Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO PROVA DOCUMENTAL PROVA TESTEMUNHAL PROVA INDICIÁRIA FORÇA PROBATÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/02/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Seria de manter a decisão sobre a matéria de facto, considerados que fossem os depoimentos prestados pelas testemunhas, se a convicção atingida pelo tribunal de 1ª instância, alicerçada conforme conteúdo da «motivação» consignada, tiver suporte razoável naquilo que a gravação da prova, em conjugação com os demais elementos existentes no processo, possa patentear. II – A inadmissibilidade da prova por testemunhas, consoante o nº 1 do art. 394 do CC, diz respeito às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais ou acessórias. III – Resulta do art. 395 do CC, em conjugação com o art. 394 do mesmo Código, que se um contrato celebrado por documento for extinto por outro contrato, a prova deste não pode ser feita por testemunhas nem pelos meios probatórios assimilados à prova testemunhal. IV – As regras dos arts. 394 e 395 do CC não têm alcance absoluto, havendo que ressalvar, designadamente, a hipótese em que há um começo de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, sendo então admissível a prova por testemunhas. V – Aquele começo de prova escrito terá de ter alguma consistência e um mínimo de clareza; a prova testemunhal que em tais circunstâncias será permitida complementará o documento, mas este terá de se revestir de alguma relevância sem o que se subverteria o que o legislador pretendeu salvaguardar nos arts. 394 e 395 do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - Por apenso à execução que António … lhe moveu deduziu Joaquim … os presentes embargos de executado. Alegou o embargante, em resumo: O embargado emprestou-lhe, a ele (embargante), a sua filha Maria … e à firma «T… a quantia de 20.000.000$00, quantia de que o embargante, por escritura pública, se confessou devedor constituindo hipoteca de um imóvel a favor do embargado. Contudo, daquela quantia o embargante pagou ao embargado 8.800.000$00. Em data posterior o embargado emprestou à referida Maria … e a seu marido Luís … a quantia de 25.000.000$00. Estes, por escritura pública de 27-11-1996 confessaram-se devedores da quantia de 45.000.000$00, constituindo hipoteca sobre um prédio urbano. O embargado acordara na novação da dívida exequenda (cujo valor foi incluído no montante de 45.000.000$00 acima aludido) e em emitir nota de distrate relativamente à hipoteca que através da execução pretende fazer valer. Concluiu dever a excepção da novação ser julgada procedente, julgados procedentes os embargos e o embargante absolvido do pedido. Contestou o embargado, defendendo não ter havido qualquer novação e não haver recebido a aludida quantia de 8.800.000$00. O processo prosseguiu, sendo que face ao falecimento do embargante vieram a ser habilitados Joaquim … e a mencionada …. No final, os embargos foram julgados procedentes, declarada extinta a execução e o embargado foi condenado como litigante de má fé. Da sentença apelou o embargado, concluindo por este modo a respectiva alegação de recurso: I — A decisão recorrida está viciada relativamente à matéria dada como provada. II — O ora Apelante entende que quanto às alíneas E), F), G) e H) que não foi realizada qualquer tipo de prova que levasse o Mmo. Juiz a quo a decidir da forma como o fez. III — Entendeu o Mmo. Juiz a quo que a testemunha Moreira…, apesar de manter um litígio judicial com o embargado, prestou depoimento convincente e consistente, encontrando-se em posição privilegiada para conhecer os factos em causa, por neles ter tido, em larga medida, intervenção directa. IV - Para prova das als. E), F), G) e H) o Mmo. Juiz a quo baseou-se na análise crítica e concertada da prova testemunhal produzida, conjugada que foi com os documentos juntos aos autos, designadamente o teor do manuscrito de fls. 176 a 178 (cuja autoria o embargado assumiu, como afirmado a fls. 193), do resumo de fls. 179 a 182, relatório de fls. 241 a 249, análise financeira de fls. 251 a 261, relatório e contas de fls. 262 a 277 e respectivos anexos, da autoria da testemunha Moreira… e ainda relatório de fls. 238-239 e anexo de fls. 240, recaindo sobre o apresentado pela aludida testemunha Moreira, da responsabilidade do próprio embargado e de um outro técnico, de nome Barbosa, cedido para o efeito pela testemunha António … (cfr. despacho de resposta ao quesitos). V — Da análise dos documentos referidos supra, verificamos que os mesmos, salvo o devido respeito, não podem levar às conclusões expressas quer no despacho de leitura de resposta aos quesitos, quer na douta sentença ora apelada. VI - Os documentos manuscritos de fls. 176 a 178, de autoria do ora Apelante, consubstanciam uma série de números que resultam da actividade profissional prestada pelo Apelante à sociedade T..., e nada têm haver com o mérito dos autos. VII - O Mmo. Juiz a quo afirma que está provado que o exequente recebeu o montante de Esc. 8.000.000$00, baseando-se nos depoimentos das testemunhas inquiridas e dos referidos documentos manuscritos, verifica-se que esses mesmos documentos referem a quantia de Esc. 8.500.000$00 (cfr. fls. 177). VIII - Os papéis manuscritos contêm o nome do Senhor Augusto … à frente do valor supra mencionado, sendo que este nome nunca é mencionado em qualquer das escrituras de mútuo com hipoteca em análise. IX — Quanto aos restantes documentos, estes já apresentados de forma informática e de autoria da testemunha Moreira…, contêm na parte superior direita e bem visível a todos as menções "não tenho conhecimento de nada" (cfr. fls. 179), ou "... São coisa que desconheço." (cfr. fls. 181), "Desconheço" (cfr. fls. 182, onde também se fala dos juros ao Sr. Manuel). X — Estes são documentos particulares que não estão assinados nem têm qualquer timbre, pelo que muito dificilmente podem ir contra o documento público que deu origem aos embargos, nem podem, salvo o devido respeito, ser considerados um começo de prova escrita que indicie facto contrário ao vertido no documento autêntico. XI - Os documentos em apreço não podiam ter sido admitidos, estando assim igualmente o Mmo. Juiz a quo impedido de admitir a prova testemunhal, conforme disposto no artigo 394, n.