Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
Descritores: | CRIME DE AMEAÇA DECLARAÇÕES DO ASSISTENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/14/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | O crime de ameaça p. e p. pelo art.º 153º do CP configura um crime de perigo e de mera actividade, pois que basta que, na perspectiva do agente e à luz das regras de experiência comum, tomando por referência a capacidade de entendimento e decisão do homem médio, o anúncio de um mal futuro que corresponda a um crime, em que se traduz a ameaça, seja apto a causar medo, inquietação ou perturbação da liberdade de determinação. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Por sentença proferida em 20 de Fevereiro de 2020 no processo comum singular nº 170/18.1PLLSB.L1 do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 10 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa o arguido FA____, foi condenado, como autor material, em concurso real, de um crime de injúria, previsto e punível pelo art.º 181º nº 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa e de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153º nº 1 e 155º nº 1 alínea a), por referência ao art.º 132º do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa. Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5€ (cinco euros), perfazendo o total de 750€ (setecentos e cinquenta euros), à qual correspondem 100 (cem) dias de prisão subsidiária, nos termos e com as excepções previstas no art.º 49º do Código Penal. O arguido interpôs recurso desta sentença tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões: A. O presente recurso subdivide-se na arguição dos vícios da decisão ora em crise por insuficiência de prova que consubstancie e fundamente a decisão do Tribunal a quo em condenar o arguido, ora Recorrente, e por outro, ao recurso da matéria de facto e da matéria de direito, este último com ênfase na análise do trecho decisório referente à matéria de incriminação penal em concreto quanto ao crime de ameaça agravada, por não se alcançar que o comportamento adotado pelo arguido, ora Recorrente que tenha relevância criminal nos termos sufragados pelo Tribunal a quo. B. O Tribunal a quo, sustenta a sua convicção numa premissa errada, pois contrariamente ao vertido na Douta sentença, ora recorrida, o arguido, ora Recorrente e a Testemunha NR____, não acompanharam os acontecimentos a partir do mesmo momento temporal. C. O arguido, ora Recorrente, observa os factos, num momento em que o lugar de estacionamento ainda se encontrava ocupado pelo veículo indevidamente aparcado, os reboques da polícia municipal estavam estacionados e os agentes a entrar no café que se situa próximo do local onde decorreram os factos. D. A Testemunha NR____, refere no seu depoimento que os reboques estão a retirar outros carros, o Assistente esta a falar com os polícias municipais e o lugar de estacionamento está desocupado. E. A Testemunha PQ_____, vê dois reboques estacionados e o Assistente a falar com a proprietária do carro que indevidamente parqueou no lugar de estacionamento reservado para a companheira do Assistente. F. Refere o Assistente, na sua acusação particular (artigo 6), que assim que o lugar de estacionamento foi desocupado, parqueou de imediato a sua viatura, contudo a Testemunha NR___, viu o lugar de estacionamento vazio, e o Assistente a falar com a polícia municipal, mas não o viu estacionar. G. Contrariamente ao sufragado pelo Tribunal a quo, os momentos temporais descritos pelo arguido, ora Recorrente e pelas testemunhas, ainda que sucessivos e interligados são destintos. H. O Tribunal a quo descredibilizou as declarações, do arguido, ora Recorrente, e alicerçou a sua convicção em premissas espácio temporais que não espelham a real sucessão de factos, formando a sua convicção sustentada nos relatos do Assistente e da sua companheira, Testemunha IR____. I. A descrição da factualidade por parte do Assistente e da Testemunha IR___, denotam incongruências, desde logo, ao posicionar o arguido, ora Assistente, num 2.º e num 1.º andar, no momento do desentendimento, quando na realidade, este reside num 1º andar. J. O Assistente afirma que o arguido, ora Recorrente, proferiu as expressões pelas quais foi condenado aos altos berros, juntando-se muita gente, fazendo muito barulho. K. A Testemunha NR___, moradora no rés do chão em frente ao estacionamento alvo de contenda, não ouviu o arguido, ora Recorrente, proferir as referidas expressões ou qualquer outra altercação. L. O Assistente, a Testemunha IR___ e o arguido, ora Assistente, residem naquele bairro há cerca de 18 anos, nunca tendo trocado ou encetado qualquer tipo de conversação ou havido qualquer altercação. M. A Testemunha IR____, demonstra em sede de audiência de discussão e julgamento dificuldades auditiva, o que poderá justificar a confusão ou uma falsa certeza, do autor dos impropérios. N. O Assistente, é conhecido no bairro ser o "chibo da bófia" o que torna verosímil que outra pessoa que não o arguido, ora Recorrente se posicione numa janela com os estores corridos a vociferar as expressões proferidas no âmbito do aresto, objeto do presente recurso. O. O arguido, ora Recorrente e a sua esposa, não são proprietários de qualquer veículo, pelo que não existe interesse pessoal direto ou indireto no lugar de estacionamento. P. A prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e sem prejuízo da sua apreciação e valoração crítica por parte do Tribunal a quo, não poderá levar à decisão condenatória do arguido, ora Recorrente Q. Independentemente dos vícios e impugnação da matéria de facto, e sempre na procedência de qualquer um destes, o arguido, ora Recorrente nunca poderia ser condenado pela prática de um crime de ameaça agravada nos termos do artigo 153.º e n.º 1 alínea a) do artigo 155.