Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | INSOLVENTE MAIS-VALIAS IRS DÍVIDA MASSA INSOLVENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1.–Após a declaração de insolvência o insolvente continua a ser um sujeito passivo de imposto, designadamente, de IRS. 2.–Para que um crédito se possa qualificar como crédito sobre a massa tem de se enquadrar numa das situações previstas na lei, nomeadamente no art. 51º, n.º 1, do CIRE. 3.–A mais-valia gerada pela alienação do imóvel antes da declaração da insolvência não beneficiou a massa insolvente, pelo que a dívida de IRS não é consequência do processo de insolvência, não sendo de qualificar como dívida da massa. 4.–Em qualquer caso, decretado o encerramento do processo após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do C.I.R.E, a massa insolvente já não pode responder pelo pagamento do crédito em referência. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa: I.– J. e E., foram declarados insolventes por sentença proferida em 13/07/2018, transitada em julgado. Estes deduziram pedido de exoneração do passivo restante, o qual foi admitido liminarmente por despacho proferido dia 4/07/2019. Por despacho de 1/02/2022 decidiu-se: “Preceitua o art. 230.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que, prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento, após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no art. 239.º, n.º 6. O art. 239.º, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dispõe que, sendo interposto recurso do despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão. Face ao exposto, nos termos do disposto nos arts. 230.º, n.º 1, alínea a), e 239.º, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, mostrando-se realizado o rateio final e não tendo sido interposto recurso do despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, declaro encerrado o processo de insolvência, no qual foram declarados insolventes J. e E. Consigna-se quanto aos efeitos do encerramento previstos no art. 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que os mesmos serão limitados pelas obrigações que sobre os devedores recaem na sequência da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante e bem assim relativamente aos credores com as restrições mencionadas na al. c) do n.º 1 do art. 233.º in fine a qual remete para o disposto no n.º 1 do artigo 242.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Notifique, incluindo todos os credores da insolvência. Publique e registe (art. 230.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”. No dia 17/02/2023 a fiduciário apresentou o relatório no qual refere que “os devedores não cederam quaisquer valores para a conta bancária da Fiduciária, relativos à cessão de rendimentos no período acima referido, dado que os rendimentos auferidos pelos devedores constituídos unicamente pelas suas pensões de reforma, são insuficientes para ceder quaisquer verbas”. E por despacho de 9/03/2023 decidiu-se, além do mais: “Face à posição assumida pelo(a) sr(a). fiduciário(a) e ao teor dos relatórios juntos aos autos, verificando-se que, durante o período de cessão, o(a)(s) devedor(a)(es) cumpriu(ram) os deveres impostos pelo art. 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que não ocorre qualquer motivo que determine a recusa da exoneração, decido, nos termos dos arts. 237.º, al. d), 244.º, n.º 1, e 245.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decretar a exoneração definitiva do passivo restante de J. e E., declarando, em consequência, extintos os créditos sobre a insolvência que subsistam na presente data, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados. * Para os devidos efeitos se consigna que, de acordo com o estatuído no art. 245.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a exoneração do passivo restante não abrange os créditos por alimentos, as indemnizações por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e os créditos tributários”. Posteriormente, por requerimento de 10/10/2023, os insolventes vieram requerer que o tribunal ordene que “a Sra. Fiduciária informe o motivo pelo qual se encontram a ser demandados para o pagamento de dívidas fiscais relativas a IMI e IRS do ano de 2018, vencidos em 2019, ano em que foi declarada a sua insolvência, uma vez que, tendo sido diretamente solicitada, ainda hoje não foi respondida. Efetivamente, tendo a massa insolvente sido constituída por bens de valor consideráveis e o insolvente cumprido com as suas obrigações durante o período em que requereu a exoneração do passivo inicial, não se compreende como tal dívida ainda persista. Mais informa que a informação prestada por V. Exa. será comunicada à Autoridade Tributária, de modo a esclarecer as dúvidas que existem quanto à não liquidação.” Juntaram documentos, nomeadamente cópia de uma escritura celebrada dia 17/10/1975 atinente à aquisição pelos ora insolventes de uma fracção autónoma, pelo preço de 600.000$00 e outra escritura outorgada dia 17/10/2017 tendo por objecto a venda a terceiro do mesmo prédio, pelo preço de €67.000,00. Por requerimento de 16/10/2023 a fiduciária veio informar que foi contactada “pelo insolvente por via telefónica a solicitar que a massa insolvente procedesse ao pagamento dos impostos de IRS e IMI relativo ao ano 2018. Foi o insolvente esclarecido que quanto ao IRS a divida diz respeito a imposto liquidado pela Autoridade Tributária, dos rendimentos auferidos nesse período, pelo que é da sua responsabilidade o seu pagamento. Quanto ao IMI foi enviado por e-mail, que se junta, o comprovativo do pagamento da 1.