° 1 do C.C., o que não se deixará de alegar em sede futura. XII - Quanto ao testemunho do Senhor Moreira…, verifica-se que este não foi isento, nem convincente, e muito menos consistente, observando-se no depoimento da testemunha referida supra, uma série de contradições, incorrecções e mentiras que não poderão deixar de afectar profundamente a credibilidade desta testemunha, que terá servido de base à criação da convicção do Mmo. Juiz a quo que estaríamos perante uma novação, algo que realmente não sucedeu. XIII - As contradições começam logo com o facto de na audiência de discussão e julgamento em que a actual embargante foi apresentada como testemunha pelo então executado, esta declarou que o distrate a que o ora apelante se havia obrigado a fazer quanto à hipoteca da escritura dos Esc. 20.000 000$00 se encontrava em poder do Dr. Henrique …, anterior advogado da embargante. O senhor Moreira…, a fls. 24 das transcrições, a instâncias do ilustre Advogado afirma que "Onde os primeiros vinte mil iriam ser arrumados, com nota de distrate que eu minutei, que emprestei, que dei ao Sr. Bento, e que seria entregue na altura da escritura, e ia-se fazer uma de quarenta e cinco com hipoteca de um armazém ... segunda hipoteca ... por sinal, de um armazém que lá estava atrás. Grande!". XIV - O senhor Moreira era solicitador, pelo que tinha necessariamente de saber que para poder ter uma prova irrefutável de que a segunda escritura iria novar a dívida da primeira, ou que, segundo os seus termos, "era extinção com nova constituição de dívida" (cfr. fls. 45 das transcrições) bastava constar desta segunda escritura que o Senhor Bento se obrigava a fazer o distrate da primeira, o que não fez porque a Senhora Maria … lhe disse para não se preocupar com isso já que "eu (Sra. Maria …) confio mais nesse senhor (Sr. António …) do que no meu pai (cfr. fls. 45 das transcrições), o que claramente não convence, pois nenhum técnico competente, minimamente conhecedor de direito, poderia ficar satisfeito com esta justificação, e não poderia deixar de manifestar o seu desagrado com o facto de nada ficar mencionado quanto à obrigação do distrate da primeira hipoteca. XV - Quanto ao relacionamento com o Apelante, a testemunha a instâncias da Mmª. Juiz a quo sobre se estaria indignado com o Senhor Bento responde que "e não com este senhor! De maneira nenhuma!" (cfr. pag. 30 das transcrições juntas), mais à frente (cfr. fls. 4 das transcrições) novamente a instâncias da Mma. Juiz sobre se tem algum litígio judicial pendente com o Sr. Bento, este afirma "com certeza". O que claramente manifesta a inimizade reinante entre a testemunha e o embargado. XVI - Não se concebe como pode o Mmo. Juiz a quo valorar o testemunho do Sr. Pedro Moreira ignorando os apresentados pelo Embargado quando o seu depoimento está cheio de incorrecções como a que surge quando o Senhor Moreira diz que o Senhor Bento "era uma pessoa que tinha contas correntes com a firma" (cfr. fls. 35 das transcrições). O que está em causa nos presentes autos é um mútuo feito pelo Senhor Bento ao Senhor Joaquim…, nunca a firma T… foi mencionada, pelo que não se percebe o porquê desta afirmação. O Apelante é um técnico competente, com largos anos de experiência em contabilidade, sabendo bem que não pode ter contas correntes com a firma para quem trabalha, já que isso não é ético nem profissional. XVII - Para mais o Mmº. Juiz a quo, sem qualquer razão, salvo o devido respeito, ignorou por completo o testemunho credível, sério e honesto do Dr. João …, ora o Dr. João … afirma no seu testemunho que o segundo empréstimo, onde ele também contribuía com Esc. 25 000 000$00, nada tinha a ver com o empréstimo anterior, "sei que, havia uma ... dinheiros emprestados por uma outra pessoa, que era uma hipoteca", "este (falando da 2ª escritura) empréstimo novo para ... desenvolvimento da empresa, para comprar um camião, um atrelado, para fomentar um..." (cfr. transcrições da pag. 97). Declara igualmente, a instâncias do ilustre mandatário que "havia dinheiros do Sr. Bento também e aliás, ele pediu-me porque já não tinha possibilidade de adiantar mais dinheiro próprio..."(cfr. transcrições da pag. 96), na pagina 99 das transcrições ora juntas quando o ilustre mandatário pergunta "o Sr. Dr. não tem duvidas nenhumas que, portanto, que este empréstimo dos quarenta e cinco mil contos não tem a ver, nada, com o primeiro?" a testemunha afirma peremptoriamente que "tenho absoluta certeza porque foi negociado, quer dizer, não directamente pelo Sr. Bento, mas negociado com a D. Fátima, com o Moreira, comigo... na presença dele... em que... era sustentado com uma hipoteca que iam fazer." E continuando, mas agora a instâncias do Mmº. Juiz a quo que pergunta "mas olhe… a pergunta do Sr. doutor é a seguinte: tem a certeza que o empréstimo de quarenta e cinco mil nada tinha a ver com o dinheiro antes emprestado?", ao que a testemunha responde afirmando "nada!". XVIII – Apesar das várias interpelações, a testemunha manteve-se fiel ao que sempre afirmou, dizendo até à exaustão que o segundo empréstimo nada tinha a ver com o primeiro, e que quer a embargante quer a testemunha Moreira sabiam que isto era assim, e que assim tinham acordado. XIX — O depoimento Sr. Nascimento foi coerente, convincente e consistente, encontrando-se em posição privilegiada para conhecer os factos em causa, por neles ter tido, em larga medida, intervenção directa. O Senhor Nascimento não tem qualquer litígio com nenhuma das partes da presente acção, nada o move nem contra a Embargante, muito menos contra o Embargado. XX - Os testemunhos do Sr. Moreira… e do Sr. João … estão em total oposição, mas a verdade é que só o testemunho do Sr. Moreira foi relevado pelo Mmo. Juiz a quo, ora a livre convicção de um julgador é inatacável, mas o certo é que estando duas testemunhas a dizer precisamente o contrário uma da outra, o Mmº. Juiz a quo deveria, salvo o devido respeito, ter utilizado a figura da contradita, e não ter optado clara e deliberadamente por uma das posições em confronto, desconsiderando por completo um dos depoimentos, se o Mmº. Juiz a quo tivesse relevado o testemunho do Senhor João… nunca poderia dar como provado os artigos 2.° a 7.