º, ambos do Código Penal. R. O crime de ameaça é um crime de mera atividade, o bem jurídico protegido pelo legislador é a liberdade de decisão e de ação, sendo elementos objetivos do crime, um mal futuro de natureza pessoal ou patrimonial e que se encontre dependente da vontade do agente. S. Para que o crime de ameaça se concretize, deverá o julgador atentar se a ameaça em concreto é adequada e suscetível de ser levada a sério pelo destinatário em concreto, para o efeito, deve atender-se ao critério do homem comum, conjugado com as características específicas do ameaçado e o circunstancialismo em que a ameaça foi proferida, bem como à personalidade do agente, só assim se podendo alcançar o âmago desta norma. T. Conforme vertido no corpo deste recurso, e contrariamente ao sustentado na decisão do Tribunal a quo, o Assistente na sequência das expressões supostamente proferidas pelo arguido, ora Recorrente, "cabrão, filho da puta, eu vou-te matar, eu mato-te eu liquido-te", retorquiu-lhe com outra ameaça, ou seja, "Isso é tudo para mim, já vais ver como é que é?". U. O Assistente, aguarda durante 10 (dez) dias um pedido de desculpas por parte do arguido, ora Recorrente, e só face a esta ausência de comportamento formaliza a queixa. V. A atitude do Assistente, é reveladora que as expressões proferidas pelo arguido, ora Recorrente, não geraram ou criaram no Assistente a convicção que a ameaça era séria e se podia concretizar. W. A atitude do Assistente, reflete a consciência da personalidade tranquila e pacata do arguido, ora Recorrente bem como cerca de 18 anos de permanência em prédios contíguos sem nenhum tipo de desacato ou de desentendimento. X. Pelo que concluímos, que não se encontra o preenchido a tipificação legal para o crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 153º nº 1 e artigo 155º nº 1, alínea a), ambos do Código Penal. Y. Desta forma a Sentença, ora recorrida, não fez uma correta interpretação da prova produzida em sede de audiência de discussão em julgamento, e consequentemente dos factos que que sopesaram na condenação do arguido, ora Recorrente na pratica de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 e artigo 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal. Nestes termos e nos melhores de direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença proferida e absolvendo-se o arguido, ora Recorrente, do crime de que vinha pronunciado. Caso assim não se entenda, Deve a decisão ser substituída por uma outra que absolva o arguido ora Recorrente, da prática do crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º e artigo 155º nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, por não se encontrarem preenchidos os requisitos do tipo de crime. Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu: 1. Por sentença proferida nos autos, foi o arguido FA____ condenado pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art.º 181º nº 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa e de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º nº 1, 155º nº 1, alínea a), por referência ao art.º 132º do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa. 2. O arguido, não se conformando com tal decisão, vem dela interpor recurso argumentando que houve uma errada avaliação e incorrecta interpretação da prova produzida em audiência, alegando a existência de manifesto erro na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 3. A sentença recorrida contém os factos provados e a fundamentação que o tribunal efectuou para sustentar a sua convicção acerca dos mesmos, havendo que concluir que não se verifica uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida. 4. Com efeito nela se comparam, através da análise crítica, os diversos elementos de prova, especificando-se aqueles que foram decisivos para a formação da convicção do julgador e quais as razões que a determinaram, dando cumprimento ao disposto no art.º 374º nº 2 do Código do Processo Penal. 5. O que vem mesmo é questionar a convicção que, através da análise dos mesmos, o tribunal formou. 6. Ora, o tribunal apreciou correctamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objectividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insusceptível de qualquer crítica. 7. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art.º 127º do CPP. 8. Também a pena aplicada se mostra adequada às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, mostrando-se certa para o facto e personalidade do agente. 9. Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correcta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos. Por seu turno, o Assistente também respondeu ao recurso, nos seguintes termos: A. Foi o arguido, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132.º do Código Penal. B. Na óptica do recorrido, o Tribunal a quo sustentou, e bem, a sua convicção e consequentemente a sua decisão, nos relatos do assistente, ora recorrido, da sua companheira IR___ e das testemunhas, em virtude de as mesmas descredibilizarem as declarações do arguido, ora recorrente, e as da sua esposa, MLP___ C. Razão pela qual considera que a decisão recorrida não violou qualquer norma jurídica, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal. D. Contudo, o arguido (ora recorrente), não se conformando com a referida decisão, veio interpor o presente recurso, invocando que i) foram (alegadamente) indevidamente dados como provados os factos a) a f) da Sentença e que ii) a decisão recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto “a decisão ora recorrida, não assentou num correto exame crítico das provas produzidas em sede de audiência de discussão em julgamento (cf. artigo 7.º do recurso apresentado pelo arguido). E. O assistente, ora recorrido, não concorda, nem pode concordar com esta última afirmação, uma vez que o Tribunal a quo decidiu de forma correcta e em plena consciência dos factos e prova produzida em audiência de discussão e julgamento. F. Em primeiro lugar, o recorrido não vislumbra de que forma pode o recorrente peremptoriamente afirmar que “[a] Testemunha NR___, contextualiza o momento entre as 15:00 horas e as 16:00 horas (cf. artigo 13.º do recurso apresentado pelo arguido), já que, como bem refere o recorrente, atendendo às “declarações prestadas pela Testemunha NR___, transcritas no artigo 9. º, para melhor enquadramento fatual (cf. artigo 13.º do recurso apresentado pelo arguido), esse espaço temporal não é sequer referenciado e, muito menos, transcrito, pelo que não pode o recorrente simplesmente ficcionar o espaço temporal que mais lhe convém para sustentar a sua tese. G. Razão pela qual não se pode afirmar que “os acontecimentos presenciados pelo arguido, ora Recorrente, sucedem-se em momentos distintos aos descritos pela Testemunha NR___ e não exatamente no mesmo momento temporal como sustentou o Tribunal a quo” (cf. artigo 16.º do recurso apresentado pelo arguido), porquanto não só o recorrente não o logrou demonstrar, como tal não corresponde à verdade. H. Também não pode o recorrido aceitar a afirmação que “o arguido, (...) nas suas declarações, observa os polícias municipais a entrarem no café e reboques estacionados, mas o lugar de estacionamento da companheira do Assistente ainda se encontra indevidamente ocupado", porquanto não é o que resulta das declarações do arguido. I. Isto porque, apesar do arguido mencionar a existência de polícias no café, não refere que viu os alegados reboques estacionados; como também não refere que o lugar de estacionamento da companheira do assistente ainda se encontrava indevidamente ocupado. J. Assim, não podem proceder, porque manifestamente incorrectas e não correspondentes à realidade, as afirmações constantes nos artigos 19.