranger a notificação de actos, como os de liquidação tributária, que, num momento inicial, se situam, a montante, da produção de concretos efeitos patrimoniais sobre a massa insolvente – Acórdão do STA de 17.2.2021, proc. n.º 0579/17.8BEAVR, acessível em www.dgsi.pt.
Consequentemente, independentemente da data do facto tributário – anterior ou posterior à data da declaração da insolvência – o sujeito passivo dos impostos é o insolvente, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável (n.º 3 do Art.º 18.º LGT).
Por outro lado, a insolvência não impede o insolvente do exercício de uma atividade remunerada e de continuar a auferir rendimentos passíveis de IRS.
De resto, o regime especialmente desenhado no CIRE para as pessoas singulares exorta o insolvente a exercer uma profissão remunerada, caso pretenda beneficiar do direito a alimentos (art. 84º, n.º 1, do CIRE) ou da exoneração do passivo restante (art. 239º, n.º 4, al. b) do CIRE).
O insolvente continua, por conseguinte, a ser um sujeito passivo de imposto, designadamente, para efeitos de IRS.

A questão está, porém, em saber sobre quem recai a obrigação de pagamento do IRS liquidado pela administração fiscal.
No caso o débito respeita ao IRS liquidado aos insolventes em 2019, referente ao exercício de 2018, no montante de €5.915,54.
E, dos escassos dados de facto disponíveis, esse débito parece decorrer da tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de bem imóvel antes da declaração da insolvência e não da alienação de um bem apreendido para a massa insolvente e vendido em sede de liquidação do activo.

Na decisão recorrida conheceu-se, a título incidental, da questão da qualificação daquele crédito da AT como dívida da massa, na medida em que o processo próprio para tal é a acção a que alude o art. 89º, nº 2, do CIRE, a instaurar pelo credor por apenso ao processo de insolvência, e aquela não foi sequer parte no incidente.
Nessa decisão entendeu-senão se integrar em nenhuma das categorias previstas no art. 51.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a dívida por IRS”, não constituindo, por isso, dívida da massa insolvente, não sendo esta responsável pelo respectivo pagamento, mas sim os insolventes.
Dissentindo deste entendimento, na apelação pretendem os insolventes que se classifique o crédito liquidado a título de IRS em 2019 sobre o rendimento auferido pelos insolventes em 2018 como uma dívida da massa insolvente.
Vejamos.
Estabelece o art.º 46º, nº 1, do CIRE, que  “a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas,…”, identificando por sua vez o art.º 51º do mesmo diploma legal , quais as dívidas que devem ser consideradas da massa insolvente, por contraposição às dívidas da insolvência.
Deriva desse normativo e do art. 47º que o CIRE
consagrou e tratou de forma diferenciada duas categorias de dívidas, a saber: as dívidas da 
insolvência (a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e as dívidas da massa insolvente (a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente).
As primeiras (às quais se refere o art.º 47º), reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência.
Já as segundas, são as enunciadas pelo art.º 51º, além de outras que, como tal, sejam qualificadas pelo código (cf., v.g. as dos art.ºs 84º, 140º, nº 3 e 142º, nº 2).
A classificação e distinção entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente assume a maior importância, dado o regime diferenciado a que se encontram sujeitas, sendo de destacar, de entre as referidas diferenças, as que se prendem com o timing da respectiva satisfação, pois que, as segundas, são satisfeitas primeiramente, tal como o determina o nº1, do artº 172º, do CIRE, ao estipular que “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência , o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários á satisfação das dividas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo “.