° da base instrutória, já que o seu testemunho é claro quando afirma que o segundo empréstimo nada tem haver com o primeiro, tendo inclusive havido negociações entre a Embargante o Senhor Moreira e o Senhor Bento onde isso terá ficado claramente definido. XXI - No douto despacho de resposta ao quesitos, o Mmo. Juiz a quo declara que "Analisando o depoimento desta última testemunha (Senhor João …) resulta claro, por um lado, que emprestou o montante de 25 000 contos, e na altura já o exequente havia concedido empréstimos pessoais, não tendo disponibilidade financeira para conceder novos empréstimos." Não nos parece, salvo o devido respeito, que seja isto que resulta do depoimento do Sr. João …, o que o Sr. João diz é que Sr. Bento não tinha capacidade para emprestar sozinho 45.000 contos, pelo que pediu ao Senhor João que lhe emprestasse 25 000 contos, já que o Sr. Bento só tinha capacidade para emprestar mais 20 000 contos. XXII - No mesmo despacho, o Mmo. Juiz a quo refere que "Da conjugação de todos os referidos elementos não subsistiram dúvidas quanto ao facto de estarmos na presença de apenas dois empréstimos, um no montante de 20 000 contos e outro de 25 000 contos, provenientes, respectivamente, de Manuel … e João …, amigos do embargado, que angariou tais empréstimos e por eles se responsabilizou...". Mais uma vez, salvo o devido respeito, não é isso que resulta do depoimento do Senhor João, o que este sempre diz, e mesmo várias vezes depois de interpelado pelos ilustres mandatários e pelo Mmo. Juiz a quo, é que emprestou ao Sr. Bento 25 000 contos para perfazer a quantia de 45 000 contos que consta na segunda escritura, tendo o Sr. Bento e a esposa emprestado o remanescente à embargante e respectivo esposo. XXIII — O Tribunal a quo fez uma interpretação errada do testemunho do Sr. João, e a ser feita a interpretação que decorre das palavras transcritas verificar-se-ia que os factos dados como provados nas alíneas e), f), g) e h) teriam de ser diferentemente valorados. XXIV - Os presentes autos baseiam-se numa escritura pública de mútuo com hipoteca, pelo que nos termos do artigo 369.° e 371.° do Código Civil, estamos na presença de um documento autêntico com força probatória plena. Nos termos do artigo 372.° n.° 1 do C.C., a força probatória plena destes documentos só pode ser ilidida com base na sua falsidade, o que claramente não sucedeu nos presentes autos. XXV - O artigo 394.° n.° 1 do C.C. prescreve que é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico mencionados nos artigos 373.° a 379.° do C.C. O Professor Manuel de Andrade, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 2ª ed., pag. 28, explica que "A letra do n.° 1 do artigo 394.° é tão explícita e categórica que não pode exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, outro pensamento legislativo que não seja o da proibição absoluta da prova testemunhal, se tiver por objecto convenções contrárias ao conteúdo de documentos autênticos ou particulares, em ordem a defender o conteúdo desses documentos (o seu carácter verdadeiro e integral) contra os perigos da precária prova testemunhal.". Como o artigo 395 do C.C. estende este regime ao cumprimento da novação, o testemunho do Senhor Pedro Moreira é legalmente inadmissível, devendo considerar-se como não escrito, o que implicará uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo Mmo. Juiz a quo, visto este ter baseado a sua decisão no testemunho ora impugnado. XXVI - O Mmº. Juiz a quo, seguindo a orientação do aresto da Relação de Lisboa de 17/12/98, in BMJ 482, pág. 295, entende que existindo um começo de prova escrita que indicie facto contrário, já a prova testemunhal será de admitir, sucede que, no caso sub iudice, não existe qualquer tipo de começo de prova escrita que indicie facto contrário ao que prescreve a escritura publica junta aos autos, já que os documentos juntos aos autos pela testemunha Moreira não podem ser considerados como principio de prova já que tratam-se de documentos particulares que não estão assinados nem têm qualquer timbre, contendo as menções "não tenho conhecimento de nada"(Cfr. fls 179), ou "... São coisa que desconheço." (Cfr. fls 181), "Desconheço" (Cfr. fls 182, onde também se fala dos juros ao Sr. Manuel), também o Professor Mota Pinto, in Teoria Geral, 1974, 342 e ss, afirma que da coordenação do art. 221.° com o art. 394.° do C.C., resulta que as estipulações adicionais não formalizadas (no caso a novação), anteriores ou contemporâneas ao documento, não abrangidas pela razão determinante da forma, só produzirão efeitos se tiver lugar a confissão (o que não sucedeu) ou se forem provados por documento, embora menos solene do que exigido pelo negócio (o que igualmente não sucedeu). Como tal, este depoimento nunca poderia ter sido admitido pelo Mmo. Juiz a quo, e ao fazê-lo violou claramente o disposto nos artigos 395.° e 394.° do Código Civil, o que justifica a anulação da decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que negue provimento aos embargos por não provados. XXVII - Entende o Mmo. Juiz a quo, que resultou demonstrado que na escritura celebrada em 27/11/1996, no montante então mutuado de Esc.: 45 000.00,00, se encontrava englobada a quantia de Esc.: 20.000.000,00, referente ao empréstimo ao embargante, provou-se igualmente, no entender do Mmo. Juiz a quo, que se procedia a primeira escritura celebrada entre as partes por aquela outra agora assumida por pessoas diversas, a saber, os devedores Fátima … e marido, concluindo de forma incorrecta, no modesto entender dos ora Apelantes, que "dúvidas não restam no sentido de corresponder à vontade das partes proceder, por via dessa inclusão, a uma extinção daquela primeira obrigação, a cargo do embargante, surgindo em sua substituição uma outra, de valor diferenciado e a cargo de outros obrigados..." XXVIII - No caso sub iudice, verificamos que estamos na presença de duas escrituras públicas, uma de Confissão de Dívida com Hipoteca no valor de Esc. 20.000.00$00, onde as partes são o Senhor António … como aceitante da confissão e o Senhor Joaquim … como confessor da dívida supra mencionada, e outra de Mútuo com Hipoteca no valor de Esc. 45.000.000$00, onde o Senhor António … e mulher C… são os mutuantes e a Senhora Maria … e marido Luís … como mutuados, ou seja, embora um sujeito (António… ) esteja presente nas duas escrituras, os devedores não são os mesmos, pelo que nunca poderia haver qualquer tipo de novação. XXIX — E nem se diga que o presente caso configura uma novação subjectiva prevista no artigo 858.° do C.C., já que nem existiu uma vinculação do devedor perante um novo credor, nem se traduziu na substituição do obrigado, exonerado pelo credor, por um novo devedor (A. Varela, Obrigações, 2.