º e 21.º do recurso apresentado. K. Alega o recorrente que existe incongruência nos depoimentos apresentados pelo assistente, ora recorrido, e pela sua esposa, a testemunha , na medida em que “ [o] Assistente, afirma que viu e ouviu o arguido, ora Recorrente, chamar-lhe “Chibo da bófia, cabrão, filho da puta, eu vou-te matar, eu liquido-te (.da janela do 2. º andar, referindo que já o tinha visto à janela” (cf. artigo 24.º do recurso apresentado) e que, “[p]or sua vez, a Testemunha , diz que o arguido, ora Recorrente, se encontrava à janela do 1.º andar, quando chamou “cabrão, filho da puta e vou-te caçar” ao Assistente (cf. artigo 25.º do recurso apresentado) - sendo que “na realidade, o arguido, ora Recorrente, reside no 3.º andar, não no 1.º ou 2.º andar como referido, respetivamente, pelas Testemunha e pelo Assistente’ (cf. artigo 26.º do recurso apresentado). L. Importa salientar que, por um lado, o assistente referiu “acho que aquilo é um 2.ºandar’ (de acordo com a transcrição constante do artigo 8.º do recurso apresentado) - nosso negrito e sublinhado, ou seja, o assistente demonstrou não ter completa certeza sobre o andar, o que em nada põe em causa a sua certeza sobre quem proferiu as expressões injuriosas e quem o ameaçou. M. E, por outro, a testemunha (esposa do assistente), referiu “que o arguido, ora Recorrente, se encontrava à janela do 1.º andar porquanto foi essa a percepção que teve, já que os apartamentos em que o recorrido e o recorrente moram não são exactamente iguais, já que o recorrente mora num apartamento mais elevado do que o apartamento do recorrido, morando este último num apartamento que se encontra numa rua “inclinada'’, o que corresponderia a um ou dois andares mais abaixo. N. Refere o recorrente que “[o] Assistente, quando questionado se o arguido, ora Recorrente, havia gritado e se havia muitas pessoas, respondeu “Foi aos altos berros (...) veio muita gente”, não obstante, o barulho referido, a Testemunha NR___, que morava no rés-do-chão em frente ao local onde os acontecimentos se desenrolavam, diz que não ouviu nem viu nada” (cf. artigo 27.º do recurso apresentado). O. Estamos, neste caso, perante testemunhos contrários entre si, sendo que um foi proferido pelo assistente e outro proferido por uma testemunha apresentada pelo arguido, não se conseguindo, por si só, escrutinar qual das versões espelha a realidade. P. Refere o recorrente que “[e]stranhamente, o Assistente, não obstante caracterizar o momento como um “festival e uma algazarra (...) fazem sempre muito, muito, muito, muita festa, barulho”, afirma que somente o arguido, ora Recorrente se encontrava à janela” (cf. artigo 28.º do recurso apresentado). Q. Relativamente a este facto, importa enquadrar e esclarecer que a expressão “fazem sempre muito, muito, muito, muita festa, barulho utilizada pelo assistente, ora recorrido, diz respeito à descrição do que é usual naquele local e não concretamente aos factos em causa nos presentes autos. R. Alega o recorrente, no artigo 29.º do recurso apresentado, que todos os intervenientes (Assistente e testemunhas), caracterizaram o arguido, ora recorrente, como “uma pessoa que não se mete com ninguém”, ainda que o assistente e a testemunha referiram que nunca haviam falado com o arguido - em face de tais alegações, importa salientar que as mesmas não significam que este não foi o autor dos crimes em causa nos presentes autos. S. Mais, o facto de “quer o arguido, ora Recorrente, como o Assistente e a Testemunha , residem naquele bairro há cerca de 18 anos, nunca tendo trocado ou encetado qualquer tipo de conversação entre eles, o arguido, a Testemunha , não significa que não consigam e não tenham conseguido identificar a “a voz do arguido, ora Recorrente, como autor das referidas expressões (cf. artigo 30.º do recurso apresentado), já que ambos viram o arguido à janela, não tendo dúvidas da sua identidade, mais a mais, quando a identificação que fizeram não foi única e exclusivamente através da sua voz. T. O assistente, ora recorrido, não aceita, nem pode aceitar, a afirmação constante no artigo 31.º do recurso apresentado, porque apenas pretende o recorrente fazer crer que o assistente e a sua esposa não têm, ou tinham, à data dos factos, capacidades físicas ou circunstanciais para reconhecer a identidade do autor das expressões injuriosas e ameaçadoras proferidas - o que não corresponde à verdade. U. Mais, por referência ao artigo 32.º do recurso, cumpre esclarecer que os estores onde se localizava o arguido não estavam corridos, ao contrário do que o recorrente quer fazer crer. V. Relativamente às alegações de que o arguido, ora recorrente, e a sua esposa, não são proprietários de nenhuma viatura e que, por isso, não teriam “interesse pessoal direto ou indireto no lugar de estacionamento, factualidade geradora da altercação objeto da decisão do presente recurso (cf. artigo 33.º do recurso apresentado) não é bastante nem consequência para o arguido se eximir dos actos por si praticados. W. Alega o recorrente que a decisão recorrida nunca poderia permitir a condenação do ora recorrente pela prática de um crime de ameaça agravada nos termos do artigo 153.º e artigo n.º 1., alínea a) do 155.º, ambos do Código Penal (cf. artigo 38.º do recurso apresentado). X. Para tanto, refere que “ o Tribunal a quo, entendeu, que face à matéria provada, quer em abstrato quer em concreto que se encontravam preenchido todos os elementos do tipo, pelo que condenou o arguido, ora Recorrente pelo crime de ameaça agravada”, concluindo que “o que se extrai das declarações do Assistente é completamente contraditório com a decisão do Tribunal (cf. artigos 44.º e 45.º do recurso apresentado). Y. Alega o recorrente, no artigo 46.º do recurso apresentado que “é o próprio Assistente a referir que perante as expressões supostamente proferidas pelo arguido, ora Recorrente, “cabrão, filho da puta, eu vou-te matar, eu mato- te eu liquido-te”, lhe terá retorquido da seguinte forma “Isso é tudo para mim, já vais ver como é que é?””, mencionando que “indiciam uma resposta também com cariz ameaçador” (cf. artigo 50.º do recurso apresentado). Z. Em primeiro lugar, cumpre salientar que, conforme decorre das declarações do assistente, ora recorrido, a expressão “já vais ver como é que é”, se relaciona única e exclusivamente com o acatamento das instruções dadas pela Polícia ao recorrido, em virtude das diversas vezes em que o mesmo teve de se dirigir às autoridades, para solucionar problemas do mesmo género. AA. Em segundo lugar, é o próprio recorrente, atraiçoado pelas suas palavras, quem admite que as suas expressões são ameaçadoras, ao referir que “indiciam uma resposta também com cariz ameaçado f” (cf. artigo 50.