ª e 2.ª prestação pago pelo anterior Administrador de Insolvência Dr.ABM”. Por requerimento de 17/11/2023, os insolventes vieram expor e requerer o seguinte: “1– A declaração de insolvência data de julho de 2018; 2– Os insolventes entregaram todos os seus bens e rendimentos disponíveis à massa insolvente; 3– A obrigação de liquidação do imposto relativo aos rendimentos auferidos em 2018 venceu-se em 31.08.2019, data em que todo o património e rendimento disponível se encontravam a ser administrados pelos Fiduciário nomeado; 4– Pelo que, requer a V. Exa. se digne esclarecer a quem cabia a responsabilidade por tal pagamento, uma vez que não se aceita a justificação apresentada pela Exma. Senhora Administradora de Insolvência”. Por despacho prolatado dia 18/12/2023 decidiu-se: “Req. 17/11/2023: Por não se integrar em nenhuma das categorias previstas no art. 51.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a dívida por IRS não constitui dívida da massa insolvente e, como tal, não é esta responsável pelo respectivo pagamento, mas sim os insolventes na medida em que, apesar da declaração de insolvência, são estes os titulares dos rendimentos que importam a constituição e vencimento da obrigação de pagamento daquele imposto. Notifique.” Inconformados com esta decisão, vieram os insolventes interpor o presente recurso de apelação, o qual foi recebido, tendo apresentado alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões: Violação de norma jurídica - O Douto Despacho violou o disposto no artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE. a)-O artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE estabelece que são dívidas da massa insolvente qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência. b)-Nos termos do artigo 1.º do CIRS o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares incide sobre o valor anual dos rendimentos depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos. c)-Nos termos do artigo 50.º da Lei Geral Tributária, o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários. d)-Nos termos do artigo 47.º, n.º1 do CIRE, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio. e)-Nos termos das normas indicadas, sobre os rendimentos auferidos pelas pessoas singulares no ano fiscal de 2018 incidem IRS, mesmo que nesse ano fiscal sejam declarados insolventes os sujeitos passivos, constituindo garantia geral desse crédito fiscal o seu património. f)-Nos termos do disposto no artigo 80.º do CIRE a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência que assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial. g)-Em conformidade o Insolvente comunicou ao fiduciário em 25 de Julho de 2019 que a Repartição de Finanças do Barreiro havia liquidado em 5 de Maio de 2019 o Imposto sobre o Rendimento Singular auferido em 2018 e declarado pelos insolventes, no valor de 5.915,54 Euros, enviando a nota de liquidação com data limite de pagamento 31 de Agosto de 2019, conforme documento que agora se junta. h)-A tal comunicação respondeu o fiduciário que a massa insolvente iria pagar o Imposto em Agosto, conforme documento que agora se junta. i)-Nos termos do artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE são dívidas da massa insolvente qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência. j)-Não podia ser recusado em 2019 pelo fiduciário o pagamento da dívida fiscais que incidia sobre rendimento auferido no ano fiscal de 2018 e em data anterior à declaração de insolvência e assim declarou que iria pagar . l)-Em conformidade com o exposto como a dívida de IRS sobre o rendimento auferido pelos insolventes em 2018 e liquidado a titulo de IRS em 2019 constitui dívida da massa insolvente, o Douto Despacho ora recorrido viola o disposto no artigo 50.º, n.º1, alínea e) do CIRE. Terminam pedindo seja declarado procedente o recurso interposto e assim alterado o despacho recorrido por acórdão que declare que o crédito liquidado a titulo de IRS em 2019 sobre o rendimento auferido pelos insolventes em 2018 constitui dívida da massa insolvente. Juntou cópia de e-mails com o seguinte teor:
De: J…. Enviada: 24 de julho de 2019 14:46 Para: A… Assunto: J. Predi Imobiliária Boa tarde, Dr. Por favor queira ver o anexo. Agradeço imenso! Com os melhores cumprimentos, J.
|