° Volume, pag. 246). O que existe, de facto e de direito, são duas obrigações distintas, tituladas por duas escrituras de Mútuo com Hipoteca, onde apenas o credor é o mesmo sujeito activo, embora na segunda Escritura esteja acompanhado pela sua mulher, XXXI - Os devedores não se confundem, o que claramente afasta a tese de existência de uma novação. XXXII - Para existir novação é necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga; e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial dos seus elementos constitutivos. Não basta, para isso, que se altere, por exemplo, a data do cumprimento, se aumente ou reduza a taxa de juro, se majore ou reduza o preço, ou se dê por finda uma garantia, etc. Assim fazer fé que a segunda escritura de mútuo englobava a primeira esta apenas altera elementos acessórios, altera o prazo, a garantia e o preço, e nunca releva numa alteração substancial dos seus elementos constitutivos, pelo também aqui não pode atender-se à tese da novação. XXXIII - O instituto da novação pressupõe que a vontade de contrair nova obrigação em substituição da antiga seja manifestamente declarada. XXXIV – Entendeu o Tribunal a quo que "Tal escritura (a segunda) substituiria, nos termos acordados, a anteriormente celebrada, donde se conclui terem as partes declarado expressamente a vontade de novar." Porém, o certo é que nessa segunda escritura não vem declarado em parte alguma que esta vinha substituir a antiga obrigação. XXXV – O Mmo. Juiz a quo indica na decisão ora recorrida que "Tal intenção de substituição é ainda corroborada pela circunstância do aqui embargado se ter obrigado a emitir nota de distrate relativamente à primeira obrigação e suas garantias", mas a verdade é que continua a faltar a declaração expressa por parte do embargante daquela intenção Sucede que o artigo 869.° do C.C. não se vale com conclusões lógicas, não se baseia em presunções, necessita de uma declaração expressa bilateral, e essa nunca foi realizada pelo ora Embargante. XXXVI - O meio directo de manifestação da vontade, para efeitos de novação, nos termos do artigo 859.°, é a declaração que tem de revelar-se por uma atitude dos sujeitos de obrigação, que seja inequívoca, que mostre frontalmente a vontade de substituir a antiga obrigação por uma nova; uma atitude que imponha tal conclusão, sem necessidade de dedução baseada em factos que, embora toda a probabilidade, a revelam, o que não se verifica na decisão recorrida, já que para prova da manifestação da vontade, parte de deduções baseada em factos relatados por um testemunho deveras duvidoso, sem atender à vontade claramente manifestada pelo Apelante, e comprovada por vários testemunhos, indevidamente desconsiderados, de não substituir a antiga obrigação por uma nova. XXXVII - A convenção de novação não pode em parte alguma ser considerada uma cláusula acessória, já que, até no entender da embargante, a segunda escritura destinou-se, entre outras coisas, a englobar a primeira obrigação na segunda, logo, esta cláusula não pode ser considerada acessória, é essencial para a formação da vontade da própria embargante, sem a qual esta nunca assinaria a segunda escritura, XXXVIII – De acordo com o artigo 221. n° 1 do C.C, esta estipulação verbal, a existir o que não se concebe, é uma cláusula essencial que deveria revestir a forma de escritura pública, pelo que ao não lhe ter sido dada essa forma a mesma é nula. Além do mais como já foi mais do que provado, essa declaração a existir o que não se concebe, não corresponde à vontade das partes, já que nunca o Apelante manifestou ou pretendeu novar com a segunda escritura a obrigação que está titulada na primeira, isto porque são duas obrigações distintas, pelo que nunca poderia haver essa declaração. XXXIX - Para as estipulações verbais anteriores ao documento serem válidas necessitam de cumprir os seguintes requisitos: 1) Terão de tratar-se de cláusulas acessórias, ou seja, não essenciais; 2) Não podem ser abrangidas pela razão de ser da exigência do documento; 3) Terão de corresponder à vontade das partes. Assim, não estão reunidos os pressupostos necessários e devidamente elencados pelo Mmo. Juiz a quo. na douta decisão recorrida para considerar válida essa pretensa declaração, devendo esta ser considerada nula, nos termos do artigo 221.° n.°1 do C.C. Porquanto, nem a cláusula de novação da segunda escritura poderá ser considerada acessória, pela sua própria razão de ser, e pela sua essencialidade na formação da vontade da própria embargante teria necessariamente de constar da referida segunda escritura de mútuo com hipoteca, e não corresponde claramente à vontade declarada das partes, por muito que a embargante pudesse, intimamente, pensar de forma diversa. XL - Não faz qualquer sentido, que o Mmo. Juiz a quo tenha condenado o Embargado em multa por litigância de má fé. XLI - A factualidade assente não corresponde à realidade dos factos, conforme demonstrado anteriormente, não correspondendo à verdade, que a obrigação titulada pela escritura de mútuo com hipoteca não existia, e que como tal desconhecia, como desconhece ainda hoje, que executou um crédito inexistente. XLII- Não existe nenhuma novação, o que existe são duas obrigações distintas, tituladas por escrituras diversas, onde inclusivamente as partes são diversas. O Apelante nunca alterou a verdade dos factos, apenas se limitou a exercer os direitos devidamente titulados por documento autêntico, e nunca procurou utilizar a lide de forma a tentar obter aquilo a que não tinha direito. XLIII - Salvo o devido respeito, não pode proceder esta condenação do embargado em litigância de má fé, se houve sempre alguém que actuou de uma forma insuspeita e com uma lisura de processos inabalável foi o embargado. Da Má fé da Embargante XLIV - Se houve alguém que adulterou a verdade dos factos com o objectivo ilegal de se furtar ao pagamento de uma obrigação legitimamente constituída foi a Embargante. A Embargante aproveitou o instituto jurídico da novação para criar a confusão entre duas obrigações perfeitamente distintas. Criou um enredo imaginativo, ao qual juntou documentos que contém na parte superior direita e bem visível a todos as menções "não tenho conhecimento de nada"(Cfr. fls. 179), ou "... São coisa que desconheço." (Cfr. fls. 181), "Desconheço" (Cfr. fls. 182 ), alguns dos quais sem autoria identificada, e testemunhas que alem de terem conflitos jurisdicionais com o embargado, prestaram testemunhos incongruentes ilógicos e em contradição com o que haviam dito anteriormente. A embargante contra alegou nos termos de fls. 910 e seguintes. * II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: A- O exequente deu à execução a escritura pública lavrada em 25 de Janeiro de 1995 no 1º Cartório Notarial de Torres Vedras, a fls. 87 do livro 165-B, onde o executado se constituiu e confessou devedor a ele, exequente, da quantia de Esc.: 20.000.000$00, obrigando-se a restituí-la no prazo de 2 anos, sem vencer juros (al. A) B- Em garantia da obrigação assumida o