º do recurso apresentado). BB. Refere o recorrente que o recorrido afirmou que aquele nunca se tinha dirigido a si, tendo, inclusive, esperado dez dias até formalizar a queixa que já tinha apresentado nas autoridades (cf. artigo 47.º do recurso apresentado). CC. Durante esse período, o recorrido deu o benefício da dúvida ao recorrente pelo seu comportamento, pretendendo apenas a demonstração de arrependimento, mas nem isso aconteceu - o que demonstra que o recorrido queria resolver a situação no momento imediatamente subsequente, sem ter de recorrer ao Tribunal ou às autoridades. DD. Mais, o facto de o recorrido se ter dirigido às autoridades para formalizar a queixa, revela que o mesmo não está confortável com a situação, que sente receio em eventuais represálias e que pretende a resolução judicial da questão. EE. Afirmar que o comportamento do recorrido revela que não se sentiu ameaçado é uma conclusão altamente extrapolada, injusta, e que não corresponde à verdade. FF. Mais refere o recorrente que a conduta do Assistente “é reveladora de que em momento algum se sentiu ameaçada” (cf. artigo 49.º do recurso apresentado). GG. Com o devido respeito, não pode o recorrido aceitar tal afirmação, porque não é correspondente com a verdade, já que o mesmo demonstrou em Tribunal que se sente ameaçado, perturbado e manifestamente incomodado com a situação em causa, temendo que o recorrente possa concretizar as ameaças que proferiu, o que, aliás, foi correctamente valorado pelo Tribunal a quo (cf. alínea f) dos factos dados como provados, página 2 da Sentença). HH. Aliás, refere expressamente a Sentença que “mais se provou que o assistente ouviu e tomou como serias as expressões do arguido, ficando convencido de que poderia concretizar os actos que anunciava” (cf. página 9 da Sentença), e ainda que “[n] o que concerne ao preenchimento dos elementos subjectivos, perante a factualidade assente, conclui-se que estão demonstrados, porquanto também se provou que o arguido agiu ciente do que dizia, e com o propósito de criar no destinatário a convicção de que seria capaz de concretizar a ameaça. Agiu com dolo directo (cf. página 9 da Sentença). II. Por todo o supra exposto, não existem dúvidas de que se encontram preenchidos todos os elementos do tipo de ameaça agravada, pelo que a condenação do arguido, ora recorrente, é plenamente justa e adequada, devendo manter-se. Termos em que deve o recurso apresentado pelo arguido, ora recorrente, ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se, porque manifestamente adequada, a decisão recorrida que condena o arguido nos crimes de ameaça agravada e injúria. Remetido o processo, a este Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador da República apôs visto. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Delimitação do objecto do recurso e identificação das questões a decidir: De acordo com o preceituado nos art.ºs 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma; Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes: Se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º nº 1 al. a) do CP, por não conter a fundamentação dos motivos de facto que suportam a decisão quanto aos factos provados. Erro de julgamento, nos termos do art.º 412º do CPP; Caso assim não se entenda, saber se se verifica algum dos vícios decisórios previstos no art.º 410º nº 2 al. c) do CPP; Se a decisão recorrida contém um erro de interpretação e aplicação do art.º 153º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do C.P., por não se encontrarem preenchidos os elementos constitutivos do tipo. 2. 2. Fundamentação de Facto A sentença condenatória sob recurso fixou os factos e fundamentou a sua convicção, quanto à prova produzida, nos seguintes termos (transcrição parcial): Com relevância para a decisão, provou-se que: a) No dia 13-02-2018, pelas 16h horas, no decurso de uma discussão com o ofendido MG____ conexa com a utilização por terceiros do lugar de estacionamento reservado à mulher do assistente, por invalidez, o arguido exaltou-se e dirigiu-lhe as expressões: "vou-te matar; mato-te; vou-te liquidar b) Nas mesmas circunstancias de tempo e lugar, o arguido dirigiu ao ofendido as seguintes expressões: ”chibo; chibo da bófia; cabrão; filho da puta”. c) Tais palavras, por terem sido proferidas de modo sério e resoluto, provocaram no ofendido um profundo abalo psíquico. d) Ao dirigir ao assistente as palavras acima transcritas o arguido estava ciente do seu significado, e bem assim que eram aptas a atingir a honra e consideração do visado, o que quis e conseguiu. e) Em razão das palavras aludidas o assistente sentiu-se temeroso, inseguro e ansioso tendo temido pela sua vida e integridade física, desgostoso, triste, humilhado e perturbado, o que se refletiu no seu ambiente familiar. f) O arguido agiu de forma livre voluntária e consciente, com o propósito conseguido de provocar medo e inquietação ao ofendido, e de o atingir na sua honra, bem sabendo que os seus actos eram legalmente puníveis. g) Do CRC do arguido não constam registos da prática de crimes. h) O arguido é reformado, aufere pensão de reforma no montante de 150€, reside com a mulher em habitação social, pela qual o agregado paga 46,75€. * 2.1. FACTOS NÃO PROVADOS: Provaram-se todos os factos relevantes para a decisão. * 2.2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS: Nos termos do art.º 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei. O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97º, nº 4 e 374º, nº 2 exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art.º 125º, CPP). Assim, a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca --- derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Libano Monteiro, "Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»", Coimbra, 1997, pág. 13). A prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (art.º 127º, CPP), todavia, a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, "CPP anotado", 4a ed., 1991, pág. 221, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira). Daqui resulta, como salienta Marques Ferreira, um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação ("Jornadas de Direito Processual Penal" pág. 228"). Como é referido em acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.05.1997, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a mediação conferem ao julgador (rec. do pº 773/96 deste Juízo). Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, 'olhares de súplica' para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal: Ricci Bitti/Bruna Zani, "A comunicação como processo social", editorial Estampa, Lisboa, 1997). Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Aliás, segundo pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder (Lair Ribeiro, "Comunicação Global", Lisboa, 1998, pág. 14). Trata-se de um acervo de informação não verbal, rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Por isso, o juiz deve ter uma atitude crítica de 'avaliação da credibilidade do depoimento' não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso 'saber' (ac. de 17.01.94, do 2º Juízo Criminal de Lx, pº 363/93, 1ª sec, in "SubJudice" nº 6-91). Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo como salienta Carrington da Costa, advertindo para que "todo aquele que tem a árdua função de julgar, fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se»" ("Psicologia do testemunho", in Scientia luridica, pág. 337). Tudo quanto se expos serve para demonstrar a proveniência da convicção do Tribunal quanto à maioria dos factos provados. Com efeito, não obstante por via de analise aritmética da prova produzida se obtenha um resultado neutro, i.e., arguido e sua mulher negam que este tenha proferido as expressões que lhe são imputadas e assistente e sua companheira confirmam-nas integralmente, bem como ao respectivo contexto, acrescem a esta prova o depoimento de duas testemunhas que, melhor analisados, e a apesar de aparentemente apoiarem a versão negatória do arguido, acabam por trair a consistência e credibilidade das suas declarações. Vejamos: O arguido nega ter proferido qualquer das expressões que lhe são imputadas, alegando apenas que se deu conta de uma altercação a ocorrer na via publica, à porta da sua residência, e que, vindo à janela da sala, se apercebeu da presença da policia municipal, de reboques, e do assistente que (segundo a sua versão) discutia com um terceiro, que não estaria ao seu alcance visual, mas estaria no seu prédio ou em prédio contiguo, pois o assistente vociferava nessa direcção. Acrescentou à sua versão que, nesta discussão que ouviu entre o assistente e o alegado terceiro, se apercebeu de ter sido proferida a expressão "chibo”, por parte do dito terceiro, que mereceu resposta do assistente. A mulher do arguido MLP____, asseverou peremptoriamente encontrar-se na companhia deste, e subscreveu integralmente a sua versão, i.e., que o arguido veio à janela, momentos depois regressou para o interior da divisão da casa onde ambos se encontravam, tendo comentado a ocorrência de uma altercação na via publica, e nada mais. A parcialidade deste depoimento pode evidenciar-se pela relação de parentesco entre ambos, mas sobretudo porque a versão relatada é traída pelos depoimentos das restantes testemunhas presenciais, além do assistente e sua companheira, nos termos abaixo explanados. O assistente e IR_____ (sua companheira), confirmaram integralmente o quanto vem imputado ao arguido, fazendo um relato coerente, consistente e espontâneo. Aqui chegados, poderia surgir a duvida, fundada na circunstancia de, aparentemente, nada justificar conferir maior credibilidade à versão de assistente e companheira do que à versão do arguido e mulher, tanto mais que ficou patente em audiência que o assistente será “persona non grata”, no bairro, fruto de intervenções da policia municipal a que deu causa, relacionadas com o uso do lugar de estacionamento reservado à companheira (inválida), por terceiros. Porém, o arguido, na sua versão, fez menção à presença da polícia municipal no local, no momento em que, em simultâneo ocorria a alegada “discussão” entre o terceiro (virtual) e o assistente, no qual teria sido proferida a expressão “chibo”, numa clara tentativa de imputar a um terceiro os insultos dirigidos ao assistente. As testemunhas presenciais NR___ e PQ______, o primeiro morador do 1º andar do prédio do arguido, e o segundo, amigo deste, declararam que quando se aperceberam da situação (o primeiro por ter acordado com o barulho dos reboques da policia municipal e o segundo quando chegou ao local), já lá se encontravam os agentes da policia municipal e não assistiram a qualquer altercação que tenha envolvido o assistente e o arguido ou um terceiro, tendo NR___ afirmado que observou o assistente a falar com a policia municipal e PQ______, que observou o assistente a discutir com a dona do carro, apontando que o arguido se encontrava à janela. Ora, a falta de verdade da versão do arguido apura-se aqui: o arguido afirma que deu conta de uma altercação na via publica, pelo barulho e presença da policia municipal e respectivos reboques, o mesmo afirma a testemunha NR____, porém, o arguido afirma que nesse momento, i.e., quando vai à janela para se elucidar do que estava a ocorrer, ouviu uma discussão entre o assistente e um terceiro que não soube identificar, mas estaria no seu prédio ou em prédio contiguo, na qual o dito terceiro teria apelidado o assistente de “chibo”. Ora, NR___ (testemunha desinteressada, sem qualquer relação com os sujeitos processuais) que acompanhou os acontecimentos a partir do mesmo momento temporal que o arguido aponta na sua versão - i.e. com a chegada da policia municipal e dos reboques - não assistiu a nada disto, sequer a nenhuma altercação que envolvesse o assistente e terceiros, mas apenas a MG____ a conversar com a policia municipal. Do mesmo modo, PQ______, que relatou ter chegado ao local depois da polícia municipal e dos reboques, mas encontrando-se o arguido ainda à janela, também não assistiu a nenhuma altercação entre o assistente e o dito terceiro, somente ao assistente a discutir com a proprietária do veículo estacionado no local reservado ao veículo que transporta a sua companheira. Em resumo, pelas incoerências anotadas, decaiu por completo a credibilidade da versão do arguido e sua mulher, sendo a convicção do tribunal sustentada nos relatos do assistente e de sua companheira, nos termos e com os fundamentos acima explanados. No mais, a ausência de antecedentes criminais consta documentada no CRC junto aos autos, e as condições pessoais, profissionais, familiares e financeiras do arguido foram esclarecidas pelo próprio, nada ressaltando neste segmento, que faça duvidar da verdade do declarado. 2.3. Apreciação do Mérito do Recurso O recorrente veio invocar a insuficiência da matéria de facto para a decisão, que é um dos vícios decisórios previstos no art.