De entre o universo de dívidas da massa encontram-seas dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente” [alínea c) do nº 1 do art 51º], “as dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções” [alínea d)] e “qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração” [al. e)].
Ora, no caso, não resulta que a dívida de IRS referente ao exercício de 2018 decorra da administração ou liquidação de bens da massa insolvente (não foi alegado e não se provou que se trate da tributação, na esfera jurídica dos insolventes, da mais-valia resultante da alienação onerosa de bem imóvel apreendido para a massa), nem da actuação do administrador da insolvência.
Sustentam, porém, os recorrentes que se trata de uma dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração” [al. e)]- conclusão a).
Acrescentam que, nos termos do artigo 50.º da Lei Geral Tributária, o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários (conclusões c) e e), sendo que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência – art. 80º do CIRE (conclusão f), tendo inclusivamente este informado o insolvente de que iria pagar o imposto, conforme documento junto com as alegações (conclusão h).
Os apelantes parecem, assim, fazer derivar a qualificação da dívida como divida da massa da mera circunstância do administrador da insolvência ter num e-mail referido que a massa insolvente iria pagar o imposto.
Porém, tal declaração, não preenche a previsão da citada al. g) do art. 51º:contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência”, ou seja, contrato celebrado entre o insolvente e um terceiro antes da declaração de insolvência.
A mera declaração do administrador da insolvência também não tem a virtualidade de transformar o crédito da AT num crédito sobre a massa, posto que, para adquirir essa qualificativa, o crédito tem de se enquadrar numa das situações previstas na lei, nomeadamente no art. 51º, n.º 1, do CIRE.
Por outra via, a obrigação tributária em causa constituiu-se após a declaração de insolvência.
Na verdade, a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário (n.º 1 do art.º 36.º da LGT) e nos impostos de obrigação periódica, como o IRS, o facto tributário ocorre no último dia do período de tributação.

Porém, como assinala Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pags. 66 e 67):
Quanto aos créditos sobre a massa não existe propriamente uma definição. E por mais que seja tentador, ela não deve ser retirada, a contrario, da definição de créditos sobre a insolvência que é dada pela lei, sob pena de se incorrer em erros”, posto que existem créditos sobre a insolvência cujo fundamento é posterior a à data da declaração da insolvência.
Tratando-se de um bem alienado antes da declaração da insolvência, a mais-valia gerada pela alienação do imóvel não beneficiou a massa insolvente, mas sim os insolventes.
Registe-se ainda que os rendimentos provenientes das pensões auferidas pelos insolventes após a declaração da insolvência não foram, total ou parcialmente, apreendidos nos autos e durante o período da cessão os insolventes também não entregaram qualquer quantia à fidúcia.
Não é, pois, a dívida em causa consequência do processo de insolvência.
Deste modo, a dívida de IRS não se enquadra em qualquer uma das alíneas do n.º 1, do art. 51º do CIRE.
Não se trata, por isso, de uma dívida da massa.

Ainda que assim se não entendesse, no estado actual dos autos a massa insolvente já não pode responder pelo pagamento do crédito em referência.
Com efeito, resulta da factualidade acima exposta que, antes dos requerimentos apresentados e que deram origem à decisão recorrida, já o processo de insolvência tinha sido declarado encerrado.
Com efeito, por decisão de 1/02/2022, foi decretado o encerramento do processo após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do C.I.R.E.
E no dia 9/03/2023 foi proferida decisão final de concessão aos insolventes da exoneração do passivo restante.
Significa isto que os devedores deixaram de estar numa situação de insolvência, recuperando a disponibilidade do seu património, mas também a responsabilidade pelas dívidas tributárias (art. 245º, n.º 2, al. d) do CIRE).
Por outro lado, cessando as atribuições do administrador de insolvência (art. 233º, n.º 1, al. b) do CIRE), este, após o encerramento, apenas pode apresentar as contas da sua administração e desempenhar as funções de que o plano de insolvência em execução o tenha incumbido expressamente. Ou seja, não pode mais praticar actos que enquanto administrador podia ou devia ter praticado, mas que não praticou.

Pelas razões expostas, improcede a apelação.

As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes, nos termos do art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.


Sumário:
1.-Após a declaração de insolvência o insolvente continua a ser um sujeito passivo de imposto, designadamente, de IRS.
2.-Para que um crédito se possa qualificar como crédito sobre a massa tem de se enquadrar numa das situações previstas na lei, nomeadamente no art. 51º, n.º 1, do CIRE.
3.-A mais-valia gerada pela alienação do imóvel antes da declaração da insolvência não beneficiou a massa insolvente, pelo que a dívida de IRS não é consequência do processo de insolvência, não sendo de qualificar como dívida da massa.
4.-Em qualquer caso, decretado o encerramento do processo após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do C.I.R.E, a massa insolvente já não pode responder pelo pagamento do crédito em referência.

***

IV.Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:
1.Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida;
2.Custas do recurso a cargo dos apelantes, enquanto parte vencida;
3.Notifique.



Lisboa, 4 de Junho de 2024


(Manuel Marques relator)
(Nuno Teixeira1º Adjunto)
(Manuela Espadaneira Lopes2ª Adjunta)