executado constituiu hipoteca a favor do exequente sobre o prédio urbano sito no lugar e freguesia do Turcifal, que não é a casa da morada de família, composto de casas do rés-do-chão e sótão para habitação, com a área de 272 m2, confrontando a norte com Joaquim …, sul Maria …, nascente Joaquim … e poente com Largo público, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1552 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º 41077 a fls. 48v do livro B-105, hipoteca que se encontra definitivamente inscrita a favor do exequente pela inscrição C-1 (al. B). C- O exequente recebeu o montante de 8.000.000$00 (oito milhões de escudos) a título de juros vencidos sobre a quantia referida na escritura identificada em A) (resposta ao art. 1º); D- Por escritura pública lavrada de fls. 69 a 70 do Livro 42-D do Cartório Notarial de Sobral de Monte Agraço em 27 de Novembro de 1996, os aí primeiros outorgantes, Maria … e marido, Luís …, declararam que se confessam devedores aos segundos outorgantes António … e mulher, C…, da quantia de Esc.: 45.000.000$00, que lhes foi emprestada nessa data e pelo prazo de 10 anos, verificando-se a amortização de capital a partir do terceiro ano. Que o empréstimo não vence juros e que todas as despesas de constituição, registo e distrate correm por conta dos primeiros outorgantes. Que para garantia deste empréstimo a primeira outorgante, com o consentimento do seu cônjuge, constitui hipoteca, já registada provisoriamente a favor dos segundos outorgantes pela inscrição G - 3, sobre o prédio sito em Trás dos Valados, freguesia do Turcifal, concelho de Torres Vedras, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número 463 da freguesia do Turcifal, registado a favor da primeira outorgante pela inscrição G-4, inscrito no artigo 1985, ao qual atribuem o valor de Esc.: 45.000.000$00. Declararam os segundos outorgantes que aceitam a confissão de dívida e de hipoteca, nos termos exarados, tudo cfr. documento junto de fls. 8 a 11, não impugnado, e cujo teor se dá aqui por reproduzido quanto ao mais (al. C). E- No montante mencionado na escritura referida na alínea anterior está englobada a quantia de 20.000.000$00 constante da escritura referida em A) (resposta ao art. 2º). F- O referido nas als. anteriores foi feito para substituição da obrigação assumida pelo embargante/executado na escritura a que se alude em A) e por comum acordo do embargado, do embargante e dos ditos Maria … e marido, Luís … (respostas aos arts. 3º e 4º). G- Na sequência do então acordado o exequente acordou emitir nota de distrate relativa à hipoteca referida na al. B) (resposta ao art. 5º); H- O exequente recusou-se a emitir tal nota de distrate já depois de realizada a escritura mencionada na al. C) (resposta aos arts. 6 e 7º). * III – 1 - São as conclusões dos recursos que definem o objecto dos mesmos, consoante resulta dos arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC. Deste modo, as questões que, essencialmente, se colocam na presente apelação reconduzem-se ao seguinte: - se não pode subsistir e ser considerada a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância fez constar sob as alíneas E) a H) da sentença, quer por a prova globalmente produzida, incluindo a testemunhal, não conduzir àquele resultado, quer por a prova testemunhal não ser admissível no que a tal respeita; - se não se verificam os pressupostos que permitiriam concluir pela novação da obrigação exequenda. * III – 2 - Antes de mais impugna o apelante a decisão sobre a matéria de facto, fazendo-o no que concerne às alíneas E), F), G) e H) da matéria de facto provada. Quanto a esta matéria específica – correspondente às respostas positivas aos arts. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da Base Instrutória – o tribunal de 1ª instância, consoante se depreende da leitura da «Motivação» das respostas, baseou-se nos depoimentos das testemunhas inquiridas e nos documentos juntos aos autos, dando uma maior relevância, no que àqueles concerne, ao depoimento da testemunha Moreira (em conjugação com os «relatórios» entendidos como da sua autoria juntos aos autos), no sentido daquilo que veio a ser considerar provado. Já o apelante, na sua alegação de recurso, evidencia o depoimento da testemunha João, em sentido divergente daqueloutro – ou seja, no sentido de que o empréstimo de 45.000.000$00 nada tinha a ver com o empréstimo de 20.000.000$00 a que se reporta a escritura exequenda. Vejamos. Analisemos a questão sob uma primeira perspectiva – a da impugnação da matéria de facto, atenta a prova produzida, incluindo os depoimentos prestados (termos em que primeiramente nos é colocada pelo apelante). É sabido que a gravação dos depoimentos pode revelar-se insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do juiz, uma vez que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não são susceptíveis de ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (1). É que os «depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as palavras, no crédito a prestar-lhe» (2)). Como foi entendido no acórdão do STJ de 13-3-2003 (3) «desprovida do que só a imediação pode facultar a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida». O mesmo STJ, em acórdão de 14-3-2006 (4) referiu que o objectivo da reapreciação das provas não é o de «proceder a um novo e global julgamento da matéria de facto, mas, apenas, o de – pontualmente e sempre segundo a iniciativa da parte interessada – detectar eventuais erros de julgamento». Já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 198/2004, de 24/03/2004 (5) considerou: «A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal (…) permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo. A imediação, que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamada “princípio subjectivo”, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» Na realidade, o tribunal de segunda instância não vai à procura de uma nova convicção mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação de prova – com os mais elementos existentes nos autos – pode exibir perante si. Quem efectua o julgamento e contacta directamente com as testemunhas tem, necessariamente, uma percepção da prova muito mais completa do que aquilo que é trazido, mediante a gravação, aos juízes do tribunal de recurso. Deste modo, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância na fixação da matéria de facto será relevante neste Tribunal apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que aquele se verifique que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo mesmo recorrente. No caso que nos ocupa, integralmente ouvidas as cassetes onde foi registada a prova testemunhal produzida, podemos concluir que a convicção atingida pelo Tribunal de 1ª instância, alicerçada conforme conteúdo da «Motivação» consignada, atendendo à prova testemunhal produzida conjugada com os documentos ali referidos – e no que concerne às alíneas da matéria de facto impugnadas - teria suporte razoável. É certo que o depoimento da testemunha João …, economista, foi em sentido oposto, referindo peremptória e repetidamente aquela testemunha que o empréstimo de 45.000.000$00 nada tinha a ver com o anterior empréstimo de 20.000.000$00 e que sabia disso porque se informara, uma vez que «comparticipou» com 25.000.000$00 para aqueles 45.000.000$00 (já que o embargado não dispunha então de capital suficiente para suportar aquela quantia), tendo-lhe aquilo que afirma sido garantido quer pela embargante habilitada, quer pelo Sr. Moreira. Este Moreira, porém, depôs no sentido de a escritura referente aos 45.000.000$00 englobar os 20.000.000$00 da primeira escritura, esperando-se então uma nota de distrate que não chegou a ser entregue à embargante – apoiando-se o seu depoimento nos «relatórios» por si produzidos. Tendo em conta a qualidade de administrador da «T…» que esta testemunha então possuía, estando no cerne da situação e das negociações que conduziram à assinatura do segundo contrato de mútuo, com uma posição privilegiada para o conhecimento dos factos perguntados, compreende-se a importância dada ao seu depoimento, não se perspectivando neste contexto um erro de julgamento no sentido acima apontado (sendo, ainda, de sublinhar que se o embargado mantém um litígio judicial com a testemunha, também esta não acabou «a bem» a sua relação com a embargante habilitada no âmbito das funções desenvolvidas na «T…»). O aporte das restantes testemunhas inquiridas foi reduzido, uma vez que como referido na «Motivação» do tribunal de 1ª instância o depoimento de C… (mulher do embargado) foi titubeante e Elsa … pouco mostrou saber. Já a testemunha António … teve um conhecimento posterior das escrituras tendo assistido a algumas conversas por acompanhar a embargante (em nota, refira-se que ouvidas por este tribunal as cassetes com a gravação da prova, o depoimento desta testemunha, no seu todo não soará muito convincente). Contudo, se na consideração por este prisma dos argumentos do apelante quanto à impugnação da matéria de facto não procedem as suas conclusões, sendo de manter a matéria de facto provada considerados que fossem os depoimentos prestados pelas testemunhas, outros aspectos haverá que abordar. * III – 3 - É título executivo da execução de que estes embargos são dependência a escritura pública documentada a fls. 495-499, datada de 24-1-1995. Nesta, sob o título de «Confissão de Dívida com Hipoteca», o primitivo embargante confessou-se devedor ao embargado do capital de 20.000.000$00, recebido de empréstimo naquela data e que se obrigou a restituir, constituindo para garantia deste empréstimo hipoteca a favor do embargado sobre o prédio ali descrito. O embargante veio invocar a novação relativamente àquela dívida, afirmando que posteriormente, tendo o embargado emprestado mais 25.000.000$00 à sua filha Maria … e marido (tornando-se aquela, entretanto, embargante habilitada nos autos) havia sido lavrada escritura em que a mencionada Maria … e marido se confessaram devedores da quantia global de 45.000.000$00, constituindo outra hipoteca a favor do embargado. Da escritura pública documentada a fls. 8-11, denominada de «Mútuo com Hipoteca», consta que Maria … e marido, Luís …, declararam confessar-se devedores ao embargado e a sua mulher, C…, da quantia de 45.000.000$00 «que lhes foi emprestada nesta data e pelo prazo de dez anos», constituindo para garantia deste empréstimo hipoteca sobre o prédio que ali se descreve. Nada é dito neste documento com referência a uma eventual novação com respeito à dívida confessada pelo primitivo embargante na escritura exequenda. Formulados os arts. 2 a 7 da Base Instrutória (nos quais se perguntava se no montante mencionado na escritura realizada em segundo lugar estava englobada a quantia de 20.000.000$00 constante da escritura primeiramente realizada, se tal fora feito para substituição da obrigação assumida pelo embargante na primeira escritura e por comum acordo do embargado, do embargante e da Maria … e marido, Luís …, se na sequência do então acordado o exequente acordou emitir nota de distrate relativa à primeira hipoteca e se o exequente se recusou-se a emitir tal nota de distrate) reclamou o embargado da base instrutória no sentido da eliminação de tais artigos, por não poder o embargante pretender provar o que, a existir deveria constar da escritura de mútuo (fls. 146-147). Tal reclamação veio a ser indeferida (fls. 184). Posteriormente, no despacho em que foi decidida a matéria de facto, o Tribunal de 1ª instância aludiu ao art. 394 do CPC, entendendo que verificando-se um começo de prova escrita já a prova testemunhal seria de admitir, embora referindo-o directamente com ligação à resposta ao art. 1 da Base Instrutória (fls. 701). Contra tal se manifesta o apelante, apoiando-se no disposto nos arts. 221 e 394 do CC. Vejamos. A novação consiste na extinção de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova que a substitui. A razão determinante da extinção da primitiva obrigação é a constituição de um novo vínculo que, embora se identifique economicamente com a obrigação extinta tem uma fonte jurídica diferente (6), dizendo-se a novação objectiva sempre que a nova obrigação se constitua entre os mesmos credor e devedor da obrigação antiga e subjectiva sempre que se verifique mudança de algum dos sujeitos (arts. 857 e 858 do CC). A novação resultará de «um negócio jurídico complexo através do qual se procede à substituição de um vínculo obrigacional mediante a sua prévia extinção e constituição de um novo vínculo entre as mesmas partes ou com alteração de uma delas». Acresce que segundo o art. 859 do CC a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada – só haverá novação se as partes exteriorizarem directamente a intenção de novar. Na escritura de fls. 8-11 – contrato de mútuo, sujeito à forma escrita por imposição do art. 1143 do CC - não existe qualquer referência a uma eventual novação da anterior dívida do primitivo embargante para com o embargado, antes constando que a quantia de 45.000.000$00 foi emprestada à Maria … e ao marido desta naquela mesma data em que a escritura foi realizada. A