º 410º nº 2 al. a) do CPP, mas, ao mesmo tempo veio argumentar que “a decisão ora recorrida, não assentou num correto exame crítico das provas produzidas em sede de audiência de discussão em julgamento» A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art.º 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma, envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante, mas com limites, porque subordinada ao cumprimento de um dever muito específico de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt). Assim, nos termos do nº 3, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas». O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6. Ou seja, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando as suas versões probatória e factual alternativas à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe. Os argumentos aduzidos devem ser convincentes no sentido de demonstrarem que se impõe a versão oposta à que foi adoptada pelo tribunal do julgamento pois que, não basta para alterar a decisão de facto, a mera possibilidade de atribuir à prova produzida ou renovada uma diferente interpretação. Do equilíbrio entre a necessidade de assegurar um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto e a constatação de que o tribunal de recurso só indirectamente tem acesso à prova, através da gravação, portanto, sem a força da imediação e do exercício do contraditório que são característicos do julgamento em primeira instância, que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância, resulta a concepção do recurso como um remédio e a proibição de que redunde num novo julgamento ou numa outra convicção do tribunal de recurso, em substituição integral da já formulada pelo tribunal da primeira instância. Trata-se, em suma, de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os factos impugnados com a prova efetivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos, mas de forma parcial, restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente invoque e demonstre terem sido julgados de forma incorrecta (cfr., nesse sentido, Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005; Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393 e Paulo Saragoça da Mata, in “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença”, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág. 253). Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efetivamente produzida no processo, deveria ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados). Porém, se a convicção ainda puder objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresenta é meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso. «A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção(…)”. «A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório» (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc.º 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, por todos, Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc.º 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc.º 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc.º 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc.º 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc.º 291/17.8JAAVR.P1 e de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc.º 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc.º 103/15.7PHSNT.L1, in http://www.dgsi.pt). No caso vertente, o arguido começou por indicar quais os meios de prova e concretos excertos dos quais retirou a argumentação de que o Tribunal deveria ter credibilizado a sua versão dos factos, em detrimento daquela que acolheu e que foi a preconizada pelo assistente. São eles: As declarações do arguido prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 11/02/2020, com início às 10:37:35 e fim às 11:10:46, e que se encontram gravadas sob o ficheiro nº 2020011103735_19724655_2871134; O depoimento da testemunha NR_____, prestado na audiência de discussão e julgamento no dia 11/02/2020, com início às 11:42:12 e fim às 11:49:01, e que se encontram gravadas sob o ficheiro nº 2020021114212_19724655_2871134, mais concretamente a minutos 1:05; O excerto do depoimento da Testemunha PQ_____, prestado na audiência de discussão e julgamento no dia 11/02/2020, com início às 11:50:01 e fim às 11:54:56, e que se encontram gravadas sob o ficheiro nº 2020021115001_19724655_2871134, mais concretamente nos minutos 1:20 a 3:18; O excerto do depoimento do assistente MG_____, prestado na audiência de discussão e julgamento no dia 11/02/2020, com início às 11:11:28 e fim às 11:25:03, que se encontram gravadas sob o ficheiro nº 2020021111127_19724655_2871134, mais concretamente a minutos 1:32. O recorrente também indicou os concretos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados e, como se pode facilmente concluir da mera leitura comparativa entre o artigo 1º das motivações e as conclusões A) a P) do recurso, por um lado, e entre essas conclusões e a matéria de facto fixada n primeira instância, esses factos são os enumerados e descritos em a) a f) da sentença recorrida, ou seja, todos os que integram o crime de injúria e o crime de ameaça pelos quais o arguido foi condenado. E, na medida em que a sua discordância envolve toda a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, pretendendo o recorrente que o tribunal de recurso formule uma diferente convicção, em substituição da que se encontra exarada na sentença recorrida, sem concretizar minimamente qual foi a regra de experiência comum, o critério de razoabilidade humana, ou o juízo de inferência lógica que o tribunal recorrido omitiu ou violou e que torna a decisão de facto insustentável, por ser ilógica ou arbitrária, em virtude de não ter a menor correspondência no conteúdo dos depoimentos testemunhais, o que importa, desde logo, concluir é que, afinal, na vertente do erro do julgamento, o recurso não tem a virtualidade para conduzir à audição por este Tribunal de recurso da prova indicada pelo recorrente e demais produzida e, subsequentemente, à sua comparação com a matéria de facto dada como demonstrada, na sentença recorrida. É que, se, como sucede, neste processo, os concretos excertos transcritos nas motivações do recurso, que o arguido indica para ilustrar a sua discordância acerca da forma como o Tribunal percepcionou, interpretou e valorou as declarações do arguido e do assistente e os depoimentos das testemunhas foram expressamente considerados pelo próprio Tribunal para alicerçar a sua convicção, tal como resulta da simples leitura da exposição da motivação da decisão de facto e a interpretação que o tribunal dez deles não se mostra nem absurda, nem contrária ao princípio da livre apreciação da prova, então, o recurso redunda numa mera divergência dirigida ao sentido final da convicção do julgador e não a alguma deficiência no raciocínio lógico dedutivo de avaliação e exame crítico das provas. Ora é precisamente, para essa substituição da convicção do tribunal de primeira instância, pela do arguido ou pela do tribunal da Relação que o recurso penal não serve. Sendo possíveis em alternativa, duas diferentes interpretações da prova, a do Tribunal do julgamento terá de prevalecer, por se encontrar arrimada na imediação e na oralidade. Diga-se, além do mais, que a valoração da prova testemunhal ou por declarações de arguidos e/ou assistentes faz-se a partir da conjugação de múltiplos factores: em primeiro lugar, o conteúdo dos depoimentos e declarações propriamente dito, do qual se pode retirar a verosimilhança ou falta dela, dos factos sobre que versam esses depoimentos ou declarações; depois, a linguagem corporal e gestual, o tom de voz, os silêncios, hesitações, a fluidez dos discurso, ou seja, a forma como é feito o relato dos factos, a clareza e a serenidade ou firmeza com que são transmitidos, a coerência dos mesmos, ou a sua variabilidade ou consistência perante os diferentes interlocutores, no decurso da inquirição em audiência, podem ser muito reveladores da credibilidade do depoimento ou das declarações. Somam-se outras circunstâncias atinentes à razão de ciência, ao interesse ou posicionamento da pessoa perante os factos objecto do processo e, no caso das testemunhas e dos assistentes, a sua postura de hostilidade ou de indiferença em relação ao arguido, o interesse que revelem ter em falar apenas sobre os factos acerca dos quais demonstram ter conhecimento directo e certezas, ou, pelo contrário, apenas se mostrem interessadas em incriminar o arguido, ou assentem os seus relatos em meras conjecturas ou suspeições, que podem contribuir de forma decisiva para credibilizar estes meios de prova. O mesmo se diga da análise comparativa, entre si e com outros meios de prova, na consideração de determinados depoimentos ou declarações como credíveis e dignos de alicerçarem a convicção do Tribunal e de outros como inverosímeis ou inúteis para a fixação da matéria de facto. «(...) o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjectividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro». «Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (...)». «Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente.» (Enrico Altavilla, em “Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal”, 4º vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112). Mas num sistema, como o processual penal português, de livre apreciação da prova, não tem qualquer eficácia jurídica o aforismo “testis unus testis nullus”, pelo que, um único depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, do mesmo modo que as declarações do arguido por si só, isoladamente consideradas, podem fundamentar a sua absolvição. «É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187)» (Ac. da Relação de Guimarães de 07.12.2018, processo 40/17.0PBCHV.G1, in http://www.dgsi.pt). E o que é, igualmente, certo é que um testemunho pode não ser necessariamente todo verdadeiro, nem necessariamente todo falso e ainda assim ser perfeitamente válido para fundamentar a convicção do Tribunal na consideração como provados de todos ou parte dos factos sobre que tenha incidido, desde que, à luz das regras de experiência comum, dos critérios de razoabilidade humana, das regras da ciência ou da técnica ou do valor probatório pleno de determinados meios de prova pré catalogados pela lei com essa especial eficácia, nas correlações que o Tribunal possa estabelecer com os demais meios de prova, tal depoimento se mostre credível e consistente. Neste contexto, é irrelevante para neutralizar a credibilidade das declarações do assistente que o arguido viva no primeiro, no segundo ou no terceiro andar. Ou que de um lado, o arguido e uma testemunha a sua mulher, tenha negado a existência de uma discussão entre o primeiro e o assistente e que este último e a testemunha MLP_____, sua mulher, tenham relatado os factos tal como os mesmos vieram a ser descritos nas alíneas a) a f) da sentença recorrida. Foi o próprio tribunal recorrido que constatou o que designou de igualdade aritmética de pessoas a apresentarem em audiência de julgamento duas versões diametralmente opostas: o arguido e a testemunha, mulher do arguido, negando a existência de qualquer tipo de diálogo entre o primeiro e o assistente e este e a testemunha sua mulher , que relataram os factos tal como os mesmos vieram a ser descritos na matéria de facto contida na sentença. E o tribunal recorrido superou essa igualdade aritmética, desde logo, porque, «o assistente e IR____ (sua companheira), confirmaram integralmente o quanto vem imputado ao arguido, fazendo um relato coerente, consistente e espontâneo», o que só por si, seria suficiente para alicerçar a convicção, de harmonia com o princípio da livre convicção do julgador. Depois, a sentença recorrida explicou com detalhe e recorrendo ao conteúdo das declarações e dos depoimentos e explicando, com recurso a regras de experiência e a critérios de razoabilidade, porquê e em que medida é que o depoimento das testemunhas NR___ e PQ______, ajudaram a esclarecer que o arguido faltou à verdade, na parte das suas declarações em que referiu que o assistente estava a discutir com uma terceira pessoa, a quem pretendeu imputar a autoria das expressões que o assistente disse terem-lhe sido dirigidas pelo próprio arguido. Não há, por conseguinte, erro de julgamento, porque, nem dos excertos probatórios expressamente invocados, nem da demais prova produzida resulta qualquer violação dos princípios que regem a apreciação da prova, previstos nos art.ºs 125º a 127º do CPP, que impusessem solução inversa àquela que veio a ser exarada na sentença recorrida, antes se tratando, no presente recurso, de o arguido manifestar a sua discordância da decisão de facto e de direito, porque quer ser absolvido. Improcede, pois, o erro de julgamento. O art.º 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito». A apreciação destes vícios não implica qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque envolve apenas a análise do texto da decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo. Apenas as regras de experiência comum podem servir de critério de aferição da sua existência. Assim, a matéria de facto será insuficiente para a decisão, quando na exposição da matéria de facto exarada no texto da sentença, se constata a ausência de elementos de informação que, podendo e devendo ter sido obtidos e julgados provados ou não provados, são necessários para alicerçar com segurança o sentido da decisão, seja de condenação, seja de absolvição, o que se verificará quando o tribunal recorrido tenha deixado de investigar, como lhe competia, factos pertinentes ao objecto do processo, tal como configurado pela acusação e pela defesa, ou que resultem da discussão da causa, a ponto tal, que esse défice factual impede a aplicação do direito à situação de vida submetida à apreciação do Juiz (cfr. Acs. do STJ de 12.03.2015, proc.