afirmação de que então foram mutuados apenas 25.000.000$00 e que os restantes 20.000.000$00 correspondiam a uma novação atento o anterior contrato de mútuo em que intervieram como partes o embargante Joaquim (que não interveio no segundo mútuo) e o embargado, contraria o que consta do documento. São realidades diferentes o empréstimo a A e B de uma determinada quantia e o empréstimo de parte daquela quantia a A e B bem como a novação subjectiva com referência a uma obrigação já existente e a que C estava adstrito. Atento o disposto no art. 371, nº 1, do CC os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base na percepção da entidade documentadora. No caso, a entidade documentadora terá percepcionado, tão só, a declaração da actual embargante, Maria … e de seu marido de que se confessavam devedores da quantia de 45.000.000$00 que lhes fora emprestada naquela data, fazendo o documento prova plena de que eles assim haviam declarado. Coisa diferente é o que respeita à realidade, à exactidão de tal afirmação, não susceptível de ser percepcionada nos termos acima aludidos. No que a tal respeita o documento não tem força probatória plena (7). Ora, dispõe o nº 1 do art. 394 do CC: «É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico … quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores». Referem Pires de Lima e Antunes Varela (8) que o artigo se aplica, apenas, às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais ou acessórias, como lhes chama o art. 221 do CC (9), já que a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos, na parte em que estes têm força probatória plena, resulta dos arts. 371 e 372 (no que respeita aos documentos autênticos). O objectivo será o de afastar os perigos que a admissibilidade da prova testemunhal seria susceptível de originar - quando uma das partes (ou ambas) quisesse infirmar ou frustrar os efeitos do negócio, poderia socorrer-se de testemunhas, destruindo mediante uma prova extremamente insegura a eficácia do documento. Nas palavras de Mota Pinto (10) assim «se defende o conteúdo dos documentos (o seu carácter verdadeiro e integral) contra os perigos da precária prova testemunhal, em conformidade com a máxima “lettres passent témoins”. Já o art. 395 do CC preceitua que as disposições dos arts. 393 e 394 do CC são aplicáveis ao cumprimento, remissão, novação, compensação e, de um modo geral, aos contratos extintivos da relação obrigacional, mas não aos factos extintivos da obrigação, quando invocados por terceiro. Numa diferente perspectiva, na perspectiva que parte do mútuo primeiramente celebrado, a novação invocada correspondia a um facto extintivo da obrigação decorrente para o primitivo embargante do contrato de mútuo por ele celebrado, com o embargado, também por escritura pública, em 24-1-1995; a prova testemunhal estaria igualmente afastada nos mesmos termos antes referidos. Como refere Vaz Serra (11) resulta do art. 395, em conjugação com o art. 394 que «se um contrato celebrado por documento for extinto por outro contrato, a prova deste não pode ser feita por testemunhas, nem pelos meios probatórios assimilados à prova testemunhal (presunções judiciais, art. 351; confissão extrajudicial verbal, art. 358, nº 3) só podendo sê-lo com meios de prova de força probatória superior» (negrito nosso). * III – 4 - Defende, todavia, Vaz Serra que não formulando os arts. 394 e 395 excepções expressas às regras neles consignadas isso não quer «dizer que tais regras sejam sempre aplicáveis, pois da razão de ser destas conclui-se que não têm alcance absoluto, havendo que ressalvar algumas hipóteses em que a prova testemunhal será admissível apesar de ter por objecto uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento» (12). Assim, quando há «um começo de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal não é já o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção por, então, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. Também no nosso direito, se o facto a provar já está tornado verosímil por um começo de prova escrito, a prova de testemunhas é de admitir, pois não oferece os perigos que teria quando desacompanhada de tal começo de prova» (13). Outra excepção apontada é a de ter sido impossível, moral ou materialmente ao contraente obter uma prova escrita. «Esta excepção é de admitir mesmo sem texto legal que expressamente a estabeleça, pois é uma simples consequência de uma das razões por que não se admite a prova de testemunhas contra ou além do conteúdo de documentos: essa razão é a de que os contraentes poderiam ter reduzido a escrito as cláusulas ou convenções cuja prova pretendem fazer por testemunhas; portanto, se no caso concreto não houve essa possibilidade, cessa a razão de ser da prova testemunhal e esta é admissível». A terceira excepção é a de perda sem culpa do documento que fornecia a prova. * III – 5 - Atentamos ao caso que nos ocupa (14). Não correspondendo a situação dos autos, obviamente, à terceira excepção também não se enquadrará na segunda: quando foi celebrado o segundo contrato – o contrato documentado a fls. 8-11 – as partes poderiam ter reduzido a escrito as cláusulas cuja prova pretendem fazer por testemunhas, não subscrevendo a actual embargante aquele contrato se assim não sucedesse. Resta-nos a primeira excepção apontada (que o tribunal de 1ª instância considerou verificada, relacionando-a, embora, apenas com a resposta ao art. 1 da Base Instrutória). Existirá nos autos e no que a esta matéria concerne um começo, ou princípio, de prova por escrito? Interessa-nos o âmbito das respostas aos arts. 2 e seguintes da Base Instrutória (a resposta ao art. 1 não foi impugnada pelo apelante). Juntos aos autos encontram-se os documentos de fls. 176-178 e 179-182, o primeiro deles documento reconhecidamente da autoria do embargado (fls. 193), o segundo processado por meios informáticos e não assinado, mas correspondendo o seu teor, igualmente, a parte daqueles que se encontram a fls. 241 e seguintes cuja autoria é atribuída à testemunha Moreira. A par do referido documento de fls. 241 e seguintes encontra-se o relatório de fls. 238-239 e respectivo anexo de fls. 240, sendo imputada ao embargado uma das assinaturas deste relatório (15). Na situação concreta dos autos entende-se que os documentos da autoria da testemunha Moreira, um terceiro relativamente ao processo, neles exprimindo os respectivos conhecimentos e percepções (compreendendo, com respeito à «T…», uma “Perspectiva Orçamental”, uma “Análise Financeira”, um “Relatório e Contas”, uma “Receita” e “Contas”), por si só, não poderão ser considerados como o princípio de prova por documento acima aludida, para os pretendidos efeitos. Diferentemente se passa com os documentos de fls. 176-178 e de fls. 238-239 (com o anexo de fls. 240) dada a sua conexão com o embargado. Porém, se daquele primeiro documento se retiraram elementos valoráveis no que respeita à resposta ao art. 1 da Base Instrutória, nada se retira com a necessária relevância com referência aos restantes artigos daquela peça processual (estar englobada na segunda escritura a quantia de 20.000.000$00 considerada na anterior, ter sido acordada entre o primitivo embargante, o embargado, a embargante habilitada e o Luís … a substituição da antiga obrigação pela resultante da 2ª escritura, a combinação da emissão de nota de distrate). Quanto ao documento de fls. 238-239 e seu anexo, datado de 23-8-97, decorre do seu teor constituir uma análise («basicamente na sua componente técnica … pelo que não se confirma a autenticidade de todos os valores constantes das contas», tendo sido feita «tão somente a conferência técnica»), por parte do embargado e de Augusto …, das contas apresentadas pela testemunha Moreira, em que se constataram alegadas incorrecções de modo a que o saldo apresentado pelo Moreira a seu favor foi reduzido de 5.498.275$00 para 4.162.621$00. De acordo com os elementos constantes dos autos reportar-se-á o documento às «Contas» de fls. 309 e seguintes, constituídas, após fls. 350, por docs. I, II, II, IV e V e com uma nota final a fls. 371, onde consta como saldo favorável a Moreira os aludidos 5.498.275$00. Ora, da conjugação do documento de fls. 238-240, assinado pelo embargado, com as visionadas contas de fls. 309-371 a que ele se reporta, não decorre, igualmente a existência do pretendido princípio de prova escrita no que respeita à matéria de facto assinalada. Aquele princípio de prova escrita terá de ter alguma consistência e um mínimo de clareza com respeito aos factos que através dele se pretendem provar. A prova testemunhal que, naquelas circunstâncias, será permitida complementará o documento, mas este terá de se revestir de alguma relevância, sem o que se subverteria, por inteiro, o que o legislador pretendeu salvaguardar nos arts. 394 e 395 do CC. Não ocorrendo tal nos autos – com referência à matéria dos arts. 2 e seguintes da Base Instrutória – a prova testemunha produzida não é admissível. Não poderão, pois, subsistir as respostas dadas àqueles artigos da Base Instrutória tendo por base os depoimentos testemunhais prestados. Como por nenhum outro meio de prova – designadamente por documento – aqueles factos se encontram demonstrados, teremos de concluir no sentido da modificação das respostas à matéria de facto provada, deixando de subsistir como integrando a matéria de facto provada as alíneas E) a H) da fundamentação de facto da sentença recorrida. * III – 6 - Não subsistindo como factos provados aqueles factos constantes das alíneas E) a H), não temos elementos que permitam concluir pela extinção da obrigação exequenda, designadamente em virtude da constituição de uma nova que a substituiu. Logo, os embargos improcedem. Neste contexto não subsiste, igualmente, a condenação do embargado como litigante de má fé, inexistindo matéria de facto em que a mesma se possa apoiar. * V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, pelo que julgam improcedentes os embargos deduzidos, julgando, ainda, não haver elementos que permitam a condenação por litigância de má fé. Custas pelo apelado. * Lisboa, 2 de Novembro de 2006 Maria José Mouro Neto Neves Isabel Canadas __________________________________ 1.-Neste sentido Abrantes Geraldes, «Temas da Reforma do Processo Civil», II vol., pag. 273. 2.-Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, pags. 220-221. 3.-Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , processo 03B058. 4.-Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano XIV, tomo I, pag. 130. 5.-Publicado no DR, II Série, de 2 de Junho de 2004. 6.-Ver, a propósito, Menezes Leitão, «Direito das Obrigações, vol. II, 4ª edição, pag. 210. 7.-Embora uma formulação possível fosse a seguinte: aquela declaração corresponderia a uma confissão extrajudicial, nos termos dos arts. 352 e 355, nº 4 do CC, feita pela actual embargante ao embargado; dispondo o nº 2 do art. 358 do CC que a confissão extrajudicial em documento autêntico considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária, tem força probatória plena, a escritura pública, por via da confissão que contém, fazia prova plena da realidade do que fora declarado, ou seja, de que fora emprestado pelo embargado à embargante Maria de Fátima e ao seu marido, naquela data, a quantia de 45.000.000$00. Ver, a propósito o acórdão do STJ de 2-6-99, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , processo 99B247. 8.-«Código Civil Anotado», vol. I, pag. 341-342. 9.-A sentença recorrida situou-se no âmbito do disposto no art. 221 do CC referente às estipulações verbais acessórias. 10.-«Teoria Geral do Direito Civil», pags. 343-344. 11.-Anotação publicada na Rev. Leg. Jurisp., ano 103º, pag. 12. 12.-Local citado, pag. 13. 13.-Anotação publicada na Rev. Leg. Jurisp., ano 107º, pag. 312. 14.-Antes de prosseguirmos compete referir que o texto que o apelante atribui a Manuel de Andrade em «Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis», pag. 28, não corresponde propriamente e na sua integralidade ao que foi transcrito no ponto 46º do corpo da alegação de recurso e na conclusão 25ª. O que Manuel de Andrade refere no local citado é, tão só, o seguinte: «Embora isto não suceda por via de regra, nem mesmo com grande frequência, as palavras da lei são às vezes tão explícitas e categóricas que não podem exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, mais do que um só pensamento», sem que seja feita qualquer referência ao art. 394 do CC. 15.-Curiosamente, os documentos de fls. 238-240 e 241 e seguintes não foram oferecidos, propriamente, para prova dos fundamentos dos embargos, mas sim como documentos que acompanhavam o requerimento de recurso apresentado pela testemunha Pedro Moreira com vista à dispensa do segredo profissional, junto da Câmara dos Solicitadores (fls. 229 e segs.), sendo requerida a junção aos autos pelo mandatário do embargante com vista à demonstração daquela interposição de recurso (fls. 381) e admitida a mesma junção dizendo-se que a «admissão tem apenas a ver com o facto do desfecho do recurso interposto … poder ter alguma influência na tramitação destes autos…» (fls. 382). |