º 40/11.4JAAVR.C2; de 24.02.2016, processo 502/08.0GEALR.E1.S1; de 12.07.2018, processo 172/17.5S7LSB.L1.S1 e de 06.02.2019, processo 1074/15.5PAOLH.E1.S1, in http://www.dgsi.pt.; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69 e Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 1274). Por sua vez, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, corresponde, genericamente, à afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário, vale por dizer, quando se considera provado e não provado o mesmo facto, ou quando se dão como provados factos antagónicos ou quando esse antagonismo intrínseco e inultrapassável se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou entre a fundamentação e a decisão. Verificar-se-á sempre que «(…) no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito» (Acs. do STJ de 12.03.2015, processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1 e de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1 O erro notório na apreciação da prova supõe que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis (Acs. do STJ de 12.03.2015, processo 40/11.4JAAVR.C2; de 06.12.2018, processo 22/98.0GBVRS.E2.S1 e de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1 e Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77). «Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º). «É o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 341). O texto da sentença recorrida é claro e coerente, não contém qualquer ambiguidade ou insuficiência, obscuridade ou contradição subsumível a qualquer dos apontados vícios, pelo que, também nesta parte, o recurso terá de ser julgado não provido. Quanto ao preenchimento dos elementos constitutivos do tipo de ameaça. A argumentação aduzida pelo recorrente de que o assistente, segundo o que o próprio declarou, ainda esperou dez dias que o arguido lhe pedisse desculpa e foi só perante o silêncio deste, que formalizou a queixa, por isso, a expressão proferida pelo arguido não lhe causou medo algum, parte do pressuposto errado de que o crime de ameaça é um crime de resultado, no sentido de que a sua consumação só se verifica se do anúncio do mal futuro, contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, resultar efectivo medo ou inquietação para a pessoa a quem esse anúncio é verbalizado ou, por outro meio, transmitido. Na versão do Código Penal de 1982, o crime de ameaças p. e p. pelo art.º 155º era configurado como um crime de resultado, pelo que a sua incriminação dependia da verificação, no espírito da vítima, de um estado de agitação e incerteza, relativamente à sua integridade física, saúde ou património, considerado este resultado como o critério mais idóneo para se aferir da seriedade da ameaça (v., por exemplo, nesse sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 02.03.88, BMJ nº 375, p. 455, o Ac. da Relação de Évora de 11.06.85, BMJ nº 350, p. 400 e Ac. do STJ de 20.04.83, BMJ nº 286, p. 78). Todavia, após a entrada em vigor do D.L. 48/95 de 15.3., o art.º 153º do mesmo diploma passou a referir a expressão «de forma adequada a provocar-lhe ...». Assim, há que entender que este tipo configura um crime de perigo e de mera actividade, pois que basta que, na perspectiva do agente e à luz das regras de experiência comum, tomando por referência a capacidade de entendimento e decisão do homem médio, o anúncio de um mal futuro que corresponda a um crime, em que se traduz a ameaça, seja apto a causar medo, inquietação ou perturbação da liberdade de determinação. «O que se exige para preenchimento do tipo, é que a acção reúna certas circunstâncias, não sendo necessário que, em concreto se chegue a provocar o medo ou a inquietação» (Figueiredo Dias, Actas da Comissão Revisora do Código Penal, Acta nº 45, p. 500). «O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo - individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades” do ameaçado» (Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, anotação ao art.º 153º). O que releva para a incriminação é que, independentemente de o destinatário do anúncio do mal correspondente a um dos factos típicos e ilícitos previstos no art.º 153º nº 1 se sentir intimidado, a ameaça seja susceptível de ser levada a sério pelo visado, à luz do critério acima mencionado. Por isso que, o crime de ameaça é um crime de perigo concreto, na medida em que, para a sua consumação, não se exige a ocorrência de dano, mas também não se basta com a simples ameaça, exigindo-se que, em concreto, a ameaça seja adequada a provocar no ofendido medo ou inquietação (neste sentido, entre outros, v. os Acs. da Relação de Évora de 24/04/2001, in CJ, Tomo II, pág. 270; da Relação de Coimbra de 16/03/2000, in CJ, Tomo II, pág. 45; da Relação de Lisboa de 09/02/2000, in CJ, Tomo I, pág. 147; da Relação de Coimbra de 07.03. 2012, proc.º 110/09.9TATCS.C1; de 03.02.2016, proc.º 164/11.8GAPNC.C1; Acs. da Relação de Évora de 05.05.2015, proc.º 11/13.6GFPTG.E1; da Relação de Guimarães de 23.04.2012, proc.º 326/11.8PBVCT.G1; de 08.04.2013, proc. 944/12.7PBBRG.G1; de 22.03.2015, proc.º 607/12.3GBVLN.G1, Ac. da Relação de Évora de 25.10.2016, proc.º 766/13.8GCFAR.E1, in http://www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 413; Miguez Garcia / J M Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 4 ao art.º 153º, pág. 633). Em face do que fica exposto, a argumentação do recorrente quanto ao enquadramento jurídico-penal do seu comportamento descrito em a) a f) da matéria de facto provada feito na primeira instância também não é passível de qualquer reparo, atenta a natureza do mal anunciado e a sua aptidão, à luz da teoria da causalidade adequada, para incutir receio no espírito do assistente e coarctar a sua liberdade de decisão e acção e a demais prova produzida quanto ao elemento subjectivo do tipo. O recurso improcede, pois, na totalidade III – DISPOSITIVO Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa: Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida. Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 3 UCs – art.º 513º do CPP. Notifique. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mmª. Juíza Adjunta. Tribunal da Relação de Lisboa, 14 de Outubro de 2020 Cristina Almeida e Sousa Florbela Santos A. L. S. Silva |